XXIX Encontro Anual da ANPOCS, GT 11 - “Mídia, Política e Opinião Pública”, Representações Sociais da Política e Cenário de Representação Midiático da Política Jorge Almeida Caxambu, 25 a 29 de outubro de 2005 Representações Sociais da Política e Cenário de Representação Midiático da Política Jorge Almeida* Introdução Neste texto trabalhamos os conceitos de “Representações Sociais”, e da chamada “Opinião Pública” segundo diversos autores. Esta abordagem será feita discutindo a influência política da mídia sobre a sociedade, ou o que tem sido chamado de “público”, “cenário de representação”, “representações sociais”, “representação coletiva”, “ideologia” ou “senso comum”, entre outras tentativas conceituais. Para isto, utilizaremos também conceitos que procuram explicar a relação entre discurso e recepção midiáticos, particularmente vinculados aos estudos culturais. A hipótese apresentada é a de que o conceito que pode melhor expressar o que comumente se chama de “opinião pública política”, é o de “Representações Sociais da Política”, sendo a “opinião” um dos elementos destas. Por outro lado, a mídia não será necessariamente ou sempre a principal responsável pelas representações da política predominantemente identificadas na sociedade. Isto porque estas têm contradições e tanto podem ser influenciadas por outras instâncias do bloco de poder, como passam por diversas mediações sociais e culturais, inclusive resistentes ou opostas ao discurso hegemônico. Vivemos hoje numa realidade onde a disputa de opiniões e outras representações não se faz a partir de pressupostos da busca racional de um bem comum de caráter universal, mas a partir de interesses sociais e políticos contraditórios e mesmo antagônicos. Disputa que se faz com base na ação estratégica. Cada segmento social e político se utilizará, assim, dos vários meios possíveis para convencer, formar opinião ou até mesmo impor sua vontade. Não só mídia e marketing estarão envolvidos, como também organizações estatais e da sociedade * Trabalho apresentado no XXIX Encontro Anual da ANPOCS, GT 11 - Mídia Política e Opinião Pública. Caxambu, 25 a 29 de outubro de 2005. Jorge Almeida é Professor Adjunto do Departamento de Ciência Política da UFBA e Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Facom-UFBa. E-mail: [email protected] . 2 civil, além do poder econômico. Daí ser indispensável também a utilização do conceito de hegemonia, a partir de Gramsci. Representações Sociais e Política Segundo Robert M. Faar (2002) “a Teoria das Representações Sociais é uma forma sociológica de psicologia social”, que surge a partir da publicação de La Psychanalyse: Son image et son public”, por Serge Moscovici em 1961. Este, por sua vez reconhece que “o conceito de representação social ou coletiva nasceu na sociologia e na antropologia. Foi obra de Durkheim e de Lévi-Bruhl. Nessas duas ciências ele serviu de elemento decisivo para a elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico. Poderia acrescentar que ele desempenhou um papel análogo na teoria da linguagem de Sausurre, na teoria das representações infantis de Piaget, ou ainda do desenvolvimento cultural de Vigotsky. E, de certo modo, este conceito continua presente neste tipo de teorias”. (Moscovici, 2002). Este autor ainda destaca a importância desta teoria pelo papel que confere “à racionalidade da crença coletiva e sua significação, portanto às ideologias, aos saberes populares e ao senso comum”. Por outro lado, também ressalta que o conceito “supõe conflito entre individual e coletivo”. Porém, segundo Pedrinho Guarechi, ao tempo em que também admite que “existe uma clara continuidade entre o estudo das representações coletivas de Durkheim e o estudo mais moderno de Moscovici sobre as representações sociais” acrescenta que, “Moscovici pensou com Durkheim e contra ele”, dando-se conta de que na “sociologia durkeiniana havia o perigo implícito de esquecer que a força do que é coletivo (Durkheim sugeriu o termo de Representações Coletivas) encontra a sua mobilidade na dinâmica social, que é consensual, é reificada, mas abre-se permanentemente para os esforços de sujeitos sociais, que o desafiam e se necessário o transformam”. Neste sentido, a teoria da representações sociais, permite o questionamento, a “busca do novo, lá mesmo onde o peso hegemônico do tradicional impõe as suas contradições”. Assim, Guarechi e Jovchelovitch (2002) salientam que “o fenômeno das representações sociais, e a teoria que se ergue para explicá-lo, diz respeito à construção de saberes sociais e, 3 nessa medida, ele envolve a cognição. O caráter simbólico e imaginativo desses saberes traz à tona a dimensão dos afetos, porque quando os sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles também o fazem com emoção, com sentimento e com paixão. A construção da significação simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato afetivo. Portanto, para este autores, as representações sociais, não se restringem ao elemento racional pois “tanto a cognição como os afetos encontram a sua base na realidade social. O modo mesmo da sua produção se encontra nas instituições, nas ruas, nos meios de comunicação de massa, nos canais informais de comunicação social, nos movimentos sociais, nos atos de resistência e em uma série infindável de lugares sociais”. Pois é no contato com estes elementos e com os mitos e a “herança histórico-cultural de suas sociedades que as representações sociais são formadas”. Por outro lado, “os meios de comunicação de massa, particularmente, têm sido um objeto de estudo para a teoria. Em sociedades cada vez mais complexas, onde a comunicação cotidiana é em grande parte mediada pelos canais de comunicação de massa, representações e símbolos tornam-se a própria substância sobre as quais ações são definidas e o poder é – ou não – exercido” (Guarechi e Jovchelovitch, 2002). Faar (2002) agrega