propostas de política comercial Brasil, isolado ou integrado? A hora da decisão Roberto Giannetti da Fonseca Para podermos avaliar o presente e projetar o futuro é preciso primeiro entender o passado recente, pois o fluxo da história é dinâmico. Não que haja um determinismo histórico imutável, compulsório; ao contrário, ao analisarmos a experiência passada com a isenção da distância temporal, podemos avaliar melhor erros e acertos cometidos, e daí extrair ajustes de rumo para melhorar o nosso desempenho futuro. No caso do comércio exterior brasileiro, se me pedissem para explicar a sua evolução em fases ou períodos nos últimos cinquenta anos, certamente eu o classificaria em três distintos ciclos recentes: o primeiro, de 1967 a 1985, configura uma fase de rápida expansão e diversificação de produtos e mercados; o segundo que vai de 1986, a partir do Plano Cruzado, até janeiro de 1999, quando foi modificado o regime cambial vigente, período no qual ocorreu de um lado uma nítida letargia no esforço exportador brasileiro, e, de outro, uma forte abertura para as importações; e, por fim, o terceiro, iniciado com a crise cambial de janeiro de 1999, que está em pleno curso, e que define um novo período de crescimento das exportações, especialmente das commodities agrícolas e minerais. Até o ano de 1967, as exportações brasileiras eram quase integralmente constituídas por commodities, com destaque absoluto para o café em grão, responsável na época por cerca de 80% do valor de nossa pauta de exportação, ao lado de outros produtos primários de menor importância, como açúcar, algodão, cacau e minério de ferro. A implementação de um confiável mecanismo de minidesvalorizações cambiais diárias, assim como de uma série de estímulos fiscais e financeiros à exportação, rompeu, no final dos anos 70, a inércia exportadora do setor industrial brasileiro, e alguns anos depois, na década de 80, os resultados já eram surpreendentes. Centenas de empresas industriais, nacionais Roberto Giannetti da Fonseca é empresário e economista, presidente da Kaduna Consultoria e Vice-Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. É autor do livro Memórias de um Trader, Ed. IOB Thomson, 2002. 22 RBCE - 119 e estrangeiras passaram a se interessar pelo mercado externo, e apesar de sua incipiente experiência internacional, iniciaram um inédito esforço exportador, sobretudo após o primeiro choque do petróleo em 1973. Simultaneamente, novos e desconhecidos mercados para os exportadores brasileiros foram incorporados à nossa estrutura comercial, com destaque para os países em desenvolvimento, em especial nos continentes latino-americano e africano. Aos poucos foi sendo reduzida a forte concentração de nossas exportações para os Estados Unidos e Europa, de forma que o Brasil tornou-se menos dependente e vulnerável diante da volatilidade econômica de alguns poucos países centrais da esfera ocidental. Em um período no qual a Guerra Fria polarizava as posições internacionais entre o capitalismo ocidental e o comunismo soviético e chinês, o Brasil adotou na área de comércio exterior uma posição independente e pragmática, procurando valorizar relacionamentos bilaterais desprovidos de qualquer condicionalidade no que se referia aos temas de cooperação econômica e comercial. Nesse período, cabe destacar o papel que desempenharam a CACEX e o Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, verdadeiros protagonistas da revolução do comércio exterior brasileiro até 1985. O advento do Plano Cruzado em 1986, com sua ênfase no suprimento do mercado interno e na estabilização de preços, por mais meritório que tenha sido à primeira vista, foi o fator determinante na ruptura do dinamismo exportador que levara o Brasil, entre os países em desenvolvimento emergentes, a uma posição relativamente destacada no comércio internacional. O congelamento e a sobrevalorização cambial, deliberadamente adotados por longos períodos, como parte dos planos de estabilização econômica experimentados pela economia brasileira nas décadas de 80 e 90, associados a uma progressiva e perversa carga tributária e trabalhista – introduzida, sobretudo, após a promulgação da nova Constituição, em 1988 – resultaram em gradual perda de competitividade relativa e abandono do esforço exportador brasileiro, seja pelo setor público, preocupado com outras prioridades, seja pelo setor privado, inseguro com a baixa ou nula lucratividade das exportações e a alta volatilidade e sinistralidade econômica que caracterizou esse ciclo. O fato é que grandes oportunidades de expansão de nossa economia e de nosso comércio exterior foram perdidas no período que vai de 1986 até janeiro de 1999. Se verificarmos, por exemplo, o desempenho exportador do Brasil e da China em relação ao mercado norteamericano, qualquer um ficaria perplexo ao comparar os números. Enquanto, em 1985, o Brasil exportou US$ 7,5 bilhões para os Estados Unidos, a