Gestão e serviço: administração nas organizações religiosas sem fins lucrativos Management and service: management as administration non-profit making and religious organizations Gestión y servicio: gestión como administración en las organizaciones religiosas y sin fines de lucro Geoval Jacinto da Silva Otoniel Luciano Ribeiro RESUMO O ensaio é um estudo que se propõe refletir sobre gestão nas organizações religiosas e sem fins lucrativos. O mesmo está constituído de matizes pastorais a partir da práxis religiosa. O artigo pretende responder a questão: o que é “gestão eclesiástica?”, até então conhecida como “administração eclesiástica”. Palavras-chave: Administração; organizações religiosas; gestão eclesiástica; planejamento; práxis. ABSTRACT The essay is a study which proposes to reflect on management on non-profit making and religious organizations. It is composed of pastoral hues from the religious praxis. The article intends to answer the following question: what is “ecclesiastical management?”, so far known as “ecclesiastical administration”. Keywords: Management; religious organizations; ecclesiastical administration; planning; praxis; non-profitable activity. RESUMEN El ensayo es un estudio que se propone reflexionar sobre la gestión en las organizaciones religiosas y sin fines de lucro. El mismo está constituido de matices pastorales a partir de la praxis religiosa. El artículo pretende responder a la siguiente pregunta: ¿Qué es “gestión eclesiástica?”, hasta entonces conocida como, “administración eclesiástica”. Palabras clave: Administración; organizaciones religiosas; la gestión de la iglesia; la planificación; práctica. Revista Caminhando v. 15, n. 1, p. 107-118, jan./jun. 2010 107 Introdução O presente ensaio tem como proposta iniciar uma reflexão no âmbito da gestão administrativa nas organizações religiosas e sem fins lucrativos. O mesmo está constituído de matizes pastorais, a partir da práxis religiosa que servirá de subsídios para gestores que estão envolvidos em tais organizações. Os estudos da práxis religiosa, a partir de Casiano Floristan, têm quatro características: a práxis é ação criadora; ação reflexiva; ação libertadora; e reformista (FLORISTAN, 2003, p. 180). Desta forma, o artigo pretende responder a questão: o que é “gestão eclesiástica?”, até então conhecida como “administração eclesiástica”. Para tanto, o mesmo será apresentado em três partes: entendendo gestão nas organizações religiosas e sem fins lucrativos; o processo da gestão e administração; o que é gestão eclesiástica? 1. Entendendo gestão nas instituições religiosas e sem fins lucrativos Tendo em vista a natureza deste artigo, e a disponibilidade de espaço, é necessário inicialmente entender qual é o significado do termo gestão. Para tanto serão utilizados os estudos de Murad. Hoje, qualquer organização – comercial, pública, religiosa, filantrópica ou social – “deve desenvolver o profissionalismo e aprender a lidar com resultados”. O seu texto nos introduz a um tema que para os gestores é de real importância, especialmente porque ele com sabedoria e segurança estabelece a finalidade da gestão e da missão. O termo “missão” teve origem no contexto bíblico e teológico, sua forma de ser e expressar tem fortes vínculos espirituais. Posteriormente o termo foi apropriado pelo mundo empresarial para definir “sua razão de ser e seu papel na sociedade”. Nas organizações religiosas numa perspectiva da espiritualidade, Murad afirma: Gestão é a habilidade e a arte de liderar pessoas e coordenar processos, a fim de realizar a missão de qualquer organização. O “termo gestão” é a tradução atualizada da palavra inglesa management. Por muito tempo, no Brasil, usou-se outra palavra: “administração”. Mas ela tinha a desvantagem de aludir, sobretudo, ao patrimônio físico e monetário. Ainda hoje, os dois termos alternam-se. Vários livros traduzidos do inglês usam tanto “gestão” quanto “administração” para management (MURAD, 2007, p. 71). Tendo presente à origem do protestantismo brasileiro, segundo