Entrevista com Dr. Agusti Ruiz

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Sistema europeu
unifica informações
◗Responsável pela instalação do telefone de emergências
na Catalunha fala sobre as vantagens do número único
Em 11 de fevereiro foi comemorado o Dia Europeu do 112. O número único para emergências na
Europa é semelhante ao sistema 911 americano, onde uma central concentra os atendimentos das
chamadas que necessitam da atuação dos serviços como a polícia, bombeiros e profissionais de
saúde. Obrigatório a partir de 1991, o número está sendo implantado em todos os cantos do continente.
Na Catalunha, comunidade autônoma da Espanha, o sistema foi implantado pelo médico Agustí Ruiz
Caballero, que para isto estudou o funcionamento do sistema em outros países europeus que já o
adotaram, levantando os pontos fortes e também os que ainda precisam ser adequados. Entre os
pontos importantes observados, segundo Agustí, está a agilidade dos atendimentos que o sistema
proporciona, ao mesmo tempo em que revela que é preciso melhorar a gestão das emergências.
Sobre esta implantação na Catalunha e uma visão geral do 112 na Europa, o médico conversou com
Emergência durante o Congresso Panamericano de Trauma, em Campinas/SP, realizado pela SBAIT.
Por Alexandre Gusmão
ARQUIVO EMERGÊNIA
COMO FOI A IMPLANTAÇÃO DO 112 NA
CATALUNHA? FUNCIONA A INTEGRAÇÃO
DOS ÓRGÃOS DE EMERGÊNCIA?
Os sistemas não estão integrados. O que está
sendo integrado é o telefone único para emergências. O sistema majoritário na Catalunha
seria o que corresponde ao Samu no Brasil, mas
os bombeiros também têm seu próprio serviço
de emergência, apesar de pequeno. Esta é uma
influência do sistema francês, onde predominam
os bombeiros no APH. Agora, integramos tudo
num telefone único de emergências que já existe
em toda a Espanha e na Europa, o 112. Esta é
a grande diferença, pois podemos discutir sobre
modelos diferentes, serviços públicos ou privados, mas não podemos permitir que uma
emergência não seja coordenada corretamente.
O Estado tem que dar resposta ao cidadão. Para
isto, é preciso uma estrutura mínima de coordenação de emergências. Por ter preparado o projeto e instaurado o 112 na Catalunha, tenho viajado muito para ver as experiências de outros
países e conhecido muitos modelos públicos e
privados, mas não posso dizer qual é o que
funciona melhor. Posso citar um caso concreto
como o de Munique, por exemplo. O 112 de
Munique coordena 17 empresas privadas de
ambulâncias diferentes, que têm seus próprios
segurados, mas quem manda nas ambulâncias
é o 112. Se o doente não tem dinheiro ou não é
segurado, não tem importância, alguém paga
depois. Há convênio entre todas as ambulâncias.
Mas quem coordena, define e manda é o 112.
Este é um serviço que usa os recursos privados
em situação de emergência. Portanto, está claro
que a tendência dos países mais desenvolvidos
é otimizar os recursos, pois não tem sentido
duplicar esforços, nem ter telefones de emergência diferentes exatamente com a mesma função. Ter um número para os bombeiros e um
número para o Samu é absurdo.
QUANDO O 112 FOI INSTITUÍDO NA
CATALUNHA?
O 112 foi acordado pela Comunidade
Européia em 1991. Em 1997, a Espanha fez um
Decreto onde obrigava a implantação pelos
estados. Então, todas as comunidades autônomas da Espanha, equivalentes no Brasil aos
estados, hoje têm o 112 implantado.
COMO ERA A SITUAÇÃO DOS
ATENDIMENTOS ANTES DO 112?
Era um caos. Ocorria uma emergência e não
chegava ninguém. Depois chegavam todos ao
mesmo tempo. Portanto, era um absurdo. Uma
má utilização dos recursos públicos e privados.
Desde 1997, todas as comunidades autônomas
têm que ter o 112, mas a princípio, podiam
conviver com os telefones antigos. Por um tempo
os telefones conviviam, mas agora há comunidades onde só há o 112. E eu fui o protagonista
disso. Na implantação do 112, o primeiro número
que morreu foi o dos bombeiros, 085. O que eu
fiz? Mudei todos os caminhões de bombeiros
para 112. Assim como toda a comunicação e
propaganda externa dos bombeiros ficou 112.