que o termo “Representações Sociais” e não o usado por Durkheim é mais adequado especialmente em sociedades modernas e as contemporâneas pois estas “são caracterizadas por seu pluralismo e pela rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e culturais que ocorrem. Há, nos dias de hoje, poucas representações que são verdadeiramente coletivas”. Por outro lado, “o fato de que assuntos tenham sido divulgados através da mídia é uma ocasião propícia para que se possa estudá-los empiricamente através de escalas de atitude, pesquisas de opinião, questionários etc.” Por outro lado, para Sandra Jovchelovitch (2002), “a esfera pública, enquanto lugar da alteridades, fornece às representações sociais o terreno sobre o qual elas podem ser cultivadas e se estabelecer”. Esta autora afirma também que “desde uma perspectiva histórico-crítica, o social geralmente tem sido as condições concretas de vida, que envolvem desde relações 4 sociais de produção até mecanismos institucionais de várias ordens” mas ela destaca também a dimensão do espaço público na construção de significados. Para Minayo (2002), “Representações Sociais é um termo filosófico que significa a reprodução de uma percepção retida na lembrança ou do conteúdo do pensamento. Nas Ciências Sociais são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a”. Ela procura demonstrar que autores clássicos como Durkheim, Marx e Weber, procuram, usando conceitos diferentes, responder à questão, sendo que esta autora também reconhece que, “do ponto de vista sociológico, Durkheim é o autor que primeiro trabalha explicitamente o conceito de Representações Sociais. Usado no mesmo sentido de Representações Coletivas, o termo se refere a categorias de pensamento através das quais determinada sociedade elabora e expressa a realidade”. E acrescenta que “na concepção de Durkheim, é a sociedade que pensa. Portanto, as representações não são necessariamente conscientes do ponto de vista individual. Assim, de um lado, elas conservam sempre a marca da realidade social onde nasceram, mas também possuem vida independente, reproduzem-se e se misturam, tendo como causas outras representações e não apenas a estrutura social”. De fato Durkheim (1990) afirmava que “o que importa saber não é a maneira pela qual tal pensador concebe individualmente determinada instituição, mas sim a concepção que dela formula o grupo; somente esta concepção é socialmente eficaz”. Neste sentido, acrescenta que “parece-nos inteiramente evidente que a matéria da vida social não é possível de se explicar por fatores puramente psicológicos, isto é, por estados individuais de consciência. Com efeito, o que as representações coletivas traduzem é a maneira pela qual o grupo se enxerga a sim mesmo nas relações com os objetos que o afetam. Ora, o grupo está constituído de maneira diferente do indivíduo, e as coisas que o afetam são de outra natureza”. Durkheim estava preocupado em demarcar com uma concepção da psicologia baseada primeiramente no indivíduo quando afirma que “para compreender a maneira pela qual a sociedade se vê si mesma e ao mundo que a rodeia, é preciso considerar a natureza da sociedade e não a dos indivíduos”. Este autor considerava ainda que “quanto às leis da ideação coletiva”, havia uma completa ignorância e acrescenta que “seria necessário procurar, através 5 da comparação dos temas míticos, das lendas e das tradições populares, dos idiomas, de que modo as representações sociais se atraem e se excluem, fusionam-se umas com as outras, ou se distinguem, etc” (Durkheim, 1990). Minayo também destaca que Weber também esteve preocupado com a questão das representações sociais, mesmo que utilizando outros termos como “idéias, espírito, concepções, mentalidade, usados muitas vezes como sinônimos. E trabalha de forma particular a noção de visão de mundo. Para ele, a vida social – que consiste na conduta cotidiana dos indivíduos – é carregada de significação cultural. Essa significação é dada tanto pela base material como pelas idéias, dentro de uma relação adequada, em que ambas se condicionam mutuamente” (Minayo, 2002). Uma outra maneira de encarar a questão das representações sociais, está no conceito de ideologia utilizado Marx. Para este autor, “a consciência é, pois um produto social e continuará a sê-lo enquanto houver homens. A consciência é, antes de tudo, a consciência do meio sensível mais imediato e de uma relação limitada com outras pessoas e outras coisas situadas fora do indivíduo que toma consciência”. Evidentemente, Marx não está levando em conta o papel dos contemporâneos meios de comunicação de massa, que permitem uma televivência com fatores que não estão fisicamente tão próximos do indivíduo, mas o que importa destacar aqui é a noção do ambiente externo na constituição das representações ideológicas dos indivíduos e a força material e intelectual da classe economicamente dominante. Isto porque, ainda segundo este autor, os pensamentos desta classe “são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a que são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as idéias de seu domínio” (Marx, sd). 