XXIX Encontro Anual da ANPOCS,

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XXIX Encontro Anual da ANPOCS,
GT 11 - “Mídia, Política e Opinião Pública”,
Representações Sociais da Política
e Cenário de Representação Midiático da Política
Jorge Almeida
Caxambu, 25 a 29 de outubro de 2005
Representações Sociais da Política
e Cenário de Representação Midiático da Política
Jorge Almeida*
Introdução
Neste texto trabalhamos os conceitos de “Representações Sociais”, e da chamada
“Opinião Pública” segundo diversos autores. Esta abordagem será feita discutindo a influência
política da mídia sobre a sociedade, ou o que tem sido chamado de “público”, “cenário de
representação”, “representações sociais”, “representação coletiva”, “ideologia” ou “senso
comum”, entre outras tentativas conceituais. Para isto, utilizaremos também conceitos que
procuram explicar a relação entre discurso e recepção midiáticos, particularmente vinculados
aos estudos culturais.
A hipótese apresentada é a de que o conceito que pode melhor expressar o que
comumente se chama de “opinião pública política”, é o de “Representações Sociais da
Política”, sendo a “opinião” um dos elementos destas. Por outro lado, a mídia não será
necessariamente ou sempre a principal responsável pelas representações da política
predominantemente identificadas na sociedade. Isto porque estas têm contradições e tanto
podem ser influenciadas por outras instâncias do bloco de poder, como passam por diversas
mediações sociais e culturais, inclusive resistentes ou opostas ao discurso hegemônico.
Vivemos hoje numa realidade onde a disputa de opiniões e outras representações não
se faz a partir de pressupostos da busca racional de um bem comum de caráter universal, mas a
partir de interesses sociais e políticos contraditórios e mesmo antagônicos. Disputa que se faz
com base na ação estratégica. Cada segmento social e político se utilizará, assim, dos vários
meios possíveis para convencer, formar opinião ou até mesmo impor sua vontade. Não só
mídia e marketing estarão envolvidos, como também organizações estatais e da sociedade
*
Trabalho apresentado no XXIX Encontro Anual da ANPOCS, GT 11 - Mídia Política e Opinião Pública.
Caxambu, 25 a 29 de outubro de 2005. Jorge Almeida é Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política
da UFBA e Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Facom-UFBa. E-mail:
[email protected] .
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civil, além do poder econômico. Daí ser indispensável também a utilização do conceito de
hegemonia, a partir de Gramsci.
Representações Sociais e Política
Segundo Robert M. Faar (2002) “a Teoria das Representações Sociais é uma forma
sociológica de psicologia social”, que surge a partir da publicação de La Psychanalyse: Son
image et son public”, por Serge Moscovici em 1961. Este, por sua vez reconhece que “o
conceito de representação social ou coletiva nasceu na sociologia e na antropologia. Foi obra
de Durkheim e de Lévi-Bruhl. Nessas duas ciências ele serviu de elemento decisivo para a
elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico. Poderia acrescentar
que ele desempenhou um papel análogo na teoria da linguagem de Sausurre, na teoria das
representações infantis de Piaget, ou ainda do desenvolvimento cultural de Vigotsky. E, de
certo modo, este conceito continua presente neste tipo de teorias”. (Moscovici, 2002). Este
autor ainda destaca a importância desta teoria pelo papel que confere “à racionalidade da
crença coletiva e sua significação, portanto às ideologias, aos saberes populares e ao senso
comum”. Por outro lado, também ressalta que o conceito “supõe conflito entre individual e
coletivo”.
Porém, segundo Pedrinho Guarechi, ao tempo em que também admite que “existe uma
clara continuidade entre o estudo das representações coletivas de Durkheim e o estudo mais
moderno de Moscovici sobre as representações sociais” acrescenta que, “Moscovici pensou
com Durkheim e contra ele”, dando-se conta de que na “sociologia durkeiniana havia o perigo
implícito de esquecer que a força do que é coletivo (Durkheim sugeriu o termo de
Representações Coletivas) encontra a sua mobilidade na dinâmica social, que é consensual, é
reificada, mas abre-se permanentemente para os esforços de sujeitos sociais, que o desafiam e
se necessário o transformam”.
Neste sentido, a teoria da representações sociais, permite o questionamento, a “busca
do novo, lá mesmo onde o peso hegemônico do tradicional impõe as suas contradições”.
Assim, Guarechi e Jovchelovitch (2002) salientam que “o fenômeno das representações
sociais, e a teoria que se ergue para explicá-lo, diz respeito à construção de saberes sociais e,
3
nessa medida, ele envolve a cognição. O caráter simbólico e imaginativo desses saberes traz à
tona a dimensão dos afetos, porque quando os sujeitos sociais empenham-se em entender e dar
sentido ao mundo, eles também o fazem com emoção, com sentimento e com paixão. A
construção da significação simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato
afetivo.
Portanto, para este autores, as representações sociais, não se restringem ao elemento
racional pois “tanto a cognição como os afetos encontram a sua base na realidade social. O
modo mesmo da sua produção se encontra nas instituições, nas ruas, nos meios de
comunicação de massa, nos canais informais de comunicação social, nos movimentos sociais,
nos atos de resistência e em uma série infindável de lugares sociais”. Pois é no contato com
estes elementos e com os mitos e a “herança histórico-cultural de suas sociedades que as
representações sociais são formadas”.
Por outro lado, “os meios de comunicação de massa, particularmente, têm sido um
objeto de estudo para a teoria. Em sociedades cada vez mais complexas, onde a comunicação
cotidiana é em grande parte mediada pelos canais de comunicação de massa, representações e
símbolos tornam-se a própria substância sobre as quais ações são definidas e o poder é – ou
não – exercido” (Guarechi e Jovchelovitch, 2002).
