Editorial Professor Adib Jatene: um jovem de 80 anos Paulo Manuel Pêgo-FernandesI Noedir Groppo StolfII Ao completar 80 anos, o professor Adib Jatene recebeu justa homenagem do povo paulista, por meio de seus legítimos representantes, na Câmara Legislativa do Estado de São Paulo. Apesar de não serem muitos os que alcançam essa notoriedade pública, existe uma outra esfera de reconhecimento de grande importância, que é a dos seus pares. Embora, há muito tempo, a importância do professor Jatene na área médica seja consenso, nunca é demais repetir o que todos sabem no âmbito dos meios mais restritos. Escrever sobre o professor Jatene é propor-se o desafio de olhar para um ser humano de facetas incomuns: característica da personalidade de um pensador brilhante, trabalhador e inovador incansável na busca de respostas às questões cruciais da sociedade de seu tempo. Aliás, o tempo desse jovem octogenário — reconhecido como cientista, cirurgião e professor admirável, gestor público audacioso e chefe de uma família exemplar de quatro filhos, três deles médicos, e 10 netos — é sempre o hoje, porque é no presente que o ser humano se faz inteiro em sua multiplicidade. E é exatamente o ser humano que é o foco central da existência do professor Jatene. Embora não tenhamos a pretensão de conseguir abarcar neste artigo a totalidade da figura ímpar que é o professor Jatene, vamos assumir esse desafio como tributo à grata oportunidade que tivemos de conviver com ele, no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (HC) e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), durante mais de quatro décadas. A lista de atividades no extenso currículo do professor traz inovações tecnológicas de bioengenharia; técnicas cirúrgicas, que levam seu próprio nome, reconhecidas internacionalmente; montagem de laboratórios para pesquisa e ensino em centros médicos importantes; além de atividades como gestor de faculdades, hospitais e fundações e cargos públicos da maior relevância, como Secretário de Estado da Saúde de São Paulo e Ministro da Saúde. Mesmo depois desse longo tempo de convivência em salas de aula, enfermarias e salas cirúrgicas, ainda é admirável assistir o professor Jatene, no alto de seus 80 anos, debater — com o espírito jovial próprio daqueles que não se contentam com o lugar comum —, nas trincheiras da saúde pública. Sua bandeira, desde sempre, é a defesa de um sistema de saúde integral e equânime, que garanta o bem-estar de to- dos. A chama de suas ideias sempre é de grande luminosidade quando o assunto é a proposição de projetos arrojados de saúde, que façam chegar atendimento médico e multiprofissional de qualidade a todos os cidadãos, independentemente de sua situação econômica e social. E também para o desenvolvimento de ferramentas que auxiliem os médicos a resgatar a saúde e o bem-estar de seus pacientes. O professor Jatene se dedica de corpo e alma a essa missão não por uma questão políticopartidária ou filantrópica ou com vistas a cargos públicos. Ele faz isso por ter sua vida amparada numa visão filosófica e humanística que coloca a integridade do ser humano como sua própria essência, que não pode ser diferenciada por questões tão aleatórias quanto condição social e econômica. É exatamente o olhar compassivo para seus semelhantes que faz do professor Adib Jatene exemplo de uma elite intelectual que tem um compromisso verdadeiro com o país e seus cidadãos. Seu esforço incessante e sua busca da perfeição possível em todos os atos nada mais são do que sua aspiração, sempre presente, de ajudar as pessoas que sofrem a se sentirem melhor. Não foram poucas as vezes em que, em conversas reflexivas, o professor Jatene citou a frase de madre Tereza de Calcutá para explicar a chama que deve guiar a inteligência para a busca de solução dos mais diferentes aspectos da vida humana: “Sem fé não existe amor, sem amor não existe entrega de si, e quem não for capaz de fazer a entrega de si, não está preparado para tratar dos que sofrem”. Somente a entrega plena ao bem comum é capaz de explicar a trajetória inusitada do professor, desde sua infância em Xapuri, no Acre, onde nasceu, em 4 de junho de 1929, e também onde perdeu seu pai, ainda com dois anos de idade, vítima de doença fulminante adquirida na floresta. Não seria incomum um jovem dos rincões do país, sem pai, seguir a trajetória de tantos outros milhões de brasileiros que, embora valorosos em sua luta diária pela sobrevivência, permanecem anônimos. Mas a história desse homem, que se guiou pela paixão pelo conhecimento e pelo ser humano, seguiu caminho diverso. Depois do périplo pelo Brasil com sua família até chegar à Uberlândia, em Minas Gerais, o jovem Adib Jatene veio para São Paulo, onde cursou o científico no conceituado Colégio Bandeirantes. Nessa época, a aspiração de ser engenheiro sofreu uma guinada surpreendente para a medicina. I Cirurgião Assistente da Divisão de Cirurgia Torácica do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e professor associado da Disciplina de Cirurgia Torácica da FMUSP. II Presidente do Conselho Diretor do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e professor titular da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da FMUSP. Diagn Tratamento. 2010;15(1):3-5. RDT v15n1.indb 3 20/4/2010 16:48:03 4 Professor Adib Jatene: um jovem de 80 anos Graduado em medicina em 1953, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o professor Jatene fez toda a sua formação especializada no Brasil, no HC da FMUSP, sob a orientação do professor Euryclides de Jesus Zerbini, com quem começou a trabalhar em 1951, ainda na qualidade de estudante. Permaneceu com o professor Zerbini até 1955 e, depois, de 1958 a 1962, quando então iniciou sua trajetória de liderança. Entre 1955 e 1957, trabalhou em Uberaba, onde iniciou a cirurgia torácica na região. Lá construiu seu primeiro modelo de coração-pulmão artificial, resgatando, então, seu espírito de engenheiro. Ainda um jovem médico, foi professor de anatomia topográfica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. De 1958 a 1961, foi cirurgião do HC da FMUSP e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia da Secretaria de Estado da Saúde. Nesse período, organizou um laboratório experimental e de pesquisa, onde desenvolveu e construiu o primeiro aparelho coração-pulmão artificial do HC e que evoluiu para a prestigiosa Divisão de Bioengenharia do InCor. Em 1961 deixou o HC, fixando-se exclusivamente no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Lá foi sucessivamente chefe do Laboratório Experimental e de Pesquisa e, posteriormente, da Seção de Cirurgia, além de diretor médico e diretor geral. Simultaneamente, organizou a Oficina de Bioengenharia, onde foram estudados, planejados e desenvolvidos vários dispositivos e aparelhos, alguns originais. Essa oficina resultou, desde 1982, no Centro Técnico de Pesquisas e Experimentos. Desde 1977 é diretor Geral do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio. Foi sócio-fundador e primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia do Estado de São Paulo, de 1977 a 1979, e secretário da Saúde do Estado de São Paulo, de 1979 a 1982. Até março de 1983, foi presidente da Comissão Especial para a Implantação do Sistema de Atendimento Básico na Área Metropolitana de São Paulo, cujo plano foi por ele elaborado e cuja execução teve início durante sua gestão na Secretaria de Estado da Saúde. Negociou recursos internos e externos para garantir a continuidade do projeto. Durante todo esse período suas atividades médicas não foram interrompidas. Em 1980 fundou o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), do qual foi o primeiro presidente. Em 1983, com a aposentadoria do professor Zerbini, prestou concurso para a vaga de professor titular de Cirurgia Torácica da FMUSP — cargo que ocupou, juntamente com o de diretor do InCor, até 1999, quando se aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos de idade. Enfim, foram muitos os títulos e representações societárias do professor Jatene: presidente do Departamento de Cirurgia Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (1985), “Honorary Member” da American Association for Thoracic Surgery (1984), sócio-fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (1984/1985), presiden- te da Sociedade Brasileira de Cardiologia (1985/1987), presidente da International Society for Cardiovascular Surgery (1985/1987). Foi ainda membro da Comissão de Especialistas do Ensino Médico do Ministério da Educação (1986/1990), do Conselho Nacional de Saúde (1986/1992), do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (1988/1992). Em 1989 foi eleito membro titular da Academia Nacional de Medicina e, em outubro de 1990, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para período de quatro anos. Foi membro do Conselho Nacional de Seguridade Social e do Conselho Federal de Educação e ministro de Estado da Saúde, por oito meses, no Governo Collor, e por 22 meses, no Governo Fernando Henrique Cardoso. Na administração pública, introduziu críticas no Sistema de Processamento de Contas; implantou a Programação Integrad; criou o Piso de Atenção Básica (PAB); presidiu a 9a e a 10a Conferências Nacionais de Saúde, elaborou a Norma Operacional Básica 1/96, que consolidou o Sistema Único de Saúde (SUS), e deu grande ênfase aos programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários. Lutou por vinculação de recursos e negociou, em tempo recorde, com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Programa de Reforço à Reorganização do SUS (REFORSUS), cujos recursos foram distribuídos aos vários estados conforme sua população. É autor e co-autor de cerca de 700 trabalhos científicos publicados na literatura nacional e internacional e membro de 32 sociedades científicas de várias regiões do mundo. Recebeu 178 títulos e honrarias de mais de 10 países. Entre suas várias contribuições originais na área da bioengenharia, incluem-se os oxigenadores de bolhas e de membrana e a válvula de disco basculante, dos quais possui a patente. Esses equipamentos estão sendo produzidos industrialmente sob licença e utilizados no país e no exterior. O professor Jatene tem ainda importantes contribuições no campo da cirurgia de revascularização do miocárdio e da cirurgia de cardiopatias congênitas. Descreveu a técnica de correção da transposição dos grandes vasos da base — conhecida hoje como Operação de Jatene —, que tem sido empregada com sucesso em vários serviços de cirurgia cardíaca em todo o mundo. As equipes de cirurgia que vem liderando, desde 1962, já realizaram mais de 80.000 operações. Vários serviços no país e na América do Sul são liderados por cirurgiões treinados sob sua orientação. Uma das lutas empreendidas pelo professor Jatene em sua trajetória profissional é a defesa da qualidade do ensino de medicina. Ele foi um dos responsáveis por tentar frear a expansão desordenada de faculdades, por esta colocar em risco o desempenho dos futuros médicos. Nos anos 1980 participou ativamente das discussões da Comissão de Ensino Médico do Ministério da Educação (MEC). Propôs que só as escolas que tivessem estrutura suficiente para treinar o Diagn Tratamento. 2010;15(1):3-5. RDT v15n1.indb 4 20/4/2010 16:48:03 Paulo Manuel Pêgo-Fernandes | Noedir Groppo Stolf aluno poderiam oferecer o curso — ou seja, que essas instituições de ensino tivessem um complexo médico-hospitalarambulatorial há pelos menos dois anos e funcionando como referência regional. E como seu tempo é sempre o presente, o professor continua em plena atividade como médico, gestor — como diretor do Hospital do Coração — e assessor do Ministério da Saúde em assuntos de regulamentação das escolas médicas. Seu coração, firme e forte, aos 80 anos, segue com a mesma paixão do jovem médico pelo conhecimento e pelo que ele tem de poder para transformar a vida das pessoas num mundo melhor. Os bons exemplos são eternos. Professor Adib Jatene continua a ser uma grande inspiração para todos nós. 5 INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Paulo Manuel Pêgo Fernandes Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 Instituto do Coração (InCor) Secretaria do Serviço de Cirurgia Torácica, 2o andar — Bl. 2 — Sl. 9 São Paulo (SP) — Brasil CEP 05403-000 Tel. (+55 11) 3069-5248 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: Nenhuma declarada Conflito de interesse: Nenhum declarado Data de entrada: 13/1/2010 Data da última modificação: 13/1/2010 Data de aceitação: 13/1/2010 Diagn Tratamento. 2010;15(1):3-5. RDT v15n1.indb 5 20/4/2010 16:48:03 Editorial Sugestões para a academia melhorar a saúde da medicina Álvaro Nagib AtallahI O sistema de pós-graduação na área médica brasileira vem se transformando rapidamente em uma pós-graduação em saúde, que congrega todos os tipos de profissionais. Não é preciso muito esforço para ver que, mesmo nos programas criados para desenvolvimento de pesquisas em especialidades médicas, médicos são minoria. Isso ocorre por vários motivos, entre os quais as concessões de bolsas de pesquisas exigirem dedicação exclusiva, para um recebimento de dois ou três salários mínimos, situação que acaba por interessar praticamente a não médicos em início de carreira. Além disso, os critérios de julgamento de currículos nas escolas médicas têm se pautado nos mesmos critérios de publicação em revistas com alto padrão de impacto, e são utilizados na área básica independentemente da qualidade e do tempo necessário para o desenvolvimento dos estudos. Ou seja, avalia-se a revista onde se conseguiu publicar e não o artigo publicado. E sabe-se que estudos clínicos de maneira geral exigem vários anos para conclusão e a respectiva publicação. Esse conjunto de fatores integram um processo que vem enfraquecendo progressivamente o reconhecimento acadêmico e o poder de clínicos dedicados, nas próprias escolas médicas. Do ponto de vista prático, os jovens médicos se interessam muito pela residência, onde aprendem muito, mas têm pouco estímulo para pesquisa, pois são pequenas as chances de sucesso, principalmente na competição com não médicos, dado que os critérios utilizados não se equivalem no que concerne a conhecimentos, habilidades e atitudes de interesse da medicina — conhecimentos esses que os médicos levam em média 10 anos para adquirir e para, depois, iniciar a carreira da estaca zero. Enquanto isso, o não médico já teve tempo para realizar mestrado, doutorado e enriquecer (merecidamente) o seu currículo. A consequência é que o médico perde força na área acadêmica e, por conseguinte, também na área profissional, além de ter seus objetivos de carreira desviados da atividade clínica. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) há vários anos vem se esforçando para levar a implementação das evidências científicas à prática. Diríamos que esse é um dos maiores desafios atuais da medicina e da saúde. Uma das iniciativas tem sido estimular a realização de mestrados profissionais para médicos e não médicos.* Isto tem causado reações, obviamente em pessoas com pouco conhecimento médico e que entendem que só há uma forma de ciência, a pura, independente de aplicações mais imediatas de seus resultados. Ledo engano. Tudo requer aprimoramento, principalmente quando a prática mostra que as novas tecnologias não estão correspondendo às necessidades. A revolução gerada pelo movimento da medicina e saúde baseadas em evidências é a melhor prova da pertinência desses pensamentos. Mais recentemente, a Capes fez edital conclamando as instituições de ensino, com programas credenciados de residências médicas, a criarem o Mestrado Profissional Associado à Residência Médica.1 Surge então uma oportunidade de ao mesmo tempo aprimorar-se a residência médica, proporcionando maior densidade no saber fazer a busca por novos conhecimentos, preparar residentes para aprimoramentos específicos, interessar médicos residentes por pesquisas clínicas de qualidade e acelerar, com isso, a possibilidade de inclusão acadêmica (já que o “sistema tem excluído”) de médicos nos diversos setores da sociedade, inclusive na Academia. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e outras grandes escolas médicas, que aqui não citamos porque o processo ainda está em andamento, responderam rapidamente ao edital da Capes e encaminharam projetos para aprovação. A Unifesp criou um Programa Único de Mestrado Profissional Associado à Residência Médica, que inclui duas grandes áreas de concentração: Promoção da Saúde e Tecnologias da Saúde. Dessa forma, residentes a partir do segundo ano poderão a partir de perguntas estruturadas durante a própria residência, desenvolver habilidades em pesquisas clínicas, leitura crítica da literatura, desenvolvimento de projetos de ensaios clínicos, estudos observacionais, avaliações tecnológicas, diretrizes clínicas, manuais com base e boas evidências científicas, nas áreas de seus interesses pessoais e da região onde irão atuar. Ou seja, para se especializar, é preciso adquirir capacidade de selecionar e de- I Médico. Professor titular e chefe da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Diretor do Centro Cochrane do Brasil e diretor da Associação Paulista de Medicina (APM). E-mail: [email protected] * Recomendamos a leitura da Portaria Normativa/MEC no 17, de 28 de dezembro de 2009. Disponível em: http://semesp.org.br/portal/pdfs/juridico2010/Portarias/POTARIA_17_28_11_09.pdf. Diagn Tratamento. 2010;15(1):6-7. RDT v15n1.indb 6 20/4/2010 16:48:03 Álvaro Nagib Atallah senvolver novas tecnologias com base em evidências científicas, que valham a pena para os locais e populações onde irão atuar. O acolhimento do projeto foi animador, pois centenas de orientadores acadêmicos ofereceram-se para participar do Programa. Ao mesmo tempo, preceptores de residência poderão aprimorar suas competências como orientadores ou co-orientadores de projetos de pesquisas clínicas relevantes e aumentar suas chances de inclusão acadêmica, fato vital para o futuro da medicina brasileira. Ou seja, vislumbrou-se uma ponte entre a prática e a pesquisa na área médica. Isso não deverá afetar a atividade prática na residência e também há de se manter a qualidade dos produtos científicos e ao mesmo tempo dar oportunidade de aprofundamento crítico do médico na área de seu interesse prático. Agora cabe à Capes administrar com habilidade esta resposta da academia. Para tal é necessário constituir-se comitê de avaliação específico para o Mestrado Profissional que seja integrado por profissionais capacitados e que sejam simpatizantes à iniciativa, pois, de outra forma, não simpatizantes poderão colocar em banho-maria ou exterminar esta importante iniciativa. 7 A academia, por sua vez, necessita parar de julgar produção científica da área clínica com os mesmos critérios utilizados para áreas básicas. Todo pesquisador sabe que não se pode utilizar os mesmos tipos de balança para análises de pesos de ordem de grandeza muito diferentes. Uma maneira simples seria avaliar os currículos de médicos candidatos à academia, com pesos iguais para cada uma de suas obrigações específicas, ou seja, dar pesos iguais às atividades de ensino, pesquisa e extensão (ou assistência médica) e fazer-se uma média aritmética desses resultados. Ou seja, exigir-se maior formação científica da residência médica e valorizar a competência profissional na hora da avaliação acadêmica do médico: óbvio, porém, fundamental para toda a sociedade Cartas à redação. Obrigado. REFERÊNCIA 1. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Edital 005/CAPES/DAV/. Chamada de novas propostas de cursos de Mestrado Profissional. Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/ download/editais/Edital_005_MestradoProfissional.pdf. Acessado em 2010 (03 fev). Diagn Tratamento. 2010;15(1):6-7. RDT v15n1.indb 7 20/4/2010 16:48:03 Clínica médica Metástase de câncer de próstata ou mal de Pott? Desafio no diagnóstico diferencial e relato de caso David Gonçalves NordonI Fernanda Saad RodriguesII Maysa Amanda Ferrari RissiII Walter StefanutoIII Conjunto Hospitalar de Sorocaba/Centro de Ciências Médicas e Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) INTRODUÇÃO A tuberculose (TB) é causada pelo Mycobacterium tuberculosis e afeta, principalmente, o pulmão. No entanto, a doença pode se manifestar na forma extrapulmonar e, assim, atingir qualquer órgão do corpo, provocando sintomas inespecíficos1,2 ou que remetem a demais afecções. A TB extrapulmonar é desencadeada pela disseminação hematogênica ou por contiguidade, devido à proximidade de linfonodos e pleuras.3 Os sítios de implantação óssea podem ser: a coluna vertebral (principalmente a torácica),4 as articulações e as diáfises ósseas. Atualmente, esse acometimento está em torno de 1% dos pacientes com a infecção.5 A associação da TB com afecções do sistema imunológico, tais como a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), tem contribuído para a manutenção da frequência e até mesmo aumento desses casos.2,4 A TB óssea de localização vertebral foi descrita pela primeira vez em 1779, por Percivall Pott,3,6 sendo, então, denominada Mal de Pott. De acordo com o cirurgião inglês, a tríade sintomática da doença é composta por gibosidade, abscesso e paraplegia.6 O envolvimento neurológico, que ocorre em 10% a 47% dos pacientes,7 se não tratado adequada e rapidamente, pode causar danos irreversíveis. Contudo, tanto o diagnóstico quanto o tratamento são difíceis, visto que os pacientes normalmente possuem sintomas inespecíficos que corroboram para o retardo na investigação, devido à necessidade de exclusão de outros diagnósticos. No caso da afecção de coluna em homens a partir dos 50 anos de idade, como no caso apresentado, o primeiro diagnóstico diferencial a ser investigado é metástase óssea de um carcinoma prostático. A metástase de um processo cancerígeno é o resultado final de várias etapas interdependentes, um processo que inclui uma complexa interação entre o tumor e o organismo hospedeiro, uma sequência de eventos que ainda hoje não foi inteiramente esclarecida.8 Em 16% dos casos de tumores metastáticos, o sítio de apresentação da metástase é o osso, e em 80% dos casos, ela é oriunda de um tumor da próstata, mama ou pulmão. Nessa situação, os pacientes costumam apresentar sinais de doença como anorexia, perda de peso e astenia.9 Na década de 90, nos Estados Unidos, cerca de 50% a 60% dos pacientes com câncer prostático apresentavam metástase óssea ao serem diagnosticados.10 Este relato tem por objetivo trazer um caso a respeito e mostrar a dificuldade de diagnóstico diferencial entre as duas doenças, especialmente em se notar que a incidência de tuberculose pulmonar vem se mantendo, enquanto a de tumor prostático vem aumentando, devido ao envelhecimento da população masculina e às mudanças de estilo de vida com relação ao passado.10 RELATO DE CASO Homem de 62 anos, branco, casado, natural de Itapeva (SP), procedente de Sorocaba (SP), ex-motorista de ônibus aposentado, praticante da Igreja Pentecostal, deu entrada na Unidade Regional de Emergência com queixa de dor lombar e dorsal há três meses, compressiva, com melhora ao uso de anti-inflamatórios não esteroidais e piora ao se locomover. Sentiu diminuição aguda há quatro dias da força em membros inferiores (grau II, com sinal de Babinski ausente), pior à esquerda, anestesia da região umbilical para baixo (nível de T8), constipação e distensão abdominal (abdome globoso, rígido, indolor e com ruídos I Acadêmico do quinto ano do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Acadêmica do quarto ano do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). III Mestre em Clínica Médica e Pediatria pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Professor Assistente Mestre da PUC-SP. II Diagn Tratamento. 