Limitação de semente e estabelecimento: Conceitos, testes

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Universidade Estadual de Campinas
NT 238 Ecologia de Populações de Plantas
Prof. Flavio Antonio Maës dos Santos
Limitação de semente e estabelecimento:
Conceitos, testes experimentais e conseqüências
demográficas
Cristiane Follmann Jurinitz
Campinas, 12 de dezembro de 2007.
Introdução
São reconhecidas duas visões sobre o papel do recrutamento em comunidades florestais
(revisão em Clark et al. 1999). A idéia de que as populações são limitadas por recrutamento prevê
que a baixa produção de sementes e/ou estabelecimento de plântulas é a causadora da raridade
nas florestas tropicais (Clark et al. 1999). Sob outro ponto de vista, as limitações por semente e por
estabelecimento seriam suplantadas em importância pela distribuição e qualidade dos micro-sítios
(Clark et al. 1999). A existência de limitação de recrutamento em uma espécie com boa capacidade
competitiva permite que um competidor menos hábil consiga ocupar determinado sítio, diminuindo
dessa forma as assimetrias competitivas e tornando mais lenta a dinâmica populacional, uma vez
que um fracasso no recrutamento limita a taxa de crescimento populacional e o tamanho
populacional máximo (Hurtt & Pacala 1995). A constatação de que as sementes e plântulas de
muitas espécies não ocupam habitats aparentemente favoráveis, tem sido motivo de investigação
tanto em comunidades temperadas (Clark et al. 1998, Éhrlen & Eriksson 2000, Foster & Tilman
2003) quanto tropicais (Hubbell et al. 1999, Norden et al. 2007, Svenning & Wright 2005). De uma
forma geral, os resultados destes trabalhos sugerem que esses processos de limitação são
amplamente difundidos nas comunidades vegetais (Clark et al. 2007).
O processo de recrutamento é definido como a entrada de novos indivíduos em uma
população ou comunidade, independentemente do estádio do ciclo de vida (Ribbens et al. 1994). A
limitação de recrutamento, por sua vez, é uma redução na abundância pelo ambiente a partir de um
conjunto máximo de indivíduos que pode ser atribuída ao número limitado de recrutas (MullerLandau et al. 2002). Hurtt & Pacala (1995) definem limitação de recrutamento como sendo o
fracasso no estabelecimento de algum juvenil viável em determinado local disponível. As diferentes
utilizações do termo correspondem a distintas definições de recruta: em alguns casos são
sementes e então a limitação de recrutamento é simplesmente a limitação de sementes (Hubbell et
al. 1999), em outros, os recrutas são plântulas e, portanto, a limitação no recrutamento é resultado
da combinação da limitação de semente e de estabelecimento (Ribbens et al. 1994, Clark et al.
1998). Muller-Landau et al. (2002) revisaram os métodos de avaliação de limitação de recrutamento
e adotaram as definições específicas limitação de sementes e limitação de plântulas para estes
casos, deixando o termo limitação de recrutamento para o uso mais amplo. A limitação de
sementes é o fracasso na chegada das sementes de uma determinada espécie em número e local
adequados para o seu estabelecimento como plântulas (Nathan & Muller-Landau 2000, Svenning &
Wright 2005). Sob outro ponto de vista, Turnbull et al. (2000) definem esse processo como sendo o
aumento no tamanho populacional a partir da adição de sementes. A limitação de estabelecimento
(ou de micro-sítio), por sua vez, ocorre quando o tamanho populacional é reduzido pelo número e
qualidade de sítios disponíveis para o estabelecimento, e não pelo número de sementes (Clark et al.
1998, Nathan & Muller-Landau 2000). No entanto, apesar de já haverem definições bem
estabelecidas, o que se observa na literatura é o uso indiscriminado dos termos, gerando dúvidas
sobre a quais processos realmente se referem (revisão em Münzbergová & Herben 2005).