Faar (2002) agrega que o termo “Representações Sociais” e não o usado por Durkheim
é mais adequado especialmente em sociedades modernas e as contemporâneas pois estas “são
caracterizadas por seu pluralismo e pela rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e
culturais que ocorrem. Há, nos dias de hoje, poucas representações que são verdadeiramente
coletivas”. Por outro lado, “o fato de que assuntos tenham sido divulgados através da mídia é
uma ocasião propícia para que se possa estudá-los empiricamente através de escalas de atitude,
pesquisas de opinião, questionários etc.”
Por outro lado, para Sandra Jovchelovitch (2002), “a esfera pública, enquanto lugar da
alteridades, fornece às representações sociais o terreno sobre o qual elas podem ser cultivadas
e se estabelecer”. Esta autora afirma também que “desde uma perspectiva histórico-crítica, o
social geralmente tem sido as condições concretas de vida, que envolvem desde relações
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sociais de produção até mecanismos institucionais de várias ordens” mas ela destaca também a
dimensão do espaço público na construção de significados.
Para Minayo (2002), “Representações Sociais é um termo filosófico que significa a
reprodução de uma percepção retida na lembrança ou do conteúdo do pensamento. Nas
Ciências Sociais são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade,
explicam-na, justificando-a ou questionando-a”.
Ela procura demonstrar que autores clássicos como Durkheim, Marx e Weber,
procuram, usando conceitos diferentes, responder à questão, sendo que esta autora também
reconhece que, “do ponto de vista sociológico, Durkheim é o autor que primeiro trabalha
explicitamente o conceito de Representações Sociais. Usado no mesmo sentido de
Representações Coletivas, o termo se refere a categorias de pensamento através das quais
determinada sociedade elabora e expressa a realidade”. E acrescenta que “na concepção de
Durkheim, é a sociedade que pensa. Portanto, as representações não são necessariamente
conscientes do ponto de vista individual. Assim, de um lado, elas conservam sempre a marca
da realidade social onde nasceram, mas também possuem vida independente, reproduzem-se e
se misturam, tendo como causas outras representações e não apenas a estrutura social”.
De fato Durkheim (1990) afirmava que “o que importa saber não é a maneira pela qual
tal pensador concebe individualmente determinada instituição, mas sim a concepção que dela
formula o grupo; somente esta concepção é socialmente eficaz”. Neste sentido, acrescenta que
“parece-nos inteiramente evidente que a matéria da vida social não é possível de se explicar
por fatores puramente psicológicos, isto é, por estados individuais de consciência. Com efeito,
o que as representações coletivas traduzem é a maneira pela qual o grupo se enxerga a sim
mesmo nas relações com os objetos que o afetam. Ora, o grupo está constituído de maneira
diferente do indivíduo, e as coisas que o afetam são de outra natureza”.
Durkheim estava preocupado em demarcar com uma concepção da psicologia baseada
primeiramente no indivíduo quando afirma que “para compreender a maneira pela qual a
sociedade se vê si mesma e ao mundo que a rodeia, é preciso considerar a natureza da
sociedade e não a dos indivíduos”. Este autor considerava ainda que “quanto às leis da ideação
coletiva”, havia uma completa ignorância e acrescenta que “seria necessário procurar, através
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da comparação dos temas míticos, das lendas e das tradições populares, dos idiomas, de que
modo as representações sociais se atraem e se excluem, fusionam-se umas com as outras, ou se
distinguem, etc” (Durkheim, 1990).
Minayo também destaca que Weber também esteve preocupado com a questão das
representações sociais, mesmo que utilizando outros termos como “idéias, espírito,
concepções, mentalidade, usados muitas vezes como sinônimos. E trabalha de forma particular
a noção de visão de mundo. Para ele, a vida social – que consiste na conduta cotidiana dos
indivíduos – é carregada de significação cultural. Essa significação é dada tanto pela base
material como pelas idéias, dentro de uma relação adequada, em que ambas se condicionam
mutuamente” (Minayo, 2002).
Uma outra maneira de encarar a questão das representações sociais, está no conceito
de ideologia utilizado Marx. Para este autor, “a consciência é, pois um produto social e
continuará a sê-lo enquanto houver homens. A consciência é, antes de tudo, a consciência do
meio sensível mais imediato e de uma relação limitada com outras pessoas e outras coisas
situadas fora do indivíduo que toma consciência”. Evidentemente, Marx não está levando em
conta o papel dos contemporâneos meios de comunicação de massa, que permitem uma
televivência com fatores que não estão fisicamente tão próximos do indivíduo, mas o que
importa destacar aqui é a noção do ambiente externo na constituição das representações
ideológicas dos indivíduos e a força material e intelectual da classe economicamente
dominante. Isto porque, ainda segundo este autor, os pensamentos desta classe “são também,
em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material
dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que
dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual,
de tal modo que o pensamento daqueles a que são recusados os meios de produção intelectual
está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a
expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e,
portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de
outro modo, são as idéias de seu domínio” (Marx, sd).
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Mas, como destaca Minayo, se Marx coloca a realidade material condicionando as
idéias, ele vê esta relação de modo dialético pois “se as circunstâncias fazem os homens, os
homens também fazem as circunstâncias” (Minayo, 2002), elementos também presentes em
várias outras passagens de suas obras, quando discute o papel do sujeito revolucionário.
