contato social - Faculdade Guarapuava

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CONTATO SOCIAL
REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Nº 2 – ANO 2 - 2012
EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
2
UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA
Cleri Becher de Mattos Leão
Diretora Presidente
Leonardo Becher de Mattos Leão
Diretor Administrativo
FACULDADE GUARAPUAVA - FG
Carlos Alberto Ferreira Gomes
Diretor Geral
CONTATO SOCIAL
REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
ANO 2 – Nº 2 - 2012
EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
Artigos Científicos e Resumos Expandidos
3
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes
Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes
Prof. Ms. Grazieli Eurich
Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva
Profª.Ms. Rosimeri Schaia Pedroso
COMISSÃO DE APOIO
Carlos de Jesus Lima (Filosofia)
Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia)
Eliane Lupepsa Costenaro (História)
Gilce Primak Niquetti (Pedagogia)
Jorge Luiz Zaluski (História)
Leticia Larsson (Pedagogia)
Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências Sociais que
já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de especialização Lato Sensu.
4
GOMES, Cerize Nascimento e GOMES, Carlos Alberto
(orgs) . Contato Social: Educação e Diversidade. 107
páginas. Faculdade Guarapuava (FG). REVISTA
CONTATO SOCIAL - ANO 2, Nº 2, 2012.
Palavras-chave: Educação. Diversidade. Sociedade.
Cultura. Intervenção social.
5
ÍNDICE
1 – As principais concepções teóricas da sociologia clássica e as concepoções
reprodutivistas. Rafael Morgentale Disconzi .......................................................p.06
2 – Pêssankas em Prudentópolis: história, simbolismo e permanência da cultura
ucraniana. Nikolas Corrent....................................................................................p.29
3- Descompasso entre políticas públicas e inclusão de sujeitos surdos no ambiente
escolar e social – Andrea Ortiz – Co-autora: Cerize Nascimento Gomes.............p.51
4 – Educação e Ditadura Militar: memórias da repressão militar na FAFIG (19701973) - Ernando Brito Gonçalves Júnior ............................................................p.61
5 – O imaginário mágico-religioso da umbanda: Dogmas e práticas ritualísticas afrobrasileiras. Cerize Nascimento Gomes. Co-autoras: Lucélia Terezinha Pietras e
Luciane Pietras. .................................................................................................... .p.78
Resumos expandidos
6- Cultura material e memórias sobre a colonização do Paiquerê na região de
Guarapuava (PR) - Fábio Noima Pelosi...............................................................p.97
7 - Agricultura familiar: cotidiano e trabalho da comunidade do assentamento
Jabuticabal no município de Goioxim (PR) - Jaiton Miqueias Passos Rocha...p.100
6
AS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA
E REPRODUTIVISTA DA EDUCAÇÃO1
Prof. Rafael Morgentale Disconzi2
Ciências Sociais - FG
RESUMO: Existem inúmeras orientações metodológicas para o estudo
científico dos problemas educativos que procuram superar a descrição simples de
informações coletadas. A ideia é a realização de um levantamento das abordagens
teóricas da sociologia que são tomadas como pressupostos para se entender as
contradições educacionais, partindo dos clássicos até os contemporâneos advindos
do movimento francês – os “reprodutivistas”. Espera-se ser capaz neste presente
artigo poder fornecer subsídios que fundamentam as diferentes concepções teóricas
da sociologia da educação.
Palavras-Chave:
reprodutivistas.
Teorias
Sociológicas
Clássicas.
Educação.
Crítico-
INTRODUÇÃO
A sociologia é uma ciência que surge com o desenvolvimento do capitalismo.
Então a natureza da reflexão sociológica, que aparece na sistematização de estudos
de seus fundadores mais importantes, está marcada, já em seu nascimento, pela
seguinte questão: como compreender as maravilhas e ao mesmo tempo os
problemas sociais deste novo mundo que desabrochou com o desenvolvimento da
indústria moderna e da sociedade estratificada em classes? Essa pergunta está no
bojo dos acontecimentos históricos vividos pelos autores pertencentes à sociologia
clássica, ou seja, os estudos sobre educação de Auguste Comte, Herbert Spencer,
Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber que trazem uma peculiaridade segundo o
contexto social, político e econômico que estavam inseridos.
1
Artigo apresentado no II Seminário de Pesquisa, Iniciação Científica e Extensão. Desenvolvimento Regional:
Pesquisa e Intervenção Social. Realizado na Faculdade Guarapuava/PR, nos dias 22 a 26 de outubro de 2012.
2
Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais (PUCRS), Porto Alegre/RS. Pós- Graduado em
Metodologia de Ensino em Sociologia (FACEL), Curitiba/PR. Mestrando em Ciências da Educação (UPAP),
Assunção/Paraguai.
7
Tais estudos serviram de análise por todo o século XX, principalmente no final
dos anos sessenta e início da década de setenta, quando surge uma corrente de
pensadores chamada de “escola reprodutivista” (Bourdieu, Passeron, Althusser,
Establet e Baudelot), em oposição ao ‘otimismo pedagógico’ estabelecido pelas
formulações liberais e conservadoras.
Ao descrever os desafios que a instituição escolar está passando na
contemporaneidade, não pode-se encará-la de maneira unilateral em relação às
outras instituições que fazem parte da vida social, ou seja, precisa-se levar em
consideração
fenômenos pluridimensionais
para
poder
realmente
ter
uma
consistência na análise sociológica sobre educação. A educação apresenta uma
relação intrínseca com a economia, com a política, relações de poder, fatores
culturais e tecnológicos. Não se pode falar de educação sem discutir o capitalismo.
Uma característica do capitalismo é buscar e criar novos mercados, pois, percebe-se
cada vez mais o crescimento de organizações internacionais e corporações
transnacionais ganhando mais poderes e significância que os próprios Estados
nacionais.
O avanço da globalização e do neoliberalismo na América Latina e,
particularmente no Brasil, está intensificando as contradições provocadas pela
imensa estratificação social. As relações, assim como as pessoas no interior da
sociedade estão se transformando em meros dados estatísticos, sendo julgadas e
classificadas apenas pelo que podem ou não consumir. Os direitos que compõem a
cidadania estão sendo substituídos pelos direitos do consumidor, em outras
palavras, o ser humano está se tornando o próprio produto a ser consumido,
desumanizando-se.
Este estudo quer saber quais são as concepções teóricas da sociologia
clássica e reprodutivista que reúne maior número de elementos que auxiliam na
compreensão sobre a escola e o sistema educacional, levando em consideração tais
objetivos:

Abordar as principais contribuições dos autores clássicos da sociologia sobre
o papel da educação;

Levantar os pressupostos teóricos sobre o movimento francês chamado de
crítico-reprodutivistas no interior da escola;
8

Verificar os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma a
transmissão familiar da herança cultural - resultado da diferenças de classes
em desigualdades, sinônimo de fracasso escolar;
Em relação à metodologia desenvolvida na produção do artigo, foi de
natureza bibliográfica e visou alcançar os objetivos que foram propostos.
Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica mediante uma leitura sistemática,
com fichamentos, resumos e resenhas de livros, revistas (periódicos) e textos da
internet, de modo a ressaltar os pontos pertinentes ao assunto em estudo abordado.
1. DO POSITIVISMO AO COMPREENSIVO: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA
CLÁSSICA NOS ESTUDOS EDUCACIONAIS
Os primeiros estudos da sociologia da educação vieram da matriz positivista
no século XIX e XX, inaugurado por Auguste Comte, seguido por Herbert Spencer e
posteriormente por Émile Durkheim, sendo este último seu maior representante. A
educação positivista consiste na formação moral dos membros da sociedade (no
caso a que ele pertence) para que cheguem a um consenso, com base no qual
prevaleceria um estado de harmonia e ordem (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p.19).
Nesse sentido, as formas de ensino da educação formal têm um objetivo claro: a
sociedade industrial só pode se estruturar se cada indivíduo for educado para
contribuir de maneira útil em benefício do todo social.
Auguste Comte (1798-1857) nascido em Montpellier, França, tornou-se
discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. A filosofia positivista o
levou a ser devoto de uma concepção intelectual que vincula diretamente o
pensamento científico, considerado para este(s) como verdadeiro.
De acordo com seu livro Curso de Filosofia Positiva, cunhou o termo física
social (COMTE, 1978a, p.8) para designar a criação de uma nova ciência e,
posteriormente chamou de sociologia na obra chamada de Física Social publicada
em 1838 e Discurso sobre o Espírito Positivo em 1844 (COMTE, 1978b, p. 90).
9
Segundo a teoria comteana as sociedades passariam por um processo de
evolução histórica3 que chamou de Lei dos três estados4, onde passariam de um
estado ou estágio menos evoluído para o máximo da racionalidade e progresso que
a humanidade estava constatando (parâmetro para tal desenvolvimento era a
sociedade europeia) - advinda da industrialização e da filosofia positiva.
Em outra obra intitulada o Discurso preliminar sobre o conjunto do
positivismo, Comte deixa claro a perspectiva de consenso e coesão que o
positivismo poderia a vir instaurar no seio societal:
Uma sistematização real de todos os pensamentos humanos
constitui, pois nossa primeira necessidade social, igualmente quanto
à ordem e ao progresso. A realização gradual desta ampla
elaboração filosófica fará espontaneamente surgir, em todo o
Ocidente, uma nova autoridade moral, cuja inevitável ascendência
colocará a base direta da reorganização final, ligando as diversas
populações avançadas através da mesma educação geral, que
fornecerá para toda parte, para a vida pública como para a vida
privada, princípios fixos de julgamento e de conduta. Desse modo, os
movimentos intelectuais e de comoção social, cada vez mais
solidários, conduzem de agora em diante a elite da humanidade ao
advento decisivo dum verdadeiro poder espiritual (...). (COMTE,
1978c, p.97-98)
Nesse contexto do positivismo como religião da humanidade, a educação
teria uma importância preponderante, pois seria o veículo que conduziria a formação
moral às futuras gerações. Parafraseando Nelson Piletti e Walter Praxedes (2010,
p.21):
3
Comte denominou de “evolução do espírito humano” seguindo uma perspectiva linear.
Estado Teológico ou “Fictício” - O espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres ou forças
sobrenaturais. Explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa. Este estado evolui do fetichismo ao
politeísmo e ao monoteísmo. O pensamento religioso comanda a racionalidade. Estado Metafísico ou
“Abstrato” - Invoca entidades abstratas, como a natureza. Corresponde tudo que a física, a matemática, a
química, não consegue esclarecer. Estado Positivo ou “Científico” - O homem se limita a observar os
fenômenos e a fixar relações regulares que podem existir entre eles. Representa o estágio máximo da
racionalidade humana. O positivismo como corrente de pensamento baseada na ciência, apresenta-se como a
mais elevada e apurada de produção de conhecimento que a humanidade já conheceu.
4
10
(...) educação e moral se fundem no sistema comtiano em um
processo pedagógico organizado para tornar o indivíduo capaz de
controlar o seu egoísmo por meio do progressivo desenvolvimento de
suas funções afetivas e intelectuais, podendo, dessa maneira,
integrar-se à ordem social positiva.
Na perspectiva positivista o papel central da educação seria de reorganizar a
sociedade que estava em crise (período de profundas transformações sociais
oriundas da Revolução Industrial). Dessa maneira, não se aceita os conflitos
gerados pelos antagonismos provenientes das contradições descritas acima.
A partir dos formuladores originais do positivismo - Auguste Comte
acompanhado pelo inglês Herbert Spencer (1820-1903), este último (pouco
abordado nos manuais de educação) aprofundou uma característica peculiar em
relação a seu antecessor, o paradigma organicista. É organicista porque sua visão
de sociedade se baseia em analogia ao modo como funcionam os organismos vivos
- daí o emprego do termo função 5 . Segundo a teoria spenceriana, os indivíduos
estariam submetidos às mesmas leis que regulam o mundo natural, em outras
palavras, a sociedade emergiria de uma evolução biológica e social, passando de
um estado uniforme rumo ao multiforme. Spencer em seu livro O que é uma
sociedade? (1977, p.148-149) salienta que a sociedade está em constante avanço e
processo de crescimento:
À medida que ela cresce, suas partes tornam-se dessemelhantes, sua
estrutura fica mais complicada e as partes dessemelhantes assumem
funções também dessemelhantes. Essas funções não são somente
diferentes: suas diferenças são unidas por via de relações que as tornam
possíveis umas pelas outras. A assistência que mutuamente se prestam
acarreta uma mútua dependência das partes. Finalmente, as partes, unidas
por esse liame de dependência mútua, vivendo uma pela outra e uma para
a outra, compõem um agregado constituído segundo o mesmo princípio
geral de um organismo individual. A analogia de uma sociedade com um
organismo torna-se, ainda, mais surpreendente quando se vê que todo
organismo de apreciável volume é uma sociedade (...).
O evolucionismo spenceriano foi fortemente derivado do evolucionismo
biológico de Charles Darwin, a partir desse fato, suas formulações ficaram
conhecidas
5
como
‘darwinismo
social’
(COSTA,
2002,
p.49).
Suas
ideias
Será a base do funcionalismo elaborado por Durkheim posteriormente. Em linhas gerais, o organicismo é visto
do mesmo modo que os organismos vivos são compostos de partes (órgãos), cada uma com uma função
específica, assim são as sociedades humanas. Cada instituição, como a família, a igreja, o trabalho, o Estado
correspondem uma função no funcionamento do organismo social.
11
influenciaram enormemente a sociedade norte-americana, onde sua
teoria teve maior abrangência em várias áreas, porém, no sistema
educacional teve grande repercussão. A frase “sobrevivência do mais
apto” é de sua autoria e, explicava, por exemplo, a diferença no
aproveitamento escolar dos alunos de classes altas em relação aos de
classes baixas, (estes últimos na maioria oriundos de grupos étnicos de
negros, mestiços e latinos de modo geral). Em outra obra de sua autoria
- Como elevar o nível intelectual de nossos jovens, Spencer (1987, p.39)
descreve claramente sua ideia sobre a educação, pois, “a mente
desenvolve-se como todas as coisas que se desenvolvem, ela passa do
homogêneo ao heterogêneo”. Ao relatar sobre a educação infantil, a
criança deveria ser guiada pelos mesmos processos evolucionários que
a humanidade passou:
(...) a gênese da erudição do indivíduo deve seguir a mesma trajetória
que a gênese da erudição da raça. Em rigor, este princípio pode ser
considerado como já expresso por inferência; já que ambos são
processos de evolução, devem ajustar-se àquelas mesmas leis gerais
de evolução já aludidas, e, portanto, devem harmonizar-se entre si.
(SPENCER, 1987, p.44)
Representa uma visão de reprodução contínua de fases e estágios
desenvolvimentistas como Comte já havia descrito. Spencer dá uma importância
excepcional para a educação, relatando que ela é “derivada da transmissão da lei de
hereditariedade” (1987, p. 45), ao ponto de criar uma tentativa de explicação sobre
as imensas desigualdades existentes entre os indivíduos:
(...) sucessivas gerações que transmitiram os efeitos acumulados aos seus
descendentes; se julgamos que as diferenças são agora orgânicas, de
forma que uma criança francesa transforma-se num homem francês mesmo
quando criada entre estrangeiros; e se o fato geral assim ilustrado é de
verdade de toda a natureza, inclusive o intelecto, então concluímos que, se
existir uma ordem pela qual a raça humana dominou seus vários tipos de
conhecimentos, surgirá em toda a criança uma capacidade de adquirir
esses tipos de conhecimentos na mesma ordem. (SPENCER, 1987, p.4546)
12
Spencer foi um defensor do ensino prioritário da ciência que tinha como
objetivo fornecer aos jovens um conhecimento sobre o funcionamento da natureza
que lhes dessem subsídios de se adaptarem às exigências do mundo moderno,
típico da competição e da concorrência.
O terceiro e o mais importante autor positivista no estudo da sociologia da
educação é o também francês Émile Durkheim (1858-1917). Viveu numa época de
tensão entre o entusiasmo do desenvolvimento da França e o “risco de ver a
sociedade esfacelar-se em uma poeira de indivíduos isolados em decorrência da
quebra dos padrões tradicionais de coesão social” (SOUZA, 2009, p.76). Ele
reivindicava vigorosamente que a educação escolar assumisse essa tarefa, isto é, a
de criar outros novos padrões de solidariedade social numa sociedade submetida a
um ritmo de mudança tão intenso.
É importante ressaltar que Durkheim acreditava que a sociedade exerce uma
coerção social sob indivíduos, definindo-o como uma espécie de pressão para aderir
as regras, hábitos e costumes estabelecidos pelo grupo, comunidade ou sociedade.
Essa imposição é exterior e independente da vontade do indivíduo e chamou de ‘fato
social’6.
Para Durkheim (1978, p. 60) a educação significa “ação exercida por uma
geração sobre a geração seguinte, com o fim de adaptá-la ao meio social...”. Nesse
sentido, a adaptação é uma função imprescindível para o indivíduo na sua vida em
sociedade. Outra palavra largamente utilizada pelos positivistas é o consenso, como
suporte para acomodação da “consciência coletiva”. A ótica durkheimiana confere
que a educação, independentemente do lugar e da época em que é realizada, tem o
mesmo objetivo primordial da socialização – formar o ser social em indivíduo
socialmente ajustado.
No livro Educação e Sociologia, Durkheim esclarece nos seus discursos o
porquê de muitos indivíduos não conseguirem adaptar-se em instituições como o
trabalho, a escola, entre outras. Sua resposta é radicalmente diferente da de Marx,
6
No livro, “As Regras do Método Sociológico” (1895), define o objeto de estudo da Sociologia – “fato social”,
pois, é toda ‘coisa’ capaz de exercer algum tipo de coerção sobre o indivíduo, sendo esta “coisa” independente
e exterior ao indivíduo e estabelecida em toda a sociedade. Os fatos sociais se caracterizam pela coercitividade,
exterioridade e generalidade.
13
por exemplo, que fazia severas críticas à divisão do trabalho. Para Durkheim, a
organização do trabalho no mundo moderno
nos obriga a nos dedicarmos a uma tarefa, restrita e especializada.
Não podemos, nem nos devemos dedicar, todos, ao mesmo gênero
de vida; temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a
preencher, e o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos
para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade
e homens de ação. (DURKHEIM, 1978, p. 35)
Infelizmente essa foi à visão que predominou nos cursos de formação de
professores7 e consequentemente em sala de aula por muitas décadas no século
XX.
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os primeiros
filósofos a desenvolverem na sociologia uma perspectiva que refutassem a visão
positivista na educação. Segundo a concepção materialista-histórica dialética, Marx
acreditara que a educação tinha um papel importante na vida do homem, mesmo
que tal tema nunca tenha sido pauta central nos seus estudos. A concepção
marxiana encara a educação numa perspectiva dialética estabelecendo uma relação
social entre indivíduos e sociedade, em outras palavras, ao mesmo tempo, que os
homens são produtos das circunstâncias históricas, eles também contribuem para
modificar as circunstâncias em que vivem, pois, no seu entendimento, a ação
humana tem a capacidade de mudanças dos processos de transformação da
sociedade (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p. 50).
No livro O Capital (de 1867), Marx e Engels fazem uma análise das condições
de vida dos trabalhadores ingleses na cidade de Manchester8, trazendo relatos da
situação precária das crianças no interior das fábricas. Nesse ponto, Marx conclui
que o tipo de educação dada às crianças oriundas da classe operária era tão débil e
alienante que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais
seus pais operários estavam submetidos. Mais especificamente, descreve às
7
A pedagogia tradicional e especificamente na sociologia da educação a tendência positivo-funcionalista
durkheimiana traz um perfil particular desse educador - como ilustra Paulo Meksenas (2010, p. 52) “o professor,
que deve transmitir as verdades científicas, passa a ser o centro do processo educativo. A aula deve, portanto,
girar em torno da figura do professor que deve ser também a autoridade responsável pelo desempenho do ensino
e da ordem dentro da sala de aula. Ao aluno, cabe à obediência, acatar as decisões sem questioná-las”. A relação
professor-aluno fica subentendida como: enciclopédia ambulante (professor) e tábula rasa (aluno).
8
Transformações econômicas, políticas e sociais oriundas pela Revolução Industrial que teve grande impacto na
sociedade inglesa e europeia como um todo.
14
“escolas politécnicas e agronômicas” e também às “escolas de ensino profissional
onde os filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados no
manejo prático dos diferentes instrumentos de produção” (Marx, 1968, p. 559).
Então, o filósofo alemão reconhece a existência dessas escolas criadas pela própria
burguesia, revelando um movimento antagônico que envolve a necessidade de
atender à exigência da classe capitalista, imposta pelo modelo industrial.
A denúncia realizada pelo autor sobre a exploração da burguesia que se
apropriaram dos meios de produção em relação aos trabalhadores que restam
vender sua força de trabalho como forma de sobrevivência, isto é, Marx queria
mostrar que o capitalismo pautado nessas relações de produção, desumanizava o
homem. O brilhantismo e profundidade das ideias marxianas aventaram inúmeras
criticas sociais, políticas, econômicas e chegando às relações vitais do ser humano
como:
(...) ver, ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar,
agir, amar, em suma, todos os órgãos de sua individualidade, como
órgãos que são de forma diretamente comunal, são, em sua ação
objetiva (sua ação com relação ao objeto), a apropriação desse
objeto, a apropriação da realidade humana (Marx, 1983, p. 120).
Segundo Alberto Tosi Rodrigues (2007, p.41) Marx e Engels “viam a educação
com os mesmos olhos com que viam o capitalismo”. Mas, como Marx poderia
vislumbrar um processo educacional que contribuísse efetivamente para emancipar
o ser humano?
A partir de Rodrigues (2007) um dos pontos fundamentais seria a educação
de um “novo homem” no sentido comunista de tal modo que ele pudesse de fato
superar a divisão social do trabalho intensificada no sistema capitalismo, que em
última análise, alienava e explorava o ser humano. Segundo a visão marxiana
haveria a possibilidade de “romper, na formação das futuras gerações, com a
separação entre o trabalho manual e intelectual” difundido pela burguesia através da
ideologia liberal (RODRIGUES, 2007, p.43).