6 Mas, como destaca Minayo, se Marx coloca a realidade material condicionando as idéias, ele vê esta relação de modo dialético pois “se as circunstâncias fazem os homens, os homens também fazem as circunstâncias” (Minayo, 2002), elementos também presentes em várias outras passagens de suas obras, quando discute o papel do sujeito revolucionário. Gramsci, a partir de Marx mas de modo criativo, entendeu as representações sociais como sendo concepções de mundo, “filosofias”, de uma época histórica. Ele vê a necessidade de voltar a preocupação com o estudo tanto “para as concepções de mundo das grandes massas, para a dos mais restritos grupos dirigentes (intelectuais) e, finalmente, para as ligações entre estes vários complexos culturais e a filosofia dos filósofos”. Isto porque para este autor, “a filosofia de uma época não é a filosofia deste ou daquele filósofo, deste ou daquele grupo de intelectuais, desta ou daquela grande parcela das massas populares: é uma combinação de todos estes elementos, culminando em uma determinada direção, na qual sua culminação torna-se norma de ação coletiva, isto é, torna-se história concreta e completa (integral)” (Gramsci, 1978). Entretanto, Gramsci chama a atenção para uma outra questão importante para o estudo das representações sociais, quando afirma que esta “filosofia” ou “concepção de mundo”, pode ser distinguida “em todos os seus diversos graus: como filosofia dos filósofos, como concepções de grupos dirigentes (cultura filosófica) e como religiões das grandes massas; e pode-se ver como, em cada um destes graus, ocorrem formas diversas de combinação ideológica” (Gramsci, 1978) Mary Jane Spink (2002), ressalta que a representações sociais são formas de conhecimento prático e seu estudo pode ser entendido também como forma de estudar o conhecimento do senso comum, entendendo-o como, além legítimo, importante nas transformações sociais. Neste sentido, ainda, do ponto de vista metodológico, as respostas individuais em pesquisas, não devem ser vistas como manifestação de um indivíduo isolado, mas “enquanto manifestações de tendências do grupo de pertença ou se afiliação na qual os indivíduos participam”. Esta questão metodológica vai estar presente também em Wolfgang Wagner (2002), quando destaca que, sendo o conceito de representações sociais multifacetado, ao mesmo 7 tempo que estas são concebidas “como um processo social” elas são identificadas operacionalmente, como “atributos individuais”. A partir da conceituação mais geral de Representações Sociais aqui apresentada, entenderemos “Representações Sociais da Política” como o esforço específico para entender e identificar os elementos mais propriamente relacionados à política presentes nas Representações Sociais. A opinião pública política hoje, as técnicas de aferição e seu uso nos estudos científicos e no marketing político. Monique Augras (1978) vê o conceito de opinião pública como um conceito histórico e ligado à prática política. Identifica uma opinião pública da ágora da Polis grega que orienta a tomada de decisões em Atenas, mas de um público formado apenas pelos cidadãos, ou seja, afora os escravos e as mulheres. Semelhante era o caso da Vox Populi no fórum da república romana, onde a "voz do povo" era apenas de uma parte do povo. Na idade média, há também o conceito de Consensus Omminium, ou "acordo de todos". Mas de todos os nobres e buscando o apoio do povo para as Cruzadas, e com exceção dos hereges, que expressavam uma opinião crítica também de forma religiosa. O Renascimento e a Reforma vão consolidando a idéia da existência de uma opinião crítica que tem um importante papel entre os intelectuais da Revolução Francesa de 1789 que, no seu calendário, criou, ao lado da "Festa da Razão", a "Festa da Opinião". "As proclamações republicanas assim principiavam: 'O Povo decidiu'. Lastimavelmente, quanto mais se falava em decisão popular, menos se votava. A opinião expressava a voz do grupo que estava no poder" (Augras, 1978). Da revolução industrial aos dias de hoje, ao lado do desenvolvimento dos meios de comunicação, o sufrágio foi se ampliando para atingir a toda a população, e se fortaleceram as técnicas de cortejamento ou manipulação da opinião pública, a ponto de alguns autores norteamericanos chegarem a considerar as sondagens de opinião como uma nova forma de democracia. Essa opinião não é necessariamente uma opinião pública. Mas, se é individual, é também um fenômeno social e pode ser latente ou estática (disposição latente a determinado 8 assunto), ou dinâmica, como opinião manifesta, que pode partir de uma opinião latente e se transformar em correntes de opinião que podem subsistir por um certo tempo, se enfraquecer, ligar-se a outras opiniões latentes e voltar a se expressar de forma dinâmica de outra forma. Em cada formação social, a importância na formação da opinião de grupos primários (como a família) ou secundários (característicos de sociedades mais complexas), contribui para a ambigüidade do conceito de opinião pública, que pode se expressar de modo mais consciente, racional ou emocional transformando a disputa de opiniões numa espécie de guerra, onde o campo de batalha "é a alma de cada um desses indivíduos que, por pertencer a diversos grupos, às vezes antagônicos, sente-se inseguro, dividido, angustiado" (Augras, 1978). Assim, esta autora acaba preferindo, ao invés de falar de uma opinião pública como algo permanente e monolítico, entende-la como um processo permanente de formação de correntes de opinião (que podem se expressar de várias formas, desde o boato até a eleição), sendo o seu estudo, o estudo do aparecimento da opinião dinâmica. Porém, as técnicas quantitativas de conhecimento da opinião pública identificam "num momento preciso, o estado da opinião", mas não explicam "por que aparece um movimento de opinião, como se estrutura, como evolui". Para isso, é preciso estudar os fatores que influem a formação da opinião entre os quais distinguem-se os psicológicos, os sociológicos e os circunstanciais. Concordando com a autora, acrescentaríamos que a combinação de vários levantamentos quantitativos podem contribuir com o estudo da evolução e a utilização de técnicas qualitativas aprofundar o estudo dos fatores que interferem na formação de correntes e constituição de um estado de opinião. Apesar do tom de degradação completa da esfera pública burguesa, presente na principal obra de Habermas (1984), no final desta este autor ainda vê a possibilidade de reconstrução de uma esfera pública, pois não existiria somente a “publicidade demonstrativa e manipulativa” (que teria levado ao fim da “opinião pública” e