PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° I mii mu mu um mu um m um mi 111 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.06.165275-3, da Comarca de Taubaté, em que são apelantes MINISTÉRIO PUBLICO e PREFEITURA MUNICIPAL DE TAUBATE sendo apelados JOSÉ BERNARDO ORTIZ, MINISTÉRIO PUBLICO e PREFEITURA MUNICIPAL DE TAUBATE. ACORDAM, em 12" Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO MUNICÍPIO DE TAUBATÉ. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente) e BURZA NETO. São Paulo, 12 de maio de 2010. r OSVALDO DE OLIVEIRA RELATOR ) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO VOTO N.° 5.068 COMARCA: TAUBATÉ APELAÇÃO CÍVEL N.° 994.06.165275-3 APELANTES: MINISTÉRIO PÚBLICO E MUNICÍPIO DE TAUBATÉ APELADOS: JOSÉ BERNARDO ORTIZ E OUTROS AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Município de Taubaté Contratação de servidores públicos temporários por intermédio de processo seletivo simplificado Ausência de demonstração de necessidade temporária de excepcional interesse público Inteligência do artigo 37, incisos II e IX, da Constituição Federal e do artigo 71, incisos e parágrafos, da Lei Complementar Municipal n." 01/90 - Constatação de irregularidades no certame, que objetivou solucionar o problema de outros servidores temporários que haviam sido, no passado, contratados sem a realização de concurso público ou processo seletivo simplificado - Evidência do dolo do agente público, que, dentre outros motivos, reiterou procedimento diversas vezes reprovado pelo Tribunal de Contas do Estado - Reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa que importa em violação de princípio constitucional, nos termos do artigo 11 da Lei n.° 8.429/92 - Fixação das sanções, nos moldes do artigo 12, inciso III, da mesma Lei de Improbidade Administrativa - Pedido inicial julgado procedente em parte - Reforma da sentença para se acolher integralmente a pretensão deduzida pelo Parquet. 1. Recurso do Município de Taubaté não provido. 2. Recurso do Ministério Público provido. Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público em face do Município de Taubaté e de José Bernardo Ortiz, na qual alega que o processo seletivo simplificado n.° 06/2003 visou à contratação de servidores públicos em caráter temporário, com fundamento na Lei Complementar Municipal n.° 01/90. Entretanto, o edital não explicitou as hipóteses excepcionais justifícadoras da contratação temporária, tal como 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO dispõe o artigo 71 da aludida lei. Como a prestação de serviços públicos sempre será necessária, não era o caso de contratação temporária, mas de realização de concurso público para provimento de cargos efetivos. O Tribunal de Contas do Estado reconheceu a nulidade da contratação de trezentos e vinte e seis servidores públicos pelo Município de Taubaté, para cargos temporários. Requer o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa por parte do correu José Bernardo Ortiz e a sua condenação em todas as sanções previstas no artigo 12, inciso III, da Lei n.° 8.429/92. Também postula a nulidade do certame subjudice ou a condenação da Municipalidade na obrigação de fazer consistente na contratação dos concursados aprovados, em caráter definitivo e somente se houver previsão legal criando os cargos para o concurso, se necessário for (circunstância que deverá ser objeto de análise pelo Poder Executivo), sob pena de cominação de multa diária (fls. 02/21). O pedido foi julgado procedente em parte (fls. 663/672), a fim de se declarar nulos o processo seletivo objeto do edital n.° 06/2003 (fls. 25), e as contratações de servidores temporários realizadas em decorrência do certame. As partes ficam isentas do pagamento de custas e honorários advocatícios não só porque a ação foi movida pelo Ministério Público, mas também por força da sucumbência recíproca, disciplinada pelo artigo 21 do Código de Processo Civil. O Ministério Público, inconformado, interpõe recurso de apelação (fls. 674/682), alegando, em síntese, que a realização de contratações temporárias desprovidas de motivos legais, às vésperas do início de período eleitoral, para conformar à lei uma realidade ilegal anterior, por intermédio de certame que desobedeceu aos mais elementares critérios de Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n " 5 068 ^ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO garantia da impessoalidade e da moralidade, é suficiente para demonstrar a existência de dolo do correu. Como constatado pela própria sentenciante, os processos de seleção foram realizados para regularizar a situação de pessoas que já prestavam serviços à Prefeitura. O Tribunal de Contas do Estado identificou a irregularidade de diversas contratações ilegais de servidores temporários. Na hipótese do artigo 11 da Lei n.