Partindo de um método diferenciado, chamado de compreensivo, Max Weber
(1864-1920) inaugura um novo paradigma para explicação dos fenômenos que
cercam a vida social. Os trabalhos produzidos por Weber trouxeram ríspidas críticas
ao modelo de ensino praticado nas escolas na atualidade. Essas críticas
15
correspondem à educação técnica e racionalizada promovidas pelo Estado e pelas
instituições de ensino advindas das religiões protestantes (pelo menos na sua
grande e extensa maioria) no séc. XIX, que visavam os ensinamentos burocráticos
da ideologia liberal para servir o mercado, em outras palavras, “educar no sentido da
racionalização também passou a ser fundamental para a empresa capitalista, pois,
ela se pauta pela lógica do lucro, do cálculo de custos, eficiência e benefícios, e
precisa de profissionais (mão-de-obra) treinados para isso” (RODRIGUES, 2007,
p.65).
Mas antes que chegar a essa constatação descrita acima, Weber estudou a
correlação da afinidade entre a racionalidade do protestantismo e a empresa
capitalista e, está levantava um problema teórico: Por que no Ocidente, havia a
coincidência entre as áreas de expansão do protestantismo e as áreas onde
prosperava o capitalismo industrial?
A partir de diversos estudos envolvendo a Reforma Protestante do séc. XVI
iniciada por Martinho Lutero e posteriormente por João Calvino, este último como o
principal expoente do calvinismo, sobre a ética protestante, as éticas econômicas
das grandes religiões e os sistemas econômicos, Weber criou a seguinte hipótese: a
resposta estaria na afinidade cultural entre a ética protestante e a racionalidade do
empreendedor capitalista. Weber destaca três contribuições protestantes: a primeira
corresponde à supervalorização do trabalho (fato que diferenciava entre os
católicos); a segunda a divisão do trabalho como vontade de Deus, fato que
colaborou para o desenvolvimento da economia e a terceira e última, a presença do
lucro, pois a riqueza é encarada como um sinal de recompensa divina.
Em sua obra-prima intitulada A ética protestante e o espírito do capitalismo
(aclamada pela crítica especializada como um dos livros mais importantes do séc.
XX), constata a diferenciação de ensino exercida entre as escolas católicas e
protestantes:
(...) que a maior participação dos protestantes nas posições de
proprietários e gerentes na vida econômica moderna seja atualmente
encarada, em parte pelo menos, como simples resultado da maior
riqueza material por eles herdada. No entanto, há outros fenômenos
que não podem ser explicados da mesma maneira. Só para citar
alguns, há uma grande diferença perceptível, em Baden, na Baviera e
na Hungria, no tipo de educação superior que católicos e protestantes
16
proporcionam a seus filhos. O fato de a porcentagem de católicos
entre os estudantes e os formados nas instituições de ensino superior
ser proporcionalmente inferior à população total, pode, certamente,
ser largamente explicado em termos de riqueza herdada. Porém,
entre os próprios formados católicos, a porcentagem dos que
receberam formação em instituições que preparam especialmente
para os estudos técnicos e ocupações comerciais e industriais, e em
geral para a vida de negócios de classe média, é muito inferior à dos
protestantes. Por sua vez, os católicos preferem o tipo de
aprendizagem oferecido pelos ginásios humanísticos. Essa é uma
circunstância à qual não se aplica a explicação acima apontada, mas
que, ao contrário, é uma das razões pelas quais tão poucos católicos
estejam interessados na empresa capitalista. (WEBER, 2003, p.20)
De acordo com Weber, a lógica da extrema racionalização capitalista
ministrada nas escolas protestantes, especificamente calvinistas, não objetivavam o
lucro em si, em outras palavras, a acumulação de capital era uma representação do
esforço e dedicação que provinham do trabalho como ação sagrada que designava
um sinal de recompensa divina, porque Deus a oportunizou com o propósito de
chegar a salvação, ou seja, o conhecimento técnico-fabril empregado nos institutos
puritanos corresponderia uma espécie de vocação religiosa.
Mais notável ainda é um fato que explica parcialmente a menor
proporção de católicos entre os trabalhadores especializados na
moderna indústria. Sabe se que as fábricas arregimentaram boa parte
de sua mão de obra especializada entre os jovens artesãos; contudo,
isso é muito mais verdadeiro para os diaristas protestantes que para
os católicos. Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece
preponderar uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, e
tornar com freqüência mestres artesãos, enquanto os protestantes
são fortemente atraídos para as fábricas, para nelas ocuparem cargos
superiores de mão de obra especializada e posições administrativas.
A explicação desses casos é, sem dúvidas que as peculiaridades
mentais e espirituais adquiridas do meio ambiente, especialmente do
tipo de educação favorecido pela atmosfera religiosa da família e do
lar, determinaram a escolha da ocupação e, por isso, da carreira.
(WEBER, 2003, p.21)
Os estudos weberianos no âmbito da sociologia da educação são pouco
difundidos, geralmente é mais comum na área da religião e na política. Weber traz
para dentro do contexto da cultura e em última análise, no contexto escolar, a
“função ideológica dos valores difundidos tanto na religião quanto nos costumes,
hábitos ou crenças enraizados por grupos sociais, associado a uma função
ideológica, à de inculcação, servindo como forma de legitimação e manutenção da
17
ordem estabelecida”, como relata Souza (2009, p.86). Portanto, Weber compreende
a educação :
como dimensão de um amplo processo de racionalização e de
burocratização das sociedades modernas, por meio do qual os indivíduos
desenvolvem formas de racionalidade técnica e científica para a adequação
dos meios disponíveis às finalidades utilitárias visadas pelos agentes, ao
mesmo tempo que as estruturas administrativas burocráticas pretendem
limitar os interesses individuais para estabelecer uma dominação racionallegal de tipo burocrático que torne possível a vida social. (PILETTI;
PRAXEDES; 2010, p.12).
Weber cria uma tipologia
9
para analisar os fenômenos educacionais,
classificando a educação em: humanística, especializada e carismática, que
corresponde aos três tipos puros de dominação legítima (tradicional, racional-legal,
carismática).
2. A ESCOLA E A REPRODUÇÃO SOCIAL: ABORDAGEM DAS TEORIAS
CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS
No final dos anos sessenta e início da década de 70, surge na França uma
vertente que se contrapõe à educação como o melhor instrumento para a
transformação da sociedade e como possibilidade de ascensão social. Colocava-se,
assim, em oposição às tendências pedagógicas liberais e conservadoras
10
.
Abordavam e enfatizavam em seus trabalhos a ênfase da educação nos aspectos de
reprodução de valores, do imaginário e das condições sociais do capitalismo no
interior dos processos educacionais. Por conta desta ênfase em seus trabalhos,
9
A educação humanística se baseia em cultivar um determinado modo de vida (pode ser de diferentes
comportamentos culturais), sendo que pode ser muito diverso, pois, constitui em um conjunto de atitudes
apoiadas em um ‘ethos’ característico do ideal de cultura. Exemplo: educação da nobreza medieval; da
aristocracia. A educação especializada corresponde à estrutura de dominação legal, ou seja, ligada ao processo
de racionalização e burocratização das sociedades contemporâneas descritos por Weber. O conhecimento
especializado ensinado nessas escolas prepara os indivíduos para o mundo moderno das grandes corporações,
como por exemplo, um administrador de empresas. A educação carismática é típica do sacerdote, de um líder
tribal, de um guerreiro etc. Ela se propõe despertar qualidades humanas consideradas estritamente pessoais, isto
é, extraordinárias que tem as condições de persuasão e convencimento em todo grupo social ou sociedade.
10
Eles estão dentro do grupo de teóricos que seguem e se aprofundam o pensamento de Marx no que se
refere à educação. Seguindo a orientação marxiana e aperfeiçoando-a, o processo educativo que se dá dentro
da escola é desigual, pois a escola é instituição sob controle da classe dominante, reprodutora de
desigualdades sociais.
18
estes autores ficaram conhecidos como “reprodutivistas”, são eles: Pierre Bourdieu,
Jean-Claude Passeron, Louis Althusser, Roger Establet e Christian Baudelot.
Em um artigo de 1966, intitulado “A escola conservadora: as desigualdades
frente à escola e à cultura” e, posteriormente em 1970 no livro “A reprodução:
Elementos para uma teoria do sistema de ensino, Pierre Bourdieu (1930-2002) em
parceria com Jean-Claude Passeron, este primeiro considerado por muitos
especialistas como o sociólogo mais notável da contemporaneidade) rompem com
as explicações fundadas em aptidões naturais e individuais e criticam o mito do
“dom”, desvendando as condições sociais e culturais que permitiriam o
desenvolvimento desse mito. Afirma, também, os mecanismos através dos quais o
sistema de ensino transforma as diferenças iniciais – resultado da transmissão
familiar da herança cultural – em desigualdades de destino escolar (BOURDIEU,
2011, p. 45). Demonstra como os estudantes provenientes de famílias desprovidas
de capital cultural apresentarão dificuldades no processo de significância no que
tange o reconhecimento e pertencimento com as obras da cultura erudita veiculadas
pela escola, enquanto para os alunos originários de meios culturalmente
privilegiados essa relação está marcada pelo tipo de linguagem que facilita o
entendimento verbal tido como “natural”. Ao avaliar o desempenho dos alunos, a
escola leva em conta, conscientemente ou não, esse modo de aquisição e uso do
saber.
Quatro conceitos são fundamentais para compreensão dos seus estudos:
habitus; campo; capital e violência simbólica. O “habitus são estruturas sociais de
nossa subjetividade que se constituem inicialmente por meio de nossas primeiras
experiências (habitus primário), e posteriormente de nossa vida adulta (habitus
secundário)” como descreve Philippe Corcuff (2001, p.51). No livro A economia das
trocas simbólicas, Bourdieu relata que construção do habitus passa pela
interiorização da exterioridade, em outras palavras
como sistema de disposições constituídas que, enquanto estruturas
estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e
unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de
um grupo de agentes. (BOURDIEU, 1992, p. 191)
19
O campo representa uma rede de relações objetivas entre posições que os
agentes estabelecem. Estas posições se definem pelas estruturas que se impõem a
seus agentes, sejam indivíduos ou instituições, a partir do potencial que cada agente
dispõem na distribuição das diferentes espécies de poder ou de capital que estão
em jogo dentro de cada campo (político, religioso, econômico, cultural, artístico etc).
O campo corresponde a exteriorização da interioridade, marcado por agentes
dotados de um mesmo habitus em que se movimentam como jogadores, cujas
posições no jogo dependerão do acúmulo de capital correspondente ao campo que
cada indivíduo ou agente adquirir.
O capital representa vários tipos como Bourdieu definiu: cultural, social,
econômico, político, simbólico entre outros. O(s) capital(s) se inter-relacionam
dialeticamente com o habitus e campo, formando uma tríade: habitus + campo =
capital.
O quarto e último conceito é amplamente discutido na obra A reprodução,
descreve que ação pedagógica (AP) se caracteriza objetivamente por exercer a
violência simbólica,
enquanto que as relações de força entre grupos ou as classes
constitutivas de uma formação social estão na base do poder
arbitrário que é a condição da instauração de uma relação de
comunicação pedagógica, isto é, da imposição e da inculcação de um
arbitrário cultural... (educação). (BOURDIEU, 2008, 27)
Outro livro importante é O poder simbólico e Bourdieu (2009, p.11-12) explica
tal título e conceito como uma forma transfigurada e legitimadora das outras formas
de poder. As leis que regem a metamorfoseação de diferentes espécies de capital
em capital simbólico e, em particular, dentro do sistema de ensino conjuntamente
com o capital cultural solidifica-se como violência simbólica, a partir da “seleção de
significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe”
(BOUEDIEU, 2008, p.29).
(...) é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos
conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de
transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais
entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras,
tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de
20
fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a
dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”.
(BOURDIEU, 2011, p. 53).
Os sistemas de ensino contribuem para a manutenção das relações de força
que geram as desigualdades fundadas tanto na propriedade do capital econômico
quanto do capital cultural. Segundo o autor, a sociologia da educação se constitui
como ciência dotada de um objeto de estudo próprio, a investigação científica “das
relações entre reprodução cultural e a reprodução social” (BOURDIEU, 1992, p.
295).
O legado que os estudos bourdieurianos deixaram, tornaram-se uma espécie
sine qua non para análise dos problemas educacionais, pois marcou que era os
estudos antes e depois da sua existência, corresponderam um avanço sem
precedente no campo da pesquisa e da ação.
Na obra “Ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado” (1983) de Louis
Althusser (1918-1990) apresenta-se a ideia que as instituições sociais como as
escolas, igrejas, trabalho, meios de comunicação, partidos políticos, assim como as
de proteção (polícia, exército...) são utilizados pelo Estado como meio de disseminar
e colaboram para manter (reproduzir) a divisão social em classes econômicas. Os
aparelhos ideológicos do Estado (AIE) são instrumentos que servem a favor do
capital pelo convencimento ou pela força (repressão), com objetivo de reprodução e
manutenção ideológica. Nesse sentido, na perspectiva althusseriana a escola
representa um dos Aparelhos Ideológicos do Estado11.
Há uma clara preocupação com a questão da ideologia em educação 12. Esse
ensaio rompe com aquela perspectiva liberal da educação que desinteressadamente
envolve a transmissão de conhecimento. A transmissão de conhecimento é dirigida,
intencional e formadora de opiniões, do qual, a classe dominante transfere suas
ideias sobre o mundo, com o objetivo de reprodução da estrutura social existente. A
escola como uma das instituições reprodutoras e mantenedora da estrutura de
11
O poder da escola decorre do fato de ela lidar com todas as crianças, impondo-lhes a ideologia da classe
dominante.
12
Durante muitos séculos, lembra Althusser, a igreja foi o aparelho ideológico do Estado que assegurou uma
posição dominante no processo de transmissão dos valores culturais, mas, a partir do século XIX, com
separação entre essa instituição e o Estado, a escola passou a ocupar esse lugar.
21
classes, tem o papel de garantir o ensinamento de valores apropriados do
capitalismo.
Parafraseando Moreira e Silva (1995, p.23):
A ideologia, nessa perspectiva, está relacionada às divisões que
organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas
divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade
das ideias que veicula, mas o fato de que essas ideias são
interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos
interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na
organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos
pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição
privilegiada.
Os dois últimos teóricos críticos da educação são Roger Establet (1938--) e
Christian Baudelot (1938--) e desenvolveram conjuntamente a teoria da escola
dualista, pois, realizaram pesquisas extensas nas escolas francesas, nas quais
descobriram que existem duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos
membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe
trabalhadora 13 (GADOTTI, 1999, p.197). Nesse sentido, há duas escolas que
coexistem de forma dissimulada, pelo fato, de que aparentemente elas se alicerçam
na ideologia da classe dominante para se apresentarem como única e universal, que
ofereceriam oportunidades iguais, ou seja, há uma “naturalização” das relações
assimétricas entre classes que se afirmam na base ideológica do liberalismo
embasado na concepção que “todos são iguais”, isto é, “todos gozariam das
mesmas oportunidades”.
Segundo Establet-Baudelot (1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007, p.157), a
escola não é um local de luta para transformar a sociedade, mas somente reproduzila.
13
A primeira classe teria acesso às melhores escolas; seus filhos teriam tempo e recursos para estudar;
disponibilidade e recursos para freqüentar outras atividades que complementam a formação e educação
escolar, quanto à segunda classe, não teriam acesso às melhores escolas nem a complementação dos seus
estudos, seja por conta da falta de recursos financeiros, seja por conta da incompatibilidade com a sua jornada
de trabalho, que os obrigaria a freqüentar cursos noturnos, sem possibilidade de fazerem outros cursos
paralelos.
22
(...) aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas
modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das
relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós
elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma
escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa
fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre as
práticas escolares e o trabalho produtivo.
Nas suas análises concluem que a escola é, na verdade, a instituição mais
eficiente para segregar os indivíduos, por dividir e marginalizar parte dos alunos com
o objetivo de reproduzir a sociedade de classes.
O caráter da escola como instituição que, pelo menos, deveria ser de
socialização no aspecto de promover ensinamentos, de humanização, autonomia,
liberdade, livre arbítrio, equidade, justiça social, respeito às diferenças, é ao
contrário, é mecanismo de formulação e reformulação de subjetividades apropriadas
ao capital.
As teorias crítico-reprodutivistas denunciam que a função social da
escola é a de atender ao capitalismo, excluindo conteúdos críticos, formando mãode-obra especializada e dócil e reproduzindo a estrutura de classes. É nesse sentido
que os teóricos críticos da reprodução enxergam a educação institucionalizada como
reprodutora de desigualdades.
A pedagogia radical refuta a ideia que no ato da docência e da discência, o
conhecimento pode advir da negação da emancipação de grupos menos
favorecidos. Os educadores críticos apontam para uma ruptura da situação de
opressão que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, estimulam uma
prática educativa que reforçam uma experiência que contribui para construção de
uma nova ordem social. Ser oprimido significa não somente estar subjugado
economicamente, mas não ser respeitado em suas manifestações culturais e,
principalmente, os direitos que compõe a cidadania14. Quem sofre essa condição,
14
Os esforços da educação, relacionado diretamente com a escola de dar conta dos direitos que representam a
cidadania é um caminho árduo. De acordo com Souza (2009) observemos uma situação que era comum até o
final dos anos 80 no território brasileiro (e até hoje tem algumas localidades no país), os diretores de escola da
rede pública estadual eram escolhidos por indicação política. Tínhamos uma relação de apadrinhamento
político na gestão escolar e, gozavam de certo prestígio na comunidade pelo poder que exercia. Neste ponto
percebemos que havia uma clara contradição o que a instituição escolar pregava e o que ela fazia. Então,
poderíamos pensar em modernidade no espaço escolar se ela continuava se curvando ao tradicionalismo
político? Onde estava sua liberdade? Que tipo cidadãos que ela poderia formar se ela própria não era
democrática, pois, negava a autonomia, e participação?
23
muitas vezes, não se percebe como tal e, pior, “naturaliza” tais condições que o
exclui. Um dos objetivos, em termos de reflexão pedagógica, é de fornecer subsídios
para passagem da consciência ingênua para consciência crítica.
QUADRO 1 – Concepção Sociológica da Educação
TEORIA
POSITIVISMO
SOCIOLÓGICA
MÉTODO
CRITICO
REPRODUTIVISTA
Positivo - Funcionalista
Dialética
SOCIOLÓGICO
S
←
O
S
↔
O
RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO
INDIVÍDUO
E
SOCIEDADE
CONHECIMENTO
PROFESSOR
- O meio social produz o indivíduo.
- O indivíduo é reflexo da sociedade.
- Os indivíduos são a soma da
sociedade.
- O meio social (sociedade) é reflexo do
indivíduo, ao mesmo tempo, o indivíduo é
reflexo do meio social. Constitui um
processo relacional.
Somente o professor detém o
conhecimento.
Se dá através da construção permanente
entre o professor e o aluno.
Somente o professor é o detentor do
conhecimento.
Ao mesmo tempo que o professor ensina,
também aprende com a aluno.
É considerado vazio, como uma tábula
Aprende simultaneamente com o
Este é um bom exemplo que mostra como as instituições estão interconectadas na
sociedade, em outras palavras, os problemas encontrados no espaço escolar correspondem, muitas
vezes, problemas advindos de outras instituições sociais, ou seja, há uma nítida relação de
interdependência entre a escola com esferas mais amplas do meio societal.
24
ALUNO
ESCOLA
EDUCAÇÃO
RELACIONAMENTO
PROFESSOR-ALUNO
POSSÍVEIS
CONSEQUÊNCIAS PARA OS
ALUNOS
RELAÇÃO
rasa.
professor.
A escola tem a função de imprimir
sobre as novas e futuras gerações
valores e disciplinas da sociedade assim
como ela é.
A escola é o espelho da sociedade. Ou seja,
ela tem contribuído para reprodução das
desigualdades de classes NA sociedade.
É a ação exercida pelas instituições que
visam um objetivo: adaptação dos
indivíduos ao meio social. Não aceitam
reformas ou mudanças no sistema.
É definida como forma de
intelectual, social e cultural de
possuem um determinado
cultural e econômico em
outras menos favorecidas.
Predomina a autoridade do professor.
O aluno não participa, e a comunicação
entre eles é somente para chamar
atenção. A disciplina é imposta, não
tem nenhum tipo de diálogo.
O professor tem a autoridade, mas não é
autoritário. O professor pergunta, conversa
sobre a opinião do aluno, porque é
importante saber o que a turma pensa. O
aluno participa dos conteúdos propostos.
O aluno não participa da construção do
conhecimento. Fato que pode afetar
futuramente
na
formação,
na
capacidade de discernimento. Acaba
tendo uma visão conservadora das
coisas, compreendendo a sociedade
como algo rígido e imutável.
O aluno ultrapassa a visão ingênua da vida,
discernindo os obstáculos que deverá
passar para conseguir chegar ao seu
objetivo. Adquire um olhar crítico das
coisas, entendendo que existe uma relação
desigual na sociedade. Ou seja, saberá que
não vai ser fácil para alcançar o que deseja
para seu futuro.
P
→
A
P
↔
dominação
classes que
patrimônio
detrimento
A
PROFESSOR-ALUNO
Fonte: GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8° ed. São Paulo: Ática, 1999. Criada por
DISCONZI, Rafael M.
25
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A primeira corrente sociológica a sistematizar o conhecimento foi o
positivismo. Estudar tais pressupostos é importante para a compreensão de como os
primeiros autores da sociologia construíam seus arcabouços teóricos sobre os
fenômenos sociais, particularmente, sobre os processos educacionais. É evidente
que Auguste Comte, Herbert Spencer e Émile Durkheim seguiram uma formação
intelectual e científica, em termos sociológicos, bastante tradicional e conservadora,
inclusive ideias totalmente desmitificadas pela ciência, como por exemplo a noção
evolucionista (biológica e social), ou seja, a divisão da espécie homo sapiens em
“raças” (caucasóide, negróide e mongolóide).
Outro ponto relevante sobre a concepção positivista da educação é
adequação dos indivíduos para o novo modelo societal – a sociedade industrial.
Precisaria preparar a sociedade e as futuras gerações para a competição e
concorrência típicas do trabalho no mundo moderno.