Mendonça (1984), oriundo da Inglaterra e dos Estados Unidos da América o mesmo por meio das escolas de teologia introduziu no currículo da formação pastoral, uma disciplina, segundo Silva (2008), denominada 108 Geoval Jacinto da Silva, Otoniel Luciano Ribeiro: Gestão e serviço “Administração Eclesiástica”, que tinha como objetivo principal oferecer conhecimentos da forma de administrar o patrimônio e os recursos da igreja. Assim, que ao abordarmos o tema da “gestão”, segundo o entendimento de Murad, ele é mais amplo e seus objetivos são bem mais estendidos, como ele diz: A palavra “gestão” recebeu um horizonte de significação mais amplo. Está-se tornando um termo-chave, aplicável as distintas realidades. Fala-se, então, de “gestão da sala de aula” para o trabalho do professor (a), de “gestão de pessoas” em lugar de “recursos humanos”, de “gestão de marcas”, “gestão do conhecimento” e até em “gestão do lar” para as tarefas domésticas. O termo aplica-se bem, na maioria dos casos. Um professor, por exemplo, é um gestor na sala de aula. Ele lidera seus alunos e coordena o processo de ensino-aprendizagem com eles (MURAD, 2007, p. 71- 72). Gestão profissional: primeira aproximação Segundo Chiavenato (2000), a Teoria Geral da Administração (T.G.A) “é o campo do conhecimento humano que se ocupa da Administração em geral, não se preocupando onde ela seja aplicada, se nas organizações lucrativas (empresas) ou se nas organizações não-lucrativas”. A T.G.A. trata do “estudo da administração das organizações”. Como ciência, preocupa-se em estudar o desenvolvimento da gestão ou administração e aponta que as organizações religiosas e as sem fins lucrativos têm incorrido num certo “equívoco comum, quando considera gestão como algo específico de empresas comerciais”. Com este olhar, “a gestão visaria somente ao lucro e sucesso, e em contrapartida desconsideraria as pessoas”, neste sentido comete-se um grande equívoco, pois a gestão é para ampliar fronteiras de conhecimentos e possibilidades da organização. Murad ressalta que “a gestão não é patrimônio das empresas”. “Qualquer organização, seja ela lucrativa ou não, só realizará sua missão se colocar em prática os princípios da gestão [...] A gestão eficaz moderna exige lideranças capazes, alinhamento com valores da organização e a maior participação possível de seus membros e colaboradores” ( MURAD, 2007, p. 72). Considerando que o princípio da gestão é de possibilitar novos olhares administrativos na organização, o mesmo tem que ser desenvolvido dentro de princípios críticos e questionadores a partir da finalidade da organização. Neste sentido Murad explica: A ciência e a prática da gestão desenvolveram-se, sobretudo, nas empresas comerciais (ou lucrativas) mas não são algo específico delas. Trata-se de uma conquista da humanidade. É claro que o modo capitalista de gestão, Revista Caminhando v. 15, n. 1, p. 107-118, jan./jun. 2010 109 proveniente dos países hegemônicos do primeiro mundo, trouxe consigo a sua ideologia, que não pode ser aceita acriticamente. Numa instituição religiosa ou na ONG, qualquer modelo de gestão passará pelo crivo de seus valores, sofrerá mudanças e reinterpretações. Que é que diferencia uma instituição do terceiro setor, ou uma organização pastoral, de uma empresa lucrativa? Elas têm em comum uma série de tarefas similares. Mas “somente a empresa comercial tem o desempenho econômico como missão específica” (DRUCKER, 2002, p. 206 citado por MURAD, 2007, p. 72-73). Portanto, a tarefa dos dirigentes é entender que “os princípios de gestão desenvolvidos em empresas, com algumas exceções, servem para qualquer outra organização formal, seja ela de finalidade religiosa, social, ambiental, seja de todas essas reunidas”(MURAD, 2007, p. 73). Entretanto, Carvalho (2000) afirma que uma organização religiosa que parte de dois princípios “Anunciar e Ensinar”, “não deve permanecer fechada em si mesma, alheia ao ambiente à sua volta e presa à tradição, à rotina e aos seus dogmas, pois assim, estará condenada à