2010;15(1):8-11. RDT v15n1.indb 8 20/4/2010 16:48:04 David Gonçalves Nordon | Fernanda Saad Rodrigues | Maysa Amanda Ferrari Rissi | Walter Stefanuto hidroaéreos presentes) e sem conseguir urinar (antes, nunca apresentara alterações urinárias, em quantidade, volume, fluxo ou dor). No mesmo intervalo de tempo, afirmava perda de 20 kg. Negava qualquer queixa respiratória que pudesse nos orientar para o diagnóstico de tuberculose, como tosse prolongada, seca ou produtiva, febre vespertina ou sudorese noturna. Negava história pessoal ou familiar de tuberculose. Era ex-fumante, 75 maços-ano. Negava outras doenças além de diabetes melito, tratada com hipoglicemiantes orais, e hipertensão arterial sistêmica, tratada com inibidor da enzima conversora de angiotensina. Na história de cirurgias, hemorroidectomia há 25 anos e operação de joelho (não sabia descrever qual) há 20 anos. Apresentava investigação anterior a respeito da próstata, com aumento de volume e PSA (prostate-specific antigen) de 14 ng/mL. Foi pedida tomografia computadorizada (TC) de coluna, que demonstrou destruição de corpos vertebrais em T7-T8 com preservação do canal e sinais de massa extravertebral para o mediastino. Na TC, a próstata mostrava-se aumentada e heterogênea. Foi internado no Hospital Leonor Mendes de Barros para investigação, com suspeita inicial de metástase óssea na coluna como primeira manifestação de câncer de próstata. No dia da internação, foi iniciado tratamento com dipirona (uma ampola endovenosa, EV, de seis em seis horas), tramadol (100 mg 6/6 h EV), morfina (2 mg/dia EV), metoclopramida (uma ampola 8/8 h EV SN), dexametasona (4 mg 8/8 h EV), omeprazol (20 mg/dia em jejum, por via oral, VO), insulina NPH (neutra protramina hagedorn), 10 UI subcutâena, SC, pela manhã e 6 UI SC à noite, e doses adicionais de insulina R de acordo com a glicemia capilar, a ser repetida de 6 em 6 horas e captopril (25mg 8/8h por via oral, VO). Duas semanas após a internação, apresentou infecção do trato urinário inferior, pela utilização de sonda vesical de demora, e fez uso de cipofloxacina (500 mg 12/12 h, VO) por oito dias. Duas semanas depois, foram feitas cintilografia óssea, ressonância nuclear magnética (RNM) de coluna e biópsia de tecido prostático. Os resultados da cintilografia óssea apresentaram hiperconcentração de radiofármaco em T8 e T9 em grau acentuado, sugestivo de alta probabilidade de doença óssea metastática nas áreas referidas. A RNM (Figura 1) da coluna torácica demonstrou irregularidade dos planaltos inferior T7 e superior T8, acunhamento anterior de T8, alteração de sinal de corpos vertebrais T7 e T8 e do disco T7 e T8, caracterizada por hipersinal na sequência T2, hipossinal na sequência T1 e realce pós-contraste. As alterações se estendiam para as partes moles perivertebrais e para o canal vertebral (abaulamento do muro posterior), elementos posteriores de T7 e T8 e porção proximal das costelas T7 e T8. Não havia compressão da medula com alteração de sinal intramedular. Havia envolvimento das raízes emergentes bilaterais de T6-T7 e T7-T8. Havia sinal que poderia corresponder a pequena coleção em nível de disco T7-T8. A RNM de coluna lombossacra não mostrou alterações. 9 Pela demora da chegada de todos os resultados dos exames, especialmente o da biópsia de próstata, a conduta inicial foi mantida por cinco semanas. A possibilidade de tratamento com radioterapia para o tumor foi levantada; foi pedido o uso de colete para o paciente, a fim de estabilizar a coluna. Havia resultados sugestivos na RNM, mas não poderia ser feito o PPD (purified protein derivative) — pelo uso de dexametasona — de modo que o resultado da biópsia prostática precisou ser aguardado. A biópsia de próstata mostrou-se negativa para neoplasias malignas, com tecido prostático normal característico apenas de hiperplasia benigna de próstata. Com a entrada da sexta semana de internação foi iniciado o tratamento empírico para espondilite tuberculosa, com o esquema tríplice (rifampicina 600 mg, isoniazida 400 mg, pirazinamida 2000 mg, ao dia, VO). Em três dias, o paciente iniciou melhora progressiva; a dexametasona foi mantida, mas o tramadol e a morfina foram retirados. Em 15 dias apresentava força grau IV e, após 10 semanas de internação, recebeu alta hospitalar, com manutenção do tratamento para tuberculose, utilização de colete torácico e fisioterapia para recuperar funções motoras. DISCUSSÃO No atendimento de um paciente com queixa de hemiparesia e nível sensitivo alterado, deve-se sempre levantar como primeira hipótese uma lesão medular. A inexistência de sinais de liberação piramidal, na fase aguda, não exclui o diagnóstico, Figura 1. Ressonância nuclear magnética demonstrando alterações características da tuberculose óssea. Diagn Tratamento. 2010;15(1):8-11. RDT v15n1.indb 9 20/4/2010 16:48:04 10 Metástase de câncer de próstata ou mal de Pott? Desafio no diagnóstico diferencial e relato de caso uma vez que tais sinais desenvolvem-se, geralmente, em fase subaguda e/ou crônica, quando há lesão medular. O primeiro fator causal a ser excluído é trauma. No caso de pacientes maiores de 50 anos, o segundo fator é representado por processos expansivos. A história de doenças infecciosas que possam causar lesões medulares também deve ser levantada, e sinais infecciosos devem ser buscados, como febre, alterações no hemograma, na velocidade de hemossedimentação, na proteína C-reativa e cultura de bactérias. Doenças degenerativas raramente apresentam-se subitamente e alterações genéticas são mais raras de se manifestar a partir da meia-idade. Alterações vasculares do suprimento da medula podem ser pensadas, devido a uma trombose ou a uma embolia, especialmente em pacientes com risco cardiovascular (hiperlipidemia, história de hipertensão arterial sistêmica ou acidentes vasculares anteriores), e podem ser excluídas por meio de exames contrastados (TC, RNM). O paciente que aqui descrevemos, de 62 anos, deu entrada na unidade de emergência com queixa de dor lombar e dorsal e paresia de membros inferiores, sem conseguir urinar. Foi feita uma TC de coluna, onde foi possível observar uma massa extravertebral em T7-T8 e destruição dos respectivos corpos vertebrais. Como apresentava investigação prévia de prostáta, foi feito teste do PSA e TC, sendo que o primeiro apresentou resultado acima do normal e a imagem da tomografia mostrava próstata aumentada e heterogênea, o que corroborava para o diagnóstico de metástase óssea de tumor prostático, como sua primeira manifestação. Ao se compararem dados da literatura, fica claro por que primeiro se pensou nesta hipótese diagnóstica e não na tuberculose óssea. Com o paciente internado, foi feita cintilografia óssea, também com padrão de metástase óssea (é importante notar que esta é sensível para alterações ósseas que estejam relacionadas a um aumento do suprimento sanguíneo, o que vai desde artrose até metástases, mas não é específica, de modo que não foi feita para diagnóstico diferencial, mas sim para a avaliação inicial, tendo em vista que, naquele serviço, seus resultados chegariam mais rapidamente do que os dos outros exames), além de RNM e biópsia da próstata, a qual teve resultado negativo para neoplasias malignas, afastando o diagnóstico inicial. Poderia ter sido feita uma punção da coluna para verificar diretamente o tecido envolvido no processo doloroso e parestésico, dando o diagnóstico final, mas tal exame não estava disponível no hospital em que o paciente estava internado, e a dificuldade para o seu transporte até outra cidade impediu que fosse realizado. É importante ressaltar que em 10% a 47% dos pacientes com tuberculose óssea há envolvimento neurológico7, como o apresentado no caso, sendo um dos pontos da tríade sintomática da doença: gibosidade, abscesso e paraplegia. Além disso, o aspecto da RNM — destruição do corpo vertebral e envolvimento do disco — são aqueles comuns à doença, sendo também as principais causas de compressão medular.4 Vale observar a importância do resultado dos exames, visto haver espera de cinco semanas para o resultado da biópsia prostática e duas para o resultado da ressonância magnética. Somente na sexta semana de internação iniciou-se o tratamento para espondilite tuberculosa, seguindo esquema tríplice, com o qual o paciente apresentou melhora progressiva, até a alta 10 semanas após a internação. Atenção especial deve ser dada à necessidade de observação clínica completa, conhecimento da doença, seus sintomas e imagens que colaboram para o diagnóstico, visto que não é uma doença tão incomum. Suas complicações neurológicas podem evoluir para um quadro irreversível e o tratamento inicial é feito somente com antibióticos, ao contrário de uma metástase, que exige tratamento mais agressivo. A demora nos resultados de exames pode tornar o diagnóstico diferencial de uma doença relativamente simples bastante complexo, acarretando sofrimento não só para o paciente como para toda a família, que passam dias à espera de um diagnóstico que não chega além de gerar gastos contínuos de internação para o governo que poderiam ser minimizados caso o diagnóstico fosse feito mais rapidamente. Além disso, se um diagnóstico errado e grave como um tumor fosse comunicado no momento em que o paciente e a sua família encontram-se tão frágeis poderia ser o suficiente para que ele perdesse a vontade de continuar o tratamento e causasse profundas repercussões psicológicas, muitas vezes irreversíveis, tanto nele quanto em sua família. CONCLUSÃO Em um paciente com alteração medular e história de investigação de próstata, nem metástases prostáticas para a coluna nem tuberculose devem ser excluídas. Após anamnese completa e detalhada, alguns exames são essenciais para o diagnóstico diferencial entre metástase prostática para a coluna e mal de Pott: o PSA, o PPD e exames de imagem (principalmente RNM), e, para fechar o diagnóstico, citologia da lesão. O diagnóstico rápido por meio desta metodologia e o tratamento tríplice para tuberculose permitem ao paciente uma estada menor no hospital, uma recuperação rápida e uma lesão tão mínima quanto possível ao sistema nervoso central. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — Campus Sorocaba Praça Dr. José Ermírio de Moraes, 290 Jardim Faculdade — Sorocaba (SP) CEP 18030-095 Tel. (15) 3211-0212 Fax. (15) 3211-0212 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: Nenhuma Conflitos de interesse: Nenhum Diagn Tratamento. 2010;15(1):8-11. RDT v15n1.indb 10 20/4/2010 16:48:04 David Gonçalves Nordon | Fernanda Saad Rodrigues | Maysa Amanda Ferrari Rissi | Walter Stefanuto REFERÊNCIAS 1. Martins T, Miranda S, Salvado C, et al. Tuberculose óssea. O ressurgir das velhas formas de apresentação [Bone tuberculosis. The recurrence of the old clinical manisfestations]. Medicina Interna. 1996;3(2)92-5. Disponível em: http://www.spmi.pt/revista/vol03/vol03_n2_1996_092-095.pdf. Acessado em 2009 (10 set). 2. Dass B, Puet TA, Watanakunakorn C. Tuberculosis of the spine (Pott’s disease) presenting as ‘compression fractures’. Spinal Cord. 2002;40(11):604-8. 3. Pietrobon RS, Pinha MA, Costa PAB, Silva RF. Epidemiologia da tuberculose óssea: análise de 149 casos no Paraná [Epidemiology of bone tuberculosis: analysis of 149 cases in the state of Paraná, Brazil]. Rev Bras Ortop. 1994;29(6):426-30. 4. Puertas EB, Chagas JCM, Wajchenberg M, D’Orto CCC. Avaliação clínica, radiológica e tratamento de 17 pacientes com tuberculose óssea na coluna vertebral [Clinical and radiological evaluation and treatment of 17 patients with bony tuberculosis in the spine]. Rev Bras Ortop. 1999;34(2):113-6. 5. Martini RK, Fonseca GF, Almeida AR, Zardo EA. Mal de Pott na infância relato de caso e revisão da literatura [Pott’s disease in childhood – case report and literature review. Revista AMRIGS. 2002;46(1,2):61-5. Disponível em: http://www.amrigs.org.br/revista/46-01-02/Mal%20de%20Pott%20na%20 11 inf%C3%A2ncia.pdf. Acessado em 2009 (10 set). 6. Cabral MML, Azevedo BCCA, Montenegro LML, Montenegro RA, Lima AS, Schindler HC. Espondilite tuberculosa em adolescente [Tuberculous spondylitis in teenager]. J Bras Pneumol. 2005;31(3):261-4. 7. Omari B, Robertson JM, Nelson RJ, Chiu LC. Pott’s disease. A resurgent challenge to the thoracic surgeon. Chest. 1989;95(1):145-50. 8. Meohas W, Probstner D, Vasconcellos RAT, Lopes ACS, Rezende JFN, Fiod NJ. Metástase óssea: revisão da literatura [Bone metastases: literature review]. Rev Bras Cancerol. 2005;51(1):43-7. 9. Garcia RJ, Moura M, Granata Junior GSM, et al. Metástases de origem primária desconhecida: primeira manifestação no tecido ósseo: orientaçäo para o diagnóstico do tumor primário [Skeletal metastasis of unknown origin: first manifestation on the bone tissue: orientation for the diagnosis of the primary tumor]. Rev Bras Ortop. 1996;31(11):941-6. 10. Abreu BAL, Chaves GA, Soares Junior J, et al. Cintilografia óssea no câncer de próstata [Bone scintigraphy in patients with prostate cancer]. Radiol Bras. 2005;38(5):365-9. Data de entrada: 27/4/2009 Data da última modificação: 23/11/2009 Data de aceitação: 30/11/2009 RESUMO DIDÁTICO 1. A afecção óssea na tuberculose ocorre em aproximadamente 1% dos infectados. 2. O envolvimento neurológico, que ocorre em 10% a 47% dos pacientes, se não tratado adequada e rapidamente, pode causar danos irreversíveis. 3. É necessária, para diferenciar metástases ósseas de tuberculose óssea, uma observação clínica completa, conhecimento das possíveis doenças e da propedêutica armada que pode contribuir para o diagnóstico. 4. Tuberculose não é tão incomum e seu tratamento é feito somente com antibióticos, ao contrário de possíveis metástases que exigem tratamento agressivo. 5. A demora nos resultados dos exames pode tornar o diagnóstico diferencial de uma doença relativamente simples em algo bastante complexo. 6. Alguns exames são essenciais para o diagnóstico diferencial entre metástase prostática para a coluna e mal de Pott: PSA (prostate-specific antigen), PPD (purified protein derivative), ressonância nuclear magnética (preferencialmente) ou tomografia computadorizada e, para fechar o diagnóstico, citologia da lesão. Diagn Tratamento. 2010;15(1):8-11. RDT v15n1.indb 11 20/4/2010 16:48:04 Ginecologia e obstetrícia Hepatites virais e gestação Mauri José PiazzaI Almir Antonio UrbanetzI Newton Sérgio de CarvalhoII Denis José NascimentoII Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brazil INTRODUÇÃO As hepatites virais são doenças infecciosas que podem ocorrer com alguma frequência nas grávidas. O propósito desta revisão é descrever os diferentes tipos de infecções decorrentes de hepatites virais e também as diversas implicações que podem suceder na gravidez. Principais tipos de hepatites Hepatite A (HAV) É a mais frequente das hepatites, causada por um picornavírus (enterovírus 72), que pode cursar com ou sem sintomas, com um período de incubação variável de 28 dias (média de 15 a 50 dias). A concentração mais alta deste vírus tem sido detectada em águas contaminadas com resíduos fecais. Após a infecção, este vírus sofre uma grande replicação dentro dos hepatócitos, é excretado pela bile para os intestinos e então passa a ser infectante. Nas crianças a infecção poderá ser assintomática ou mesmo não detectada e, dependendo das condições climáticas, o vírus poderá permanecer estável por muitos meses no meio ambiente.1 As complicações sérias pelo HAV são raras e ocorrem em menos de 1% dos casos,1,2 sendo que a cronicidade desta infecção inexiste.3-5 Hepatite B É causada por um hepa DNA vírus ou partículas de Dane (HBV), sendo que este vírus possui três antígenos: o antígeno HBsAg está localizado na superfície, o HBcAg no interior e o terceiro antígeno, conhecido como HBeAg, também está localizado no “interior” do vírus, e pela sua determinação indica uma intensa replicação viral, sendo assim caracterizada a infecção aguda.6 A hepatite B é transmitida por contato sexual e via parenteral. Foi detectada em vários fluidos corporais, mas, somente no soro, saliva e no sêmen é que foi provada sua infectividade.7,8 Os indivíduos de maior risco para serem infectados são aqueles com múltiplos parceiros sexuais, os que usam drogas injetáveis e aqueles cujos parceiros sexuais têm contato com I II grupos de risco.9,10 A mortalidade que pode ocorrer quando há infecção aguda pelo HBV é em torno de 1%, sendo que 85% a 90% dos doentes têm resolução plena.9,11 Somente 10% a 15% podem evoluir para hepatite crônica e cirrose no correr dos anos seguintes, sendo que o obituário, devido à ocorrência de hepatocarcinoma, situa-se em torno de 4.000 a 5.000 pacientes por ano.12,13 Cerca de 90% das hepatites virais ocorridas em menores de cinco anos tem boa evolução e a progressão para infecção crônica é incomum.14,15 A sua forma de evolução poderá ser aguda e fulminante em 5% dos casos, sob forma crônica persistente, quando o vírus persiste, mas com dano hepático mínimo, e também sob a forma crônica ativa, quando há grave dano hepático que poderá evoluir para cirrose e insuficiência hepática.6 Hepatite C (HCV) Condicionada por um togavírus que tem como fatores causais seis diferentes tipos de genomas virais detectados. Existe grande variabilidade de ocorrência em diferentes países. Como a sua transmissão é por via parenteral, o maior risco para a sua difusão é com o emprego de hemoderivados e pelo uso de drogas endovenosas. Seu período de incubação varia de 30 a 60 dias. As infecções assintomáticas ocorrem em 75% dos pacientes e podem se cronificar em 50% desse total. Por sua vez, a cronificação da doença pode acarretar maior incidência de linfomas de células beta e ou crioglobulinemia.16 A coexistência (vírus HBV, HCV e HIV) é situação conhecida que poderá acelerar ou reduzir a progressão e a gravidade dos danos hepáticos.2,11,17,18 Esta situação dependerá da estrutura metabólica do hospedeiro e da produção de citocinas antivirais.19 O vírus da hepatite B poderá igualmente afetar a replicação viral do HIV, principalmente pela produção do fator de necrose tumoral, a partir de monócitos cronicamente infectados.19,20 Por sua vez, parece evidente que a co-infecção pelos vírus HCV e HIV pode propiciar uma progressão mais rápida da hepatite crônica para formas de cirrose e de insuficiência hepática.2 Contudo, ainda não existe conclusão definitiva de que a infecção pelo HCV possa acelerar a progressão pelo HIV.18,21 Professor titular de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil. Professor adjunto do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil. Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 12 20/4/2010 16:48:04 Mauri José Piazza | Almir Antonio Urbanetz | Newton Sérgio de Carvalho | Denis José Nascimento Hepatite D (HDV) O fator causal é uma partícula viral incompleta e que sempre coexiste com a HBV, sendo uma co-infecção. A infecção é veiculada pelo sangue e frequentemente evolui para formas graves, podendo, em 70% a 80% dos pacientes, desenvolver cirrose e hipertensão portal. A taxa de mortalidade poderá atingir 25% em até dois anos, desde o seu quadro agudo.16 A sua ocorrência é maior em áreas endêmicas tropicais e subtropicais e existem indícios de maior prevalência em diversos países da África, Oriente Médio, Grécia, Itália e no Brasil, na região amazônica.7 Hepatite E (HEV) Suas características epidemiológicas são semelhantes às da hepatite A. A transmissão deste vírus também ocorre por inadequadas condições sanitárias, como a contaminação das águas pelos dejetos fecais. Seu período de incubação é de três a oito semanas, com média de 40 dias, sendo conhecida como não A-não B.22 Sua ocorrência na gestação pode induzir maior risco de hepatite fulminante, sendo referido que, em pequeno grupo de pacientes grávidas no terceiro trimestre, a taxa de mortalidade condicionada pelo HEV pode atingir 20%.23,24 Diagnóstico e manifestações clínicas Os sintomas iniciais são os compatíveis com um quadro infeccioso agudo, coexistindo mal-estar, fadiga, anorexia, náuseas e dores (epigástricas e no hipocôndrio direito). Na evolução, os sintomas típicos são icterícia e hepatomegalia. Em alguns casos, as hepatites podem ser anictéricas, mas o comum é que a urina tenha cor bastante escura e as fezes apresentem aspecto claro-acinzentado (acolia).6 As infecções pelo HBV são habitualmente anictéricas e apenas 30% dos indivíduos apresentam a forma ictérica.14 Nos pacientes com suspeita de HAV e HEV existe a referência de ter frequentado locais ou áreas expostas à contaminação com fezes.1 Em contrapartida, nas possíveis hepatites B, C ou D existe a referência ao contato com sangue ou hemoderivados e ou contato sexual com indivíduos infectados.4 Recomenda-se também às gestantes evitarem contatos íntimos com os familiares e mesmo sexual com o parceiro, até que estes tenham recebido terapêutica profilática, conforme o tipo diagnosticado. As gestantes que adquirirem hepatite devem ser hospitalizadas e acompanhadas quanto à possibilidade de encefalopatias, coagulopatias ou mesmo enfraquecimento e debilidade progressiva. Dependendo do grau de enfraquecimento, há necessidade da reposição com conveniente suporte hidroeletrolítico e de hemoderivados como sangue, plaquetas e fatores da coagulação que podem ser adicionados caso ocorram sinais de coagulopatia.2 Se a gestante permanecer em bom estado geral, poderá ser mantida em repouso domiciliar, mas com redução das atividades físicas e conveniente controle alimentar, principalmente 13 para se evitar a progressão para encefalopatia. Existindo sinais de encefalopatia, a oferta de proteínas deverá ser reduzida para diminuir o catabolismo proteico. Nessa eventualidade, poderão ser ofertados aminoácidos de cadeias ramificadas, embora os seus resultados não sejam ainda conclusivos.23 Exames laboratoriais: simultaneamente ao início dos sintomas agudos existe um sensível aumento das enzimas hepáticas, como as da alanina aminotransferase (ALT/TGP) e da aspartato aminotransferase (AST/TGP).6 As bilirrubinas também estão aumentadas e, quando a doença está em grau moderado a grave, os fatores de coagulação sanguínea poderão sofrer alterações.6 A biópsia hepática geralmente não é indicada na gestação, embora possa raramente ser necessária para diferenciar as hepatites virais de outras hepatites tóxicas, pois estas apresentam extenso dano nos hepatócitos e importante infiltrado inflamatório, com graus variáveis de necroinflamação e fibrose.25,26 Exames laboratoriais específicos O diagnóstico sorológico é muito importante e necessário ao controle da doença. Assim, o acompanhamento dos diferentes antígenos virais torna-se imprescindível. Os diversos tipos virais são determinados através de vários exames laboratoriais. Hepatite A (HAV) O quadro agudo pode ser caracterizado pela detecção dos anticorpos imunoglobulina M específicos (anti-HVA-IgM), que não são evidenciados na sua evolução crônica. A imunoglobulina G (anti-HVA-IgG) pode ser detectada a longo prazo naqueles que tiveram a infecção anteriormente ou que tenham recebido a vacina. A sensibilidade da HAV IgM é de 98.04% e a especificidade de 99,44%. Por sua vez, a anti-HAV total-IgG tem sensibilidade e especificidade de 100% conforme a técnica ELFA (enzyme linked fluorescent assay).3 Hepatite B (HBV) HBsAg é secretado diretamente no sangue e sua presença no soro indica que a replicação viral está ocorrendo no fígado. É o primeiro marcador nas infecções agudas e surge no período de incubação entre 4-12 semanas, declinando em 90% dos casos ainda na fase de icterícia. Sua presença por mais de 24 semanas indica hepatite crônica. A sua sensibilidade e especificidade na detecção laboratorial são de 100% com intervalos de confiança a 95%-99,87% e 100%.27,28 HBeAg também é uma proteína secretada no sangue e representa sempre replicação viral no fígado e maior infectividade. Sua curva se inicia uma semana após a curva do HBsAg e sua persistência por mais de três meses sugere cronificação do processo. A sua sensibilidade à detecção laboratorial é de 98,65% e a sua especificidade é de 99,49%.29-31 HBcAg é uma proteína interna do vírus que não é detectada no sangue. Resposta dos anticorpos (Tabela 1).4 Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 13 20/4/2010 16:48:05 14 Hepatites virais e gestação Tabela 1. Interpretação dos exames sorológicos da infecção do vírus da hepatite B (HBV)4 Teste HBsAg Anti-HBc Anti-HBs HBsAg Anti-HBc Anti-HBs HBsAg Anti-HBc Anti-HBs HBsAg Anti-HBc IgM Anti-HBc Anti-HBs HBsAg Anti-HBc IgM Anti-HBc Anti-HBs HBsAg Resultado Negativo Negativo Negativo Negativo Positivo Positivo Negativo Negativo Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Positivo Positivo Negativo Negativo Negativo Anti-HBc Anti-HBs Positivo Negativo Interpretação Suscetível Imunidade por infecção natural Imunidade pela vacinação HBV Infecção aguda Cronicamente infectado Quatro possíveis interpretações; melhoria de uma infecção pós-HBV; teste indicando uma infecção tardiamente ocorrida com níveis séricos baixos de anti-HBs; teste falso positivo ao anti-HBc; níveis séricos não detectáveis de HBsAg em uma pessoa cronicamente infectada. 