Os estudos de Marx e Weber marcam uma ruptura significativa com o
positivismo, não somente no método empregado como análise, mas a maneira como
o cientista coloca-se diante do objeto a ser pesquisado. Promovem inúmeras críticas
ao modelo de ensino instaurado no séc. XIX e início do XX (este último por Weber)
nas escolas urbanas advindas do pensamento liberal e industrial.
Um dos temas centrais que envolvia a discussão do sistema educacional na
década de sessenta e setenta era se o ensino ministrado nos colégios auxiliava e
intensificava divisão social do trabalho. Segundo as pesquisas de Marx, Weber e os
teóricos crítico-reprodutivistas, a escolarização fornece uma população dividida, isto
é, produz por um lado trabalhadores intelectuais e, por outro lado trabalhadores
manuais. Ela tem o papel fundamental de produzir indivíduos com características
adequadas para esta divisão. Então, o sistema de ensino está contribuindo para
formação de indivíduos com características de socialização adequadas a divisão
social do trabalho. A educação formal é vista oficialmente como instrumento
necessário para responder estritamente a geração de mão-de-obra necessária para
mercado.
26
O educador e educadora precisam romper com a concepção da escola como
empresa, que tem objetivo de formar o aluno e a aluna somente como valor de troca,
como meros instrumentos de lucro a serviço do capital. Em suas visões o sistema
escolar deve simplesmente reagir às necessidades futuras do mercado de trabalho.
Diferentemente do paradigma positivista-funcionalista de Durkheim onde
enxerga a educação como meio de adaptar e ajustar, levando os indivíduos ao
consenso, o movimento francês chamado de “reprodutivistas”, refuta totalmente a
perspectiva acima, porque as instituições sociais (incluída a escola) não estão
conseguindo dar conta do reconhecimento dos direitos que correspondem à
cidadania. Em outras palavras, há uma negação das condições necessárias para
construção de instituições de educação pública democráticas, como alternativa
frente à exclusão e desamparo que sofrem muitas populações. De acordo com
Bourdieu precisa-se desconstruir a visão comum que considera o sucesso ou o
fracasso escolar como efeitos das aptidões naturais, quanto às teorias do ‘capital
humano’.
É por isso que estudar as principais contribuições da sociologia se torna
relevante para compreensão de tais fenômenos que envolvem a educação. A
desnaturalização do pensamento fatalista é preciso para que haja uma
reinterpretação nas teorias educacionais, assim criando possibilidades para alcançar
uma mudança de caráter qualitativo no ensino.
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ideológicos de estado; trad. Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de
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fevereiro de 2001. Disponível em http://obeco.planetaclix.pt/robertkurz.htm.
Acessado em 17 de novembro de 2011.
29
PÊSSANKAS EM PRUDENTÓPOLIS: HISTÓRIA, SIMBOLISMO E
PERMANÊNCIA DA CULTURA UCRANIANA
NikolasCorrent
Curso de Ciências Sociais - FG
Orientadora:Profª. Ms. CerizeNascimentoGomes
RESUMO: A presente pesquisa promove o estudo e a reflexão sobre a prática
cultural ucraniana de colorir ovos, conhecidos como pêssankas, e tem como objeto
de pesquisa,o trabalho realizado no município de Prudentópolis (PR), pelos
descendentes de imigrantes da Ucrânia, que através de sua arte fazem com que
essa tradição ganhe estatuto de permanência. O trabalho realizado em torno desse
costume é acompanhado por pesquisa etnofotográfica e procura descrever a
simbologia das cores e dos desenhos utilizados, com enfoque antropológico e social.
Palavras-chave:Pêssankas.Costumes.Símbolos.Festa da Primavera.
Prudentópolis.
INTRODUÇÃO
“Esse seu traço infinito não morrerá, porque a verdade vive eternamente..."
(Verso anônimo de um poema popular da Ucrânia sobre a pêssanka).
O desenvolvimento da presente pesquisa tempor objetivo o estudo sobreum
costume que para muitos é desconhecido, a arte ucraniana de colorir ovos,
conhecidos como pêssankas. As pêssankas são consideradas íconesda cultura
ucraniana, e suas pinturas expressam símbolos e rituais específicos.
Os imigrantes ucranianos radicados no Brasilpreservaram essa prática
ancestral do povo ucraniano. Em Prudentópolis, cidade localizada no Centro-Sul do
Paraná, essa prática é considerada tradicional. Nota-se que além desse, outros
costumes continuam sendo cuidadosamente mantidos pelas pessoas mais velhas,
mesmo que com algumas modificações, devido ao processo de aculturação que os
imigrantes sofreram com a chegada ao Brasil. Entre as outras práticas está a dos
bordados com temas tipicamente ucranianos.
30
Entende-se, porém que nenhum dosmodos de preservar a tradição por meio
do artesanato é tão singular e significativo quanto o interesse despertado nas
pessoas pela arte da pintura feita em ovos de aves comuns da região, mas que a
partir do trabalho feito pelas artesãs são dotados de incrível magia, pois de uma
forma simples e rude, transformam-se em objetos artísticos extremamente delicados.
Muitos desconhecem essa prática, e poucos sabem o que realmente ela
significa.Nesta pesquisa procura-se esclarecer a simbologia desse costume
evidenciando-se assim sua expressão antropológica e social.
1. HISTÓRIA E PERMANÊNCIA
“Tenho a pêssanka em minhas mãos, sobre ela está escrito que eu seja como
flor, como o sol primaveril...” (Verso anônimo de um poema popular da Ucrânia).
Eduardo Sganzerla reconstrói a história das pêssankas no livro "Pêssanka - A
arte ucraniana de decorar ovos no Brasil”, no qual conta a história dessa tradição
milenar trazida pelos imigrantes vindos da Ucrânia, no final do século XIX. O autor
investiga a origem dessa prática, os principais significados de sua simbologia e o
elaborado e refinado trabalho do artesanato paranaense. Sua obra, lançada em
2007, tornou-se rapidamente um clássico, com duas edições simultâneas, em
português e inglês, e por ser o primeiro livro que retrata a Pêssanka criada em
comunidades ucranianas existentes fora de seu país de origem. Segundo o autor:
As famílias de imigrantes ucranianos e descendentes, no Paraná,
praticando e aperfeiçoando a arte, por mais de um século, em
especial na Páscoa, ajudaram de maneira decisiva a preservar esta
magnífica tradição cultural e possibilitar o renascimento da pêssanka
na própria Ucrânia.(SGANZERLA, 2007)
Sganzerla viajou à Ucrânia para concluir o livro. Ele visitou as regiões deKiev,
Lviv e o coração da terra das pêssankas, Kolomyia, província de Ivano-Frankivsk,
naUcrânia Ocidental. Segundo ele, foi apenas nessa região dos montes Cárpatos
que a pêssanka sobreviveu aos 70 anos do regime comunista soviético. Foi dessa
região que o costume voltou a ser difundido por todo o país:
Hoje, a pêssanka é um símbolo da reconstrução da Ucrânia. Esta arte
confinada aos porões, por muitas décadas, renasce nas aldeias,
escolas, clubes e cidades de todo o país, independente desde 1991,
31
com todo o seu brilho histórico, magia e mistérios.(SGANZERLA,
2007)
Historicamente, sabe-se que antes do cristianismo, o oferecimento de ovos
decorados estava relacionado às festas pagãs em comemoração à chegada da
primavera, na qual os ucranianos veneravam a chegada do sol, o Dajbóh, que trazia
o verde novamente às terras negras cobertas de neve no rigoroso inverno da
Ucrânia. Sobre essa crença, Kotvisky explica que:
Assim como outros povos antigos veneravam o Sol, como Apolo e
seu carro puxado por leões, os ucranianos reconheciam, no mesmo
astro, o ente Dajbóh, e a ele ofereciam homenagens, pois traria luz e
calor para a terra. (KOTVISKY, 2004)
Durante os festejos da festa da primavera, era acesa uma grande fogueira no
meio da aldeia, com ofertas de presentes ao Dajbóh, entre eles, estavam as
pêssankas. Também como forma de agradecimento e pedido pelas colheitas, as
pêssankas eram enterrados no campo. A pesquisadora Analu Steffen descreve que
nesse tempo anterior ao cristianismo, os povos ucranianos tinham suas crenças
voltadas para tudo àquilo que se via e sentia e tudo era ligado à natureza,
considerada a fonte de energia e de vida (2004, p.20).
Segundo a pesquisadora, é uma tradição remota entre a comunidade
ucraniana presentear os amigos com as pêssankas, principalmente durante a
Páscoa, mas tambémse presenteiaem outras ocasiões, como nascimentos,
casamentos, aniversários etc., como forma de desejar vida nova, energias positivase
prosperidade.Os jovens presenteiam-se durante a páscoa, oferecendo as pêssankas
mais belas para aquele que mais se ama. Para a autora, as pêssankas eram
oferecidas como presentes desde tempos muito antigos:
É comum, entre os descendentes de ucranianos, oferecer pêssankas como
presentes, estabelecendo uma relação simbólica entre quem dá e quem
recebe. Tal costume possui registros desde tempos remotos. Segundo
Eliade (2002b: 251), na era pré-cristã, em quase toda a Europa, a
população comemorava a chegada da primavera, que trazia novamente o
verde e a vida para a região. (STEFFEN, 2004,p.19)
É comum também durante a Páscoa, colocar pêssankas na cesta que será
benta na tradicional benção de alimentos ucraniana, cujo ritual é realizado durante o
32
sábado de aleluia. A pêssanka é colocada juntamente com os alimentos, que após a
benção devem ser consumidos no Domingo de Páscoa, provando assim, que a
cultura ucraniana é rica em símbolos cristãos. Relacionado a isso, o escritor
ucraniano Vassílio Burko, em seu livro História de Vassílio nos descreve que:
Nós estávamos na época de Páscoa, tempo de maior importância para os
cristãos. Época em que nós, descendentes de ucranianos, temos o costume
de, no sábado que antecede a ressurreição, benzer alguns alimentos, que
são a “Paska”, um pão decorado, “”kubaça”, lingüiça, “krin”, uma raiz
extremamente forte, conhecida na Ucrânia por rábano-de-cavalo, requeijão,
manteiga, leitão assado, “Pêssankas”, ovos cozidos, sal etc. A parte
religiosa é toda cheia de simbologia. (BURKO, 2010, p. 35)
Foi apenas em 988, através do Príncipe Volodymir, que a Ucrânia adotou o
cristianismo como religião oficial. Mesmo com tal mudança o povo não abandonou
seus antigos costumes. Para evitar conflitos religiosos e culturais o clero fez com
que esse costume fosse ligado ao cristianismo, relacionando diretamente as
pêssankas com a Páscoa. Sobre isso, Vilson José Kotviski explica que a antiga e
tradicional Festa da Primavera tornou-se a Páscoa Cristã, na qual os ucranianos
continuam com as mesmas crenças e costumes, mas com outro sentido festivo.
As pêssankas eram tingidas com a clara e a gema cruas dentro do ovo,
simbolizando a vida e tornando-seum amuleto, capaz de proteger as pessoas e as
casas contra doenças e tempestades.Acreditava-se que, se a pêssanka estourasse,
havia trazido para si más energias, protegendo seu dono. As cascas deveriam ser
queimadas ou enterradas, não podendo, de modo algum, serem jogadas fora.Na
Ucrânia, havia o costume de colocar uma pêssanka junto aos falecidos.
Sobre a permanência dessa prática, a autora, no artigo Arte étnica em
circulação: Aprendizado, produção e consumo das pêssankas, publicado pela
Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP), escreve também que ela não
deve ficar restrita à simbologia tradicional, mas que pode elaborar novos temas além
daqueles prescritos pela tradição:
Por vezes o “engessamento” que sofre uma manifestação cultural ao ser
considerada “tradicional/oficial”, ou seja, ao perder sua capacidade de
variabilidade e mobilidade, acabam por transformá-la em algo distante e
artificial. A força das pêssankas, por exemplo, não está concentrada nos
documentos, quadros de símbolos ou relatos estudados que contam sobre
sua técnica e simbologia tradicionais, supostamente trazidos da Ucrânia.
Sua força está, sim, é em sua produção nas comunidades de descendentes
de ucranianos, que acreditam na magia inerente a esse objeto, que o
33
mantém vivo a cada ano que passa,
completamente. (STEFFEN, 2008, p.911)
fruindo-o
e
deglutindo-o
Para Sganzerla, a comunidade ucraniana do Brasil,é uma das que mais
cultiva e preserva seus costumes e sua a rica cultura de origem, fora da Ucrânia.
Uma das mais antigas e vigorosas tradições deste povo, a arte de colorir ovos, a
pêssanka, que representa, para quem a recebe, vida nova, renascimento, entre
muitos significados, foi fielmente seguida pelos imigrantes e seus descendentes, no
Brasil, há mais de um século. (SGANZERLA, 2007)
Os ucranianos imigrados para o Brasil, trouxeram da sua terra-natal costumes
e rituais, e fizeram com que eles se vinculassem e fossem mantidos aqui no Brasil.
Sobre isso, a historiadora OksanaBoruszenko ressalta que:
Vindos para o Brasil, os imigrantes ucranianos trouxeram consigo muitas
dessas tradições. Conforme permitiam ascircunstâncias e o novo modo de
vida, os imigrantes, assistidos por suas igrejas e associações, preservaram
essas tradições, dando um novo colorido à terra que os acolheu e lhes
serviu de nova pátria. (BORUSZENKO, 1995, p.33)
2. CONTEXTO REGIONAL
Prudentópolis é uma das cidades do Paraná que se destaca na arte
ucraniana, principalmente na confecção de pêssankas. A cidade é conhecida
mundialmente devido à grande imigração de famílias vindas da Ucrânia, no total
70% da população são descendentes de ucranianos (ucraínos), os quais trouxeram
consigo tradições e costumes ricos em espiritualidade e fé. A influência da cultura
ucraniana é tão grande que está presente no dia-dia da população, assim como em
toda a cidade, fazendo com que ela se preserve cada vez mais. Sobre isso, Mônica
Canejo, em matéria para a revista Horizonte Geográfico nos fala que:
A influência ucraniana está presente por todos os lados: nos nomes das
ruas, no rosto das pessoas, na presença católica e no grande número de
edificações – em geral igrejas – de estilo arquitetônico do leste europeu. No
cotidiano se percebe a preservação cultural. (CANEJO, 2002, p. 61)
Existem no município mais de vinte artesãos de pêssankas, divididos entre a
área urbana e rural. É destaque na cidade, a Apruarte Artesanato - (Associação
Prudentopolitana de Artesanato),uma loja comercial que reúne todos os produtos
34
feitos por pequenos artesãos, tais como irmãs, catequistas e artesãos próprios,
disponibilizando-os para a venda. Na zona rural (colônias do interior) existem
artesãos independentes. É cada vez maior o número de pessoas que estão
buscando aprender essa arte.
Em média, cada artesão produz quarenta pêssankas por mês, totalizando um
total de produção de oitocentas pêssankas por mês. As pêssankas são geralmente
feitas por encomendas, sendo a Páscoa o momento no qual a confecção e a
comercialização atingem o ponto mais elevado.
Os artesãos entregam o seu trabalho final para várias lojas da cidade, entre
elas estão a Machula Artesanatos e a Apruarte, mas muitos trabalham e vendem as
suas pêssankas em casa. São esses profissionais que abastecem o mercado de
artesanato ucraniano. A produção feita em Prudentópolis é comercializada em
nívelestadual, nacional, e conquista também mercado internacional.
Nota-se que o poder público local não tem nenhum projeto específico para o
artesanato de pêssankas, além disso, os artesãos observam queos preços pagos
pelos comerciantes não compensa o trabalho que exige detalhes minuciosos e
símbolos surpreendentes. Até o fim da década de 1990 aPrefeitura Municipal de
Prudentópolisoferecia cursos para quem tivesseinteresse em aprender as técnicas
de pintura, mas atualmente não são realizados projetos e programas nessa área.
Mesmo assim, omunicípio já é uma referência na produção de Pêssankas e diversos
pesquisadores e jornalistas realizaram matérias, fotografias e livros sobre o assunto.
Na cidade, Vera Lucia Daciuk, é a principal artesã de pêssankas, sendo
considerada uma referência na arte ucraniana de decorar ovos. Ela é neta de
imigrantes ucranianos e já produz as pêssankas à aproximadamente dezoito anos.
“Conheci essa arte quando estava passando em frente de uma papelaria, onde tinha
várias pêssankas expostas, senti muita vontade de aprender. Mais tarde surgiu a
oportunidade de fazer um curso relacionadoa essa arte, eu fiz e não parei mais”,
conta Vera.
Segundo Vera Lucia Daciuk, a palavra pêssanka deriva do verbo “pessaty”
que significa escrever. A arte daspêssankasconsiste não só em escrever, mas
também em pintar e colorir ovos, com a finalidade de passar uma mensagem,
expressar algo através dos desenhos, símbolos e cores.Esta arte simbolizava o
renascimento da Terra na primavera, agora com a ascensão do cristianismo, passou
35
a simbolizar a Páscoa e a Ressurreição de Cristo, consequentemente a promessa
de um mundo novo, melhor e mais feliz.
A criação das pêssankas é muito antiga. Foi somente em 1992 que
arqueólogos nas ruínas da igreja de Krylos (Ucrânia Ocidental), encontraram uma
pêssanka de cerâmica (argila) datada de 1300 a. C., o que leva a crer que as mais
antigas pêssankas podem ter sido criadas pelo povo ancestral da cultura Trypillia,
que vivia numaampla área do território ucraniano, desde 3000 anos a.C.Em tempos
remotos utilizavam-seferramentas rústicas para se criar uma pêssanka e os
símbolos eram desenhos simples ou hieróglifos. A jornalista Clarise Couto, em
matéria para a revista Globo Rural descreve:
As pêssankas, hoje vinculadas à comemoração da Páscoa cristã por
ucranianos e poloneses, datam, entretanto, da era pré-cristã. No
folheto da Paróquia São Josafat, explica-se que o costume de pintá-las já existia antes do nascimento de Cristo, associado ao começo da
primavera e à ideia de renascimento da vida da natureza. Era comum
também relacionar os ovos à vida e à morte e levá-los pintados para o
cemitério. Com a adaptação das crenças ao cristianismo, as
pêssankas passaram a simbolizar a ressureição de Cristo. "A base da
fé é a ressurreição, e o ovo é o símbolo da vida nova", explica o
padre Krefer. O pároco conta que, na cidade, muitos já não conhecem
as técnicas de pintura dos ovos. Por isso, optam por comprar
exemplares artesanais para presentear amigos e parentes. (COUTO,
2010, p. 97-98)
Com o passar dos anos, as ferramentas se aperfeiçoaram, podendo assim,
criar uma pêssanka com maior perfeição e detalhes em seus desenhos. Sobre a
tradição mantida pelos ucranianos no município de Prudentópolis, a jornalista
observa ainda que:
É dessa maneira incomum que os moradores da cidade, de 50,6 mil
habitantes, vêm vivenciando a data cristã, há mais de 100 anos. Na
cidade, em torno de 70% da população descende de imigrantes
ucranianos (ou ucraínos, como eles preferem dizer), que chegaram
ao local no final do século XIX. Ao longo das décadas, a Igreja
Católica local desempenhou papel fundamental na valorização e
preservação das tradições. Ainda hoje, a maior parte das missas é
celebrada em ucraniano e a alimentação, os rituais e os símbolos
típicos poucas alterações sofreram. (COUTO,2010, p. 96)
Vera explicaque fazer pêssankas é uma arte que exige capricho e dedicação.
Ela relata que os artesãos sabem que um trabalho bonito vende mais fácil e divulga
melhor o artesanato ucraniano feito no município.
36
Figura 1 - Usando um instrumento chamado bico de pena, Vera realça desenhos da
pêssanka; para pintar um ovo de avestruz (foto), ela leva até três dias. Foto: Leandro
Taques.Disponível
em:
http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1709672-
1488,00.html. Arquivo acessado em 27 de maio de 2012.
Para a produção das pêssankas, têm-se como materiais principais: ovos
brancos, tintas (anilina), cera de abelha, pena e vela. A produção dasPêssankas
passa por três etapas: esvaziamento do ovo, o desenho e a pintura. Primeiro pintase a pêssanka com a anilina amarela, depois a laranja, a vermelha, a verde, a azul e
para finalizar a anilina preta. “A duração da confecção de uma pêssanka depende de
diversos fatores: símbolos, cores e tamanho do ovo. Eu faço pêssankas com ovo de
avestruz, ema, ganso, garnizé, galinha e codorna. A menor pêssanka que eu já fiz,
foi em ovo de pomba rola,era um ovo minúsculo no qual consegui fazer vários
símbolos”, conta Vera.
Em Prudentópolis, próximo à data da Páscoa, vários cursos são ministrados
por artesãos da cidade. Nesses cursos, pessoas de todas as idades participam,
principalmente crianças e jovens. A arte de confeccionar pêssankas também é
passada de geração para geração, os maisvelhos passam para os mais novos,os
pais ensinam os filhos e assim por diante. É a arte ucraniana sendo aprendida
dentro de casa.“Já ensinei várias pessoas a fazer pêssankas, inclusive estou
ensinando minha filha, minha sobrinha e minha irmã, que já estão produzindo
algumas. Elas aprenderam essa arte comigo”, relata Vera.
37
3. SÍMBOLOS E SIGNIFICADOS
Por detrás de uma pêssanka, há grandes simbologias e significados. Cada
cor e cada desenho têm seu significado e sua simbologia. Steffen argumenta que
“as cores utilizadas também possuem um simbolismo próprio, sendo escolhidas
conforme
a
mensagem
a
ser
comunicada
pelo
autor”
(p.19).
Os símbolos utilizados na confecção das pêssankas são de procedência
antiga, e com o tempo sofreram transformações e adaptações. Referente a isso,
Merosla Krevey, responsável pelo Museu do Milênio em Prudentópolis, em
entrevista para o livro Pêssanka: A arte ucraniana de decorar ovos, de Eduardo
Sganzerla, nos fala que os símbolos têm uma linguagem misteriosa e que a
simbologia usada nas pêssankas, mistura o divino e o popular, formando os traços
essenciais de uma cultura (p. 47).