° 8.429/92, prescinde-se de dano efetivo para se reconhecer uma conduta ímproba. Os critérios para a avaliação do processo seletivo foram subjetivos. Assim sendo, foram aprovados apenas quem se quis aprovar. No mais, vários dos concorrentes que já prestavam serviços para a Administração tiveram conhecimento prévio do teor das questões. Requer o provimento do presente recurso e, por conseguinte, a reforma da sentença impugnada para que o pedido inicial seja julgado integralmente procedente. Recurso recebido em ambos os efeitos (fls. 683) e respondido pelo correu José Bernardo Ortiz (fls. 691/715). Por sua vez, o Município de Taubaté também apelou (fls. 717/731), aduzindo, em suma, que o ato administrativo impugnado nestes autos reveste-se de legalidade. As testemunhas Antônio Aparecido e Sérgio Luiz não foram aprovadas no processo seletivo simplificado, razão pela qual possuem interesse no deslinde da causa. A testemunha Dárcia Valéria esclareceu que a contratação ocorreu devido ao aumento da demanda e, relativamente ao cargo de técnico de segurança do trabalho, a um processo no Ministério do Trabalho. Até mesmo a Constituição Federal, no artigo 37, inciso IX, disciplina a exceção à regra de necessidade de realização de concurso público. Na hipótese dos autos, há lei municipal que regulamenta as contratações por prazo determinado e, além disso, há efetivo interesse Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 r^ 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO público. As hipóteses do artigo 71 da Lei Complementar Municipal n.° 01/90 não podem ser interpretadas com excesso de rigor. A população não poderia ficar desprovida do serviço adequado, sobretudo na área de saúde, educação e limpeza pública. Diante das circunstâncias locais, o Município não precisava, naquele momento, de um profissional efetivo, mas sim de um temporário. Ademais, neste caso, a Administração pode sempre contar com funcionários eficientes, podendo substituí-los quando não mais desempenharem bem as suas funções. Pleiteia a reforma da sentença na parte que lhe é desfavorável, principalmente com a declaração de legalidade do processo simplificado. O recurso da Municipalidade também foi recebido no duplo efeito (fls. 732) e respondido pelo Ministério Público (fls. 734/736). Parecer da Douta Procuradoria de Justiça (fls. 743/753), pelo provimento ao recurso do Parquet e pelo não provimento ao recurso do Município de Taubaté. É o relatório. O Ministério Público, na presente ação civil pública, pretende o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa por parte de José Bernardo Ortiz, que foi Prefeito Municipal de Taubaté, e a sua condenação nas sanções previstas pelo artigo 12, inciso III, da Lei n.° 8.429/92. Também pleiteia a declaração de nulidade do processo seletivo simplificado n.° 06/2003 ou a condenação da Municipalidade na obrigação de fazer consistente na contratação dos candidatos aprovados em caráter definitivo e somente se houver previsão legal criando os cargos providos pelo concurso. Apelação Cível n "994 06 165275-3 - Taubaté- Voto n "5 068 P^ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Sob o fundamento de que se fazia necessário atender as "necessidades temporárias do Município de Taubaté" e "de excepcional interesse público" (fls. 25), instaurou-se o processo seletivo simplificado n.° 06/2003, a fim de se contratar servidores públicos em caráter temporário, sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho, para as funções de auxiliar de enfermagem, assistente administrativo, braçal, enfermeiro, operador de máquina (pé de carneiro), operador de pá carregadeira, jardineiro, padeiro e técnico de segurança no trabalho. Como é cediço, o artigo 37 da Constituição Federal estabeleceu a necessidade de aprovação em concurso público para a investidura de cargo ou emprego público: II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; Por outro lado, a própria Lei Maior excepcionou a possibilidade de contratação temporária de servidor para atender circunstâncias excepcionais: IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Assim sendo, a contratação temporária não fica a critério do Administrador Público, mas deve se pautar, tal como disciplinam as regras Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n " 5 068 Ç\ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO constitucionais, pelo atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Nesta esteira, a Lei Complementar Municipal n.