ao surgimento de uma “opinião não-pública, ou seja, uma opinião privada imposta ao público), mas também uma “publicidade crítica” que disputa com esta. Mas a condição de existência de uma autêntica esfera pública politicamente ativa, é a sua auto-geração, instituição e concorrência com a decadente esfera pública política burguesa demonstrativa e manipulativa. Em suas obras posteriores, Habermas 9 (1975, 1980, 1987, 1994 e 1995) continua buscando uma “esfera pública autêntica” e vendo, como condições de sua existência, a sua origem não-burguesa e sua “auto-geração”, instituição a partir de sujeitos sociais solidários e sua concorrência com o sistema e a publicidade não crítica1 . Para Michel Thiollent (1980) "na prática de pesquisa marcada pelo empiricismo, a preocupação do sociólogo é voltada para a obtenção e processamento de dados sem suficiente problematização das condições dos mesmos. Satisfaz-se com uma rudimentar distinção entre fato e opinião. Os dados seriam apenas elementos de descrição de um fato ou de verbalização de uma opinião. As condições sociais da verbalização e as condições de produção das opiniões, que variam consideravelmente em função das classes ou das conjunturas, não são levadas em consideração". Portanto, "além das limitações internas dos procedimentos, é preciso levar em conta o contexto social no qual são utilizados e que lhes confere uma certa 'validade' a nível da obtenção de dados e de interpretação dos resultados". Para Champagne (1998) uma postura científica deve "determinar em quais condições é possível utilizar, no quadro de uma pesquisa, os numerosos produtos coletados por esses procedimentos de enquête, mostrando que, em si, não existem boas ou más pesquisas, mas somente interpretações apropriadas ou errôneas dos dados coletados. Essa crítica das sondagens de opinião pública não é somente útil, de um ponto de vista metodológico ou epistemológico, mas também é necessária porque, atualmente, essa prática constitui um dos obstáculos para a própria sociologia. As sondagens de opinião que se limitam a formalizar, com aparência de ciência, o senso comum político, representam, atualmente, uma nova imagem da ciência social que deve toda a sua força ao fato de que corresponde aos mais imediatos interesses políticos de numerosas parcelas da classe dominante, em especial, nos meios políticos e jornalísticos". 1 Em um de seus textos mais recentes, Habermas (1996) “vai valorizar a existência histórica da esfera pública plebéia e, por outro lado, reforçar o papel do receptor (a partir da leitura de Stuart Hall, 1980) segundo o qual, além de leituras dominantes do código da produção midiática, pode haver também uma leitura negociada ou oposicionista. Mesmo que as duas primeiras estejam dentro do campo do discurso hegemônico, a existência da leitura oposicionista e mesmo da negociada, abre espaço para a construção de alternativas políticas contrahegemônicas. Assim, estas duas revisões, vão deixar mais claro a sua posição de construir uma esfera pública autêntica a partir de novos sujeitos sociais solidários e em contraposição ao Estado burocrático e o capital (Almeida, 1999). 10 Para ele, uma técnica de pesquisa por si só não é uma ciência, apesar de atualmente a amostragem representativa ser "bastante bem controlada por esses institutos". Por outro lado, estas sondagens são "dispositivo que visa coletar as opiniões dos indivíduos", mas não somente opiniões, como também intenção de votos, estimativas (no caso de boca de urna), popularidade de líderes, atitude diante de certos temas, audiência de canais de TV e rádio, comportamentos (como sexuais e outros) e questões morais e éticas. Reginaldo Prandi (1979) destaca que o uso da pesquisa quantitativa não é obrigatório nas ciências sociais de modo geral, ou seja, tanto nos estudos de “fatos” como de “opiniões” alertando que "a quantificação não garante por si nenhum resultado satisfatório. Pretender fazer da ciência social uma disciplina atrelada à quantificação implicaria necessariamente abandonar ao léu os problemas e aspectos da sociedade que nunca poderiam ser submetidos às regras da quantificação". Por outro lado, os dados empíricos levantados não são auto-explicativos. Importantes estudiosos tem se utilizado de dados quantitativos, mas não sem razões claras para fazê-lo, ou seja, demonstrar, através de números, características e situações concretas da realidade analisada, "mas análises previamente amparadas, primeiro pela concepção que tinham da sociedade, segundo pela necessidade de demonstrar hipóteses decorrentes dessas próprias concepções. Quero dizer com isto que se o pesquisador não dispõe de um plano interpretativo prévio para os seus dados, os seus dados nada poderão fazer por ele. E, mas ainda, nenhuma tabela, nenhum teste de significância estatística, nenhum coeficiente de correlação, etc, etc, é capaz de substituir ou produzir uma teoria. Podem, é verdade, alimentar a imaginação criadora do pesquisador e levá-lo adiante, obrigando-o muitas vezes a reformular posições interpretativas previamente estabelecidas. Nunca, porém, como ponto de partida" (Prandi, 1979). Nesta linha de interpretação de dados, também encontramos Minayo (1995), que afirma que "a metodologia inclui as concepções teóricas da abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador". De acordo com esta autora "o endeusamento das técnicas produz ou um formalismo árido, ou respostas estereotipadas. Seu desprezo, ao contrário, leva ao empirismo sempre ilusório em 11 suas conclusões, ou a especulações abstratas e estéreis". Isto porque "a teoria é um conhecimento de que nos servimos no processo de investigação como um sistema organizado de proposições, que orientam a obtenção de dados e a análise dos mesmos, e de conceitos que veiculam o seu sentido". São, assim, explicações parciais da realidade que também "iluminam a análise