China exportou apenas a metade disso para o mesmo destino, ou seja, US$ 3,75 bilhões. Já em 1999, dezenove anos depois, o Brasil havia apenas dobrado o valor de suas exportações para o mercado norte-americano, atingindo cerca de US$ 15 bilhões, ao passo que a China multiplicara por 27 vezes a cifra de suas exportações para os Estados Unidos, superando em 1999 a marca de US$ 100 bilhões. Nossa participação no mercado mundial reduziu-se de 1,4% em 1985 para 0,87% em 1999, ou seja, na fase mais dinâmica da globalização e do crescimento econômico global o comércio exterior brasileiro regrediu em termos relativos a outros países concorrentes. Nesse mesmo período ocorreu uma relativa abertura da economia brasileira, por meio da eliminação de rígidos controles de importação e de um amplo rebaixamento tarifário. Se, por um lado, isso permitiu um favorável choque de competitividade e de modernidade na defasada estrutura produtiva do país, de outro, foi lamentável a forma abrupta e desorganizada com que tal abertura foi conduzida, sem a concomitante definição de uma política industrial capaz de orientar os diversos setores da economia nacional para o desejado ajuste competitivo. O fato é que as importações evoluíram de forma consistente durante toda a década de 90 até 1999, levando o país a uma anunciada crise cambial, quando a mudança do regime cambial em janeiro de 1999 veio a alterar de forma significativa os preços relativos, e as importações passaram a ser mais seletivas, com ênfase em bens de capital e matériasprimas industriais, em vez dos bens de consumo, cuja importação predominou nos primeiros anos do Plano Real. Igualmente, durante os anos 90, intensificaram-se os processos de integração regional mundo RBCE - 119 23 Ganhos de escala industrial e logística permitem viabilizar novos empreendimentos regionais, inclusive com perspectivas de exportação extra-regional, atraindo capitais de investimento locais e estrangeiros, para a criação de novas plataformas de exportação intra e extra regional afora, com o aprofundamento e expansão da União Europeia e, no hemisfério americano, com o surgimento da NAFTA e do Mercosul. Este, apesar de todos os percalços resultantes da assimetria macroeconômica entre os quatros países membros, apresentou notável desempenho no comércio intra-regional, o qual cresceu cerca de cinco vezes entre 1990 e 1998, passando de insignificantes US$ 4 bilhões para pouco mais de US$ 20 bilhões ao longo desse período. Apesar do relativo progresso obtido no processo de liberalização do comércio mundial durante os anos noventa, a partir da Rodada do Uruguai e da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), um clima de certa exaustão negocial e de frustração coletiva passou a prevalecer no cenário internacional, pois muitos blocos de países com forte viés regional pretendiam ir muito além do que se havia atingido nas negociações multilaterais da nova OMC. Logo surgiram múltiplas negociações a nível bilateral e regional em várias partes do mundo, como nunca antes havia acontecido, sobrepondo-se de forma marcante sobre as negociações multilaterais, ainda sob impasse diante de inúmeros obstáculos negociais de complexas naturezas. Este fenômeno recente, ainda não integralmente entendido na sua essência, nem mesmo assimilado na sua amplitude, introduz novos vetores no direcionamento futuro dos fluxos do comércio internacional, ou seja, no que resultará em eventual desvio de comércio e em criação de novos fluxos de comércio. Certamente, os Acordos Regionais de Livre Comércio têm 24 RBCE - 119 demonstrado mundo afora que nos seus primeiros anos de existência promovem intenso dinamismo intra-regional, relacionado com a ausência de tarifas de importação e a introdução de novas preferências intra-regionais, o que desaloja os concorrentes extraregionais de forma temporária ou na maioria das vezes, de forma definitiva. Mas, certamente, os efeitos mais desejáveis resultam da criação de comércio, ou seja, a partir da identificação de novas oportunidades de complementação econômica, seja nas áreas industrial, agrícola, tecnológica, de infra-estrutura, como energia, transporte, meio-ambiente, etc.. Ganhos de escala industrial e logística permitem viabilizar novos empreendimentos regionais, inclusive com perspectivas de exportação extra-regional, atraindo capitais de investimento locais e estrangeiros, para a criação de novas plataformas de exportação intra e extra regional. Acontece que o Brasil, durante os últimos 25 anos, limitou-se à experiência do Mercosul, a qual se por um lado, do ponto de vista estatístico, resultou em um robusto crescimento do comércio intra-regional nos primeiros anos de existência, do ponto de vista institucional mostrouse absolutamente desprovido de capacidade negocial de novos Acordos Bilaterais de Livre Comércio com outros blocos econômicos ou países extra-regionais, e nem mesmo internamente resolveu-se de