A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio

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Artigo original
A felicidade como meio didático
para filosofia no Ensino Médio
Happiness as didactic means of Philosophy in high school
Jorge Wagner de Campos Freitas1
RESUMO
A filosofia além das questões largamente tratadas na escola pode ser uma alternativa à felicidade dos
educandos. Ela pode proporcionar um meio didático capaz de facilitar as relações entre estudantes do
Ensino Médio. As condições adequadas fornecem material didático-humano para tratar relações humanas,
e ao mesmo tempo mostrar que é possível encontrar felicidade no exercício educacional hodierno. Ela
colabora com o todo educativo por isso, ela foi tratada por diversos ângulos. Filósofos, psicólogos e psicanalistas ao longo da história procuraram decifrá-la. A educação precisa entre seus critérios educativos
dimensionar também que a escola não apenas deve tratar de preparar os educandos, mas, precisa tornar
a vida estudantil um período de atividades com sabores especiais, isso só poderá ser possível, se a escola
estimular os educandos a procurarem sentir felicidade de estar em um lugar acolhedor.
PALAVRAS-CHAVE
Adolescente – Educação – Filosofia - Felicidade. 1
9
Teólogo, professor de filosofia, mestre em Ciências da Religião. Pastor da Igreja Metodista em São Pedro do Turvo, SP.
Ciência em Movimento | Ano XV | Nº 31 | 2013/2
A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
ABSTRACT
The philosophy beyond issues largely addressed in the school can be an alternative to the happiness of the
students. It can provide a means didactic able to facilitate relationships between high school students. Appropriate conditions provide educational material to address human-didactic relationships, and at the same
time show that it is possible to find felicity in today’s educational exercise. She collaborates with the all educational so she was treated for several angles. Philosophers, psychologists and psychoanalysts throughout
history have sought to decipher it. Education needs among their criteria also educational dimension that the
school should not only deal with preparing learners, but need to make student life a period of activities with
special flavors this can only be possible if the school seek to stimulate feel the happiness of being in a welcoming. Education needs among their criteria also educational dimension that the school should not only deal
with preparing learners, but need to make student life a period of activities with special flavors, this can only
be possible if students seek to stimulate feel the joy of being in a warm place.
KEYWORDS
Teenager education – Philosophy – Happiness.
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Ciência em Movimento | Ano XV | Nº 31 | 2013/2
A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
Introdução
torná-lo sujeito de sua própria história. A educação
O presente artigo é fruto da pesquisa para o TCC
é a contrapartida ao ensino. Existe uma relação pro-
do curso de filosofia turma de 2008. Pretendemos
funda entre educação e ensino. O modelo de educa-
com o mesmo contribuir com professores de filoso-
ção que enaltecemos é aquele considerado como um
fia, no que concerne a respeito de determinados fun-
processo amplo que visa transformar o modo de pen-
damentos para trabalhar com adolescentes no Ensi-
sar do educando de maneira tal, que possa desen-
no Médio.
volver uma consciência crítica.
O adolescente quer ser feliz. É difícil uma pessoa
A adolescência é, em boa medida, um mundo
em pleno uso das faculdades mentais, por desejo
novo a ser conhecido. Daniel Becker afirma: “A ado-
próprio, querer a sua infelicidade. A educação filosó-
lescência é uma fase de novas sensações e experiên-
fica2 pode contribuir significativamente para o de-
cias antes completamente desconhecida”. (Becker,
senvolvimento da felicidade.
1993. p. 44). Por outro lado, as mudanças se proces-
O período da adolescência é marcado por diver-
sam rapidamente como nunca na história humana.
sos fatores. Alguns destes são determinantes para
Os educadores devem se ocupar com o desenvolvi-
vida, por isso construir as vontades, sonhos e pers-
mento das competências para as novas gerações.
pectivas são questões importantes e devem ser tra-
Desvendar este universo amplo e rico em tendências
tadas de maneira adequada à fase adolescente do
que é a adolescência é questão fundamental para o
ser humano. A educação é importante não somente
processo educativo.
porque deve prepará-lo para o vestibular, mas principalmente porque precisa prepará-lo para a vida.