1. Anticorpo de superfície (anti-HBs) torna-se detectável na fase tardia da convalescença e indica a ocorrência de imunidade seguindo a infecção aguda e poderá ser determinado por toda a vida. Sua determinação indica também imunidade pós-vacinação. Sua sensibilidade é de 96,6% e a sua especificidade é de 99,01%.27 2. Anticorpo e (anti-HBe) torna-se detectável quando a replicação viral cai e indica uma baixa infectividade. A sensibilidade laboratorial é de 98,65% e a especificidade é de 99,49%.28 3. HBc-IgM em valores crescentes indicam uma infecção recente. A sua sensibilidade é de 100% e a especificidade é de 99,67%.32 4. HBc-IgG passa a ter um aumento crescente após o aumento do IgM e permanece presente por toda a vida, seja nos processos crônicos ou naquelas com infecções manifestas. Sensibilidade de 99,56% e especificidade de 99,94%.32 Hepatite C (HCV) É confirmada pela identificação dos anticorpos através dos testes de ELISA (enzyme linked immuno sorbent assay), sendo este um imunoensaio de terceira geração. Esses anticorpos podem estar presentes somente quatro a seis meses da exposição e depois de dois a quatro meses do início do quadro infeccioso. Por sua vez, o RNA do vírus da hepatite C pode ser obtido por reação em cadeia de polimerase já na fase inicial da doença ou mesmo nos quadros crônicos.33 A sua sensibilidade é de 100% e a especificidade é de 99,7%.34 A detecção do anti-HCV pode ser feita entre duas a três semanas da infecção inicial. O diagnóstico pode ser estabelecido pela detecção do anti-HCV ou do HCV-RNA, mas nenhum desses testes permite diferenciar se esta infecção é aguda, crônica ou resolvida. Sendo assim, a maioria das pessoas com teste positivo será cronicamente infectada e esta cronicidade é avaliada somente pelas transaminases elevadas e pelo teste de antiHCV positivo.4,35 Hepatite D (HDV) É de evolução frequentemente grave. O seu diagnóstico é feito pela determinação sérica dos anticorpos contra o vírus da hepatite D e pela detecção do antígeno HDV. Os níveis de IgM são pouco duradouros e nas infecções crônicas estes níveis são também bastante variáveis pela determinação do IgG.4 A antiginemia para hepatite D geralmente persiste em pacientes com hepatite crônica D, apesar do aparecimento tardio dos anticorpos IgG contra o vírus.7 Hepatite E (HEV) O diagnóstico específico poderá ser feito pela detecção dos anticorpos anti-HEV IgG e anti-HEV IgM.22,23 Outras formas de hepatite permanecem com etiologia desconhecida, mas a ocorrência da mononucleose infecciosa devido ao vírus Epstein-Barr, vírus da febre amarela, da rubéola, do herpes simples e também o vírus de inclusão citomegálico, poderá condicionar dano hepático.14 Tratamento e controle das hepatites Hepatite aguda O seu grau de gravidade deverá ser determinado pelos níveis de albumina sérica e pelo tempo de protrombina. É considerada débil se o tempo de protrombina for superior a 40% e se o nível de albumina for maior de 30 g/l.36 Existindo prurido, este poderá ser tratado com drogas antihistamínicas ou colestiramina na dose de 4 g/dia. Outras substâncias que sofrem metabolização hepática devem ser evitadas, e aquelas com potencial hepatotóxico como o álcool deverão ser suspensas por seis meses. Hepatite fulminante (A, B ou C) Pode progredir com grave icterícia e confusão mental pelo maior dano hepático.37 Recomenda-se, nesta situação, a internação hospitalar em unidade de terapia intensiva (UTI) e mesmo o transplante hepático deverá ser considerado.38 Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 14 20/4/2010 16:48:05 Mauri José Piazza | Almir Antonio Urbanetz | Newton Sérgio de Carvalho | Denis José Nascimento Hepatite B O objetivo primário do tratamento das infecções crônicas condicionadas pelo HBV será eliminar o vírus e reduzir a sua replicação viral. Com este intuito será evitada a progressão para quadros de cirrose e maior risco do desenvolvimento de hepatocarcinomas. A maioria dos pacientes tem melhora completa na sequência da doença. No entanto, menos de 5% dos pacientes adultos podem permanecer portadores. A determinação do HBeAg é um auxiliar na investigação da infecciosidade, sendo um marcador da existência de replicação viral, enquanto o HBsAg deve ser determinado somente três meses após o início da doença. Esse mesmo teste (HBsAg), se persistir positivo aos seis meses do início da doença, indica que há grande probabilidade de se tratar de um portador, mas a situação só será confirmada pela positividade desse teste aos 12 meses.4,14 Os pacientes HBsAg-negativos com atividade inflamatória têm sua resposta virológica caracterizada pela negativação do HBV-DNA, que será acompanhada pela negativação tardia do HBsAG.39 O IFN (interferon) alfa constitui seguramente o tratamento padrão para a hepatite crônica B em pacientes sem doença hepática descompensada. A duração do tratamento deverá ser de 16 semanas e o esquema terapêutico poderá ser com 5 milhões de unidades diariamente ou 10 milhões, três vezes por semana.5,12,40 Com o emprego do interferon poderão existir efeitos colaterais, mas habitualmente tem sido evidenciada uma resposta terapêutica conveniente em 30% a 40% dos pacientes.41,42 Hepatite C A persistência das transaminases elevadas poderá manter-se até os seis meses e os seus valores dentro da normalidade não excluem o risco da hepatite crônica. Nesse tipo de hepatite há importância na determinação do genótipo viral, sendo que o tratamento é mais eficaz para aquele vírus com genótipo 2 e 3 do que o vírus C com genótipo 1 e 4.43 Nessa situação, a biópsia hepática deverá ser feita nos pacientes com genótipo viral 1 e 4, mesmo com as transaminases normais e com HCV-RNA44 para observarmos, assim, a sua forma evolutiva. O tratamento consiste na combinação do interferon alfa e ribavirina por 12 meses naqueles com genótipos 1 e 4 e por 6 meses nos genótipos 2 e 3.45,46 Com essa associação terapêutica, há erradicação dos vírus do sangue em mais de 29% dos pacientes.44 Lembrar que são contraindicações para a terapêutica retroviral a existência de cirrose e disfunção hepática descompensada, estado de imunossupressão grave, doenças autoimunes e gravidez. A ribavirina tem efeitos fetais danosos, sendo teratogênica.4 Devido a isso, as gestações devem ser evitadas até seis meses depois do término do tratamento. Deve-se indicar transplante hepático se a expectativa de vida for inferior a seis meses. 15 Por sua vez, com a adição do polietileno-glicol ao interferon alfa, houve a formação de substância com vida média mais longa a ser administrada uma vez por semana. Este é o interferon peguilado (Peg-INF).45 Desde que este esquema terapêutico seja mantido os seus resultados são superiores e chegam a 38% quando comparado a monoterapia.43,45 Assim é que, em estudo anterior, quando da sua associação com a ribavarina em esquemas terapêuticos prolongados por 24 meses, obteve-se a melhor resposta se comparada ao seu uso por 48 semanas.43 Vacinação A indicação para o emprego de vacina(s) para a hepatite deve compreender os seguintes grupos alvos: 1. trabalhadores da saúde em zonas endêmicas; 2. pessoas envolvidas em prostituição; 3. pacientes com doenças hematológicas que requerem derivados de sangue; 4. parceiros sexuais de pessoas portadoras com HBsAg positivo e com hepatite aguda B; 5. usuários de drogas e seus parceiros sexuais, bem como recém-nascidos (RN) de mães que usam drogas; 6. em casos de acidentes com agulhas e com exposição ao sangue; 7. neonatos cujos pais são HBsAg-positivos.47 Vacina para hepatite A Está disponível, constituída de um antígeno viral inativado ou em associação HAV e antígenos HBV. Duas vacinas existem comercialmente e ambas usam vírus HAV inativados e o componente HBV é um antígeno proteico não viral recombinante. Essas duas vacinas disponíveis podem ser empregadas aos 1-6 e 12 meses (três doses) e aos 6 e 18 meses de intervalo. A vacina HAV cria resposta imunitária em 94% após a primeira dose, sendo muito eficaz por reduzir a incidência da doença e a progressão das epidemias. A imunoglobulina permanece como uma disponibilidade na profilaxia para aqueles que sofreram exposição viral sem proteção.48 Estudo publicado em 1999 comparou a capacidade imunogênica destas duas vacinas existentes no mercado para a HAV. Os resultados evidenciados na quarta semana, após a primeira imunização, mostrou taxa de conversão de 100% para a VQTA e de 95% para a HAVRIX e, no acompanhamento ao sexto mês, ambas mostraram resultados idênticos.49 Vacinas para hepatite B Com dois antígenos para a vacinação da hepatite B, foram preparadas em culturas de fungos. São intensamente imunogênicas e desenvolvem a soroconversão em mais de 95% dos casos.50 Os esquemas de uso para as vacinas contra a hepatite B são variáveis, mas habitualmente são empregadas três doses, reco- Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 15 20/4/2010 16:48:05 16 Hepatites virais e gestação mendando-se aos 0-1 e 6 meses.51 A sua administração deve ser feita via intramuscular na região deltoide, pois o uso na região glútea e intradérmica tem propiciado baixas taxas de soroconversão. As gestantes, quando necessário, podem ser vacinadas, pois a gravidez não é uma contraindicação à vacinação.52 Hepatites e gestação: considerações finais Algumas questões pertinentes às hepatites (e/ou infecções virais) e gestação: 1. Hepatite aguda versus gravidez — os quadros de hepatite aguda na gestação necessitam internação hospitalar se existir algum sinal de encefalopatia aguda, coagulopatia ou grave debilidade devido à má-nutrição. Nessas eventualidades pode haver necessidade de reposição de sangue e fatores da coagulação sanguínea, tais como plasma fresco e crioprecipitados. 2. Gestantes que presumivelmente são portadoras dos vírus HBV e HCV devem ser acompanhadas por médicos experientes nessa área e orientadas a notificar aos seus parceiros sexuais, e também empregar métodos de prevenção da transmissão para outras pessoas.53 3. Transmissão vertical para o feto — aproximadamente 10% a 20% das mulheres que são soropositivas para o HBsAg podem transmitir aos seus fetos o HBV e, entre as pacientes que são positivas para o HBsAg e HBeAg, a possibilidade de transmissão atinge os 90%.4 O CDC (Centers for Disease Control, Atlanta, EUA) recomenda a vacinação dos RN cujas mães são soronegativas, e esta deve ser efetuada quando houver alta hospitalar pósparto ou no máximo até o final do primeiro mês. Essa vacinação pode ser postergada somente se o peso do RN for inferior a 2.000 g e se a mãe for HBsAg negativa.52,54 Outra recomendação importante é que o RN cuja mãe é HBsAg-positiva ou cuja imunologia for desconhecida na ocasião do parto deve receber a primeira dose da vacina e uma dose de imunoglobulina contra o vírus da hepatite B (HBIG) dentro das primeiras 12 horas do pós-parto. A administração deve ser feita por via intramuscular em dois locais separados. Na sequência dos próximos seis meses as duas outras doses da vacina devem ser administradas. A combinação da imunização ativa e passiva é bastante eficaz na redução da transmissão do vírus da hepatite B em 85% a 95% dos casos.12,40 4. Transmissão intraparto — essa passagem do vírus para o RN ocorre em 85% a 95% das vezes durante o trabalho de parto devido à exposição do feto ao sangue e secreções maternas.4 A via de parto não tem influenciado na maior transmissão do HCV; devido a isso, a indicação do parto cesáreo deve ocorrer somente por razões obstétricas.36,53,55,56 Um maior risco para essa disseminação do HVB foi evidenciado em gestantes HBsAg-soropositivas, história de tratamento de trabalho de parto prematuro e altos títulos de HBsAg e HBV-DNA no soro materno.4 5. Gestantes com hepatite crônica e métodos invasivos pré-natais têm um baixo percentual de risco de sofrerem infecções nos fetos. Em diversos estudos anteriores a ocorrência dessa situação foi bastante infrequente, principalmente quando houve realização de amniocentese.4 6. Amamentação e hepatite: nas mulheres infectadas por HAV a amamentação pode ser indicada desde que sejam feitos importantes cuidados de higiene. O uso da imunoglobulina deve ser recomendado ao RN ao início da amamentação.47,48 A amamentação não é contraindicada para mulheres HBsAgpositivas57 e, na ocasião do parto, se a gestante for cronicamente infectada pelo HBV, o RN deve receber uma dose de imunoglobulina e simultaneamente deverá ser administrada a primeira dose da vacina.40,47 A amamentação não é contraindicada para gestantes cronicamente infectadas pelo HCV e não há maior risco de transmissão viral ao RN nessa eventualidade.55,57-59 INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Mauri José Piazza Rua Padre Agostinho, 1.923 — Apto 701 Curitiba (PR) CEP 80710-000 Tel./Fax. (41) 3338-0101 Cel. (41) 9995-0005 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado REFERÊNCIAS 1. Staes CJ, Schlenker TL, Risk I, et al. Sources of infection among persons with acute hepatitis A and no identified risk factors during a sustained community-wide outbreak. Pediatrics. 2000;106(4):E-54. 2. Schiff ER, Sorell MF, Maddrey WC. Diseases of the liver. Philadelphia: Lippincot-Raven;1999. 3. Miller WJ, Clark W, Hurni W, Kuter B, Schofield T, Nalin D. Sensitive assays for hepatitis A antibodies. J Med Virol. 1993;41(3):201-4. 4. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin No. 86: Viral hepatitis in pregnancy. Obstet Gynecol. 2007;110(4):941-56. 5. Wachs ME, Amend WJ, Ascher NL, et al. The risk of transmission of hepatitis B from HBsAg(-), HBcAb(+), HBIgM(-) organ donors. Transplantation. 1995;59(2):230-4. 6. Befeler AS, Di Bisceglie AM. Hepatitis B. Infect Dis Clin North Am. 2000;14(3):617-32. 7. Alter HJ, Purcell RH, Gerin JL, et al. Transmission of hepatitis B to chimpanzees by hepatitis B surface antigen-positive saliva and semen. Infect Immun. 1977;16(3):928-33. 8. Bond WW, Favero MS, Petersen NJ, Gravelle CR, Ebert JW, Maynard JE. Survival of hepatitis B virus after drying and storage for one week. Lancet.1981;1(8219):550-1. 9. Schreiber GB, Busch MP, Kleinman SH, Korelitz JJ. The risk of transfusiontransmited viral infections. The Retrovirus Epidemiology Donor Study. N Engl J Med. 1996;334(26):1685-90. 10. Alter MJ, Hadler SC, Margolis HS, et al. The changing epidemiology of hepatitis B in the United States. Need for alternative vaccination strategies. JAMA. 1990;263(9):1218-22. Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 16 20/4/2010 16:48:05 Mauri José Piazza | Almir Antonio Urbanetz | Newton Sérgio de Carvalho | Denis José Nascimento 11. Bernstein BM, Gill JC. Natural history and therapy of hepatitis B and C in patients with HIV disease. AIDS Clin Rev. 1993-1994:129-43. 12. Malik AH, Lee WM. Chronic hepatitis B virus infection: treatment strategies for the next millennium. Ann Intern Med. 2000;132(9):723-31. 13. Benvegnù L, Fattovich G, Noventa F, et al. Concurrent hepatitis B and C virus infection and risk of hepatocellular carcinoma in cirrhosis. A prospective study. Cancer. 1994;74(9):2442-8. 14. Silverman NS, Darby MJ, Ronkin SL, Wapner RJ. Hepatitis B prevalence in an unregistered prenatal population. Implications for neonatal therapy. JAMA. 1991;266(20):2852-5. 15. Kaganov BS, Nisevich NI, Uchaikin VF, et al. Acute viral hepatitis B in children: lack of chronicity. Lancet. 1990;336(8711):374-5. 16. Drobeniuc J, Hutin YJ, Harpaz R, et al. Prevalence of hepatitis B, D and C virus infections among children and pregnant women in Moldava: additional evidence supporting the need for routine hepatitis B vaccination of infants. Epidemiol Infect. 1999;123(3):463-7. 17. Hadler SC, Judson FN, O’Malley PM, et al. Outcome of hepatitis B virus infection in homosexual men and its relation to prior human immunodeficiency virus infection. J Infect Dis. 1991;163(3):454-9. 18. McNair AN, Main J, Thomas HC. Interactions of the human immunodeficiency virus and the hepatotropic viruses. Semin Liver Dis. 1992;12(2):188-96. 19. Horvath J, Raffanti SP. Clinical aspects of the interactions between human immunodeficiency virus and the hepatotropic viruses. Clin Infect Dis. 1994;18(3):339-47. 20. Levrero M, Balsano C, Natoli G, Avantaggiati ML, Elfassi E. Hepatitis B vírus X protein transactivates the long terminal repeats of human immunodeficiency virus types 1 and 2. J Virol. 1990;64(6):3082-6. 21. Zylberberg H, Pol S. Reciprocal interactions between human immunodeficiency virus and hepatitis C virus infection. Clin Infect Dis. 1996;23(5):1117-25. 22. Aggarwal R, Krawczynski K. Hepatitis E: an overview and recent advances in clinical and laboratory research. J Gastroenterol Hepatol. 2000;15(1):9-20. 23. Hussaini SH, Skidmore SJ, Richardson P, Sherratt LM, Cooper BT, O´Grady JG. Severe hepatitis E infection during pregnancy. J Viral Hepat. 1997;4(1):51-4. 24. Lee WM, Schiodt FV, O’Grady JG, Portmann B, Williams R. Fulminant hepatic failure. In: Schiff ER, Sorrell MF, Maddrey WCL, Schiff R, editors. Diseases of the liver. Philadelphia: JB Lippincott; 1999. p. 879-95. 25. Knodell RG, Ishak KG, Black WC, et al. Formulation and application of a numerical scoring system for assessing histological activity in asymptomatic chronic active hepatitis. Hepatology. 1981;1(5):431-5. 26. Desmet VJ, Gerber M, Hoofnagle JH, Manns M, Scheuer PJ. Classification of chronic hepatitis: diagnosis, grading and staging. Hepatology. 1994;19(6):1513-20. 27. Zanetti AR, Tanzi E, Romano L, et al. Kinetics of antibody response to hepatitis B virus determinants and to recombinant vaccines in Italy. J Med Virol. 1990;32 (4):219-24. 28. Chen DS, Lai MT, Lee SC, Yang PM, Sheu JC, Sung JL. Serum HBsAg, HBeAg, anti-HBe, and hepatitis B viral DNA in asymptomatic carriers in Taiwan. J Med Virol. 1986;19(1):87-94. 29. Fattovic G, Rugge M, Brollo L, et al. Clinical, virologic and histologic outcome following seroconversion from HBeAg to anti-HBe in chronic hepatitis type B. Hepatology. 1986;6(2):167-72. 30. Realdi G, Alberti A, Rugge M, et al. Seroconversion from hepatitis B e antigen to anti-HBe in chronic hepatitis B virus infection. Gastroenterology. 1980;79(2):195-9. 31. Chen DS, Lay MY, Lee SC, Yang PM, Sheu JC, Sung JL. Serum HBsAg, HBeAg, anti-Hbe, and hepatitis B viral DNA in asymptomatic carriers in Taiwan. J Med Virol. 1986;19(1):87-94. 32. Brunetto MR, Cerenzia MT, Oliveri F, et al. Monitoring the natural course and response to therapy of chronic hepatitis B with an automated semiquantitative assay for IgM anti-HBc. J Hepatol. 1993;19(3):431-6. 33. Delamare C, Carbonne B, Heim N, et al. Detection of hepatitis C virus RNA (HCV RNA) in amniotic fluid: a prospective study. J Hepatol. 1999;31(3):416-20. 17 34. Wong T, Lee SS. Hepatitis C: a review for primary care physicians. CMAJ. 2006;174(5):649-59. 35. Bohman VR, Stettler RW, Little BB, Wendel GD, Sutor LJ, Cunningham FG. Seroprevalence and risk factors for hepatitis C virus antibody in pregnant women. Obstet Gynecol. 1992;80(4):609-13. 36. O’Grady JG, Schalm SW, Williams R. Acute liver failure: redefining the syndromes. Lancet. 1993;342(8866):273-5. 37. Naylor CD, O’Rourke K, Detsky AS, Baker JP. Parenteral nutrition with branched-chain amino acids in hepatic encephalophaty. A meta-analysis. Gastroenterology. 1989;97(4):1033-42. 38. O’Grady JG, Wendom J, Tan KC, et al. Liver transplantation after paracetamol overdose. BMJ. 1991;303(6796):221-3. 39. Look AS, Chung HT, Lin VW, Ma OC. Long-term follow-up of chronic hepatitis B patients treated with interferon alfa. Gastroenterology. 1993;105(6):1833-8. 40. Lok ASF. Treatment of chronic hepatitis B virus infection. In: Arroyo V, Bosch J, Brugueras M, Rodés J, Tapias JMS, editors. Treatment of liver diseases. Barcelona: Masson; 1999. p. 261-71. 41. Alexander GJ, Brahm J, Fagan EA, et al. Loss of HBsAg with interferon therapy in chronic hepatitis B virus infection. Lancet. 1987;2(8550):66-9. 42. Saracco G, Mazzella G, Rosina F, et al. A controlled trial of human lymphoblastoid interferon in chronic hepatitis B in Italy. Hepatology. 1989;10(3):336-41. 43. Poynard T, Marcellin P, Lee SS, et al. Randomised trial of interferon alpha2b plus ribavirin for 48 weeks or for 24 weeks versus interferon alpha2b plus placebo for 48 weeks for treatment of chronic infection with hepatitis C virus. International Hepatitis Interventional Therapy Group (IHIT). Lancet. 1998;352(9138):1426-32. 44. Reichard O, Nordrans G, Fryden A, et al. Interferon-alpha and ribavirin versus interferon alpha alone as therapy for chronic hepatitis C-a randomised,double bind placebo controlled study. Hepatology.1996,24:356A [Abstract]. 45. McHutchison JG, Gordon SC, Schiff ER, et al. Interferon alfa-2b alone or in combination with ribavirin as initial treatment for chronic hepatitis C. Hepatitis Interventional Therapy Group. N Engl J Med. 1998;339(21): 1485-92. 46. Schvarcz R, Yun ZB, Sönnerborg A, Weiland O. Combined treatment with interferon alpha-2b and ribavirin for chronic hepatitis C in patients with a previous non-response or non-sustained response to interferon alone. J Med Virol. 1995;46(1):43-7. 47. Lemon SM, Thomas DL. Vaccines to prevent viral hepatitis. N Engl J Med. 1997;336(3):196-204. 48. Clemens R, Safary A, Hepburn A, Roche C, Stanbury WJ, André FE. Clinical experience with an inactivated hepatitis A vaccine. J Infect Dis. 1995;171 Suppl 1:S44-9. 49. Ashur Y, Adler R, Rowe M, Shouval D. Comparison of immunogenicity of two hepatitis A vaccines--VAGTA and HAVRIX--in young adults. Vaccine. 1999,17(18):2290-6. 50. Keyserling HL, West DJ, Hesley TM, Bosley C, Wiens BL, Calandra GB. Antibody responses of healthy infants to a recombinant hepatitis B vaccine administered at two, four, and twelve or fifteen months of age. J Pediatr. 1994;125(1):67-9. 51. Mast EE, Margolis HS, Fiore AE, et al. A comprehensive immunization strategy to eliminate transmission of hepatitis B virus infection in the United States: recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) part 1: immunization of infants, children, and adolescents. MMWR Recomm Rep. 2005;54(RR-16):1-31. 52. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Maternal hepatitis B screening practices--Califórnia, Connecticut, Kansas, and United States, 1992-1993. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1994;43(17):317-20. 53. Granovsky MO, Minkoff HL, Tess BH, et al. Hepatitis C virus infection in the mothers and infants cohort study. Pediatrics. 1998;102(2 Pt 1):355-9. Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 17 20/4/2010 16:48:05 18 Hepatites virais e gestação 54. Schödel F, Kelly SM, Peterson DL, Milich DR, Curtiss R 3rd. Hybrid hepatitis B virus core-pre-S proteins synthesized in avirulent Salmonella typhimurium and Salmonella typhi for oral vaccination. Infect Immun. 1994;62(5): 1669-76. 55. Ferrero S, Lungaro P, Bruzzone BM, Gotta C, Bentivoglio G, Ragni N. Prospective study of mother-to-infant transmission of hepatitis C virus: a 10-year survey (1990-2000). Acta Obstet Gynecol Scand. 2003;82(3): 229-34. 56. Tajiri H, Miyoshi Y, Funada S, et al. Prospective study of mother-to-infant transmission of hepatitis C virus. Pediatr Infect Dis J. 2001;20(1):10-4. 57. Committee on Health Care for Underserved Women, American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Committee Opinion No. 361: Breastfeeding: maternal and infant aspects. Obstet Gynecol. 2007;109(2 Pt 1):479-80. 58. Kumar RM, Shahul S. Role of breast-feeding in transmission of hepatitis C virus to infants of HCV-infected mothers. J Hepatol. 1998;29(2):191-7. 59. Lin HH, Kao JH, Hsu HY, et al. Absence of infection in breast-fed infants born to hepatitis C virus-infected mothers. J Pediatr. 1995;126 (4):589-91. Data de entrada: 17/7/2008 Data da última modificação: 2/12/2009 Data de aceitação: 3/12/2009 RESUMO DIDÁTICO 1. As seis formas de hepatites virais constituem uma relativamente comum e bastante séria infecção que poderá atingir as gestantes, condicionando danos a elas e seriamente comprometendo todo o evoluir da gravidez. 2. Os quadros de hepatite aguda na gestação necessitam internação hospitalar se existir algum sinal de encefalopatia aguda, coagulopatia ou grave debilidade devido à má-nutrição. Nessas eventualidades pode haver necessidade de reposição de sangue e fatores da coagulação sanguínea, tais como plasma fresco e crioprecipitados. 