Artigo Completo

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SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA DOS FAMILIARES DE DEPENDENTES QUÍMICOS
DO INSTITUTO MUNICIPAL SOBRE DROGAS DE UBERABA/MG
Érika Vanessa Silva1
Regina Maura Rezende2
RESUMO
Este estudo, busca compreender como se apresenta a saúde e qualidade de vida dos
familiares de dependentes químicos no Instituto Municipal Sobre Drogas de Uberaba.
Com objetivos: traçar o perfil dos familiares das dependentes químicos institucionalizadas;
verificar o impacto da dependência química no contexto familiar sob a perspectiva da
qualidade de vida; analisar o acesso às políticas públicas das famílias e analisar a
contribuição do Serviço Social através da visão dos sujeitos.
Palavras-chave: Qualidade de Vida. Drogas. Serviço Social.
ABSTRACT
This study seeks to understand how has the health and quality of life of family members of
addicts in the Municipal Institute of Drug Uberaba. With goals: profiling the families of
addicts institutionalized; verify the impact of addiction on the family context from the
perspective of quality of life, access to analyze public policies of families and analyze the
contribution of Social Work through the vision of subjects .
Keywords: Quality of Life. Drugs. Social Service.
INTRODUÇÃO
As modificações econômicas, políticas, sociais e culturais que aconteceram no
mundo, desde o século XIX, e que se intensificaram no século XX, proporcionaram
alterações importantes e significativas para a vida cotidiana em sociedade. O resultado da
reestruturação produtiva remeteu à desigualdade de grande contingente da população. O
Estado, em sua configuração neoliberal diminui sua intervenção em relação às políticas
públicas deixando os sujeitos vulneráveis. É neste contexto socioeconômico mais amplo
que o consumo de drogas tem crescido. Estudos de Alves apud Kalina (1999) e Sanchez
1
Universidade Federal do Triângulo Mineiro-UFTM – Residência Integrada Multiprofissional em Saú[email protected]
2
Universidade Federal do Triângulo Mineiro-UFTM – Curso de Serviço Social [email protected]
415
(1982) apontam que tanto a drogadição quanto o seu tratamento são fenômenos
socialmente construídos; Freud (1974) sinaliza que a sociedade influencia fortemente o
comportamento do sujeito que busca substâncias tóxicas para obtenção de prazer;
Bucher (1992) retoma a história do uso e abuso das drogas e aponta que as diversas
formas com que este fenômeno é tratado dependem do contexto histórico e cultural em
que está inserido; Berger & Luckmann (1985) defendem que toda realidade é construída
socialmente através das interações sociais e da linguagem (2006 p. 2). Para SANTOS &
CARRAPATO apud GIOVATE (1992, p.7) “A droga não era símbolo de nada. Apenas
ajudava as pessoas miseráveis a sobreviverem e sofrerem um pouco menos. Talvez,
também ajudasse algumas pessoas no sentido de diminuir suas dores mentais”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define Droga como qualquer substância
não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus
sistemas, causando alterações em seu funcionamento. São várias as drogas que causam
dependência, tanto física quanto psíquica, com sérias consequências para o dependente
e seus familiares.
As drogas consideradas pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10), em
seu capítulo V (Transtornos Mentais e de Comportamento) como substâncias capazes de
causar alterações e dependência são: álcool, tabaco, solvente, maconha, cocaína, outros
estimulantes (anfetaminas e substâncias relacionadas à cafeína), opioides (morfina,
heroína, codeína, diversas substâncias sintéticas), sedativos ou hipnóticos (barbitúricos,
benzodiazepínicos) e alucinógenos.
O relatório apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com dados
de 2007 mostra que, aproximadamente, 208 milhões de pessoas (4,8% da população
adulta do mundo) usaram drogas ilícitas pelo menos uma vez naquele ano. Ainda
demonstra que 26 milhões (0,6% da população mundial) têm dependência química e que
metade faz uso de drogas pelo menos uma vez ao mês, e, em média, cerca de 200 mil
usuários morreram no ano de 2007 em consequência do consumo, e outros tantos
desenvolveram comorbidades. Dados do mesmo relatório indicam que, no ano de 2010,
houve um aumento no consumo de substâncias psicoativas, contabilizando cerca de 230
milhões de pessoas – 1 em cada 20 pessoas – tendo consumido alguma droga ilícita pelo
menos uma vez.
Ao analisar as inúmeras consequências do uso de drogas na sociedade, torna-se
possível visualizar a questão do narcotráfico, as complicações na saúde física, ou seja, as
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sérias decorrências clínicas da dependência química, bem como o sofrimento psíquico, os
prejuízos laborais, sociais, afetivos, familiares, nos laços de amizade, enfim, nas relações
sociais. Para Cartana et al, 2004, o uso de drogas caracteriza-se por um fenômeno
complexo e multifatorial que precisa ser compreendido e abordado por diversas
perspectivas, incluindo o social, o econômico, o político, o biológico, o legal, dentre outros.