dos dados organizados, embora não possam direcionar totalmente essa atividade, sob pena de anulação da originalidade" da pesquisa. Segundo Pierre Bourdieu (1980-a), "a opinião pública não existe, pelo menos na forma que lhe atribuem os que têm interesse em afirmar sua existência”. Considera ele, entretanto, que existem, “por um lado, opiniões mobilizadas, opiniões constituídas, grupos de pressão mobilizados em torno de um sistema de interesses; e, por outro lado, disposições, isto é, a opinião no estado implícito, que, por definição, não é opinião se com isso se compreende algo que pode ser formulado em discurso com certa pretensão à coerência." Entretanto, apesar de admitir, como vimos acima, a existência de vários tipos de “opiniões” acaba concluindo: "Digo simplesmente que a opinião, no sentido da definição social implicitamente admitida pelos que fazem sondagens de opinião, não existe" (Bourdieu, 1980-a). Bourdieu afirma também que toda pesquisa de opinião supõe que as pessoas tenham uma opinião, ou seja, que possam produzir uma opinião; que todas as opiniões são equivalentes; pressupõe que exista um consenso sobre os problemas e portanto sobre as perguntas feitas na sondagem. Ele acha também que as sondagens criam a ilusão de que existe uma opinião pública, quando na realidade se trataria de uma somatória de opiniões individuais. Ou mesmo, em certos casos, de "tomadas de posição particulares" diante de "opções" colocadas por quem pergunta. Neste caso, "a interrogação politicológica mede não a opinião política, mas a aptidão para produzir o que se entende por opinião política" (Bourdieu, 1980b). Acrescenta ainda que, quando um jornal dá uma manchete dizendo que 60% das pessoas são a favor ou contra alguma coisa, isto dissimula "que o estado de opinião num certo momento é um sistema de forças, de tensões e que não existe nada mais inadequado para representar o estado da opinião do que uma porcentagem" (Bourdieu, 1980-a). 12 Consideramos que Bourdieu está correto quando diz que o “estado de opinião” é um sistema de forças e tensões - que Gramsci (1978) chamaria de hegemonia (a qual pressupõe a contra-hegemonia) - portanto é uma situação que pode ser mudada. Entretanto, não entendemos ser possível compreender este “estado de opinião” do qual ele fala, se não sabemos o que as pessoas pensam, anseiam, desejam, intencionam ou imaginam em determinados momentos. E, somente assim, poderemos entender como os diversos atores podem interferir e mesmo alterar este estado de opinião. E se queremos identificar melhor a realidade, precisamos compreender que tanto a existência deste tipo de opinião num determinado momento, como a divulgação destes resultados através da mídia, também já estão fazendo parte da formação da opinião (seja ela menos ou mais racional; bem ou mal informada; resultado de um debate público ou somatório de opinião pessoais). Por outro lado, a identificação, por segmento social e escolaridade, por exemplo, da distribuição destas opiniões, pode mostrar também tendências de manutenção, de fortalecimento ou de alterações destes percentuais. É ainda Prandi2 quem afirma que estas pesquisas são importantes pois através delas é possível antecipar “no decorrer das campanhas, o ânimo dos eleitores e seu envolvimento”, acrescentando que “é através dela (pesquisa) que os candidatos e partidos se reconhecem e medem sua capacidade de expansão”. Por outro lado, este autor também considera que além da função de orientação política dos candidatos e partidos em campanhas, as pesquisas podem ser úteis para abordagens mais aprofundadas, em estudos sobre “a formação de tendências eleitorais, grupos, maiorias ou minorias e também os perfis sociais das bases dos partidos”. Além disso, ele destaca que a pesquisa eleitoral é necessariamente quantitativa, pois é baseada na natureza quantitativa da eleição: “eliminado o voto de qualidade e de intensidade, só resta contar, e aí cada eleitor é uma unidade e os resultados são necessariamente numéricos”. 2 As citações de Prandi, a seguir, fazem parte de artigo seu publicado na Folha de S. Paulo (12/09/98), durante polêmica sobre as pesquisas eleitorais com Marilena Chaui, cujos trechos foram reproduzidos por Thiollent (1989). 13 Representações sociais da política e mídia: recepção e mediações sociais Stuart Hall (1980) identifica um processo de codificação e decodificação, nos três momentos da comunicação: produção, emissão e recepção. Neste processo, há sempre uma representação como resultado da prática discursiva. Os significados dominantes não são determinantes, mas são preferenciais. Ou seja, não quer dizer que terão obrigatoriamente o mesmo significado na recepção pois não existe uma correspondência necessária entre codificação e decodificação, apesar da primeira tentar dirigir a segunda. Mas, a não ser em casos de comunicação incompetente, a codificação tende a construir os parâmetros para a decodificação. Portanto, não há comunicação perfeitamente transparente, mas também não ocorrem (a não ser em casos excepcionais) leituras absolutamente autônomas dos indivíduos. Nesta linha, existem três possíveis decodificações mais gerais das mensagens midiáticas: 1) Hegemônica-dominante, com o mesmo significado que tem na codificação. 2) Uma leitura negociada da ideologia dominante, quando a decodificação se faz a partir dos mesmos códigos da codificação e não os contesta globalmente, mas em termos concretos faz uma interpretação própria a partir de experiências e interesses locais, podendo rejeitar parcialmente o discurso hegemônico. 