Numa tentativa de chamar a atenção para o problema nomenclatural, Münzbergová &
Herben (2005) revisaram os termos e conceitos utilizados em trabalhos que se propõem a tratar de
algum tipo de limitação, seja ela de semente, dispersão, micro-sítio, habitat ou recrutamento. O
primeiro ponto que os autores destacam é que, embora o número de trabalhos esteja aumentando
nos últimos anos, a inconsistência terminológica prejudica a interpretação dos resultados. Muitas
vezes, os mesmos termos, significando processos distintos, fazem parte das conclusões dos
estudos (Münzbergová & Herben 2005).
Após revisar 107 trabalhos, apontando as principais
evidências de limitação encontradas e a nomenclatura mais adequada sugerida Münzbergová &
Herben (2005) propõem a existência de dois tipos principais de limitação dentro dos quais os
termos são definidos: a limitação pela capacidade de suporte do habitat e a limitação pela taxa de
crescimento populacional, a qual diz respeito à habilidade intrínseca da população em crescer
(Tabela 1).
Tabela 1. Classificação dos quatro termos referentes à limitação de acordo com o processo de
interesse e a escala espacial (Fonte: Münzbergová & Herben 2005, pág. 5).
Escala
Local
Regional
Termo
definição
e
Termo
definição
e
Limitação por
Taxa
de
crescimento
populac ional
Limitação
de
semente:
o
tamanho
populac ional
é
limitado pela disponibilidade de
semente em uma escala local
Limitação
de
dispersão:
a
distribuição das espécies é
limitada
pela
dispersão de
sementes
Capacidade de suporte
Limitação
de
microsítio:
o
tamanho
populac ional
é
limitado pela disponibilidade de
oportunidades
Limitação
de
habitat:
a
distribuição das espécies é
limitada pela disponibilidade de
habitats favoráveis
Se uma população é limitada pela capacidade de suporte, para o tamanho populacional
aumentar mudanças na estrutura do habitat seriam necessárias, disponibilizando novos microsítios, enquanto no caso da limitação pela taxa de crescimento a adição de indivíduos (através de
experimentos de adição de sementes, por exemplo) provavelmente teria efeito no tamanho
populacional (Münzbergová & Herben 2005). Assim, uma população com limitação de semente
exibiria uma situação de não-equilíbrio, com uma baixa taxa de crescimento populacional a longo
prazo. Da mesma forma, uma situação de não-equilíbrio descreveria uma população com limitação
de dispersão – uma espécie cujo número de populações é limitado por uma habilidade muito baixa
de se espalhar espacialmente. O caso de uma limitação de micro-sítio descreveria uma situação de
equilíbrio da população ao atingir a sua capacidade de suporte, com crescimento populacional igual
a zero (Münzbergová & Herben 2005).
Como
testar
a
existência
de
limitação
de
semente
e
plântula/estabelecimento
Na literatura são citadas duas formas principais para se testar a existência de limitação das
fases de semente e plântula: uma experimental, através da adição de sementes, e uma
observacional, através de medidas em campo da chuva de sementes e dos padrões de
estabelecimento de plântulas (Muller-Landau et al. 2002).
Os experimentos de adição de sementes são considerados a forma mais direta para se
testar a limitação de sementes (Nathan & Muller-Landau 2000, Turnbull et al. 2000). Basicamente,
consistem em adicionar sementes de uma determinada espécie e comparar os resultados com
controles nos quais as sementes não foram adicionadas. As sementes devem ser adicionadas em
uma densidade “ótima”, ou seja, nem tão alta que sature o ambiente e não resulte em um futuro
aumento dos indivíduos recrutados e/ou potencialize efeitos dependentes da densidade (MullerLandau et al. 2002), e nem tão baixa a ponto de que o resultado do experimento esteja sujeito à
estocasticidade demográfica (Éhrlen et al. 2006). A partir dos resultados deste tipo de
experimento, pode-se calcular a redução exata na densidade populacional devido à limitação do
número de sementes através da fórmula (Nathan & Muller-Landau 2000, Muller-Landau et al. 2002):
1.