Ensino de filosofia
Na atualidade a filosofia tratada nas escolas de
Por meio de uma verificação rápida na proposta
nível médio se dá praticamente pela história da filo-
de filosofia em alguns estados da união é possível
sofia. Não aborda temas importantes para a vida dos
perceber questões de fundo para entender como se
adolescentes. A LDB Lei nº 11.684/2008 que alterou
dá o processo do trato para o ensino de filosofia. Via
a Lei nº 9.394/1996, no Art. 1 afirma que os compo-
de regra as propostas variam pouco. A Filosofia co-
nentes curriculares de Filosofia e Sociologia são obri-
mo uma das formas de conhecimento, trata: mito,
gatórios ao longo de todos os anos. E o Art. 2 com-
senso comum, ideologia, religião, arte, ciência. Intro-
plementa afirmando que os sistemas de ensino de-
dução à Política. Teorias do Estado – socialismo, anar-
verão estabelecer normas complementares.
quismos, liberalismos, totalitarismos, Democracia e
cidadania: origens, conceitos e dilemas; Ideologia.
Adolescência e educação
Introdução à Ética. Autonomia e liberdade. Formas
Paulo Freire é sem dívida um ícone no cenário
contemporâneas de alienação. Moral: individualismo
nacional e internacional. Um fenômeno em termo de
e condutas massificadas. Relações entre moral e po-
educação. O desenvolvimento de sua pedagogia dá
lítica. Limites entre o público e o privado. Desafios
ênfase ao educando como sujeito de sua própria
éticos contemporâneos: a ciência e a condição hu-
educação. Centra seu método numa abordagem de
mana. Introdução à Bioética. Com estas questões
libertação e propõe uma educação dialética a qual
comprem a LDB.
educador e educando formam a síntese dialética: a
libertação.
As propostas nos moldes tratados só são possíveis
sua execução por meio da história da filosofia. O que
“A liberdade, porém, não é um dom. É uma con-
deixa de lado coisas importantes para a adolescência.
quista” (Jorge, 1979, p. 55). Para o trato com ado-
Questões como: Drogas, sexos, relações interpessoais,
lescentes há necessidade de uma educação que seja
afetividade e a felicidade, entre outras possíveis.
capaz de ajudá-lo a se desenvolver como pessoa e de
A experiência de lecionar filosofia no ensino Médio tornou possível ter ideia daquilo que considera-
Cremos que não pode existir apenas a filosofia da educação, mas uma educação filosófica.
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mos importante para tratar com meninas e meninos
adolescentes no período do ensino médio.
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A felicidade como possibilidade
princípio que se refere a um estado mental, mas como
Eduardo Chaves afirma que “Há uma diferença
um “vínculo indireto com a felicidade” (Idem, p. 124).
importante entre felicidade e contentamento e entre
felicidade e prazer sensorial” 3. Veremos a questão a
A educação
partir das considerações de Aristóteles sobre a felici-
Para o filósofo estagirita, há uma ligação profun-
dade, deste modo, verificaremos como este conceito
da entre o cidadão e a pólis, “resta-nos examinar se
filosófico pode ser tratado como meio didático para
a felicidade do indivíduo é ou não a mesma que a do
a educação praticada na disciplina de filosofia.
Estado” (Aristóteles, 1963, 150). Tal questão tem
O método dedutivo nos ajuda observar princípios
sentido porque para ele, a educação até os sete anos,
gerais do significado de felicidade em Aristóteles pa-
era obrigação familiar, após esta idade, era obriga-
ra chegar a conclusões particulares de felicidade ho-
ção do Estado. O bom legislador da polis, não pode
je. Pesquisa feita por meio bibliográfico.
se furtar de saber, assim como não “pode deixar na
ignorância o que é educação, e como é preciso dirigi-
A contribuição de Aristóteles
12
-la” (Aristóteles, 1963, p. 198).