Mas não podíamos acabar com o 085, porque
muita gente conhecia este número. Portanto, um
convivia com o outro. Este foi o caminho até
chegar num momento em que os telefonemas
para o 085 eram mínimos. Estatisticamente não
tinha sentido permanecer com ele e acabamos
cortando. Mas isto está sendo feito em todas as
comunidades autônomas da Espanha.
PERFIL
AGUSTÍ RUIZ CABALLERO
Licenciado em Medicina e Cirurgia da Universidade Autônoma de Barcelona é mestre em
Emergências e instrutor de Suporte Avançado de Vida. Tem experiência profissional em Gestão
Pública no Corpo de Bombeiros da Catalunha, onde atuou como instrutor. Implantou a central de
emergência 112 na Catalunha, o número padrão de emergências em toda a Comunidade Européia. Na área da saúde, trabalhou como médico encarregado na Expedição de Resgate dos
Bombeiros Catalães no terremoto da Turquia, em 1999.
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ABRIL // 2009
2009
ABRIL
QUAIS AS MAIORES VANTAGENS DO 112?
Agora você pode ir a qualquer país da Europa
e telefonar para o 112 que tem resposta direta.
Se eu, como europeu, vou para os Estados Unidos e não lembro o telefone de emergência de
lá, eu marco o 112 no meu aparelho que cairá
na central 911. Mas, temos dois modelos diferentes de gestão das emergências. Um que
mantém um call center que recebe as chamadas,
classifica-as e encaminha a outros centros de
coordenação que gestionam seus recursos. O
outro que, ao receber as chamadas, já gestiona
os recursos. Estes dois modelos convivem na
Europa. Eu sou um claro defensor da gestão integrada de emergência. Eu acho que a emergência tem que ser regionalizada, mas todos os
corpos operativos daquela região específica da
chamada têm que estar juntos na mesma sala,
com o mesmo sistema de informática e os
mesmos procedimentos. Então, não é só a integração do número, mas dos corpos operativos
envolvidos na coordenação da emergência
também é muito importante. Estamos, por exemplo, conectando a central de emergências
de bombeiros e de atendimento médico para ficarem juntas, fisicamente falando. Em Madri,
estão mais avançados do que nós. Lá o 112 já
tem em suas salas, a polícia, bombeiros e atendimento médico juntos. Em outras regiões tam-
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bém. Esta mudança representou uma melhora
radical na eficácia e eficiência dos atendimentos
de emergência.
QUAL O MAIOR PROBLEMA DE UMA
CENTRAL DE EMERGÊNCIAS UNIFICADA?
É muito cara, por isto, às vezes, os governos
ficam aflitos e vetam esta integração. Se fossem
empresas privadas, o cálculo seria muito fácil.
São feitos investimentos em comunicações e
equipamentos, e se amortizam estes investimentos em quatro ou cinco anos. Uma central de
emergência é um equipamento que se amortiza
em um ano. Só a redução dos tempos perdidos
no atendimento das emergências é impressionante. O custo das chamadas telefônicas entre
as corporações para tentar se coordenar é brutal.
Ninguém enxerga isto. Ninguém calcula quanto
se gasta para os bombeiros chamarem o Samu
ou o Samu chamar os bombeiros. Além disto,
muitas vidas são perdidas por falta de coordenação.
QUAIS ESTÃO SENDO AS PRINCIPAIS
RESISTÊNCIAS PARA ESTE PROJETO?
Resistências basicamente corporativas e de
interesses econômicos. Existe uma frase padrão
dos defensores dos telefones de emergência
independentes. Uma delas é que não se pode
ter um telefone que sirva para todos, porque o
tipo de assistência que se dá a um atendimento
médico é diferente ao que pode dar um bombeiro
num caso de incêndio. Mentira. Há uma máxima
das centrais de emergência que diz: quem
chama, de onde chama e o que acontece. São
estas as três perguntas e, a partir destas informações, tudo é feito por cooperação. Além
disto, é preciso ter uma pessoa com formação
prévia mínima nos três âmbitos da emergência:
segurança, atendimento médico e bombeiros.