Limitação realizada de semente
1-
densidade de plântulas na parcela controle
densidade de plântulas nas parcelas com adição de
sementes
No entanto, ressalta-se que se as sementes não forem adicionadas na densidade máxima possível,
corre-se o risco de estimar o limite mais baixo da limitação realizada de sementes, uma vez que o
número de plântulas nas parcelas com adição (denominador da fórmula acima) não seria máximo
(Muller-Landau et al. 2002).
Os resultados destes experimentos também podem fornecer informações sobre a limitação
de estabelecimento (ou de plântulas) (Nathan & Muller-Landau 2000, Muller-Landau et al. 2002):
2.
Limitação
fundamental
estabelecimento
de
1-
densidade de plântulas nas parcelas com adição de
sementes
Densidade máxima possível de plântulas
Os termos limitação realizada e fundamental são empregados em analogia aos conceitos
de nicho fundamental, que descreve as potencialidades totais de uma espécie na ausência de
competidores (abiótico), e nicho realizado, que descreve um espectro mais limitado de condições e
recursos que permitem a persistência da espécie, mesmo na presença de competidores e
predadores (Begon et al. 2006).
Outra forma de testar a limitação de semente é através da determinação da proporção de
sítios alcançados por estas medindo-se os padrões de chuva de sementes em campo (Ribbens et
al. 1994, Clark et al. 1998, Hubbell et al. 1999). Assim, a proporção de sítios, dentre todos
possíveis, nos quais as sementes não chegam é uma medida de limitação fundamental de semente,
ou seja, a limitação medida se outros fatores não atuassem (Nathan & Muller-Landau 2000, MullerLandau et al. 2002):
3.
Limitação fundamental de semente
sítios alcançados pelas sementes
1-
Número total de sítios
Na prática essa parece uma fórmula difícil de ser aplicada, uma vez que a definição de “sítio” é
arbitrária, mesmo que se baseie em idéias já bem definidas.
De posse das medidas em campo tanto da chuva de sementes quanto das plântulas
estabelecidas, pode-se calcular a limitação realizada de estabelecimento, definida como (Nathan &
Muller-Landau 2000, Muller-Landau et al. 2002):
4.
Limitação
realizada
de
sítios nos quais o estabelecimento ocorreu
1-
estabelecimento
Número total de sítios
Além de comprovar a existência do processo propriamente dito, ambos os tipos de limitação
podem ser decompostos, de modo a especificar suas causas mais detalhadamente. No caso da
limitação de sementes, duas causas são possíveis: a produção em um número limitado (limitação de
fonte) ou a má distribuição das sementes produzidas (limitação de dispersão) (Clark et al. 1998,
Nathan & Muller-Landau 2000, Muller-Landau et al. 2002):
5.
Limitação fundamental de fonte
sítios que seriam alcançados pelas sementes se elas
1-
fossem uniformemente distribuídas
Número total de sítios
6.
Limitação fundamental de dispersão
sítios alcançados pelas sementes
1-
sítios que seriam alcançados pelas sementes se elas
fossem uniformemente distribuídas
Para avaliar as limitações realizadas de fonte e dispersão é necessário realizar experimentos de
redistribuição de sementes, onde todas as sementes produzidas numa determinada área são
redistribuídas uniformemente por todos os sítios, em comparação a um controle onde elas são
dispersadas naturalmente (limitação realizada de dispersão) (Augspurger & Kitajima 1992, Nathan
& Muller-Landau 2000, Muller-Landau et al. 2002).
Da mesma forma, a limitação de estabelecimento pode ser decomposta para isolar os
efeitos das diferentes causas da mortalidade, como a predação de sementes e a herbivoria
(Nathan & Muller-Landau 2000).