Aristóteles é considerado ícone na filosofia da
Aristóteles, afirmava que o legislador devia enten-
Grécia Clássica. Entre muitos temas tratou a respeito
der e saber não somente da importância da educação,
da educação na pólis. Aristóteles nasceu na cidade
mas principalmente, por meio dela, formar “pessoas
de Estagira no ano de 384 e faleceu no outono de
honestas”. (Aristóteles, 1998, p. 65). A questão pro-
322 a. C. Era filho de um médico conceituado da
posta dimensiona quem é o bom ou o mau legislador.
corte dos reis da Macedônia. Foi para Atenas com
Uma das principais preocupações do legislador deve
intuito de se tornar discípulo de Platão, em 367 a. C.,
ser aquela que procure saber quais exercícios (práti-
e passa a estudar filosofia nesta renomada academia.
cas) podem tornar os cidadãos honestos, mais do que
Quando se encontra no auge de sua labuta filosófica
isso, deve sobremodo “conhecer bem qual é o ponto
desenvolve o conceito de felicidade, entre outras
capital da vida feliz” (Idem, p. 65).
questões importantes.
Para tratar do significado de felicidade dentro do
Educação em Platão
contexto da educação, precisamos atentar num pri-
De certa maneira Aristóteles herda de Platão al-
meiro momento, a duas palavras importantes: Arete
guns conceitos de educação, portanto, se faz neces-
e eudaimonia. A arete (arethv) segundo um dicioná-
sário retomar em parte a educação em Platão. Para
rio grego, é “palavra de largo alcance na ética grega”
Platão a criação e a educação são deveres do Estado.
(Taylor, 1965, p. 33). E significa: “excelência pesso-
Ela deve formar indivíduos fortes e valorosos. Músi-
al em todos os sentidos, isto é, de corpo e mente;
ca, harmonia, ginástica, aritmética... São admiráveis
dote eminente, excelência moral, virtude; manifesta-
para dar consistência à filosofia, portanto, são im-
ção de poder” (idem, p. 33). Seguindo o radical des-
portantes para formar o cidadão.
te vocábulo, temos ainda a palavra arestos (arestov),
que significa agradável, desejável.
No texto A República, Platão expõe como deve ser
a sociedade ideal. Ele descreve que seria conveniente
A palavra eudaimônia (eudaimonia), significa, se-
que “se determinasse por lei” (Platão, 1987, p. 335),
gundo Jonathan Barnes, “realizar-se, ter uma vida de
o ensino de geometria. Considerava importante a con-
sucesso” (Barnes, 1996, p. 124). No entanto John
templação dos números, mas advertia que não se po-
Victor Luce traduz para o inglês como well-being, wel-
deria tê-los em consideração apenas para o comércio,
fare, confort, e, na tradução da obra de Luce, feita por
antes, “por amor ao saber” (Idem, p. 336).
Mário da Gama Kury para o português, é traduzida
O modelo educativo de Platão exposto no texto
como “bem-estar” (Luce, 1994, p. 126). Barnes ob-
de A República tinha “pouco efeito prático” (Mon-
serva que não se pode pensar eudaimonia como um
roe, 1979, p. 63), no entanto, reconhecemos a importância do conteúdo e sua contribuição para a
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newed.net/ - Acessado em 05 de fevereiro de 2008.
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educação.
A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
Em A República, segundo Monroe, a educação
era semelhante, a dos dias de Platão. Para a criança
firme e constante para a prática do bem, mas pode
ser considerada como força moral.
o estudo da música e a ginástica; consistindo ainda,
É evidente que Aristóteles se preocupava com a
na última fase, o estudo da literatura. Para educa-
educação dos jovens. Em A política, ele afirma que
ção superior, dois períodos. Numa primeira fase o
“ninguém contestará... que a educação dos jovens
estudo da ciência, que se estendia “dos vinte aos
deve ser um dos principais objetos de cuidado por
trinta anos” (Id. Ibid., p. 64), aproximadamente. E
parte do legislador” (Aristóteles, 1963, p. 64). O
a segunda fase, era a continuação do período ante-
problema de fundo é que o bem-estar depende em
rior e estudava-se a “dialética” (Id. Ibid., p. 64), ou
muito da própria educação. A questão toma forma
seja, a filosofia.