3) De oposição, quando o receptor faz a leitura a partir de referências próprias, alternativas e não hegemônicas. Porém, uma leitura negociada pode passar a decodificar de modo oposicionista, pois há uma luta pela significação de determinados códigos. Isto tem relação com sua concepção de influência gramsciana de "guerra de posições cultural" (Hall, 1996) e de mediação cultural e de cultura “como um campo de batalha constante” onde sempre se disputam posições estratégicas (Hall, 1984). Outros autores também relativisam o poder dos mídia e questionam o conceito de midiacentricidade. Michel de Cereal (1994), parte da idéia de que há uma produção da TV e uma da recepção onde o receptor vai estabelecer um novo contrato de interlocução. MartinBarbero (1997), afirma que é preciso “abandonar o mediacentrismo” já que os mídia estariam perdendo a sua especificidade e se integrando a “sistemas de maior envergadura, como o econômico, social e político”. Orozco (1997) afirma o caráter das sociedades atuais como midiáticas, onde a informação se converteu em mercadoria e a comunicação é um espaço do Bloco de Poder, “onde se gera, ganha ou perde poder”. Assim, a aliança dos meios não é 14 com a audiência, mas com o Bloco de Poder. Mas, no contexto da midiatização há uma complexificação das mediações que entram em jogo “e o resultado é uma apropriação concreta, ou um uso determinado, ou uma resistência específica, ou uma contraproposta aos referentes midiáticos”. Portanto, a midiatização da sociedade contemporânea deve ser vista como um processo em que amplia-se e aprofunda-se a sua importância econômica e sua extensão e alcance territorial, assim como de que a TV tem dominância entre os mídia; em que as alterações da configuração espaço-temporal (Harvey, 1992 e Rubim, 1998) fortalecem o seu papel de provocar mudanças nos padrões cognitivos e culturais, caracterizando a sociedade contemporânea como sendo ambientada pelos mídia. Se há uma centralidade, é no sentido de que a sociabilidade contemporânea passa necessariamente pelos mídia pois a realidade se constrói através de uma mesclagem "da vivida experiência e da contemporânea televivência" (Rubim, 1994-b). Mas, se os mídia fazem parte do Bloco de Poder, isto não significa que não tenha que abrir espaços, (como, aliás, o próprio Estado tem que abrir) e, muito menos, que todo o seu discurso tenha que ser aceito pela audiência/cidadania, da mesma forma que o discurso e o projeto político do núcleo dominante do Estado e do poder econômico, também não são necessariamente aceitos. Sendo assim, a mídia é um elemento fundamental e indispensável para se estudar e entender a formação e contradições presentes nas Representações Sociais da Política, mas não como seu único ou sempre principal instrumento definidor dos seus conteúdos. Mídia, hegemonia e Bloco Histórico Sendo as Representações Sociais da Política parte do hegemônico, é necessário delimitar melhor este conceito. Para Gramsci, hegemonia é uma combinação de dominação e liderança ou direção moral, política e intelectual, exercida através do consentimento e da força, da imposição e da concessão, de e entre classes e blocos de classes e frações de classe. Esta pode se dar de forma ativa, como vontade coletiva, ou se manifestar de forma passiva, através de um apoio disperso ao grupo dirigente/dominante. Para Gramsci, ainda, a hegemonia se 15 constrói a partir da sociedade civil e de suas diversas instituições e do Estado. Assim, a hegemonia sempre terá um certo grau de instabilidade, pois pressupõe a existência de forças contrárias que, de algum modo, resistem a esta hegemonia, podendo propor projetos alternativos. Por outro lado, a hegemonia é especialmente tensionada, instável e precária em formações sociais com grandes contradições sociais como a brasileira. Tudo isto mostra, portanto, que a discussão sobre a midiacentricidade requer maior aprofundamento. Por um lado, como vimos, não podemos descartar o importante papel das mediações culturais, sociais e políticas da sociedade. Por outro lado, porque talvez os mídia sejam melhor entendidos não como uma instituição à parte, com uma centralidade política própria, acima das demais, mas como parte integrante do Bloco de Poder, constituído também pelas principais instâncias do Estado, do poder econômico e de parcela da sociedade civil. Mostra também que o conceito de Representações Sociais da Política precisa ser melhor discutido à luz da força e capacidade de intervenção que o Estado e a sociedade civil continuam tendo. Para isso, são fundamentais não somente as contribuições de Gramsci sobre hegemonia e Bloco Histórico, como também as de Portelli (1987) e Poulantzas (1977 e 1978), sobre o papel do Estado na hegemonia e contra-hegemonia; de autores da Escola de Birmingham (que aprofundaram a questão da cultura, dos mídia, da recepção e das mediações); e de autores ligados aos estudos culturais latino-americanos. Como identificar as Representações Sociais da Política Como vimos, não podemos dizer que o que as chamadas “pesquisas de opinião” captam é, necessariamente, “a opinião pública” (no singular), pois, como vimos, não temos apenas uma opinião, mas opiniões diversas em circulação. Não basta também colocar no plural, dizendo apenas que são “opiniões públicas”, pois nem todas as opiniões são geradas num debate público. Ou seja, existem opiniões públicas, opiniões privadas impostas ao público, opiniões não expressas, opiniões latentes, individuais, mobilizadas, constituídas, tomadas de posição particulares, disposições etc. 16 Portanto, poderiam ser “pesquisas de opinião”, genericamente falando. Mas, qual o caráter desta opinião? Quando uma pesquisa é feita, o que se capta é um momento da opinião, pois os dados captados não são permanentes. Existem a opinião dinâmica, a opinião de segmentos mais influentes na sociedade e as correntes de opinião que podem alterar a composição e a situação existente em determinado momento. Portanto, no que diz respeito às opiniões captadas, as pesquisas identificam sempre um “estado de opinião” como sendo um momento que pode ser alterado - sendo mais ou menos estável a depender da estabilidade social, econômica, cultural e política da sociedade