estagnação e ao desvirtuamento de suas finalidades principais: pregar e ensinar”. Nesta direção, a organização é desafiada a atualizar seus sistemas administrativos permitindo mais viabilização dos recursos para o pleno cumprimento de sua tarefa na missão de Deus. Murad, a partir de Peter Drucker (2002), apresenta os princípios essenciais da gestão para as organizações em sete pontos: 1. A gestão trata dos seres humanos. Sua tarefa é capacitar as pessoas a atuar em conjunto, efetivar suas forças e reduzir suas fraquezas. A gestão é um fator crítico e determinante, pois a grande parte das pessoas trabalha em instituições, sejam empresarias ou não, e depende delas para sobreviver e contribuir com a sociedade. 2. A gestão está inserida na cultura, pois trata da integração das pessoas em um empreendimento comum. Os gestores fazem a mesma coisa, em qualquer parte do mundo, mas o como pode ser bem diferente. Seu sucesso está condicionado a descobrir e identificar os elementos das tradições, da história e da cultura do lugar onde atuam e utilizá-los como elementos constitutivos da própria gestão. 3. Toda organização requer compromisso com metas comuns e valores compartilhados, de forma a ter objetivos simples, claros e unificantes; e metas públicas, constantemente reafirmadas. A primeira tarefa da gestão é pensar, estabelecer e exemplificar esses objetivos e metas. 4. A gestão capacita a organização e cada um de seus componentes a crescer e a desenvolver-se à medida que mudem as 110 Geoval Jacinto da Silva, Otoniel Luciano Ribeiro: Gestão e serviço necessidades e oportunidades. Toda empresa é uma instituição de aprendizado e de ensino. Daí a importância do treinamento e desenvolvimento em todos os níveis de sua estrutura. 5. A organização está ancorada na comunicação e na responsabilidade individual. Para executar bem seu trabalho, todos os seus componentes consideram e comunicam com clareza aquilo que oferecem aos outros e aquilo que recebem deles. 6. Como um ser humano, a organização necessita de diversos indicadores para avaliar sua saúde e desempenho, tais como: posição no mercado, inovação, produtividade, desenvolvimento do pessoal, qualidade, resultados financeiros. As instituições nãolucrativas também criam instrumentos para medir as questões específicas de sua missão. Assim, o desempenho está entranhado em qualquer organização e na sua gestão. Portanto, deve ser medido, julgado e continuamente melhorado. 7. Dentro de qualquer organização só há custos; o resultado é exterior a ela, está no seu público-alvo ou cliente. O resultado de uma empresa é um cliente satisfeito, de um hospital é o paciente curado, de uma escola é o aluno que aprendeu algo que usará no decorrer da vida. E uma instituição religiosa e social qual será seu resultado? (MURAD, 2007, p. 73-75). Em uma organização religiosa e sem fins lucrativos a gestão pode ser entendida como “gestão compartilhada numa perspectiva de envolvimento de seus membros” (CARVALHO, 2004), possibilitando um processo de “capacitação de pessoas para atuarem em conjunto, inserção na cultura, compromisso com metas e valores compartilhados, aprendizado constante, comunicação e responsabilidade, critérios de desempenho, resultado focado em seu destinatário” (MURAD. 2007, p. 75). Desta forma, o envolvimento e a responsabilidade do gestor profissional é muito mais ampla do que limitar-se a administrar problemas relacionados ao cotidiano, zelar pelo patrimônio, tomar conta do dinheiro e outras tarefas afins. Cabe ao gestor profissional possibilitar os meios e os recursos eficazes para conduzir as organizações para que elas realizem sua missão numa dimensão da práxis religiosa, isto é, práxis que requer reflexão e mudanças. Na execução o gestor deve considerar “as pessoas, a finalidade da instituição e seus valores, os processos internos, o que a organização oferece aos seus interlocutores ou clientes, a relação com a sociedade e o mercado, bem como a garantia de sobrevivência e continuidade” (MURAD, 2007, p. 76) da organização. Com