uma abordagem teórica sobre a formação de tribos virtuais

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UMA ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE A FORMAÇÃO DE
TRIBOS VIRTUAIS: DO BANAL AO INTELECTUAL
CYNTHIA H. W. CORRÊA∗
([email protected])
Este paper apresenta uma perspectiva teórica que situa o fenômeno do neotribalismo ou tribalismo, caracterizado
por Maffesoli (1996, 1998) pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão, independente do interesse
e da finalidade do encontro, como uma possibilidade de gerar redes de socialidade ou de cibersocialidade no
ciberespaço pós-moderno, a partir da formação de tribos virtuais. Nesse contexto, o imaginário volta a ocupar
um espaço central na vida cotidiana, pois, enquanto representação, revela um sentido ou envolve uma
significação que vai além da aparência. (DURAND, 1988). A análise compreende a lógica comunicacional como
responsável pela constituição de laço social no ciberespaço de natureza pós-moderna, ou seja, estruturado sob
uma condição pós-moderna (LYOTARD, 1998), um estilo diferente de ver o mundo, quando em lugar do dever
histórico do homem, acontece a integração plena do cidadão em comunidades. Afinal, a comunicação é o que
liga um indivíduo ao outro, é o cimento social e a cola do mundo pós-moderno, segundo a concepção de
Maffesoli (2004). Tendo como pressupostos que as tribos virtuais se reúnem por meio de afinidades e pelo
prazer estético (MAFFESOLI, 1996, 1998), e que o homem se liga a outro para formar sociedade (SIMMEL,
1986), busca-se investigar o fenômeno do neotribalismo ou tribalismo como uma das formas de gerar redes de
cibersocialidade no ciberespaço, reunindo tribos que tratam de temas frívolos, banais a interesses intelectuais.
Uma vez que a afetividade é inseparável do conhecimento e do pensamento humano; e a dominação da razão
sobre a afetividade não conseguiria ser sempre reconhecida com certeza e exatidão, nem ser considerada como
conclusão ótima de conhecimento, isto é, não há produção de conhecimento científico sem imaginação.
(MORIN, 1999).
Palavras-chave: cibercultura, imaginário, tribos virtuais, cibersocialidade, pós-modernidade.
Doutoranda em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O presente
trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
Brasil.
∗
INTRODUÇÃO
Este ensaio apresenta uma abordagem teórica sobre a formação das chamadas tribos
virtuais no cenário da cibercultura contemporânea, a forma sociocultural que emerge da
relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as tecnologias digitais (ciberespaço,
simulação, tempo real, processos de virtualização etc.) voltadas para a comunicação.
(LEMOS, 2003). Nesse sentido, a análise compreende a lógica comunicacional como
responsável pela constituição de laço social no ciberespaço de natureza pós-moderna, ou seja,
estruturado sob uma condição pós-moderna (LYOTARD, 1998), um estilo diferente de ver o
mundo, quando em lugar do dever histórico do homem, acontece a integração plena do
cidadão em comunidades. Afinal, a comunicação é o que liga um indivíduo ao outro, é o
cimento social e a cola do mundo pós-moderno, na leitura de Maffesoli (2004).
Entre as práticas culturais de uma cibersocialidade, destaca-se o surgimento das tribos
virtuais, agregações sociais que privilegiam o prazer estético e a fusão emocional com o
objetivo de compartilhar um interesse em comum de maneira coletiva e de viver o momento
presente intensamente. (MAFFESOLI, 1996, 1998). Contexto em que o imaginário volta a
ocupar um espaço central na vida cotidiana, pois, enquanto representação, revela um sentido
ou envolve uma significação que vai além da aparência. (DURAND, 1988).
