MODIFICAÇÃO DO POLIETILENO GLICOL PARA POSTERIOR UTILIZAÇÃO EM TRATAMENTO ANTI-CÂNCER E. M. Andrade (1) e K. M. Novack (2) Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (ICEB), Departamento de Química (DEQUI) Resumo A investigação de biomateriais é uma das mais novas e mais excitantes áreas da química de polímeros. Especialmente interessantes são as investigações de polímeros farmacologicamente ativos representando macromoléculas as quais, por elas mesmas, podem ser ativas como medicamentos ou alternativamente podem ser usadas como portadores para agentes farmacêuticos. A utilização de polímeros no tratamento anti-câncer vem sendo desenvolvida nos últimos anos através de pesquisas que visam melhorar as expectativas quanto à diminuição dos efeitos colaterais e quanto a um método mais eficaz de se conseguir uma completa remissão do câncer. Neste trabalho foi estudada a modificação estrutural do polietileno glicol, um polímero farmacologicamente ativo, de modo a verificar sua eficiência em atuar no sistema de células cancerígenas que, de um modo geral, constituem um sistema mais ácido. As técnicas de espectrometria na região do infravermelho (FTIR) e calorimetria de varredura diferencial (DSC), assim como a verificação das propriedades físico-químicas do material, foram utilizadas na caracterização dos polímeros. Foi verificada a boa solubilidade do produto modificado, mesmo com alteração do seu pH. A variação das transições observadas nas análises de DSC indicam uma mudança na estrutura cristalina do polímero, o que pode levar a uma melhor interação com as células cancerígenas. Abstract Biomaterials are a newly and exciting area of polymer chemistry. Investigations of pharmacologically actives polymers are very interesting because they can be used as implant materials that replace the function of the biological materials or as a drug. These kind of polymers have been used in cancer treatment because they avoid the collateral effects that are common with the usual drugs. In this work we studied the structural CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59201 modification of polyethylene glycol to verify the change in the solubility with pH. The influence of pH in solubility has been determined. Polymers were characterized by Fourier Transform Spectroscopy (FTIR) and Differential Scanning Calorimetry (DSC). Palavras-chave: biomateriais, polímeros farmacologicamente ativos, agentes anti- neoplásicos, polietileno glicol Introdução A investigação sobre a atividade de biopolímeros vem ocorrendo cada vez com maior freqüência na área da química de polímeros. Isso tem acontecido devido às vantagens em se manipular polímeros ao invés de medicamentos de baixo peso molecular. Mudanças feitas na estrutura de medicamentos de baixo peso molecular geralmente levam à perda da atividade específica. Tais mudanças são importantes para alterar as propriedades fisicoquímicas do medicamento de acordo com as necessidades, como por exemplo alterar sua solubilidade a fim de restringir sua área de ação e, conseqüentemente, os efeitos colaterais 1. Os polímeros farmacologicamente ativos são macromoléculas que podem ser ativas como medicamentos ou podem ser usados como portadores para agentes farmacêuticos. Esses polímeros podem ser naturais como no caso das proteínas, dos ácidos nucléicos, dos polissacarídeos; ou sintético. Um polímero bioativo pode interagir direta ou indiretamente através de interações físicas e/ou químicas com outras moléculas ou sítio para conseguir uma resposta biológica. Quando a parte bioativa é um produto oligomérico degradado da cadeia polimérica ou fragmentos de baixo peso molecular derivado de polímero dizemos que o polímero é responsável pela liberação controlada do agente ou espécie bioativa. Uma atividade biológica mais direta é observada quando a parte bioativa está representada pela cadeia polimérica inteira ou por segmentos da cadeia. Uma outra forma de utilização do polímero seria como matriz para inserção do agente bioativo. Nesse sistema o agente é liberado por um processo de difusão ou através da decomposição do polímero 1,2. Medicamentos utilizados na cura do câncer normalmente são muito “agressivos”, ou sejam, eles interagem com todo