certeza o envolvimento consciente do gestor no processo da gestão é decisivo, pois tal envolvimento e comprometimento implicam em mudanças a curto, médio Revista Caminhando v. 15, n. 1, p. 107-118, jan./jun. 2010 111 e longo prazo. Murad percebe que uma gestão direcionada e inteligente pode responder aos seguintes objetivos: Gestão é a arte e a competência de liderar pessoas e coordenar processos, em vista de realizar a missão de uma organização. Nesse sentido, toda instituição necessita desenvolver os princípios mínimos de gestão, visando à formação inicial e permanente de seus membros, a organização interna, a realização de projetos com seu público-alvo. Falta de gestão significa caos, voluntarismo, perda de energia e risco de dissolver os sonhos. Uma gestão inteligente, bem direcionada, com uma crescente participação de seus membros, é cada vez mais necessária. Gestão não é sinônimo de empresa nem de negócio, mas quer dizer: organizar da melhor forma para alcançar os fins desejados. Os princípios da gestão desenvolvem-se de maneira própria em distintos âmbitos. Fala-se, assim, de gestão empresarial. Gestão missionária, gestão de iniciativas sociais, gestão do voluntariado, gestão de prestação de serviços e outros (MURAD, 2007, p. 91-92). 2. Processo de gestão e administração A gestão como administração requer um processo de planejamento constante. “Administrar é o processo de tomar, realizar e alcançar ações que utilizam recursos para alcançar objetivos” (MAXIMIANO, 2000, p. 25). A “principal razão” de estudar gestão como administração é por certo “seu impacto sobre o desempenho das organizações” (MAXIMIANO, 2000, p. 25). Dependendo da forma de administração a organização pode ou não alcançar os seus objetivos. Para um processo de administração alcançar seus objetivos e cumprir sua missão, precisa estar devidamente ajustado em um plano de ação, com a devida clareza em seus objetivos, suas metas e para realizar as ações obedece quatro passos: planejamento, organização, direção e controle, que precisam estar interligados de forma contínua e avaliativa conforme demonstração a seguir. a) As funções do processo de administração Planejamento. Diagnóstico da situação. Planejamento é o processo de definir objetivos, atividades e recursos. Organização. Elaboração do Plano. Organização é o processo de definir o trabalho a ser realizado e as responsabilidades pela realização, é também o processo de distribuir os recursos disponíveis segundo algum critério. Direção. Designar responsabilidade. Execução é o processo de realizar atividades e utilizar recursos para atingir os objetivos. O processo de execução envolve outros processos, especialmente o processo de direção, para acionar os recursos que realizam as atividades e os objetivos. 112 Geoval Jacinto da Silva, Otoniel Luciano Ribeiro: Gestão e serviço Controle. Controle é o processo de assegurar a realização dos objetivos e de identificar a necessidade de modificá-los. Entretanto, prefiro no caso da administração em instituição religiosa e sem fins lucrativos, utilizar o termo acompanhamento. A palavra acompanhamento é mais pastoral na perspectiva da práxis religiosa. Desta forma cabe ao gestor desenvolver um processo dinâmico de administração (MAXIMIANO, 2000, p. 27). Liderança. Liderança, por sua formação, tem o papel de acompanhar, avaliar e dialogar com todos os passos do processo de administração. Fonte: Maximiano (2000, p. 27). A figura da liderança foi criada pelos autores. b) Os primórdios da administração Segundo Maximiano (2006) a administração tem seu período de formação constituído entre a Revolução Urbana e a Revolução Industrial. Já a administração como disciplina acadêmica também citada por Maximiano (2000), tem início na Europa no século 18, durante a Revolução Industrial, estabelecendo “a prática em diversos conceitos” que se tornariam uniRevista Caminhando v. 15, n. 1, p. 107-118, jan./jun. 2010 113 versais nos séculos vindouros. Entretanto, Chiavenato (2000) afirma que princípios de administração