Alguns exemplos de estudos
Através de uma pesquisa com as palavras-chave “recruitment limitation”, “seed limitation” e
“establishment limitation” na base de dados Scielo (http://w w w.scielo.br), não foi encontrado
nenhum estudo com teste experimental destes tipos de limitação em revistas brasileiras indexadas
nesta, mostrando o quanto esta abordagem é ainda pouco empregada no Brasil. Em revistas
internacionais
(mesmas
palavras-chave
na
base
de
dados
Web
of
Science
-
http://isi3.isiknowledge.com/portal.cgi?DestApp=WOS&Func=Frame) no entanto, diversos estudos
foram encontrados, alguns dos quais foram selecionados e serão comentados a seguir, com
ênfase para os estudos com árvores (Henry et al. 2004, Van Eck et al. 2005, Denslow et al. 2006,
Rey et al. 2006, são alguns dos não comentados em detalhe).
Um dos trabalhos mais citados quando se trata de limitação de recrutamento é o de Clark et
al. (1998), que investigaram quatro estágios desta limitação (densidade e localização das árvores,
fecundidade, dispersão de sementes e estabelecimento) de 14 espécies de dossel ao longo de
cinco anos. Pioneiramente, os autores determinaram o cálculo dos componentes da limitação de
sementes (fonte e dispersão) e não restringiram a sua abordagem às plântulas e sementes, pois
incluíram a análises de mapas com a localização dos adultos. A principal conclusão foi a de que a
fase de estabelecimento das plântulas é um dos mais fortes filtros atuando no recrutamento na
área estudada (Clark et al. 1998).
Também em função do pioneirismo, o trabalho de Augspurger & Kitajima (1992) é bastante
citado, pois é um dos poucos que manipulou experimentalmente as distribuições das sementes
para testar o efeito de limitação de dispersão das sementes. Os autores manipularam a distribuição
das sementes de Tachigalia versicolor (Fabaceae), uma árvore tropical, e compararam níveis e
padrões de recrutamento de plântulas em três distribuições alteradas em relação a uma distribuição
não manipulada. Concluíram que a pressão seletiva na dispersão de T. versicolor na área
estudada parece atuar no sentido de aumentar a uniformidade da distribuição de sementes,
restringindo, porém, a distância e a área da distribuição (Augspurger & Kitajima 1992).
Em outro exemplo de teste de limitação de semente e estabelecimento em árvores tropicais,
Muller-Landau et al. (2002) analisaram os dados referentes a quatro populações que possuem
distintos graus de tolerância à sombra (Beislchmiedia pendula - Lauraceae, Cordia alliodora Boraginaceae, Terminalia amazonia - Combretaceae e Trichilia tuberculata - Meliaceae). Como se
trata dos dados coletados em uma parcela permanente de Floresta Tropical (50 ha) monitorada na
Ilha de Barro Colorado, no Panamá, os autores possuem um conjunto de dados muito grande
(temporal e espacialmente), incluindo informações demográficas das espécies. O objetivo da
análise foi avaliar a limitação de semente observada e projetada (simulações da chuva de
sementes) e a limitação de estabelecimento observada. Mais especificamente, os dados utilizados
nas análises foram os de chuva de sementes, coletados semanalmente (desde janeiro de 1987, em
200 coletores 0,5 m2) e de plântulas, coletados anualmente (desde 1994 em 600 parcelas de 1 m2,
três a cada coletor de semente). Através da aplicação das fórmulas citadas no item anterior, os
autores testam a existência de limitação de semente e estabelecimento. Suas conclusões são
bastante interessantes. A primeira delas confirma a limitação de estabelecimento como um
processo forte para todas as espécies, pois de fato a limitação de plântulas foi mais elevada do
que a de semente. Além disso, concluem que as diferenças na limitação de estabelecimento são
inversamente proporcionais às diferenças na tolerância à sombra, ou seja, quanto menos tolerante
à sombra é a espécie, maior é a limitação de estabelecimento. Ainda nesse sentido, para a espécie
mais tolerante à sombra e com a maior semente (B. pendula) a limitação de semente parece ser
mais importante do que a de estabelecimento (Muller-Landau et al. 2002).