A partir dessas premissas, o estudo tem como objetivo investigar a comunicação e o
processo de interação social na cibercultura, especificamente a formação de tribos virtuais,
que é motivada pela identificação de afinidades e pelo prazer estético, associada à tese de
Simmel (1986) de que o homem se liga a outro para formar sociedade, ou seja, somente assim
a sociedade é possível. A presente perspectiva teórica situa o fenômeno do neotribalismo ou
tribalismo como uma possibilidade de gerar redes de socialidade no ciberespaço pósmoderno, reunindo tribos que tratam de temas frívolos e banais a interesses intelectuais. Uma
vez que todo tipo de conhecimento é marcado por aspectos individuais, subjetivos e
existenciais, sob a ótica da Teoria da Complexidade (MORIN, 1999), ou seja, não há
produção de conhecimento científico sem imaginação, sendo necessário se compreender a
vida em sua multidimensionalidade, que comporta diversidade, multiplicidade, antagonismo e
ainda complementaridade.
Com essa proposta, busca-se ainda certo distanciamento de uma concepção otimista e
mesmo de endeusamento com relação às tecnologias de comunicação, considerando
fundamental analisar a comunicação em suas dimensões técnica, cultural e social, e confrontálas com uma visão de conjunto da sociedade, conforme propõe Wolton (2003).
COMUNICAÇÃO E VÍNCULO SOCIAL NA PÓS-MODERNIDADE
O estilo de vida não é uma coisa inútil, pois é isso mesmo o que determina a
relação com a alteridade: da simples sociabilidade (polidez, rituais,
civilidade, vizinhanças...) à socialidade mais complexa (memória coletiva,
simbólica, imaginário social). Ora, como apreender o estilo de uma época se
não for através do que se deixa ver? (MAFFESOLI, 1996, p. 160).
O paradigma estético é o único capaz de justificar toda uma constelação de ações, de
sentimentos e de ambientes específicos do espírito do tempo pós-moderno (MAFFESOLI,
1996) ou mesmo de uma condição pós-moderna (LYOTARD, 1998), um estilo diferente de
ver o mundo, quando em lugar do dever histórico do homem, acontece a integração plena do
cidadão em comunidades, e é a estas “placas” de sedimentação social que se dirige o olhar
pós-moderno, buscando compreendê-las tanto em sua autenticidade quanto na sua
precariedade. Nesse contexto, os antigos pólos de atração constituídos pelos Estados-nações,
os partidos, os profissionais, as instituições de ensino e de pesquisa científica e as tradições
históricas perdem seu atrativo, abre-se espaço para o que é heterogêneo, marginal,
marginalizado, cotidiano, ou seja, perde-se a grandiosidade, mas ganha-se a tolerância.
Essa necessidade de se compreender a rede social contemporânea em sua
multidimensionalidade, de acordo com a Teoria da Complexidade, é a noção central que
distingue a obra de Morin, sobretudo a coletânea de seis volumes sobre O Método. A forma
de pensar complexa refuta explicações mutiladoras e simplistas que se julgam racionais,
portanto, não visa “[...] ao elementar - onde tudo se baseia na unidade simples e no
pensamento claro - mas ao radical, onde aparecem incertezas e antinomias”. (MORIN, 2002,
p. 401). Ela busca pensar o contexto e o complexo partindo do pressuposto de que é preciso
haver um pensamento que ligue o que está separado e fragmentado, capaz de, ao mesmo
tempo, respeitar o diverso e reconhecer o uno, e que tente discernir as interdependências. É
preciso reconhecer que se vive em um mundo marcado por diferenças e saber conviver em
meio à tanta diversidade, sem negar a existência do outro.
O saber pós-moderno não é somente o instrumento de poderes. Ele aguça
nossa sensibilidade para as diferenças e reforça nossa capacidade de suportar
o incomensurável. Ele mesmo não encontra sua razão de ser na homologia
dos experts, mas na paralogia dos inventores. (LYOTARD, 1998, p. XVII).
A pós-modernidade, portanto, é antitotalitária e democraticamente fragmentada,
resgata o poético e a riqueza de detalhes da vida cotidiana, à medida que concepções de
progresso e de emancipação do sujeito racional, do trabalhador propaladas pela ciência foram
se desmoronando, marcando a crise de “incredulidade” em relação aos metarrelatos que
tiveram como ponto de partida o ideal libertário da Revolução Francesa e como fundamento
os princípios da razão iluminista. Em decorrência da decomposição dos grandes relatos, o
social é tomado numa textura de relações mais complexa e mais móvel nunca vista antes, que
está sempre, seja jovem ou velho, homem ou mulher, rico ou pobre, colocada sobre os “nós”
dos circuitos de comunicação. Para Lyotard, “[...] a questão do vínculo social, enquanto
questão, é um jogo de linguagem, o da interrogação, que posiciona imediatamente aquele que
a apresenta, aquele a quem ela se dirige, e o referente que ela interroga: esta questão já é
assim o vínculo social”. (1998, p. 29).