° 01/90, que dispõe sobre o Código de Administração do Município de Taubaté, também estabelece a possibilidade de contratação temporária de servidores: Artigo 71 - Poderá ter acesso ao serviço público pessoas destinadas ao desempenho de funções de natureza temporária. § 1.° - Consideram-se necessidades temporárias para os fins do disposto neste Artigo: I - Calamidade pública ou de comoção interna; II - Campanhas de saúde pública; III - Implantação de serviço urgente e inadiável; IV - Execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica; V - Afastamentos transitórios de servidores ou de sua saída do serviço público; VI - Execução direta de obra determinada e VII - Convênios e contratos celebrados com entidades governamentais. Portanto, existem hipóteses nas quais a contratação temporária é admissível no serviço público municipal. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO No caso sub judice, muito embora o processo seletivo aluda a "necessidades temporárias do Município de Taubaté" e "de excepcional interesse público", não consta do edital (fls. 25) o motivo da contratação, nem tampouco houve demonstração, nos autos, da ocorrência de nenhuma das circunstâncias previstas pelo mencionado artigo 71. Ao que tudo indica, todas as funções para as quais seriam admitidos servidores temporários caracterizam-se como atividades permanentes e regulares no cotidiano da Administração Pública Municipal e, portanto, não se amoldam à tese de "necessidade temporária de excepcional interesse público". Por outro lado, os demais parágrafos do mesmo artigo 71 estabelecem a duração das contratações temporárias: § 2.° - As admissões para os cargos especificados nos incisos I a IV do Parágrafo anterior serão feitas mediante processo seletivo simplificado, se houver tempo, observando-se prazo determinado e compatível com cada situação, de no máximo 06 (seis) meses. § 3.° - As admissões para os casos especificados nos incisos V a VII do parágrafo primeiro deste artigo serão feitas mediante processo seletivo, se houver tempo, com duração até a cessação do evento que lhe deu causa. Na hipótese vertente, não consta, do edital, a informação acerca do prazo das contratações, muito embora esteja expresso que são temporárias. Ora, o conceito de necessidade temporária é incompatível com o prazo indeterminado com que se efetivaram as admissões. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 nS^ 8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Destarte, esta espécie de contratação excepcional exige contornos precisos, com a efetiva demarcação do prazo de vigência e a evidência da necessidade temporária de excepcional interesse público. Tais requisitos não se encontravam presentes quando foi lançado o processo seletivo simplificado n.° 06/2003. O Município de Taubaté menciona o aumento da demanda a justificar as contratações temporárias. Segundo ele, a população não poderia ficar desprovida do serviço público imprescindível, sobretudo na área de saúde, educação e limpeza pública. Ora, tais argumentos, embora louváveis, não legitimam a conduta adotada pelo Poder Público. É evidente que a demanda pelos serviços públicos vem aumentado ano a ano, em todas as esferas governamentais, até mesmo devido ao aumento gradativo da população. Desta forma, não se trata de mera conjuntura esporádica, apta a fundamentar a necessidade momentânea de aumento dos quadros de servidores. A tendência não é de redução, no futuro, desta demanda. Assim sendo, cabia à Municipalidade criar cargos públicos nas áreas mais afetadas e admitir servidores efetivos. Neste sentido, é o depoimento da testemunha Dárcia Valéria Galvão, diretora de administração do Município de Taubaté, que, embora reconhecesse o "aumento de demanda", asseverou que não se recordava da existência de nenhum fato