A simbologia usada na composição de uma pêssanka é grande e repleta de
significados. Normalmente coloca-se numa pêssanka símbolos que traduzem
desejos e sonhos. Em função disso, Sganzerla nos diz que:
A simbologia da pêssanka é ampla e tem muitos caminhos cruzados,
traduzindo várias épocas da rica trajetória do povo que a criou. Os
significados de seus infinitos motivos, em múltiplas formas, no entanto,
partem de um único ponto, a realidade imediata do círculo da vida. Dali,
então, transformam-se em representações de esperança, fé, amor e paz.
(SGANZERLA, 2007, p. 54)
A cor preta representa a fidelidade absoluta, eternidade ou nascimento. A cor
branca representa a pureza, a inocência e o nascimento. A cor amarela representa a
juventude, a felicidade, a sabedoria, o amor e a pureza. A cor laranja representa a
resistência, a força e é símbolo do sol, estando entre o vermelho significa paixão e
entre o amarelo representa sabedoria. A cor verde representa a renovação da
primavera, fertilidade, saúde e esperança. A cor vermelha é uma cor positiva,
representa a ação, a paixão e o desenvolvimento espiritual. A cor marrom é
considerada o símbolo da mãe terra, e é relacionada com a colheita, pois é a cor do
outono. A cor azul representa o céu, o ar, a vida, a verdade, a fidelidade e a
confiança. A cor roxa representa a fé, a paciência e a confiança (SGANZERLA,
2007, p. 59). Todas as cores e símbolos juntos representam a união de todos os
38
povos, união essa que está presente no cotidiano dos descendentes, que mesmo
longe de seu país de origem, lutaram para que sua cultura se conservasse.
Sobre essa diversidade de símbolos e cores, a pesquisadora Analu Steffen
escreve que:
Existem diversos tipos de pêssankas sendo produzidos e consumidos. A
palavra pêssanka deriva do verbo ucraniano pessaty, que significa escrever.
Podemos dizer, então, que as pêssankas são “ovos escritos” ou “poemas
imagéticos”. Cada traço, figura e cor das pêssankastêm um significado
especial, sendo que alguns são presentes em toda a Ucrânia, outros são
característicos de determinadas regiões. (STEFFEN, 2004, p.17)
Figura 2 – Figuras de cavalos, carneiros e renas simbolizam riqueza, saúde e prosperidade.
Os chifres sugerem força e liderança. As escadas significam pesquisa, procura e ascensão
na vida. Foto: NikolasCorrent
39
Figura 3 – Figuras de flores simbolizam o amor, caridade, boa vontade e felicidade.
Foto: NikolasCorrent
Figura 4 – Figura de peixes simbolizam o cristianismo.
Foto: NikolasCorrent
40
Figura 5 – Figura de triângulos simbolizam a Santíssima Trindade. Crivos/cestas são os
símbolos que dividem o bem do mal. Foto: NikolasCorrent
Figura 6 –A cruz e a igreja simbolizam a imortalidade e a vitória de cristo sobre a morte. O
sol simboliza crescimento, longa vida, fortuna e prosperidade.
Foto: NikolasCorrent
41
Figura 7 – A borboleta é o símbolo da ressurreição.
Foto: NikolasCorrent
Figura 8 – Figuras de estrelas e rosáceas simbolizam beleza, sabedoria e o amor de Deus
para com o homem. Foto: NikolasCorrent
42
Figura 9 - Pinheiros, árvores, ramos e folhas representam a juventude eterna.
Foto: NikolasCorrent
Figura 10 – Espigas de trigo simbolizam boa colheita.
Foto: NikolasCorrent
43
Figura 11 – Os pássaros, galos ou aves em geral simbolizam fertilidade, masculinidade e a
chegada de boas noticias. Foto: NikolasCorrent
Figura 12 – Chamada de “bezkonétchnyk” (infinita), simboliza a eternidade e as emoções.
Foto: NikolasCorrent
44
4. GALERIA DE IMAGENS
Figura 12 – Pêssankas produzidas pela artesã Vera L. Daciuk.
Foto: NikolasCorrent
Figura 13 – Com o uso da seringa, Vera injeta ar no interior da pêssanka, para queseja
retirada a parte interna do ovo (clara e gema).
Foto: NikolasCorrent
45
Figura 14 - Começando a rabiscar os símbolos no ovo de galinha branco.
Foto: NikolasCorrent
Figura 15 - Queima da cera de abelha para marcação definitiva dos desenhos na pêssanka.
A cera atua como um impermeabilizante para que as cores não se misturem
. Foto: NikolasCorrent
46
Figura 16 –Com o auxilio do “bico de pena”, vera contorna com cera de abelha os desenhos
que anteriormente foram feitos a lápis. Foto: NikolasCorrent
Figura 17 – Pintura da pêssanka feita através de uma tinta chamada anilina.
Foto: NikolasCorrent
47
Figura 18– Secagem da pêssanka após a pintura. “Um momento mágico”, conta Vera.
Foto: NikolasCorrent
Figura 19 – A artesã finalizando os detalhes. Foto: NikolasCorrent
48
Figura 20 – A artesã prudentopolitana Vera Lucia Daciuk durante uma exposição de suas
pêssankas. Foto: NikolasCorrent
Figura 21 – Pêssankas prontas para a comercialização.
Foto: NikolasCorrent
49
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se com essa pesquisa, que os ucranianos de Prudentópolis estão
preservando um costume milenar, assegurando através do seu trabalho que as
pessânkas conquistem estatuto de permanência entre a tradição de povos
ucranianos radicados fora do Brasil.
Os artesãos de Prudentópolisproduzem pêssankas com extrema habilidade e
criatividade, com comercialização no mercado regional, nacional e internacional. A
natureza antropológica do seu trabalho transformou o município em referência
estadual na produção de ovos coloridos com temas ucranianos.
Simbolicamente esse tipo de artesanato é de uma riqueza e diversidade
incomparáveis que possui mensagens belíssimas, que nascem da persistência dos
artesãos, em fazer com que esse costume tipicamente ucraniano perdure em terras
brasileiras.
REFERÊNCIAS
BORUSZENKO, Oksana. Os Ucranianos: boletim informativo da casa Romário
Martins. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1995.
BURKO, Vassílio. História de Vassílio. Curitiba: Imprensa Oficial, 2010.
CANEJO, Mônica. Prudentópolis a cidade das cachoeiras gigantes. Revista
Horizonte Geográfico. Ano 15, n. 79, fevereiro 2012.
COUTO, Clarice. Páscoa ucraína no Brasil. Revista Globo Rural. N. 294, abril 2010.
SGANZERLA, Eduardo.Pêssanka: A arte ucraniana de decorar ovos. Curitiba:
Esplendor, 2007.
SITOGRAFIA
STEFFEN, Analu.Pêssankas: ovos escritos, poemas imagéticos. IPHAN, CNFCP.
Rio de Janeiro: 2004. Disponível em:
htttp://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/catPessaSAP144.pdf.Acesso em 19 de
maio de 2012.
50
STEFFEN, Analu. Arte étnica em circulação: Aprendizado, produção e consumo
das pêssankas.Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP). Disponível em:
http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/084.pdf. Acesso em 29 de maio de 2012.
KOTOVISKI, Vilson José. Pêssankas – artesanato ucraniano. Disponível em:
http://www.pessanka.com.br/pessanka.html. Acesso em 11 de maio de 2012.
KOTOVISKI, Vilson José; SLIWINSKI, Oksana. Pêssankas. Disponível em:
http://www.girafamania.com.br/europeu/materia_ucrania.htm. Acesso em 19 de maio
de 2012.
VOLOCHTCHUK, Jeroslau; ROMERO, Waldomiro. Significados das Pessânkas.
Disponível em: http://pessankas.netsaber.com.br/index. php?c=120. Acesso em 12
de maio de 2012.
OUTRASFONTES
DACIUK, Vera Lucia. Entrevistas concedidas dias 19 e 28 de maio de 2012.
51
DESCOMPASSO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO DE SUJEITOS
SURDOS NO AMBIENTE ESCOLAR E SOCIAL
ANDREA ORTIZ
Co-autora: Profª Ms.Cerize Nascimento Gomes
Ciências Sociais - FG
RESUMO: Promover o debate sobre as políticas públicas para a inclusão de
sujeitos surdos e sua aplicabilidade no espaço escolar é o objetivo central do
presente artigo que procura demonstrar a distância ou o descompasso existente
entre as determinações feitas pela legislação brasileira e o cotidiano escolar.
Debatem-se nesse artigo os pressupostos da lei nº 10.436 de 24 de abril de
2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o
artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, colocando em questão
as preconizações legais e a dificuldade de implementação desses direitos nas
escolas da rede pública e particular de ensino.
Palavras-chave: Educação. Surdos. Inclusão. Políticas Públicas. Legislação.
INTRODUÇÃO
A pesquisa proposta surgiu da necessidade de ampliação dos debates sobre o
descompasso entre as políticas públicas e o cotidiano escolar no que diz respeito a
inclusão de sujeitos surdos na vida escolar e social. Promove-se nesse projeto o
debate sobre as leis que efetivaram a obrigatoriedade do ensino de Língua Brasileira
de Sinais (LIBRAS) nas escolas de ensino infantil, fundamental, médio e superior,
bem como as políticas de inclusão social de pessoas surdas. Procura-se definir
52
alguns conceitos relacionados às comunidades surdas e debater a distância entre as
determinações legais e a prática verificada no processo de ensino-aprendizagem.
O objetivo geral da pesquisa implica em estudar as relações existentes entre
a previsão legal para o atendimento e inclusão de estudantes surdos e a realidade
escolar desses sujeitos sociais. Os objetivos específicos estão relacionados a
identificar na legislação referente ao tema os pressupostos sobre o ensino e a
inclusão de pessoas surdas; promover leituras, reflexões e produção de texto sobre
o processo de inclusão de sujeitos surdos; analisar a capacitação dos professores
para a inclusão desses portadores de necessidades especiais; apresentar os
resultados da pesquisa em eventos científicos que façam abordagem sobre essa
temática.
Para o desenvolvimento e aprofundamento da pesquisa foram utilizadas além
das leis específicas sobre educação inclusiva e da legislação para portadores de
necessidades especiais auditivas, referências teóricas de autoras como Adriana
Laplane,
Angela Monroy,
Harlan Lane, Gladis Perlin e Karin Strobel,
pesquisadoras da inclusão de pessoas com necessidades especiais auditivas.
Foram utilizadas também como fontes legislação especifica sobre LIBRAS,
reconhecendo-a como meio legal de comunicação e expressão.
1.LIBRAS NA LEGISLAÇÃO
Debatem-se nesse artigo algumas legislações específicas tais como a lei nº
10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro
de 2005, bem como o artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Devese considerar que o decreto aprovado em 2005 preconiza que em um período de 10
anos, ou seja, em 2015 todos os pressupostos legais para implementar o ensino de
LIBRAS no Brasil devem ter sido efetivados.
O estudo feito tem por objetivo contemplar a realidade do cotidiano escolar
dos estudantes surdos no Brasil, a partir da promoção de um debate teórico sobre
as condições de inclusão escolar e social dos sujeitos surdos.
Para efeitos
53
legais considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e
interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura
principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. (Decreto nº 5.626 de
22 de dezembro de 2005).
Quanto ao ensino de LIBRAS, o decreto determina que:
o
Art. 3 A Libras deve ser inserida como disciplina curricular
obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício
do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de
Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do
sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.
o
§ 1 Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do
conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal
superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são
considerados cursos de formação de professores e profissionais da
educação para o exercício do magistério.
o
§ 2 A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos
demais cursos de educação superior e na educação profissional, a
partir de um ano da publicação deste Decreto. (Decreto nº 5.626 de
22 de dezembro de 2005).
Sobre o acesso das pessoas surdas à educação, a legislação preconiza ainda
que:
Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir,
obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à
informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e
nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas
e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.
(Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005).
Sobre a formação de professores e os recursos previstos, o decreto assegura
que as instituições federais de ensino devem
promover cursos de formação de
professores para o ensino e uso da Libras; a tradução e interpretação de Libras Língua Portuguesa; e o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para
pessoas surdas. Prevê também que todas as escolas da rede pública e particular de
ensino devem ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da
Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos.
54
Para tanto as escolas devem ter professor de Libras ou instrutor de Libras;
tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa; professor para o ensino de
Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas e professor regente
de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos
alunos surdos, para garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais
de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas
de recursos, em turno contrário ao da escolarização;
Quantos aos recursos necessários, a legislação entende que devem existir
políticas de apoio na comunidade escolar para o uso e a difusão de Libras entre
professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio
da oferta de cursos. Preconiza que as escolas devem adotar mecanismos de
avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas
escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade
lingüística
manifestada
no
aspecto
formal
da
Língua
Portuguesa.
Os
estabelecimentos de ensino precisam também desenvolver e adotar mecanismos
alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que
devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos.
Devem ainda
disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de
informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de
alunos surdos ou com deficiência auditiva
Mesmo com todas essas garantias legais percebe-se porém a dificuldade de
implementação desses pressupostos. Na Faculdade Guarapuava, por exemplo, não
existe nenhum sujeito surdo matriculado em nenhum dos seus cursos de graduação.
Até mesmo para a realização do vestibular tais candidatos encontram dificuldades e
precisam de acompanhamento de profissionais especializados. Percebe-se que o
número de pessoas com formação especifica ainda é insuficiente para atender a
demanda existente e que os recursos necessários também são escassos.
Justifica-se a necessidade de pesquisas do gênero, uma vez que muitos
docentes demonstram dificuldades de comunicabilidade e interação com estudantes
surdos no ambiente escolar, não conseguindo atingir um de seus principais
objetivos, que é o de transmissão de conhecimentos. Para tanto se pesquisaram as
dificuldades e os problemas que o aluno surdo e os profissionais educadores
55
enfrentam em relação à transmissão de conhecimentos. Procurou-se ainda
identificar formas adequadas de trabalhar com pessoas surdas inseridas no contexto
escolar, para que seja facilitada a sua inclusão escolar e na sociedade em geral.
1. O ENSINO DE LIBRAS
As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas
que usam sinais formados a partir da combinação da forma e do movimento das
mãos (alfabeto manual).
Para Gladis Perlin e Karin Strobel ao contrário do que muitos imaginam, as
Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos
surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais
próprias. Segundo elas:
Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas
também são compostas pelos níveis lingüísticos: o fonológico, o
morfológico, o sintático e o semântico. O que é denominado de
palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados
sinais nas línguas de sinais.O que diferencia as Línguas de Sinais
das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma
pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender
uma outra língua, como o Francês, Inglês etc. Os seus usuários
podem discutir filosofia ou política e até mesmo produzir poemas e
peças teatrais.(PERLIN E STROBEL, 2009, p.2)
A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) tem sua origem na Língua de Sinais
Francesa, mas foi adaptada ao contexto e à cultura nacional. Existem vários
modelos de alfabeto manual no Brasil, com algumas variações entre os estados da
federação. Veja-se na Figura 1, um modelo do alfabeto manual brasileiro:
56
Figura 1.
Alfabeto manual: Disponível em:
http://blog.educacaoadventista.org.br/professoraelly/index.php?op=post&idcategoria=23. Acessado
em 10 de agosto de 2010.
Gladis Perlin, pesquisadora surda explica que um breve olhar através da
história de educação de surdos possibilita compreender “ atitudes atuais dos
profissionais da saúde e da educação, causadores de estereótipos que permeiam as
diferentes representações na educação de surdos”. (PERLIN,2010, p.8). Segundo
ela, as pesquisas se limitam aos registros nos quais os sujeitos surdos eram vistos
como seres ‘deficientes’”.
A pesquisa sobre o processo histórico de inclusão dos sujeitos surdos
demonstra que socialmente e intelectualmente os mesmos eram considerados
inferiores, e que na maioria das vezes passavam a vida em asilos ou até mesmo em
casas para doentes mentais. Perlin e Strobel em Fundamentos da educação de
surdos, explicam que a partir de 1880, quando foi comprovado a partir de pesquisas
57
e experimentos, que as pessoas surdas tinham a capacidade de aprender surgiram
pesquisas e experimentos das diferentes metodologias e formas adaptadas de
ensino. Sobre essas mudanças elas escrevem:
A proibição da língua de sinais por mais de 100 anos sempre esteve
viva nas mentes dos povos surdos até hoje, no entanto, agora o
desafio para o povo surdo é construir uma nova história cultural, com
o reconhecimento e o respeito das diferenças, valorização de sua
língua, a emancipação dos sujeitos surdos de todas as formas de
opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento espontâneo de
identidade cultural! (PERLIN E STROBEL, 2009, p.2)
2. DESCOMPASSO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E REALIDADE ESCOLAR
No Brasil, algumas situações e políticas públicas foram imprescindíveis para o
estabelecimento do debate em torno do processo de inclusão de pessoas com
necessidades especiais auditivas. Atualmente a lei brasileira presume que toda a
criança tem direito a educação independentemente da cor, raça, etnia e condição.
O movimento da educação inclusiva, que surgiu apoiado pela declaração de
Salamanca (1994), defende o compromisso
da escola em
assumir o papel de
educar cada estudante visando à pedagogia da diversidade, segundo a qual todos
os alunos devem estar dentro do ensino regular, independente de sua origem social,
étnica ou lingüística. Esta declaração foi o marco inaugural dos debates políticos
referentes aos procedimentos inclusivos. Sobre esse documento, Perlin e Strobel
relatam que:
No ano de 1994, os representantes de mais de oitenta países se
reúnem na Espanha e assinam a Declaração de Salamanca, um dos
mais importantes documentos de compromisso de garantia de direitos
educacionais.Este documento declara as escolas regulares inclusivas
como o meio mais eficaz de combate à discriminação e ordena que
as escolas devam acolher todas as crianças, independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou
lingüísticas. (PERLIN e STROBEL,2009, p.54)
Tendo por base esses documentos e essas ocorrências
a constituição
Federal do Brasil de 1998 em seu artigo 208 definiu o atendimento aos portadores
58
de necessidades especiais na rede regular de ensino. Em seu artigo 206 trata da
igualdade de condições para a permanência na escola: a educação como direito de
todos e como dever do estado e da família.
Considerando-se que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, prevê que a
educação seja integrada, incluindo os alunos com necessidades especiais no ensino
regular (BRASIL, 1996), percebe-se a influência da Declaração de Salamanca sobre
algumas questões relativas à inclusão no Brasil. A atual Constituição prevê que
sejam consideradas as situações singulares, os perfis dos estudantes, as faixas
etárias, assegurando-se o atendimento de sujeitos com necessidades educacionais
especiais, a fim de que tenham oportunidade de realizar com maior autonomia seus
projetos, afirmando sua identidade cultural e promovendo o desenvolvimento social.
Apesar do debate em torno dos temas relativos à inclusão dos portadores
de inclusão e da legislação vigente, não é preciso muita pesquisa para que se note
que apesar do que é falado e escrito sobre o assunto, as condições reais de ensinoaprendizagem, são muito diferentes daquelas que são preconizadas por leis e
debates políticos.
Para Angela Monroy as políticas públicas são ineficientes se não forem
acompanhadas de mudanças “não só em relação à sua conceituação, mas
sobretudo a sua inclusão dentro do sistema regular de ensino”. Segundo ela:
Atender as necessidades e potencialidades dos alunos com
necessidades especiais acarreta alguma alteração curricular, seja na
sua constituição ou na forma como é desenvolvido o currículo e na
formação de quem o aplica, ou seja, dos professores. A evolução da
educação dos indivíduos com necessidades educacionais especiais
tem determinado a funcionalidade do currículo, sua aplicabilidade em
contextos diferenciados, apontando esse estudo, dificuldades na
prática cotidiana dos professores da escola especial em elaborar
procedimentos pedagógicos ligados à aquisição das habilidades
adaptativas necessárias à inclusão social”.(MONROY, 2003, p.5)
A realidade da educação no Brasil é caracterizada por classes superlotadas,
com instalações físicas insuficientes e formação docente que deixa a desejar e
essas condições de existência do sistema na educação expondo assim a própria
59
idéia de inclusão como política que, simplesmente, propõe a inserção dos alunos
com diversas necessidades educacionais especiais nos contextos escolares e deixaos sem recursos e profissionais habilitados para trabalharem com os mesmos.
(MONROY, 2003, p.5)
Para Perlin e Strobel, a multiplicidade e a abundância de leis relativas aos
sujeitos surdos, nem sempre implicam na sua aplicabilidade, no seu reconhecimento
pela sociedade ou em transformações culturais efetivas. (PERLIN e STROBEL,
2009, p.45). Para as pesquisadoras, em termos de legislação, a Constituição
Brasileira de 1967 já assegurava aos sujeitos surdos alguns direitos relativos à
educação, mas assim como a Constituição de 1988, tais legislações são de difícil
consolidação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando-se que o decreto aprovado em 2005 preconiza que em um período
de 10 anos, ou seja, em 2015 todos os pressupostos legais para implementar o
ensino de LIBRAS no Brasil devem ter sido efetivados, o estudo em torno de
legislações específicas tais como a lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada
pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o artigo 18 da Lei n o
10.098, de 19 de dezembro de 2000 e sua comparação com o cotidiano escolar,
demonstra um descompasso evidente entre o que preconiza a lei e o que existe de
concreto, tanto em termos de formação de professores para ministrar a disciplina de
LIBRAS, quanto em termos de recursos para seu exercício nas escolas da rede
pública e particular de ensino.
Em termos de observação do cotidiano escolar, os estudiosos dessa temática
estudados por ocasião da elaboração do presente artigo, concordam que apesar de
toda a legislação sobre LIBRAS existente desde a Constituição Brasileira de 1967 e
assegurados pela
Constituição de 1988, bem como os documentos legislativos
estudados nesse artigo, tais legislações são de difícil implementação. Isso ocorre em
grande parte porque diante da falta de profissionais formados na área em número
necessário e da oferta de recursos específicos para o ensino de LIBRAS, a realidade
60
observada no espaço da sala de aula escapa aos preceitos legais e esse espaço
que deveria ser um local de inclusão acaba se constituindo em mais um lugar de
exclusão.
O cotidiano escolar demonstra que até o momento da escrita desse artigo as
escolas de ensino básico e as instituições de ensino superior ainda não estão
preparadas para a consolidação dos propósitos previstos na legislação em vigor.
Isso significa que o tempo de dez anos, previsto para a implementação das práticas
preconizadas legalmente é um período curto para a constituição de uma pedagogia
própria para sujeitos surdos.