e se desenvolve na medida em que o Estado se ocu-
Luce é enfático em afirmar que na filosofia prá-
pa com a educação do cidadão no contexto da polis.
tica, o filósofo, propõe as “condições do bem-estar
Segundo Monroe a diferenciação entre a educa-
humano” (Luce, 1994, p. 126). O fundamento que
ção em Platão e Aristóteles se dá pela finalidade. Pa-
Aristóteles desenvolve é que este bem-estar pode por
ra Platão “o traço que unia o interesse individual e o
meio da educação se tornar realidade prática na vida
bem-estar social, constituía desse modo, a finalidade
do indivíduo e da sociedade.
da educação, que era o conhecimento; para Aristóte-
A prática se desenvolve por ações voluntárias: a
les, essa finalidade era a felicidade” (Monroe, 1979.
sensibilidade denota o prazer e a dor, a razão e a
p. 66). O divisor de águas é a questão que se situa
inteligência prática dominam os impulsos humanos
entre o conhecimento e a felicidade. Para Aristóteles
imediatos e delibera as ações propriamente dita. Ra-
isso determina uma filosofia prática.
zão porque “as ações do homem são voluntárias e o
Luce é enfático em afirmar que na filosofia práti-
homem é responsável pelas mesmas” (Mondolfo,
ca, o filósofo, propõe como seu alvo definir as “con-
1967, p. 261).
dições do bem-estar humano” (Luce, Op. Cit., p.
126). O fundamento que Aristóteles desenvolve nos
Educação em Aristóteles
faz questionar: como este bem-estar pode por meio
O ideal educativo em Aristóteles era marcado por
da educação se tornar realidade prática na vida do
aspectos herdados de Platão, no entanto, o estagiri-
indivíduo e da própria sociedade?
ta segue seus próprios passos. Seu modelo educacio-
A prática se desenvolve por ações voluntárias: a
nal “unia o interesse individual e o bem-estar social
sensibilidade denota o prazer e a dor, a razão e, a
e consistia desse modo, a finalidade da educação”.
inteligência. A prática domina os impulsos humanos
(Monroe, Op. Cit., p. 66). A intenção da educação
imediatos e delibera as ações propriamente dita.
para este filósofo era o conhecimento e, a finalidade
última era a felicidade. O conceito de felicidade em
Aristóteles deve ser tomado pelo que lhe é peculiar
e, não pelo que pode representar hoje.
A felicidade no texto de Ética a Nicômano
Dote, excelência e virtude são designações que
devem contemplar o sentido último para a educação.
Arete significa excelência moral, virtude, dote
O dote que é entendido como bem que alguém re-
eminente e manifestação de poder. Tomaremos os
cebe ou que pode vir a receber; também é um dom
vocábulos dote, excelência e virtude como princípio
e uma qualidade própria do ser humano. Estas ações
de entendimento e após, veremos como o próprio
são imprescindíveis para determinar a virtude. A edu-
filósofo toma estes conceitos. Dote, em português
cação seguramente contribui para que, o educando
é considerado como um bem que se recebe. Mas é
receba o dom e a qualidade para chegar à virtude.
também, um do natural. O dom por sua vez é consi-
A excelência por sua vez é entendida como qua-
derado entre outras coisas uma qualidade. O uso da
lidade daquilo que é excelente. Pode-se dizer que, a
palavra excelência na atualidade é bastante utilizado.