Essa forma de constituir laço social por meio da comunicação também é enfatizada por
Maffesoli (2004, p. 20), para quem a comunicação é o que faz reliance (religação), é cimento
social: “A comunicação é a cola do mundo pós-moderno”. Nesse caso, a idéia de
comunicação está implícita na socialidade em vigor, já que só se pode existir e se
compreender na relação com o outro, cada um está ligado ao outro pela mediação da
comunicação. Por outro lado, Maffesoli (2004) ressalta que na comunicação prevalece a
noção de encontro, isto é, o fato de que se vibra com outros em torno de alguma coisa, seja ela
qual for, servindo também para encarnar o retorno de um velho conceito que é o imaginário
que, enquanto representação do real, é sempre referência a um “outro ausente”. (DURAND,
1988).
Ainda sobre a dimensão da componente comunicacional que se torna a cada dia mais
evidente na sociedade, seja como realidade e como problema, Lyotard (1998) enfatiza que o
aspecto de linguagem adquire uma nova importância e, por isso, não pode ser reduzida à
alternativa tradicional do termo manipuladora ou da transmissão unilateral de mensagem, ou
mesmo da livre expressão ou do diálogo. Linha de reflexão compartilhada por Morin (2004),
ao defender que uma visão multidimensional da realidade humana é essencial para se
compreender os fenômenos comunicacionais e para se abandonar definitivamente a
concepção de que a mídia é manipuladora, representa o mal e influencia o receptor que é
incapaz de discernir entre um programa de boa ou má qualidade. “Existe sempre um receptor
dotado de inteligência na outra ponta da relação comunicacional. A mídia permanece um
meio. A complexidade da comunicação continua a enfrentar o desafio da compreensão”. (p.
18-19).
É importante ter clareza de que a própria existência comporta uma parte lúdica, já que
não se vive apenas de trabalho e de obrigações. É preciso se compreender a complexidade do
real que também engloba paixões, pulsões, fantasmas, isto é, é necessário resgatar e valorizar
o ato criativo, a invenção e a força do imaginário enquanto aspectos essências na constituição
da vida cotidiana. Segundo Morin (2004), é inegável que a mídia exerce uma função na vida
do público, mas que não é central e muito menos determinante, uma vez que sua influência
depende sobretudo do indivíduo, de sua experiência e vivência, do contexto e de outros
variados aspectos.
FORMAÇÃO DE TRIBOS VIRTUAIS NO CIBERESPAÇO
A configuração de uma nova forma de se relacionar com a alteridade aparece como
um traço significativo da cultura pós-moderna, pois, conforme as épocas, predomina um tipo
de sensibilidade, um tipo de estilo capaz de especificar as relações estabelecidas com os
outros. De acordo com Maffesoli (1998), é essa perspectivação estilística que permite dar
conta da passagem da ordem política, que privilegiava os indivíduos e suas associações
contratuais, à ordem da fusão, acentuando a dimensão afetiva e sensível; sendo essa cultura do
sentimento e de compartilhamento de afetos estruturada pela lógica da comunicação,
responsável por promover o laço ou a interação social.