3. Aproximadamente 10% a 20% das mulheres que são soropositivas para o HBsAg podem transmitir aos seus fetos o HBV e, entre as pacientes que são positivas para o HBsAg e HBeAg, a possibilidade de transmissão atinge os 90%. 4. A vacinação de recém-nascidos de mães soropositivas é indicada. 5. Há risco de transmissão de hepatite intraparto. Diagn Tratamento. 2010;15(1):12-8. RDT v15n1.indb 18 20/4/2010 16:48:05 Interesse geral Poliomielite e síndrome pós-pólio Arary da Cruz TiribaI Academia de Medicina de São Paulo A pólio já foi paralisia infantil, poliomielite anterior aguda, febre polioviral, doença de Heine-Medin [Jacob von Heine, clínico alemão (1800-1879), Karl Oskar Medin, clínico sueco (1847-1927)]).1 O nome não é de todo perfeito (pólio, em grego, cinzento; mielite, inflamação da medula); nem sempre a substância cinzenta medular é a mais comprometida, pois ocorrem lesões em outras áreas do sistema nervoso central. Conveniente que episódios sejam comentados, tendo em vista que ainda é registrada na Ásia e na África. Lembranças esparsas dos anos 50, século passado. Cidadão de origem centro-europeia residente em São Paulo marcara viagem para os Estados Unidos. Desejava chegar ao hemisfério norte, saudável, corado do sol, relaxado física e emocionalmente para assegurar a boa aparência e o êxito nas transações comerciais; para tanto, dias antes foi à pesca no Pantanal mato-grossense. De volta a São Paulo, embarcou imediatamente para a América. Mas durante a viagem no Douglas DC-7 passou mal, interrompendo-a em Cidade do México onde desceu — em cadeira de rodas —, obrigando-se a regressar ao Brasil. Quando atendido no bairro da zona sul da capital paulista, nenhuma dificuldade para o diagnóstico: tetraplegia, os quatro membros paralisados. A extração das amídalas — medida que evitaria a recorrência da angina —, foi extensamente praticada no Brasil. A cirurgia, agressiva, por vezes abusiva, em pleno inverno paulistano, predispunha à polioencefalite, à perda da consciência! Não bastante, identificavam-se mais fatores desencadeantes: injeções intramusculares, apendicectomias, insolação, exposição ao frio... Aos tempos de calamidades simultâneas por diferentes agentes a distinção das doenças nem sempre era imediata. O saneamento básico só favorecia parte da população; consequentemente, a má qualidade de vida causava gastrenterite. Conquanto diarreia não figurasse entre os sinais da pólio, a desidratação avançada levava à flacidez da musculatura, criando dificuldades para o diagnóstico correto. A poderosa exotoxina produzida pela difteria — prevalente na capital paulista — originava, remotamente, polineurite e paralisia comprometedoras da deglutição, fala e marcha. O alimento refluía pelo nariz; voz fanha transformava “bombom” em mommom, “bomba” em momma... I A raiva muda — forma clínica paralítica da raiva humana —, figurava entre opções na discussão de casos. Nada simples distinguir enfermidades com sintomas afins. Denominação paralisia infantil? Impropriedade. Adultos — populares ou famosos — padeceram da enfermidade. Remadores jovens e vigorosos, surpreendentemente, justo ao final das competições esportivas, foram vítimas das formas mais graves de pólio. Episódio notável foi protagonizado por Franklin Delano Roosevelt (1882-1945). A família passava férias de verão em Campobello, na costa escarpada atlântico-canadense. Aos 10 de agosto de 1921, aos 39 anos — esgotado após dia atribulado —, correu quilômetros antes de mergulhar nas águas gélidas da baía Fundy. À noite, arrepios de frio, febre e dores nas costas; ao terceiro dia, pernas paralisadas. Famoso médico diagnosticoulhe coágulo sanguíneo e prescreveu-lhe massagens enérgicas, apressando-se, desde logo, na apresentação da “dolorosa”: US$ 600, fortuna à época! Durante as três semanas seguintes o paciente piorou. Sua mulher, Eleanor, mais o amigo, Louis Howe, fizeram-lhe de tudo: escovar dentes, banhar, barbear, sondar, massagear... Só após 15 dias um especialista de Boston diagnosticou corretamente a pólio, depois da orientação agravante. Mas Roosevelt — tenacidade incomparável —, empenhou-se para reusar seus membros, particularmente, pela natação. Doze anos mais tarde, em 1932, assumiu a presidência dos Estados Unidos.2 Reeleito mais duas vezes, teria articulado Pearl Harbor — a “porta dos fundos” —, para entrada na Segunda Guerra Mundial ao lado da Inglaterra e França contra os governos militaristas da Europa e Ásia. A carga dos vírus selvagens em circulação na população era fora do comum. Iceberg, o melhor exemplo para estimativa de sua densidade; a ponta, as ocorrências paralíticas; a base, submersa, a imensidade das formas inaparentes. Em termos epidemiológicos, elevada capacidade de propagação sem, necessariamente, causar doença: infecciosidade alta, patogenicidade baixa. Felizmente, a qualidade e a dedicação dos profissionais de saúde constituídos em equipe, treinados em doenças transmissíveis, neurologia, enfermagem e fisioterapia, foi fundamental para evitar mortes e reabilitar os casos graves de poliomielite bulbar com paralisia respiratória. No período, a Clínica Orto- Médico sanitarista e professor titular aposentado (Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias) da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Ocupante da Cadeira 81 (Adolpho Lutz) da Academia de Medicina de São Paulo (Presidente Acadêmica Yvonne Capuano) e integrante da Diretoria Científica 2009-2010. Diagn Tratamento. 2010;15(1):19-20. RDT v15n1.indb 19 20/4/2010 16:48:05 20 Poliomielite e síndrome pós-pólio pédica e Traumatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo não fugiu à regra, desempenhou papel fundamental. O Instituto dispunha do pulmão-de-aço, o instrumento de ressurreição da época (hoje peça de museu). De lá para cá, a situação mudou. Para melhor. Captação, tratamento e abastecimento da água, coleta e tratamento de esgoto contribuíram para reduzir a transmissão por esse contingente de veículos. Surgiram as vacinas, Salk e Sabin. Com vantagens e desvantagens. Autoridades de saúde do país elegeram a solução conveniente — gotinha —, a amiga da criançada. Campanhas de vacinação têm erradicado a pólio da maioria dos países do mundo. Mas ainda é notificada na Índia e Nigéria. Trata-se agora de rediscutir a estratégia para assegurar de vez a erradicação. Porém, após intervalo de 30-40 anos, 25% a 40% das pessoas que contraíram a doença, na infância, reapresentam sofrimentos comparáveis à distanciada fase aguda de outrora: dores musculares, fraqueza, novas paralisias, mas sem participação do vírus, afastada, portanto, a possibilidade de transmissão. A modalidade atual de queixas, retroativas, é a “síndrome póspólio”. Felizmente, cientistas nacionais que acompanham tais sucessos têm preparado pessoal habilitado para assistência caso a caso. Diante da ressurgência da questão — a de saúde coletiva de antigas raízes —, é notório o trabalho desenvolvido no setor neuromuscular na Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina, sob orientação do médico paulistano Acary Souza Bulle de Oliveira. O tema já foi objeto de exposição no recinto da Assembleia Legislativa de São Paulo, ocasião em que esteve presente para dar o testemunho, de cidadão que passou pelo sofrimento na infância, Geraldo Nunes, repórter aéreo do jornal O Estado de São Paulo. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Rua Cayowaá, 969 Vila Pompeia — São Paulo (SP) CEP 05018-001 Tel. (11) 3862-4411 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Dorland WAN. Dorland´s Illustrated Medical Dictionary. Philadelphia: W.B. Saunders; 1994. 2. Goodfield J. Valor ante la adversidad. Salud Mundial. 1995;48(1):24-5. Data de entrada: 27/8/2009 Data da última modificação: 24/11/2009 Data de aceitação: 26/11/2009 RESUMO DIDÁTICO 1. A cirurgia, agressiva, por vezes abusiva, em pleno inverno paulistano predispunha à polioencefalite, à perda da consciência. Não bastante, identificavam-se mais fatores desencadeantes: injeções intramusculares, apendicectomias, insolação, exposição ao frio... 2. A carga dos vírus selvagens em circulação na população era fora do comum. Iceberg, o melhor exemplo para estimativa de sua densidade; a ponta, as ocorrências paralíticas; a base, submersa, a imensidade das formas inaparentes. 3. Denominação paralisia infantil? Impropriedade. Adultos — populares ou famosos — padeceram da enfermidade. 4. A raiva muda — forma clínica paralítica da raiva humana —, figurava entre opções na discussão de casos. Nada simples distinguir enfermidades com sintomas afins. 5. Trata-se agora de rediscutir a estratégia para assegurar de vez a erradicação. 6. A modalidade atual de queixas, retroativas, é a “síndrome pós-pólio”. Diagn Tratamento. 2010;15(1):19-20. RDT v15n1.indb 20 20/4/2010 16:48:06 Dermatologia Carcinoma basocelular de localização inguinoescrotal: relato de caso Silvio Alencar MarquesI Sckarlet Ernandes BiancolinII Hamilton Ometto StolfIII Luciana Patrícia Fernandes AbbadeIII Eloísa Bueno Pires de CamposIV Mariangela Esther Alencar MarquesV Departamento de Dermatologia e Radioterapia e Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Carcinoma basocelular (CBC) é neoplasia maligna de células basais da epiderme ou de células da bainha externa do folículo piloso. É a mais comum das neoplasias malignas e, junto com o carcinoma espinocelular (CEC), compõe o grupo dos cânceres cutâneos não melanoma (CCNM). Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a estimativa de incidência para ambos (CBC + CEC) para o ano de 2008 foi de 115.000 casos novos no Brasil, com incidência estimada entre 27 casos por 100.000 habitantes na região Norte e 82/100.000 casos na região Sul do país.1 Considera-se ainda que exista subnotificação de casos de CCNM, particularmente do CBC, devido à sua relativa benignidade1 e possível resolução por métodos terapêuticos não cirúrgicos ou por criocirurgia e, portanto, ausência de confirmação e registro histológico. A incidência em paciente de pele clara, a associação com evidências clínicas de exposição solar crônica e a localização em área anatômica fotoexposta são características marcantes do CBC.2,3 Admite-se, contudo, que a fotoexposição intermitente, recreacional, com possível queimadura solar seja tão ou mais importante como fator de risco que a fotoexposição cumulativa.2 Em termos de localização topográfica, o desenvolvimento do CBC é, em princípio, restrito às áreas onde existem unidades pilosebáceas.4 Portanto, salvo raras circunstâncias, não há CBC nas palmas e plantas e nas mucosas.5,6 Aspecto peculiar do CBC é a raridade de ocorrência de metástases, sendo estimada ocorrer entre 1:10.000 e 1:35.000 casos, que corresponderiam a casos agressivos, eventualmente negligenciados e com crescimento tumoral perineural.4 Os linfonodos, os pulmões e os ossos são sedes de possíveis metástases. A excepcionalidade de metástases do CBC estaria explicada pela sua dependência ao estroma produzido pelos fibroblastos dérmicos. Estudos experimentais mostram que autotransplantes de CBC só proliferam quando acompanhados do estroma do local de origem do tumor.4,7 A localização preferencial do CBC é na cabeça e pescoço, com cifras entre 57% (Austrália)8 68,7% (Taubaté, São Paulo),9 e 86% (Novo México, Estados Unidos) do total de casos estudados.10 Outras localizações, respectivamente segundo a ordem das referências acima, são o tronco, com 17%, 14,4% e 9,1%; membros superiores com 18%, 13,8% e 3,5% e membros inferiores com 8%, 2,3% e 1,6%. As diferenças observadas podem decorrer de características étnicas e de hábitos de fotoexposição distintos segundo as regiões estudadas. Localização considerada atípica do CBC é aquela da região genital – perineal, de ocorrência incomum e, portanto, subestimada quanto à sua existência, importância e ausente quando do raciocínio clínico sobre lesões nóduloulceradas nessa localização.11 O objetivo do presente relato é descrever caso de CBC de grande diâmetro, localizado na região inguinocrural e escroto, negligenciado pelo paciente, de diagnóstico clínico insuspeito até avaliação dermatológica especializada. RELATO DE CASO Paciente do sexo masculino, branco, ferroviário aposentado, 86 anos de idade, referia lesão cutânea no escroto há dois anos, pouco dolorosa, de crescimento lento e com sangramento aos mínimos traumas. O paciente não referia história de radioterapia prévia local ou à distância, uso de terapêutica de potencial carcinogênico ou de enfermidade dermatológica anterior à atual. Ao exame, apresentava lesão ulcerada de 10 cm no maior diâmetro, I Professor livre-docente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). III Professor assistente doutor do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). IV Médica cirurgiã plástica do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). V Professora livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp). II Diagn Tratamento. 2010;15(1):21-4. RDT v15n1.indb 21 20/4/2010 16:48:06 22 Carcinoma basocelular de localização inguinoescrotal: relato de caso Figura 1. Carcinoma basocelular: úlcera fagedênica com fundo granuloso e bordas sobre-elevadas. Localizada na região inguinal-face lateral do escroto. Figura 3. Carcinoma basocelular: proliferação de células basalóides dispostas em paliçada. (hematoxilina e eosina, 400 X). de fundo granuloso limpo, de bordas sobre-elevadas, aspecto discretamente perolado e com a presença de raras telangiectasias nas suas bordas (Figuras 1 e 2). A lesão situava-se na região inguinal, progredindo para face lateral e proximal do escroto. Havia linfonodos palpáveis na região inguinal do mesmo lado, de até 1,5 cm de diâmetro, duros e móveis. As hipóteses diagnósticas clínicas foram de carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular e de doença de Paget extramamária. A lesão foi submetida, inicialmente, à biópsia incisional que revelou o diagnóstico de CBC de padrão histológico nodular (Figura 3). Na sequência, o paciente foi encaminhado à disciplina de Cirurgia Plástica, que realizou a exérese completa da lesão, com correção do defeito cirúrgico por enxertia e esvaziamento ganglionar inguinal ipsolateral. Ao exame anatomopatológico, os linfonodos não apresentavam comprometimento metastático do CBC, mas sim características de processo reacional. Os registros de acompanhamento do paciente não revelaram recidivas locais ou a ocorrência de metástases. Figura 2. Carcinoma basocelular: detalhe da úlcera, com fundo limpo, granulosa e bordas sobre-elevadas, discretamente peroladas. DISCUSSÃO Carcinoma basocelular da região perineal-genital é bastante raro e foi diagnosticado em 51 pacientes dentre 18.943 casos de CBC (0,27%) de série de casos estudados em 2001, nos Estados Unidos.12 Daquela casuística foram excluídos os casos associados à síndrome do basocelular nevoide (síndrome de GorlinGoltz) ou casos de xeroderma pigmentoso. A média das idades dos casos foi de 73 anos e as neoplasias, localizadas nas regiões seguintes: nos genitais, com 36 casos (18 de localização vulvar, sendo 8 nos grandes lábios, 1 no clitóris e em 9 não houve anotação específica, 10 de localização púbica, 6 no escroto e dois no pênis) e 15 de localização no períneo. Em 4 pacientes havia história de radiação local prévia por neoplasias mieloproliferativas ou sarcomatosas de localização perineal. Somente 36% dos 51 casos apresentavam história de câncer cutâneo não melano- Diagn Tratamento. 2010;15(1):21-4. RDT v15n1.indb 22 20/4/2010 16:48:06 Silvio Alencar Marques | Sckarlet Ernandes Biancolin | Hamilton Ometto Stolf | Luciana Patrícia Fernandes Abbade | Eloísa Bueno Pires de Campos | Mariangela Esther Alencar Marques ma nas áreas fotoexpostas do paciente, particularmente na face. A apresentação clínica predominante da região perineal-genital foi de lesão em placa eritematosa ou de lesão nodular e, menos frequentemente, de lesão ulcerada. O padrão histológico predominante foi o de proliferação em arranjo nodular. De 30 pacientes com acompanhamento por no mínimo cinco anos pós-tratamento, houve apenas um caso de recidiva e nenhuma ocorrência de metástase.12 Porém, há relatos que salientam o maior potencial de metástases e o menor intervalo entre diagnóstico e a ocorrência de metástases quando de CBC do períneo.13 Em revisão de dados do serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (não publicados), entre 3.100 casos de CBC apenas quatro foram localizados na região perineal/genital (0,13%), sendo igualmente excluídos os casos associados às síndromes que cursam com alta incidência de CBC. As localizações foram na região vulvar (dois casos), escrotal (um caso) e inguinoescrotal (presente relato). As idades distribuíram-se entre 67 e 101 anos, com média de 80 anos. O quadro clínico foi de lesão nodular, nodular-ulcerada ou ulcerada. O tipo histológico foi de CBC de padrão nodular nos quatro casos estudados. Igualmente raros são os casos de localização anal e perianal.14,15 Os casos relatados fazem menção a tumores em pacientes idosos, de crescimento lento, que atingem grande diâmetro e com procura tardia do atendimento médico. O CBC de localização perianal pode apresentar crescimento agressivo local, com invasão do canal anal e esfíncter anal externo e mesmo evoluir para metástase linfonodal regional.14,15 As características clínicas podem ser atípicas e há que ser diferenciado clínica e histologicamente do carcinoma cloacogênico, que pode apresentar aspecto clínico semelhante, tem aspecto histológico também basaloide, mas é de comportamento muito mais agressivo, grave e metastatizante.15 Portanto, há que salientar que a hipótese de CBC não é, habitualmente, lembrada quando da existência de lesões nodulares e ulceradas da região genital e períneo. E isso em função da associação absoluta que se faz entre CBC e localização de fotoexposição e pelo aspecto clínico não clássico do CBC quando da localização perineal-genital. Na maioria dos relatos, as hipóteses diagnósticas iniciais fazem referência ao carcinoma espinocelular, carcinoma cloacogênico, doença de Paget extramamária, condiloma gigante de Buschke-Löwenstein e metástase cutânea de adenocarcinoma.11-14 As razões para o aparecimento de CBC em área não fotoexposta não são claras. A existência de doença dermatológica crônica prévia, como fístulas, intertrigo, dermatoses pruriginosas ou inflamatórias crônicas, exposição a carcinógenos como o arsênico, e a história de radioterapia por neoplasias regionais são considerados com predisponentes plausíveis, a justificar o desenvolvimento de CBC na região. A demora na procura do atendimento e o diagnóstico definitivo tardio foram eventos comuns na maioria dos casos relatados, o que torna o presente caso didático no sentido de alerta à presença possível de CBC de localização genital-perineal e do 23 risco referido de maior chance de metástases aos CBC incidentes nessa região anatômica. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Silvio Alencar Marques Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu Distrito de Rubião Junior , s/no Botucatu (SP) — CEP 18618-970 Tel./Fax. (14) 3882-4922 Cel. (14) 9671-0241 E-mail: [email protected] Fonte de fomento: nenhum Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa/2008: incidência de câncer no Brasil [Estimate/2008: incidence of the cancer in Brazil]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2007. 2. Armstrong BK, Kricker A. The epidemiology of UV induced skin cancer. J Photochem Photobiol B. 2001;63(1-3):8-18. 3. Naldi L, DiLandro A, D’Avanzo B, Parazzini F. Host-related and environmental risk factors for cutaneous basal cell carcinoma: evidence from an Italian case-control study. J Am Acad Dermatol. 2000;42(3):446-52. 4. Pontém F, Lundeberg J, Asplund A. Principles of tumor biology and pathogenesis of BCCs and SCCs. In: Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP, editors. Dermatology. 2nd ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2008. p. 1627-39. 5. Abeldaño AM, Tiscornia J, Cendeño LP, Brea P, Chouela EN. Basal cell carcinoma in palm and sole. Skinmed. 2006;5(1):40-2. 6. Del Rosario RN, Barr RJ, Jensen JL, Cantos KA. Basal cell carcinoma of the buccal mucosa. Am J Dermatopathol. 2001;23(3):203-5. 7. van Scott EJ, Reinertson RP. The modulating influence of stromal environment on epithelial cells studied in human autotransplants. J Invest Dermatol. 1961;36:109-31. 8. Richmond-Sinclair NM, Pandeya N, Ware RS, et al. Incidence of basal cell carcinoma multiplicity and detailed anatomic distribution: longitudinal study of an Australian population. J Invest Dermatol. 2009;129(2):323-8. 9. Ferreira FR, Nascimento LFC. Câncer cutâneo em Taubaté (SP) – Brasil, de 2001 a 2005: um estudo de prevalência [Skin cancer in Taubaté (SP) – Brazil, from 2001 to 2005: a prevalence study]. An Bras Dermatol. 2008;83(4):317-22. 10. Athas WF, Hunt WC, Key CR. Changes in nonmelanoma skin cancer incidence between 1977-1978 and 1998-1999 in Northcentral New Mexico. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2003;12(10):1105-8. 11. Betti R, Bruscagin C, Inselvini E, Crosti C. Basal cell carcinomas of covered and unusual sites of the body. Int J Dermatol. 1997;36(7):503-5. 12. Gibson GE, Ahmed I. Perianal and genital basal cell carcinoma: a clinicopathologic review of 51 cases. J Am Acad Dermatol. 2001;45(1): 687-71. 13. Esquivias Gómez JI, González-López A, Velasco E, Pozo T, del Villar A. Basal cell carcinoma of the scrotum. Australas J Dermatol. 1999;40(3):141-3. 14. Kort R, Fazaa B, Bouden S, Nikkels AF, Piérard GE, Kamoun MR. Perianal basal cell carcinoma. Int J Dermatol. 1995;34(6):427-8. 15. Damin DC, Burttet RM, Rosito MA, et al. Carcinoma basocelular perianal: relato de caso e revisão da literatura [Perianal basal cell carcinoma: case report and literature review]. Rev Bras Colo-Proctol. 2007;27(3):330-2. Data de entrada: 24/11/2009 Data da última modificação: 13/1/2010 Data de aceitação: 19/3/2010 Diagn Tratamento. 2010;15(1):21-4. RDT v15n1.indb 23 20/4/2010 16:48:13 24 Carcinoma basocelular de localização inguinoescrotal: relato de caso RESUMO DIDÁTICO 1. Carcinoma basocelular é neoplasia cutânea de alta incidência no Brasil. 2. Caracteriza-se por sua associação com pacientes de pele clara, exposição crônica ao sol e localização das lesões em áreas fotoexpostas. 3. A incidência de metástases é excepcional, ocorrendo a cada 10.000 e 35.000 casos. 4. Localização na região perineal é rara e, quando presente, a hipótese de carcinoma basocelular é raramente aventada e o diagnóstico final, postergado. 5. Há referência de que a possibilidade de metástases cresce quando o carcinoma basocelular é de localização perineal. Diagn Tratamento. 2010;15(1):21-4. RDT v15n1.indb 24 20/4/2010 16:48:13 Nutrologia Mitos em nutrologia Hernani Pinto de Lemos JúniorI André Luis Alves de LemosII Daniel Pires Penteado RibeiroIII Thiago Ferraz Vieira PintoIII Thales Plastina AstroIII Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), Centro Cochrane do Brasil Revendo os conceitos acerca da palavra mito, defrontamo-nos com reminiscências das comuns e infelizes propagandas de fármacos e suplementos nutricionais para os quais o tempo encarregouse de mostrar a inexistência de evidências científicas de bom nível, por conseguinte, impedindo sua incorporação à terapêutica. Muitas vezes os próprios profissionais da saúde se encarregam de “eternizar” mitos com base em arraigados modelos fisiopatológicos, contaminando as gerações seguintes com falsas premissas e, assim, com tratamentos errôneos. Neste contexto, a medicina baseada em evidências nos serve como um norte, derrubando mitos e resgatando evidências, incorporando ou abandonando terapias na prática médica diária. Sob a luz das evidências das revisões sistemáticas, temos, na Cochrane Library,1 várias revisões sistemáticas que desmistificam opiniões infundadas ou propositalmente sustentadas. Vejamos a seguir alguns exemplos. 1) Suplementação de antioxidantes para prevenção de câncer gastrointestinal.2 Essa revisão sistemática2 pesquisou o uso de suplementos antioxidantes na prevenção do câncer gastrointestinal. Foram identificados 20 ensaios clínicos randomizados que incluíram 221.818 participantes. Os estudos foram descritos como de boa qualidade metodológica. As intervenções foram a administração de diversos suplementos antioxidantes, como vitamina C, E, A, betacaroteno e selênio. Os autores concluem que, além de não prevenir o câncer gastrointestinal [risco relativo (RR) 0.94, intervalo de confiança (IC) 0.83 a 1.06], algumas combinações como de vitamina A e betacaroteno (RR 1.16, IC 1.09 a 1.23) e vitamina E (RR 1.06, IC 1.02 a 1.11) aumentam a mortalidade. Os autores citaram como exceção a suplementação de selênio, pois cinco estudos (quatro deles com alto risco de viés), mostraram efeito benéfico significante na redução da ocorrência de câncer gastrointestinal (RR 0.59, IC 0.46 a 0.75). 