forma satisfatória os mecanismos de solução de controvérsias e de convergência macroeconômica entre os membros. Diante desta evidencia, parece ter o Mercosul esgotado sua capacidade de expansão do comércio intra- regional, e por outro lado configura-se em obstáculo institucional para se almejar novos arranjos de livre comércio, sejam eles regionais (em conjunto) ou bilaterais (cada país-membro individualmente). As crises econômicas que ora atravessam Venezuela e Argentina, e a recente crise de exclusão temporária do Paraguai, só vêm adicionar novos argumentos à necessidade de imediata revisão da estrutura de integração regional do Mercosul. Enquanto proliferam mundo afora os acordos de preferência comercial, o Brasil permanece atado à letargia do Mercosul. O Brasil neste cenário configurase como um retardatário na “corrida integracionista” em relação a outros países mais ativos como o México, o Chile e os países asiáticos, os quais desde o final dos anos 90 deram início a múltiplas e simultâneas negociações de caráter bilateral e regional. Infelizmente para o Brasil, as duas únicas negociações mais relevantes, a ALCA e a União Europeia-Mercosul, esbarraram na intransigência ideológica e protecionista dos países-membros do Mercosul, inclusive de autoridades brasileiras. Verdade também seja dita, que por parte dos países desenvolvidos também houve dificuldades de se obter qualquer concessão em âmbito regional relacionada com a redução do protecionismo e dos subsídios agrícolas. Ambos os blocos, reservaram-se o direito de somente discutir e negociar as questões agrícolas no âmbito multilateral, ou seja, na OMC, o que vem sendo, por outro lado, um processo longo, extenuante, e complexo. Neste momento em que um brasileiro está dirigindo a Organização Mundial do Comércio é boa hora de reavaliar essa política de isolamento e promover maior integração do país ao comércio internacional. Neste aspecto, por outro lado, o Brasil tem sido nos últimos anos um importante protagonista nos painéis de solução de controvérsias na OMC, seja em posições defensivas (Embraer/ Brasil x Canadá), como, principalmente, em posições ofensivas (algodão/Brasil x EUA, açúcar/Brasil x UE). Importante ressaltar que o Brasil tem se destacado nesses casos pela posição extremamente “legalista”, o que o legitima a pressionar adversários comerciais no cumprimento das regras e modalidades multilaterais aplicáveis a todos os paísesmembros da OMC. Também, na aplicação de legitimas medidas de defesa comercial, como é o caso das medidas anti-dumping, o Brasil tem sido um exemplar e fiel aderente às regras multilaterais vigentes, mesmo que a aplicação de tais medidas tenha se multiplicado entre nós nos últimos anos, como consequência da cada vez mais acirrada concorrência internacional. Dessa forma, é provável que quando e se ocorrerem os formatos dos acordos regionais do Brasil e/ou do Mercosul com a União Europeia e com os Estados Unidos, eles deverão ser minimalistas nas respectivas origens, sem grande alcance econômico como poderia se supor de inicio. Temas controversos provavelmente deverão ser retirados de pauta pelos dois lados e preservados para futuras negociações na OMC. Diante desse cenário pouco otimista em relação a algumas nações mais desenvolvidas, deveria o Brasil trabalhar com vigor redobrado na conclusão de Acordos de Livre Comércio com outros blocos de países desenvolvidos e em desenvolvimento, tais como o Japão (EPA – Economic Partnership Agreement), Canadá (FTA – Free Trade Agreement), Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru, Chile), os quais deveriam ter total prioridade da política externa brasileira, além de possíveis arranjos com a África Austral, a Índia, a China e os países do Sudeste Asiático (ASEAN). Para tanto, o Governo Federal, a partir da iniciativa do presidente da República, visando fortalecer e direcionar a capacidade negociadora do país, a exemplo do que fez com sucesso recente o México, deveria convocar e compor grupos negociadores mistos, com representantes públicos e privados, e individualizados por negociação, cabendo ao Itamaraty, coordenar e acompanhar o curso das negociações, enquanto caberia ao Conselho de Ministros da CAMEX definir os mandatos negociais específicos, bem como as estratégias e os limites concessionais a serem negociados. Se não aprendemos ainda que o isolacionismo comercial de um país nada traz de positivo a sua economia e sociedade, e ao contrário, perpetua bolsões de pobreza e de baixo crescimento econômico, bastaria então observar empiricamente o que vem ocorrendo no mundo que nos cerca nos últimos 25 anos: RBCE - 119 25 O baixo grau de regulação torna o mercado de câmbio brasileiro permeável à especulação financeira, e essa deficiência regulatória precisa ser observada e corrigida para que não seja um obstáculo competitivo para a inserção internacional da economia brasileira, que pressupõe maior abertura