ou do universo pesquisado. Mas as chamadas “pesquisas de opinião” não identificam apenas opiniões. Captam também atitudes, intenções, fatos já acontecidos (por exemplo, a pesquisa de boca de urna que capta o voto já dado pelo eleitor), audiência e freqüência da mídia, imagem de políticos, popularidade de líderes, interesses, comportamentos, questões morais e éticas, boatos, emoções, medos, rejeições, simpatias, antipatias, gostos e outras preferências ou rejeições subjetivas de difícil definição. Portanto, numa “pesquisa de opinião política”, mais do que opiniões, o que está sendo captado são as “representações sociais da política”. E o conjunto de informações que vão sendo levantadas, vão permitindo ao analista, pesquisador, cientista ou ao sujeito político compreender estas representações sociais e identificar tanto seus elementos constitutivos hegemônicos como aqueles que têm potencial contra-hegemônico. Assim, uma representação social da política existente só pode ser identificado a partir de instrumentos que investiguem as opiniões e outros elementos, de modo quantitativo (que abranja o universo estudado) e qualitativo. Mas sabemos também que, especialmente em situações de instabilidade política e político-eleitoral, as Representações Sociais da Política não podem ser encaradas como definitivamente realizadas, pois estão em permanente disputa. Assim, mesmo a leitura destas pesquisas não pode ser feita de forma isolada, mas de modo combinado, seqüencial e em relação com uma investigação do contexto político, (das movimentações no Estado e na sociedade civil, da situação econômica, etc), e das reservas políticas, ideológicas, organizativas e materiais das forças políticas em disputa. Inclusive de seu poder de influência sobre a mídia (Almeida, 2000). 17 Assim, estes levantamentos podem permitir uma compreensão mais rigorosa das Representações Sociais da Política (e, portanto, da própria realidade política como um todo), se sua leitura for feita com uma análise que contemple o estudo da conjuntura (Gramsci, 1978Fiore 3003 enquanto um todo, ou seja, que inclua mesmo aqueles elementos do contexto (social, econômico, político, cultural) que podem interferir no processo político mas (ainda) não aparecem representados nas Representações Sociais da Política conjunturalmente identificadas. Representações Sociais da Política, Cenário de Representação Midiático da Política, estrutura e conjuntura Por isso, é preciso destacar esta diferença entre a análise da conjuntura política (Gramsci, 1978 e Fiori, 2003) como um todo e o estudo das Representações Sociais da Política conjunturalmente presentes. A análise da conjuntura abarca a realidade de modo mais amplo, pois não se limita à forma como a política está sendo representada em determinado momento. Precisa estudar o conjunto dos atores que estão fora da cena pública. Que estão nos bastidores, mas que também podem vir a entrar em cena ou influenciar os atores que nela estejam aparecendo. Ou seja, atores que não estão visíveis nas Representações Sociais da Política, além das bases infraestruturais e superestruturais mais permanentes e que incidem, condicionam ou potencializam ações dos atores políticos. Portanto, não se pode dizer que um “cenário de representação da política” constitui a própria realidade; ou que as representações sociais constituem a própria realidade; ou ainda que o “cenário de representação da política” “construído nos e pelos mídia, define e delimita o próprio espaço da realidade política no mundo contemporâneo”, como faz Lima (1996), a partir de uma formulação midiacêntrica. O conceito desenvolvido por este autor, importante por trazer o debate sobre a importância específica da existência de uma representação da política (definida por ele como Cenário de Representação da Política, CR-P), acaba se restringindo às representações da política construídas na e pela mídia (e particularmente nos programas de maior audiência dos principais canais de TV) desconsiderando na prática os demais fatores de construção das Representações Sociais. Portanto, o que este autor define 18 como sendo o CR-P, seria melhor chamado de “Cenário de Representação Midiático da Política”. Assim, as Representações Sociais da Política, fazem parte da realidade e têm uma grande importância simbólica (e política real), pois é o ambiente simbólico no qual a disputa política se desenvolve. Por isso, a sua identificação é importante num processo de disputa política. Enfim, as Representações Sociais da Política conjunturalmente identificadas na recepção, ou na chamada “opinião pública”, cria limites reais à ação política e à aceitação dos discursos dos candidatos, mas podem ser alterados, se, em tempo hábil, entra em cena uma força real maior que a representação (Almeida, 2000). Nenhum survey isolado e nem mesmo um conjunto de levantamentos pode ser capaz de identificar todos os elementos, variáveis e fatores que estejam presentes nas Representações Sociais da Política. Mas é possível identificar seus principais elementos constitutivos hegemônicos e contra-hegemônicos, as correntes de opinião presentes, sua base social, etc. A leitura do “Cenário de Representação Midiático da Política”, ou seja, das representações da política que estão sendo construídas na mídia, especialmente nos programas de maior audiência da TV, pode ser assim um ponto de partida importante para a identificação de Representações Sociais possíveis de serem construídas socialmente (ou realizados), inclusive pela mídia. Esta combinação, poderia compor um conjunto de informações necessárias para uma análise das relações de força a partir da compreensão do grau de homogeneidade e coerência dos vários grupos sociais e para aumentar a capacidade de previsão, no sentido gramsciano, de ver bem o presente e o passado em movimento, distinguindo os elementos fundamentais, permanentes e conjunturais