2) Suplementação de antioxidantes para prevenção de mortalidade em pessoas saudáveis e pacientes com várias doenças:2 Essa revisão sistemática, tendo também como intervenção a suplementação de antioxidantes, foi realizada pelos mesmos autores da revisão anterior.2 O foco de participantes foi ampliado para qualquer doença, e 67 estudos foram encontrados, com um número de participantes de 232.550. Além de não terem sido encontradas evidências que suportem seu uso na prática clínica para prevenção primária ou secundária da mortalidade nas mais diversas doenças (RR 1.02, IC 0.99 a 1.06), a vitamina A, betacaroteno e vitamina E podem, inclusive, aumentar a mortalidade geral (RR 1.04, IC 1.02 a 1.06). Os autores realizaram uma análise isolada da vitamina C e do selênio e constataram que essas substâncias não contribuíram para o aumento da mortalidade (RR 1.06, IC 0.94 a 1.20 e RR 0.90, IC 0.80 a 1.01, respectivamente). Essa revisão sistemática ressalta a necessidade de monitoramento dos efeitos adversos e sugere que suplementos antioxidantes devam ser considerados como drogas e passar por rigorosa avaliação antes de serem divulgados na mídia. 3) Vitamina E para doença de Alzheimer e moderado dano cognitivo:3 Essa revisão sistemática3 com 2 estudos e 769 participantes, que foi realizada para avaliar a efetividade da suplementação de vitamina E na doença de Alzheimer, não demonstrou evidências estatisticamente significantes que suportem seu uso no período de acompanhamento de 36 meses (odss ratio, OR 1.07, IC de 0.73 a 1.57). 4) Ômega-3 para a prevenção de demência:5 Por meio de estudos observacionais e epidemiológicos, postulou-se que o ácido graxo poli-insaturado ômega-3 teria um efeito redutor no risco de demência. Isto aconteceria pelos seus efeitos antiaterogênico, anti-inflamatório, antioxidante, antia- I Médico, mestre e doutor em Medicina Interna e Terapêutica e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Médico pesquisador do Centro de Pesquisas em Revisões Sistemáticas do Centro Cochrane do Brasil. E mail: [email protected] II Médico, mestre e doutorando em Medicina Interna e Terapêutica e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Professor Titular do Curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo. E-mail: [email protected] III Alunos do curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo. Diagn Tratamento. 2010;15(1):25-6. RDT v15n1.indb 25 20/4/2010 16:48:13 26 Mitos em nutrologia miloide e por suas propriedades neuroprotetivas. Nessa revisão sistemática4, não foi encontrado nenhum ensaio clínico randomizado sobre o assunto e, portanto, não foi possível fazer uma metanálise. Assim, apesar de dados biológicos, observacionais e epidemiológicos favoráveis ao ômega-3, não há resultados concretos que provem sua efetividade nas dietas e suplementações nutricionais visando a prevenção da demência ou do prejuízo cognitivo. Podemos observar, pelos exemplos apresentados, que intervenções terapêuticas e nutricionais consagradas no passado podem não ter o efeito esperado, podem fazer mais mal que bem ou podem ainda não ter sido feita uma validação de sua efetividade terapêutica ou preventiva. Diante disso e do custo crescente das intervenções na área da saúde, temos que nos ater à época atual na qual toda intervenção terapêutica tem de ser validada por estudos de boa qualidade metodológica, randomizados e, de preferência, duplo-cegos. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino — São Paulo (SP) CEP 04039-001 Tel./Fax. (11) 5575-2970/5579-0469 E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum Fontes de fomento: nenhuma REFERÊNCIAS 1. Cochrane BVS. The Cochrane Library. Disponível em: http://cochrane.bvsalud. org/cochrane/main.php?lib=COC&searchExp. Acessado em 2009 (12 Jan). 2. Bjelakovic G, Nikolova D, Simonetti RG, Gluud C. Antioxidant supplements for preventing gastrointestinal cancers. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(3):CD004183. 3. Isaac MG, Quinn R, Tabet N. Vitamin E for Alzheimer’s disease and mild cognitive impairment. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(3):CD002854. 4. Lim WS, Gammack JK, Van Niekerk JK, Dangour AD. Omega 3 fatty acid for the prevention of dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2006(1). Data de entrada: 13/11/2009 Data da última modificação: 23/12/2009 Data de aceitação: 26/2/2010 RESUMO DIDÁTICO 1. Muitas vezes os próprios profissionais da saúde se encarregam de “eternizar” mitos. 2. A medicina baseada em evidências nos serve como um norte, derrubando mitos e resgatando evidências. 3. Intervenções terapêuticas e nutricionais consagradas no passado podem não ter o efeito esperado, podem fazer mais mal que bem ou a validação de sua efetividade terapêutica ou preventiva pode ainda não ter sido providenciada. 4. Sob a luz das evidências das revisões sistemáticas temos, na Cochrane Library, várias revisões sistemáticas que desmistificam opiniões infundadas ou propositalmente sustentadas. Diagn Tratamento. 2010;15(1):25-6. RDT v15n1.indb 26 20/4/2010 16:48:13 POEMs: Patient-oriented evidence that matters Metoclopramida é segura na gravidez Autores da tradução: Pablo Gonzáles BlascoI Marcelo Rozenfeld LevitesII Cauê MônacoIII Sociedade Brasileira de Medicina de Família QESTÃO CLÍNICA A metoclopramida é segura na gravidez? RESUMO A metoclopramida, se usada no primeiro trimestre da gestação, não está associada a aumento do risco de baixo peso em recém-nascidos, parto pré-termo, malformações ou morte perinatal. Nível de evidência: 2b = estudo comparativo de baixa qualidade metodológica.1 DESENHO DE ESTUDO Estudo de coorte (retrospectivo). CASUÍSTICA Base populacional. DISCUSSÃO Este estudo2 israelense foi uma análise secundária que relacionou três grandes bancos de dados: 1) dispensa de medicamentos, 2) registro de serviço de saúde que incluiu 81.703 nascimentos e 3) banco de dados de diagnósticos médicos. Os três bancos de dados foram analisados entre janeiro de 1998 e março de 2007. As doenças cromossômicas foram excluídas. Os autores identificaram 3.458 neonatos (4,2%) expostos à metoclopramida durante o primeiro trimestre da gravidez. Em comparação com os neonatos não expostos, os expostos demonstraram não ter maiores riscos de malformação (5,3% versus 4,9%; odds ratio [OR] = 1.04; 95% intervalo de confiança [IC], 0.891.21), baixo peso (8,5% versus 8,3%; OR = 1.01; 0.89-1.14), parto pré-termo (6,3% versus 5,9%; OR = 1.15; 0.99-1.38), ou morte perinatal (1,5% versus 2,2%; OR = 0.87; 0.55-1.38). Não houve relação entre dose e malformação congênita. COMENTÁRIO O estudo2 vem confirmar a segurança no uso da metoclopramida durante o primeiro trimestre da gravidez. Isso quer dizer que contamos com um recurso amplamente utilizado como antiemético, também para combater a hiperêmese gravídica. Mais do que a novidade, este estudo bem conduzido nos brinda com um ponto de reflexão: devemos tratar os sintomas das pacientes gestantes, sempre que isso não suponha um risco para o feto. E o aprendizado é que o risco não se pode dar por suposto. Deixar as grávidas sofrerem sintomas “porque não se quer arriscar”, longe de ser uma atitude prudente, demonstra desconhecimento científico. Esse é o grande aprendizado. Quando adentramos no estudo dos medicamentos na gravidez, mediante bases de dados,3 concluímos que são poucos os medicamentos que formalmente não devem ser utilizados na gravidez. Deixar, portanto, a grávida com sintomas como pirose retroesternal por refluxo, hiperêmese, depressão e muitos outros não é boa prática médica. Apesar de revisar mais de 80.000 prontuários, o trabalho apresentado por Matok et al. é um estudo de coorte retrospectivo. O ideal seria ter um estudo do tipo coorte prospectivo, incluindo um grupo de gestantes que utilizou metoclopramida no primeiro trimestre da gravidez e um grupo de gestantes que não utilizou. Uma busca na base de dados PubMed com os termos “metoclopramide AND pregnancy AND safety” encontrou 13 artigos que também suportam o uso da metoclopramida no primeiro trimestre da gravidez.2,4-15 REFERÊNCIAS 1. Centre for Evidence Based Medicine. Oxford Centre for Evidence-based Medicine - Levels of Evidence (March 2009). Disponível em: http://www. cebm.net/index.aspx?o=1025. Acessado em 2009 (26 out). 2. Matok I, Gorodischer R, Koren G, Sheiner E, Wiznitzer A, Levy A. The safety of metoclopramide use in the first trimester of pregnancy. N Engl J Med. 2009;360(24):2528-35. 3. Motherisk. Treating the mother – protecting the unborn. Disponível em: http://www.motherisk.org. Acessado em 2009 (26 out). 4. Vlastarakos PV, Nikolopoulos TP, Manolopoulos L, Ferekidis E, Kreatsas G. Treating common ear problems in pregnancy: what is safe? Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265(2):139-45. 5. Festin M. Nausea and vomiting in early pregnancy. Clin Evid (Online). 2007;2007. pii: 1405. I Médico de família, doutor em Medicina, diretor científico e membro-fundador da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). Médico de família e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). III Médico de família em treinamento do segundo ano do programa Fitness da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). II Diagn Tratamento. 2010;15(1):27-8. RDT v15n1.indb 27 20/4/2010 16:48:13 28 Metoclopramida é segura na gravidez 6. Numazaki M, Fujii Y. Reduction of emetic symptoms during cesarean delivery with antiemetics: propofol at subhypnotic dose versus traditional antiemetics. J Clin Anesth. 2003;15(6):423-7 7. Schröder O, Stein J. [Vomiting in pregnancy. When is it more than only a bothersome nuisance?] MMW Fortschr Med. 2002;144(50): 32-4. 8. Magee LA, Mazzotta P, Koren G. Evidence-based view of safety and effectiveness of pharmacologic therapy for nausea and vomiting of pregnancy (NVP). Am J Obstet Gynecol. 2002;186(5 Suppl Understanding): S256-61. 9. Numazaki M, Fujii Y. Subhypnotic dose of propofol for the prevention of nausea and vomiting during spinal anaesthesia for caesarean section. Anaesth Intensive Care. 2000;28(3):262-5. 10. Mazzotta P, Magee LA. A risk-benefit assessment of pharmacological and nonpharmacological treatments for nausea and vomiting of pregnancy. Drugs. 2000;59(4):781-800. 11. Sørensen HT, Nielsen GL, Christensen K, Tage-Jensen U, Ekbom A, Baron J. Birth outcome following maternal use of metoclopramide. The Euromap study group. Br J Clin Pharmacol. 2000;49(3):264-8. 12. Broussard CN, Richter JE. Treating gastro-oesophageal reflux disease during pregnancy and lactation: what are the safest therapy options? Drug Saf. 1998;19(4):325-37. 13. Fujii Y, Tanaka H, Toyooka H. Prevention of nausea and vomiting with granisetron, droperidol and metoclopramide during and after spinal anaesthesia for caesarean section: a randomized, double-blind, placebocontrolled trial. Acta Anaesthesiol Scand. 1998;42(8):921-5. 14. Lussos SA, Bader AM, Thornhill ML, Datta S. The antiemetic efficacy and safety of prophylactic metoclopramide for elective cesarean delivery during spinal anesthesia. Reg Anesth. 1992;17(3):126-30. 15. Folsland B, Skulberg A, Halvorsen P, Helgesen KG. Placebo-controlled comparison of single intramuscular doses of ketorolac tromethamine and pethidine for post-operative analgesia. J Int Med Res. 1990;18(4):305-14. Diagn Tratamento. 2010;15(1):27-8. RDT v15n1.indb 28 20/4/2010 16:48:13 POEMs: Patient-oriented evidence that matters Alívio da dor aguda com ibuprofeno é igual ao da codeína com paracetamol em crianças com trauma em membros Autores da tradução: Pablo Gonzáles BlascoI Marcelo Rozenfeld LevitesII Cauê MônacoIII Sociedade Brasileira de Medicina de Família QUESTÃO CLÍNICA O ibuprofeno é equivalente à codeína associada ao paracetamol no tratamento da dor aguda nas crianças com trauma nos membros? RESUMO O alívio da dor aguda com o uso do ibuprofeno é equivalente ao paracetamol associado à codeína em crianças que comparecem a um serviço de emergência com traumas de membros e que foram avaliadas após a primeira dose da medicação. Nível de evidência: 1b = estudo individual aleatório.1 DESENHO DO ESTUDO Ensaio clínico aleatório controlado (duplo-cego). DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA Descrita como aleatória. CASUÍSTICA Foram incluídas 68 crianças com dor devida a trauma agudo recente em membros, atendidas em departamentos de emergência. DISCUSSÃO Um estudo prévio reporta melhora do controle da dor com o ibuprofeno em comparação ao paracetamol ou codeína no tratamento de dor em crianças com lesões agudas de extremidades.2 Os pesquisadores do estudo aqui descrito3 identificaram 68 crianças, de 5 a 17 anos, presentes na emergência com dor aguda traumática em extremidades. Os pacientes foram aleatoriamente divididos em dois grupos: grupo 1) recebeu paracetamol (10-15 mg/kg/) + codeína (1 mg/kg de codeína por kg de peso, máximo de 60 mg) ou 2) ibuprofeno (10 mg/kg, máximo de 400 mg). Todos receberam dose única via oral. Os pacientes, pais e médicos permaneceram sem saber em qual grupo as crianças foram alocadas. Todos os pacientes realizaram radiografias do membro acometido, usaram tipoia no membro ao se dirigirem à radiografia e também foram tratados com gelo local. O acompanhamento foi completo até os pacientes receberem alta do serviço de emergência. O desfecho principal foi a melhora da dor, avaliada antes e 10, 40 e 60 minutos depois da primeira dose das medicações por meio da escala visual analógica. Foi utilizada análise por intenção de tratar. Não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos em nenhuma das avaliações. Os efeitos adversos foram mínimos e ocorreram em ambos os grupos, sem diferença estatística. O estudo teve poder de 90% de detectar uma diferença clínica importante. COMENTÁRIO Nas crianças que não podem se queixar, pela pouca idade ou intubação, é preciso estar atento aos sinais indiretos de dor: taquicardia, fácies de dor e sofrimento, hipertensão, taquipneia, sudorese, agitação psicomotora etc. O melhor instrumento para avaliação de dor, entretanto, são as “escalas de dor”, como a visual analógica, que tornam esta observação mais criteriosa e objetiva. Há versões destas escalas adaptadas para várias situações clínicas, e que podem ser encontradas.4 A necessidade de analgesia pode ser graduada por meio de uma escala contendo cinco níveis. No primeiro nível, bastam medidas de consolo (dar um bico, dar glicose, presença da mãe, massagem etc.), que devem ser utilizadas em conjunto com qualquer das medidas medicamentosas. No segundo nível são I Médico de família, doutor em Medicina, diretor científico e membro-fundador da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). Médico de família e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). III Médico de família em treinamento do segundo ano do programa Fitness da Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). II Diagn Tratamento. 2010;15(1):29-30. RDT v15n1.indb 29 20/4/2010 16:48:13 Linguagens Online Alfredo José MansurI Unidade Clínica de Ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo As ferramentas atuais de comunicação incorporaram tecnologias que permitem estarmos online. O número de equipamentos multifuncionais disponíveis para tanto é grande (telefone celular, iPod, computador portátil sem cabo etc.) e se amplia. Admite-se que a tendência para o futuro é que equipamentos portáteis que não dependem de cabo, inclusive telefones pessoais, substituirão os atuais que dependem de cabo. Desde tempos antigos a cultura humana sofreu a influência das ferramentas ou da tecnologia disponível para uso e se moldou por elas. A possibilidade de ser progressivamente online enriqueceu a cultura humana de modo geral e também a cultura e a prática médicas. Estímulos para reflexões em torno da natureza online da cultura são cotidianos e abrangem conteúdos que dizem respeito desde regras de etiqueta social até aspectos que permeiam a prática médica. Estar online depende da tecnologia, a qual por sua vez se associa frequentemente com a ideia do bem, do progresso, da modernidade, do maior valor agregado e do poder. Essas características se somam ao impacto social que estar online tem e consideramos isso bom. As consequências são ora previsíveis, desejáveis, ora inusitadas, ora até mesmo indesejáveis. Recolhemos algumas reflexões a respeito a partir do cotidiano e as sintetizamos abaixo. Decisões por impulso — colegas que atuam na área de marketing reiteram o conceito de que decisões de compra são feitas em grande parte com base em impulso. A potencialidade online de comunicação permite que o envio de mensagens possa também ser decidido por impulso, e dar origem a mensagens desprovidas de conteúdo. Citando uma pesquisadora da relação entre seres humanos e equipamentos do Massachusetts Institute of Technology, um artigo examinando o tema considerou que uma parte da comunicação online por equipamentos portáteis pode ser entendida, segundo essa pesquisadora, como de caráter inorgânico e não-autêntico.1 Ansiogênicos — a disponibilidade online de qualquer recurso faz com que, surgida a demanda, tudo ou todos sejam potencialmente acessíveis e imediatamente acessíveis por meio da comunicação online. Decorre deste caráter imediato um novo I conceito de tempo, de urgência e de exigência o mais imediata possível. Característica de prática — A característica online também influi na definição de práticas médicas. Ouvi já há tempos de conceituado pediatra que definia sua prática como “não sou um pediatra online”. É inevitável considerarmos que há especialidades ou práticas que evoluirão para ser mais online enquanto outras serão menos online. Esvaziamento de conteúdo das mensagens — o fato de a comunicação ser disponível online a faz imediata. Fazendo-a imediata pode não permitir tempo hábil para a sequência de etapas lógicas do pensamento, ainda que rapidamente conduzidas: a) observação de um fato; b) interpretação do seu significado; c) diagnóstico do significado e decisão da conduta que requer. A transmissão imediata do fato se impõe sobre o conteúdo a ser transmitido, como se ao primeiro observador se poupasse a responsabilidade da interpretação do fato. Assim, transmite-se o dado, mas não a interpretação contextualizada (ou profissional) do fato, e menos ainda a decisão (diagnóstico) que aquele dado permitiu para orientar a conduta que se requer naquela circunstância. Portanto, paradoxalmente apesar da facilidade online da comunicação, o conteúdo das mensagens tornou-se às vezes mais superficial. Há decisões que requerem um tempo mínimo de processamento, que ainda que seja curto, seja demasiado longo para o conceito de online. Desse modo, quem recebe a comunicação também tem dificuldade de situar-se na mensagem transmitida e de responder apropriadamente. Essa sequência foi aumentada conforme se ampliou o número de participantes no processo (ou no caso). Segurança virtual — a possibilidade de comunicação online cria um novo sentimento de segurança — posso mobilizar alguém a qualquer hora. Resulta mudança nos conceitos de horário e de relevância de conteúdos para que comunicações sejam encetadas. Questões banais podem ganhar maior amparo nessa situação. Desencontros — Às vezes, a disponibilidade online pode ser empregada no sentido evasivo. Há o relato de pelo menos um Livre-docente em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor da Unidade Clínica de Ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diagn Tratamento. 2010;15(1):31-3. RDT v15n1.indb 31 20/4/2010 16:48:14 32 Online caso no qual o profissional não respondia ao chamado no seu endereço de trabalho, e recomendava à secretária que orientasse o colega a procurá-lo pelo telefone celular (em outras palavras, “estou disponível”); o celular era mantido inacessível. Ubiquidade — a ubiquidade dos equipamentos de comunicação online criou, segundo um conceituado periódico, o nômade moderno. O repórter fez referência aos beduínos e denominou esta característica como nomadismo urbano moderno ou digital.2 Tempo livre — uma característica apontada por estudiosos da relação entre seres humanos e aparelhos é que o fato de podermos estar online, conectados o tempo todo, permite que se “trabalhe” o tempo todo. Recentemente, uma fotógrafa comentou em entrevista de jornal que atualmente as pessoas na cidade estão o tempo todo falando no telefone de tal modo que não há tempo livre para nenhuma outra atividade, inclusive para olhar o seu entorno.3 Numa estatística despretensiosa cerca de 15% da população geral que anda nas grandes avenidas está conectada e falando no telefone celular. Esta observação foi feita com método que tem limitações, pode não ser aplicável a outras populações, classes sociais e profissionais e outros ambientes. Por exemplo, foi rara em corredores de maratona (enquanto corriam a maratona) — foi identificado pelo menos um corredor falando no celular. Mas, certamente há outras categorias profissionais e outros ambientes nos quais a frequência pode ser maior. Outros observadores usando diferentes métodos podem obter resultados diferentes. Estudos são necessários para estimar a frequência de pessoas que andam online e conectados. Nesse contexto é curioso o comentário divulgado do sr. William Gates no qual ele dizia: “Eu não sou uma pessoa ligada em tecnologia 24 horas”.4 Onipotência — É inegável que a comunicação online pode convidar a um sentimento de onipotência e controle, a depender do contexto no qual a mobilização é solicitada. E propicia não necessariamente uma facilidade de comunicação, mas um diálogo em torno dos contratos de poder. Privacidade — a privacidade permitida pela comunicação por meio de telefones celulares pode ser estudada com fins de cuidado à saúde.5 O estímulo à informação de prevenção e ao diagnóstico de aids por meio de telefones celulares respeitava barreiras sociais relacionadas ao assunto na África do Sul. Potenciais pacientes-alvo de medidas de prevenção e tratamento tinham resistência a se exporem em locais públicos para obterem orientação. A privacidade da comunicação pessoal permitiu a hipótese de intervenção terapêutica.5 Essa característica da conectividade, tão bem empregada nessa circunstância, se perde quando temos a oportunidade de participar involuntariamente de uma reunião de negócios no saguão de qualquer aeroporto — pode ser, por exemplo, em Praga. Também podemos participar pelo ouvido de conversas familiares nos elevadores, em salas de espera, conversas com go- vernantas, diálogos de casais etc. Conseguimos não falar, mas é difícil evitar que se ouça. Aposentadoria do telefone fixo — A tecnologia mais moderna com frequência torna a anterior obsoleta: não se usa mais o telefone fixo. Ligue no celular. Admitem especialistas que, no futuro não muito distante, os meios de comunicação sem fios substituirão os atuais com fios, principalmente os telefones. A rede social em torno do telefone convencional com fios é diferente da rede social em torno do telefone portátil. Contribui para isso o atendimento automático: a) sua ligação é muito importante para nós; b) digite 1 para ..., 2 para ..., 3 para ..., “n” para ... etc.; c) nossos atendentes estão ocupados atendendo outros clientes etc...; d) obrigado por esperar; e) nossa empresa oferece outros produtos etc..; (...) n). Essas porteiras contrastam com a nossa cultura digital online. Admite-se também que a comunicação via celular é mais rápida pelo fato de ser uma tecnologia mais moderna. Lembrome de um colega que na sua residência era mobilizado pelo telefone celular, pois o telefone fixo não era considerado “eficaz”. Ainda assim, há conexões internéticas que demoram um tempo prolongado para serem concluídas e eficazes, em algumas vezes chegam a demorar até dias. Redundância — a redundância da comunicação pode tornar os processos menos ergonômicos. Todos nos familiarizamos com uma sequência de segurança desenvolvida para o fax. Primeiro se telefona (vou enviar um fax), depois se envia o fax, e depois se telefona de novo (o fax foi recebido?). Esta norma foi atualizada para os e-mails na seguinte sequência no decorrer de um dia: a) telefonema antecipando o envio do e-mail; b) e-mail enviado; c) telefonema perguntando se havia recebido o e-mail. No caso, que não era urgente (era a confirmação de uma atividade previamente assumida, com antecedência de uma semana de um profissional para quem aquela atividade era rotineira) — o profissional em viagem de trabalho naquele dia não respondeu imediatamente às demandas. No dia seguinte pela manhã (out of hours) novo telefonema pedindo verificação de: a) números dos telefones; b) do local no qual se encontrava o profissional; c) do endereço eletrônico e-mail; d) do número do telefone celular etc. Foram mobilizadas desnecessariamente grande quantidade de mensagens e pessoas. Poderíamos até dizer que essa redundância pode resultar em perda. Não se trata de desagradar clientes, mas desagradar colaboradores ou parceiros, de tal modo que a conectividade em vez de resultar em ganhos de eficiência para uma determinada empresa pode resultar no contrário. Lembro-me da história ouvida na qual, quando o telefone tocava e era atendido, ao saberem de quem era o chamado, um certo contingente da equipe saía das proximidades do telefone, pois sabiam que seriam desnecessariamente interrompidos no trabalho que executavam para atender a demanda que em 97,5% dos casos não era pertinente. Diagn Tratamento. 