Isto é mais que suficiente.
DIFERENTES ÓRGÃOS DE EMERGÊNCIA
USAM O MESMO SOFTWARE NAS
CENTRAIS?
Falo de informação unificada e o software tem
que ser unificado. Isto não quer dizer que o desenvolvimento do software tenha que ser igual.
Mas existe um único software base e dele se
pode fazer módulos específicos, dependendo do
tipo de serviço. Por exemplo, módulo de
bombeiros, módulo atendimento médico, módulo
policial, mas os dados do atendido são os mesmos. E isto está funcionando agora em Madri e
Barcelona.
A CATALUNHA DESENVOLVE OS
PRÓPRIOS SOFTWARES?
Emergência
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INTERNACIONAL
são seis meses de prisão por uma ligação destas, pois é considerado um delito grave. Já na
Espanha é uma falta administrativa, o que nada
significa. Então, estamos mudando isto.
Deixamos de desenvolver softwares próprios.
Há softwares no mercado muito bons para emergência. Os softwares novos estão concentrados,
a maior parte, na Europa, pois foi quem cresceu
mais neste âmbito. Temos softwares que permitem coisas impensáveis. Por exemplo, neste
momento, estamos com o software que permite
a localização de telefonemas de celular. Quando
a pessoa telefona para o 112, aparece o nome
dela, o endereço e um mapa apontando o lugar
onde está o sinal do telefone. É integração da
telefonia no aplicativo informático. E podemos
integrar neste sistema todas as tecnologias
como rádio, fax, internet, entre outros. Então, um
alto diretor de emergência pode ter acesso à
informação da central de emergências em tempo
real. E o que significa isto? Ganhar tempo. E esta
é a perspectiva de vida do paciente.
EXISTEM OUTRAS TECNOLOGIAS
USADAS PELOS SERVIÇOS DE
EMERGÊNCIA DA CATALUNHA?
Agora, estamos trabalhando para integrar o
histórico clínico dos pacientes dentro dos aplicativos de informática. Isto vai servir para os centros de saúde, para os hospitais, por exemplo,
saberem mais sobre um doente. Também temos
um projeto para o acesso dos surdos-mudos aos
serviços de emergência através do MSN e outros
sistemas. A outra tecnologia que está sendo
implantada também é a inserção de um sensor
de temperatura, de impacto e energia cinética
dentro dos carros que alerta o serviço de emergência, priorizando um carro que se envolve
num acidente grave. Não pararia de citar as tecnologias, pois são muitas.
AGUSTÍ RUIZ CABALLERO
COMO É A QUESTÃO DOS TROTES NA
CATALUNHA E QUAIS SÃO AS PUNIÇÕES?
É muito grave. 95% das chamadas do serviço
de emergência são de trotes ou erros. Estamos
discutindo na Espanha uma mudança na legislação, pois há países que são mais restritivos
e punitivos nisto. Por exemplo, em Porto Rico
Operadores de chamadas na Central 112 na
Catalunha recebem 15 mil ligações diárias
50 Emergência
O SAMU NA CATALUNHA É INSPIRADO NO
MODELO FRANCÊS? COMO FUNCIONA?