excelência determina no educando sua própria qua-
Sua aplicação é principalmente em fabricas e servi-
lidade como ser humano. A qualidade individual é
ços. Por fim, a virtude é entendida como disposição
determinada pelo educando e, só pode ser alcançada
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A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
mediante a vontade, isto é, se ele se empenhar em
da? Em Aristóteles, a questão é determinada não por
conseguir qualificar sua vida, a educação em respos-
aquilo que temos, mas por aquilo que pode de ma-
ta ao empenho individual, responde numa qualidade
neira simples, dar felicidade. Mondolfo cita o frag-
que é diferenciada de outras situações que não ad-
mento 181, Usen, que afirma: “Acho-me de prazer
vindas da boa educação, podem não resultar em
corpóreo quando vivo a pão e água” (Mondolfo,
qualidade de vida. A educação, portanto, tem um
1967, p. 87) e o fragmento 473, Usen, que diz: “Aque-
cabedal de experiências desenvolvido ao longo da
le que não basta o pouco, a esse não basta nada”
história humana, e pode redimensionar as situações
(Mondolfo, 1967, p. 87).
de vida e torná-la qualidade expressa em virtudes.
Realizar-se ou ter vida de sucesso é ter o que é
O pensamento de Aristóteles crê que as virtudes
imprescindível para viver. Não é necessariamente ter
mais elevadas são as “do intelecto” (Mondolfo,
tudo. Assim, o sucesso é a capacidade de viver bem
1967, p. 261), no entanto dispõe ainda sobre o do-
e feliz. O acúmulo de bens não é garantia de vida
mínio da razão relativa ás questões práticas. Estas
feliz. Os incautos podem até mesmo pensar que sim.
devem dar lugar “às virtudes éticas” (Idem. p. 261).
Podem desejar acumular, e afligem-se por aquilo que
As primeiras se encontram na contemplação, as
não possuem. Isso na maioria das vezes impede a
éticas, devem ser entendidas não em atos isolados,
concretude da felicidade.
pelo contrário, nas orientações constantemente revisadas. Significa que as ações devem ser revisadas
As virtudes
para determinar se são ou não válidas àquilo que se
Aristóteles tem consciência que tanto o homem
propõe.
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de cultura considerado sábio, quanto o vulgo, incau-
Uma das questões importantes para definir a fe-
to, insensato, concordam que todo o trabalho visa
licidade em Aristóteles é a relação corpo X alma. Se
um bem e, este pode ser alcançado pela ação. Entre-
o pensamento não for bom e bem determinado, o
tanto, o bem maior é a felicidade. Porém, há discor-
corpo sofre pelas más escolhas. O corpo e a alma
dância entre estes homens. Para os vulgos, é “alguma
(entenda-se: mente) têm uma ligação importante. A
coisa simples e óbvia, como o prazer, a riqueza ou as
alma para Aristóteles é o lugar no qual se sente e
honras” (Aristóteles, 1991, p. 11). No entanto, os
pensa; é o lugar primeiro que determina a razão.
homens de cultura consideram que a felicidade deve
Para entender, lançamos mão do texto de Mondolfo:
ser identificada com o “bem viver e o bem agir”
“sua função própria parece, por excelência, o pen-
(Aristóteles, 1991, p. 11).
sar” (Mondolfo, 1967, p. 49).
A virtude dimensiona o caráter das coisas consi-
No entanto, há que desenvolver entre alma e cor-
deradas importantes. Cada coisa deve ser alcançada
po um equilíbrio, uma comunhão. Para isso define
pela virtude, pois é ela que pode conduzir à perfei-
Aristóteles, que a “alma é causa e o corpo é instru-
ção. Para Aristóteles a virtude pertence à atividade
mento” (Mondolfo, 1967, p. 49). Desta maneira, a
virtuosa, entretanto, a atividade humana considera-
alma considerada causa e princípio do corpo huma-
da correta, coloca “o sumo bem, no estado de ânimo
no, portanto, é o potencial que determina as ações
ou no ato” (Aristóteles, 1991, p. 17). Todas as
do corpo. Nesta relação não se discute uma subordi-
ações virtuosas devem ser práticas, de modo que sir-
nação, mas o equilíbrio entre uma e outra coisa. Mon-
vam à vida individual e coletiva. Para o filósofo, a
dolfo afirma que o ser humano, como “ser animado,
virtude, deve, acima de tudo, “agir, e agir bem”
resulta de ambos” (Mondolfo, 1967, p. 49), o corpo
(Aristóteles, 1991, p. 17).
age porque a alma determina certas ações, e a alma
age porque o corpo desafia-a a dar resposta.