Por isso, considera-se que a dependência química soma-se ao quadro de fatores que
contribuem para a fragilização das relações e o agravamento dos conflitos internos das
famílias, comprometendo a qualidade de vida dos sujeitos.
A qualidade de vida, objeto de investigação deste estudo, é definida pelo Grupo
de Qualidade de Vida da divisão de Saúde Mental da OMS como "a percepção do
indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais
ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"
(WHOQOL GROUP, 1998).
Para MINAYO et al., o discurso da relação entre qualidade de vida e a área da
saúde já existia, apesar de muito inespecífico e generalizante, desde o início da Medicina
Social, nos séculos XVIII e XIX, quando investigações de caráter mais sistemático
começaram a referendar a ideia de excelência das condições de vida e servir de base
para políticas públicas e movimentos sociais. Desta forma, a qualidade de vida pode ser
compreendida, como [...] uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada
ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria
estética existência [...]. Neste sentido, observa-se que a qualidade de vida está
estritamente ligada às condições de vida dos sujeitos.
[...] a condição biopsicossocial de bem estar, relativa a experiências
humanas objetivas e subjetivas e considerada dentro das particularidades
individuais e sociais da situação singular. Refere-se, portanto, a uma
definição de caráter contextual, devendo ser entendida dentro das
especificidades de cada situação, e multidimensional, considerando os
vários determinantes da condição humana [...] (SOUZA; CARVALHO,
2003, p. 517).
Entendendo que a dependência química é uma das expressões da questão social
que compromete a qualidade de vida do sujeito e de seus familiares, ressalta-se a
necessidade de desenvolver ações integrais por meio de políticas públicas consistentes,
capazes de reduzir, de forma preventiva, os problemas decorrentes do uso abusivo de
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drogas. Portanto, reafirma-se o pensamento de Behring e Boschetti (2006, p.46) quando
ressaltam que:
A política social é uma conquista civilizatória e a luta em sua defesa
permanecem fundamentais, podendo ganhar em países como o Brasil uma
radicalidade interessante, ela não é a via de solução da desigualdade que
é intrínseca a este mundo, baseado na exploração do capital sobre o
trabalho, no fetichismo da mercadoria, na escassez e na miséria em meio
à abundância.
Em meio aos vários profissionais que trabalham com políticas sociais está o
assistente social, que se insere na divisão sociotécnica do trabalho, pois tem como objeto
de enfrentamento as múltiplas expressões da questão social. Tal inserção faz com que a
atuação profissional se dê no âmbito da produção e reprodução da vida social.
O assistente social dispõe de um código de ética profissional e embora o
Serviço social seja regulamentado como uma profissão liberal, não tem
essa tradição na sociedade brasileira. É um trabalhador especializado que
vende sua capacidade de trabalho para algumas entidades empregadoras,
predominantemente de caráter patronal, empresarial ou estatal, que
demandam essa força de trabalho qualificado e o contratam. Esse
processo de compra e venda da força de trabalho especializado em troca
de um salário faz com que o Serviço Social ingresse no universo da
mercantilização, no universo de valor. A profissão passa a constituir-se
como parte do trabalho social produzido pelo conjunto da sociedade,
participando da criação e prestação de serviços que atendem às
necessidades sociais (...). Por outro lado, os assistentes sociais também
participam, como trabalhadores assalariados, do processo de produção
e/ou de redistribuição da riqueza social. Seu trabalho não resulta apenas
em serviços úteis, mas ele tem um efeito na produção ou na redistribuição
do valor e da mais-valia (IAMAMOTO, 2000, p. 23-24).
Os profissionais do Serviço Social trabalham com a questão social nas suas mais
variadas formas expressas na cotidianidade, refletindo nos indivíduos e transparecendo
no ambiente de trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social,
entre outras políticas públicas.
A questão social apreendida como o conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum:
a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a aproximação dos seus frutos mantém-se
privado monopolizado por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2000,
p.27).
418
Então, o profissional deve decifrar a realidade por meio da qual se expressa a
questão social.
O momento presente desafia os assistentes sociais a se qualificarem para
acompanhar, atualizar e explicar as particularidades da questão social nos
níveis nacional, regional e municipal, diante das estratégias de
descentralização das políticas públicas. Os assistentes sociais encontramse em contato direto e cotidiano com as questões da saúde pública, da
criança e do adolescente, da terceira idade, da violência, da habitação, da
educação etc.
acompanhando as diferentes maneiras como essas questões são
experimentadas pelos sujeitos (IAMAMOTO, 2000, p.41).