Gramsci, a partir de Marx mas de modo criativo, entendeu as representações sociais
como sendo concepções de mundo, “filosofias”, de uma época histórica. Ele vê a necessidade
de voltar a preocupação com o estudo tanto “para as concepções de mundo das grandes
massas, para a dos mais restritos grupos dirigentes (intelectuais) e, finalmente, para as ligações
entre estes vários complexos culturais e a filosofia dos filósofos”. Isto porque para este autor,
“a filosofia de uma época não é a filosofia deste ou daquele filósofo, deste ou daquele grupo de
intelectuais, desta ou daquela grande parcela das massas populares: é uma combinação de
todos estes elementos, culminando em uma determinada direção, na qual sua culminação
torna-se norma de ação coletiva, isto é, torna-se história concreta e completa (integral)”
(Gramsci, 1978).
Entretanto, Gramsci chama a atenção para uma outra questão importante para o estudo
das representações sociais, quando afirma que esta “filosofia” ou “concepção de mundo”, pode
ser distinguida “em todos os seus diversos graus: como filosofia dos filósofos, como
concepções de grupos dirigentes (cultura filosófica) e como religiões das grandes massas; e
pode-se ver como, em cada um destes graus, ocorrem formas diversas de combinação
ideológica” (Gramsci, 1978)
Mary Jane Spink (2002), ressalta que a representações sociais são formas de
conhecimento prático e seu estudo pode ser entendido também como forma de estudar o
conhecimento do senso comum, entendendo-o como, além legítimo, importante nas
transformações sociais. Neste sentido, ainda, do ponto de vista metodológico, as respostas
individuais em pesquisas, não devem ser vistas como manifestação de um indivíduo isolado,
mas “enquanto manifestações de tendências do grupo de pertença ou se afiliação na qual os
indivíduos participam”.
Esta questão metodológica vai estar presente também em Wolfgang Wagner (2002),
quando destaca que, sendo o conceito de representações sociais multifacetado, ao mesmo
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tempo que estas são concebidas “como um processo social” elas são identificadas
operacionalmente, como “atributos individuais”.
A partir da conceituação mais geral de Representações Sociais aqui apresentada,
entenderemos “Representações Sociais da Política” como o esforço específico para entender e
identificar os elementos mais propriamente relacionados à política presentes nas
Representações Sociais.
A opinião pública política hoje, as técnicas de aferição e seu uso nos estudos
científicos e no marketing político.
Monique Augras (1978) vê o conceito de opinião pública como um conceito histórico e
ligado à prática política. Identifica uma opinião pública da ágora da Polis grega que orienta a
tomada de decisões em Atenas, mas de um público formado apenas pelos cidadãos, ou seja,
afora os escravos e as mulheres. Semelhante era o caso da Vox Populi no fórum da república
romana, onde a "voz do povo" era apenas de uma parte do povo. Na idade média, há também
o conceito de Consensus Omminium, ou "acordo de todos". Mas de todos os nobres e
buscando o apoio do povo para as Cruzadas, e com exceção dos hereges, que expressavam
uma opinião crítica também de forma religiosa. O Renascimento e a Reforma vão consolidando
a idéia da existência de uma opinião crítica que tem um importante papel entre os intelectuais
da Revolução Francesa de 1789 que, no seu calendário, criou, ao lado da "Festa da Razão", a
"Festa da Opinião". "As proclamações republicanas assim principiavam: 'O Povo decidiu'.
Lastimavelmente, quanto mais se falava em decisão popular, menos se votava. A opinião
expressava a voz do grupo que estava no poder" (Augras, 1978).
Da revolução industrial aos dias de hoje, ao lado do desenvolvimento dos meios de
comunicação, o sufrágio foi se ampliando para atingir a toda a população, e se fortaleceram as
técnicas de cortejamento ou manipulação da opinião pública, a ponto de alguns autores norteamericanos chegarem a considerar as sondagens de opinião como uma nova forma de
democracia.
Essa opinião não é necessariamente uma opinião pública. Mas, se é individual, é
também um fenômeno social e pode ser latente ou estática (disposição latente a determinado
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assunto), ou dinâmica, como opinião manifesta, que pode partir de uma opinião latente e se
transformar em correntes de opinião que podem subsistir por um certo tempo, se enfraquecer,
ligar-se a outras opiniões latentes e voltar a se expressar de forma dinâmica de outra forma.
Em cada formação social, a importância na formação da opinião de grupos primários
(como a família) ou secundários (característicos de sociedades mais complexas), contribui para
a ambigüidade do conceito de opinião pública, que pode se expressar de modo mais
consciente, racional ou emocional transformando a disputa de opiniões numa espécie de
guerra, onde o campo de batalha "é a alma de cada um desses indivíduos que, por pertencer a
diversos grupos, às vezes antagônicos, sente-se inseguro, dividido, angustiado" (Augras,
1978).
Assim, esta autora acaba preferindo, ao invés de falar de uma opinião pública como
algo permanente e monolítico, entende-la como um processo permanente de formação de
correntes de opinião (que podem se expressar de várias formas, desde o boato até a eleição),
sendo o seu estudo, o estudo do aparecimento da opinião dinâmica. Porém, as técnicas
quantitativas de conhecimento da opinião pública identificam "num momento preciso, o estado
da opinião", mas não explicam "por que aparece um movimento de opinião, como se estrutura,
como evolui". Para isso, é preciso estudar os fatores que influem a formação da opinião entre
os quais distinguem-se os psicológicos, os sociológicos e os circunstanciais. Concordando com
a autora, acrescentaríamos que a combinação de vários levantamentos quantitativos podem
contribuir com o estudo da evolução e a utilização de técnicas qualitativas aprofundar o estudo
dos fatores que interferem na formação de correntes e constituição de um estado de opinião.