do processo e o potencial da intervenção das vontades (próprias e dos outros) na realidade (Gramsci, 1978), para uma possível alteração da correlação de forças e da conjuntura política. Portanto, as chamadas “pesquisas de opinião” (tanto os surveys quantitativos quanto as diversas técnicas de qualitativas), são instrumentos valiosos e indispensáveis para a compreensão da realidade política, pois são os melhores instrumentos para a captação de uma parcela fundamental desta realidade que são as Representações Sociais da Política. Como afirma Champagne, uma técnica por si só não é uma ciência, mas trabalhada num projeto rigoroso de pesquisa, os seus resultados podem ser utilizados para a construção teórica 19 em estudos científicos sobre uma situação política (e sobre comunicação e política em particular). Por outro lado, estes dados também podem ser utilizados para a aplicação prática (muitas vezes imediata) na elaboração do marketing político e político-eleitoral, assim como também para quem, mais do que isto, pretende fazer uma disputa de hegemonia de médio e longo prazos (Almeida, 1997). Portanto, uma coisa é a crítica do processo de produção e divulgação das “sondagens de opinião” feito por certos institutos e empresas midiáticas, outra coisa é como cada um que se coloca numa situação, acadêmica ou de ator político mais direto (por exemplo, na direção de uma campanha eleitoral), irá captar e/ou interpretar estes dados. Uma pesquisa “de opinião”, pode não prever uma crise econômica, mas um cientista, ou um analista, ou um dirigente político, ou um marqueteiro, deve estudar a conjuntura econômica e ter uma posição sobre a possibilidade de uma crise. Só assim poderá verificar a possibilidade de haver alterações nas Representações Sociais, nas opiniões do público, nas intenções de voto do eleitor, no momento em que a crise ocorrer. Mas, para isto, ele precisa dos dois instrumentos: da pesquisa que estuda as opiniões do eleitorado e o “clima político” naquele momento (ou seja, as Representações Sociais da Política) e da análise econômica e de outros elementos da conjuntura política (e das forças que podem interferir no processo econômico e sua repercussão), para então poder avaliar as possibilidades de ocorrer um "efeito de politização" sobre o público. Da mesma maneira, precisam conhecer fazer este estudo considerando a segmentação social, para analisar a possibilidade de crescimento de uma "opinião mobilizada" (de segmentos mais influentes). Também é importante analisar a conjuntura como um todo para conhecer a "opinião mobilizada" de determinados líderes ou grupos políticos, econômicos ou midiáticos mais definidos, ou certos grupos de pressão conhecidos, ou movimentos sociais, etc. Assim, uma leitura contextualizada de pesquisas bem elaboradas, pode prever também a possibilidade de evolução de "opiniões latentes". Aquilo que Bourdieu chama de “disposição” ou “opinião no estado implícito” e despreza por considerá-la uma “não opinião”, mas que Monique Augras chama de opinião latente ou estática, mas que pode se tornar dinâmica, pode ser muito 20 importante na investigação das Representação Sociais da Política e o potencial de novas correntes de opinião surgirem e ganharem força. Neste sentido, saber como pensa, age e reage a população, é cada vez mais imprescindível para a definição de estratégias para a disputa política nos dias de hoje. Isto pode ser feito de várias maneiras, seja através dos instrumentos disponíveis de informação e formação política de modo geral, seja no cotidiano do contato com a população. Neste sentido, partidos e outros agrupamentos e organizações que tenham uma real presença e inserção nos mais diversos espaços da sociedade e do Estado, têm condições de melhor perceber lógicas estruturais do pensamento e tendências conjunturais hegemônicas, emergentes ou residuais (Williams, 1979). Portanto, terão melhores condições de incidir sobre a realidade favorecendo aos seus objetivos táticos ou estratégicos, especialmente se conseguem organizar estas informações e analisa-las no seu conjunto e nas suas particularidades, sem deixar que o particular ganhe ares de universal nem que o global obscureça as especificidades de cada segmento social e outras particularidades. Também é válido o uso de outros métodos alternativos (Freire, 1981), militantes e participantes (Gajardo, 1986). Mas, por mais perfeito que seja este trabalho, nada terá condições de substituir o papel cumprido pela utilização das chamadas “pesquisas de opinião”. É claro, se feitas metodologicamente corretas e se lidas e interpretadas de modo a se enxergar aquilo que é mais importante - e que mais permite melhorar uma situação de disputa - ou as tendências em andamento e fatos novos que, diante de certas condições preexistentes, possam até mesmo provocar grandes alterações. Além disso, sua leitura também deve pressupor que a sociedade não é um ente uniforme, mas composta de segmentos distintos que pensam e reagem de maneira diferente. Classes sociais, com inserção específica nas relações de produção e grupos com renda e padrões de consumo de bens e de serviços públicos específicos, pertencentes à população economicamente ativa ou não. Mas que tem diferenças também de sexo, idade, escolaridade formal, raça e religião. Que vivem em estados e regiões diferentes, na capital ou interior, em grandes, médios ou pequenos municípios. E que tem interesse maior ou menor pela política com preferência ou não por algum partido. 21 Referências bibliográficas ALMEIDA, Jorge. Como Vota o Brasileiro. São Paulo, Casa Amarela, 1a. edição 1996. São Paulo, Editora Xamã, 2a edição, 1998. ALMEIDA, Jorge. Esquerda, pesquisas e marketing político. Teoria & Debate, São Paulo, n 34, mar/abr/mai de 1997. ALMEIDA, Jorge. Mídia, opinião pública ativa e esfera pública democrática. 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