Dessa forma, a atuação do profissional deve ser pautada no reconhecimento da
liberdade como valor ético central e nas demandas políticas a elas inerentes, na defesa
dos direitos humanos e sociais, na ampliação e consolidação da cidadania e democracia,
no posicionamento a favor da equidade e justiça social, no empenho para eliminação de
todas as formas de preconceito, na garantia do pluralismo, na opção por um projeto
profissional vinculado ao processo de uma nova ordem societária, na articulação com os
movimentos de outras categorias, na qualidade dos serviços prestados e no exercício
profissional, sem ser discriminado ou discriminador.
Diante do quadro apresentado, intenta-se compreender como se apresenta a
saúde e qualidade de vida dos familiares de dependentes químicos usuários do Instituto
Municipal Sobre Drogas de Uberaba – IMAD, avaliando, deste modo, a efetivação das
políticas públicas voltadas para as famílias e as possibilidades de contribuição do
Serviço Social frente à realidade estudada.
CAMINHO METODOLÓGICO
A pesquisa realizada no decorrer deste trabalho foi fundamental para sua
concretização. Neste sentido, apresenta-se breve contextualização do cenário.
O IMAD (Instituto Municipal Sobre Drogas) localiza-se no Jardim Espírito Santo, na
cidade de Uberaba, interior do estado de Minas Gerais; é uma organização não
governamental que atende mulheres em situação de dependência química, a partir dos 12
anos de idade e possui estrutura física com capacidade para 30 abrigamentos. A
Instituição conta, ainda, com uma equipe multiprofissional composta por psicólogo,
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pedagogo, dentista, clínico geral, psiquiatra e terapeuta ocupacional a qual proporciona
atendimentos individuais e grupais para as usuárias e familiares. Oferece atividades
externas como participação em palestras, conferências, cursos profissionalizantes em
parceria com a Prefeitura Municipal. (INSTITUTO MUNICIPAL SOBRE DROGAS-IMAD)
Os sujeitos da pesquisa foram selecionados aleatoriamente, em uma amostragem
composta por familiares das mulheres institucionalizadas, sendo escolhido um familiar por
mulher (usuária) em situação de abrigamento, que frequentava a Instituição quando da
visita mensal, durante o período de junho a agosto de 2012. O fato de a
institucionalização ser voluntária impediu a pesquisadora de quantificar o número de
indivíduos entrevistados. Durante o período de coleta dos dados, o número de internas
foi, em média, de 24 mulheres. Participaram deste estudo, 10 familiares, sendo mães,
avós, esposos, tios, filhos ou irmãos das internas. Foram excluídos da análise, 14
familiares, por se tratarem de pessoas que não residiam no município, pois este se
constituiu em critério estabelecido previamente pela pesquisa. Vale ressaltar que não
ocorreram recusas na participação do estudo.
A abordagem escolhida foi de caráter quanti-qualitativo que se refere àquela em
que o pesquisador busca, na junção dos dados objetivos e subjetivos, os meios para
concretizar sua pesquisa. A análise dos dados qualitativos foi fundamentada no conteúdo;
em relação aos dados quantitativos, estes foram tabulados e analisados pelo programa
estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) utilizando a análise
descritiva. A corrente teórico-filosófica utilizada para tratamento do material foi o
materialismo dialético, que tem a percepção da realidade social como um todo que está
relacionado entre si.
Inicia-se a pesquisa com entrevista semiestruturada para obtenção de dados
demográficos (sexo, idade, renda familiar, etc.) possibilitando, de tal modo, conhecer o
perfil dos familiares, o acesso destes às políticas públicas e as possibilidades de
contribuição do Serviço Social. Posteriormente, foi aplicado o questionário World Health
Organization Quality of Life WHOQOL - bref (Fleck, Louzada, Xavier, Chachamovich,
Vieira, Santos & Pinzon, 2000) que é um instrumento desenvolvido pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), o qual contém 26 questões que avaliam a qualidade de vida em
quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. O Instrumental foi
validado, no Brasil, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
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O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro de Uberaba-MG. Todos os sujeitos receberam informações sobre a pesquisa,
seguros do anonimato e confiabilidade da pesquisa, assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (pré e pós-esclarecimento).
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Buscando alcançar os objetivos propostos, faz-se necessário traçar breve perfil da
amostra visando compreender a realidade na qual estão inseridos.
Conforme os dados coletados, pode-se observar nos gráficos X e Y que a maioria dos
familiares que visitaram as mulheres institucionalizadas são do sexo feminino e mães.
Gráfico x – Distribuição dos familiares quanto ao grau de parentesco
Gráfico y – Distribuição dos familiares quanto ao sexo e o estado civil
O predomínio de mulheres é uma característica com a qual se depara com
frequência, reforçando o papel social historicamente determinado à mulher. Para Sarti
(2010 p.28), “a mulher é quem cuida de todos e zela para que tudo esteja em seu lugar”.