Apesar do tom de degradação completa da esfera pública burguesa, presente na
principal obra de Habermas (1984), no final desta este autor ainda vê a possibilidade de
reconstrução de uma esfera pública, pois não existiria somente a “publicidade demonstrativa e
manipulativa” (que teria levado ao fim da “opinião pública” e ao surgimento de uma “opinião
não-pública, ou seja, uma opinião privada imposta ao público), mas também uma “publicidade
crítica” que disputa com esta. Mas a condição de existência de uma autêntica esfera pública
politicamente ativa, é a sua auto-geração, instituição e concorrência com a decadente esfera
pública política burguesa demonstrativa e manipulativa. Em suas obras posteriores, Habermas
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(1975, 1980, 1987, 1994 e 1995) continua buscando uma “esfera pública autêntica” e vendo,
como condições de sua existência, a sua origem não-burguesa e sua “auto-geração”, instituição
a partir de sujeitos sociais solidários e sua concorrência com o sistema e a publicidade não
crítica1 .
Para Michel Thiollent (1980) "na prática de pesquisa marcada pelo empiricismo, a
preocupação do sociólogo é voltada para a obtenção e processamento de dados sem suficiente
problematização das condições dos mesmos. Satisfaz-se com uma rudimentar distinção entre
fato e opinião. Os dados seriam apenas elementos de descrição de um fato ou de verbalização
de uma opinião. As condições sociais da verbalização e as condições de produção das
opiniões, que variam consideravelmente em função das classes ou das conjunturas, não são
levadas em consideração". Portanto, "além das limitações internas dos procedimentos, é
preciso levar em conta o contexto social no qual são utilizados e que lhes confere uma certa
'validade' a nível da obtenção de dados e de interpretação dos resultados".
Para Champagne (1998) uma postura científica deve "determinar em quais condições é
possível utilizar, no quadro de uma pesquisa, os numerosos produtos coletados por esses
procedimentos de enquête, mostrando que, em si, não existem boas ou más pesquisas, mas
somente interpretações apropriadas ou errôneas dos dados coletados. Essa crítica das
sondagens de opinião pública não é somente útil, de um ponto de vista metodológico ou
epistemológico, mas também é necessária porque, atualmente, essa prática constitui um dos
obstáculos para a própria sociologia. As sondagens de opinião que se limitam a formalizar,
com aparência de ciência, o senso comum político, representam, atualmente, uma nova imagem
da ciência social que deve toda a sua força ao fato de que corresponde aos mais imediatos
interesses políticos de numerosas parcelas da classe dominante, em especial, nos meios
políticos e jornalísticos".
1
Em um de seus textos mais recentes, Habermas (1996) “vai valorizar a existência histórica da esfera pública
plebéia e, por outro lado, reforçar o papel do receptor (a partir da leitura de Stuart Hall, 1980) segundo o qual,
além de leituras dominantes do código da produção midiática, pode haver também uma leitura negociada ou
oposicionista. Mesmo que as duas primeiras estejam dentro do campo do discurso hegemônico, a existência da
leitura oposicionista e mesmo da negociada, abre espaço para a construção de alternativas políticas contrahegemônicas. Assim, estas duas revisões, vão deixar mais claro a sua posição de construir uma esfera pública
autêntica a partir de novos sujeitos sociais solidários e em contraposição ao Estado burocrático e o capital
(Almeida, 1999).
10
Para ele, uma técnica de pesquisa por si só não é uma ciência, apesar de atualmente a
amostragem representativa ser "bastante bem controlada por esses institutos". Por outro lado,
estas sondagens são "dispositivo que visa coletar as opiniões dos indivíduos", mas não somente
opiniões, como também intenção de votos, estimativas (no caso de boca de urna),
popularidade de líderes, atitude diante de certos temas, audiência de canais de TV e rádio,
comportamentos (como sexuais e outros) e questões morais e éticas.
Reginaldo Prandi (1979) destaca que o uso da pesquisa quantitativa não é obrigatório
nas ciências sociais de modo geral, ou seja, tanto nos estudos de “fatos” como de “opiniões”
alertando que "a quantificação não garante por si nenhum resultado satisfatório. Pretender
fazer da ciência social uma disciplina atrelada à quantificação implicaria necessariamente
abandonar ao léu os problemas e aspectos da sociedade que nunca poderiam ser submetidos às
regras da quantificação".
Por outro lado, os dados empíricos levantados não são auto-explicativos. Importantes
estudiosos tem se utilizado de dados quantitativos, mas não sem razões claras para fazê-lo, ou
seja, demonstrar, através de números, características e situações concretas da realidade
analisada, "mas análises previamente amparadas, primeiro pela concepção que tinham da
sociedade, segundo pela necessidade de demonstrar hipóteses decorrentes dessas próprias
concepções. Quero dizer com isto que se o pesquisador não dispõe de um plano interpretativo
prévio para os seus dados, os seus dados nada poderão fazer por ele. E, mas ainda, nenhuma
tabela, nenhum teste de significância estatística, nenhum coeficiente de correlação, etc, etc, é
capaz de substituir ou produzir uma teoria. Podem, é verdade, alimentar a imaginação criadora
do pesquisador e levá-lo adiante, obrigando-o muitas vezes a reformular posições
interpretativas previamente estabelecidas. Nunca, porém, como ponto de partida" (Prandi,
1979).
Nesta linha de interpretação de dados, também encontramos Minayo (1995), que afirma
que "a metodologia inclui as concepções teóricas da abordagem, o conjunto de técnicas que
possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador".