Sócrates crê que os virtuosos são felizes. Significa
que fazer o bem é o mesmo que viver bem. Para ele
Para continuar a observação sobre felicidade, res-
quem é virtuoso, nasce virtuoso. Aristóteles pensa
ta-nos ainda, tratar da eudamonia (eudamonia). O en-
diferente, cada virtude deve ser aprendida por meio
tendimento de seu significado é realizar-se, ter uma
da educação. Significa que a finalidade da educação
vida de sucesso. O que é ter sucesso? Ou vida realiza-
é a felicidade, e, esta desperta no indivíduo e na co-
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A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
letividade à vontade de exercitar a virtude. Monroe
às coisas e com as faculdades que mais ama: por
elucida a questão afirmando que a virtude sendo um
exemplo, o músico... o estudioso...” (Aristóteles,
estado da vontade “não tanto uma condição quanto
1991, p. 184). O filósofo conclui que é justo que as
um processo; por isso, o bem, o mais alto fim atin-
pessoas aspirem ao prazer na vida.
gível pelo homem, não é uma condição, mas uma
Conceito de felicidade na atualidade
atividade” (Monroe, 1979, p. 66).
Sendo a virtude uma ação, deve ser para desen-
Em nossos dias tem-se discutido sobre a felicida-
volver o bem. Aristóteles define que o bem para o
de, e, a questão do desejo tem se firmado como um
“homem está no funcionamento da parte mais ele-
fundamento que deve ser confrontado com o prin-
vada da natureza humana, isto é, a razão” (Monroe,
cípio da felicidade. No entanto, para se discutir estas
1979, p. 67). Desta maneira deve conformar o bem
questões, é necessário, definir o fim último da edu-
em duas formulações: o bem do intelecto e o bem
cação. Em Princípios elementares de educação, entre
do caráter. Sendo que “o primeiro deles é produzido
outras questões, o texto trata dos fins últimos da
pelo ensino e é produto de experiência e tempo”
educação, significa que há necessidade de uma for-
(Monroe, 1979, p. 67). O segundo é resultado do
mulação definida de fins. Para tanto, os autores afir-
hábito. Neste caso, a prática leva à perfeição. O que
mam que “a educação procura assegurar aos ho-
fica claro é que a educação tem papel fundamental
mens coisas boas em vez de más” (Thorndike;
na questão.
Gates, 1936, p. 20). Estes sustentam ainda que “de
acordo com a psicologia moderna, toda atividade
O Prazer
humana é iniciada e sustentada por algum incentivo,
O prazer é importante no modelo educativo e na
ânsia, desejo ou necessidade”. (Thorndike; Gates,
filosofia de Aristóteles. Ele afirma que “todos os ho-
Idem, p. 20). A partir das considerações acima, po-
mens desejam prazer, porque todos aspiram à vida”
demos afirmar que entre outras coisas, o ser humano
(Aristóteles, 1991, p. 184). Assim, o prazer dá sen-
é um ser desejante.
tido e completa as atividades, segundo Aristóteles.
É a partir desta questão, que devemos analisar o
Evidentemente, as pessoas podem obter prazer em
significado da felicidade nos dias atuais ou na cha-
fazer algo que lhe seja agradável. Portanto o prazer
mada “pós-modernidade” 4. Os desejos por si só, não
é um bem não em si mesmo, mas na vida, tornando-
são ruins nem bons, eles são parte da vida humana5.
-a mais interessante.