2010;15(1):31-3. RDT v15n1.indb 32 20/4/2010 16:48:14 Alfredo José Mansur Dificuldade de comunicação — Uma pesquisadora do Massachusetts Institute of Technology, dedicada ao estudo da relação entre os homens e os aparelhos, contou a história de uma reunião sobre tecnologia robótica da qual participou e na qual toda a plateia de um conferencista estava com seus computadores portáteis ligados. Estavam a responder os seus e-mails ou fazendo outras verificações, sem dar atenção ao conferencista. Ocasionalmente fechavam o computador e olhavam para o conferencista, como uma deferência de polidez (e talvez descanso), para retomar em seguida a atividade à qual se dedicavam.6 Importância — Um compositor-cantor de música popular brasileira pilheriou com seus amigos médicos há tempos que quando viesse a ficar famoso e rico iria alugar um bip para que eventualmente fosse chamado de “doutor”. O bip era a ferramenta tecnológica online da ocasião e muito utilizado por médicos. Brincava ele com as conotações sociais que via no meio de comunicação que elevariam o status do seu portador. O conceito de importância relacionado ao meio de comunicação online que é o telefone celular foi apontado em observação de refinado intelectual brasileiro, ao observar a enorme população apensa a celulares nos saguões e filas de aeroportos.7 Há saguões e corredores em outros ambientes profissionais nos quais também vemos muitos profissionais apensos a longas e importantíssimas conversas nos equipamentos celulares. Pelo visto, ambientes de reuniões dependem do input de dados obtidos online, por isso sempre soam muitos telefones durante as reuniões. Fascínio tecnológico — o conceito de fascínio tecnológico8 é algo que nos acompanha e que não deverá nos deixar. Curiosamente, em um artigo sobre as repercussões sociais da internet, há uma referência ao fato de nos aproximarmos da internet com uma postura mítica atribuindo à conectividade uma expectativa mítica e que não se fundamenta na realidade.9 Interrupções frequentes — a comunicação online faz com que um bom número de diálogos, profissionais ou não, seja constantemente interrompido. O conceito associado à comunicação online é de urgência, mesmo que isso possa incorrer em riscos.10 Um eventual diálogo da conectividade online supera o diálogo presencial. Assim, havendo a demanda de um telefone celular em um diálogo presencial, dependendo da natureza do contrato daquele diálogo, a demanda do equipamento de comunicação portátil precede o diálogo presencial. Os que se dedicam a palestras e atividades de ensino reparam na frequência com que a participação de alunos em aulas ou atividade didáticas é interrompida graças à comunicação online, neste caso, principalmente com o uso de celulares. Riscos — alguns riscos da conectividade já foram estudados e incorporados a normas legais, por exemplo, a direção de veículos. 33 Curiosamente, em um estudo que avaliou o impacto de uso de celulares sobre a colisão de veículos, o período de risco não se restringiu ao período de atendimento da transmissão da mensagem, mas também aos minutos que se seguiram ao atendimento do telefone. Nos veículos que sofreram colisão os minutos seguintes tiveram o maior risco relativo.10 Finalizamos estas observações sobre alguns aspectos do caráter online da nossa cultura digital que vez por outra irrompem no dia a dia. Certamente há tantos outros aspectos de importância que reflexões adicionais, outros observadores, outros métodos e outros estudos podem divisar e contribuir para a ergonomia da comunicação. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Unidade Clínica de Ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 São Paulo (SP) CEP 05403-000 Tel. InCor (11) 3069-5237 Consultório: (11) 3289-7020 e 3289-6889 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado REFERÊNCIAS 1. Economist.com. Homo mobilis. Disponível em: http://www.economist.com/ displaystory.cfm?story_id=10950487. Acessado em 2009 (4 set). 2. Economist.com. Nomads at last. Disponível em: http://123hints.com/other_ media/mobility/Economist-Mobility-Nomads.pdf. Acessado em 2009 (4 set). 3. França V. Fotógrafa mostra 40 anos de teatro de SP. Estadao.com. br 09 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.estadao.com.br/ estadaodehoje/20090809/not_imp415865,0.php. Acessado em 2009 (4 set). 4. Bill Gates: not accepting your Facebook friend request. ABC News. Disponível em: http://www.abc.net.au/news/stories/2009/07/26/2636460.htm. Acessado em 2009 (27 nov). 5. Lester R, Karanja S. Mobile phones: exceptional tools for HIV/AIDS, health, and crisis management. Lancet Infect Dis. 2008;8(12):738-9. 6. Turkle S. Can you hear me now? Disponível em: http://www.forbes.com/ forbes/2007/0507/176.html. Acessado em 2009 (4 set). 7. Alves R. O telefone celular. Disponível em: http://priory.com/psych/celu1199. html. Acessado em 2009 (4 set). 8. Décourt LV. O doente e a técnica na medicina atual. Revista do InCor. 1995;2:3-4. 9. DiMaggio P, Hargittai E, Russell Neuman W, Robinson JP. Social implications of the internet. Annual Review of Sociololy 2001;27:307-36. Disponível em: http://arjournals.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.soc.27.1.307?c ookieSet=1&journalCode=soc. Acessado em 2009 (4 set). 10. Redelmeier DA, Tibshirani RJ. Association between cellular-telephone calls and motor vehicle collisions. N Engl J Med. 1997;336(7):453-8. Data de entrada: 24/8/2009 Data da última modificação: 19/11/2009 Data de aceitação: 26/11/2009 Diagn Tratamento. 2010;15(1):31-3. RDT v15n1.indb 33 20/4/2010 16:48:14 Ensino médico Residência e ensino médico Quarenta anos de desprestígio do ensino médico profissional no Brasil Jorge MichalanyI Museu de História da Medicina da Associação Paulista de Medicina Em 1966, a Escola Paulista de Medicina (EPM), considerada um dos melhores estabelecimentos de ensino no Brasil para a graduação de médicos profissionais, mudou seu tradicional currículo com a criação do curso de biomedicina. 1. A finalidade da biomedicina foi preparar cientistas para as disciplinas básicas (anatomia, histologia, fisiologia bioquímica e biofísica) e transformar tais disciplinas em institutos de investigação. Porém, como os organizadores da biomedicina não eram médicos profissionais, mas apenas portadores de um diploma de medicina, incluíram, erroneamente, no conceito dessa nova ideia, matéria médica, como microbiologia, parasitologia, farmacologia e patologia. 2. O curso de biomedicina despertou enorme interesse nos professores das disciplinas básicas e em alguns das clínicas, chegando-se a proclamar que o ensino da graduação, o sine qua non para o exercício da profissão médica, não era mais a finalidade primordial da EPM, mas sim a pesquisa e a pósgraduação. 3. É preciso lembrar que pesquisa depende de capacidade de imaginação e esta da inteligência, uma condição inata e presente só numa minoria da população. Pode-se formar um bom professor ou médico profissional, mas é impossível transmitir inteligência a quem quer que seja, já que o verdadeiro pesquisador já nasce feito, pois não depende só da informação. Em caso contrário, os assim chamados cientistas, tal como se arvoram os biomédicos, não passariam de pseudocientistas produzindo trabalhos na maioria estéreis e sem aplicação para a medicina. A meu ver, a pesquisa deveria ser optativa e não compulsória em uma faculdade de medicina. Era essa a ideia que se tinha na EPM antes de 1966 e servia para valorizar o curriculum nos concursos de doutoramento, docência livre e cátedra. Convém lembrar que os grandes cientistas brasileiros, como Oswaldo Cruz, Rocha Lima, Carlos Chagas e Vital Brazil, não fizeram suas descobertas em faculdades de medicina, mas em institutos de investigação. 4. As atribuições dos biomédicos no campo sanitário foram enormemente aumentadas em 1977 com a regulamentação oficial da profissão, que resultou em inovação da patologia, I uma tradicional matéria médica e, principalmente, da anatomia patológica disfarçada em citologia oncótica. Infelizmente, essa invasão foi incentivada por um grupo de cinco professores de patologia, interessados mais em suas pesquisas do que no ensino dos estudantes para a prática médica. O entusiasmo do quinteto pelos biomédicos chegou a ponto de forçarem o ingresso desses “cientistas” na Sociedade Brasileira de Patologia, uma entidade médica, felizmente negada. 5. Na época atual em que o ensino da graduação de certas faculdades foi relegado em favor da pesquisa e da pós-graduação, o docente que tem vocação para ensinar passou a ser um verdadeiro pária diante dos, às vezes, imberbes pesquisadores. Isto tem levado a um desprestígio do docente acadêmico porque gostar de ensinar não dá ibope. Realmente, enquanto o instrutor visa o preparo do aluno para exercer a prática da medicina a contento, o pesquisador, absorvido pelos seus trabalhos, pouco se importa com o porvir do futuro médico. Daí o fato de muitas aulas aos discentes de graduação serem transferidas a residentes que, em geral, não têm experiência no assunto nem a didática, e até a biomédicos! E como fica o coitado de mestre? Além de ser menosprezado na avaliação dos currículos para um concurso universitário – em geral, vale mais o número de trabalhos, sobretudo experimentais, do que uma longa atividade didática – não lhe ofertam vantagens como as dos pesquisadores, recebendo como prêmio por sua dedicação ao ensino apenas uma homenagem dos doutorandos. 6. Eu tenho sido uma Cassandra e uma Vox clamantis in deserto sobre tão importante problema para a sobrevivência da medicina hipocrática, porque não recebi qualquer apoio das sociedades médicas, nem mesmo da Sociedade Brasileira de Patologia da qual me demiti como protesto. 7. Mesmo na anatomia normal há queixas do ensino por biomédicos, tal como proclamou John E. Skandalakis, professor de cirurgia nos Estados Unidos: “Por todo este país os departamentos de anatomia têm sido invadidos e conquistados por grupos de cientistas básicos. O efeito para a anatomia foi catastrófico”. Curador do Museu de História da Medicina da Associação Paulista de Medicina e professor titular aposentado da Escola Paulista de Medicina. Diagn Tratamento. 2010;15(1):34-5. RDT v15n1.indb 34 20/4/2010 16:48:15 Jorge Michalany 8. Antes de ter sido professor e pesquisador em anatomia patológica, eu pratiquei e amei a medicina geral durante seis anos com meu pai, um médico prático geral, até o seu falecimento em 1946. Eu receio que a transformação de algumas escolas de medicina em institutos de investigação está causando um declínio do médico hipocrático, isto é, daquele que cuida do doente. Se o atual estudante deseja ser um verdadeiro médico, deveria primeiro estudar enfermagem e depois medicina. É por isso que tenho proclamado a quatro cantos: Quo vadis Aesculapius? (Para onde vais, Esculápio?). Em suma, não se pode trocar o hospital pelo biotério e o doente pelo ratinho! 35 INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Museu da Associação Paulista de Medicina (APM) Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 – 5o andar Bela Vista — São Paulo (SP) CEP 01318-901 Tel. (11) 3188-4303 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado Data de entrada: 9/10/2009 Data da última modificação: 9/10/2009 Data de aceitação: 24/11/2009 EDITOR RESPONSÁVEL POR ESTA COLUNA Olavo Pires de Camargo. Professor titular, Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Diagn Tratamento. 2010;15(1):34-5. RDT v15n1.indb 35 20/4/2010 16:48:15 Eletrocardiograma O dilema da taquicardia de QRS largo Antonio Américo FriedmannI José GrindlerII Carlos Alberto Rodrigues de OliveiraIII Alfredo José da FonsecaIII Serviço de Eletrocardiologia da Clínica Geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Um estrangeiro de 45 anos, oriental, foi atendido no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas. Como o paciente não compreendia o português, foi inicialmente examinado, constatando-se taquicardia, com frequência cardíaca (FC) de 200 bpm. O eletrocardiograma (ECG) realizado (Figura 1) revelou taquicardia com QRS alargado, ritmo regular e ausência de onda P precedendo o QRS. Pensou-se em taquicardia ventricular (TV) por causa da intensa aberrância do QRS. Apesar da morfologia de bloqueio do ramo esquerdo (BRE) em V1, a duração muito aumentada do QRS (180 ms), a orientação para a direita no plano frontal (QRS negativo em D1) e o predomínio da negatividade em V6 pareceram sinais muito sugestivos de TV. Como os níveis da pressão arterial estavam baixos, começaram os preparativos para a cardioversão elétrica, enquanto um dos médicos da equipe tentava se comunicar com o paciente. Eis que o paciente começou a balbuciar três letras “cabalísticas”: “W P W”, e continuava a repetir “W P W” incessantemente. Os médicos captaram a mensagem, diagnosticaram com unanimidade síndrome de Wolff-Parkinson-White com reentrada antidrômica e mudaram a conduta terapêutica. Após administração de adenosina, houve reversão da taquicardia para o ritmo sinusal e o ECG (Figura 2) revelou sinais de pré-excitação (intervalo PR curto e QRS alargado por onda delta). Figura 1. Taquicardia com QRS muito alargado, ritmo regular e frequência cardíaca de 200 bpm. O QRS em V1 tem morfologia de bloqueio do ramo esquerdo (BRE), porém, ao contrário do BRE clássico, o QRS é negativo em D1 e em V6. A análise minuciosa de D2, D3 e aVF permite evidenciar ondas P retrógradas após o QRS. I Livre-docente, diretor do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Médico supervisor do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). III Médico assistente do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). II Diagn Tratamento. 2010;15(1):36-8. RDT v15n1.indb 36 20/4/2010 16:48:15 Antonio Américo Friedmann | José Grindler | Carlos Alberto Rodrigues de Oliveira | Alfredo José da Fonseca 37 Figura 2. Eletrocardiograma após a reversão da taquicardia ao ritmo sinusal com frequência cardíaca de 60 bpm. A onda P é difícil de ser visualizada porque, como o intervalo PR é muito curto, ela se funde com o QRS alargado por onda delta. DISCUSSÃO O diagnóstico de uma taquicardia com QRS alargado e ritmo regular, quando não precedida de uma onda P bem evidente, é um desafio. Pode ser uma taquicardia ventricular, mais grave, ou supraventricular (TSV) com distúrbio de condução. Quando a taquicardia de QRS largo é não-sustentada, isto é, com duração de até 30 segundos, e inicia ou termina no mesmo traçado, o diagnóstico torna-se mais fácil porque dá para comparar o QRS durante a taquicardia com o QRS em ritmo sinusal: quando as morfologias são iguais, a taquicardia é supraventricular, com bloqueio de ramo pré-existente; quando diferentes, pode ser TV ou TSV. Se houver uma extra-sístole ventricular isolada com a mesma morfologia, a taquicardia é ventricular. Se a taquicardia com QRS largo e não precedida de onda P é sustentada, o diagnóstico pode ser mais difícil.1 Se a morfologia do QRS for muito aberrante, não compatível com bloqueio do ramo direito ou esquerdo, ela é ventricular. Assim, por exemplo, QRS com morfologia de BRE em V1 e predominância de ondas S em V5 e V6 é encontrado em TV de via de saída do VD, que pode ocorrer até em corações estruturalmente normais. Se houver ondas P esparsas e dissociadas, é TV com certeza. Capturas (morfologia supraventricular normal em meio à TV) e batimentos de fusão (morfologia intermediária entre as ectopias ventriculares e a supraventricular) sugerem a existência de ondas P sinusais, que despolarizaram total ou parcialmente os ventrículos durante a taquicardia e são, portanto, evidências indiretas de dissociação AV, comprovando a origem ventricular da taquicardia.2 Mas comumente, o dilema do diagnóstico da taquicardia de QRS largo persiste. Nesta situação, costuma-se utilizar algoritmos para o diagnóstico diferencial, sendo mais utilizado o de Brugada.3 As taquicardias ventriculares são potencialmente mais graves que as supraventriculares e, portanto, devem ser cogitadas em primeiro lugar frente a uma taquicardia com QRS largo e ritmo cardíaco regular. Se a taquicardia é supraventricular, a aberrância de condução pode ser devida a diferentes mecanismos: a) Distúrbio de condução pré-existente (bloqueio de ramo prévio); b) Distúrbio de condução frequência dependente (surge com o aumento da frequência cardíaca); c) Reentrada antidrômica da síndrome de Wolf-ParkinsonWhite (o impulso elétrico reentra pela via acessória e retorna pelo sistema normal de condução). Na TSV com aberrância de condução, a morfologia do QRS é característica de BRD ou de BRE. O distúrbio de condução surge com o aumento da FC. Na taquicardia atrioventricular com reentrada antidrômica, o QRS é muito aberrante, indistinguível de uma TV. Com efeito, se o estímulo reentra para o ventrículo por uma via anômala que atravessa o sulco atrioventricular, afastada do sistema de condução, o QRS exibe a mesma morfologia de uma ectopia ventricular oriunda dessa localização, na base do coração. Neste caso, aplicando-se o algoritmo de Brugada, conclui-se erroneamente que a taquicardia é ventricular. O diagnóstico de TSV da síndrome de Wolff-Parkinson-White é confirmado pelo encontro de pré-excitação no ECG em ritmo sinusal, antes ou após a taquicardia. Diagn Tratamento. 2010;15(1):36-8. RDT v15n1.indb 37 20/4/2010 16:48:21 38 O dilema da taquicardia de QRS largo No caso apresentado, a taquicardia paroxística com QRS alargado simula TV, porque o QRS é muito aberrante e não se enquadra no diagnóstico de BRE. A presença de ondas P retrógradas não ajuda, porque pode ocorrer tanto na TSV como na TV. O ECG em ritmo sinusal após o tratamento esclarece o diagnóstico de síndrome de Wolff-ParkinsonWhite. O paciente sabia o diagnóstico porque, provavelmente, já havia enfrentado situação semelhante com a mesma dúvida. Foi encaminhado para o ambulatório de arritmias cardíacas para estudo eletrofisiológico e ablação da via acessória. CONCLUSÃO Trata-se de um caso de taquicardia de QRS largo que é confundida com taquicardia ventricular. O ECG, após a reversão ao ritmo sinusal, mostra sinais de pré-excitação. A comparação permite concluir que o paciente apresenta síndrome de WolffParkinson-White em que a TSV paroxística tem reentrada antidrômica. A importância clínica do diagnóstico correto da taquicardia é que TV e TSV têm tratamentos distintos durante a crise. Além do mais, o portador da síndrome de Wolff-ParkinsonWhite pode ser encaminhado para terapêutica curativa por ablação da via acessória por radiofrequência através de cateterismo cardíaco. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da FMUSP Prédio dos Ambulatórios Serviço de Eletrocardiologia Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 São Paulo (SP) CEP 054403-000 Tel. (11) 3069-7146 Fax. (11) 3069-8239 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflitos de interesse: nenhum declarado REFERÊNCIAS 1. Bezerra HG, Friedmann AA. Diagnóstico diferencial das taquicardias com QRS largo. In: Friedmann AA, Grindler J, editores. ECG eletrocardiologia básica. São Paulo: Sarvier; 2000. p. 179-83. 2. Friedmann AA, Nishizawa, Grindler J, Oliveira CAR. Taquicardias com QRS largo. In: Friedmann AA, Grindler J, Oliveira CAR, editores. Diagnóstico diferencial no eletrocardiograma. Barueri: Manole; 2007. p. 161-80. 3. Brugada P, Brugada J, Mont L. Smeets J, Andries EW. A new approach to the differential diagnosis of a regular tachycardia with a wide QRS complex. Circulation. 1991;83(5):1649-59. Data de entrada: 16/11/2009 Data da última modificação: 16/11/2009 Data de aceitação: 24/11/2009 Diagn Tratamento. 2010;15(1):36-8. RDT v15n1.indb 38 20/4/2010 16:48:25 Medicina baseada em evidências Medicina e direito: atuação na integralidade destes dois saberes Carlos Emanoel Fontes BartolomeiI Hélcio de Abreu Dallari JúniorII Tania Maria Nava MarchewkaIII Luciana Rosa Batista BarrosoI Nelson Luiz Arruda SenraIV Márcia Carina ZampironI Douglas Henrique Marin dos SantosV Grupo Cochrane de Direito, Centro Cochrane do Brasil INTRODUÇÃO A integração entre as áreas da Medicina e do Direito deve primeiramente assegurar a dignidade dos seres humanos, valorizando sempre os direitos globalmente reconhecidos. Para tanto, muitas espécies de relações de contato entre estas ciências devem ser potencializadas. Dentre tantas, podemos destacar uma maior atenção no aprimoramento da gestão relacionada à saúde, seja pública ou suplementar, de modo a atender as necessidades básicas de todos os seres humanos, levando-se em conta a condição socioeconômica de cada indivíduo e o respeito ao tratamento igualitário arraigado em nossa sociedade com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Assim, aos poucos, precisamos desvendar a totalidade de situações nas quais ambas as ciências se comunicam, bem como suas implicações — teóricas e práticas. Nesse entrosamento, as bases de análise da Medicina Baseada em Evidências revelam-se precisas e proveitosas para o êxito da aplicação diária do direito à saúde. Esse envolvimento é um fator diferencial necessário ao bom progresso de nossa sociedade e ao alcance da almejada justiça social. Tem-se destacado, nesse sentido, a chamada ética da medicina nas três grandes áreas da ciência médica: assistência, ensino e pesquisa, ao fazer menção do enfoque do “humano” dentro do campo de trabalho da medicina. Uma necessidade atual da Medicina é promover continuamente o atendimento, a assistência, o ensino e a pesquisa de maneira justa com a inclusão de todos de maneira indistinta. Com o passar do tempo, a Medicina tem se tornado friamente técnica e econômica, distanciando-se dos princípios da beneficência integral. Reumanizar o Direito é defender o emprego dos valores sociais previstos nos direitos humanos, com justiça e veracidade, propiciando o bem-estar de toda coletividade. De igual maneira, podemos afirmar que o Direito tem tido um funcionamento exacerbado formal, ignorando muitas vezes o humanismo de seus efeitos. Imprescindível, portanto, para uma melhor compreensão da integralidade entre esses dois saberes, é o implemento do direito à saúde baseada na melhor evidência da medicina. Medicina e Direito são criações dos seres humanos que devem ser aproveitadas por estes. É necessário que o benefício e a não-maleficência tenham bases científicas e por consequência ampliem os horizontes do direito à saúde. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIA A Medicina Baseada em Evidências é uma abordagem que utiliza as ferramentas da epidemiologia clínica; da estatística; da metodologia científica; e da informática, a experiência clínica e as preferências dos pacientes com a destinação de subsidiar a pesquisa e o melhor desempenho médico para o avanço da ciência, em prol do pleno funcionamento da saúde. Seus conhecimentos básicos têm por finalidade oferecer a melhor informação disponível para as tomadas de decisões nesse campo.1 A prática da medicina baseada em evidências busca promover a integração da experiência clínica às melhores evidências disponíveis, de modo a propiciar segurança nas intervenções e ética na totalidade das ações. Para o professor Álvaro Nagib Atallah, supervisor deste Centro de Pesquisas, a medicina baseada em evidências é a arte de avaliar e reduzir a incerteza na I Professor universitário, consultor e pesquisador jurídico e membro do Grupo Cochrane de Direito do Centro Cochrane do Brasil. Professor universitário, advogado e membro do Grupo Cochrane de Direito do Centro Cochrane do Brasil. III Procuradora do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, professora doutora e membro do Grupo Cochrane de Direito do Centro Cochrane do Brasil. IV Procurador do Ministério Público Militar e membro do Grupo Cochrane de Direito do Centro Cochrane do Brasil. V Procurador Federal e membro do Grupo Cochrane de Direito do Centro Cochrane do Brasil. II Diagn Tratamento. 2010;15(1):39-42. RDT v15n1.indb 39 20/4/2010 16:48:25 40 Medicina e direito: atuação na integralidade destes dois saberes tomada de decisão em saúde.2 Por essa razão, a questão só pode ser formulada para bem compreender novas intervenções e seu estado científico, sendo imprescindível conhecer, mesmo que brevemente, sua história. E isso não somente para captar com certa profundidade os temas e orientações atualmente predominantes ou o estado da discussão de determinados problemas e questões teóricas ou até mesmo epistemologias metodológicas, mas, sobretudo, para entender sua natureza nos tempos atuais. A medicina baseada em evidências identifica, critica e seleciona com provas científicas rigorosas para nortear as tomadas de decisões sobre os cuidados em saúde, com o compromisso da busca explícita e honesta das melhores evidências científicas da literatura médica.3 Por meio das breves ponderações aqui sobre a interdisciplinaridade entre Medicina e Direito, pretendemos salientar o valor positivo das evidências médicas como forma de aprimoramento do direito à saúde. Também temos a intenção de demarcar conceitos centrais, enfocando principalmente as revisões sistemáticas e sua importância nas reflexões interdisciplinares para as tomadas de decisões em ambas as áreas do conhecimento, relacionadas e destinadas exclusivamente ao cuidado e proteção da saúde dos seres humanos. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIA E DIREITO À SAÚDE Não obstante a finalidade da Medicina Baseada em Evidências convergir para a aplicação que visa o bem comum, assim como ocorre nas ciências jurídicas, nada mais oportuno seria a incorporação simultânea de ambos os conhecimentos, por corresponder, com efeito, a uma rigorosa prova para as tomadas de decisões no tocante ao direito à saúde. Tal prática, ora apresentada, corresponde a uma natural evolução do Direito pensado cientificamente, no qual se incluem importantes questões metodológicas que marcarão o acontecer do direito à saúde. Atualmente, está sendo edificada uma área específica, vinculada a tais ideais e preocupações, denominada Direito Sanitário. Para muitos profissionais do Direito, esse Direito Sanitário surge como excepcional inovação, configurando uma disciplina altamente imprescindível diante da análise dos acontecimentos socioculturais, trazendo positivas influências na obtenção das melhores decisões no campo da Medicina. Sabemos bem da importância histórica da Medicina e do Direito. Temos igualmente conhecimento da necessidade de abordagens mais detalhadas em ambas as ciências, através de disciplinas específicas com metodologia própria. No entanto, apenas recentemente se extraíram as consequências decisivas sobre a importância da metodologia científica para o Direito, em especial a partir do momento no qual se defende uma concepção da ciência na Medicina Baseada em Evidências e, consequentemente, o oferecimento de sugestões científicas para melhor tomada de decisões em Direito e Saúde, incluindo o Direito Sanitário e o seu melhor desempenho no papel decisivo de tomada de decisões. Assim, o Direito Sanitário desponta como catalisador essencial no processo de relacionamento entre Medicina e Direito, desde que fazendo uso da Medicina Baseada em Evidências. Nessa linha de pensamento, cabe associarmos ainda o elo entre a boa ciência e a boa prática nas experiências pessoais, além da aplicação nas teorias fisiopatológicas.4 Importante ressaltarmos e balizarmos especial atenção ao desenho da pesquisa, à sua condução, à análise estatística e, no tocante ao método de pesquisa, enfatizarmos a associação de métodos epidemiológicos à pesquisa clínica, conceituada através da expressão epidemiologia clínica. Em linhas gerais, segundo essa concepção, é natural supor que, quando se toma uma decisão em Direito que envolva a interface em Medicina, se impõe que se deva levar em conta o que já experimentou a ciência médica, de modo que os prejuízos para a saúde terão seu custo pormenorizado, além da realização da defesa do direito à saúde embasada na melhor evidência científica. Após a conjunção da metodologia apresentada, respeitados os direitos humanos, qualquer sujeito poderia ter a oportunidade de obter tratamento ou medicamento mais adequado, solidamente subsidiado nos estudos da Medicina Baseada em Evidências. Em seguimento a tal afirmação, podemos aferir que, para melhor concretude e aplicação das bases da Medicina Baseada em Evidências, profissionais do Direito deveriam dominar conhecimentos mínimos no método de utilização e aplicação dessa linha científica para as melhores tomadas de decisões, seja no sentido de promover ações de saúde, fiscalizar e monitorar os sistemas de saúde, bem como de efetivar decisões judiciais embasadas com maior propriedade. De fato, correlativamente, seria uma nova interpretação do direito, radicalmente distinta da aplicação fria da lei — que predomina atualmente nas análises jurídicas sobre saúde. Essa nova visão interpretativa resgataria definitivamente o sentido de bom senso jurídico de justiça social, fortalecendo os conhecimentos dos profissionais comprometidos com essa atuação. Não estamos propondo aqui que os profissionais do Direito sejam também médicos, para que as leis e decisões promovam eficazmente o direito à saúde. Vislumbramos apenas que não existam dificuldades em relação ao acesso do conhecimento científico. Busca-se basicamente o posicionamento preventivo do atendimento a este direito, o qual se encaixa perfeitamente na Medicina Baseada em Evidências: o que é racional e de viável aplicação jurídica. A discussão desses aspectos enseja a consideração de outros elementos importantes ao processo de tomadas de decisões vinculadas ao direito à saúde. O primeiro é desenvolvido a partir da pesquisa científica na área médica antes da tomada de decisão em Direito e Saúde. O segundo é que não se pode colocar em descaso a dignidade da pessoa nem comprometer excessivamente o custo da saúde pública ou individual. O Direito tem que ser em primeiro lugar lógico, enquanto busca prevenir e resguardar o direito à saúde. Entenda-se que o Diagn Tratamento. 2010;15(1):39-42. RDT v15n1.indb 40 20/4/2010 16:48:25 Carlos Emanoel Fontes Bartolomei | Hélcio de Abreu Dallari Júnior | Tania Maria Nava Marchewka | Luciana Rosa Batista Barroso | Nelson Luiz Arruda Senra | Márcia Carina Zampiron | Douglas Henrique Marin dos Santos Direito deve guardar atenção desde o momento de discussão de elaboração das leis, até sua confecção final e subsequente aplicação. Essas perspectivas multidisciplinares da aproximação não resultariam em certa autonomia epistemológica das metodologias abertas pela Medicina Baseada em Evidências na interface entre Direito e Medicina, bem como na perda de características próprias dessas duas áreas de conhecimento que almejam exclusivamente a proteção do direito fundamental à saúde. O mundo contemporâneo evoluiu a tal ponto que, no direito comparado, os princípios e as garantias fundamentais colocam no eixo do sistema jurídico a tutela da própria pessoa humana. Portanto, não é nova a ideia de proteção integral dos seres humanos, discutida atualmente no Brasil, possibilitando a integração entre Direito e Medicina, notadamente a partir do que se depreende da legislação que implantou o Sistema Único de Saúde (SUS) na gestão pública brasileira. Esse sistema representa um destacado marco legal em nosso país no que tange ao assistencialismo médico e hospitalar a todo e qualquer cidadão brasileiro. Entretanto, para que o ser humano obtenha auxílio em saúde dos poderes públicos e para que os gestores públicos possam planejar e custear as necessidades em saúde dos cidadãos brasileiros, é necessário haver um definitivo compromisso de interdisciplinaridade entre Medicina e Direito, com foco no direito à saúde, aproximando diversos profissionais dessas duas ciências do conhecimento humano. Quando a Medicina Baseada em Evidências propõe que o ato médico seja fundado na melhor evidência disponível, ela resguarda o paciente/cidadão dos riscos do arbítrio pessoal do profissional tanto da Medicina quanto do Direito. A partir dessa conclusão, notadamente sob a ótica do Direito, é possível o questionamento acerca do livre convencimento do juiz, ou seja, com base em qual conhecimento médico-científico poderia o magistrado decidir sobre a temática. Interessante neste aspecto a pergunta: poderia o julgador decidir contrariamente às evidências científicas disponíveis? Para a linha tradicional dos doutrinadores jurídicos brasileiros, a resposta é positiva. Justamente por isso é que o conhecimento e a informação da Medicina Baseada em Evidências tornam-se relevantes para o aprimoramento da tomada de decisões em direito à saúde. Tal interface prioriza a cientificidade das evidências médicas para a promoção do direito fundamental à saúde, alicerçado na ordem internacionalmente no preceito da dignidade humana — conforme, inclusive, também está estabelecido em nossa Constituição Federal, datada de 1988.5 Assim sendo, Direito e Medicina, modulados pela melhor evidência disponível, poderão definitivamente assegurar a garantia constitucional do acesso à saúde pública com eficiência, resultando na diminuição de demandas judiciais que por vezes contrariam os interesses da coletividade. O Grupo de Estudos Jurídicos do Centro Cochrane do Brasil, a partir dos processos internos e externos de aprendizado e 41 da experiência adquirida no enfrentamento do tema, considera que é possível resumir os estudos a um parâmetro objetivo; a saber, a evidência médica-científica, que se desdobra em hipóteses que assegurariam a cientificidade das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário, por exemplo: a) Hipótese de que o medicamento/tratamento/tecnologia pretendido pelo autor da ação judicial revele alto nível de evidência científica; b) Hipótese de que não existem estudos disponíveis para o fármaco/tratamento/tecnologia pretendido pelo autor da ação judicial; c) Hipótese de que existem evidências científicas que apontem contrariamente à administração de medicamento ou tratamento/tecnologia pretendida pelo autor da ação judicial. A relação Medicina e Direito mostra-se ainda mais intensa quando tal paralelo se constrói a partir dos fundamentos da Medicina Baseada em Evidências. De fato, a Medicina Baseada em Evidências é o elo entre a boa pesquisa científica e a prática médica. Em outras palavras, recorre às provas científicas existentes e disponíveis no momento, com boa validade interna e externa, para a aplicação de seus resultados na prática clínica. Consiste na tomada de decisão baseada na melhor evidência de forma a atingir o desfecho que alie a preservação da ida à dignidade humana do paciente.4 Isso significa dizer que a melhor resposta decorrerá da melhor informação, atribuindo-se às evidências disponíveis em uma escala de valor científico. Já no Direito, para finalizar-se a resolução do conflito social submetido à avaliação do Poder Judiciário, as decisões também deveriam ser tomadas com o alicerce em evidências (na ciência jurídica estas são denominadas provas judiciais). De fato, é com alicerce nas provas (ou evidências), produzidas e juntadas no processo, que o juiz formará sua convicção e, finalmente, deverá decidir de modo imparcial.6 Portanto, não se pode prescindir da abertura e do intercâmbio científico, especialmente numa sociedade desigual e com sucessivas transformações mudanças sociais. A restrição e o cerceamento do conhecimento humano interessam a poucos que com isso se beneficiam, em detrimento do progresso de toda sociedade. Devemos dinamizar o avanço da humanidade por meio de seu ponto central de preocupação, qual seja o ser humano, considerado individualmente e em sua vida em coletividade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando definimos o caminho como construção de diálogo gerador de autonomia e de busca por um bem comum e não como transferência unilateral de uma ou outra área do conhecimento, falamos de educação e comunicação. Arriscamos dizer que encontramos o resumo do que se busca na tomada de decisão em saúde como transformação da formação em saúde: nos espaços formadores do conhecimento para Diagn Tratamento. 2010;15(1):39-42. RDT v15n1.indb 41 20/4/2010 16:48:25 42 Medicina e direito: atuação na integralidade destes dois saberes tomada de decisões no campo prático e de informação com uma comunicação mais pedagógica. No presente trabalho procuramos contextualizar os princípios da atenção à saúde como resultantes dos direitos humanos, assim como fortalecer o Sistema Único de Saúde, para além da universalidade do acesso às ações e aos serviços, postulando a melhor evidência científica da medicina. Além disso, acreditamos que, no momento em que surgirem novas práticas médicas, torna-se imprescindível a exigência dos caminhos da multi-interdisciplinaridade como novo paradigma. Não se trata de substituir as especialidades em generalidades na área médica. O que se pleiteia é uma concepção unitária contra uma concepção fragmentada na tomada de decisões em saúde. Neste contexto é relevante tratar a questão da saúde como direito fundamental, comprometida com a medicina baseada em evidência honesta e compromissada com a consolidação da democracia, cujo princípio fundamental é a garantia do direito à saúde . Chegamos ao século 21 com uma realidade profundamente desumana em todo o mundo. A realidade das pesquisas científicas da Medicina Baseada em Evidências deve ser estrategicamente traçada para o fortalecimento das políticas públicas do país, onde se busca um despertar da solidariedade ao ser humano através do senso de justiça, sem deixar de aplicar às regras do Direito. Resulta, pois, de um sonho pela ciência, para compor uma sociedade mais justa e solidária, através da comunicação destes dois saberes, Medicina e Direito. Promover a integralidade na saúde depende, portanto, por vezes necessária e facilmente perceptível, da promoção de ações e processos de comunicação. Como é apropriado, nesse momento de estabelecer as relações entre a Medicina Baseada em Evidências e o Direito à Saúde, apontar, ainda que sem aprofundar-se, sua interdependência nas práticas. Tais relações, uma vez identificadas e compreendidas, abrem mil caminhos a serem explorados, caminhos de pesquisas e ações, a serem trilhados. INFORMAÇÕES O trabalho foi realizado no Centro Cochrane do Brasil pelo Grupo de Estudos Jurídicos do Centro Cochrane do Brasil com supervisão dos responsáveis dr. Álvaro Nagib Atallah e dra. Edina Mariko Koga da Silva Endereço para correspondência: Álvaro Nagib Atallah Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino — São Paulo (SP) Tel. (11) 5571-4721 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhum declarado Conflitos de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Sackett DL, Straus SE, Richardson WS, Haynes RB. Medicina baseada em evidências. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2003. 2. Atallah AN. A incerteza, a ciência e a evidência [Uncertainty, science and the evidence]. Diagn Tratamento. 2004;9(1):27-8. 3. Atallah AN, Trevisani VFM, Valente O. Princípios para tomadas de decisões terapêuticas com base em evidências científicas. In: Prado FC, Ramos J, Ribeiro do Valle J, eds.. Atualização terapêutica. 23a ed. São Paulo: Artes Médicas; 2007. p. 1704-6. 4. Atallah AN. O elo entre a boa ciência e a boa prática clínica. In: Franco LJ, Passos ADC. Fundamentos de epidemiologia. São Paulo: Manole; 2004. p. 325-44 5. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao. htm. Acessado em 2010 (12 fev). 6. Cintra ACA, Grinover AP, Dinamarco CR. Teoria geral do processo. 18a ed. São Paulo: Malheiros; 2007. Data de entrada: 24/11/2009 Data da última modificação: 11/2/2010 Data de aceitação: 12/3/2010 RESUMO DIDÁTICO 1. A integração entre a Medicina e o Direito deve assegurar a dignidade dos seres humanos, valorizando os direitos globalmente reconhecidos. 2. A Medicina Baseada em Evidências traz em si um direito humano ao uso universal do reconhecimento científico de melhor qualidade. 3. O Direito Sanitário, fazendo uso da Medicina Baseada em Evidências, dinamizará o processo de relacionamento entre Medicina e Direito. 4. A tomada de decisão jurídica com base nas evidências científicas é a forma mais adequada para a garantina dos direitos humanos. 5. O Direito Sanitário, fazendo uso da Medicina Baseada em Evidências, dinamizará o processo de relacionamento entre Medicina e Direito. Diagn Tratamento. 2010;15(1):39-42. RDT v15n1.indb 42 20/4/2010 16:48:25 Medicina sexual Pedofilia – considerações atuais Giancarlo SpizzirriI Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO A pedofilia é um distúrbio psiquiátrico, classificado como um transtorno de preferência sexual pela Classificação Internacional das Doenças na sua 10a edição (CID-10)1 ou uma parafilia pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais 4a Edição (DSM-IV-TR).2 Caracteriza-se por comportamentos, fantasias e/ou pensamentos sexuais recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, por período igual ou superior a seis meses e que envolvam pessoas de até 12 anos de idade. Alguns pedófilos são atraídos por meninas apenas, outros apenas por meninos e outros se interessam por ambos os gêneros.1,2 É uma condição crônica que geralmente se inicia na adolescência e persiste ao longo da vida, sendo mais frequente em homens do que em mulheres.3,4 A pedofilia é um tema controvertido. Pedófilo seria aquele indivíduo que tem atração sexual exclusivamente por crianças. Alguns autores classificam esse tipo como “permanente”. Também há aqueles que apresentam esses sintomas quando estão diante de situações estressantes, sendo considerados do tipo ‘regressivo’. Há, também, aqueles que molestam crianças sem fins estritamente sexuais.5 Em nossos dias a pedofilia, mais do que nunca, constitui fonte de grande preocupação em diversos segmentos da sociedade. Para vencer esse grande desafio, maior conhecimento sobre etiologia, quadro clínico e tratamento se faz necessário. ETIOLOGIA – CONSIDERAÇÕES ATUAIS A etiologia desse distúrbio permanece pouco esclarecida. Pesquisas atuais, entretanto, apontam alterações neurológicas, hormonais e psicodinâmicas envolvidas nessa gênese, como salientamos a seguir: a) Fatores neurológicos Diminuição considerável do volume e da massa cinzenta da amídala direita, do hipotálamo bilateral, das regiões septais, da substância innominata e do núcleo da estria terminal foi observada em pedófilos e pode refletir alterações ou agressões do ambiente, em períodos críticos do desenvolvimento psicossexual.6 Observou-se também que pedófilos apresentam diminuição do volume da massa cinzenta do núcleo estriado ventral (estendendo-se ao núcleo accumbens), do córtex orbitofrontal e I do cerebelo. Essas observações indicam associação entre anormalidades da morfometria fronto-estriatal e pedofilia.7 Quando se comparam indivíduos com interesses sexuais heterossexuais com parafílicos, verificam-se alterações eletroencefalográficas em diferentes áreas corticais, como reação à estimulação erótica visual.8 Aumento anormal do ritmo alfa e diminuição da atividade em áreas frontais também foi observado em pedófilos quando estão na presença de crianças.9 A ressonância magnética funcional de pedófilos revela que diversas regiões cerebrais são ativadas ou inibidas, durante a estimulação erótica visual.10,11 Há evidências de que o lobo frontal occipital superior e o fascículo arqueado conectem as regiões corticais da resposta à estimulação sexual, indicando que aquelas regiões corticais operam como uma rede no reconhecimento dos estímulos sexuais relevantes e que a pedofilia resulta de uma desconexão parcial desta rede.11 b) Fatores hormonais Observa-se aumento dos níveis de testosterona, especialmente naqueles pedófilos que apresentam conduta agressiva.12 Também se tem evidenciado maior índice de hormônio luteinizante em pedófilos, quando comparados com parafílicos não pedófilos e não parafílicos, o que indica uma disfunção no eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal.13 Maiores níveis de prolactina foram identificados numa amostra de 528 homens criminosos sexuais, entre eles, os pedófilos.14 c) Aspectos psicodinâmicos História de abuso sexual e/ou emocional na infância é recorrente e contribui para a compreensão das causas da pedofilia: as primeiras experiências ou fantasias sexuais, sejam gratificantes ou não, podem influenciar comportamentos futuros.5 Pesquisas atuais indicam que parafílicos (entre eles os pedófilos) e criminosos sexuais advêm de famílias mais numerosas e seus pais tendem a serem mais velhos na ocasião de seus nascimentos.15 DIAGNÓSTICO O diagnóstico da pedofilia está fundamentado na história e no exame psíquico do paciente, destacando-se os diversos aspectos da anamnese sexual.5 Investigação recente concluiu que Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e professor do curso de Especialização em Sexualidade Humana pela FMUSP. Membro da equipe do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex). Diagn Tratamento. 2010;15(1):43-4. RDT v15n1.indb 43 20/4/2010 16:48:25 44 Pedofilia – considerações atuais a utilização de pornografia infantil é um forte indicativo de que o usuário poderá molestar crianças sexualmente.16 Cogita-se associação entre pedofilia e transtornos da personalidade, entretanto, não há alteração que seja diagnóstica e que caracterize todos os casos.5 TRATAMENTO A administração de antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina, principalmente) em altas doses é amplamente citada na literatura como recurso terapêutico relevante. Acompanhamento psicoterapêutico individual e/ou grupal é essencial no acompanhamento dessas condições.5,17-19 Novas possibilidades de tratamento estão sendo pesquisadas e aplicadas, como a utilização de hormônios antiandrogênicos e o acetato de leuprolida, preferencialmente em pacientes pedófilos abusadores sexuais.20 INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Giancarlo Zpizzirri Projeto Sexualidade (ProSex) Rua Ovídio Pires de Campos, 785 — 4o andar São Paulo (SP) CEP 01060-970 Tel. (11) 3069-6982 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Organização Mundial da Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. 10a ed. Porto Alegre: Artmed; 1993. 2. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-IV). 4th ed. Washington: American Psychiatric Association; 2002. 3. Quinsey VL. The etiology of anomalous sexual preferences in men. Ann N Y Acad Sci. 2003; 989:105-17; discussion 144-53. 4. Studer LH, Aylwin AS. Pedophilia: the problem with diagnosis and limitations of CBT in treatment. Med Hypotheses. 2006;67(4):774-81. 5. Hughes JR. Review of medical reports on pedophilia. Clin Pediatr (Phila). 2007;46(8):667-82. 6. Schiltz K, Witzel J, Northoff G, et al. Brain pathology in pedophilic offenders: evidence of volume reduction in the right amygdala and related diencephalic structures. Arch Gen Psychiatry. 2007;64(6):737-46. 7. Schiffer B, Peschel T, Paul T, et al. Structural brain abnormalities in the frontostriatal system and cerebellum in pedophilia. J Psychiatr Res. 2007;41(9):753-62. 8. Waismann R, Fenwick PB, Wilson GD, Hewett TD, Lumsden J. EEG responses to visual erotic stimuli in men with normal and paraphilic interests. Arch Sex Behav. 2003;32(2):135-44. 9. Schiffer B, Krueger T, Paul T, et al. Brain response to visual sexual stimuli in homosexual pedophiles. J Psychiatry Neurosci. 2008;33(1):23-33. 