De acordo com esta autora "o endeusamento das técnicas produz ou um formalismo árido, ou
respostas estereotipadas. Seu desprezo, ao contrário, leva ao empirismo sempre ilusório em
11
suas conclusões, ou a especulações abstratas e estéreis". Isto porque "a teoria é um
conhecimento de que nos servimos no processo de investigação como um sistema organizado
de proposições, que orientam a obtenção de dados e a análise dos mesmos, e de conceitos que
veiculam o seu sentido". São, assim, explicações parciais da realidade que também "iluminam a
análise dos dados organizados, embora não possam direcionar totalmente essa atividade, sob
pena de anulação da originalidade" da pesquisa.
Segundo Pierre Bourdieu (1980-a), "a opinião pública não existe, pelo menos na forma
que lhe atribuem os que têm interesse em afirmar sua existência”. Considera ele, entretanto,
que existem, “por um lado, opiniões mobilizadas, opiniões constituídas, grupos de pressão
mobilizados em torno de um sistema de interesses; e, por outro lado, disposições, isto é, a
opinião no estado implícito, que, por definição, não é opinião se com isso se compreende algo
que pode ser formulado em discurso com certa pretensão à coerência." Entretanto, apesar de
admitir, como vimos acima, a existência de vários tipos de “opiniões” acaba concluindo: "Digo
simplesmente que a opinião, no sentido da definição social implicitamente admitida pelos que
fazem sondagens de opinião, não existe" (Bourdieu, 1980-a).
Bourdieu afirma também que toda pesquisa de opinião supõe que as pessoas tenham
uma opinião, ou seja, que possam produzir uma opinião; que todas as opiniões são
equivalentes; pressupõe que exista um consenso sobre os problemas e portanto sobre as
perguntas feitas na sondagem. Ele acha também que as sondagens criam a ilusão de que existe
uma opinião pública, quando na realidade se trataria de uma somatória de opiniões individuais.
Ou mesmo, em certos casos, de "tomadas de posição particulares" diante de "opções"
colocadas por quem pergunta. Neste caso, "a interrogação politicológica mede não a opinião
política, mas a aptidão para produzir o que se entende por opinião política" (Bourdieu, 1980b).
Acrescenta ainda que, quando um jornal dá uma manchete dizendo que 60% das
pessoas são a favor ou contra alguma coisa, isto dissimula "que o estado de opinião num certo
momento é um sistema de forças, de tensões e que não existe nada mais inadequado para
representar o estado da opinião do que uma porcentagem" (Bourdieu, 1980-a).
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Consideramos que Bourdieu está correto quando diz que o “estado de opinião” é um
sistema de forças e tensões - que Gramsci (1978) chamaria de hegemonia (a qual pressupõe a
contra-hegemonia) - portanto é uma situação que pode ser mudada. Entretanto, não
entendemos ser possível compreender este “estado de opinião” do qual ele fala, se não
sabemos o que as pessoas pensam, anseiam, desejam, intencionam ou imaginam em
determinados momentos. E, somente assim, poderemos entender como os diversos atores
podem interferir e mesmo alterar este estado de opinião. E se queremos identificar melhor a
realidade, precisamos compreender que tanto a existência deste tipo de opinião num
determinado momento, como a divulgação destes resultados através da mídia, também já estão
fazendo parte da formação da opinião (seja ela menos ou mais racional; bem ou mal informada;
resultado de um debate público ou somatório de opinião pessoais). Por outro lado, a
identificação, por segmento social e escolaridade, por exemplo, da distribuição destas opiniões,
pode mostrar também tendências de manutenção, de fortalecimento ou de alterações destes
percentuais.
É ainda Prandi2 quem afirma que estas pesquisas são importantes pois através delas é
possível antecipar “no decorrer das campanhas, o ânimo dos eleitores e seu envolvimento”,
acrescentando que “é através dela (pesquisa) que os candidatos e partidos se reconhecem e
medem sua capacidade de expansão”. Por outro lado, este autor também considera que além
da função de orientação política dos candidatos e partidos em campanhas, as pesquisas podem
ser úteis para abordagens mais aprofundadas, em estudos sobre “a formação de tendências
eleitorais, grupos, maiorias ou minorias e também os perfis sociais das bases dos partidos”.
Além disso, ele destaca que a pesquisa eleitoral é necessariamente quantitativa, pois é baseada
na natureza quantitativa da eleição: “eliminado o voto de qualidade e de intensidade, só resta
contar, e aí cada eleitor é uma unidade e os resultados são necessariamente numéricos”.
2
As citações de Prandi, a seguir, fazem parte de artigo seu publicado na Folha de S. Paulo (12/09/98), durante
polêmica sobre as pesquisas eleitorais com Marilena Chaui, cujos trechos foram reproduzidos por Thiollent
(1989).
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Representações sociais da política e mídia: recepção e mediações sociais
Stuart Hall (1980) identifica um processo de codificação e decodificação, nos três
momentos da comunicação: produção, emissão e recepção. Neste processo, há sempre uma
representação como resultado da prática discursiva. Os significados dominantes não são
determinantes, mas são preferenciais. Ou seja, não quer dizer que terão obrigatoriamente o
mesmo significado na recepção pois não existe uma correspondência necessária entre
codificação e decodificação, apesar da primeira tentar dirigir a segunda. Mas, a não ser em
casos de comunicação incompetente, a codificação tende a construir os parâmetros para a
decodificação. Portanto, não há comunicação perfeitamente transparente, mas também não
ocorrem (a não ser em casos excepcionais) leituras absolutamente autônomas dos indivíduos.