comercial e maior acesso ao capital externo enquanto nos últimos 20 anos o Produto Mundial Bruto cresceu em média 2% a.a., o comércio mundial vem crescendo a uma taxa de média de 6% a.a., ou seja, três vezes mais. Isso indica a relevância da atividade de comércio exterior como fator dinâmico de desenvolvimento econômico para qualquer país do mundo. Especialmente os países asiáticos assumiram a estratégia de “export led growth” como prioridade nas suas políticas de crescimento econômico, investindo fortemente em educação, inovação, competitividade e eficiência produtiva. E, como consequência, vêm colhendo resultados comparativos espetaculares em relação a outras regiões do globo. Basta tomar, por exemplo, as estatísticas econômicas e de comércio exterior da China, Coreia do Sul, e Índia nos últimos anos e compará-las com as de países europeus e latino-americanos para registrar uma comprovação inequívoca da correção de estratégia adotada. Nesta fase de recuperação da economia mundial, após a grande crise dos anos 2008 e 2009, algumas economias com mercados internos muito maiores do que o nosso e na fronteira da tecnologia mundial, como os EUA e a União Europeia, reconhecendo que, no mundo globalizado em que vivemos, precisam unir forças para acelerar seu crescimento, dão início a uma negociação profunda e ambiciosa de área de livre comércio entre si, a chamada Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento. Não bastassem os argumentos estratégicos prospectivos sobre nosso desenvolvimento econômico futuro, resta ainda o fato preocupante de constatar que 26 RBCE - 119 o Brasil enfrenta atualmente um momento bastante adverso nas suas contas externas, com um déficit em conta corrente que vem crescendo em ritmo alucinante desde 2009 e que já atinge aproximadamente 3,8 % do PIB. A balança comercial, pela primeira vez em mais de uma década, volta a fechar no vermelho, e a balança de produtos manufaturados, que era relativamente equilibrada até 2006, vem apresentando déficit explosivo a cada ano, que já supera o valor escandaloso de US$ 100 bilhões. Basta o mercado financeiro internacional reverter os fluxos de investimento direto estrangeiro e de financiamento externo, e o Brasil estará de novo entrando em fase de risco nas suas contas externas. Por isso fica o alerta: estas reservas cambiais tão alardeadas, de cerca de US$ 370 bilhões, viram pó diante da magnitude dos números externos atuais de nossa economia. Na verdade, cerca de US$ 60 bilhões já foram supostamente consumidos pelo Banco Central de forma discreta em contratos futuros de swap cambial. A mudança de ventos na economia norte-americana, reduzindo a sua expansão monetária a partir de meados de 2014, certamente poderá causar um refluxo cambial agravando esse quadro das contas externas. Se nada for feito com urgência e coragem, a restrição externa ao crescimento da economia brasileira poderá em breve voltar à pauta de nossa agenda macroeconômica. Outro tema que não deve escapar à nossa observação, mesmo que nos últimos meses tenha caído num certo esquecimento pelo G-20, é a chamada “guerra cambial”. Não por acaso, assiste- se a, nos últimos anos, uma disseminação dos controles de capital e de intervenções não coordenadas nos mercados de câmbio em países como o Brasil, Coreia, África do Sul, Turquia, Indonésia, Peru, Tailândia, Suíça e Japão. Esse quadro agrava quando se considera a política cambial sustentada pela China. Frente à desaceleração dos países do centro do sistema, a China optou pela manutenção do mesmo modelo de crescimento amparado nas exportações e, para isso, deve redirecionar seu superávit comercial para países que ainda sustentam algum grau de dinamismo. Nesse contexto, o atrelamento renminbi-dólar não somente dificulta um ajuste comercial bilateral dos EUA com a China, mas, adicionalmente, alimenta novos desequilíbrios no sistema internacional ao transferir o custo do ajustamento para as economias com câmbio apreciado. conjuntura, os desalinhamentos cambiais são aprofundados pelos mercados financeiros. Países como o Brasil, por exemplo, assistem a uma invasão de importações chinesas que se transfigura em déficits em transações comerciais, corrói a estrutura industrial doméstica e transfere empregos para o outro lado do globo. Diante disso, faz-se necessária a discussão de acordos multilaterais para o câmbio, cujo intuito seja enfrentar os desequilíbrios globais e contornar os desalinhamentos das taxas de câmbio no âmbito multilateral, aos moldes do Acordo de Plaza (FMI-1985). Um primeiro eixo de discussão deve advir do reconhecimento da disfuncionalidade do atual sistema financeiro internacional que contribui para a distorção das taxas de câmbio. Ou seja, na atual Uma característica fundamental do mercado de câmbio brasileiro é a assimetria de liquidez entre a negociação de reais à vista, nos mercados primário e interbancário, e de derivativos, essencialmente o