o organismo causando diversos efeitos colaterais. Os efeitos mais comumente encontrados são: perda do apetite, perda do cabelo, náuseas. O medicamento, após sua administração, entra no fluido corporal e através desse é CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59202 transportado para todo o organismo, alcançando assim a área afetada. Entretanto, boa parte da droga administrada não alcança esta área, ao invés disso, ela interage com outras partes do organismo levando a indesejáveis efeitos colaterais. A fim de conseguir a diminuição de tais efeitos, polímeros estão sendo introduzidos no tratamento anticâncer 1,3. Medicamentos poliméricos podem ser produzidos a partir da copolimerização de um monômero contendo a unidade medicinal com outro monômero contendo grupos que tornariam o copolímero solúvel nos fluídos corporais. O fato desses medicamentos poliméricos terem sua eficácia aumentada permite que eles possam ser administrados em menor concentração para o paciente, atingindo o efeito desejado. É importante lembrar que a única maneira de mudar a solubilidade de um medicamento não polimérico seria através de mudanças em sua estrutura química, o que poderia levar a uma perda da atividade específica do medicamento 4-12. O PEG (polietileno glicol) vem sendo utilizado como biopolímero no tratamento do câncer. Sua utilização consiste na modificação de proteínas por conjugação com síntese de macromoléculas. Tais modificações levam a redução da imunoatividade ou imunogenicidade e supressão da imunoglobulina (Ige) no processamento médico 11. O polietilenoglicol possui peso molecular variando entre 500 e 20000. O PEG utilizado neste trabalho tem o peso molecular igual a 1500 e apresenta a seguinte fórmula geral: HO-(CH2-CH2O)nCH2CH2OH O estudo de medicamentos poliméricos tem como objetivo a síntese de materiais que tenham: (a) boa especificação, (b) boa atividade, (c) atividade prolongada e (d) uma larga faixa de concentração da atividade biológica. A condição química de um agente bioativo pode variar com o polímero a medida que forem introduzidos segmentos que consigam fazer com que a solubilidade da molécula varie. A forma e o tamanho molecular podem também ser modificados de modo a aperfeiçoar o fluxo desejável. A pureza do polímero, peso molecular, distribuição do peso molecular, configuração, conformação, natureza dos grupos terminais, tudo pode afetar a atividade biológica das macromoléculas. O tempo tem um grande significado para as macromoléculas pois pode mudar a natureza física e química, fluxo dinâmico, solubilidade, habilidade de penetrar barreiras celulares, etc., das mesmas. Neste trabalho foi estudada a modificação estrutural de um polímero farmacologicamente ativo, polietileno glicol, e verificada a solubilidade desse composto em CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59203 pH ácido e básico. Foi verificada sua eficiência em atuar no sistema de células cancerígenas, que é de modo geral um sistema mais ácido, como é o caso, por exemplo, do carcinoma de Walker (pH≅6,5). Experimental Reação de metilação do PEG: O polietileno glicol obtido comercialmente foi misturado com sulfato de metila e solução de hidróxido de sódio a 30% e essa mistura foi refluxada durante 8h. Após a purificação, o polímero metilado obtido foi reservado para posterior caracterização10. Reação de modificação do PEG: O polímero metilado, obtido na etapa anterior, foi misturado com DMSO durante 5h a 40°C. Essa solução foi resfriada à temperatura ambiente e deixada sob agitação durante 48h, em solução de anidrido acético, tendo sido utilizado éter etílico para precipitação do polímero modificado10. Solubilidade: A solubilidade das amostras de PEG comercial, metilado e modificado foi determinada em vários solventes, preparando-se as soluções de concentração 0,1% p/v, à temperatura ambiente. Os seguintes solventes orgânicos foram testados: benzeno, metanol, etanol, cicloexano, diclorometano, água, tetracloreto de carbono, hexano, acetona, éter de petróleo, acetato de etila e éter etílico. Determinação do pH: O pH das soluções das amostras de PEG modificado foi determinado na presença dos indicadores vermelho de metila, fenolftaleína, alaranjado de metila, azul de bromotimol e timolftaleína. Posteriormente foi realizada uma titulação das soluções de pH mais ácidos. Caracterização das amostras: As amostras foram analisadas utilizando-se os equipamentos FTIR (Mod. Nicolet/Impact) e DSC (Mod. 2010/TA Instrumental). Os espectros de infravermelho das amostras mostraram bandas características de anéis aromáticos e grupos éter, hidroxila e metileno. As temperaturas de transição de fase foram medidas no DSC sob fluxo de nitrogênio com velocidade de aquecimento de 40°C/min. As temperaturas de transição foram tomadas no máximo dos picos. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59204 Resultados e Discussão A solubilidade dos produtos comercial, metilado e modificado foi avaliada em diferentes solventes orgânicos. Esse ensaio mostrou que os polímeros são insolúveis à temperatura ambiente em ciclohexano, tetracloreto de carbono, hexano e éter etílico e parcialmente solúveis em acetato de etila. Foi observada a solubilidade dos polímeros apenas em benzeno, metanol, etanol, diclorometano, água e acetona. A análise das propriedades térmicas dos polímeros foi realizada através de dados obtidos por DSC. A Figura 1 mostra a modificação das transições térmicas para o polímero comercial, metilado e modificado. Figura 1. Curvas de DSC das amostras de PEG comercial, PEG metilado e PEG modificado. PEG comercial CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59205 PEG metilado PEG modificado Através das curvas de DSC apresentadas na Figura 1 pode ser observada um aumento da temperatura de fusão (Tm) das amostras de PEG modificado quando comparada com a temperatura de fusão do PEG comercial. Esse aumento na Tm das amostras de PEG modificadas pode estar relacionado com um aumento da cristalinidade dos polímeros. Foi observado que não houve variação na solubilidade das amostras em solução aquosa apesar do possível aumento de sua cristalinidade. A análise do pH das soluções de PEG modificado foi realizada na presença de diferentes indicadores. A Tabela 1 mostra o intervalo de pH aproximado onde ocorre a viragem dos indicadores e a Tabela 2 mostra os resultados obtidos na presença dos indicadores selecionados. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59206 Tabela 1. Intervalos onde ocorre a viragem de alguns indicadores de pH. Indicador Intervalo de pH Mudança de cor Alaranjado de metila 3,1 – 4,4 Vermelho – Laranja Azul de bromotimol 6,2 – 7,6 Amarelo – Azul Fenolftaleína 8,0 – 10,0 Incolor – Vermelho Timolftaleína 9,4 – 10,6 Incolor – Azul Vermelho de metila 4,4 – 6,2 Vermelho - Amarelo Tabela 2. Valores de pH da solução de PEG modificado. Indicador pH Cor da solução Alaranjado de metila > 4,4 Laranja Azul de bromotimol < 6,2 Amarela Fenolftaleína < 8,0 Incolor Timolftaleína < 9,4 Incolor Vermelho de metila 4,4 Vermelha De acordo com os pontos de viragem dos indicadores e a cor da solução após adição destes, pode-se ter uma idéia do pH da solução que foi considerado muito ácido (em torno de 4,5). As soluções contendo os indicadores vermelho de metila e alaranjado de metila foram tratadas com solução de NaOH, através de titulação, de modo a ajustar o pH da solução para 6,5 que estaria mais próximo do pH das células cancerígenas. Essas soluções foram utilizadas para novos testes de solubilidade das soluções de PEG não sendo observada modificação significativa com a variação do pH. Agradecimentos Os autores agradecem a colaboração do CNPq e da PROGRAD/UFOP na realização desse trabalho. Referências CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 59207 1- Gebelein, C. G.; Morgan, R. M.; Glowacky, R. e Baig W. - Biomedical and Dental Applications of Polymers, Plenum Press, New York, USA, 1981, p.191. 2- Ringsdorf, H. - Journal of Polymer Science, 1975, Symp. 51, p.135. 3- Takemoto, K. - Journal of Polymer Science, 1976, Symp. 55, p.105. 4- Chin, C. M.; Ferreira, E. I. – Química Nova, 22,1999, p. 75. 5- Gebelein, C. G. e Carraher, C. E. - Biological Activities of Polymers, American Chemical Society, Washington, D.C., 1982, p.1. 6- Pavlisko, J.; Overberger, C. G. - Biomedical and Dental Applications of Polymers, Plenum Press, New York, USA, 1981, p.257. 7- Gebelein, C. 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