REFERÊNCIAS
LANE, Harlan . A Máscara da Benevolência: a comunidade surda amordaçada.
Lisboa: Instituto Piaget, 1992.
LAPLANE, Adriana. Notas para uma análise dos discursos sobre inclusão
escolar. In: GÓES, M.C.R.; LAPLANE, A.L.F. (Org.). Políticas e práticas de
educação inclusiva. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 5-20.
MONROY, Angela. Escolas especiais, às praticas educativas e a aquisição das
habilidades adaptativas visando à integração do jovem portador de deficiência
mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Autônoma de Barcelona, Barcelona,
Espanha. 2002.
SITOGRAFIA
PERLIN, Gladis e Karin STROBEL. Fundamentos da educação de surdos.
Disponivel em:
http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/prelogin/adl/fb/logs/Arquivos/texto
s/fundamentos/Fundamentos%20da%20Educa%E7%E3o%20de%20Surdos_TextoBase.pdf. Acessado em 20 de maio de 2012.
OUTRAS FONTES
BRASIL. LEGISLAÇÃO ESPECIFICA SOBRE LÍNUA BRASILEIRA DE SINAIS
(LIBRAS): LEI Nº 10.436 DE 24 DE ABRIL DE 2002, APROVADA PELO
DECRETO Nº 5.626 DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005, BEM COMO O ARTIGO 18
DA LEI NO 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000.
BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS. Declaração de Salamanca e linha de ação. Brasília: CORDE, 1997.
BRASIL. SABERES E PRATICAS DA INCLUSÃO: Desenvolvendo Competências
para o Atendimento às Necessidades Educativas Especiais de Alunos Surdos.
Brasília: MEC / SEESP, 2003.
61
EDUCAÇÃO E DITADURA MILITAR: MEMÓRIAS DA REPRESSÃO MILITAR NA
FAFIG (1970-1973)
Ernando Brito Gonçalves Junior
Resumo: este artigo aborda aspectos históricos da formação da primeira turma de
licenciatura em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Guarapuava (FAFIG). Para a pesquisa foi delimitado o período de 1970 a 1973,
compreendido nos chamados "Anos de Chumbo" da Ditadura Militar no Brasil sob o
comando do general-presidente Emílio Médici. O trabalho se orienta por abordagens
teóricas da história política e se vale da metodologia de investigação denominada
História Oral, tentando assim reconstruir a memória dos entrevistados. Foram
realizadas três entrevistas, duas delas com professores e uma com um ex-aluno,
indivíduos que vivenciaram a conjuntura em tela. Evidenciou-se, por indícios, que a
cidade de Guarapuava (PR) não ficou fora do olhar dos militares, ou seja, mesmo
sendo uma cidade interiorana e de pequeno porte, Guarapuava sentiu a
reverberação da repressão que se verificava nos grandes centros urbanos.
Palavras-chave: Ditadura Militar; Memória; História Oral.
Este artigo busca analisar vivências e práticas docentes edificadas no período
da Ditadura Militar brasileira. Para esse fim, a pesquisa delimitou como objeto a
primeira turma de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Guarapuava (FAFIG), atual Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO),
na cidade de Guarapuava, Paraná, entre os anos de 1970 e 1973. Nossa intenção
foi tentar perceber na documentação, mesmo por meio de indícios, aspectos que
possam ajudar a vislumbrar o cenário das experiências docentes em um período de
tensão, como é característica da maioria dos períodos ditatoriais. Tentamos assim, a
partir do estudo de um contexto reduzido, apreender contextos maiores.
É digno de nota explicar o porquê desse recorte específico. Começamos pela
exposição da baliza temporal, 1970 a 1973, tendo em vista que a mesma não foi
escolhida aleatoriamente. Em termos nacionais, o Governo Militar estava nas mãos
do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), um governo de grandes
transformações em diferentes âmbitos. Na seara da economia, o país crescia
rapidamente. Foi em seu governo que se instituiu o que ficou conhecido como o
“Milagre Econômico Brasileiro”. O PIB nacional crescia a uma taxa de quase 12% ao
ano, enquanto a inflação média anual não passou de 18% (Cf. FAUSTO, 2004, p.
62
485). No âmbito social, foi o momento de maior violência e repressão de todo o
período militar, sendo conhecido como os “Anos de Chumbo” do Regime Militar.
Com investimentos internos e empréstimos do exterior, o país avançou
economicamente e todos esses investimentos geraram milhões de empregos pelo
país. Algumas obras, consideradas faraônicas, foram executadas, como a Rodovia
Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói. Porém, todo esse crescimento teve um custo
altíssimo e a conta deveria ser paga no futuro. Os empréstimos estrangeiros
geraram uma dívida externa muito elevada para os padrões econômicos do Brasil e
essa dívida é um dos maiores problemas econômicos brasileiros até os dias atuais
(Cf. FAUSTO, 2004, p. 486).
Logicamente, a educação também não permaneceu ilesa a esse período e
várias mudanças estavam ocorrendo desde o início da Ditadura com o objetivo de
coagir professores e alunos. O aparato repressivo buscou disciplinar o ensino, bem
como delimitar o tipo de conteúdo que deveria ser abordado na educação brasileira.
Essa forma de cerceamento consolidou-se com o Decreto-Lei 477 de fevereiro de
1969, que classificava como infração disciplinar a participação em qualquer
movimento de resistência ao regime. Outra lei que marcou profundamente o rumo da
educação brasileira nesse período foi a Lei Federal n° 5.692/71, que fundiu e
descaracterizou as disciplinas de História e Geografia, dando origem à disciplina de
Estudos Sociais (Cf. MARTINS, 2001, p. 204). Essa política de fusão de várias
disciplinas para dar espaço à outra que “abrangesse aspectos mais amplos” vinha
sendo discutida em meados da década de 1930, seguindo os ideais das escolas
norte-americanas que adotavam esse modelo. Vale salientar que essa era uma
forma
de
enfraquecer
o
ensino
crítico,
tentando
formar
alunos
sem
instrumentalização para lançar um olhar mais apurado sobre a sociedade. Essa
nova disciplina [Estudos Sociais] surgiu com um caráter dogmático e o ensino
voltou-se para uma questão cívica e patriótica (Cf. BITTENCOURT, 2004, p. 73-74),
valorizando, assim, aspectos que o Regime julgava fundamentais na simbologia da
educação e do brasileiro. Essa era a principal preocupação do Governo Militar em
relação ao ensino. Nas salas de aula, era preciso construir um ideário de Brasil
Grande, que Avança e Vai prá Frente. Nesse sentido, entram em cena disciplinas
que tentariam legitimar o discurso do Regime Militar, como é o caso da disciplina de
Educação Moral e Cívica, que tinha como pressuposto básico a defesa e
63
manutenção de princípios de ordem, segurança, integração social, culto à pátria,
seus símbolos e seus heróis nacionais. Com um profundo sentimento ufanista, tinha
como finalidade uma sólida fusão do pensamento reacionário, do catolicismo
conservador e da Doutrina de Segurança Nacional (combate permanente ao inimigo
interno) (Cf. BITTENCOURT, 2004, p. 84).
Nos cursos superiores, nosso objeto específico de pesquisa, modificou-se o
nome para Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB). Nessa disciplina, obrigatória em
qualquer curso, eram apresentadas de forma ufanista as políticas implementadas
pelo regime para resolver os problemas brasileiros (sócio-econômicos, políticos, de
infra-estrutura, de relações internacionais, de educação, ciência e tecnologia etc.).
Expunha-se, além disso, o papel das forças armadas na guerra revolucionária, no
desenvolvimento do país e na manutenção da segurança nacional. Tudo isso pode
ser claramente visto nos livros didáticos do período. Desta forma, durante o governo
do General Médici, enquanto o Milagre Econômico “viveu seus dias de glória”, a
repressão travava uma verdadeira guerra suja contra os resistentes e, além disso,
buscava-se dominar culturalmente a sociedade pela educação. Inviabilizando o
acesso educacional, tentando imobilizar a crítica e a discussão nas universidades e
interferindo de forma reacionária nos conteúdos de todos os âmbitos educacionais, o
regime perpetuou a sua violência simbólica, unindo censura, propaganda e política
educativa na apropriação da cultura de toda uma sociedade, tentando construir um
patriotismo ufanista e não questionador dos problemas sociais brasileiros, muito
menos da condução e resolução destes pelo governo implantado. Nessa perspectiva
de “inventar uma tradição”, comungamos com o pensamento do historiador Eric
Hobsbawm, que aponta:
Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas;
tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que
implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado.
Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com o
passado histórico apropriado (HOBSBAWM, 1997, p. 9).
Sendo assim, podemos perceber que a participação na política educativa foi
de capital importância para o projeto legitimador do Regime Militar no Brasil.
64
Após essa visão panorâmica de como estava desenhado o cenário brasileiro
naquela circunstância, voltamos nosso olhar para a cidade de Guarapuava, mais
especificamente para as questões que estavam relacionadas à fundação da FAFIG.
Em meados da década de 1960, alguns grupos sociais de Guarapuava sentiam a
necessidade de implantar uma instituição de ensino superior que suprisse a falta de
professores para atuar no magistério local, além de propiciar uma chance de
formação aos moradores locais que, por vezes, não tinham condições de estudar em
outros municípios. Esses anseios podem ser vistos nessa citação da historiadora e
memorialista guarapuavana Gracita Marcondes:
Desde há muito tempo já havia essa aspiração comum em todos os
segmentos da sociedade guarapuavana. O assunto preferido de
todas as reuniões estudantis, dos artigos de imprensa local e dos
comícios políticos, quando o povo cobrava de seus representantes
uma escola de nível superior para atender às reivindicações da
grande maioria de jovens de todo o Centro-Oeste do Paraná, cujos
pais não possuíam recursos financeiros para sustentar seus estudos
em outras cidades, girava em torno da Faculdade (MARCONDES,
1985, p. 91).
Apesar desse ponto de vista ser passível de questionamento, pois a autora
citada foi docente da instituição em questão e pode ter tentado legitimar a causa da
fundação da FAFIG como resultado de um anseio geral da população – haja vista
que esse fragmento foi retirado de um livro comemorativo de 15 anos da fundação
da FAFIG –, ainda assim, através dele, podemos perceber que existia um interesse
e uma preocupação de determinada parcela da população guarapuavana em
implantar uma faculdade estadual na cidade, parcela essa que não tinha
posicionamentos contrários à forma de governo Ditadura Militar e que teve um papel
significativo para a estruturação da instituição.
Nesse grupo de pessoas interessadas na implementação do que viria a ser a
FAFIG destaca-se o então Deputado Moacyr Júlio Silvestre que, segundo
Marcondes, fez da causa a meta prioritária em seu mandato. No ano de 1967, o
Deputado Moacyr Júlio Silvestre apresentou à Assembléia Legislativa um projeto de
lei para a criação da respectiva faculdade. E em 15 de julho de 1968, o então
governador do Estado do Paraná, Paulo Pimentel, sancionou a lei que autorizava a
criação da FAFIG. Logo em 16 de janeiro de 1970, o Presidente da República Emílio
Médici assinou o decreto que autorizou oficialmente o funcionamento da Faculdade
65
Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava. E em uma cerimônia
solene, realizada em fevereiro de 1970, a faculdade deu início às suas atividades.
Depois dessa breve contextualização do cenário em apreço, apresentaremos
a perspectiva metodológica do trabalho. Para essa análise, utilizamos a metodologia
da História Oral, com o intuito de tentar vislumbrar, por meio das experiências de
nossos entrevistados, dados para a elucidação das questões da pesquisa. A História
Oral constitui um campo que vem sendo explorado por vários historiadores dos
séculos XX e XXI. Essa metodologia de pesquisa consiste em realizar entrevistas
com pessoas que, de alguma forma, vivenciaram acontecimentos e períodos do
passado e do presente (Cf. ALBERTI, 2006).
Segundo Verena Alberti: “A História oral permite o registro de testemunhos e
o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de
interpretação do passado” (2006, p. 155). Nesse sentido, a História Oral se constitui
em um caminho profícuo para a elaboração de interpretações históricas, aumentado
ainda mais o arcabouço de fontes que podem ser utilizadas pelo historiador. Com
essa metodologia conseguimos alcançar alguns vestígios históricos que dificilmente
poderiam ser alcançados em outras fontes históricas, haja vista que a História Oral
possibilita, por exemplo, o estudo e a análise das formas de elaboração, vivência e
compartilhamento de experiências de pessoas ou grupos em determinados períodos
históricos. Como aponta Alberti:
A entrevista de história oral permite recuperar aquilo que não
encontramos em documentos de outra natureza: acontecimentos
pouco esclarecidos ou nunca evocados, experiências pessoais,
impressões particulares etc. [...] informações inéditas que podem ser
resgatadas durante uma entrevista de história oral e confrontadas
com outros documentos escritos e/ ou orais (ALBERTI, 2005, p. 2223).
Em nossa pesquisa, o objetivo foi analisar a visão que alguns professores e
alunos tiveram do período, sobretudo no aspecto educacional, e contrapor essas
visões configuradas nas entrevistas. Assim, a História Oral possui um valor
significativo na medida em que: “[...] privilegia a realização de entrevistas com
pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas,
66
visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI,
1990, p. 1-2).
Outro aspecto importante a ser observado no que diz respeito à metodologia
da História Oral refere-se à credibilidade ou não da fonte oral enquanto
documentação histórica. Nesse sentido, acreditamos que o documento oral possui o
mesmo grau de subjetividade que qualquer outro documento histórico. Essa
afirmação é totalmente aceita por diversos pesquisadores que trabalham com esse
assunto, como é o caso de Verena Alberti, Paul Thompson, Jacques Le Goff e
Michel Pollak. Para ficar mais claro nosso posicionamento sobre essas críticas,
entendemos que:
Se a memória é socialmente construída, é óbvio que toda
documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental
entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte oral, tal como todo
historiador aprende a fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de
tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente
comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e
qual ela se apresenta (POLLAK, 1992, p. 8).
Dessa forma, podemos ver que a entrevista oral deve ser analisada como
qualquer outra fonte histórica, e como tal deve ser vista como um “documentomonumento” conforme aponta o historiador Jacques Le Goff. Para ele, o monumento
é construído para deixar recordações com certo grau de intencionalidade e é essa
intencionalidade que, acredita ele, todo o documento histórico possui. Logo, aponta:
O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de
uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas
durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais
continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é
uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para
evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar
analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O
documento é monumento. Resultado do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente –
determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um
documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao
historiador não fazer o papel de ingênuo (LE GOFF, 1994, p. 547548).
Seguindo essa linha de raciocínio, fica claro que o historiador que tem como
fonte a entrevista oral deve ser capaz de analisar as condições de sua produção e
do seu produtor –o entrevistado – realizando o que poderíamos chamar de “crítica
67
interna e externa do documento”.
A História Oral tem como seu principal foco de análise a memória.
Entendemos, nesse sentido, que a memória é seletiva e é muitas vezes construída
por determinados grupos. Além disso, enquanto experiência individual, o indivíduo
apenas consegue gravar determinados aspectos que foram, de alguma maneira,
marcantes para ele. Como aponta Pollak:
[...] a sua organização em função das preocupações pessoais e
políticas do momento mostra que a memória é um fenômeno
construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero
dizer que os modos de construção podem tanto ser conscientes como
inconscientes. O que a memória individual grava, recalca, exclui,
relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de
organização.
Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um
fenômeno construído social e individualmente, quando se trata da
memória herdada, podemos também dizer que há uma ligação
fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de
identidade (POLLAK 1992, p. 4-5, grifos do autor).
É digno de ressaltar que não se exclui nesse trabalho a discussão da
diferença entre História e Memória na medida em que é um aspecto que merece ser
analisado mais pontualmente:
Memória, história: Longe de serem sinônimos, tomamos consciência
que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada
por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução,
aberta à dialética de lembrança e do esquecimento, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulneráveis a todos os usos e
manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e
incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno
sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma
representação do passado (NORA, 1993, p. 9).
Podemos apontar, assim, que memória é um conceito amplo, que designa
um objeto tomado como fonte de estudo de várias disciplinas. Ela só é
transformada em documento histórico a partir do momento em que o historiador
lança seu olhar sobre ela e a toma como objeto de pesquisa. Temos clareza,
68
nesta pesquisa, que os depoimentos coletados são perspectivas atuais da
lembrança, filtradas por anos de reflexões; são, portanto, mais a memória
(reconstruída) do entrevistado do que sua percepção naquela circunstância.
Após as devidas considerações, chegamos agora, efetivamente, ao nosso
objeto, ou seja, tentaremos compreender como os professores e alunos da FAFIG
vivenciaram o cenário de repressão acima parcialmente “remontado”. Para a
construção do trabalho em apreço foram feitas três entrevistas, duas delas com
professores do período e a outra com uma aluna, todos vinculados à área ou ao
curso de História. Comparamos as entrevistas para encontrarmos indícios que
nos possam dar pistas de como essas pessoas vivenciaram esse período.
Através das entrevistas foi possível ter uma visão parcial de como estava o
cenário do ensino superior em Guarapuava no período recortado para análise.
Com a implementação da Lei 5.692/71, o ensino de História foi muito prejudicado,
por ter perdido sua individualidade. Em Guarapuava, os professores também se
sentiram afetados com o cerceamento que a lei instaurou, obrigando-os a ensinar
uma História que elevava os ideais militares. “Na época os livros didáticos traziam
a história que eles queriam que fosse contada, foi uma revolução vitoriosa né”
(LIMBERGER, 200715). Nessa passagem da entrevista com o Professor Huberto
Limberger, docente aposentado da instituição, podemos ver que havia uma
preocupação, por parte dos militares, com os conteúdos que estavam sendo
ensinados em sala de aula. Na entrevista com o Professor Airton Cornehl,
docente aposentado da instituição, também é possível perceber essa censura no
ensino: “Tinha que seguir os princípios da Revolução, que eles falavam
Revolução, eu acho não foi Revolução, foi um golpe de Estado, e tinha que
seguir. Quem fosse contrário à ideologia, normalmente seria afastado”
(CORNEHL, 2007 16 ). Nessas duas passagens podemos ver que o que era
ensinado pelos professores em sala de aula seguia um paradigma nacional,
mostrando claramente a abrangência da Ditadura Militar no que se refere ao
cerceamento do ensino.
Os conteúdos ensinados seguiam padrões por meio dos quais se tentava
construir um sentimento de aceitação do governo militar. Para isso, o governo se
valeu da criação de heróis do Estado e instituiu disciplinas totalmente voltadas ao
15
16
Entrevista concedida pelo Professor Huberto José Limberger, no dia 27 de abril de 2007.
Entrevista concedida pelo Professor Airton Luiz Cornehl, no dia 8 de março de 2007.
69
Regime Militar. As disciplinas específicas do período, OSPB (Organização Social e
Política Brasileira), EMC (Educação Moral e Cívica) e EPB (Estudo dos Problemas
Brasileiros), possuíam um forte caráter dogmático e se valiam de uma leitura
tradicional da História, privilegiando datas e fatos, com uma forte tendência para as
questões políticas e utilizavam uma gama de heróis patrióticos, sem, é claro, fazer
uma leitura mais crítica do conteúdo abordado. Por isso, é evidenciada a grande
preocupação dos militares referente à questão da educação, pois ela é um dos mais
importantes mecanismos utilizados pelo Regime Militar para tentar consolidar sua
forma de governo.
Nesse mesmo sentido, outro ponto que merece destaque diz respeito à
identificação dos professores perante o Estado:
[...] eu, para lecionar a disciplina de Moral e Cívica, eu tinha que todo
ano ir até o DOPS, Delegacia (sic) de Ordem Pública e Social, para
tirar o atestado, porque se não tivesse o atestado do DOPS não
poderia. Então se você fizesse qualquer coisa contrária a ideologia,
pensamento dos militares, você não poderia dar aula. Principalmente
nessas disciplinas, na minha disciplina (CORNEHL, 2007).
O DOPS, Departamento de Ordem Política e Social, órgão repressivo criado
durante o Estado Novo, foi fundamental no período da Ditadura Militar. Ele era
utilizado para cadastrar professores e outras pessoas que por algum motivo eram
consideradas perigosas para o Regime. Esse órgão foi figura marcante na repressão
ideológica que o Governo Militar empregava. Em outra entrevista podemos observar
semelhanças, no que diz respeito a isso: “O que exigiam do Professor de Moral e
Cívica e EPB que eu sempre fui desde que me formei, todo ano tínhamos que ir ao
DOPS em Curitiba e tirar uma nova Certidão de antecedentes Políticos criminais”
(LIMBERGER, 2007).
Nas duas passagens podemos ver que os professores tinham que prestar
contas para o governo sobre suas práticas docentes, e pelas entrevistas é possível
notar que a disciplina de Educação Moral e Cívica era a que mais estava submetida
ao crivo militar. Essa disciplina foi criada no período para enaltecer o Governo
70
Militar, vale salientar que essa era uma forma de enfraquecer o ensino crítico na
sociedade.
Outro ponto importante em nossa análise é a questão da vigilância que os
militares exerciam na FAFIG. É digno de nota que, ao contrário do que ocorreu na
maior parte do tempo nos grandes centros, a vigilância e a posterior repressão eram
efetivadas de formas veladas. Na maioria das vezes eram utilizadas insinuações, por
parte dos militares, para inibir qualquer questionamento. Quando perguntamos sobre
essa questão ao professor Airton Cornehl, obtivemos a seguinte resposta: “A
vigilância era interessante, eu não sei pra ser sincero eu não sei como eles sabiam
tudo o que ocorria em sala de aula. [...] realmente eles observavam. Mas eu acho,
por exemplo, aqui na Universidade eles introduziam” (CORNEHL, 2007). O professor
Huberto Limberger, quando questionado sobre o mesmo assunto, comenta: “No
aspecto político a coisa era muito vigiada, censurada” (LIMBERGER, 2007).