A ela fica atribuído o papel de cuidar dos filhos. O gráfico Y mostra que 50 % das
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entrevistadas residem com companheiros, sendo 30% legalmente casados e os outros
20% mantêm união estável. Já os outros 50% da amostra correspondem a 30% de
solteiros e 20% de viúvos.
Quanto à escolaridade dos entrevistados, observa-se que 40% possuem o ensino
médio, outros 40% concluíram o ensino fundamental e 20% são analfabetos.
Gráfico Z – Distribuição dos familiares quanto à escolaridade
A escolaridade é predominantemente baixa, o que pode interferir direta ou
indiretamente no acesso às informações. Nessa medida, segundo Leon e Filho (2002,
p.418) tem-se:
Do ponto de vista individual, a escolha do nível educacional e o
desempenho na escola podem ser influenciados por diversos fatores: as
condições socioeconômicas do estudante, a compatibilidade do estudo
com a inserção no mercado de trabalho, as condições econômicas e
sociais da região onde vive, as suas características observadas, como
idade e sexo, e as não-observadas, como talento, determinação e vontade
de continuar estudando.
No que se refere à etnia, a amostra divide-se em 50% de brancos, 40% de pardos
e 10% de negros. Em termos de renda, observa-se que os familiares entrevistados
recebem remuneração mensal baixa, variando entre um e um e meio salário-mínimo,
dado que não difere significativamente, quando acrescentada a renda dos outros
membros da família, girando o rendimento familiar mensal em torno de 3 saláriosmínimos, conforme gráficos - abaixo.
422
Gráfico W – Distribuição dos familiares quanto à renda do entrevistado
Gráfico L – Distribuição dos familiares quanto à renda familiar
Nota-se uma clara relação entre o nível de escolaridade e a renda, uma vez que o
mercado de trabalho acentua os níveis de desemprego assim como a precariedade dos
subempregos e a deterioração dos níveis de renda, em decorrência, principalmente, dos
baixos níveis de escolaridade. Pochmann (2004, p.386) aponta que:
às famílias de baixa renda, somente 41,4% possuem empregos
assalariados, sendo ainda bem menor o contingente de ocupados
assalariados com contrato formal (25,7%). Sem acesso ao assalariamento
e, sobretudo, ao contrato formal, há inequivocamente maior exclusão dos
benefícios da legislação social e trabalhista para a população de baixa
renda no Brasil.
O mesmo autor destaca o aumento crescente da violência em meio à falta de um
horizonte de ocupação e renda decente nas camadas mais pobres. Atrelado à questão da
desigualdade social e às inúmeras implicações no cotidiano das famílias, a pesquisa
mostra a situação de moradia desses sujeitos.
423
Gráfico K – Distribuição dos familiares quanto à moradia
O gráfico K possibilita perceber que 70% das famílias não possuem casa própria,
sendo que 40% residem em imóveis alugados e os outros 30% residem em casas cedidas
por terceiros.
Diante das informações demonstradas acerca das condições sóciodemográficas
dos sujeitos pesquisados, pode-se afirmar que tais famílias encontram-se, conforme a
classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na classe D, o que
reforça sua condição de vulnerabilidade. Desta forma para Abramovay, Castro, Pinheiro,
Lima & Martinelli, (2002, p. 29) a vulnerabilidade é definida como
o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos
materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o
acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que
provêm do Estado, do mercado e da sociedade.
Vale ressalvar que, no Brasil, a criação dos direitos sociais resulta da luta de
classes e expressa a correlação de forças predominantes. Behring & Boschetti , (2006
p.78), afirmam que:
A questão social já existente num país com manifestações objetivas de
pauperismo e iniqüidade, em especial após o fim da escravidão e com a
imensa dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do
trabalho, só se colocou como questão política a partir da primeira década
do século XX, com as primeiras lutas de trabalhadores e as primeiras
iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho.
As autoras afirmam que as políticas sociais no Brasil instituíram-se como tutela e
favor na figura do então presidente Vargas, conhecido como “o pai dos pobres”, nos anos
de 1930. Para elas, a distância entre a definição dos direitos em lei e sua implementação
real persiste até os dias de hoje, mediante forte instabilidade dos direitos sociais,
424
denotando sua fragilidade, que acompanha uma espécie de instabilidade institucional e
política permanente, com dificuldades de configurar pactos mais duradouros e inscrever
direitos inalienáveis (Behring & Boschetti ,2006 ,p.79).