Para Thorndike e Gates “as coisas têm valor e impor-
No entanto, o próprio filósofo adverte que não há
tância somente quando servem para satisfazer os
unanimidade na questão. Para uns, o prazer é o bem,
incentivos que se ocultam sob os esforços do indiví-
para outros não. Discutindo a questão com Platão,
duo” (Thorndike; Gates, 1936, p. 21). Isso implica
afirma que para este, a vida é mais desejável “quando
em que os desejos considerados ruins, maus, feios
acompanhada pela sabedoria” (Aristóteles, 1991,
ou inúteis são aqueles que não contribuem ou que
p. 180). Dito de outra maneira, para Platão o prazer
deixam de contribuir com a coletividade. A questão
não é o bem. Aristóteles reconhece, no entanto, que
“nem todo o prazer é desejável, e que alguns prazeres
são realmente desejáveis por si mesmos, diferindo
eles de outros em espécie ou quanto às suas fontes”
(Aristóteles, 1991, p. 182).
A vida também é definida pelas atividades e, estas determinam o prazer existente em cumprir a vida
ou no caso de falta de prazer não cumpri-la; é melhor
executar o que dá prazer do que o contrário, assim
a vida é bem vivenciada. O filósofo dá exemplos: “A
vida é uma atividade, e cada um é ativo em relação
Para José Valmor, pós-modernidade é uma nova sensibilidade, uma atitude fundamental perante a História. Essa
atitude evidenciou-se depois da 2ª Guerra Mundial. Implica, por conseguinte numa revisão do Modernismo, da sua
epistemologia, da sua ética, do seu elitismo... José Valmor
César Teixeira, Estamos em uma nova era? A pós-modernidade. In Revista da Educação. Ano 22, no 89 outubro/
dezembro de 1993.
5
Segundo Jorge Wagner de C. Freitas, há necessidade de
refletir que a pós-modernidade trás a fragmentação e a
multiplicidade de culturas, estas modelam o ser humano
numa vivência cotidiana com pessoas indiferentes. (FREITAS,
2006, p. 152).
4
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central é que o desejar não é considerado algo mau,
entender a educação em sua complexidade? Pode-
se responder às necessidades individuais, sem ferir a
mos indagar: “o que ocasiona a felicidade humana,
coletividade. Em outras palavras, não se pode consi-
concluiremos que depende isso dos desejos huma-
derar o desejo individual ruim, quando responde po-
nos” (Thorndike; Gates, Op. Cit. p. 25). A posição
sitivamente as necessidades do indivíduo sem preju-
dos autores não pode ser tomada como plenamente
dicar a coletividade. Seguindo este raciocínio, a edu-
válida. Pois a condição para desenvolver a felicidade,
cação pode responde aos anseios e satisfazer os de-
não depende exclusivamente do desejo, mas tam-
sejos humanos, no entanto, há que atentar para as
bém, das condições existentes e dos interesses rela-
questões entre as multiplicidades de desejos indivi-
cionais. Entretanto, muitos confundem uma coisa e
duais, pois, os desejos individuais não podem se so-
outra, de maneira, que na tentativa de alcançá-la,
bressair para dominar o coletivo.
muita vez, são enganados por seus sentidos, e pen-
Por outro lado, temos que salientar a possibilida-
16
sam que a encontraram.
de de desejos de grupos. Os indivíduos convivem
Erich Fromm, em seu livro Análise do homem,
com grupos afins. Entre os grupos existentes na ado-
levanta a questão do prazer como critério de valor.
lescência, podemos citar: a família, os amigos, cole-
Se o ser humano é desejante, então, o seu desejo
gas de escola, a “tribo”, o religioso, o social e em
deve satisfazer suas necessidades e ao mesmo tem-
várias circunstâncias, o grupo profissional. Neste
po, dar-lhe prazer. O que implica a discutir o que é
sentido, Thorndike e Gates, afirmam que:
prazer? Hoje prazer significa o mesmo descrito por
...se um grupo, para satisfazer sua ânsia de acumulação e domínio, monopolizar uma certa classe
inteira de bens (...) poderá, não somente reduzir
a plenitude em que as necessidades de outros grupos são satisfeitas, mas, ao fim, poderá também
causar uma diminuição na sua própria satisfação,
desde que o outro grupo se desforre com o monopólio de algum outro material, reduzindo-se
assim a produtibilidade de ambos (Thorndike;
Gates, Id. Ibid., p. 23).