Nesta linha, existem três possíveis decodificações mais gerais das mensagens midiáticas: 1)
Hegemônica-dominante, com o mesmo significado que tem na codificação. 2) Uma leitura
negociada da ideologia dominante, quando a decodificação se faz a partir dos mesmos códigos
da codificação e não os contesta globalmente, mas em termos concretos faz uma interpretação
própria a partir de experiências e interesses locais, podendo rejeitar parcialmente o discurso
hegemônico. 3) De oposição, quando o receptor faz a leitura a partir de referências próprias,
alternativas e não hegemônicas. Porém, uma leitura negociada pode passar a decodificar de
modo oposicionista, pois há uma luta pela significação de determinados códigos. Isto tem
relação com sua concepção de influência gramsciana de "guerra de posições cultural" (Hall,
1996) e de mediação cultural e de cultura “como um campo de batalha constante” onde sempre
se disputam posições estratégicas (Hall, 1984).
Outros autores também relativisam o poder dos mídia e questionam o conceito de
midiacentricidade. Michel de Cereal (1994), parte da idéia de que há uma produção da TV e
uma da recepção onde o receptor vai estabelecer um novo contrato de interlocução. MartinBarbero (1997), afirma que é preciso “abandonar o mediacentrismo” já que os mídia estariam
perdendo a sua especificidade e se integrando a “sistemas de maior envergadura, como o
econômico, social e político”. Orozco (1997) afirma o caráter das sociedades atuais como
midiáticas, onde a informação se converteu em mercadoria e a comunicação é um espaço do
Bloco de Poder, “onde se gera, ganha ou perde poder”. Assim, a aliança dos meios não é
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com a audiência, mas com o Bloco de Poder. Mas, no contexto da midiatização há uma
complexificação das mediações que entram em jogo “e o resultado é uma apropriação
concreta, ou um uso determinado, ou uma resistência específica, ou uma contraproposta aos
referentes midiáticos”.
Portanto, a midiatização da sociedade contemporânea deve ser vista como um processo
em que amplia-se e aprofunda-se a sua importância econômica e sua extensão e alcance
territorial, assim como de que a TV tem dominância entre os mídia; em que as alterações da
configuração espaço-temporal (Harvey, 1992 e Rubim, 1998) fortalecem o seu papel de
provocar mudanças nos padrões cognitivos e culturais, caracterizando a sociedade
contemporânea como sendo ambientada pelos mídia. Se há uma centralidade, é no sentido de
que a sociabilidade contemporânea passa necessariamente pelos mídia pois a realidade se
constrói através de uma mesclagem "da vivida experiência e da contemporânea televivência"
(Rubim, 1994-b).
Mas, se os mídia fazem parte do Bloco de Poder, isto não significa que não tenha que
abrir espaços, (como, aliás, o próprio Estado tem que abrir) e, muito menos, que todo o seu
discurso tenha que ser aceito pela audiência/cidadania, da mesma forma que o discurso e o
projeto político do núcleo dominante do Estado e do poder econômico, também não são
necessariamente aceitos.
Sendo assim, a mídia é um elemento fundamental e indispensável para se estudar e
entender a formação e contradições presentes nas Representações Sociais da Política, mas não
como seu único ou sempre principal instrumento definidor dos seus conteúdos.
Mídia, hegemonia e Bloco Histórico
Sendo as Representações Sociais da Política parte do hegemônico, é necessário
delimitar melhor este conceito. Para Gramsci, hegemonia é uma combinação de dominação e
liderança ou direção moral, política e intelectual, exercida através do consentimento e da força,
da imposição e da concessão, de e entre classes e blocos de classes e frações de classe. Esta
pode se dar de forma ativa, como vontade coletiva, ou se manifestar de forma passiva, através
de um apoio disperso ao grupo dirigente/dominante. Para Gramsci, ainda, a hegemonia se
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constrói a partir da sociedade civil e de suas diversas instituições e do Estado. Assim, a
hegemonia sempre terá um certo grau de instabilidade, pois pressupõe a existência de forças
contrárias que, de algum modo, resistem a esta hegemonia, podendo propor projetos
alternativos. Por outro lado, a hegemonia é especialmente tensionada, instável e precária em
formações sociais com grandes contradições sociais como a brasileira.
Tudo isto mostra, portanto, que a discussão sobre a midiacentricidade requer maior
aprofundamento. Por um lado, como vimos, não podemos descartar o importante papel das
mediações culturais, sociais e políticas da sociedade. Por outro lado, porque talvez os mídia
sejam melhor entendidos não como uma instituição à parte, com uma centralidade política
própria, acima das demais, mas como parte integrante do Bloco de Poder, constituído
também pelas principais instâncias do Estado, do poder econômico e de parcela da sociedade
civil. Mostra também que o conceito de Representações Sociais da Política precisa ser
melhor discutido à luz da força e capacidade de intervenção que o Estado e a sociedade civil
continuam tendo.
Para isso, são fundamentais não somente as contribuições de Gramsci sobre
hegemonia e Bloco Histórico, como também as de Portelli (1987) e Poulantzas (1977 e
1978), sobre o papel do Estado na hegemonia e contra-hegemonia; de autores da Escola de
Birmingham (que aprofundaram a questão da cultura, dos mídia, da recepção e das
mediações); e de autores ligados aos estudos culturais latino-americanos.
Como identificar as Representações Sociais da Política
Como vimos, não podemos dizer que o que as chamadas “pesquisas de opinião”
captam é, necessariamente, “a opinião pública” (no singular), pois, como vimos, não temos
apenas uma opinião, mas opiniões diversas em circulação.
Não basta também colocar no plural, dizendo apenas que são “opiniões públicas”, pois
nem todas as opiniões são geradas num debate público. Ou seja, existem opiniões públicas,
opiniões privadas impostas ao público, opiniões não expressas, opiniões latentes, individuais,
mobilizadas, constituídas, tomadas de posição particulares, disposições etc.