No cenário de uma cibercultura disseminada e consolidada a partir do uso crescente de
tecnologias de comunicação, como a rede Internet, essa forma de estabelecer socialidade
ganha destaque com a possibilidade de se encontrar e de se relacionar socialmente via
ciberespaço. Entre as diversas agregações sociais constituídas na rede, distingue-se a
formação das tribos virtuais, que tem como marcas essenciais a aparência, a imagem e
também sentimentos de afeto e emoção. Para Maffesoli (1996, 1998), a noção de
neotribalismo ou tribalismo é caracterizada pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela
dispersão, independente do interesse e da finalidade do encontro. “Tudo o que liga ao
presenteísmo, no sentido da oportunidade, tudo o que remete à banalidade e à força
agregativa, numa palavra, à ênfase do carpe diem, hoje renascente, encontra na matriz estética
um lugar de eleição”. (1996, p. 55). Somente por meio do fenômeno do tribalismo é possível
se descrever o espetáculo de profusão de estilos, de adereços e adornos que invadem as ruas
nas megalópoles modernas e o próprio ciberespaço descentralizado e desordenado.
Os encontros que levam à formação de tribos virtuais, geralmente, acontecem por
acaso, quando o indivíduo navega na Internet e se depara com pessoas com as quais descobre
compartilhar afinidades. Apesar de ser um encontro ocasional, valoriza-se o fato de estarjunto, assim como prevalece um compromisso e um sentimento de respeito entre os membros
enquanto perdurar o contato. Certas tribos adotam a chamada Netiqueta, as regras de conduta,
que, em caso de transgressão, pode resultar na exclusão do membro infrator. Sobre esse
aspecto, Maffesoli (1996) denomina ética uma moral “sem obrigação nem sanção”, isto é, a
pessoa não deve ter outra obrigação que a de ser membro de um corpo coletivo, do mesmo
modo que não deve existir outra sanção que a de ser excluído, quando se encerra o interesse
(inter-esse) que liga o indivíduo ao grupo.
Outro fator diferencial dessa socialidade é que a pessoa (persona), que representa
papéis e muda o seu figurino conforme seus gostos e momentos, tem a chance de participar de
quantas tribos desejar, sua motivação é afetiva, subjetiva, é o estar-junto que se torna
relevante. Afinal, o paradigma estético permite se pensar numa configuração societal
alternativa e em um momento em que o “eu” vive em meio a um turbilhão de “incertezas
imediatas”, e são essas incertezas de várias espécies, incluindo a incerteza sobre a existência
de uma identidade, que fundamentam as culturas dos sentimentos. Na concepção do autor, há
o deslize de uma lógica da identidade, individualista, para uma lógica da identificação, que é
muito mais coletiva.
Existe uma condição de possibilidade de toda experiência social, seja ela
banal, científica, literária ou artística, que é como um fundamento
incontornável. É o que legitima as múltiplas conformidades com uma época,
culminando nos conformismos conhecidos. [...] Trata-se do vaivém que já
analisei: da massa à tribo, da conformidade ao conformismo. Os períodos de
fundação cultural, em particular, vivem de um modo interno esse vaivém,
pois são épocas em que a reação contra valores usados elabora novas
maneiras de ser coletivas. (MAFFESOLI, 1996, p. 146-147).
Essa vida cotidiana, em sua frivolidade e superficialidade, é o que torna viável
qualquer forma de agregação, seja ela qual for. Além disso, embora a lógica da identidade,
que há séculos serve de eixo à ordem econômico-política e social, ainda continue a funcionar
nos dias de hoje, ela não é capaz de explicar a socialidade contemporânea. Nesse sentido,
Maffesoli (1998) se apropria da noção de estética para abordar as atitudes sociais na pós-
modernidade, uma vez que não se pode deixar de assinalar a eflorescência e a efervescência
do neotribalismo que, sob as mais variadas formas, recusa reconhecer-se em qualquer projeto
político e tem como única razão de ser a preocupação com um presente vivido coletivamente.
Por outro lado, o autor enfatiza que a valorização do objeto cotidiano só se torna
interessante porque é uma modulação da forma. Assim, aproxima-se da tese de Simmel
(1986) de que o homem é produto da sociedade, ou seja, seu modo de agir está diretamente
vinculado ao seu lugar de origem, ao seu ambiente e à sua própria interação com os outros
indivíduos. O homem é formado de acordo com o seu meio e com as possibilidades, inclusive
as técnicas, disponíveis; somente dessa maneira a sociedade é possível. Portanto, Maffesoli
(1998) parte do pressuposto de que a forma partilhada funda sociedade, que tem uma função
erótica, fazendo uma leitura dessa palavra no seu sentido mais simples, isto é, o que leva à
agregação, gerando uma socialidade eletiva, em que processos de atração e de repulsão se dão
por escolha.