Especificamente com espécies pioneiras, Dalling & Hubbell (2002) investigaram qual a
influência do tamanho da semente e da taxa de crescimento da plântula no sucesso do
recrutamento. Os autores propõem a existência de um trade-off dependente do tamanho da
semente entre o sucesso da dispersão (selecionando um grande número de sementes) e o
sucesso de emergência e estabelecimento (selecionando sementes de maior tamanho) para
explicar a grande variedade de tamanhos de sementes entre as espécies pioneiras.
Secundariamente, um trade-off entre a taxa de crescimento e a suscetibilidade a herbívoros agiria
na fase de pós-estabelecimento, e poderia contribuir para as diferenças de requerimento de luz
observadas entre as espécies desse grupo (Dalling & Hubbell 2002).
Em florestas temperadas, Caspersen & Saprunoff (2005) quantificaram a limitação de fonte
e de estabelecimento como componentes do recrutamento de plântulas de cinco espécies comuns.
Um resultado interessante foi o fato de que para as três espécies mais comuns incluídas no estudo
a limitação de estabelecimento foi a causa principal de fracasso no recrutamento, enquanto que
para as outras duas espécies foi a limitação de fonte (Caspersen & Saprunoff 2005). Os autores
concluem que as diferenças de nicho, tais como os requerimentos para a germinação, são mais
importantes do que a dispersão para a estruturação das florestas temperadas (Caspersen &
Saprunoff 2005).
Padrões e perspectivas emergentes
A maior parte das evidências sobre processos de limitação em plantas mencionadas na
literatura está baseada nos resultados de experimentos de adição de sementes (Münzbergová &
Herben 2005). Numa das primeiras revisões sobre estes experimentos, Turnbull et al. (2000)
compilaram dados sobre o tema principalmente para plantas herbáceas de comunidades
temperadas. Encontraram evidência de limitação de sementes em aproximadamente 50% dos
trabalhos. Além disso, constataram que a limitação de sementes tende a ocorrer mais comumente
em habitats e espécies sucessionalmente mais recentes (Turnbull et al. 2000). Essas constatações
podem ter conseqüências diretas em outros processos ecológicos, tais como a predação de
sementes, a qual terá um efeito mais pronunciado sobre a dinâmica das populações onde a
limitação de sementes é mais acentuada (Turnbull et al. 2000). De fato, Calvino-Cancela (2007)
demonstrou a importância de considerar a limitação de semente e sua magnitude na avaliação do
impacto populacional causado pela predação de sementes. A autora argumenta que para entender
o impacto da disponibilidade de sementes e dos processos que a modificam (como predação ou
dispersão) na dinâmica populacional é necessário primeiro saber se o recrutamento é limitado por
semente (Calviño-Cancela 2007). Nesse sentido, Maron & Gardner (2000) destacam a importância
da herbivoria nas fases iniciais das plantas e seu impacto na dinâmica populacional das espécies,
e chamam a atenção para a necessidade de estudos experimentais que testem estes impactos. Da
mesma forma, McEuen & Curran (2006) defendem a análise conjunta da limitação de semente e da
herbivoria para um melhor entendimento dos processos que levam à perda de espécies em habitats
fragmentados. De um ponto de vista mais amplo, se transpusermos as conseqüências da limitação
para os modelos de coexistência de espécies, podemos prever uma maior relevância da limitação
de sementes como um dos processos estruturadores das relações competitivas nas comunidades
em que ela tende a ocorrer com maior freqüência (Turnbull et al. 2000).
Moles & Westoby (2002) deram um novo tratamento analítico à revisão de Turnbull et al.