Por meio dos depoimentos dos professores podermos perceber que vigilância
era uma prática constante em sala de aula. Esse aspecto nos mostra, novamente,
que Guarapuava estava na mira do Regime Militar. Sendo assim, colocamo-nos na
condição de começar a desconstruir a idéia de que não houve repressão na FAFIG
por parte do governo militar. Para tanto, remetemo-nos à entrevista da aluna do
período, Walderez Pohl da Silva, docente, na atualidade, da universidade derivada
daquela instituição, que sentia esse cerceamento de forma um pouco diferente. Em
relação a essa questão, diz: “Nós tínhamos um militar em sala de aula. [...] ele era
um líder dentro da sala de aula e ele tinha uma patente, acho que ele era tenente.
Então todos ali tinham a maior consideração por ele” (SILVA, 200717).
Podemos ver aqui que os militares muitas vezes freqüentavam algum curso
da faculdade e, apesar de não podermos dizer qual era o objetivo deles em sala de
aula, é possível compreender que a presença deles influenciava a forma de agir
tanto dos professores como dos alunos. É possível notar tal questão nas
declarações de nossos entrevistados: “Havia o receio, claro, não há nenhuma dúvida
disso” (CORNEHL, 2007), disse o Professor Airton Cornehl. A aluna Walderez Pohl
da Silva, por sua vez, assinala que: “Eu acredito, não que meu colega militar fosse
para isso, mas eu acredito que só a presença dele ali já inibia qualquer
17
Entrevista concedida por Walderez Pohl da Silva, no dia 28 de março de 2007.
71
manifestação” (SILVA, 2007). Ou seja, podemos perceber que a figura do militar
causava certo receio e desconforto em sala de aula, mostrando que só a
possibilidade de ser repreendido já motivava um grande impacto.
Outra passagem muito interessante digna de destaque foi a resposta do
Professor Airton Cornehl à pergunta feita sobre a repressão exercida pelos militares
na FAFIG. Ele respondeu: “Porque eu estava aqui em Guarapuava, em Guarapuava
não havia, por exemplo, na faculdade, não houve, não havia, mas eles sabiam
também o que se passava, mas eles sabiam” (CORNEHL, 2007). Aqui podemos ver
novamente a questão da vigilância, porém fica claro que não houve, em
Guarapuava, repressão tão violenta como ocorria nas instituições de ensino dos
grandes centros.
Foi possível perceber também que os alunos tinham uma visão um pouco
diferente daquela construída pelos professores, porém, em relação à possibilidade
de ser preso ou até mesmo de ser chamado a prestar esclarecimentos sobre
determinados assuntos, as duas categorias compartilhavam do mesmo receio.
Sobre essa questão, Walderez Pohl da Silva assinala: “Ficava tudo muito bem
escondido. Eu acredito que existiam espiões mesmo nas salas de aula. Nós
tínhamos essas notícias, que tinham espiões em sala de aula, que poderia ser
chamada pelo quartel, que tinha que ir ao DOPS para pegar a certidão para dar
aula” (SILVA, 2007). Notamos, novamente, a questão da vigilância permeando as
falas dos entrevistados. Isso pode ser visto em todas as entrevistas, mostrando que
a vigilância era uma prática operante no período e que causava temor na maioria
dos indivíduos.
Em outra passagem da entrevista com Walderez Pohl da Silva, ela nos conta
um fato interessante que proporciona outro campo de discussão. Quanto à pergunta
que foi feita, se havia algum tipo de ameaça entre os próprios colegas de classe, a
resposta foi:
Eu tive um fato muito pitoresco na minha turma de História. Então
recém o Nivaldo Krüger tinha deixado a prefeitura de Guarapuava,
quem tinha assumido era o Moacyr Silvestre, começaram
politicamente alinhados, depois eles romperam. O Nivaldo Krüger, ele
ficou no MDB, e com certeza era oposição ao governo Estadual e
Federal. E o Moacyr Silvestre não, ele se alinhou com o poder
reinante da época. Então por coincidência estavam na minha turma a
72
secretária de educação do ex–prefeito Nivaldo Krüger e a atual
secretária da educação do Moacyr Silvestre, a professora Abadia
Teresinha Jacob. A professora Abadia Teresinha Jacob era uma
figura. Ela tinha uma fixação por coronéis que comandavam o
Exército. Então qualquer coisa que você falasse na sala de aula, ela
era um agente dentro da sala de aula, que ela dizia, eu vou contar
para o coronel, eu vou por no Jornal. Então ela coagia, era a
personalidade dela, não que ela tivesse, eu não acredito que ela
tivesse fundamentação teórica ou motivos, era o simples fato de estar
usufruindo o poder naquele momento, e talvez por, eu não queria
dizer ignorância. Mas ela se portava de uma posição superior porque
ela era amiga do coronel. Então durante os quatro anos da Faculdade
eu fiquei ouvindo, que quem não fizesse as coisas nos conformes, ela
aí contar para o coronel, só não sei se o coronel sabia que ela era tão
amiga dele (SILVA, 2007).
Podemos perceber que o medo de ser repreendido pelos militares era
evidente, ou seja, algumas pessoas utilizavam o discurso de acusar seus colegas
para conseguir alguns benefícios. Isso nos mostra que existia uma pressão
psicológica e que, além da constante presença de militares, havia o medo de ser
considerado “subversivo” e a desconfiança de que havia militares incumbidos de
vigiar tanto professores quanto alunos. Esses elementos nos dão subsídios para
tentar construir parcialmente como era esse cenário ditatorial no município de
Guarapuava, principalmente no ensino na FAFIG.
A última questão que acreditamos ser relevante mostra que não foi apenas no
campo ideológico que houve repressão. Transcrevemos aqui uma passagem da
entrevista com o Professor Airton Cornehl:
Eu nunca tive problema com os militares. Só tive um probleminha
assim que fui chamado no quartel, mas porque eu tava, eu fiz um
comentário assim que não era muito, que fugia um pouco da linha de
ensino, era exatamente eu quando eu estava fazendo um comentário
sobre a política de Platão (CORNEHL, 2007).
Solicitamos para que explicasse um pouco melhor essa questão e ele
respondeu um pouco receoso:
73
Não, esse é porque o seguinte né, chegou no quartel de que eu tava
pregando idéias subversivas, mas como o comandante me conhecia,
porque o pessoal ali eram meus conhecidos. Então daí ele me
chamou só pra, não me intimando, mas só pra conversar, para que eu
não entrasse em determinados detalhes. Não isso aí não, pela má
interpretação, né, A idéia era de Platão, né (risos). Não é minha idéia
(risos) (CORNEHL, 2007).
Aqui fica claro que as ameaças não aconteciam sem um motivo, ou seja,
houve professores que foram chamados no 26° GAC (Grupo de Artilharia de
Campanha), em Guarapuava, para prestar alguns esclarecimentos. Além do mais, o
motivo pelo qual o professor disse ter sido chamado foi por ter tecido um comentário
acerca da República, de Platão, em uma aula de Filosofia. Para nós, isso
demonstra que o período em apreço não foi tão calmo como se pensava. Em uma
passagem sobre o mesmo assunto, o professor Huberto Limberger comenta: “Mas
era em EPB que a gente sentia mais a barra. Até quem trabalhava comigo era o
Professor Bernardo, ele teve problemas com o nosso Exército aqui, ele teve que se
explicar uma vez” (LIMBERGER, 2007). Nessas duas passagens das entrevistas
podemos ver que alguns professores tiveram problemas com o Exército. No
momento em que o professor menciona EPB, ele se refere à disciplina de Estudo
dos Problemas Brasileiros, outra disciplina que surgiu durante o Regime Militar.
Portanto, nessa discussão novamente é possível ver que as disciplinas específicas
do período eram as que mais sofriam fiscalizações por parte dos militares, pelos
claros interesses que eles possuíam em relação a essas disciplinas.
Após a realização e análise das entrevistas podemos perceber que o período
militar foi muito prejudicial ao ensino, no que se refere ao “conteúdo” (o que foi
ensinado), no que se refere aos mecanismos criados, como as leis, para tentar
cercear a capacidade crítica dos alunos, visando diminuir as manifestações contra o
regime, e no que tange a questão da atuação limitada do professor, pois, como
vimos, o educador não possuía liberdade total para falar sobre qualquer assunto em
sala de aula.
Foi possível notar também que o medo foi constante naquela circunstância,
pois, mesmo no ato de lembrar daqueles momentos, ele apareceu/reapareceu. Isso
foi visível principalmente no depoimento do Professor Airton Cornehl, que chegou a
74
nos dizer, depois da entrevista, que não queria se comprometer com determinados
assuntos referentes à Ditadura Militar. O medo que o professor ainda manifesta ao
tratar de determinados assuntos nos mostra que mesmo passados mais de vinte
anos do encerramento da Ditadura Militar ela ainda “cheira a tinta fresca” em sua
memória, o que quase o impediu de discutir determinados assuntos, silenciando,
obviamente, acerca de alguns aspectos.
Fica evidente que houve repressão militar na FAFIG, como pudemos notar
nas entrevistas em diversos momentos, como, por exemplo, nos trechos em que os
entrevistados comentaram a vigilância dos militares em sala de aula, constante
durante o período estudado; a presença deles foi apontada como uma possível
forma de inibir manifestações. Além da vigilância, a “visita” que alguns professores
eram obrigados a fazer ao 26° GAC no município em questão foram as tintas que
deram cor ao cenário da Ditadura Militar em Guarapuava no período recortado em
nossa pesquisa. Em um jogo de escala, o que se percebeu nessa pesquisa foi um
processo de re-significação das formas de repressão da Ditadura Militar em um
contexto local.
Sabendo que, em nossa pesquisa, a compreensão dos processos de
produção, de reprodução e de re-elaboração da memória foi preponderante para a
produção das entrevistas e para o desenvolvimento da análise, percebemos que
alguns aspectos da “memória individual” foram esquecidos ou silenciados por
nossos entrevistados, tendo sido substituídos por elementos da “memória coletiva”
ou “social”. A memória, repleta de particularidades, constitui-se como fonte para a
investigação não apenas dos historiadores, mas para outros grupos, como aponta
Le Goff:
Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma
importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores
da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações
das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam
as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história
são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória
coletiva. (LE GOFF, 1994, p. 426).
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, nessa análise pudemos constatar que o ensino superior em
Guarapuava, mais especificamente na FAFIG, não passou ileso pelo regime do
presidente Médici, o município em questão ouviu as reverberações emanadas dos
grandes centros. Foi possível perceber também que a repressão em Guarapuava
não ocorreu como em outras cidades: a repressão se concentrava muito mais no
fomento do medo e das ameaças do que na esfera física; os militares instauraram
uma “violência simbólica” e, mesmo sem agressões físicas explícitas, conseguiram
cercear militâncias vindas da FAFIG, pelo menos no período que diz respeito à
pesquisa em apreço.
O que tentamos fazer nesse artigo foi uma releitura do período da Ditadura
Militar desde um olhar local, campo de estudo pouco explorado na cidade de
Guarapuava, com o intuito de trazer contribuições à compreensão do tema a partir
do uso da memória como fonte histórica. Buscamos desconstruir a idéia que muitos
tinham de que a FAFIG passou ilesa por esse processo, mostrando que, para a
instituição, para seus professores e para seus alunos, não foi um período tão
pacífico. Buscamos um “outro olhar”, pois como aponta Reis: “Cada presente
seleciona um passado que deseja e lhe interessa conhecer. A História é
necessariamente escrita e reescrita a partir das posições do presente, lugar da
problemática da pesquisa e do sujeito que a realiza” (REIS, 2005, p. 9). Nesse
sentido, é preciso fomentar as pesquisas sobre as relações entre ensino e Ditadura
Militar, não apenas em Guarapuava. Que esse estudo tenha servido para despertar,
em outros historiadores, inquietações capazes de estimular novas abordagens e
novas leituras.
REFERÊNCIAS
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1990.
______. Manual de História Oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
76
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São Paulo: Contexto, 2006, p. 155-202.
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Oeste do Paraná. Guarapuava: Unicentro, 2007. (CD-ROM)
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (orgs.). A invenção das tradições. Tradução de
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NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Tradução Yara Aun
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POLLAK, Michael. Memória e Identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n.
10, 1992. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/104.pdf>. Acesso em: 02 mai.
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1989. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/43.pdf>. Acesso em: 02 mai.
2007.
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 7. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005.
77
THOMPSON, Paul. A voz do passado. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FONTES
Entrevista concedida pelo Professor Airton Luiz Cornehl, no dia 8 de março de 2007.
Entrevista concedida pelo Professor Huberto José Limberger, no dia 27 de abril de 2007.
Entrevista concedida por Walderez Pohl da Silva, no dia 28 de março de 2007.
78
O IMAGINÁRIO MÁGICO-RELIGIOSO DA UMBANDA :
DOGMAS E PRÁTICAS RITUALÍSTICAS AFRO-BRASILEIRAS
Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes
Co-autoras: Lucélia Pietras e Luciane Pietras
Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava
Resumo: O presente artigo está relacionado à necessidade de produção de material
didático para atendimento dos pressupostos pela Lei 10.639/2003 e pela Lei
11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e cultura
afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica. Nesse sentido,
escolheu-se uma temática própria da religiosidade e da cultura afro-brasileira, com
foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, incluindo-se
informações que possam fundamentar estudos multidisciplinares étnico-raciais com
enfoque antropológico, sociológico, histórico, político e econômico.
Palavras-chave: Umbanda. Cultura. Religião. Crenças. Rituais.
INTRODUÇÃO
A umbanda é considerada a mais genuína religião brasileira de origem africana
Maria Helena Vilas Boas Concone
A lei nº12.645, sancionada em 16 de maio de 2012, institui o dia 15 de
novembro como o Dia Nacional da Umbanda e somada (Anexo 1) às leis 10.639 de
2003 e 11.645 de 2008, sobre a obrigatoriedade de inclusão de conteúdos de
história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica,
reforça a necessidade de que sejam ampliados estudos e a produção científica na
área.
A existência dessa legislação sugere que as faculdades e universidades, em
especial os cursos de licenciatura, devem se transformar no espaço próprio para
fomentar a pesquisa sobre as questões étnico-raciais relacionadas aos povos afrobrasileiros e indígenas.
O presente artigo procura abordar aspectos históricos, culturais, sociais e
econômicos relacionados ao imaginário mágico-religioso, como os principais
dogmas, os princípios morais e as práticas de umbanda.
Consideram-se no decorrer do trabalho alguns
aspectos relativos ao
surgimento da umbanda no Brasil, aos princípios doutrinários da religião, às suas
práticas, ao cotidiano dos devotos e à organização social umbandista.
79
1. UMBANDA : HISTÓRIA E PRINCÍPIOS
A pesquisa bibliográfica realizada para a produção do presente artigo sugere
que a fundação da umbanda data das duas primeiras décadas do século XX com o
surgimento dos primeiros terreiros nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio
Grande do Sul. A religião é bastante sincrética e reúne princípios do catolicismo, do
espiritismo e do candomblé promovendo a comunhão de princípios da religiosidade
branca européia, negra africana e indígena americana.
1.1.
Conceitos e fundação
Entre as definições encontradas para a origem etimológica do vocábulo
umbanda, Cavalcanti Bandeira,
em o que é a umbanda afirma que ela é uma
palavra originária da língua kimbundo, utilizada em muitos dialetos bantus, falada em
Angola, Congo e Guiné.
De acordo com o autor a palavra é utilizada para mencionar uma nação
poderosa ou um espírito poderoso. Ela reporta a palavra kimbanda que significa
curandeiro. De acordo com os sentidos em que é aplicada e com sua origem
gramatical é entendida como a arte ou magia de curar, poder de curar, ofício de
ocultismo ou ciência médica.
Em busca de encontrar uma definição própria dos umbandistas, o pai- desanto João D`Ogum, do Centro Espírita de Urubatan, de água Branca (SP), procura
explicar e conceituar a umbanda considerando a diversidade de suas raízes :
Em sua origem, participam valores de três culturas principais, a saber:
Cultura Branca (européia), através do catolicismo romano e do
espiritismo kardecista Cultura Negra (africana), através do elemento
escravo; Cultura Vermelha ou Ameríndia, através daqueles que já
estavam aqui antes da chegada do elemento branco, e a quem
impropriamente chamaram de índios, que o branco tentou escravizar.
Concluindo: Por definição, a Umbanda é uma religião espírita,
ritmada, ritualizada, de origem euro-afro-brasileira. (D´OGUM, 2010)
A partir das fontes de pesquisa foram encontradas diversas denominações
para os locais de realização de cultos de umbanda: centros de umbanda, templos de
umbanda, terreiros de umbanda e tendas de umbanda.
80
Entre as fontes de pesquisa, além da bibliografia que compõe o referencial
teórico do presente artigo, foram visitados diversos sites de templos, federações e
associações umbandistas.
Inicialmente , do ponto de vista histórico, os umbandistas consideram que a
partir da assinatura da Lei Áurea em 1889, os ex-escravos haviam sido
abandonados a própria sorte e viviam em um quadro social miserável, sem espaço
para expressar sua cultura e suas crenças:
Em 1889 é assinada a "lei áurea". O quadro social dos ex-escravos é
de total miséria. São abandonados à própria sorte, sem um programa
governamental de inserção social. Na parte religiosa seus cultos são
quase que direcionados ao mal, a vingança e a desgraça do homem
branco, reflexo do período escravocrata. No campo astral, os espíritos
que tinham tido encarnação como índios, caboclos (mamelucos),
cafuzos e negros, não tinham campo de atuação nos agrupamentos
religiosos existentes.(D’OGUM, 2010)
Observa-se assim que entre as religiões constituídas não havia espaço para
os cultos africanos. Segundo o autor o catolicismo era contrário a idéia de
reencarnação, o espiritismo descartava a hipótese de trabalhar com entidades
indígenas e africanas e o candomblé não aceitava a possibilidade de comunicação
com os eguns, espíritos de pessoas falecidas.
Diante desses desafios é que teria sido criada e anunciada
em 15 de
novembro de 1908, em Niterói (RJ), a primeira tenda de umbanda, estabelecida pelo
médium Zélio Fernandino de Moraes. O histórico registra a dissidência existente
entre o médium e o espiritismo kardecista, uma vez que o fundador da umbanda
incorporava um espírito de entidade indígena denominado de Caboclo Sete
Encruzilhadas.
Para explicar essa aproximação dos kardecistas com as religiões africanas,
datada da década de 1920, Lísias Nogueira Negrão, em Umbanda: entre a cruz e a
encruzilhada, disserta sobre o sincretismo nacional a partir das matrizes negras com
ênfase para a macumba e o candomblé, e das matrizes ocidentais com atenção para
o catolicismo e o kardecismo.
Segundo ele:
Kardecistas de classe média, atraídos pelos espíritos de caboclos e
pretos-velhos que se incorporavam nos terreiros de macumba do Rio
de Janeiro, neles adentraram e assumiram sua liderança. (NEGRÃO,
1994, p.113)
81
O autor explica que a umbanda enquanto religião nacional consolidou-se no
momento da industrialização e da urbanização das grandes cidades do país. Para
sua consolidação “construiu um cotidiano encantando de crenças e práticas mágicas
voltadas para as necessidades do seu público interno” (NEGRAO, 1993, p.114). Sua
caminhada dos terreiros de macumba aos templos de umbanda foi preenchida por
transformações com vistas a integrar um repertório de gentes e crenças diversas.
O autor cita Roger Bastide, um clássico nas relações raciais para demonstrar
alguns aspectos sociais e políticos da umbanda:
Roger Bastide, em sua análise que privilegia as relações raciais,
considera a macumba como expressão mágica da marginalidade do
negro no período pós-abolição; já a umbanda, seria a expressão
ideológica da integração do mesmo à sociedade de classes nascente.
(NEGRÃO, 1994, p.114)
1.2.
Religiosidade e mobilidade social
Compreendendo-se que a umbanda surgiu comprometida com as classes
sociais mais desfavorecidas para as quais prometia um espaço para a expressão de
suas crenças e a prática de seus rituais religiosos, deve entender-se a nova religião
como promotora de inclusão e de mobilidade social em um tempo e em uma
sociedade que rejeitava os seus pobres, principalmente os afrodescendentes e os
povos indigenas.
Esses aspectos devem ser considerados para as tentativas de explicação
sobre a rápida proliferação de locais de cultos de umbanda em diversos estados
brasileiros.
Importante também é a questão relacionada ao sincretismo religioso
promovido pela umbanda. Tendo em vista suas relações com os dogmas do
catolicismo, do espiritismo e do candomblé, a nova religião conseguia reunir
dissidentes dessas três instituições religiosas.
O
pesquisador Reginaldo Prandi considera que a partir da criação do
primeiro centro de umbanda do Brasil, diversos terreiros foram fundados no Rio de
Janeiro, com forte expressão na década de 1920. Segundo ele a umbanda surgiu a
partir da conjunção de práticas do espiritismo, bastante rico em princípios
doutrinários, e do candomblé, mais centrado em performances ritualísticas. Além
82
do forte sincretismo entre essas duas religiões, a umbanda conservou
também
aspectos simbólicos do catolicismo.
A umbanda, ritualmente muito próxima do candomblé dos ritos angola
e caboclo, incorpora em sua doutrina as virtudes do catolicismo — fé,
esperança e caridade - empresta do kardecismo o modelos de
organização burocrática e federativa. Seu panteão tem à frente
orixás-santos dos candomblés e xangôs, mas o lugar de destaque
está ocupado por entidades desencarnadas semi-eveméricas, à moda
kardecista e africana, ou encantados de origem desconhecida, à
moda dos cultos de maior influência indígena: os catimbós, os
candomblés de caboclos e as encantarias. (PRANDI, 1990,p.1 )
O autor
explica que “a
umbanda que nasce retrabalha os elementos
religiosos incorporados à cultura brasileira por um estamento negro que se dilui e se
mistura no refazimento de classes” (PRANDI, 1990) . Sobre essa interação entre as
crenças ele considera que por sua especificidade a Umbanda reúne desde sua
fundação
elementos religiosos e culturais que
elementos nacionais”
promovem a
“valorização dos
(PRANDI, 1990 ) a partir da recepção de espíritos de
caboclos, pretos velhos, índios, ciganos, boiadeiros, marinheiros e escravos.
Tais sujeitos são descritos como:
Perdidos e abandonados na vida, marginais no além, mas todos eles
com uma mesma tarefa religiosa e mágica que lhes foi dada pela
religião de uma sociedade fundada na máxima heterogeneidade
social: trabalhar pela felicidade do homem sofredor. (PRANDI, 1990)
A pesquisadora Maria Helena Villas Boas Concone estuda o simbolismo dos
personagens da umbanda. Segundo ela os caboclos e os pretos velhos são os
símbolos-chave dessa religião e marcam presença desde o nascimento do Brasil.