mercado de dólar futuro da BM&F. Medida pelo giro financeiro no exercício de 2013, a liquidez do mercado futuro foi em média de US$ 27 bilhões por dia, em torno de quatro vezes maior do que a negociação no mercado à vista, de US$ 6,4 bilhões por dia. O baixo grau de regulação e a facilidade de acesso dos investidores estrangeiros aos derivativos torna o mercado de câmbio brasileiro particularmente permeável à especulação financeira. Com isso, a formação da taxa de câmbio no Brasil se O segundo eixo da pauta deve tratar da manipulação da taxa de câmbio por países com superávits em transações correntes. Para isso deve-se ter em conta que a definição do regime de câmbio é uma questão soberana de cada país, no entanto, a aplicação de sanções comerciais multilaterais pode tornar cara a manipulação pela autoridade monetária de uma taxa de câmbio artificialmente depreciada. Os desafios desse tipo de medida são enormes e implicam necessariamente em uma reformulação das linhas de atuação da OMC. Ao FMI pode ser designado um papel relevante de supervisão das políticas cambiais implementadas, de avaliação dos desequilíbrios e dos desalinhamentos das taxas de câmbio reais. descola do fluxo cambial e fica sujeita ao circuito “especulaçãoarbitragem” que tem origem no mercado futuro e se transmite para o mercado à vista. O baixo grau de regulação torna o mercado de câmbio brasileiro permeável à especulação financeira, e por paradoxal que possa parecer, essa deficiência regulatória precisa ser observada e corrigida para que não seja um obstáculo competitivo para a inserção internacional da economia brasileira, que pressupõem maior abertura comercial e maior acesso ao capital externo. Diante desse cenário nada alentador, pareceria óbvio que a promoção das exportações brasileiras, especialmente de manufaturados que agregam valor, renda e emprego, ganhasse nessa conjuntura forte relevância e prioridade entre as políticas públicas promovidas pelo Executivo federal. O Brasil, uma economia ainda com baixo nível de inserção internacional, apresentou em 2013 um grau de abertura (exportação + importação/PIB) de apenas 21,5%, enquanto alguns outros países emergentes, de mesmo porte econômico que o Brasil apresentam em geral índices superiores a 50% de grau de abertura econômica. O PIB do Brasil corresponde a 3,3% do total do mundo – número 2,5 vezes maior do que sua participação nas exportações mundiais. Daí resulta de um lado a visão critica de nossa debilidade comercial corrente no mundo globalizado, mas, de outro, a oportunidade de adoção em futuro próximo de uma nova política de inserção internacional RBCE - 119 27 Com uma base industrial relativamente diversificada e sofisticada, não deve o Brasil de forma nenhuma abdicar de um simultâneo crescimento de sua produção agrícola e industrial, mesmo tendo em vista a inédita valorização das commodities agrícolas no mercado internacional da economia brasileira, baseada em forte expansão da atividade de comércio exterior, em ambas as direções, ou seja, exportações e importações crescendo simultaneamente a taxas duas ou três vezes superiores às taxas de crescimento do PIB. Obviamente, para que isso ocorra de forma sustentável será preciso a adoção de inúmeras medidas macro e microeconômicas com foco na competitividade econômica, como também a construção de um espaço de integração econômica bem mais amplo do que aquele obtido até agora, limitado neste momento a participação exclusiva sulamericana ou no máximo latinoamericana. O programa de integração aqui sugerido, para que seja consistente e traga um efetivo beneficio para a economia brasileira, deveria ser precedido de três urgentes reformas: (i) reforma fiscal, visando não só o equilíbrio das contas públicas e a recuperação da capacidade de investimento público em educação e serviços essenciais, mas também a redução e a simplificação da carga tributária, tanto em nível federal como estadual; (ii) reforma tarifária, por meio de uma gradual (mitigando eventuais efeitos inflacionários), mas efetiva, substituição de tarifas de importação elevadas por uma taxa de câmbio flutuante mais depreciada e menos volátil, de certa forma que seja “blindada” dos efeitos de movimentos de capital especulativo externo, que por vez ou outra assolam nossa economia e apreciam a taxa de câmbio acima de sua paridade legítima de mercado; e (iii), finalmente, uma série de Acordos Comerciais de Livre Comércio, 28 RBCE - 119 a serem implantados de forma progressiva ao longo dos próximos anos, inserindo o Brasil nas cadeias produtivas globais com a segurança de um prévio reforço competitivo para a economia brasileira. Uma eventual desindustrialização precoce seria algo condenável no atual estágio emergente da economia brasileira, com a destruição de milhões de empregos urbanos de qualidade, o que agravaria ainda mais a questão social em nosso país. É preciso qualificar o entendimento correto do que se