(2000). A partir do mesmo conjunto de dados, os autores estavam interessados na relação entre a
resposta obtida em um experimento de adição de semente e a massa da semente. Para tanto,
aplicaram uma regressão logística utilizando como variável dependente a resposta binária ao
experimento (se a espécie apresentou ou não um aumento significativo no estabelecimento de
plântulas em resposta à adição de sementes) e como variável independente a massa da semente.
Encontraram que, em média, espécies com sementes grandes têm maior probabilidade de
apresentar aumento de estabelecimento em resposta a experimentos de adição de sementes,
embora essa resposta não ocorra em estudos com tempo de resposta maiores do que um ano
(Moles & Westoby 2002). Afirmam não ter condições, com os dados disponíveis, de explicar essa
diferença inesperada nos estudos de maior tempo de duração (maiores do que um ano).
Ressaltam, porém, que a análise empregada permite afirmar que o poder preditivo do pesquisador
sobre a resposta da espécie a um experimento de adição de sementes aumenta se ele tiver
informação sobre a massa da semente. É importante destacar que a revisão baseia-se em
espécies herbáceas, tendo, portanto, que ser expandida para outras formas de vida para verificar
se este é um padrão geral para plantas.
Baseados nessas
conclusões, os mesmos autores
compilaram dados sobre a
sobrevivência de plantas durante três estágios: emergência da plântula, estabelecimento da
plântula e estabelecimento do juvenil (infante) para avaliar a magnitude da vantagem total de uma
espécie de semente grande em relação a espécies de sementes pequenas (Moles & Westoby
2004). Os resultados mostram que, tanto a partir de dados experimentais quanto observacionais,
existe uma vantagem na sobrevivência de plântulas e no estabelecimento inicial das espécies com
maiores sementes em relação às com sementes menores (Moles & Westoby 2004). No entanto,
quando consideradas outras etapas do ciclo de vida destas plantas, existe um balanço entre a
vantagem das espécies de sementes pequenas, que as produzem em maior número (trade-off
entre o tamanho e a quantidade de sementes) e as espécies de sementes grandes, que
apresentam vantagens no estabelecimento de plântulas, pela existência de copas maiores e por
apresentarem tempo de sobrevivência das sementes mais longo (Moles & Westoby 2004).
Clark et al. (2007), em uma revisão ainda mais ampla sobre os experimentos de adição de
sementes, realizaram uma meta-análise com o objetivo de avaliar o peso relativo da limitação de
estabelecimento e de semente no recrutamento de plântulas. Este trabalho é extremamente
interessante porque os autores colocam perguntas claras a serem respondidas com a metaanálise realizada (Clark et al. 2007):
1. “Em qual grau as populações são limitadas por sementes e por estabelecimento?”
2. “Sob quais condições as espécies são mais ou menos limitadas por cada processo?”
3. “Como os estudos de adição de sementes podem ser desenhados visando melhorar o
entendimento do processo de recrutamento de plantas?”
Os resultados encontrados mostram que, concordando com a maioria dos trabalhos já
realizados, a maior parte das plantas é semente-limitada em algum grau. No entanto, como o efeito
da adição de sementes é tipicamente pequeno, os autores concluem que a limitação de
estabelecimento é um processo mais importante do que a limitação de sementes, o que responde à
primeira questão levantada (Clark et al. 2007).
Um dos grandes méritos desta abordagem é,
portanto, chamar a atenção para a relevância biológica da limitação de sementes, a qual
normalmente é detectada.
Avaliar a magnitude da limitação de sementes encontrada em
determinada população é muito mais relevante do que a significância estatística, utilizada para
afirmar simplesmente se a espécie é ou não semente-limitada (Clark et al. 2007). Além disso, outro
importante ponto destacado é que os dois processos de limitação de sementes e de
estabelecimento não são mutuamente excludentes, como abordam a maior parte dos estudos, de
modo que a pergunta deveria ser direcionada para qual peso relativo de cada processo na
dinâmica da população alvo (Clark et al. 2007).