O modelo de resposta médica na emergência
está muito ligado a questões econômicas e a
quantidade de médicos disponíveis. Num país
onde há muitos médicos ou onde o trabalho dos
médicos não é muito valorizado há conflito por
que querem ocupar a emergência médica. Num
país onde os médicos são mais valorizados, como Estados Unidos, não há médicos no pré-hospitalar, porque o estado não pode pagar para
que eles atuem na rua nem os mesmos querem
isto. Portanto, há uma questão econômica e uma
de mercado de trabalho, que condicionam. Na
Espanha, anteriormente, se optou pelo modelo
francês do Samu de inserir os médicos em todos
os serviços, pois na oportunidade não havia trabalho para todos os médicos. Havia médicos demais. Agora, estamos com crise de médicos. Ninguém reivindica mais todo trabalho para os médicos. Hoje os profissionais mais importantes na
emergência médica são os enfermeiros e os técnicos de Emergência. Esta é a realidade. Há um
modelo irreal que é o francês de “medicalização” da emergência. Agora, vivemos a “desmedicalização” da emergência. Todos gostariam de
ter perto de sua casa uma ambulância com médico, com enfermeiro e com técnico de Emergência, mas isto é inviável economicamente. Então, o que acontece? Se existe uma boa central
de coordenação de emergência, pode-se ter um
modelo misto. Você mobiliza um primeiro recurso
que está mais perto do acidente e, seja qual for,
tem que ter pessoas formadas no âmbito médico
também. Isto faz com que a informação que elas
forneçam seja determinante para deslocar, ou
não, outros profissionais ao local. Mas aqui há
outro problema: Os enfermeiros têm capacidade
legal para fazer intervenções? Sim e não. E mais
um problema. Nós utilizamos as centrais de
emergência para dar ordens médicas porque fica
tudo gravado e é prova judicial. Eu, como médico
da central, posso dar autorização ao enfermeiro
a fazer um ato médico. Então isto é a realidade,
estamos caminhando nesta linha.
EXISTE CONFLITO ENTRE OS BOMBEIROS
E SAMU?
Esta é uma questão importante se temos que
centralizar todos os serviços nos corpos de
bombeiros ou devemos ter estruturas separadas.
Eu sugiro que se observe o que fizeram os países mais desenvolvidos que por anos vivenciaram isto e hoje não querem mudar. Os países
do Norte da Europa, todos, têm emergências
médicas de volta para os bombeiros. Porque a
prevenção aumenta, o trabalho dos bombeiros
baixa e, se queremos otimizar recursos, habilitamos os bombeiros para determinadas técnicas
para podermos ser mais eficientes, além de
pouparmos dinheiro público e melhorarmos a
emergência. É preciso apenas colocar médicos
na estrutura dos bombeiros para garantir um sistema de atendimento de forma correta. O sistema Samu o que significa? É preciso contratar
motoristas, veículos, prédios, telefones, equipamentos e sistemas de comunicação à parte. E
isto poderia ser compartilhado tranquilamente.
É uma questão de eficiência empresarial também. A verdade é que o tempo de trabalho efetivo
real de um bombeiro num incidente é muito
pequeno. O tumor maligno que há nos serviços
de emergência é a inatividade. Este é um problema grave. Isto é terrível, porque as pessoas
perdem a vontade de trabalhar. Num serviço de
emergência saudável os profissionais devem ter
muita atividade, portanto tem sentido compartilhar as atividades de APH e bombeiros, evitando
o colapso. Esta guerra existe, mas vai acabar
quando as questões econômica e laboral forem
modificadas. Acredito que o futuro vai ser a unificação, transformando os bombeiros em profissionais de emergência.
COMO FOI SUA EXPERIÊNCIA NO
TERREMOTO DA TURQUIA?
Uma coisa importante que eu notei quando
existe uma expedição de colaboração em tarefas
de resgate em um país: o altruísmo não supre a
profissionalização. Ter muita vontade de ajudar,
não quer dizer que se ajude mesmo. A Turquia
estava cheia de pessoas voluntárias sem capacidade profissional, prática e física para ajudar,
se convertendo num problema logístico grave.
Os governos que estão no meio de uma catástrofe precisam de equipes profissionais muito
especializadas autônomas e autossuficientes.
Portanto, quando qualquer um chega num país
para ajudar, tem que levar roupa, comida, água,
levar tudo. Por quê? Porque tem que sobreviver
sozinho lá. Por outro lado, eu comprovei, por exemplo, que a resposta do pessoal médico da
Turquia foi impressionante. Todos os médicos
que estavam inativos foram para o local do acidente. Mas qual o grande defeito ao mesmo tempo? O pessoal de resposta às emergências era
do intra-hospitalar, sem experiência no pré-hospitalar. Outra mensagem: a profissionalização e
formação específica do pessoal neste tipo de
evento, principalmente através de simulados, é
muito importante. Isto é a diferença de uma resposta qualificada e profissional a uma resposta
muito bonita, mas nada eficaz.
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