denomina “desindustrialização”: a palavra desindustrialização é a antítese de industrialização, o que nos leva primeiro a tentar entender o que é a industrialização de um país. Bem, parece mais fácil e óbvio explicar que industrialização é o processo evolutivo de uma economia que consegue, ao longo do tempo, produzir localmente as manufaturas que são demandadas por sua população, tais como roupas, calçados, automóveis, alimentos, etc. Essa produção, num primeiro momento, normalmente substitui produtos importados, ou ainda cresce simplesmente para satisfazer à demanda marginal que aumenta ano após ano naquela economia, para, em seguida, vir a exportar a produção excedente para outros mercados no exterior. No Brasil foi notória a fase de substituição de importações por produção local, que ocorreu principalmente de 1930 até 1990. Podia-se mesmo afirmar no final dos anos 80 que a economia brasileira, de tão fechada, era praticamente autossuficiente em quase tudo. Podemos, agora por antítese, afirmar que desindustrialização é o fenômeno de substituição de produção local por produtos importados, o que resulta no aumento do coeficiente de importação de uma determinada economia. O coeficiente de importação nada mais é do que a relação da importação de manufaturados sobre o consumo aparente doméstico de manufaturas. É isso que se observa hoje em dia na economia brasileira. Vamos aos fatos e dados: segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o coeficiente de importação da indústria brasileira subiu de 16,9% no 2.º trimestre de 2009 para 24,7% no quarto trimestre de 2013, portanto um salto espetacular em pouco mais de quatro anos. Estima-se que no final de 2014 poderá estar acima de 25%. Talvez seja até pouco do ponto de vista relativo à nossa economia, mas o que preocupa são dois fatos: a velocidade de crescimento do coeficiente de importação, enquanto o coeficiente de exportação no mesmo período permanece estagnado, com tendência recente declinante. Outro fato a ser observado é a substituição de matérias-primas e máquinas locais por importadas na indústria de transformação. Vejam só: os carros aqui produzidos continuam sendo Made in Brazil, mas seu conteúdo importado, em muitos casos, subiu mais de 50% nos últimos dois anos. Até o aço utilizado na indústria brasileira é crescentemente importado. O coeficiente de importação setorial subiu de 8,6% para incríveis 19,3% no mesmo período acima observado. Quantos industriais brasileiros nós conhecemos que, sem qualquer alternativa, reduziram as linhas de produção ou mesmo fecharam fábricas no país e terceirizaram a fabricação na China, tornando-se agora prósperos importadores e distribuidores de produtos e marcas próprios, em vez de permanecerem como industriais deficitários? Com uma base industrial relativamente diversificada e sofisticada, não deve o Brasil de forma nenhuma abdicar de um simultâneo crescimento de sua produção agrícola e industrial, mesmo tendo em vista a inédita valorização das commodities agrícolas no mercado internacional. Muito menos se recomenda que o Brasil venha a alterar significativamente a atual distribuição geográfica das exportações, mantendo um quadro de baixa concentração por país ou por região econômica, e assim vem preservando um comércio bem distribuído e diversificado em todos continentes do globo. O Brasil do início do século XXI é um pais que vem ocupando lugar de crescente destaque no cenário internacional, seja pela sua dimensão populacional, como econômica e territorial. Há 140 anos o Brasil se destaca por manter uma situação de paz ininterrupta com seus vizinhos, e é a única nação desta dimensão que não se apresenta como potência nuclear e nem militar convencional. Daí resulta a referência atual ao Brasil como “soft power”, ou seja, um país que se projeta no contexto internacional pelo seu poder de persuasão diplomática e sua capacidade negocial, atuando muitas vezes como importante protagonista em debates internacionais sobre meio ambiente, comércio mundial, saúde, combate a pobreza, energia renovável, e agricultura e alimentação. Sua marcante atuação recente nas reuniões do G-20, como também na Conferência de Meio Ambiente de Copenhague em 2009, são dois exemplos desta nova atitude brasileira no contexto internacional. Nesta primeira década do século XXI, cabe destacar a crescente incerteza econômica das economias centrais, caracterizadas pelo baixo crescimento econômico e alto grau de endividamento de alguns países europeus, dos Estados Unidos, do Japão, e mesmo da falta de transparência do sistema financeiro chinês, certamente alavancado além do que se poderia considerar prudente. Por outro lado, o acelerado crescimento das economias emergentes promove uma gradual valorização das commodities, alterando os termos de troca e os fluxos no comércio internacional a favor dos países com recursos naturais abundantes, como é o caso do Brasil. Além da