Em matéria de política social, o Brasil permanece apresentando, segundo Fagnani
(2005), a configuração de uma sociedade que nunca conseguiu vencer a polarização
entre ricos e pobres, as deficiências estruturais e acumuladas nas áreas da saúde,
educação, assistência social, seguro‑desemprego, qualificação dos trabalhadores
desempregados e subempregados e problemas crônicos nas áreas da infraestrutura
urbana (habitação, saneamento básico, transporte), da reforma agrária e das políticas de
emprego e renda. Os avanços constitucionais de 1988 foram, ao longo do tempo,
sofrendo desmontes significativos em favor do capital. Para Behring & Boschetti “revelouse sem surpresas, a natureza pragmática, imediatista, submissa e antipopular das classes
dominantes brasileiras” (2006, p.151). É na base desse déficit social que as camadas
mais vulneráveis da sociedade são brutalmente castigadas.
do ponto de vista econômico, as políticas que vêm sendo implementadas
não rompem com o favorecimento do capital financeiro, não assumiram
uma intenção radical de reestruturar a organização do trabalho em favor
dos trabalhadores e não caminham para uma efetiva socialização da
riqueza produzida.(BEHRING e BOSCHETTI ,2006, p.196).
Assim, entende-se que as políticas públicas atendem ao capital de forma que a
população não consegue fazer parte de sua formulação e fiscalização restringindo seu
acesso de forma pontual e fragmentado. É possível verificar que, no caso do presente
estudo, as políticas públicas não conseguiram alcançar a necessidade real dos sujeitos,
uma vez que 70% dos entrevistados responderam que não conhecem os recursos
comunitários do município, porém, quando esclarecido o que seriam estes recursos,
houve menção de hospitais, unidades básicas, creches, unidades de atendimentos ao
idoso, escolas e centros esportivos, contradizendo a resposta anterior.
Nesta direção, percebe-se a falta de conhecimento e acesso aos quais os
indivíduos estão expostos, pois não é de interesse do capital subsidiar políticas sociais
que deem condições de participação dos sujeitos, enquanto cidadãos de direito.
425
a participação social promove transparência na deliberação e visibilidade
das ações, democratizando o sistema decisório; permite maior expressão e
visibilidade das demandas sociais, provocando um avanço na promoção
da igualdade nas políticas públicas; a sociedade por meio de inúmeros
movimentos e formas de associativismos, permeia as ações estatais na
defesa e alargamento de direitos, demanda ações e é capaz de executálas no interesse público.(BEHRING E BOSCHETTI apud SILVA,
JACCOUND E BEGHIN,2006, p.178).
Os resultados da pesquisa demonstram, claramente, a contradição presente no
sistema capitalista, uma vez que 60% dos sujeitos avaliam como boa sua qualidade de
vida.
Numa sociedade de classes antagônicas, que tem na alienação e na contradição
seus elementos fundantes, a consciência social passa a se chamar perigo, razão pela
qual a classe dominante direciona todos seus esforços para manter seus agentes em uma
malha alienante. Desta forma, há uma explosão de elaboração de políticas focalizadas,
clientelistas, distorcendo o significado de proteção social.
Em suma, sob o discurso da mudança radical da governança do Estado, a
preocupação dominante é a de encontrar soluções rápidas e menos
onerosas para liberar os pobres da proteção social pública. A grande
novidade tem sido a ativação compulsória dos demandantes dessa
proteção para o trabalho, mediante a combinação de objetividade
programática com simplicidade administrativa e baixo nível de investimento
educacional. A educação, nesse contexto, reduz‑se a treinamento ou
adestramento aligeirado para um mercado de trabalho instável e flexível,
enquanto a assistência social deixa de fazer parte de uma rede de
proteção para se transformar em trampolim para esse tipo de trabalho
(PEREIRA 2012, p. 738).
Do exposto, é possível entender a fragilidade da população já que o domínio
neoliberal
arquiteta
ideologias
moralistas
em
torno
de
uma
ética
de
autor
responsabilização dos indivíduos. Segundo Pereira apud Pisón (2012), o sistema
neoliberal obriga os indivíduos pobres a satisfazerem suas próprias necessidades sociais,
ou, então, a darem algo em troca pelos auxílios públicos recebidos, como se fossem
eternos devedores e não credores de vultosas dívidas sociais. Os indivíduos passam a
ser culpabilizados pela sua exclusão do sistema. Para Santos (2001), é importante
compreender que a exclusão é produto de relações de classe e não de nações, já que
contrapô-las, abstratamente, sem analisar os diversos interesses de classe em jogo no
seu interior, é uma representação abstrata e caótica do fenômeno.
426
No seio da sociedade dominada pelo capitalismo, onde se reproduzem,
invariavelmente, as desigualdades sociais, há enorme contingente da população, em que
se multiplicam e se aprofundam os conflitos sociais, deterioram, a qualidade de vida dos
sujeitos. Reforça-se esta afirmação quando 40% dos sujeitos respondem que estão mais
ou menos seguros, e outros 30%, não se sentem nada seguros em suas vidas diárias.
Quando se analisa o instrumental WHOQOL – bref, na sua totalidade, verifica-se
que os pressupostos de análise da qualidade de vida baseiam-se em uma construção
subjetiva, ou seja, na percepção do indivíduo, multidimensional e composta por elementos
positivos e negativos (Minayo, et al. 2000). Diante desta análise, verifica-se que o domínio
mais prejudicado indicado pelos sujeitos entrevistados foi o ambiental, seguido pelo
psicológico, físico e o social, conforme a tabela 1. Com base na definição da OMS, quanto
mais os valores se aproximarem de 100%, maior a qualidade de vida dos sujeitos.
