transposição do ducto parotídeo em cães

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TRANSPOSIÇÃO DO DUCTO PAROTÍDEO EM CÃES
Autor: Dr. João Alfredo Kleiner MV, MSc
Resumo: O filme lacrimal pré-corneano é constituído por três fases distintas. A camada mais externa é
formada de lipídios, a intermediária de água e a interna, que está em contato íntimo com a córnea, é
constituída de mucina. As desordens do filme lacrimal podem ser tanto de caráter qualitativo (distúrbios das
glândulas tarsais e células caliciformes) ou quantitativo, ou seja, um decréscimo da produção água lacrimal
originando o “olho seco”. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a cirurgia de transposição do
ducto parotídeo para o tratamento dos casos refratários de ceratoconjuntivite seca (olho seco) que não
respondem satisfatoriamente a terapia tópica ocular principalmente com o uso da ciclosporina ou naqueles
casos em que a terapia torna-se inviável.
Unitermos: ceratoconjuntivite, olho seco, ducto parotídeo.
Abstract: The preocular lacrimal film is a trilaminar fluid consisting of lipid, mucin and aqueous component.
The abnormalities affecting the lacrimal film can be either qualitative (disturbances of the tarsal glands and
globet cells) or quantitative due to a lower aqueous layer production originating the so-called “Dry Eye”. The
lack or lower quantity of tears can cause a progressive inflammation and chronic infection on the affected
eye originating an extensive pigmentation on the cornea and even causing blindness. This article intends to
show the procedures utilized in the parotid duct transposition for treating the refractory cases of
keratoconjunctivitis sicca (dry eye) on which the topical therapy, mainly utilizing cyclosporin, do not have a
satisfactory response or when the therapy is not feasible.
Keywords: keratoconjunctivitis, dry eye, parotid duct.
O filme lacrimal pré-corneano é um fluído trilaminar constituído por um componente lipídico, aquoso e
mucinoso. A camada mais externa é a lipídica de aproximadamente 0,1 µm de espessura e é produzida pelas
glândulas tarsais (meibomio) e de Zeis, sua principal função é a de retardar a evaporação da água lacrimal. A
camada intermediária é a aquosa, produzida pelas glândulas lacrimais da órbita (glândula lacrimal principal,
Kraus e Wolfring) e da terceira pálpebra. É a fase mais espessa do filme lacrimal e tem como principais
funções a nutrição, lubrificação córneo-conjuntival e remoção de metabólitos (ácido graxo e CO2) e debris. A
camada mais profunda e em contato direto com o epitélio corneano é a de mucina, produzida pelas células
caliciformes da conjuntiva e sua principal função é de tornar a superfície hidrofóbica da córnea em hidrofílica
(aderente a água), permitindo sua hidratação e uma maior uniformidade no recobrimento lacrimal ocular.
As desordens de qualquer componente do filme lacrimal podem ser tanto de caráter qualitativo quanto
quantitativo, e possuem como característica principal o comprometimento da dinâmica e função lacrimal.
Dentre estas podemos destacar a ceratoconjuntivite seca (CCS), que se caracteriza por uma deficiência da
fase aquosa da lágrima originando uma inflamação progressiva córneo – conjuntival com perda parcial ou
completa da acuidade visual, ceratite pigmentar, neovascularização corneana, conjuntivites secundárias,
corrimento ocular mucoso e lesões corneanas de caráter ulcerativo. Entre as raças predispostas destacamos
o Bulldog Inglês, Lhasa Apso, Pugs, Pequinês, Cocker Spaniel, Yorkies, Shih Tzu, Schnauzers miniatura, West
Highland White Terrier e Dachshunds.
Foto 1: Aspecto de um olho afetado por ceratoconjuntivite seca. Nota-se a presença de expressiva ceratite
pigmentar, edema e neovascularização corneana. Pode-se observar a presença de catarata madura
secundária e luxação lenticular anterior.
Etiologicamente podemos dizer que a CCS pode ser de origem congênita (alacrimia) ou hereditária,
relacionada a drogas (atropina, sulfas, anestésicos, etc), doenças sistêmicas (hipotiroidismo, diabetes,
hiperadrenocorticismo), blefaroconjuntivites crônicas, neurogênica (afecções do trigêmio e nervo
intermédio), adenite imunomediada (75% dos casos), trauma ocular e iatrogênica (remoção da glândula da
terceira pálpebra).
O diagnóstico da CCS é feito através dos sinais clínicos que podem variar desde uma hiperemia conjuntival
associada a um corrimento ocular mucoíde a mucopurulento (fase inicial da doença) até a ulcerações centrocorneanas, descemetoceles, estafilomas, prolápsos de íris, ceratite pigmentar com neovascularização
importante. Além dos sinais apresentados, a CCS é detectada através da utilização do teste lacrimal de
Schirmer que é realizado com a utilização de uma tira de filtro de papel (Whatman paper 41) colocada no
saco conjuntival durante 1 minuto. Após este tempo, mede-se com o auxílio de uma régua graduada a
quantidade de água absorvida pelo papel. A interpretação dos resultados é feita da seguinte forma:




Valores 15 mm/min = produção normal
Valores entre 11 a 14 mm/min = caracterizam uma CCS incipiente
Valores entre 6 a 10 mm/min = CCS moderada
Valores 5 mm/min = CCS severa.