incerteza econômica que predomina no cenário mundial, dois outros temas apresentam crescente preocupação e são presenças frequentes nos debates internacionais dos últimos anos: a insegurança energética e a insegurança alimentar. São esses dois temas os que mais angustiam a humanidade desde a virada do século, e que se projetam para o futuro com enorme grau de incerteza, diante das dificuldades de ser superados por iniciativas internacionais isoladas em busca de maior nível de produção competitiva e sustentável. Ocorre que, em ambos os casos, o Brasil não é o problema, mas RBCE - 119 29 sim a solução, ou, no mínimo, parte significativa dela. No caso da energia, além de já contarmos com uma matriz energética de relativo baixo carbono, com aproximadamente 45% de nosso consumo energético proveniente de fontes renováveis, seja principalmente da hidroeletricidade como do etanol combustível, temos ainda um enorme potencial de expansão futura de fontes sustentáveis de energia, tais como a biomassa, eólica, solar e hidráulica. A experiência de mais de 30 anos no uso contínuo do etanol como combustível veicular e o desenvolvimento da tecnologia automotiva flex fuel posicionam o Brasil como um dos importantes protagonistas dessa matéria. A evolução tecnológica recente tem permitido um significativo aumento do grau de eficiência na geração de eletricidade por meio da combustão da biomassa (bagaço de cana) em caldeiras de alta pressão e do próprio etanol em moto-geradores de capacidade média (até 400 kva). Somente no estado de São Paulo existe uma capacidade potencial de cerca de 10 mil MW de energia elétrica com base nos volumes de bagaço de cana já existentes a cada safra anual. Isso equivale mais ou menos a uma usina hidroelétrica do porte de Itaipú. Enquanto outros países desenvolvidos debatem sobre a inconveniência da energia nuclear depois do acidente sísmico no Japão em abril de 2011, e as consequências ambientais na região de Fukushima, como também sobre o crescente custo econômico e ambiental dos combustíveis fosseis, tais como o petróleo, o carvão, e o gás natural, o Brasil segue investindo na sua base energética de fontes 30 RBCE - 119 renováveis, tornando-a uma referência mundial. Alguns líderes mundiais discutem, inclusive, a possibilidade de vir a se precificar em futuro próximo o custo ambiental de fontes poluentes de energia, de forma a desincentiválas em relação a outras menos poluentes e renováveis. Caso essa tendência evolua no futuro, países como o Brasil serão fortemente beneficiados no custo relativo de produção. Certamente, uma boa parte da experiência brasileira na matéria de energia renovável poderá ser reproduzida em dezenas de países de características climáticas e geográficas similares nos continentes americano, africano, e asiático, tornando o Brasil um parceiro estratégico na formulação e no desenvolvimento de planos de energia sustentável, aportandolhes não só seu conhecimento tecnológico acumulado, mas também a exportação de bens de capital, serviços, e uma parcela de capital de risco por meio de empreendedores privados. Ao mesmo tempo, muitas multinacionais já consideram a possibilidade de migração de elos eletro-intensivos de certas cadeias produtivas de plantas localizadas em países desenvolvidos para alguns países emergentes, com abundância de energia renovável competitiva. Isso traz para países como o Brasil uma nova e atrativa posição estratégica no mapa dos investimentos internacionais. Poderia ser o caso, por exemplo, das indústrias de papel e celulose, de alumínio, de siderurgia, de petroquímica, entre outras. Além desse promissor cenário no rol das energias renováveis, a descoberta recente de importante reserva de petróleo e gás natural no Brasil, posiciona o país como um dos cinco maiores produtores e exportadores mundiais de petróleo nas próximas décadas. Imagina-se nas projeções mais conservadoras que já em 2020 o Brasil deverá estar exportando um volume próximo de dois milhões de barris de petróleo por dia, ou que poderia ser melhor ainda, caso se exportasse o equivalente em produtos derivados como o diesel, a gasolina, e a nafta. Já as significativas descobertas recentes de reservas de gás natural nas bacias on-shore (Maranhão, Amazonas, e Minas Gerais) e off-shore (Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo) permitirão não só a expansão exponencial do parque termo-elétrico nacional, como a expansão de indústrias gás-intensivas, como as de produção de ureia e amônia, vidros, cerâmicas, produtos metalúrgicos e siderúrgicos, papel e celulose, entre outras. Isso não só trará um aporte extra de receitas de exportação para o país, mas também uma maior importância no cenário internacional, como fornecedor confiável de energia e de produtos eletro-intensivos. No campo da alimentação, o papel do Brasil no cenário internacional já é de grande destaque e tende a ficar ainda mais relevante diante da prevista