Maffesoli (1996) através do formismo, enquanto categoria de conhecimento ou o que
se chamou “apresentação”, relata bem a estrutura orgânica que é própria das culturas
nascentes, além de mostrar que “o exterior” ou a superfície tem uma função inegável: o
formismo permite apreender o aspecto aleatório e a coerência profunda da existência social.
A pessoa ao se inserir em uma ou mais tribos virtuais busca traços de identificação e
não uma identidade única. Assim, um mesmo indivíduo pode participar de várias tribos e
pode adotar uma “pluralização” de identidades. Para tanto, ele só precisa se adequar a
situações diversas de interação, procurando sempre ajustar a “apresentação do eu” diante de
cada nova situação. Trata-se de uma pessoa, enquanto (persona), que “[...] vai e volta de uma
tribo à outra, e veste, para a ocasião, o traje de cena apropriado ao espaço onde ela se
apresenta”. (MAFFESOLI, 1996, p. 180). Essa necessidade de fazer parte de grupos é vista
como uma oportunidade do indivíduo reforçar laços sociais ou estabelecer socialidade, uma
vez que a sociedade é um produto de elementos desiguais. (SIMMEL, 1986). Necessidade
que, segundo Maffesoli (1998), é reflexo da pós-modernidade, que tende a favorecer nas
megalópoles contemporâneas tanto o recolhimento do ser no próprio grupo quanto um
aprofundamento das relações no interior de cada grupo.
No entendimento de Lemos (2002), a pós-modernidade é o terreno de
desenvolvimento da cibercultura e o espaço e o tempo pós-modernos não podem mais ser
percebidos como seus correlatos modernos, uma vez que os valores são outros. Na
modernidade, o tempo é linear (progresso e história) e o espaço é naturalizado e explorado
enquanto lugar de coisas (direção, distância, volume). Nesse período, o tempo é um modo de
esculpir o espaço, pois o progresso, compreendido como encarnação do tempo linear, implica
diretamente a conquista do espaço físico. Na pós-modernidade, o sentimento predominante é
o de compressão do espaço e do tempo real, onde o tempo real (imediato) e as redes
telemáticas desterritorializam a cultura, tendo um impacto nas estruturas econômicas, sociais,
políticas e culturais. O tempo é agora um modo de aniquilar o espaço. Assim é o ambiente
comunicacional da cibercultura.
Nesse sentido, entende-se a possibilidade do indivíduo poder participar de tribos
virtuais como uma estratégia para formar socialidade no ciberespaço ou cibersocialidade, ou
seja, representa uma chance de desfrutar o momento presente e, acima de tudo, poder
compartilhar um imaginário coletivo, promovendo o ressurgimento do cultural na vida social,
num verdadeiro processo de reencantamento do mundo, como propõe Maffesoli (1996). Desse
ponto de vista, apreende-se o fenômeno do tribalismo como uma das formas através da qual a
cibersocialidade é possível - numa adaptação das idéias de Simmel (1986) sobre como a
sociedade é possível, abrangendo tribos de interesses diversificados, já que todos integram
uma ou várias tribos, mesmo os intelectuais, acadêmicos e cientistas.
O que nos parece ser uma opinião individual é, de fato, a opinião de tal ou
qual grupo ao qual pertencemos. Daí a criação dessas “doxa” que são a
marca do conformismo e que encontramos em todos os grupos particulares,
inclusive naquele que se considera o mais isento disto, o dos intelectuais.
(MAFFESOLI, 1998, p. 106-107).