Foto 2: Teste de Schirmer sendo realizado. Este deve ser o primeiro teste a ser feito, pois a utilização de
colírios anestésicos e corantes podem alterar sua interpretação.
O tratamento da CCS baseia-se na utilização de lacrimomiméticos (lágrimas artificiais, soro autólogo ou
heterólogo), lacrimoestimulantes colinérgicos (pilocarpina 1 a 2%), lacrimoestimulantes imunomodulantes
(Ciclosporina, Tacrolimus), agentes antimicrobianos e antiinflamatórios (esteroidais ou não).
A cirurgia de transposição do ducto parotídeo está indicada nos casos aonde a terapia, principalmente com a
utilização de ciclosporina, não surte um efeito desejado. Animais com valores no teste de Schirmer de 0 – 2
mm/min possuem menos de 50% de chance de apresentarem uma resposta favorável à aplicação tópica de
ciclosporina.
A experiência mostra que os pacientes muito inquietos ou aqueles que não apresentarem uma resposta
evidente em 30 a 40 dias depois de iniciada a terapia tópica ocular, ou seja, com notada diminuição dos
sinais de inflamação ocular e aumento da fase aquosa do filme lacrimal, são grandes candidatos a cirurgia.
Observando-se a composição básica do líquido salivar em relação à lágrima, pode-se notar que a composição
é muito similar, sendo assim a saliva pode ser um excelente substituto do filme lacrimal.
Característica
Lágrima
Saliva
Ph
5.3 – 7.8
5.2 – 8.4
Osmolalidade
Fisiológica
Fisiológica
Lisozimas
Presentes
Presentes
Translucência
Clara
Clara
Total sólidos
1.6
1.8
Cinzas
0.81
1.05
Tabela 1: Composição da lágrima e da saliva em humanos. (Gellatt, KN – 1991)
Antes de iniciar-se a intervenção cirúrgica, deve-se testar a funcionalidade da glândula salivar cujo ducto
será transposto. Tal procedimento é feito através da instilação de algumas gotas de colírio de atropina a 1%
na língua. A atropina apesar de ser uma droga parassimpatolítica (diminuí a secreção salivar), atua
topicamente na boca como sialagogo por possuir gosto amargo, induzindo assim a salivação.
Na presença de doença periodontal importante deve-se realizar uma boa profilaxia dentária com remoção
das placas de tártaro, extração de dentes comprometidos seriamente e antibiótico-terapia por pelo menos 7
dias antes da cirurgia de transposição do ducto.
Após a desinfecção da mucosa oral com solução de iodo-povidine ou clorexidine, a região lateral da face é
preparada para cirurgia asséptica. A papila oral do ducto da glândula salivar parotídea localiza-se próximo ao
quarto dente pré-molar superior e deve ser canulada utilizando-se um fio de nylon 2-0 para facilitar sua
dissecção. É importante a utilização de um reparo peri-papilar para facilitar seu manuseio e evitarem-se
possíveis traumas.
Foto 3: Localização e canulação da papila do ducto da glândula parótida.
Foto 4: Dissecção da papila.
Foto 5: Ducto parotídeo dissecado e reparado, exposto através de uma incisão feita na pele da face lateral
do paciente. Destaca-se a importância da canulação com fio de nylon para facilitar a transposição e
manuseio do ducto.
Foto 6: Ducto transposto (ainda canulado) e suturado na região lateral do globo ocular atrás da terceira
pálpebra utilizando-se fio vicryl 7-0. É importante evitar-se o contato do material de sutura com a
superfície corneana para não causar traumas e ulcerações.
Foto 7: Mesmo paciente 10 dias após intervenção cirúrgica. Nota-se diminuição significativa da inflamação
ocular. Teste de Schirmer de 21 mm/minuto.
Os cuidados pós-operatórios resumem-se a utilização de colírios com antibiótico e antiinflamatórios,
antibiótico de amplo espectro via oral e colar elisabetano pro 10 dias para evitar a intervenção do paciente
na área da cirurgia. Em alguns casos indica-se a utilização do colírio de ciclosporina por mais 30 dias para
reduzir a irritação córneo-conjuntival por depósito de minerais (possui atividade lubrificante, mucinogênica e
antiinflamatória). As complicações pós-operatórias principais são deiscência, infecção, estenose cicatricial do
ducto transposto e depósitos de cálcio na córnea. Os depósitos podem ser controlados com agentes
quelantes (EDTA 1 a 2%) e lágrimas artificiais.
Referências bibliográficas:
1. GELATT, KIRK N.: Veterinary Ophthalmology. 3 ed. Lippincott Willians & Wilkins, 1998.
2. HARDMAN, JOEL G., LIMBIRD, LEE E. : Goodman & Gilman’s The Pharmacological Basis Of Therapeutics. McGraw-Hill Medical
Publishing Division. Tenth Edition, 2001.
3. LIPOWITZ, Alan J., et al.: Complications in Small Animal Surgery. Williams & Wilkins. p. 76-77. 1996.
4. Magrane Basic Science Course in Ophthalmology. University of Wisconsin – Madison. Course Notes , 1998.
5. RAMSEY, DAVID T. et al. : Veterinary Ophthalmology (lecture notes). 5o ed. Michigan State University, 2000.
6. SLATTER, DOUGLAS. :The Lacrimal System. Textbook of Small Animal Surgery. 2? ed. W.B. Saunders, vol.2 , p. 1184-1194, 1996.
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