excepcional, inesperado que demandasse a contratação urgente de novos servidores (fls. 488). Ademais, salientou que os diversos departamentos que informaram a necessidade de contratação não indicaram fato específico para comprovar a urgência e excepcionalidade da medida. Apelação Cível« " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 r 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Também declararam desconhecer a existência de necessidade de contratação emergencial as testemunhas Aldrin de Magalhães Fontes (fls. 491/492), Olívia das Graças Andrade Borges dos Santos (fls. 493) e Mara Marques Faria Quintanilha Monteiro (fls. 494). Da mesma forma, o argumento segundo o qual a Administração Pública, com as contratações temporárias, sempre dispõe de empregados eficientes, uma vez que pode substituí-los de imediato quando não mais desempenharem bem as suas funções também não se sustenta. Ora, o Poder Público, a despeito de justificar o seu ato com esta tese de primar pela eficiência do serviço público, não demonstra cabalmente a aplicação deste princípio. Com efeito, os servidores temporários que foram admitidos em 2003 - quando o prazo máximo não podia exceder os seis meses permanecem em atividade até os dias atuais, por tempo indeterminado. Desta forma, não há distinção, no que tange aos métodos aplicados para a preservação da qualidade do serviço público, entre os servidores efetivos e os temporários. Por outro lado, a diretora da Administração Pública Municipal, ouvida como testemunha, informou que, em oportunidades anteriores, alguns servidores foram contratados temporariamente sem qualquer espécie de processo seletivo. O impugnado procedimento simplificado n.° 06/2003 também visou à regularização de tais casos (fls. 489). Esta alegação também foi corroborada pela declaração do informante Sérgio Luiz Lopes Bohn (fls. 495/496). Constata-se o uso abusivo, por parte do correu, da possibilidade prevista pela Constituição Federal e pela Lei Complementar Municipal n.° 01/90 de contratação temporária em hipóteses excepcionais. Nesta esteira, Apelação Cível n "994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 P>^ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO razão assiste ao juízo a quo quando reconheceu a ausência de regularidade no processo seletivo e nas contratações levadas a efeito. Ainda é oportuno salientar que o Tribunal de Contas do Estado já havia, em certames anteriores de natureza similar, constatado e apontado vícios no procedimento. Como é cediço, os atos de improbidade administrativa classificam-se em atos que importam enriquecimento ilícito (artigo 9.° da Lei n.° 8.429/92), atos que causam prejuízo ao Erário (artigo 10) e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (artigo 11). No caso vertente, excluem-se as hipóteses previstas pelos artigos 9.° e 10, pois inaplicáveis à espécie. Resta a análise do último dispositivo citado: Artigo 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: Acerca da matéria, preleciona Marino Pazzaglini Filho: "Indaga-se, agora, toda a violação da legalidade caracteriza improbidade administrativa? Ilegalidade não é sinônimo de improbidade e a prática de ato funcional ilegal, por si só, não configura ato de improbidade administrativa. Para tipificá-lo como tal, é necessário que ele tenha origem em comportamento desonesto, denotativo de máfé, de falta de probidade do agente público. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 11 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Com efeito, as três categorias de improbidade administrativa têm a mesma natureza intrínseca, que fica nítida com o exame do étimo remoto da palavra improbidade. O vocábulo latino improbitate tem o significado de 'desonestidade' e a expressão improbus administrator quer dizer 'administrador desonesto ou de má-fé'", (in Lei de Improbidade Administrativa Comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas, 3a edição. São Paulo: Atlas, 2007 p. 113). Mais adiante, acrescenta: "Em resumo, a norma do art. 11 exige, para a sua configuração, que a afronta a princípio constitucional da administração pública decorra de comportamento doloso do agente público, ou seja, que ele aja de forma ilícita, consciente da violação de preceito da administração, motivado por desonestidade, por falta de probidade" (Ibidem, p. 114). Em suma, os atos de improbidade administrativa que importam em transgressão de princípio constitucional administrativo exigem, para sua configuração: a) ação ou omissão que violem princípio constitucional disciplinador da Administração Pública; b) comportamento funcional ilícito denotativo de desonestidade, má-fé ou falta de probidade do agente público; c) ação ou omissão funcional dolosa; d) que não sejam provenientes de violação de princípio constitucional, enriquecimento ilícito do agente público ímprobo ou lesão ao Erário. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 r-^ 12 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Na hipótese dos autos, algumas circunstâncias ficaram solidamente demonstradas: a) as contratações temporárias objetivaram burlar a exigência do concurso público; b) o procedimento simplificado também buscou regularizar a situação dos servidores que, no passado, haviam sido contratados sem concurso público ou qualquer outra espécie mais singela de seleção; c) o correu, então Prefeito Municipal, não se preocupou em organizar concursos públicos para o provimento de cargos, de acordo com a necessidade do serviço público e a disponibilidade orçamentária; d) houve fraude na aplicação das provas; e) o correu tinha ciência da irregularidade dos métodos de contratação de servidores. Ademais, se houvesse, de fato, boa-fé do Prefeito, decorrente de eventual desconhecimento da ilicitude dos procedimentos perpetrados, ele teria empreendido esforços para solucionar o problema após conhecer o julgamento efetivado pelo Tribunal de Contas do Estado, o que não ocorreu. Nesta linha de raciocínio, a conduta não se repetiria nas próximas admissões, e as contratações irregulares não persistiriam até hoje. Entretanto, ignorou-se a decisão do TCE, que reconheceu a irregularidade, porquanto as contratações temporárias em desacordo com a lei municipal e com a Constituição Federal persistiram nos próximos certames. Assim sendo, ao invés de retificar os vícios apontados, o apelado os repetiu e, em conseqüência, os ampliou. Não se pode olvidar que o depoimento do informante Sérgio Luiz Lopes Bohn (fls. 495/496) e da testemunha Antônio Aparecido Verneck da Silva (fls. 621) é uníssono no sentido de que foram orientados acerca do conteúdo das questões abordadas na prova seletiva. Também afirmaram que foram consultados para a elaboração das questões a serem solicitadas no Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 13 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO processo seletivo, a fim de estas pudessem beneficiá-los em detrimento dos demais candidatos. Em outras palavras (pasmem!), o candidato auxiliou na elaboração dos testes a que ele próprio seria submetido. Interpretação diversa, no sentido de que a conduta do apelado está desprovido de dolo, sem sombra de dúvidas, não se sustenta, sob pena de esvaziamento total das hipóteses de incidência do artigo 11 da Lei n.° 8.429/92. Esta, por certo, não foi a intenção do legislador pátrio. Não restam dúvidas, portanto, de que o agente público violou os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, notadamente a impessoalidade, a moralidade e a legalidade. Com muita propriedade, a Douta Procuradoria de Justiça esclarece: "De outro lado, nem há falar-se em ausência de dolo ou malícia na veiculação do edital e na celebração das contratações narradas na petição inicial. Primeiro, porque o apelado José Bernardo Ortiz não é nenhum neófito ou jejuno em política e administração municipal. Segundo, porquanto os autos demonstram que as contratações objetivaram a manutenção de pessoas que já recebiam direta ou indiretamente remunerações pagas pela Administração Pública Municipal de Taubaté, assim como o ingresso pessoalizado de candidatos. Prova nesse sentido é o quadro geral encartado a fls. 474 dos autos, que, pela clareza e didática, deixa extreme de dúvidas a existência de dolo intenso da parte do apelado. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 ^ 14 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Por conseqüência, diante do descumprimento dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade, outra não poderia ser a solução salvo a procedência da ação para anular o edital n.° 06/2003 e respectivas contratações havidas. Mais que isso, pois demonstrada de forma inequívoca a ocorrência de improbidade administrativa, resta empenhada a responsabilidade civil do apelado pela prática do que visou induvidosamente fim proibido em lei (LF n.