estão presentes na constituição comunitária do povo de Israel, pois segundo narrativa bíblica do Êxodo.18.13-27, Moisés é orientado por seu sogro Jetro, sacerdote em Mídia, como deveria proceder no atendimento ao povo. Jetro disse: Que é isto que fazes ao povo? Por que te assentas só, e o povo está em pé diante de ti, desde a manhã até a tarde? Respondeu Moisés a seu sogro: É porque o povo vem a mim para consultar a Deus. Quando tem alguma questão vem a mim para que julgue entre um e outro, e lhes declare os estatutos de Deus, e as suas leis. O sogro de Moisés, porém, lhe disse: Não é bom o que fazes. Certamente desfalecerás assim tu, como este povo que está contigo. O trabalho é pesado demais; tu só não o podes fazer. Ouve agora a minha voz, e te aconselharei, e Deus seja contigo. Representa o povo diante de Deus, e leva as suas causas a Deus. Ensina-lhes os estatutos e as leis, e faze-lhes saber o caminho em que devem andar, e a obra que deves fazer. Mas procura dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez. Julguem a este povo em todo o tempo. Que a ti traga toda causa grave, mas toda causa pequena eles mesmos a julguem. Assim a ti mesmo te aliviarás da carga, e eles a levarão contigo. Se isto fizeres, e Deus assim ordenar, poderás então suportar a tensão, e também todo este povo irá em paz para o seu lugar. Moisés deu ouvido às palavras de seu sogro, e fez tudo o que este lhe dissera (Êx.18.14b-24). O relato bíblico está dentro de um contexto que demonstra que conceitos de administração estão presentes em culturas antes do cristianismo. Desta forma, o cuidado e a experiência por parte de Jetro e o desejo de aprendizagem e execução das orientações por Moisés possibilitarão o crescimento do líder e a fluidez nas decisões em favor do povo, a partir da descentralização do poder (B.A.C., 1967, p. 426-429). Segundo Chiavenato (2000), neste ensinamento está a verticalidade da “pirâmide humana”, na qual as tarefas são divididas, ficando a Moisés a responsabilidade do tratado das grandes questões. Mesmo constando na história e na cultura de muitos povos antigos conceitos e procedimentos administrativos tanto na edificação de suas muralhas, monumentos e outros edifícios históricos e até mesmo conceitos de administração em muitas culturas e administração públicas. Segundo Chiavenato (2000), “a chamada ciência da administração somente surgiu no despontar do século XX”, quando a mesma passa a ser a base da organização eficiente do trabalho nas empresas e em outros segmentos, tornando-se o esteio do 114 Geoval Jacinto da Silva, Otoniel Luciano Ribeiro: Gestão e serviço desenvolvimento da teoria e da prática da administração (MAXIMIANO, 2000, p. 54-55). Mesmo assim, a ciência da administração tem suas interfaces multidisciplinares podendo manter-se em diálogo permanente com outras ciências. 3. O que é gestão eclesiástica? A tradição do protestantismo brasileiro recebeu forte influência das Faculdades de Teologia e Seminários dos Estados Unidos, na formação para o ministério pastoral. Entre o elenco de disciplinas estava presente a disciplina chamada “Administração Eclesiástica” que tinha como objetivo transmitir aos futuros pastores o cuidado com os bens e recursos das comunidades em processo de formação. Essa prática perdurou até a década passada e em algumas escolas de teologia a mesma permanece. Com o advento da ciência da Teoria Geral da Administração (T.G.A.) e os estudos desenvolvidos por Peter Drucher abordando a “Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos”, a partir do final de 1980 e início de 1990, e com as leis federais que criam e regulamentam o Terceiro Setor. O Terceiro Setor é uma terminologia sociológica que dá significado a todas as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil. A palavra é uma tradução de Third Sector, um vocábulo muito utilizado nos Estados Unidos para definir as diversas organizações sem vínculos diretos com o Primeiro Setor (Público, o Estado) e o Segundo Setor (Privado, o Mercado). Murad entende o terceiro