Dito de outro modo, acredita-se na existência de um processo de tribalização do
conhecimento na Internet, a partir de discussões de cunho intelectual, por exemplo, sobre
autores, obras e conceitos específicos, e com a participação intensa de estudiosos, sejam
autodidatas, acadêmicos e/ou cientistas, cujos pensamentos são carregados de traços de afeto,
subjetividade e de imaginário. Como lembra Morin (2005, p. 18), o apego às idéias e a busca
pelo conhecimento de toda ordem têm sempre um caráter passional/existencial, como em
qualquer paixão, logo, o autor “[...] concebe homo não apenas como sapiens, faber e
economicus, mas também como demens, ludens e consumans”. Quando reconhecer a
complexidade do conhecimento é aceitar que ele deve ser muito mais científico, muito mais
filosófico e muito mais poético, que todas essas dimensões devem conviver lado a lado.
Como pano de fundo, observa-se ainda a presença das tecnologias de comunicação e
as redes de computação que podem colaborar para estimular o imaginário do homem, uma
rede etérea e movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou virtualmente, que se
difunde por meio de tecnologias próprias denominadas por Silva (2003) “tecnologias do
imaginário”. Tais tecnologias funcionam como dispositivos de produção de mitos, de visões
de mundo e de estilos de vida. São elementos que interferem na consciência e nos territórios
afetivos aquém e além dela, mas não são imposições, uma vez que as tecnologias do
imaginário trabalham pela povoação do universo mental analisado como um território de
sensações fundamentais.
As tecnologias do imaginário são dispositivos de cristalização de um
patrimônio afetivo, imagético, simbólico, individual ou grupal, mobilizador
desses indivíduos ou grupos. São magmas estimuladores das ações e
produtores de sentido. Dão significado e impulso, a partir do não-racional, a
práticas que se apresentam também racionalmente. Tornam real o sonhado.
Sonham o real. (SILVA, 2003, p. 47).
Por outro lado, concebe-se o ambiente virtual enquanto um espelho da sociedade, que
apenas reflete as práticas sociais que acontecem fora do ciberespaço. Nesse caso, uma nova
tecnologia só pode ajudar a motivar o potencial criativo de uma pessoa se ela tiver interesse,
assim como capacidade cultural e educacional para usufruir a ferramenta, pois nenhuma
tecnologia é capaz de transformar um indivíduo não criativo em criativo ou de melhorar a
forma de comunicar de uma pessoa não comunicativa. As tecnologias de informação e de
comunicação podem funcionar como força impulsionadora da criatividade humana, da
imaginação, podem motivar e promover o convívio, o contato, e uma maior aproximação
entre as pessoas, mas somente se elas quiserem. Não se trata de algo determinante, pois a
Internet, como qualquer outra mídia, não tem esse poder de manipular o público.
No panorama geral do estabelecimento de uma cibercultura, entende-se ainda que a
chamada revolução da tecnologia da informação e da comunicação envolve questões
profundas que superam os avanços técnicos de sistemas comunicacionais. Wolton (2003)
afirma que é comum a redução do fenômeno da comunicação à questão puramente técnica
porque a técnica aparece como o elemento mais visível da comunicação. Para esse autor, o
principal é analisar o lado social da técnica, que está incorporado no modo de comunicar e de
interagir na cibercultura. Essa nova forma de constituir cibersocialidade através da qual os
indivíduos se unem uns aos outros também pela facilidade da mediação tecnológica, criando
vínculos sociais baseados na lógica da comunicação, do contato com a alteridade e do
compartilhamento de emoções e de experiências no ciberespaço. Preocupação que também é
enfatizada por Lemos (2002, p. 19), para quem:
Levar em conta a dimensão técnica da vida quotidiana significa dirigir nosso
olhar ao mundo da vida. Esta é uma tentativa de reconhecer a técnica no
campo da cultura. Se na modernidade prevaleceu o imaginário da
homogeneização e da racionalidade instrumental, a época atual impõe uma
atitude complexa do fenômeno técnico.
Essa proposição do autor faz parte da sociologia dos usos, que visa entender como a
sociedade usa diariamente os objetos técnicos, lembrando que toda apropriação tem uma
dimensão técnica (saber manusear o objeto) e uma outra simbólica (uma descarga subjetiva, o
imaginário). Assim, a apropriação é compreendida tanto como forma de utilização,
aprendizagem e domínio técnico, quanto forma de desvio (deviance) em relação aos tipos de
uso, quando determinado objeto é usado de maneira diferente das finalidades previstas pelos
inventores ou pelas instituições. Ao aproximar esse debate das tecnologias digitais de
comunicação, Lemos (2002) ressalta que no processo de investigação do internauta deve-se
superar a perspectiva do uso correto ou não das máquinas de comunicação, marcado desde
sempre pelo estigma do consumidor passivo e envolvido por estratégias dos produtores.