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Portanto, poderiam ser “pesquisas de opinião”, genericamente falando. Mas, qual o
caráter desta opinião? Quando uma pesquisa é feita, o que se capta é um momento da opinião,
pois os dados captados não são permanentes. Existem a opinião dinâmica, a opinião de
segmentos mais influentes na sociedade e as correntes de opinião que podem alterar a
composição e a situação existente em determinado momento. Portanto, no que diz respeito às
opiniões captadas, as pesquisas identificam sempre um “estado de opinião” como sendo um
momento que pode ser alterado - sendo mais ou menos estável a depender da estabilidade
social, econômica, cultural e política da sociedade ou do universo pesquisado.
Mas as chamadas “pesquisas de opinião” não identificam apenas opiniões. Captam
também atitudes, intenções, fatos já acontecidos (por exemplo, a pesquisa de boca de urna que
capta o voto já dado pelo eleitor), audiência e freqüência da mídia, imagem de políticos,
popularidade de líderes, interesses, comportamentos, questões morais e éticas, boatos,
emoções, medos, rejeições, simpatias, antipatias, gostos e outras preferências ou rejeições
subjetivas de difícil definição.
Portanto, numa “pesquisa de opinião política”, mais do que opiniões, o que está sendo
captado são as “representações sociais da política”. E o conjunto de informações que vão
sendo levantadas, vão permitindo ao analista, pesquisador, cientista ou ao sujeito político
compreender estas representações sociais e identificar tanto seus elementos constitutivos
hegemônicos como aqueles que têm potencial contra-hegemônico.
Assim, uma representação social da política existente só pode ser identificado a partir
de instrumentos que investiguem as opiniões e outros elementos, de modo quantitativo (que
abranja o universo estudado) e qualitativo. Mas sabemos também que, especialmente em
situações de instabilidade política e político-eleitoral, as Representações Sociais da Política não
podem ser encaradas como definitivamente realizadas, pois estão em permanente disputa.
Assim, mesmo a leitura destas pesquisas não pode ser feita de forma isolada, mas de modo
combinado, seqüencial e em relação com uma investigação do contexto político, (das
movimentações no Estado e na sociedade civil, da situação econômica, etc), e das reservas
políticas, ideológicas, organizativas e materiais das forças políticas em disputa. Inclusive de seu
poder de influência sobre a mídia (Almeida, 2000).
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Assim, estes levantamentos podem permitir uma compreensão mais rigorosa das
Representações Sociais da Política (e, portanto, da própria realidade política como um todo),
se sua leitura for feita com uma análise que contemple o estudo da conjuntura (Gramsci,
1978Fiore 3003 enquanto um todo, ou seja, que inclua mesmo aqueles elementos do contexto
(social, econômico, político, cultural) que podem interferir no processo político mas (ainda)
não aparecem representados nas Representações Sociais da Política conjunturalmente
identificadas.
Representações Sociais da Política, Cenário de Representação Midiático da
Política, estrutura e conjuntura
Por isso, é preciso destacar esta diferença entre a análise da conjuntura política
(Gramsci, 1978 e Fiori, 2003) como um todo e o estudo das Representações Sociais da
Política conjunturalmente presentes. A análise da conjuntura abarca a realidade de modo mais
amplo, pois não se limita à forma como a política está sendo representada em determinado
momento. Precisa estudar o conjunto dos atores que estão fora da cena pública. Que estão nos
bastidores, mas que também podem vir a entrar em cena ou influenciar os atores que nela
estejam aparecendo. Ou seja, atores que não estão visíveis nas Representações Sociais da
Política, além das bases infraestruturais e superestruturais mais permanentes e que incidem,
condicionam ou potencializam ações dos atores políticos.
Portanto, não se pode dizer que um “cenário de representação da política” constitui a
própria realidade; ou que as representações sociais constituem a própria realidade; ou ainda
que o “cenário de representação da política” “construído nos e pelos mídia, define e delimita o
próprio espaço da realidade política no mundo contemporâneo”, como faz Lima (1996), a
partir de uma formulação midiacêntrica. O conceito desenvolvido por este autor, importante
por trazer o debate sobre a importância específica da existência de uma representação da
política (definida por ele como Cenário de Representação da Política, CR-P), acaba se
restringindo às representações da política construídas na e pela mídia (e particularmente nos
programas de maior audiência dos principais canais de TV) desconsiderando na prática os
demais fatores de construção das Representações Sociais. Portanto, o que este autor define
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como sendo o CR-P, seria melhor chamado de “Cenário de Representação Midiático da
Política”. Assim, as Representações Sociais da Política, fazem parte da realidade e têm uma
grande importância simbólica (e política real), pois é o ambiente simbólico no qual a disputa
política se desenvolve. Por isso, a sua identificação é importante num processo de disputa
política. Enfim, as Representações Sociais da Política conjunturalmente identificadas na
recepção, ou na chamada “opinião pública”, cria limites reais à ação política e à aceitação dos
discursos dos candidatos, mas podem ser alterados, se, em tempo hábil, entra em cena uma
força real maior que a representação (Almeida, 2000).
Nenhum survey isolado e nem mesmo um conjunto de levantamentos pode ser capaz de
identificar todos os elementos, variáveis e fatores que estejam presentes nas Representações
Sociais da Política. Mas é possível identificar seus principais elementos constitutivos
hegemônicos e contra-hegemônicos, as correntes de opinião presentes, sua base social, etc.