Todos os demais personagens, os baianos que representam o preto jovem; o
mulato, o boiadeiro, o marinheiro, a Pomba Gira e o Zé Pilintra formam a
composição de um quadro simbólico que ajuda na interpretação da história, da
cultura e da formação do povo brasileiro. (CONCONE, 1987)
A partir desses elementos e de seu simbolismo mágico-religioso, as pessoas
que não encontravam lugar em nenhuma das religiões constituídas, especialmente
aquelas pessoas estigmatizadas pelas condições raciais e econômicas, vão
encontrar nos templos de umbanda o seu lugar de pertencimento. A partir dessa
83
nova religião, os excluídos podem restabelecer os vínculos com a pátria e celebrar
na prática dos terreiros a demarcação do seu território.
Nesse sentido, é
importante destacar a função da umbanda no que diz
respeito à perspectiva de mobilidade social. Primeiramente o novo espaço oferecia a
possibilidade de expressão das crenças dos excluídos, em seguida, unia essas
pessoas por meio de práticas ritualísticas, concedendo-lhes identidade e o sentido
de pertencimento a uma religião e a uma comunidade.
No que diz respeito ao sincretismo, observa-se que apesar de conservar
aspectos da doutrina kardecista, a umbanda procura romper com a concepção
kármica por meio da qual a vida presente é uma forma de acerto de contas das
existências anteriores, repleta de sofrimentos e provações. Nessa ruptura a sua
ideologia religiosa aproxima-se do candomblé, religião de matriz africana para a
qual a experiência da vida não está relacionada apenas ao sofrimento, mas também
ao ideal idéia de gozar a vida neste mundo e encontrar a felicidade terrena.
Esse sentido de felicidade e gozo extraído do candomblé semeia no campo
social a possibilidade de alterar as rotas da vida, passando de um cotidiano de dor e
sofrimento para perspectiva de uma vida mais alegre e mais feliz.
Tanto os objetivos de mobilidade social, formação de identidade e de
pertencimento à uma comunidade, quanto os de gozar a felicidade na vida terrena,
são segundo os principios umbandista, mais falcimente alcançáveis com o auxílio de
determinadas práticas rituais.
Conforme Prandi:
A umbanda de certo modo rompe com a concepção kardecista do
mundo: aqui não é mais uma terra de sofrimentos onde devemos
ajustar contas por atos de nossas vidas anteriores. Trazendo do
candomblé a idéia, ainda que desbotada, pouco definida, de que a
experiência neste mundo implica a obrigação de gozá-lo, a idéia de
que a realização do homem se expressa através da felicidade terrena
que ele deve conquistar, a umbanda retrabalha a noção culpada da
evolução kármica kardecista, assim como, através da propiciação
ritual, descobre a possibilidade de alteração da ordem. (PRANDI,
1990 )
Chama-se atenção para o fato que a mobilidade social esta implicitamente
relacionada à possibilidade de alteração da ordem do mundo ou do destino pessoal
por meio de determinadas práticas ritualisticas. Nota-se que os trabalhos e as
demandas realizadas pela umbanda tem como objetivo proteger os devotos, auxiliar
a sua mobilidade social e acompanhar a sua evolução espiritual. Sendo a umbanda
84
uma religião assumida em grande parte por pessoas dos estamentos sociais com
menor poder aquisitivo, suas crenças e suas práticas sugerem a possibilidade de
transformação pessoal e social.
Por meio dos rituais umbandistas os devotos acreditam que poderão alcançar
não apenas a
cura dos seus males físicos mas também a abertura de novos
espaços sociais:
É necessário que cada um procure a sua realização plena, mesmo
porque o mundo com o qual nos deparamos é um mundo que valoriza
o individualismo, a criatividade, a expansão da capacidade de
imaginação, a importância de subir na vida. Este pormenor é
essencial. Por esta forma de ver o mundo, a umbanda se situa como
uma religião que incentiva a mobilidade social, porém mais importante
do que isto é o fato de que essa mobilidade está aberta a todos, sem
nenhuma exceção: pobres de todas as origens, brancos, pardos,
negros, árabes... o status social não está mais impresso na origem
familiar. Trata-se agora, para cada um, de mudar o mundo a seu
favor. E essa religião é capaz de oferecer um instrumento a mais para
isso: a manipulação do mundo pela via ritual. (PRANDI,1990 )
Para a alteração da ordem social ou a manipulação do mundo pela via ritual
são feitos os trabalhos e as demandas com a finalidade de atender as condições de
proteção e de transformação pessoal e social, Lísias Nogueira Negrão salienta que
os umbandistas lançam mão de uma série de práticas repletas de simbolismo
mágico-religioso. Em seus estudos ele procura descrever “ a construção mítica e
ritual, onde a umbanda é vivida em seu cotidiano encantado de crenças e práticas
mágicas”(NEGRAO,1994,114). Sobre isso, Negrão escreve que:
A umbanda dos terreiros é ainda um mundo encantado. São muito
poucos os pais-de-santo que têm qualquer interesse secular (político,
cultural) além do profissional. Analfabetos ou com baixo grau de
instrução, a leitura de textos teológicos racionalizados e
racionalizantes é quase inexistente. Apenas alguns deles em poucas
tendas de classe média, dotados de maior nível de instrução formal e
mais afeitos à reflexão abstrata, lêem e recomendam obras
umbandistas, kardecistas e ocultistas. Em geral vivem imersos em
seu mundo religioso. Sua realidade é a dos orixás, com os quais
convivem no cotidiano das giras, dos trabalhos e das “demandas,
com seus guias respondendo às necessidades imediatas de seus
filhos-de-santo e seus clientes.(NEGRAO, 1994, p.115)
As demandas podem ser consideradas os principais trabalhos realizados
dentro dos templos de umbanda. Por meio delas os pais e as mães-de-santos
procuram atender as reivindicações e as expectativas das filhas e dos filhos-desanto, bem como de seus clientes.
85
1.2. Demandas justiceiras
A demanda, até certo ponto, também é vista como legítima. Desfaz o mal feito
contra inocentes e o faz retornar contra quem o provocou.
Lísias Nogueira Negrão.
Os adeptos da umbanda embasam suas práticas na idéia da existência de
demandas. A palavra é usada para exprimir conflitos e também para sintetizar o uso
de práticas mágicas para combater os adversários dos filhos e filhas de santo e
também a sua clientela, protegendo-os e impedindo que sejam atingidos por ações
de maldade, inveja e ciúme.
Para a participação e a celebração de rituais, bem como para a realização
dos
trabalhos
espirituais
nos
centros
de
umbanda
são
feitas
algumas
recomendações essenciais essenciais como fazer o banho de descarrego, acender
uma vela e oferecer um copo de água para o anjo da guarda, praticar o jejum
alimentar e usar uniforme branco e limpo .
O banho de descarrego é feito com ervas próprias de cada orixá. Em cada
banho são usadas entre uma e sete ervas. As de uso mais comum são as folhas de
alecrim, arruda e guiné. Para o preparo do banho as ervas são colocadas em um
recipiente com água, de preferência água de poço ou mineral, e maceradas com
uma colher de pau. Depois de bem esmagadas as ervas são coadas e colocadas em
descanso por alguns minutos. Depois do banho de higiene a pessoa derrama a água
do descarrego sobre o corpo, do pescoço para baixo. Esse banho tem a função de
eliminar as energias negativas que circulam em torno da pessoa ou que ocupam o
seu corpo físico.
A vela para o Anjo da Guarda deve ser acesa juntamente com pedidos de
proteção, força e iluminação. O copo de água deve ser oferecido com a intenção de
obter clareza e transparência na realização dos trabalhos religiosos.
O jejum alimentar alimentar prescreve o consumo de frutas, verduras,
legumes e carne de peixe. É contraindicado o consumo de carne vermelha e de
animais de sangue quente. Todas essas recomendações devem ser seguidas ao pé
da letra pelos demandantes.
86
Negrão explica que os umbandistas compreendem que por meio da demanda
apenas revidam o mal e o devolvem ao seu emissor. Segundo o pesquisador os pais
e mães de santo só aceitam demandar quando estão convencidos da inocência do
demandante.
Sobre a demanda, o autor relata que:
A demanda implica no caráter conflituoso da vida cotidiana: há
inimigos, há pessoas mal intencionadas. Não é errado agir contra
eles, defendendo-se e contra atacando. Trata-se de justiça, não de
maldade. Quem pratica o mal deve pagá-lo e não só no além, na
próxima encarnação, mas aqui e agora. Assim como o bem que se
busca, a cura, a resolução de problemas diversos, deve ser imediato,
o castigo daquele que provocou o mal deve sê-lo também. (NEGRÃO,
1994, p.119)
O que impressiona no sentido simbólico da demanda, é sua expressão
enquanto detentora de poderes que não são apenas culturais ou religiosos, mas
também morais e jurídicos. Sua ação entra em campo como se fizesse parte de um
verdadeiro processo em que as vítimas procuram proteção contra os seus
adversários.
Para Negrão “trata-se, em estrito sentido durkheimiano, de direito antes
repressivo que restitutivo, totalmente distanciado da virtude cristã do perdão”
(NEGRÃO, 1994, p.120). Dessa forma, na umbanda a demanda possui o poder
mágico-religioso de promover a justiça entre os demandantes e os demandados:
A demanda promove a justiça imediata, no aqui e agora, sem que se
espere os castigos e as recompensas do além. Não existe também a
mediação institucionalizada de aparato judicial: são os próprios guias
e agentes mágicos os juízes e executores da pena. (...)A justiça, vista
pela ótica dos subalternos, despossuídos, marginalizados ou
precariamente dispostos nos lugares sociais, aparece assim como
fundamento moral da prática mágica umbandista. (NEGRÃO, 1994,
120)
A abordagem é bastante interessante para a área de antropologia cultural
quando se trata de polarizar com a concepção religiosa predominante que atribui o
castigo ou a retribuição do mal feito exclusivamente à vontade de Deus. Para a
antropologia jurídica é um tema apaixonante quando foge da concepção do Estado
como agente formal de estabelecimento de penas e castigos. Sobre essa
peculiaridade da umbanda Negrão conclui que:
A prática do castigo aos ofensores pelos próprios ofendidos, mediante
a utilização de recursos simbólicos, é peculiaridade sua,
compartilhada com os demais cultos afro-brasileiros. Estamos, pois,
distantes dos quadros de uma hegemonia moral que atrela os
87
interesses individuais aos sociais e remete a justiça para além da
competência das vítimas. (NEGRÃO, 1994, p.121)
Os temas que tratam sobre o desejo humano de fazer justiça com as próprias
mãos ou o acervo literário existente sobre pessoas que tomaram as rédeas do
destino nas próprias mãos, são bastante vastos. A antiguidade clássica e toda a sua
mitologia estão repletas de histórias sobre seres que enfrentam os deuses e lutam
pela sua felicidade ou do seu povo. Para a umbanda no entanto esses casos não
são raros, eles são comuns, pertencem ao seu cotidiano, um mundo mágicoreligioso no qual todos os devotos podem lutar para alterar a ordem da sua vida,
combater os adversários, vencer o sofrimento e alcançar a felicidade.
1.3. Organização burocrática
Como os pais e mãesde-santo, filhos e filhas-de-santo vivem imersos no
imaginário e na prática dos rituais da umbanda, cuidando dos meios mágicos para
obter a proteção dos seus orixás, as fontes de pesquisa deixam entrever que nem
sempre é dada a devida atenção ao processo de racionalização que envolve a
institucionalização burocrática dos templos de umbanda.
organização dos locais de culto, o autor explica que todos os
Sobre o aspecto da
terreiros “devem ser
registrados em cartório como entidades civis para poderem funcionar legal e
livremente” (NEGRÃO, 1994, p.116). Com essa finalidade foram criadas associações
e federações especializadas que funcionam como despachantes para legalizar os
centros de umbanda em todo o país.
A Federação Brasileira de Umbanda – FBU, por exemplo, é uma das
entidades de cúpula de umbanda, candomblé e demais cultos afro-brasileiros. Com
personalidade jurídica reconhecida em âmbito nacional a instituição
tem como
função primordial legalizar os templos, fornecendo alvará de funcionamento,
estatutos e demais documentações necessárias ao exercício das atividades
religiosas e sociais dos mesmos, promovendo através de cursos, o aperfeiçoamento
dos sacerdotes e diretores de cultos das entidades filiadas.
A Federação Umbandista do Estado do Paraná - FUEP, fundada em 25 de
maio de 1968, está devidamente registrada com código nacional de pessoa jurídica
(CNPJ) e declarada personalidade jurídica de utilidade pública estadual, conforme a
88
Lei 8.515/1987, do governo do Estado e pessoa jurídica de utilidade pública
municipal de Curitiba, pela Lei 6.833/1986. A entidade possui regimento interno e
estatuto social e regula o funcionamento dos templos de umbanda estaduais.
2. FUNDAMENTOS DA UMBANDA
A constituição de dogmas que possam ser reconhecidos e assumidos pelos
adeptos é o cerne de qualquer doutrina religiosa. A Umbanda também possui seus
dogmas, crenças e fundamentos. O primeiro deles é que os umbandistas professam
a existência em um Deus eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, onisciente e
onipresente o que pode sugerir que são monoteístas. Porém, em contradição,
acreditam na existência dos orixás com forte poder de intervenção sobre a vida
humana no plano físico e espiritual, bem como na evidência de espíritos de plano
superior, o que pode sugerir que são politeístas.
Os orixás da umbanda são uma incorporação feita a partir das crenças do
candomblé. Quando se estudam os orixás africanos compreende-se que em sua
constituição eles são muito parecidos com o antigo panteão de
deuses greco-
romanos, uma vez que mesmo considerados divinos são capazes de sentir todas as
emoções e todas as paixões humanas.
Cido de Osun Eyin, em estudo publicado sobre o título de Candomblé: A panela
do segredo relata que:
Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força
da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às
manifestações dessas forças. As características de cada Orixá
aproxima-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de
emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são
passionais. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular,
composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços
físicos e até horários. (EYIN, 2000)
Ao falar sobre o sincretismo existente entre os orixás e os santos católicos, é
preciso esclarecer que apesar da disposição com que se aborda essa temática no
meio acadêmico, é necessário lembrar que a adesão inicial dos povos africanos
radicados no Brasil aos símbolos do catolicismo não foi um ato voluntário ou uma
expressão de simpatia aos santos procedentes do continente europeu. Pelo
contrário, o sincretismo foi antes de qualquer coisa uma imposição dos
89
colonizadores da América Portuguesa, uma exigência social diante da qual, sem
saída, os povos africanos tiveram que acatar.
Sobre o sincretismo entre os orixás africanos e os santos europeus Eyin
argumenta que:
Como resultado do sincretismo que se deu durante o período da
escravatura, cada orixá foi também associado a um santo católico,
devido à imposição do catolicismo aos negros. Para manterem os
seus deuses vivos, viram-se obrigados a disfarçá-los na roupagem
dos santos católicos, aos quais cultuavam apenas aparentemente.
(EYIN, 2000)
O resultado desse choque cultural
manifesto pelo encontro de crenças do
catolicismo europeu e do candomblé africano, ocorrido desde a Colônia Portuguesa,
iria se manifestar dentro da umbanda como a decorrencia quase natural de um
processo de miscigenação étnico e religioso.
Dos dogmas cristãos incorporados do catolicismo a umbanda trouxe o seu
principal lema “ amai-vos uns ao outros”, que deve ser expresso e manifesto na
prática da caridade tanto na palavra quanto na ação. Para a umbanda Jesus Cristo
foi o espírito de categoria mais elevada que já encarnou na terra e todos os seres
humanos são iguais, porque são filhos do mesmo Deus e procedem da mesma
origem.
Para os umbandistas o universo está repleto de outros mundos habitados, não
constituindo a Terra uma exceção no universo. O planeta Terra seria um plano de
expiação, aprendizagem e correção moral. Segundo suas crenças existem planetas
com formas de vida mais adiantadas e/ou mais atrasadas em comparação com a
terra.
Entre os dogmas da religião encontra-se a existência de uma cidade
simbólica chamada de Aruanda, que vem a ser uma cidadela etérica e iluminada
habitada por espíritos de luz que trabalham pelo bem e pela caridade, auxiliando a
aprendizagem das almas em seus processos de reencarnação.
A cidade de Aruanda é mencionada no hino da umbanda:
90
HINO DA UMBANDA
Refletiu a luz divina, em todo o seu esplendor.
Vem do reino de Oxalá, onde há paz e amor.
Luz que reflete na terra, luz que reflete no mar.
Luz que vem lá de Aruanda para tudo iluminar
Umbanda é paz e amor, é um mundo cheio de luz.
É força que nos dá vida
E a grandeza nos conduz
Avante filhos de fé, como a nossa lei não há!
Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá.
Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá
A crença na reencarnação é um dos principais dogmas da Umbanda. Por meio
dela os umbandistas defendem a existência de vida fora da matéria e na
sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. O dogma permanece o mesmo
do espiritismo kardecista segundo o qual o espírito não morre, mas sobrevive ao
homem e permanece em seu caminho de evolução.
Também do espiritismo, os umbandistas herdaram a crença na possibilidade de
comunicação com espíritos desencarnados, através da faculdade mediúnica. Para
os umbandistas todas as pessoas têm guias espirituais que as acompanham e com
os quais podem estabelecer comunicação através da mediunidade.
2.1. Mediunidade
A mediunidade é descrita tanto pelos umbandistas quanto pelos espiritistas
kardecistas como a capacidade que todas as pessoas têm , em maior ou menor
grau, em diferentes espécies e formas de manifestação, de servir de veículo de
comunicação entre o plano físico e o plano espiritual.
2.1.1. Sintomas
Entre os sintomas de mediunidade os umbandistas definem algumas
características clássicas como o suor exagerado nas mãos e nas axilas, mãos
molhadas e geladas, maçãs do rosto vermelhas e quentes. Esses são bastante
91
singulares. Outro sintoma é o da depressão psíquica, a pessoa fica instável e passa
de uma grande alegria para uma tristeza profunda; irrita-se com facilidade, chora
muito, sente melancolia e queixa-se de solidão (D’OGUM, 2012). . Nota-se que os
sintomas psíquicos são bastante comuns aos quadros clínicos de depressão,
bipolaridade e psicose.
A mediunidade pode manifestar-se também por meio de alterações no sono com
estados de sonolência ou insônia profunda seguidos por manifestações de fraqueza
e de cansaço, algumas vezes acompanhados por vômitos e diarréias.
Outros
sintomas podem ser a perda de equilíbrio, a sensação de desmaio e a taquicardia.
D´Ogum explica que os sintomas apresentados costumam desaparecer com a
preparação espiritual e o desenvolvimento mediúnico, e que o tempo de cura está
relacionado ao grau de mediunidade, do interesse e da preparação espiritual do
médium.
2.1.2. Espécies
A umbanda reconhece que existem mais de cem espécies ou tipos de
mediunidade, entre os quais os mais comuns são a intuição, a incorporação, a
vidência, a clarividência, a audição, o transporte, o desdobramento e a psicografia.
A intuição é um tipo de mediunidade no qual a pessoa
recebe em seu
pensamento, sob a forma de uma sugestão, mensagens provindas de um espírito. A
incorporação é a capacidade de estabelecer sintonia com a vibração do espírito e
permitir que a entidade tome conta do corpo do médium e se manifestar através
dele. A incorporação pode ser parcial quando o médium tem consciência ou semiconsciência do que está acontecendo ou integral quando o médium fica totalmente
inconsciente. As pesquisas sobre o tema
da incorporação demonstram que “a
maioria dos médiuns (mais de 95%) trabalha em incorporação parcial e uma
pequeníssima minoria (menos de 5%), em incorporação integral”(D’OGUM, 2010).
A vidência permite ao médium perceber irradiações de acontecimentos; a
clarividência é a visão de fatos do passado ou do futuro. Segundo D’Ogum a
clarividência é um tipo raro de mediunidade e possibilita ao médium ver o corpo
espiritual e mental de algumas pessoas e conhecer suas vidas anteriores. Na
92
mediunidade por audição é possível ouvir claramente as mensagens dos espíritos
de luz como se estivessem falando aos ouvidos do médium.
No caso do transporte, essa é uma espécie de mediunidade capaz de conduzir a
pessoa em jornadas espirituais para lugares distantes enquanto seu corpo físico
permanece em repouso. Compreendem-se dois tipos de transporte, o voluntário,
quando o mediu se dispõe a sair do corpo e projetar-se no espaço e o involuntário,
quando a pessoa se desloca em sonhos ou em caso de desmaios (D’OGUM, 2010).
Há também o desdobramento que é um tipo de transporte no qual a pessoa que se
projeta torna-se visível para outras pessoas.
Finalmente, a mediunidade por meio de psicografia, que é um tipo bastante
conhecido no Brasil, por meio do trabalho realizado pelo médium espírita Chico
Xavier. Essa espécie de mediunidade é considerada muito comum na umbanda, e
classificada em três modalidades: intuitiva, semimecânica ou mecânica. No primeiro
caso, a pessoa recebe as mensagens e as transcreve movido apenas pela intuição.
No segundo caso o médium vai tomando consciência da psicografia na medida em
que escreve. É um ato semimecânico
por meio do qual
“o espírito atua,
simultaneamente, na mente e na mão do médium” (D’OGUM, 2010). O terceiro caso
é o da psicografia mecânica, no qual o espírito atua somente na mão do médium,
que escreve sem tomar conhecimento da mensagem recebida.
2.2. Diversidade Religiosa
No que diz respeito à diversidade os umbandistas afirmam que todas as religiões
constituem os diferentes caminhos da evolução espiritual e que todas as correntes
religiosas possuem uma única finalidade, a de aperfeiçoamento dos seres humanos
que estão em processo de aprendizagem e de correção moral.
Para a umbanda existe uma lei de causa e efeito, segundo a qual nada acontece
por acaso e tudo é conseqüência dos atos praticados pela pessoa. O progresso
individual ou as situações na vida são produtos de livre arbítrio ou de escolha de
provas definidas antes mesmo da encarnação do espírito na matéria. Segundo os
umbandistas até mesmo a escolha da religião da pessoa está em correspondência
com o seu grau de compreensão e de evolução na atual vida terrena.