Deve-se, sobretudo, vê-lo como agente responsável pela dinâmica social da Internet.
Silva (2003), por sua vez, contribui para a discussão afirmando que as novas
tecnologias, juntamente com seus intelectuais orgânicos, dariam nova fundamentação ao par
homem-natureza. Desse modo, o controle da razão seria convertido em negociação e em
interação, uma vez que o homem é interpelado, provocado e produzido pelas idéias que
produz.
O homem vive na tecnosfera. Sistemas de locomoção e de comunicação
articulam-se. Toda comunicação é um deslocamento: da mensagem, do
interlocutor, do enunciador, do imaginário coletivo. Não há idéia, logo
crença, sem técnicas de suporte e de divulgação. (SILVA, 2003, p. 46).
Em outras palavras, deve-se ter consciência que a dimensão simbólica sempre afeta a
material, caracterizando o modo de apropriação da técnica pelo indivíduo, que em um dado
momento torna-se objeto da técnica e, em outro, age como se fosse o controlador da técnica.
Estar ciente sobre essa relação dialógica entre sujeito e técnica que distingue o uso social das
tecnologias comunicacionais na cultura contemporânea é fundamental para se entender o
fenômeno da cibercultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de um cenário em que prevalece uma lógica comunicacional da cibercultura
pós-moderna, caracterizada pelo paradigma estético, de valorização da imagem, do
presenteísmo, do prazer de compartilhar emoções coletivamente e da possibilidade de
interação via tecnologias do imaginário, este ensaio volta-se para o estudo e compreensão do
que a sociedade faz com a mídia, nesse caso específico, sobre o uso social da Internet visando
a formação de tribos virtuais. De uma necessidade de se compreender a relação da mídia com
os imaginários sociais, analisou-se como uma lógica de comunicação e de interação social
característica de uma condição pós-moderna se desenvolve e se manifesta no contato e na
formação de tribos virtuais no ciberespaço, independente do tema de interesse que identifica e
une cada grupo, que pode ser banal e/ou intelectual.
Nesse contexto, constata-se que a valorização do imaginário e o seu reconhecimento
enquanto elemento essencial na prática cotidiana e, consequentemente, presente em todas as
situações vividas por qualquer indivíduo, mesmo o intelectual, uma vez que a afetividade é
inseparável do pensamento humano, são aspectos significativos para se compreender o mundo
na sua multidimensionalidade, exercitando e assimilando o pensamento complexo. Dessa
forma, tendo como pressupostos que as tribos virtuais se estruturam motivadas por
sentimentos de afinidades e pelo prazer estético, segundo Maffesoli (1996, 1998), e que o
homem se liga a outro para formar sociedade, com base em Simmel (1986), concebe-se o
fenômeno do tribalismo na rede como fator gerador de cibersocialidade, sendo as tribos
virtuais um dos grupos representativos de uma cibercultura pós-moderna.
Entende-se, portanto, a cibercultura contemporânea como reflexo das características da
pós-modernidade que permitiram a configuração de uma socialidade sob a perspectiva
estilística, ou seja, a partir do predomínio de valores como a aparência, a imagem e o sensível.
Quando a pessoa busca, incessantemente, fazer parte de tribos para poder desfrutar o
momento presente e, acima de tudo, poder compartilhar um imaginário também de forma
coletiva. Ademais, a possibilidade de fazer parte de grupos sociais pelo sistema de afinidades
da lógica da identificação é o que diferencia essa forma atual de constituir laço social do
modelo tradicional de atribuição de identidades culturais, como o caso da identidade nacional,
em que todo um povo se vê obrigado a aderir a determinados símbolos nacionais e a participar
de atos como cantar o hino do país nas escolas, manter vínculos a lugares e festejar datas
comemorativas, por exemplo.
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