° 8.429/92, art. 11, inc. I). Em apoio à convicção da responsabilidade civil do apelado José Bernardo Ortiz, cumpre invocar os pronunciamentos e decisão emanados do E. Tribunal de Contas do Estado, que reputou irregulares as admissões temporárias no serviço público municipal de Taubaté (fls. 590/593 e 597/602). E o pior: as contratações ilegais perduram até hoje! Ou seja, como bem acentuado pelo ilustre e combativo Promotor de Justiça subscritor das razões recursais, já em 2001, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo havia reconhecido a nulidade da contratação de 326 servidores temporários por parte da Prefeitura Municipal de Taubaté. Assim, tal procedimento não mais se justificaria, mas, infelizmente, a certeza da impunidade prevaleceu e, com evidente menoscabo ao ordenamento jurídico e às instituições, novas contratações foram perpetradas. O dolo, portanto, é manifesto e salta aos olhos. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n " 5 068 C^ 15 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO A própria extensão dos contratos tidos como temporários - pois até hoje estão em vigência - demonstra à saciedade situação de descalabro em face do ordenamento positivo e a própria negação do direito. Boa fé houvesse, na primeira hora o ato administrativo teria sido revisto pela própria Administração, como, aliás, curial no Estado Democrático de Direito. Preferiuse, ao invés disso, a afronta e o desafio à ordem pública" (fls. 751/752). A propósito, vale citar entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ART. 11 DA LEI N.° 8.429/92 - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATAÇÃO DE SERVIDORA, SEM CONCURSO, PARA SUPRIR DEFICIÊNCIA DE SERVIÇO EM PREFEITURA - DOLO OU CULPA - NATUREZA DISTINTA DO TIPO - RELAÇÕES CONTRATUAIS DE FATO - CONDUTA ILÍCITA, A DESPEITO DA EFICÁCIA DO ATO - PUNIÇÃO DO AGENTE - CULPA RELATIVA AO ART. 11 - PERDA DE DIREITOS POLÍTICOS RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. DA CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCURSO PÚBLICO E A TEORIA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE FATO. Os autos não deixam margem de dúvida de que houve ofensa à norma constitucional (art. 37, inciso II, redação anterior à Emenda Constitucional 19/1998), bem como a princípio constitucional (primado da moralidade administrativa, art. 37, caput), cuja densidade infraconstitucional é dada, no caso concreto, pelo art. 11 da Lei n.° 8.429/1992. 1.1. Violar princípio constitucional é agir ilicitamente no âmbito da Lei de Improbidade. A contratação de servidor em 1990 e sua mantença até 1998 não pode ser escusada por alegações Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 r>^ 16 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO genéricas de ignorância da norma. Essa progressão temporal afasta o argumento da ausência de dolo ou culpa. E o caráter das previsões do art. 11 da Lei de Improbidade volta-se ao desvalor da ação. 1.2. No caso, o Tribunal de Apelação denomina a conduta do recorrido de "irregular, não-observadora dos princípios norteadores da Administração" (fls. 148), "violadora dos deveres de imparcialidade e legalidade com a contratação da servidora sem concurso" (fls. 149). Faltou apenas concluir pela punibilidade. Essa omissão deve ser sanada neste julgamento. 2. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIO. A conduta do agente público é inválida. O reconhecimento da culpabilidade pelo Tribunal extrai-se da qualificação do agir do ex-prefeito. 3. DA SANÇÃO À CONDUTA ÍMPROBA. O ato é inválido e teve sua eficácia postergada por 8 anos. A legitimidade para tornar ineficaz o ato caberia ao recorrido. A violação principiológica era de conhecimento palmar. Não havia zona cinzenta de juridicidade capaz de desestimular o agente ao cumprimento de seu dever legal e constitucional. O período de 3 anos é suficiente para marcar temporalmente a exclusão política do recorrido e apreciar de modo proporcional o desvalor de sua ação. Recurso especial provido, aplicando-se ao recorrido a pena de perda dos direitos políticos por três anos. (REsp 915.322/MG, Rei. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 27/11/2008) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS - ART. 12 DA LEI 8.429/92 - DOSIMETRIA DA PENA SÚMULA 7/STJ DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a inexistência de dano ou de prejuízo material não é suficiente para afastar o ato de improbidade. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 r^ 17 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 2. Dissídio jurisprudencial não configurado quando não demonstrada a absoluta similitude fática entre acórdãos confrontados. 3. A revisão da pena e a observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade esbarram no óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 934.867/SP, Rei. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJ 21/02/2008 p. 53) Nesta Corte de Justiça, o entendimento não discrepa: APELAÇÃO - Ação Civil Pública - Contratação de funcionários sem a realização de concurso público - Descabido no caso em tela aceitar o caráter temporário das contratações devido à situação emergencial pela qual o município passava - Afronta aos princípios da legalidade e da moralidade - Sanções devidamente fixadas - Recursos desprovidos. (Apelação com Revisão n.° 821.682.5/6-00 - Carapicuíba - 9.a Câmara de Direito Público - Rei. Sérgio Gomes - j . 11.11.2009, V.U.) AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Improbidade administrativa Nulidade do processo seletivo para contratação de servidores temporários - Violação à Constituição Federal - Recursos dos réus não providos e recurso do Ministério Público provido. (Apelação com Revisão n.° 787.872.5/7-00 - Taubaté - 3.a Câmara de Direito Público - Rei. Magalhães Coelho - j . 26.08.2008, V.U.) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Reconhecimento de nulidade de concurso para contratação de servidores em caráter temporário. CABIMENTO. Os princípios da independência e autonomia não concedem liberdade inconseqüente e a salvo das exigências institucionais aos municípios. Negado provimento. (Apelação com Revisão n.° 426.365.5/0-00 - Taubaté - 6.a Câmara de Direito Público - Rei. Oliveira Santos - j . 28.04.2008, V.U.) Ação civil pública. Improbidade. Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 Ç)^ 18 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 1. A Lei n.° 8.429/92 não é inconstitucional e tem aplicação aos servidores públicos estaduais e municipais, exercentes de mandato eletivo, fixando-se a competência pelo critério da territoriedade (local dos fatos). 2. Inexiste cerceamento do direito de produzir prova pericial ou testemunhai quando a lide pode ser decidida pela prova documental e aquela se mostrou prejudicada por ato do próprio interessado. 3. A legitimidade do Ministério Público para ajuizar a ação civil pública objetivando o sancionamento dos atos de improbidade e a proteção do patrimônio público tem assento constitucional (art. 129, III, CF). 4. O sancionamento dos atos de improbidade independem da ocorrência de efetiva lesão patrimonial, bastando a infringência dos princípios previstos no art. 37 da CF. 5. Comete ato de improbidade quem contrata servidores sem processo seletivo para o exercício de funções permanentes e sem qualquer justificativa de seu caráter emergencial. Recurso parcialmente provido. (Apelação com Revisão n.° 642.291.5/7-00 - Franca - 3.a Câmara de Direito Público - Rei. Laerte Sampaio - j . 08.04.2008, V.U.) Reconhecido o ato de improbidade administrativa praticado pelo correu José Bernardo Ortiz, faz-se mister cogitar-se na dosimetria das sanções que devem ser por ele suportadas, dentre aquelas relacionadas pelo artigo 12, inciso III, da Lei n.° 8.429/92. Por todos os motivos expostos, o pedido inicial deve ser julgado integralmente procedente, a fim de se condenar o apelado: a) na suspensão de seus direitos políticos por três anos; b) no pagamento de multa civil correspondente a dez vezes o valor da última remuneração percebida; c) na proibição de contratar com o Município de Taubaté ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068 S^ ? 19 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. No mais, mantém-se a declaração de nulidade do processo seletivo simplificado n.° 06/2003, bem como das respectivas contratações temporárias de servidores públicos. Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação interposto pelo Município de Taubaté e dá-se provimento ao recurso do Ministério Público. OSVALDO DE OLIVEIRA Relator Apelação Cível n " 994 06 165275-3 - Taubaté - Voto n "5 068