setor como sendo: “o conjunto de iniciativas privadas com a finalidade social. Nele estão compreendidas as Instituições filantrópicas criadas por empresas, as OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público) e todas as outras organizações genericamente denominadas como ONGs (organizações não-governamentais)”, Murad (2007, p. 77-79), incluindo aí também as organizações religiosas como igrejas e outras afins. Diante desta nova realidade percebe-se que até o momento poucos estudos surgiram com finalidade de ajudar as organizações religiosas em ter clareza de uma definição sobre gestão eclesiástica que tivesse abordagem bíblica, teológica e pastoral. Pela ausência de entendimento e definição do sentido de gestão eclesiástica foi sendo construída uma definição que tem a seguinte constituição: “gestão eclesiástica é um processo de atitudes na organização eclesiástica, sustentado, inicialmente, no vínculo da ordem espiritual, ético e moral” (CARVALHO, 2004, p. 37). “A gestão eclesiástica preocupa-se com a dimensão bíblica, teológica e pastoral da Igreja que se caracteriza por sua visão: missionária, educacional e social. A administração eclesiástica nas organizações, em todos os seus níveis, requer uma gestão participativa, relacionadas entre si, e Revista Caminhando v. 15, n. 1, p. 107-118, jan./jun. 2010 115 que tem por pressuposto a participação de ministérios com ações harmônicas fundamentadas no espírito de servir com amor, segundo o ensino e a prática do Senhor Jesus” (CARVALHO, 2004, p. 37). a) Conceito de organização eclesiástica O conceito de organização, indicado por Maximiano, explica que “uma organização é um sistema de recursos que procura realizar um conjunto de objetivos. Um sistema é um todo complexo e organizado, formado de partes ou elementos que interagem, para realizar um objetivo explícito” (Maximiano, 2000, p. 91). No entendimento de Carvalho o sistema que é “formado de partes ou elementos que interagem, para realizar um objetivo explícito” pode ser compreendido a partir da dinâmica do trabalho existente na organização religiosa – a Igreja, é por meio do trabalho voluntário, como doação que ela procura atender os diversos objetivos de sua tarefa missionária. Ele afirma que “é na vivência eclesiástica que vamos encontrar a prática de organização com todas as suas dimensões e problemas. Assim, na igreja, a organização tem por finalidade central sugerir o estabelecimento de uma estrutura que torne possível a execução de um determinado plano estratégico de trabalho” (CARVALHO, 2004, p. 37). Portanto, para a execução do trabalho da organização religiosa ela precisa distanciar-se das “organizações burocráticas”, que segundo Weber são como “máquinas totalmente impessoais, que funcionam de acordo com as regras que ele chamou de racionais – regras que dependem de lógica e não de interesses pessoais” (MAXIMIANO, 2000, p. 62-63). Uma organização ágil que possibilita, do ponto de vista da gestão, procedimentos que passem a ser considerados como sendo o distribuidor de tarefas para garantir a realização dos objetivos de uma práxis religiosa criadora de sinas de transformação. Murad entende que as “organizações sociais e religiosas não são empresas”, entretanto, no entendimento de Drucker, são prestadoras de serviços, portanto, não devem distanciar em hipótese alguma de sua tarefa no contexto da missão. Seu desafio é “conhecer seus destinatários, interpretar e antecipar-se às suas demandas e inovar caso contrário, não será viável”. E ele afirma que: A organização que serve à sociedade, através da educação, da saúde ou da comunicação, aferindo desses serviços resultados econômico-financeiro para garantir a continuidade da organização e a sobrevivência de seus membros, está no mercado como uma empresa. Mas não é uma empresa qualquer. Deve colocar-se criticamente diante desse fato e não aceitar os mecanismos iníquos do mercado, em coerência com seus princípios e por espírito profético. Mas necessita reconhecer que está no mercado, pois estabelece 