Estatística Descritiva
De.
N
Físico
Psicológico
Social_
Ambiental
Geral
N válido
Mínimo Máximo
Média
10
14,29
100,00 59,6429
10
8,33
87,50
10
25,00
100,00 60,8333
10
21,88
75,00
48,4375
10
12,50
75,00
52,5000
58,3333
padrão
30,4933
9
24,9227
2
20,0500
9
21,8129
1
25,5495
2
10
Conforme apresentado, é possível verificar que, ao se deparar com sujeitos cujo
perfil sócioeconômico reside em cerca de um salário mínimo/mês (R$ 622,00), vê-se que
as expectativas em relação à qualidade de vida se fazem reduzidas: como destacar bons
índices de qualidade de vida se, de início assiste-se uma precarização econômica? O que
427
se percebe é que as famílias sofrem muitas dificuldades na atualidade e, na mesma
medida, é visível a precarização da qualidade de vida decorrente da própria precarização
econômica, ou seja, no sistema capitalista, adentrar o pertencimento social equivale a
estabelecer relações que, invariavelmente, passam pela possibilidade de acesso a bens e
serviços.
Outro ponto que se estabelece é em relação à saúde dos entrevistados, 50% dos
familiares relatam estarem insatisfeitos ou muito insatisfeitos com sua saúde. A
insatisfação aumenta quando questionados, com que frequência têm sentimentos
negativos, tais como: mau humor, desespero, ansiedade e depressão. Somente 20% dos
sujeitos responderam que nunca têm esses sentimentos; os outros 80% mencionaram
episódios de sentimentos negativos (20% algumas vezes; 10% frequentemente; 30%
muito frequentemente e 20% responderam que sempre têm sentimentos negativos).
Estudos demonstram que os sentimentos negativos estão presentes na questão da
dependência de drogas. É impraticável falar sobre saúde e qualidade de vida, quando se
tem um membro no núcleo familiar dependente químico.
Não se pode afirmar que a dependência química é resultante somente da falta de
políticas públicas, pois ela é uma doença multifatorial. Porém, a ineficácia dessas políticas
torna os sujeitos vulneráveis. Destaca-se a necessária presença dos programas de
prevenção que oportunizam condições de pertencimento a mecanismos que poderiam
evitar ou minimizar a inclusão no mundo da dependência química. Essas ações,
certamente são de responsabilidade da saúde pública, logo, de politicas públicas e sociais
que trabalhem tais necessidades da população.
a drogadição não é mais do que uma das conseqüências da alienação
histórico-social, política e econômica, através da qual se manifesta a
dramática dissociação em que vivemos (Kalina & cols., 1999, p. 88). Ela é
um sintoma da crise que atravessamos, decorrentes de uma gama de
fatores incluídos na dimensão familiar, social e individual (Kalina & cols.,
1999), bem como das rápidas e consistentes mudanças no modo de
organização das sociedades industrializadas (Toscano Jr., 2001). Essas
transformações levaram a um modo de vida racional, materialista e
normatizador, no qual o uso de drogas assumiu a forma de evasão, de
contestação e/ou transgressão. (Pratta & Santos ,2009 p. 207)
A falta de integração das políticas e sua fragmentação culminaram no tratamento
da questão do abuso de drogas de forma repressiva, punitiva e moralista e não como uma
428
questão de saúde pública no país. Logo, enquanto não houver uma interlocução das
políticas e estas se efetivarem na dinâmica da vida dos sujeitos, ocorrerá o aumento das
expressões da questão social nas suas mais variadas formas.
O Estado brasileiro ainda não encontrou o caminho para efetivar os direitos
sociais de seus cidadãos. As políticas sociais sempre estiveram
subordinadas ao processo de acumulação do capital [...] (ABRAMOVAY,
CASTRO, PINHEIRO, LIMA E MARTINELLI, 2002, p.29).
A discussão acerca da dependência química, no âmbito da saúde pública brasileira
apresenta-se como temática de fundamental relevância para os diferentes profissionais
que atuam neste campo, entre eles, o assistente social, uma vez que os dados remetem a
uma realidade que abrange grande parte da sociedade.
O assistente social se insere na equipe de saúde como profissional
capacitado
para atuar nas expressões da questão social, oriunda das relações sociais
que afetam a saúde, em consonância com os programas médicos
assistenciais desenvolvidas pelos serviços de saúde (MINAS GERAIS,
1993).