93
PAI NOSSO UMBANDISTA
Pai nosso que estais nos céus, nas matas, nos mares e em todos os
mundos habitados.
Santificado seja o teu nome, pelos teus filhos, pela natureza, pelas águas,
pela luz e pelo ar que respiramos.
Que o teu reino, reino do bem, do amor e da fraternidade, nos una a todos e
a tudo que criastes em torno da sagrada cruz, aos pés do divino salvador e
redentor.
Que a tua vontade nos conduza sempre para o culto do amor e da caridade.
Dai-nos hoje e sempre a vontade firme para sermos virtuosos e úteis aos
nossos semelhantes.
Dai-nos hoje o pão do corpo, o fruto das matas e a água das fontes para o
nosso sustento material e espiritual.
Perdoa, se merecermos as nossas faltas e dá o sublime sentimento do
perdão para os que nos ofendam. Não nos deixeis sucumbir, ante a luta,
dissabores, ingratidões, tentações dos maus espíritos e ilusões
pecaminosas da matéria.
Enviai pai, um raio de tua divina complacência, luz e misericórdia para os
teus filhos pecadores que aqui habitam, pelo bem da humanidade, nossa
irmã.
E principalmente pai, nos livre de fazer mal a quem quer que seja.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização da presente pesquisa possibilitou a compreensão de alguns
aspectos históricos, culturais e sociais relacionadas a umbanda, bem como uma
iniciação aos seus princípios e suas práticas ritualísticas. É preciso que se diga que
é preciso muito estudo sobre o tema para que o pesquisador se aproprie de alguns
conhecimentos sobre os rituais da umbanda.
O artigo que está sendo concluído pode ser considerado apenas uma
iniciação aos fundamentos umbandisticos. Historicamente sabe-se que a fundação
da umbanda data de 15 de dezembro de 1908, e que sua primeira tenda foi
construída em Niterói no Rio de Janeiro. Desde então os centros, templos, tendas e
terreiros de umbanda espalharam-se por todo o país.
94
O crescimento dessa religião é creditado às suas origens européias,
relacionadas ao catolicismo e ao espiritismo kardecista; africanas relacionadas ao
candomblé e indígenas por sua ligação com as crenças dos povos nativos
americanos. Esse vasto berço permitiu reunir numa só proposição religiosa
dissidentes de três importantes religiões já constituídas: o catolicismo, o espiritismo
kardecista e o candomblé.
Outros aspectos considerados
relevantes são os de
possibilidade de
mobilidade social, formação de identidade e o sentimento de pertencimento que
reuniram em torno da umbanda segmentos excluídos da sociedade nacional por
suas condições raciais ou econômicas.
O trabalho realizado permitiu alguns avanços sobre a importância da
umbanda para a elaboração de novas interpretações sobre a história do Brasil e
maiores intervenções sobre o cenário cultural brasileiro.
Nesse sentido, foram contemplados os pressupostos pela Lei 10.639/2003 e
pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e
cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica, com
disponibilização de informações acadêmicas sobre a religiosidade e a cultura afrobrasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, com
estudos multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico, sociológico,
histórico, político e econômico.
As considerações finais sobre o tema abordado é de que são necessários
maiores estudos sobre o assunto, com recortes específicos sobre personagens,
práticas
e dogmas da umbanda que possam conceder argumentos e
conhecimentos que contribuam para com a disseminação do respeito e da tolerância
frente à diversidade cultural existente na sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col.
Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987.
EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo: Mandarim,
2000.
95
NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo
Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994.
NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1973) Umbanda e questão moral: formação e
atualidade do campo umbandista em São Paulo. São Paulo. Tese de
livre-docência. FFLCH-USP.
PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no Brasil
do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 49-74, 1.sem.
1990
SITOGRAFIA
D’OGUM, João. A origem da umbanda. Disponível em:
http://www.centroespiritaurubatan.com.br/estudos/o-que-e-umbanda.html. Arquivo
acessado em 10 e setembro de 2012.
96
RESUMOS EXPANDIDOS
97
CULTURA MATERIAL E MEMÓRIAS SOBRE A COLONIZAÇÃO DO PAIQUERÊ
NA REGIÃO DE GUARAPUAVA (PR)
FÁBIO NOIMA PELOSI
Ciências Sociais - FG
Palavras-Chave: Colonos. Agricultura. Trabalho. Ferramentas. Memórias
A presente pesquisa terá como periodização a ocupação promovida pelos
colonizadores entre os anos de 1940 e 1990 e como localização espacial a
localidade do Paiquerê, localizado numa faixa de fronteira entre os municípios de
Guarapuava, Campina do Simão e Turvo. A fronteira entre Guarapuava e Campina
do Simão é a estrada que chega na localidade, e o que limita Guarapuava e Turvo é
o Rio Piquiri, que nasce nas proximidades da localidade.
Situado no interior do município de Guarapuava (PR), fazendo fronteira
geográfica com os municípios de Campina do Simão e Turvo, aproximadamente a
50 km do centro da cidade, a localidade do Paiquerê foi um contribuinte essencial
para o desenvolvimento do município, pela riqueza de floresta que possuía no final
dos anos 40,e mais aproximadamente em 1947.
A colonização do Paiquerê se deu principalmente pela chegada de serrarias na
região. As dificuldades em colonizar a região eram imensas e se não fosse o fato
das serrarias abrirem caminho, continuaria sendo uma região com poucos
moradores. Porém, antes da chegada destas madeireiras, já existiam moradores no
interior, que foram tomados pelo espírito do desbravamento e pela coragem de
enfrentar a floresta que era muito fechada, e ir abrindo carreiros para colonizar uma
terra que por ser muito fértil, era bastante promissora.
Por meio deste projeto manifesta-se o interesse na realização de uma pesquisa
de campo junto os agricultores da comunidade, com a finalidade de apresentar
aspectos da história, das formas e de técnicas de trabalhos, bem como da vida dos
agricultores responsáveis pela colonização da região Centro-Oeste do Estado.
98
O objetivo geral é o de promover a revisão histórica da colonização do
Paiquerê, na região de Guarapuava, em seus aspectos econômicos, sociais e
culturais. Especificamente procurar-se-á descrever o trabalho realizado pelos
pioneiros na colonização da região; identificar formas de cultivo da terra; Investigar
quais eram as ferramentas utilizadas no manejo agrícola; entrevistar pessoas que
viveram e colonizaram a região na época e analisar aspectos da colonização do
Paiquerê que contribuíram para o desenvolvimento de Guarapuava.
A pesquisa permitirá identificar as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros, no
cultivo da terra como condição de subsistência. O desenvolvimento da agricultura
deve ter sido uma verdadeira aventura de desbravamento uma vez que a área rural
de Guarapuava até os anos de 1945, era praticamente um sertão de mato, além de
ser uma das maiores reserva florestal da América do Sul, conforme relatos feitos
pelos autores que referenciam bibliograficamente o presente projeto.
Entre as leituras que embasam a pesquisa estão algumas de cronistas viajantes
do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Robert Avé-Lallement que em suas
incursões pelo Paraná, descrevem, por meio das obras Viagem pela comarca de
Curitiba e Viagem pelo Paraná,como eram as paisagens sobre as quais nos
reportaremos no decorrer desse trabalho.
Interessante também será a abordagem do antropólogo Claude Levi-Strauss,
que nos anos de 1930 percorreu as terras indígenas do Sul do Brasil e passou pela
região de Guarapuava, conforme relato feito no livro Tristes trópicos.
Na área econômica serão utilizadas referências de Caio Prado Junior, que na
obra História econômica do Brasil descreve o processo de colonização da América
Portuguesa. Ênfase será dada para aexpansão e a crise da produção agrária no
início do século XX.
Serão utilizadas também referencias de autores que tratam especificamente da
história do Paraná e da região de Guarapuava, tais como: Temistocles Linhares,
Nego Miranda, Tereza Urban, Jeorling J. Cordeiro Cleve, Gracita Gruber Marcondes
e Walderez Phol da Silva.
No decorrer da pesquisa procurar-se-á destacar dois aspectos: o da produção
agrícola e o de instalação de madeireiras. A partir de 1920 a economia regional
começava a girar em torno do comércio da madeira, 250 serrarias se instalaram na
região,embrenhadas em meio aquela imensidão de mato. Tais serrarias iam abrindo
99
estradas e seguiam os carreiros feitos por poucos colonos que já tinham se
instalados nas terras das cercanias de Guarapuava.
Esse é o caso próprio do local dapesquisa em questão, a localidade do
Paiquerê, a qual na época era um dos locais mais distantes do comércio de
alimentos e de ferramentas, bem como dos serviços básicos de saúde, entre outros.
Dos fatores expostos, resulta o interesse dessa pesquisa de campo, para
identificar e relatar como sobreviviam os pioneiros que abriram caminhos em meio a
mata para ocupar, povoar e colonizar a região de Guarapuava.
Tendo como linha de pesquisa a Sociologia Agrária, pretende-se construir um
referencial de investigação a partir de entrevistas e contatos com os moradores mais
antigos da localidade. Aos depoimentos coletados será apensado um referencial
bibliográfico consistente com a temática abordada além de fotografias e
documentaçãosobre a colonização do Paiquerê.
REFERÊNCIAS
AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Coleção farol do Saber.
Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
CLEVE, Jeorling J. Cordeiro. Povoamento de Guarapuava: cronologia histórica.
Curitiba: Juruá, 2007.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
LINHARES, Temistocles. Paraná Vivo. Coleção Brasil DiferenteCuritiba: Imprensa
Oficial, 2000.
MARCONDES, Gracita Gruber. Guarapuava: História de luta e trabalho.
Guarapuava: Unicentro, 2008.
PRADO JR. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1980.
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pela comarca de Curitiba.Coleção Farol do
Saber. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
100
AGRICULTURA FAMILIAR: COTIDIANO E TRABALHO DA COMUNIDADE DO
ASSENTAMENTO JABUTICABAL NO MUNICIPIO DE GOIOXIM- PR.
JAITON MIQUEIAS PASSOS ROCHA
Ciências Sociais - FG
O projeto de pesquisa apresentado trata-se de um estudo de caso
estabelecendo o cotidiano e a identidade dos moradores de assentamento
Jabuticabal em Goioxim – PR, trabalhando aspectos econômicos, sociais, culturais e
políticos.
O município de Goioxim possui, conforme dados do governo Federal, um dos
piores Índices de Desenvolvimento Humano - IDH do Paraná e localizado na região
da Cantuquiriguaçu, conhecida entre os Territórios da Cidadania por possuir um dos
IDHs menos desenvolvidos do Brasil, Goioxim possui um população de 7.993
habitantes, sendo que desses 6.254 residem no meio rural.
Goioxim está dividido em 26 comunidades com aproximadamente 1.954 familias
de
pequenos
agricultores.
Caracteriza-se
por possuir
grande
número
de
assentamentos, cerca de 11, com 382 famílias assentadas pela Reforma agrária.
Os agricultores trabalham na produção de milho, feijão, fumo, soja, arroz, mandioca
e na produção de leite. Devido a baixa produção das propriedades e pequena
produtividade por área plantada os agricultores encontram-se descapitalizados.
O
tema
a
se
desenvolver
durante
a
pesquisa
deve
promover
o
acompanhamento do cotidiano e das formas de produção dos moradores do
assentamento Jabuticabal em Goioxim (PR). O estudo abordará singularidades da
vida nos assentamentos paranaenses por meio de um cronograma de ações que
envolvem a metodologia científica da observação participante, com técnicas de
pesquisa das três grandes áreas das ciências sociais: sociologia, antropologia e
política.
Serão fundamentais para a complementação do trabalho a coleta de
informações sobre as condições de vida dos assentados, as atividades cotidianas, a
agricultura familiar, os programas de sustentabilidades e as práticas culturais que
101
asseguram a formação de uma identidade própria das pessoas que vivem nos
assentamentos rurais do Paraná.
O objetivo geral de pesquisa é o de investigar aspectos sobre cotidiano e
trabalho dos moradores do assentamento Jabuticabal no município de Goioxim (PR),
observando-se aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Os objetivos
específicos são os de promover estudos teóricos estabelecendo conceitos e
relações entre a
agricultura familiar e a historia agrária; investigar aspectos
históricos e sociais da ocupação e do assentamento; coletar dados sobre o cotidiano
dos moradores e as formas de trabalho desenvolvidas na localidade; demonstrar as
condições de vida e as expectativas dos moradores do assentamento; apresentar os
resultados de pesquisa em seminários e eventos científicos para ampliar debates
sobre a temática de estudo.
Sobre a temática dos assentamentos rurais
Emília Bandeira Perissato e
Angélica Schiavão Bandeira procuram conceituar o termo e estabelecer relações
entre tais áreas e a questão agrária de luta pela terra no Brasil:
Os assentamentos rurais são áreas destinadas à reforma agrária.
Terras improdutivas ou com outra irregularidade podem ser
desapropriadas e destinadas para instalação de assentamentos.
Terras devolutas também podem ser utilizadas para o mesmo fim. É
importante destacar que os proprietários não perdem a terra; eles
recebem o valor de sua propriedade e das construções realizadas. As
áreas desapropriadas são destinadas a famílias que têm interesse em
trabalhar no campo. Elas não ganham a terra; mas tem um plano
especial de financiamentos e crédito, e um prazo para pagar. As
propriedades em assentamentos não podem ser vendidas. As
famílias assentadas podem ou não estar ligadas a um movimento de
luta pela terra. (PERISSATO e BANDEIRA,2012, p.3)
Para as autoras que realizaram estudos sobre o município de Querência do
Norte (PR), a criação dos assentamentos não significa mudanças profundas na
estrutura da posse da terra e nem culmina com o fim dos latifúndios, porém tal
política de assentamentos permite o acesso à terra por parte de famílias que não
contavam com tal benefício:
Não podemos considerar assentamentos rurais como sinônimo de
reforma agrária. A realização de assentamentos, tal qual vem sendo
feita no Brasil, não proporciona alteração na estrutura fundiária em
nível mais amplo; localmente os resultados são interessantes, pois o
latifúndio se torna terra produtiva e famílias, antes sem terra, podem
desenvolver suas atividades em busca de uma melhor qualidade de
102
vida. Todavia, isso não impede que outros latifúndios surjam, e nem
extingue a concentração de posse da terra no Brasil.(PERISSATO e
BANDEIRA,2012, p.4)
O objetivo de estudo de este trabalho, é pesquisar acerca do assentamento de
Jabuticabal localizado no município de Goioxim no estado do Paraná, levando-se em
consideração que a questão agrária se tornou uma das ramificações da pesquisa
sociológica inerentes ao meio acadêmico dos países latino-americanos. Maria Yeda
Linhares afirma que essa linha de pesquisa ganha cada vez mais espaço no Brasil
com o
surgimento dos primeiros estudos relacionados às técnicas de trabalho
agrícola e às relações do homem com a natureza.(LINHARES, 1997 p.165).
No
Assentamento
Jabuticabal
em
Goioxim
a
Agricultura
familiar
é
predominante, também como a bovinocultura de leite, devido ao relevo declivoso
com poucas áreas planas dificulta a implantação de lavouras, onde se tem como
principal atividade a produção leiteira. O morador do assentamento Oclides Miranda
de Lima conhecido na região como “palito”, foi o primeiro a ser certificado no Paraná
pela produção de leite orgânico pelo programa paranaense de certificação de
produtos orgânicos, o produtor
juntamente com sua família conseguiu certificar
também a produção de hortaliças, grãos e frutas.
De acordo com a engenheira agrônoma Carla Leite uma das executoras do
programa, o processo de certificação iniciou-se em 2009, com o apoio da EMATER
e o
manejo orgânico tem origem nos laços familiares e no apoio e incentivo
governamental
por
meio
de
políticas
agrícolas
desenvolvidas
para
os
assentamentos. (EMATER, 2012)
Linhares argumenta que apenas num segundo momento foram privilegiadas
questões como as condições de vida e o cotidiano dos trabalhadores rurais e o
imposto social da introdução de tecnologias agrícolas.
Como se tem ressaltado tantas vezes, a historia da gente
comum que trabalha, come, dorme, gera filhose saberes
variado, e que na sua faina cotidiana transforma a natureza
ao criar meios de substancia e técnicas, custou a entrar nas
preocupações do pesquisador nas preocupações do
103
pesquisador como objeto de estudo. (LINHARES, ANO
p.165).
No que diz respeito ao impacto dos assentamentos ela observa que a falta
de infraestrutura, aliada as dificuldades de estabelecimento na terra e a escassez
de recursos para a agricultura familiar são fatores que exercem efeitos negativos
sob a vida dos assentados e sobre os resultados da produção agrícola e/ou
alternativa.
Nesse sentido, ela avalia que a criação dos assentamentos e as expectativas
que os rodeiam, bem como sua existência enquanto espaço de referencia para
pequenos produtores,
fazem com que o assentamento se torne
um ponto de
partida de novas demandas e reivindicações que são reivindicadas pelas
comunidades assentadas junto ao poder publico com a finalidade de ampliar a
capacidade organizativa e produtiva dos assentamentos.
Leonilde Servolo de Medeiros analisa o perfil da população estudada indica
os assentamentos vêm possibilitando o acesso a propriedade da terra para uma
população historicamente excluída e que, embora mantendo anteriormente algum
tipo de inserção no mercado de trabalho, o fazia em condições bastante instáveis e
precárias.
Segundo ela a questão agrária no Brasil caracteriza-se pela (re)emergência
de diversas organizações rurais capazes de, novamente, erguerem a bandeira da
reforma agrária e reivindicarem a ampliação do acesso à terra para a população sem
terra do País. O resultado dessas lutas sociais concretizou-se em centenas de
assentamentos rurais, hoje espalhados em praticamente todos os estados
brasileiros. A autora, em suas obras, discute a multifacetada formação dessas novas
áreas, a gênese e o desenvolvimento das formas de reivindicação e pressão social,
o papel das organizações rurais e dos movimentos sociais, as tendências, evolução
e marcas principais dos assentamentos rurais e as relações com o Estado e suas
políticas, além de mapear os principais processos sociais desencadeados no
período, em diferentes regiões, com a multiplicação destas novas áreas.
Medeiros analisa também as dificuldades para os filhos dos agricultores,
familiares se estabelecem como produtores, e considera que os assentamentos
104
representam nas regiões analisadas uma importante alternativa de trabalho e de
acesso a terra para uma população de baixa escolaridade. Para ela a criação do
assentamento tornou possível a essa população, centrar suas estratégias de
reprodução familiar e de sustento econômico na produção de leite como é o caso da
maioria das famílias que serão analisadas.
Com isso os assentados acabam promovendo mudanças na cena política
local e regional. A forte presença dos assentados nos espaços públicos e mesmo
nas disputas eleitorais faz com que essa população conquiste uma identidade social
representativa. Dessa forma acreditamos que passam a atuar como agentes sociais,
transformando seu papel de oprimido em sujeitos de transformação social que lutam
efetivamente por seus direitos.
Será utilizada como referência pesquisa da EMBRAPA (2004) que demonstra
que
durante o século XX, a agricultura passou por um processo radical de
transformações. Devido a sua integração à dinâmica industrial de produção e a
constituição do complexo agroindustrial, com a alteração da base técnica e
tecnológica da produção agrícola, assim como a composição das culturas. Neste
mesmo período, houve um acúmulo enorme de conhecimento científico e
tecnológico e é inegável que seus avanços foram cruciais para garantir a segurança
alimentar de alguns povos (EMBRAPA, 2004 apud BRASIL 2004).
As primeiras leituras feitas em torno do tema demonstram como surgiram os
primeiros estudos para especificar as linhas de pesquisa voltadas para a agricultura,
privilegiando - se as praticas agrícolas, ciências e técnicas agrícolas, modos de
produção e meio ambiente.
A partir dessas fontes e informações iniciais, pretende-se realizar a pesquisa
proposta de modo a fazer cumprir os objetivos especificados no presente projeto,
considerando-se os aspectos relacionados a educação, saúde, política, economia e
cultura.
105
Escola do assentamento Jabuticabal em Goioxim (PR). Imagem Disponível em:
http://www.portalcantu.com.br/portal/parana/goioxiim/item/4571-goioxim-jabuticabal-ganha-novaescola. Acessada em 19 de novembro de 2012.
Para o desenvolvimento e conclusão do trabalho serão utilizadas serão
utilizadas fontes bibliográficas com suporte teórico de autores relacionados à
temática da história agrária e da agricultura familiar , bem como clássicos de
economia e sociedade. Poderão ser utilizados dados do Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e da EMBRAPA. Na pesquisa de
campo junto ao assentamento que é objeto de estudo serão feitas visitas e
fotografias bem como a realização de entrevistas com pessoas do assentamento.
8. REFERÊNCIAS
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Berthier, 2001.
106
GIRARDI, PAULON Brasil. A luta pela terra e a politica de Assentamentos rurais
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2008.
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Domínios da Historia: Ensaios de teoria e Metodologia. Rio De Janeiro: Elsevier,
1997.
PRADO JR, Caio . Historia Econômica do Brasil.Ed 23°. Ed brasiliense 1980.
SALLES, Julieta. Assentamentos rurais e produção de alimentos básicos:
abordagem a partir de um estudo de caso. Cadernos de debate. São Paulo, V1. N1p
1-13. MAI.1995
WANDERLEI, Maria Nazaré Baude. A valorização da Agricultura familiar e
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MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Os trabalhadores rurais na política: o papel da
imprensa partidária na constituição de uma linguagem de classe. Disponível em:
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/quatro/leo4.htm.
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http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/erivaldo_fagundes_neves.pdf.
Acessado em 9 de novembro de 2012.
PERISSATO, Emília Bandeira e BANDEIRA, Angélica Schiavão. Assentamentos
rurais e desenvolvimento local: O caso de Querência do Norte (PR). Disponível
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VARGAS, Alexandre. Agricultura Familiar e Sustentabilidade.Disponível em:
http://www.inagrodf.com.br/revista/index.php/SDR/article/viewFile/88/72. Acessado
em 9 de novembro de 2012
EMATER DADOS - Disponível em:
HTTP//http://www.redesuldenoticias.com.br/noticia.aspx?id=34537. Acessado em 9
de novembro de 2012.
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