A leitura do “Cenário de Representação Midiático da Política”, ou seja, das
representações da política que estão sendo construídas na mídia, especialmente nos programas
de maior audiência da TV, pode ser assim um ponto de partida importante para a identificação
de Representações Sociais possíveis de serem construídas socialmente (ou realizados),
inclusive pela mídia. Esta combinação, poderia compor um conjunto de informações
necessárias para uma análise das relações de força a partir da compreensão do grau de
homogeneidade e coerência dos vários grupos sociais e para aumentar a capacidade de
previsão, no sentido gramsciano, de ver bem o presente e o passado em movimento,
distinguindo os elementos fundamentais, permanentes e conjunturais do processo e o potencial
da intervenção das vontades (próprias e dos outros) na realidade (Gramsci, 1978), para uma
possível alteração da correlação de forças e da conjuntura política.
Portanto, as chamadas “pesquisas de opinião” (tanto os surveys quantitativos quanto as
diversas técnicas de qualitativas), são instrumentos valiosos e indispensáveis para a
compreensão da realidade política, pois são os melhores instrumentos para a captação de uma
parcela fundamental desta realidade que são as Representações Sociais da Política.
Como afirma Champagne, uma técnica por si só não é uma ciência, mas trabalhada num
projeto rigoroso de pesquisa, os seus resultados podem ser utilizados para a construção teórica
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em estudos científicos sobre uma situação política (e sobre comunicação e política em
particular). Por outro lado, estes dados também podem ser utilizados para a aplicação prática
(muitas vezes imediata) na elaboração do marketing político e político-eleitoral, assim como
também para quem, mais do que isto, pretende fazer uma disputa de hegemonia de médio e
longo prazos (Almeida, 1997).
Portanto, uma coisa é a crítica do processo de produção e divulgação das “sondagens
de opinião” feito por certos institutos e empresas midiáticas, outra coisa é como cada um que
se coloca numa situação, acadêmica ou de ator político mais direto (por exemplo, na direção
de uma campanha eleitoral), irá captar e/ou interpretar estes dados.
Uma pesquisa “de opinião”, pode não prever uma crise econômica, mas um cientista,
ou um analista, ou um dirigente político, ou um marqueteiro, deve estudar a conjuntura
econômica e ter uma posição sobre a possibilidade de uma crise. Só assim poderá verificar a
possibilidade de haver alterações nas Representações Sociais, nas opiniões do público, nas
intenções de voto do eleitor, no momento em que a crise ocorrer. Mas, para isto, ele precisa
dos dois instrumentos: da pesquisa que estuda as opiniões do eleitorado e o “clima político”
naquele momento (ou seja, as Representações Sociais da Política) e da análise econômica e de
outros elementos da conjuntura política (e das forças que podem interferir no processo
econômico e sua repercussão), para então poder avaliar as possibilidades de ocorrer um "efeito
de politização" sobre o público. Da mesma maneira, precisam conhecer fazer este estudo
considerando a segmentação social, para analisar a possibilidade de crescimento de uma
"opinião mobilizada" (de segmentos mais influentes).
Também é importante analisar a conjuntura como um todo para conhecer a "opinião
mobilizada" de determinados líderes ou grupos políticos, econômicos ou midiáticos mais
definidos, ou certos grupos de pressão conhecidos, ou movimentos sociais, etc. Assim, uma
leitura contextualizada de pesquisas bem elaboradas, pode prever também a possibilidade de
evolução de "opiniões latentes". Aquilo que Bourdieu chama de “disposição” ou “opinião no
estado implícito” e despreza por considerá-la uma “não opinião”, mas que Monique Augras
chama de opinião latente ou estática, mas que pode se tornar dinâmica, pode ser muito
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importante na investigação das Representação Sociais da Política e o potencial de novas
correntes de opinião surgirem e ganharem força.
Neste sentido, saber como pensa, age e reage a população, é cada vez mais
imprescindível para a definição de estratégias para a disputa política nos dias de hoje. Isto pode
ser feito de várias maneiras, seja através dos instrumentos disponíveis de informação e
formação política de modo geral, seja no cotidiano do contato com a população. Neste
sentido, partidos e outros agrupamentos e organizações que tenham uma real presença e
inserção nos mais diversos espaços da sociedade e do Estado, têm condições de melhor
perceber lógicas estruturais do pensamento e tendências conjunturais hegemônicas, emergentes
ou residuais (Williams, 1979). Portanto, terão melhores condições de incidir sobre a realidade
favorecendo aos seus objetivos táticos ou estratégicos, especialmente se conseguem organizar
estas informações e analisa-las no seu conjunto e nas suas particularidades, sem deixar que o
particular ganhe ares de universal nem que o global obscureça as especificidades de cada
segmento social e outras particularidades. Também é válido o uso de outros métodos
alternativos (Freire, 1981), militantes e participantes (Gajardo, 1986).
Mas, por mais perfeito que seja este trabalho, nada terá condições de substituir o papel
cumprido pela utilização das chamadas “pesquisas de opinião”. É claro, se feitas
metodologicamente corretas e se lidas e interpretadas de modo a se enxergar aquilo que é mais
importante - e que mais permite melhorar uma situação de disputa - ou as tendências em
andamento e fatos novos que, diante de certas condições preexistentes, possam até mesmo
provocar grandes alterações.
Além disso, sua leitura também deve pressupor que a sociedade não é um ente
uniforme, mas composta de segmentos distintos que pensam e reagem de maneira diferente.
Classes sociais, com inserção específica nas relações de produção e grupos com renda e
padrões de consumo de bens e de serviços públicos específicos, pertencentes à população
economicamente ativa ou não. Mas que tem diferenças também de sexo, idade, escolaridade
formal, raça e religião. Que vivem em estados e regiões diferentes, na capital ou interior, em
grandes, médios ou pequenos municípios. E que tem interesse maior ou menor pela política
com preferência ou não por algum partido.
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