10. Walter M, Witzel J, Wiebking C, et al. Pedophilia is linked to reduced activation in hypothalamus and lateral prefrontal cortex during visual erotic stimulation. Biol Psychiatry. 2007;62(6):698-701. 11. Cantor JM, Kabani N, Christensen BK, et al. Cerebral white matter deficiencies in pedophilic men. J Psychiatr Res. 2008;42(3):167-83. 12. Kafka MP, Hennen J. Psychostimulant augmentation during treatment with selective serotonin reuptake inhibitors in men with paraphilias and paraphiliarelated disorders: a case series. J Clin Psychiatry. 2000;61(9):664-70. 13. Briken P, Hill A, Berner W. Pharmacoterapy of paraphilias with long-acting agonists of luteinizing hormone-releasing hormone: a systematic review. J Clin Psychiatry. 2003;64(8):890-7. 14. Studer LH, Aylwin AS. Elevated prolactin levels among adult male sex offenders. Psychol Rep. 2006;98(3):841-8. 15. Langevin R, Langevin M, Curnoe S. Family size, birth order, and parental age among male paraphilics and sex offenders. Arch Sex Behav. 2007;36(4):599609. 16. Seto MC, Cantor JM, Blanchard R. Child pornography offenses are a valid diagnostic indicator of pedophilia. J Abnorm Psychol. 2006;115(3):610-5. 17. Kafka MP. The monoamine hypothesis for the patophysiology of paraphilic disorders: an update. Ann N Y Acad Sci. 2003;989:86-94; discussion 144-53. 18. Saleh FM, Guidry LL. Psychosocial and biological treatment considerations for the paraphilic and nonparaphilic sex offender. J Am Acad Psychiatry Law. 2003;31(4):486-93. 19. Rösler A, Witztum E. Pharmacotherapy of paraphilias in the next millennium. Behav Sci Law. 2000;18(1):43-56. 20. Saleh FM, Niel T, Fishman MJ. Treatment of paraphilia in young adults with leuprolide acetate: a preliminary case report series. J Forensic Sci. 2004;49(6):1343-8. Data de entrada: 27/11/2009 Data da última modificação: 27/11/2009 Data de aceitação: 14/12/2009 RESUMO DIDÁTICO 1. A pedofilia é um transtorno mental caracterizado por fantasias e/ou comportamentos sexuais intensos e sexualmente excitantes por um período superior ou igual a seis meses, envolvendo pessoas de até 12 anos de idade. 2. A etiologia desse distúrbio permanece pouco esclarecida. Pesquisas atuais apontam alterações neurológicas, hormonais e psicodinâmicas envolvidas nessa gênese. 3. Diminuição considerável do volume da massa cinzenta da amídala direita e do núcleo estriado ventral foi observada em pedófilos. 4. A ressonância magnética funcional e eletroencefalográfica de pedófilos revela que diferentes regiões cerebrais são ativadas ou inibidas durante a estimulação erótica visual. 5. Observa-se aumento dos níveis de testosterona especialmente nos pedófilos que apresentam conduta agressiva. 6. História de abuso sexual e/ou emocional na infância é frequente em pedófilos e contribui para a compreensão das causas da pedofilia. Diagn Tratamento. 2010;15(1):43-4. RDT v15n1.indb 44 20/4/2010 16:48:26 Destaques Cochrane Intervenções para tratar obesidade em crianças1 Autora da tradução: Rachel RieraI Centro Cochrane do Brasil RESUMO Introdução: A prevalência de obesidade em crianças e adolescentes é crescente e pode ser associada a importantes consequências em curto e longo prazos. Objetivo: O objetivo desta revisão foi avaliar a eficácia de intervenções medicamentosas, cirúrgicas e relacionadas ao estilo de vida no tratamento da obesidade na infância. Estratégia de busca: Foram realizadas buscas nas bases CENTRAL (Cochrane Library), MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System), EMBASE (Excerpta Medica Databases), CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), PsycINFO, ISI (Institute for Scientific Information) Web of Science, DARE (Database of Abstracts of Reviews of Effects) and NHS EED (National Health Service (National Health Service Economic Evaluation Database), para artigos publicados entre 1985 e maio de 2008. Também foram checadas as referências dos artigos e não houve restrição quanto ao idioma. Critérios de seleção: Foram selecionados ensaios clínicos aleatórios incluindo intervenções medicamentosas, cirúrgicas e relacionadas ao estilo de vida (nutricional, atividade física, terapia comportamental), no tratamento de crianças obesas (idade média inferior a 18 anos) com ou sem suporte dos membros da família, com acompanhamento mínimo de seis meses (três meses para terapia medicamentosa atual). Estudos com intervenções voltadas especificamente para o tratamento de desordens alimentares, diabetes tipo 2 ou que incluíram pacientes com obesidade secundária ou relacionada com alguma síndrome, foram excluídos. Coleta de dados e análise: Dois revisores avaliaram a qualidade dos estudos de modo independente e extraíram os dados de acordo com o Handbook da Colaboração Cochrane. Quando necessário, os autores foram contatados para informações adicionais. Resultados principais: Intervenções relacionadas com mudanças no estilo de vida foram voltadas para a atividade física e sedentarismo em 12 estudos, dieta em 6 estudos e terapias comportamentais em 36 estudos. Três tipos de tratamentos medicamentosos (metformina, orlistat e sibutramina) foram avaliados em 10 estudos. Nenhum estudo com intervenção cirúrgica foi I elegível para inclusão. Os estudos tinham grande variedade de intervenções, desfechos e qualidade metodológica. As metanálises mostraram uma redução no sobrepeso em seis e 12 meses de acompanhamento nas seguintes intervenções: a) intervenções de mudança de estilo de vida envolvendo crianças; e b) intervenções de mudança de estilo de vida em adolescentes com ou sem associação com orlistat ou sibutramina. Efeitos adversos foram observados nos grupos que receberam medicações. Conclusões dos autores: Apesar de haver evidências limitadas para recomendar um programa específico de tratamento, esta revisão mostrou que intervenções comportamentais e de estilo de vida combinadas, comparadas com o cuidado padrão, podem causar redução significativa e clinicamente importante de peso em crianças e adolescentes. Em adolescentes obesos, o uso de orlistat ou sibutramina pode ser considerado, como adjuvante nas intervenções de estilo de vida, apesar de esta conduta precisar de cuidados quanto aos efeitos adversos. Pesquisas com melhor qualidade, considerando a influência de fatores psicossociais na mudança de comportamento, estratégias para melhorar a interação médico-familiar e programas de custoefetividade para cuidados primários ainda são necessários. REFERÊNCIA 1. Oude Luttikhuis H, Baur L, Jansen H, et al. Interventions for treating obesity in children. Cochrane Database Syst Rev. 2009;(1):CD001872. INFORMAÇÕES Tradução e adaptação: Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino — São Paulo (SP) CEP 04039-001 Tel. (11) 5579-0469/5575-2970 E-mail: [email protected] http://www.centrocochranedobrasil.org.br/ Responsável pela edição desta seção: Centro Cochrane do Brasil Esta revisão sistemática completa está disponível por meio do endereço: http://cochrane.bvsalud.org/portal/php/index.php?lang=pt Assistente de pesquisa do Centro Cochrane do Brasil Diagn Tratamento. 2010;15(1):45. RDT v15n1.indb 45 20/4/2010 16:48:26 Destaques Cochrane Reabilitação pulmonar após exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)1 Autora da tradução: Rachel RieraI Centro Cochrane do Brasil RESUMO Introdução: A reabilitação pulmonar se tornou peça fundamental no tratamento de pacientes estáveis com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). As revisões sistemáticas têm mostrado grandes e importantes repercussões clínicas na reabilitação pulmonar desses pacientes. Em pacientes instáveis que foram vítimas de uma exacerbação recentemente, no entanto, os efeitos da reabilitação pulmonar são menos estabelecidos. Objetivo: Avaliar os efeitos da reabilitação pulmonar após exacerbações de DPOC em internações hospitalares futuras (desfecho primário) e outros desfechos importantes para os pacientes (mortalidade, qualidade de vida e capacidade de exercício). Estratégia de busca: Os ensaios foram identificados a partir de buscas nas bases CENTRAL, MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System), EMBASE (Excerpta Medica Databases) e PEDRO (Physiotherapy Evidence Database) até julho de 2008. Critério de seleção: Ensaios clínicos aleatórios comparando reabilitação pulmonar de qualquer duração após exacerbação da DPOC com o atendimento convencional. Os programas de reabilitação pulmonar precisavam incluir pelo menos um exercício físico. Os grupos controle receberam cuidados convencionais, sem reabilitação. Coleta dos dados e análise: Foi calculado o odds ratio (OR) e a diferença de média ponderada (DMP), utilizando-se modelos de efeitos fixos. Foram solicitados dados perdidos aos autores dos estudos primários. Resultados principais: Foram identificados seis estudos incluindo 219 pacientes. A reabilitação pulmonar reduziu significativamente as internações hospitalares (OR de 0,13 [intervalo de confiança, IC, 95% 0,04-0,35], número necessário para tratar (NNT) 3 [95% IC 2-4]) e a mortalidade (OR de 0,29 [95% CI 0,10-0,84], NNT 6 [95% CI 5 a 30]). Efeitos da rea- I bilitação pulmonar sobre a qualidade de vida foram bem acima da diferença mínima considerada importante (DMP para dispneia, fadiga, função emocional e principais domínios do Chronic Respiratory Questionnaire entre 1,15 (95% CI: 0,94, 1,36) e 1,88 (95% CI: 1,67, 2,09) e entre -9,9 (95% CI: -18,05, -1,73) e -17,1 (95% CI: -23,55, -10,68) para o escore total e domínios de impacto e limitação de atividade do St. Georges Respiratory Questionnaire). Em todos os ensaios, a reabilitação pulmonar melhorou a capacidade de exercício (de 60 para 215 metros para o teste de caminhada de seis minutos). Não foram relatados eventos adversos (dois estudos). Conclusões dos autores: Evidências de pequenos estudos com qualidade metodológica moderada sugerem que a reabilitação pulmonar é uma intervenção altamente efetiva e segura para reduzir internações e mortalidade e melhorar a qualidade de vida em pacientes com DPOC após exacerbação da doença. REFERÊNCIA 1. Puhan M, Scharplatz M, Troosters T, Walters EH, Steurer J. Pulmonary rehabilitation following exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. Cochrane Database Syst Rev. 2009(1):CD005305. INFORMAÇÕES Tradução e adaptação: Centro Cochrane do Brasil Rua Pedro de Toledo, 598 Vila Clementino - São Paulo (SP) CEP 04039-001 Tel. (11) 5579-0469/5575-2970 E-mail: [email protected] http://www.centrocochranedobrasil.org.br/ Responsável pela edição desta seção: Centro Cochrane do Brasil Esta revisão sistemática completa está disponível por meio do endereço: http://cochrane.bvsalud.org/portal/php/index.php?lang=pt Assistente de pesquisa do Centro Cochrane do Brasil Diagn Tratamento. 2010;15(1):46. RDT v15n1.indb 46 20/4/2010 16:48:26 Carta ao editor Estudos clínicos em cirurgia: um especial desafio Patricia Logullo1 Como bem abordado pelos drs. Matos e Lustosa,1 é intensa atualmente a discussão a respeito da dificuldade que a área cirúrgica tem de adotar os padrões de qualidade da medicina baseada em evidências na realização de estudos científicos. Postula-se que os estudos de melhor nível de evidência são as revisões sistemáticas e os estudos clínicos aleatórios. No entanto, menos de 5% dos artigos publicados em revistas de cirurgia são estudos clínicos aleatórios,2 o que mostra que esse paradigma ainda não foi incorporado à área cirúrgica. Além das tradições dos grandes centros cirúrgicos e da autoridade dos renomados cirurgiões (que ratificam a publicação de enormes e repetidas séries de casos, baseadas no seu expertise pessoal), da dificuldade em transmitir para o acaso o destino do paciente (na aleatorização, não é o cirurgião quem decide qual tratamento seu paciente receberá, mas o sorteio) e da resistência em receber como certa para o indivíduo a evidência coletada num grupo (em cirurgia, geralmente as populações arroladas para os estudos são heterogêneas), há também algumas outras dificuldades especiais que tornam o assunto um especial desafio. Tem havido, de fato, resistência dos cirurgiões à realização de pesquisas no desenho de estudos clínicos aleatórios. As justificativas vão desde a dificuldade da montagem e implementação desses estudos até uma certa oposição à ideia de questionar a própria prática.2-5 Em cirurgia, problemas técnicos específicos do ambiente cirúrgico (instrumentos, próteses, uso de material biológico etc.) ou da variação normal das técnicas entre os indivíduos, ou mesmo a indicação da cirurgia (e, portanto, a seleção de pacientes para cada estudo) são dificuldades impostas à realização de trabalhos prospectivos, notadamente em especialidades cirúrgicas, mais ainda se forem aleatorizados.2 Por exemplo: como garantir a ocultação do tratamento designado para o paciente e para o cirurgião (blindness)? O que pode ser muito fácil com uma pílula placebo, semelhante fisicamente à pílula com medicamento, em cirurgia pode ser impossível. O momento de iniciar o estudo clínico também é uma questão crucial: em que ponto da curva de aprendizado de uma determinada abordagem cirúrgica se devem iniciar esses estudos?1 O período de treinamento das técnicas cirúrgicas pode desviar resultados, e está intimamente ligado ao risco, inerente a toda cirurgia, mas maior ainda em cirurgias experimentais — risco ao qual se submete o paciente incluído no estudo. Além dessas dificuldades, muitas vezes o desfecho que se analisa em cirurgia tem evolução muito lenta (por exemplo, consolidação, recuperação de função, diminuição de taxa de 1 fraturas), o que, aliado à raridade de casos em certas afecções, faz com que rapidamente a intervenção testada se torne obsoleta. Encontrar casos que se encaixem num grupo e controles rigorosamente semelhantes que se encaixem em outro para comparação pode ser realmente trabalhoso para o cirurgião. O caminho, apontado por especialistas em medicina baseada em evidências, é a realização inicial de revisões sistemáticas sobre o assunto em questão, seguida da implementação de estudos clínicos prospectivos, porém sem aleatorização, para só então iniciar os estudos clínicos aleatórios sobre os assuntos de maior relevância e impacto clínico para a população.2-5 Cientes das dificuldades inerentes ao tipo de estudo e à área cirúrgica, os cirurgiões podem prever antecipadamente suas soluções, já no momento do projeto. O consenso geral, no entanto, é de que a área da cirurgia está muito carente de estudos clínicos aleatórios, que têm um valor inerente, em termos de evidência científica, não alcançado pelos relatos de séries de casos. Ou seja, ainda que seja complicado implementar esse tipo de estudo, há muitas questões ainda sem resposta em áreas cirúrgicas como a ortopedia, justamente porque as séries de casos não são capazes de respondê-las. Algumas evidências importantes em saúde só poderão ser obtidas com estudos clínicos aleatórios. Há que se produzi-los. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Patrícia Logullo Av. Pedroso de Morais, 631 – Conj. 101 Pinheiros – São Paulo (SP) CEP 05419-000 Tel. (11) 3032-6117 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflito de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Matos D, Lustosa SAS. Evidência em cirurgia. Diagn Tratamento. 2009;14 (4):30-2. 2. Cook JA. The challenges faced in the design, conduct and analysis randomised controlled trials. Trials. 2009;10:9. 3. Byer A. The practical and ethical defects of surgical randomised prospective trials. J Med Ethics. 1983;9(2):90-3. 4. McCulloch P, Taylor I, Sasako M, Lovett B, Griffin D. Randomised trials in surgery: problems and possible solutions. BMJ. 2002;324(7351):1448-51. 5. Stirrat GM. Ethics and evidence based surgery. J Med Ethics. 2004;30(2):160-5. Data de entrada: 28/8/2009 Data da última modificação: 28/8/2009 Data de aceitação: 3/9/2009 Jornalista científica, mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Diagn Tratamento. 2010;15(1):47. RDT v15n1.indb 47 20/4/2010 16:48:26 Instruções aos autores A Revista DIAGNÓSTICO & TRATAMENTO (ISSN 1413-9979) tem por objetivo oferecer atualização médica, baseada nas melhores evidências disponíveis, em artigos escritos por especialistas. Seus artigos são indexados na base de dados Lilacs. A revista aceita revisões acadêmicas em clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria, saúde mental, ginecologia e obstetrícia, e em temas gerais que devem enquadrar-se nas normas editoriais dos manuscritos submetidos a revistas biomédicas (do International Committe of Medical Journal Editors*). Os artigos devem ser enviados ao setor de Publicações Científicas da Associação Paulista de Medicina [Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 − 7o andar − CEP 01318901 − São Paulo (SP). Fone (11) 3188-4310 ou 3188-4311, ou via internet, para [email protected]]. Após a recepção do artigo pelo setor de Publicações Científicas, e se este estiver de acordo com as Instruções, os autores receberão um número de protocolo. Este número serve para manter a comunicação entre os autores e o setor de Publicações Científicas. Em seguida, o artigo será lido pelo editor, que verificará se está de acordo com a política e o interesse da revista. Em caso afirmativo, o artigo será submetido a dois relatores para análise e aprovação pelo sistema de revisão aberta (a menos que os relatores declarem que preferem a revisão fechada); as discordâncias serão resolvidas pelo editor. Revisão aberta significa que os relatores assinarão o julgamento e que eles conhecem os nomes dos autores. Os pareceres dos revisores serão transmitidos aos autores pelo setor de Publicações Científicas. Se os autores concordarem com as correções sugeridas pelo Conselho Editorial, os artigos deverão ser reescritos e enviados novamente à revista. Somente depois de aprovados entrarão em pauta para a publicação e seguirão para revisão editorial, em que novas correções poderão ser sugeridas. O MANUSCRITO O manuscrito deve ser enviado em formato digital, em extensões “.doc” ou “.rtf ” (nenhum outro formato será aceito), com uma cópia impressa, para o setor de Publicações Científicas, ou via internet, para [email protected]. Os artigos deverão ser desenvolvidos em no máximo 8 laudas ou 11.200 caracteres com espaços (ou 2.200 palavras) em português, baseando-se nas melhores evidências científicas existentes e, se possível, que venham acompanhados de ilustrações explicativas, quando necessário. As imagens devem ter boa resolução (preferencialmente 300 d.p.i) e ser gravadas em extensões “.jpg” ou “.tif ”. Não anexar as imagens em documentos do programa Microsoft PowerPoint. Se anexar as fotos no arquivo do Microsoft Word, enviar também as imagens originais impressas em separado e, no seu verso, o número correspondente e o título do trabalho. Gráficos devem ser feitos no programa Microsoft Excel (não enviar em formato de imagem) e acompanhados das tabelas com os dados que o geram. O número de ilustrações não deve ultrapassar metade do número total de páginas menos um. Abreviações não devem ser utilizadas, mesmo aquelas de uso comum. As drogas devem ser indicadas pelo nome genérico, evitando-se termos comerciais. Os agradecimentos, se necessários, devem ser colocados após as referências. Encaminhar declaração dos autores de que o artigo não foi e nem será publicado em nenhum outro veículo com a assinatura de TODOS os autores. A Diagnóstico & Tratamento apóia as políticas para registro de ensaios clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), reconhecendo a importância dessas iniciativas para o registro e divulgação internacional de informação sobre estudos clínicos, em acesso aberto. Sendo assim, somente serão aceitos para publicação, a partir de 2008, os artigos de pesquisas clínicas que tenham recebido um número de identificações em um dos Registros de Ensaio Clínico validados pelos critérios estabelecidos pela OMS e ICMJE, cujos endereços estão disponíveis no site do ICMJE (http://www.icmje.org/). O número de identificação deverá ser registrado ao final do resumo. Primeira página. A primeira página deve conter: 1) o título do artigo, que deverá ser conciso, mas informativo; 2) classificação do artigo (clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, saúde mental, interesse geral, carta ao editor); 3) o nome de cada autor (não abreviar), sua titulação acadêmica mais alta e a instituição onde trabalha, 4) o local onde o trabalho foi desenvolvido; 5) o endereço completo e telefone do autor para contato sobre o manuscrito; 6) o endereço completo, telefone, e-mail, do autor principal para publicação; 7) Fontes de fomento na forma de financiamentos, bolsas, equipamentos, drogas; 8) Conflitos de interesse de cada autor. Segunda página. A segunda página deve incluir de 5 a 10 frases-chave que são os pontos mais importantes do artigo. Devem ser frases que fazem sentido por si só. Elas formarão quadros no artigo publicado e servirão de síntese das informações mais importantes que devem ser lembradas e destacadas sobre o assunto. ARTIGOS ORIGINAIS (REVISÕES ACADÊMICAS) O texto deve ser estruturado e, sempre que possível, deverá conter os itens: 1) Introdução. Iniciar definindo a situação clínica, sua freqüência e importância, destacando a relevância do tema. 2) Diagnóstico. Descrever o quadro clínico e destacar os itens da anamnese e do exame físico que são importantes no diagnóstico clínico, quais os exames complementares pedidos, em que ordem e como deve ser sua interpretação. Apresentar, para cada um dos itens, a sensibilidade, especificidade e os valores preditivos positivos e negativos, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%), sempre que possível. Se adequado, subdividir os itens em exame clínico e exames complementares. 3) Tratamento. Enumerar as opções terapêuticas existentes. E a partir de cada uma, descrever quais seus princípios e fundamentos. Se necessário subdividir o item em tratamento clínico e cirúrgico. Descrever também o prognóstico para cada um dos tratamentos. Para cada uma das intervenções apresentar os resultados como redução na proporção de eventos em um grupo em relação ao outro (redução de risco relativo, RRR) e o número de doentes que necessita ser tratado para prevenir um evento (número necessário a tratar, NNT) com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Para cada uma das terapêuticas, determinar qual o nível de evidência que a suporta: Nível A - Revisões sistemáticas da literatura; Nível B - Ensaios clínicos randomizados; Nível C - Estudos prospectivos com controle não-randomizado; Nível D - Estudos retrospectivos; Nível E - Opinião de especialista e decisão de consenso. 4) Considerações finais. Esta última parte do texto deve ser o arremate final sobre o tema, indicando o que deve ser feito na prática clínica, baseado nas melhores evidências disponíveis. ARTIGOS DE INTERESSE GERAL São de formato livre, cabendo ao autor estruturá-lo da melhor forma possível. Os temas poderão ser doenças ou aspectos da saúde em que a estrutura dos itens do Artigo Original não é adequada para seu entendimento. CARTAS AO EDITOR É uma parte da revista destinada à recepção de comentários e críticas e/ou sugestões sobre assuntos abordados na revistas ou outros que mereçam destaque. REFERÊNCIAS As referências devem ser editadas nas últimas páginas do texto e numeradas de acordo com a ordem de citação no texto. Referências citadas em legendas de tabelas e figuras devem manter a seqüência com as referências citadas no texto. Listar todos os autores se forem menos de seis; acima disso, citar os três primeiros, seguido de “et al.”. Exemplos de referências: Artigo em periódico Lahita R, Kluger J, Drayer DE, Koffler D, Reidenber MM. Antibodies to nuclear antigens in patients treated with procainamide or acetylprocainamide. N Engl J Med. 1979;301(25):1382-5. Capítulo de livro Reppert SM. Circadian rhythms: basic aspects and pediatric implications. In: Styne DM, Brook CGD, editors. Current concepts in pediatric endocrinology. New York: Elsevier; 1987. p. 91-125. Texto na internet Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Available from: URL: http://www.cdc.gov/uncidod/EID/eid.htm. Accessed in 1996 (5 jun). * International Committee of Medical Journal Editors. Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals. Ann Intern Med 1997;126:36-47. Disponível em: www.icmje.org. Diagn Tratamento. 2010;15(1):48. RDT v15n1.indb 48 20/4/2010 16:48:26