Inseridos no rol de profissionais que trabalham na saúde e, por conseguinte, com a
dependência química e suas consequências na qualidade de vida dos usuários e de seus
familiares, os entrevistados foram questionados se conheciam o profissional assistente
social e se já haviam sido assistidos por algum profissional, buscando por seus
depoimentos, conhecer a visão em relação ao exercício profissional, para perceber se o
processo histórico, ou mesmo a atuação, interfere no conhecimento acerca das
atribuições e competências do assistente social. Pode-se verificar, nos depoimentos a
seguir, a falta de compreensão sobre o papel do profissional de Serviço Social. A visão
que os familiares possuem restringe, em sua grande maioria, à mera ajuda:
Conheço, mais nunca fui assistido. (F-1)
Conheço é aquele profissional da SEDS que indica a instituição.
(F-2)
Profissional que trabalha na UBS, vai na minha casa pra ver meu sogro.
Ela vai pra fazer o controle do diabetes, da hipertensão arterial e pesar as
crianças. (F-3)
429
É aquelas moças que vão em casa. Mais não fui assistida por uma. (F-5)
Sim aquela do bolsa família, o profissional também me indicou a clínica.
(F-6)
Já foi na minha residência, ela foi perguntar a renda, antes de começar a
receber, ver se eu tinha eletrodoméstico e depois fez meu cadastro no
CRAS. Ela disse que as visitas agora seriam do profissional do CRAS, e
que viriam pra ver se as pessoas estavam mesmo precisando do dinheiro.
(F-8)
Sim já fui assistido várias vezes. (F-9)
Sim bom demais, tudo o que perguntei fui orientado, conseguiu ajuda para
minha filha, e agora está tentando conseguir beneficio para afastar. (F-10)
A profissão, apesar de ter caminhado com algumas conquistas ao longo da sua
profissionalização
e
institucionalização,
no
aspecto
que
diz
respeito
ao
seu
reconhecimento e sua verdadeira identidade, depara-se, ainda, com muitos desafios
quanto a legitimação, seja por aspectos políticos, no que tange ao interesse de não se
desmistificar a questão do direito por parte da classe dominante; ou por parte dos
profissionais, que não se encontram, enquanto categoria, no desempenho efetivo de sua
função.
De fato, o assistente social também orienta e esclarece, mas não se limita a tais
ações, ou seja, o assistente social vai além, busca a emancipação dos sujeitos, não
exercendo o papel de mero executor de tarefas e um funcionário a mais no quadro de
profissionais. O assistente social veicula informações para que os usuários realmente
lutem por seus direitos e tenham consciência de seus deveres. Portanto, exige-se de um
profissional qualificado que:
[...] reforce e amplie a sua competência crítica; não só executivo, mas que
pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade. Alimentado por uma atitude
investigativa, o exercício profissional cotidiano tem ampliadas às
possibilidades de vislumbrar novas alternativas de trabalho nesse
momento de profundas alterações na vida em sociedade. O novo perfil que
se busca construir é um profissional afinado com a análise dos processos
sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas
manifestações cotidianas; um profissional criativo e interventivo, capaz de
entender o “tempo presente, os homens presentes, a vida presente” e nela
atuar, contribuindo, também, para moldar os rumos de sua história
(IAMAMOTO, 2000, p.49).
430
Ao indagar sobre a visão dos entrevistados, sobre a forma como o assistente social
pode contribuir com a qualidade de vida da sua família, os sujeitos ressaltaram que:
Pode. Não sei o que o assistente social faz mais penso que pode ajudar a
clinica. (F-5)
Ela fez tudo, ela fez os encaminhamentos para a clinica e arrumou o
beneficio. Ela é muito boa. (F -6)
Tem sido uma grande ajuda, antes eu ficava sem água, sem luz, agora
com o beneficio tenho acesso. (F-8)
De toda forma. Se a gente pudesse ter uma pra conversar toda semana
podia ajudar muito, prefiro o apoio do assistente social que do psicólogo,
pois o assistente social é mais carinhoso. Acho o assistente social uma
prioridade pois ajuda e resolve melhor. (F-10)
Os depoimentos ressaltam uma visão restrita e pontual acerca do exercício
profissional do assistente social. Os familiares, de forma simples, colocaram sua
percepção acerca da profissão, o que acaba por reforçar que a maioria referencia-se ao
assistente social como uma pessoa a quem recorrem quando necessitam de viabilização
de recursos materiais, encaminhamentos, orientação sobre procedimentos relativos às
questões burocrático-documentais, enfim, o que é necessário para as formalidades legais.
O assistente social é um profissional que pode ir além da mera execução, um simples
esclarecimento e encaminhamento, pois pode executar ações emancipadoras e
inovadoras que ultrapassam o simples ajudar, mas alcance a possibilidade de usufruto do
direito.
Por não terem esclarecimento sobre o trabalho do assistente social, os sujeitos não
possuem consciência de quanto importante e rico é esse trabalho. Tal questão poderia
ser explicada, o que não justifica, pela trajetória histórica do serviço social na sociedade,
ou seja, nascido das ações de ajuda e caridade, mas que, certamente, na
contemporaneidade, já alçou voos em direção a se reafirmar como profissão e ser
reconhecida como tal.