Quanto aos padrões que podem ser identificados a partir da relação das características
das espécies e o processo de limitação de sementes, Clark et al. (2007) demonstram que a
limitação de sementes é mais acentuada em espécies de sementes grandes, assim como em
espécies características de micro-sítios com distúrbio e espécies com banco de semente de vida
curta. Já em relação à melhoria do desenho experimental, os autores enfatizam o fato de que a
maioria dos experimentos de adição, da forma como são realizados, não consegue avaliar a
relação entre o número de sementes adicionadas e o número subseqüente de recrutas (Clark et al.
2007). Para superar tal falha, sugerem um aumento no número e na extensão dos tratamentos de
adição de sementes (Clark et al. 2007).
Além das meta-análises, trabalhos experimentais de longo prazo são importantes fontes de
argumentação sobre como melhorar os testes das hipóteses relacionadas à limitação de
recrutamento. Ehrlen et al. (2006) realizaram um experimento por 11 anos, no qual acompanharam
sementes de seis espécies florestais herbáceas, plantadas em 43 manchas tanto originalmente
ocupadas pelas espécies-alvo, quanto não ocupadas. A partir deste trabalho, apontam tanto
efeitos relacionados ao tempo de duração dos experimentos, quanto da escala do estudo. Em
linhas gerais, demonstraram que o tempo de duração dos experimentos normalmente é pequeno,
pois o ideal seria que eles conseguissem detectar gargalos populacionais associados com o
estabelecimento e crescimento até o estádio reprodutivo (Ehrlen et al. 2006). Para se ter uma idéia,
seus resultados demonstram que esse tempo para ervas florestais pode ser maior do que os 11
anos (Ehrlen et al. 2006). Deve-se considerar, no entanto, que o acompanhamento numa situação
experimental de indivíduos arbóreos, cujo ciclo de vida é ainda mais longo, é praticamente
impossível, e, portanto, os pesquisadores devem ser criativos na proposição de alternativas. Essa
mesma deficiência, decorrente da pequena escala temporal dos estudos é destacada por Clark et
al. (1999) para árvores tropicais, que afirma que em contrapartida ao grande número de trabalhos,
poucos de fato auxiliam na interpretação do papel da limitação de recrutamento na dinâmica
populacional.
Outra questão levantada por Ehrlen et al. (2006) diz respeito à necessidade de replicação
espacial e temporal dos experimentos, pois muitos estudos mostram variação na probabilidade de
estabelecimento de plântulas entre sítios e entre anos. Além disso, destacam a importância da
estocasticidade demográfica para a probabilidade de estabelecimento, chamando a atenção para o
alto risco de que o estabelecimento não ocorra em sítios favoráveis se a densidade de sementes
do experimento for muito baixa. Esse é um ponto extremamente relevante e vai ao encontro do que
já foi comentado por outros autores, o fato de que a densidade de sementes utilizada num
experimento de adição deve refletir uma densidade “ótima” e, para tanto, deve-se buscar ao
máximo mimetizar os processos pelos quais as sementes são liberadas e dispersadas (Ehrlen et
al. 2006).
Considerações finais
O enfoque relacionado aos processos que limitam as populações de plantas nos seus
estágios iniciais de vida é um tema instigante e promissor, principalmente à luz das teorias de
dinâmica de populações e comunidades. Além disso, é um tema sobre o qual já foram realizadas
boas revisões que podem servir para balizar o delineamento de estudos futuros. A abordagem da
limitação de semente e estabelecimento pode gerar hipóteses interessantes sobre o entendimento
dos processos cruciais para os padrões demográficos das populações de plantas, mesmo a partir
de metodologias de campo muito simples, tais como o monitoramento da chuva de sementes e do
recrutamento de plântulas.
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