escassez de fontes de proteína vegetal e animal para fazer frente ao exponencial crescimento de consumo mundial nas próximas décadas. Tomem por exemplo os dados recentemente divulgados pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação): o mundo precisará produzir 70% mais alimentos até 2050. Mas espera-se que o crescimento da produção agrícola desacelere para 1,7% ao ano até 2020, ante 2,6% ao ano ao longo da década anterior, de acordo com as últimas estimativas. Tal combinação ajudará a elevar ainda mais os preços dos alimentos e a consumir os estoques reguladores. A escassez de alimentos e a consequente alta de preços, trará maior intranquilidade aos governos e aos mercados, podendo eventualmente gerar graves crises políticas, tensão entre países, e mesmo conflitos regionais. Agrava esse cenário, o risco de mudanças climáticas, que podem gerar volatilidade na oferta de alimentos, por conta de eventuais secas, inundações, e temperaturas excessivamente frias ou quentes. O Brasil já é hoje em dia uma potencia agrícola e ambiental. Temos sido nos últimos anos os maiores exportadores mundiais de carne bovina, carne de frango, suco de laranja, açúcar, café, etanol, e entre os três ou quatro maiores de carne suína, soja, cacau, milho, algodão, entre outros produtos agrícolas. Com um setor de agronegócio moderno, e dispondo de avançada tecnologia de agricultura tropical, o Brasil tem alcançado um notável ganho de produtividade agrícola nas ultimas décadas, haja vista que, de 1990 para cá, sa produção de grãos aumentou pouco mais de três vezes em volume, de 50 milhões para pouco mais de 180 milhões de toneladas por ano em 2014, enquanto a área plantada cresceu apenas 33%, de aproximadamente 45 para 60 milhões de hectares. Podemos afirmar sem risco de ufanismo, que nenhum país do mundo apresenta condições de aumento da oferta de alimentos no século XXI como o Brasil. Além dos contínuos ganhos de produtividade que ainda virão no futuro próximo com novas técnicas de plantio direto, melhoramento genético de sementes, uso de fertilizantes, ainda dispomos de cerca de 90 milhões de hectares de terras agriculturáveis, que hoje são pastagens de baixa intensidade (menos de uma cabeça de gado por hectare), que poderão ser utilizadas em breve para a expansão da produção agrícola, isso bem longe da Floresta Amazônica, e sem nenhum desmatamento adicional. Caso ocorram como previstos, novos e significativos investimentos em modais logísticos mais competitivos do que o modal rodoviário, tais como ferrovias, dutovias, cabotagem, e hidrovias, algumas dezenas de milhões de hectares de terras agrícolas poderão ser incorporadas a economia exportadora do país, tornando viável o seu escoamento a custos baixos para os principais portos nas costas brasileiras. Nossas reservas de água potável equivalem a 12% das reservas mundiais, e sendo relativamente bem distribuídas pelo território nacional, beneficia mais de 70% do território brasileiro com farta disponibilidade de recursos hídricos para a agricultura irrigada, geração de energia e uso humano. Podemos concluir que o Brasil, na medida em que elevar sua inserção no cenário internacional, deverá não só experimentar um maior ritmo de crescimento econômico e social, mas também poderá se tornar, cada vez mais, um importante interlocutor internacional em temas como meio ambiente, segurança energética e alimentar. O Brasil do século XXI poderá ser um ator internacional em franca ascensão, com o prestígio de sua economia cada vez mais sólida, integrada ao mercado internacional, e diversificada em áreas estratégicas de produção agrícola e industrial. E no campo diplomático, um país cada vez mais influente pela prática do soft power, como uma nova atitude explicita de relacionamento construtivo e pacifico com seus parceiros internacionais. Essa deveria ser, em minha opinião, uma prioridade de nossa política externa, diante do desafio de não apenas preservar, mas, mais ainda, expandir e aprimorar o modesto espaço que o Brasil ocupa no cenário do comércio internacional, algo pouco acima de 1% das trocas globais. Uma eventual inércia nesse campo poderá nos deixar ainda mais isolados e deslocados dos fluxos dinâmicos e internacionais de comércio e de capital, o que seria lamentável para as futuras gerações de brasileiros. Portanto, enquanto a OMC não chega a um consenso multilateral sobre o futuro da liberalização global dos fluxos de comércio de bens e serviços, o que para nós seria o cenário ideal, deveríamos, a partir do novo mandato presidencial, seja quem for o novo governante, buscar com empenho e pragmatismo as várias alternativas regionais e bilaterais de integração econômica que ora se apresentam, somando os esforços públicos e privados, numa verdadeira cruzada nacional pela expansão do comércio exterior brasileiro, valorizando a competitividade de nossa economia nos seus mais diversos setores de atuação. RBCE - 119 31