Ainda assim, os sujeitos veem como sendo um trabalho simples. Tem-se uma visão
rotineira, reiterativa e burocrática do Serviço Social, o que não possibilita vislumbrar
possibilidades inovadoras para ação, diante da ilusória e desfocada da realidade, o que
leva a ações inócuas.
431
[...] exige uma ruptura com a atividade burocrática e rotineira, que reduz o
trabalho do assistente social a mero emprego, como se esse se limitasse
ao cumprimento burocrático de horário, á realização de um leque de
tarefas as mais diversas, ao cumprimento de atividades preestabelecidas.
Já o exercício da profissão é mais do que isso. É uma ação de um sujeito
profissional que tem competência para propor, para negociar com a
instituição os seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas
qualificações e funções profissionais. Requer, pois, ir além das rotinas
institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar
tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem
impulsionadas pelo profissional. (IAMAMOTO, 2000, p.21)
O que se notou foi o claro e fundamental papel do assistente social no
encaminhamento da política de saúde como em outras políticas e programas sociais. O
profissional deve buscar sempre veicular informações que possibilitem a inserção dos
usuários e familiares, enquanto sujeitos no processo. No entanto, através dos
depoimentos fica claro o arrefecimento da atuação profissional nos eixos de mobilização,
participação e controle social; investigação; planejamento e gestão e assessoria,
qualificação e formação profissional. Para o CFESS (2009), especificamente quanto ao
grupo de estudo do Serviço Social e Saúde, é importante destacar que esses eixos não
devem ser compreendidos de forma segmentada, mas articulados dentro de uma
concepção de totalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da reflexão apresentada sobre os familiares de dependentes químicos, não
é possível afirmar que os membros dessas famílias partiram para o uso de drogas
somente devido a suas condições socioeconômicas, pois a questão do uso de
substâncias psicoativas sofre influências diretas também do contexto histórico e cultural.
Entretanto, ao observar as condições em que estes familiares foram expostos ao longo de
suas relações, constatou-se que estes estavam mais vulneráveis às condições adversas.
Este estudo demonstra que a falta ou ineficácia das políticas públicas influencia nas
relações estabelecidas pelos sujeitos com o meio, partindo para as mais variadas formas
de busca de superação. Uma destas buscas pode se caracterizar por fugas, como se viu
no caso da drogadição, pois a intensificação desse uso traz consequências graves para o
usuário e seus familiares. Essas consequências podem ser percebidas no adoecimento
físico e psíquico dos membros familiares, na fragilização dos vínculos, na questão
432
financeira, no aumento da violência intra extrafamiliar e em tantos outros aspectos que
comprometem a saúde e a qualidade de vida dos sujeitos envolvidos.
Verificou-se que, apesar de a dependência química ser classificada como doença,
ainda não é tratada no campo da saúde publica como tal. Faltam ações eficazes de
prevenção e promoção de saúde, profissionais qualificados no âmbito do SUS para lidar
com o usuário e seu familiar. As instituições, em sua maioria, são ONGs que sobrevivem
de doações da sociedade, comprometendo a oferta da qualidade em seus tratamentos
devido à falta de recursos etc.
A dependência química, no Brasil, permanece vista como uma questão moral e
fragmentada. Quando se fala em políticas públicas sobre drogas, fala-se de drogas
ilícitas. Não se trabalha no campo da saúde coletiva, a questão do abuso de álcool,
tabaco e medicamentos. O que se depreende é que os avanços políticos são, na verdade,
medidas paliativas e pontuais que não vão à raiz do problema.
Desse modo, diante da complexidade das demandas expressas pela questão
social, os limites e desafios se fazem presentes constantemente na prática do assistente
social. Os desafios se configuram em trabalhar as possibilidades em meio a um contexto
que manifesta desigualdades de dimensões macroeconômicas, políticas e sociais
refletidas nas condições de vida dos sujeitos. Os limites estão voltados para a atuação
profissional que deve direcionar suas ações à articulação integrada das políticas públicas
e à potencialização da autonomia dos sujeitos para identificarem possibilidades no
enfrentamento de suas problemáticas. Os assistentes sociais devem vencer suas práticas
burocráticas e tecnicistas, caminhando em busca da efetivação do projeto ético-político.
[...] é preferível ‘pensar’ sem disto ter consciência crítica, de uma maneira
desagregada e ocasional, isto é, ‘participar’ de uma concepção de mundo
‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos
vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos
desde sua entrada no mundo consciente (...) ou é preferível elaborar a
própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e,
portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a
própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história
do mundo, ser uma guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior,
passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?
(VASCONCELOS 2011 apud GRAMSCI, 1778a).
433
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