116 Geoval Jacinto da Silva, Otoniel Luciano Ribeiro: Gestão e serviço relações, realiza trocas e produz valor. Qualquer organização que atua como empresa de serviços tem funcionários (ou colaboradores), destinatários (ou clientes), fornecedores (aqueles que lhes vende os recursos necessários para realizar seu trabalho) e concorrentes (MURAD, 2007, p. 81-82). Para Carvalho (2004), “A organização é a atividade por excelência do processo administrativo de qualquer empreendimento, inclusive da Igreja”. Desta forma, pode-se caracterizar a “organização eclesiástica como sendo um conjunto de relações na comunidade, relações essas baseadas, primeiramente, no vínculo de ordem espiritual, moral e ético (1Co 12.12-31)” (CARVALHO, 2004). A seguir são indicados alguns passos que podem interagir para a organização eclesiástica manter sua identidade de serviço e alcançar seus objetivos: A organização eclesiástica deve adaptar-se aos objetivos centrais de sua razão de ser. Desta forma “por sua própria natureza e razão de ser, a igreja deve dispor, sempre, de uma estrutura organizacional leve, ágil e versátil, adaptando-se ao ambiente quanto aos procedimentos, mas jamais quanto a princípios, sem deixar de abrir mão de sua origem” (CARVALHO, 2004, p. 38). A organização da comunidade cristã não pode ser encarada como uma regra definitiva, portanto, ela deve ser revista e adaptada periodicamente às novas condições da vida eclesial. A Igreja é uma organização em movimento, dinâmica e sem fronteiras. A organização deve existir em cada igreja numa escala equilibrada. Devem ser evitados tanto os excessos de organização, como sua falta traduzida em desordem administrativa e isolamento. A organização eclesiástica deve conter certa dose de improvisação e de imaginação, de liberdade e de iniciativa, isto é, muita criatividade. A organização da comunidade não substitui o cérebro da liderança na igreja, mas deve facilitar suas intervenções. A organização eclesiástica não deve ter um fim em si mesmo; ela foi ordenada por Deus para colaborar com o ser humano, não para fazer-lhes concorrência (CARVALHO, 2004, p. 40-42). Considerações finais Para elaborar as considerações finais uma série de novas inquietações aparecem, pois a questão começa a ser debatida em outros segmentos das organizações religiosas e sem fins lucrativos que durante muitos anos estão envolvidas no tema da Administração. Uma administração voltada para os interesses da própria comunidade e muitas vezes nas mãos de uma pessoa ou de poucas pessoas. Também quando a instituição religiosa Revista Caminhando v. 15, n. 1, p. 107-118, jan./jun. 2010 117 é reconhecida pelo poder público e recebe o seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), imediatamente a figura do gestor tem destaque porque a nova organização tem direitos e deveres perante a sociedade. Assim sendo, a organização religiosa passa a ser reconhecida dentro do segmento do terceiro setor. Para uns é um processo natural, para outros tais procedimentos incomodam. Nestas considerações finais surgem convites para seguir a reflexão pessoal e comunitária, em especial entendendo que a Igreja não é uma empresa. Para tanto ela precisa ter clareza de sua tarefa na missão e atender as exigências dos seus direitos e deveres. Entretanto, outra inquietação ainda permanece que você pode ajudar a respondê-la: por que é tão difícil mudar as organizações que tem alcançado status de caráter estratificados e pesados em sua burocracia? Referências B.A.C. La Sagrada Escritura Texto y comentário. Antiguo Testamento I – Pentateuco. Madrid: B.A.C., 1967. ­­­­­­­CARVALHO, A. V. Planejando e administrando as atividades da Igreja. São Paulo: Hagnos, 2004. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000. FLORISTAN, C. Teologia practica: teoria y práxis de la accion pastoral. Salamanca: Sigueme, 1993. KONDER, L. O Futuro da filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. MAXIMIANO, A. C. A. Introdução à administração. 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