Estas considerações ponderam sobre o efeito de
o grupo satisfazer somente a si próprio, porque internamente já é individualizante. Estas podem também ser aplicadas ao indivíduo. Na escola não apenas existem grupos distintos, como também há conflitos advindos dos desejos individuais e coletivos.
O/a professor/a em sala de aula, muita vez, tem que
administrar os conflitos existentes entre tais grupos.
Não apenas isso, a própria escola em determinadas
situações precisa intervir. Mas, muita vez, tem que
lidar com a violência ocasionada pelos desejos conflitantes destes grupos.
Entretanto, não se pode deixar de tratar da questão vital para a vida: a felicidade. Por outro lado, às
vezes há certa confusão entre desejo e felicidade. Na
tentativa de “encontrar” a felicidade, adolescentes
concentram sua atenção somente no desejo. Como
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Aristóteles?
Na atualidade há uma grande confusão entre
prazer e hedonismo. “O hedonismo sustenta que o
prazer é o princípio diretor da ação humana, tanto
factual quanto normativo” (Fromm, [?], p. 154). O
prazer hedonista é o prazer momentâneo e passageiro. O prazer pelo prazer, sem outra consequência
positiva. Fromm assegura que este tipo de prazer é
ingênuo. No entanto, reconhecemos que o hedonismo teve o mérito de “focalizar decididamente o significado do indivíduo e um conceito concreto de prazer” (Fromm, [?], p. 154). Neste entendimento,
pode-se considerar a felicidade como a experiência
imediata.
Fromm faz uma revisão a respeito da questão do
prazer. Platão e Aristóteles, diz ele, asseveravam que
“a experiência subjetiva do prazer não pode ser um
critério para a excelência da atividade...”. (Fromm,
[?], p. 155) Aristóteles considerava que a questão do
prazer deveria ser acrescentada a coisas boas. Descreve isso dizendo que “Eudoxo argumentava que o
prazer, quando acrescentado a um bem qualquer,...
o torna mais digno de escolha” (Aristóteles, 1991,
p. 180). A revisão de Fromm considera que a teoria
de Spinoza lembra aspectos da discrição de Platão e
Aristóteles, mas faz ressalva, Spinoza vai além, “ele
julgava que a alegria era o resultado de uma vida
correta ou virtuosa...” (Fromm, [?], p 156).
A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
A Educação e a Felicidade,
possível sentir felicidade na participação escolar, ain-
caminhos possíveis
da menos em desenvolver consciência de mundo6.
Em que medida educação e felicidades podem se
As considerações de Freire sobre a sociabilidade
complementar? Na atualidade existe certa unanimi-
humana fazem-nos pensar, se a felicidade é algo que
dade entre educadores: a educação é um processo.
se possa sentir sozinho? Se alguém estiver sozinho
Portanto, “a educação não é mais um processo arti-
em um determinado lugar, pode sentir felicidade
ficial, áspero, antipático, repressivo de todas as incli-
nesta situação? Ou ao contrário, a felicidade tem
nações naturais...” (Monroe, 1979, p. 266). No en-
sentido quando pode ser partilhada?
tanto, ainda há dificuldade por parte do educando
Pensando em verificar a questão de educação e
em entender os processos educativos, para muitos
felicidade como caminhos possíveis, temos necessa-
estar em sala de aula é um peso difícil de carregar.
riamente que discutir a questão do dialogo como
Por outro lado, a educação tem também uma
método educativo advindo da filosofia. “Entre aque-
intenção, isto é, quer algo e pode doar ao educando
les que preconizam como objetivo o ‘ensinar a pen-
algo que lhe é próprio. Tais questões não se mostram
sar’, o método preferido é o diálogo... capaz de dar
por razões sentimentais ou psicológicas, “mas por
lugar a pontos de vista, como: ‘A felicidade, o que é’
razões práticas” (Thorndike; Gates, Op. Cit. p. 24).
ou ‘Qual é o fundamento do conhecimento’” (Gallo,
Tal elucidação é importante, pois, desvela que o sa-
2003, p. 128).
tisfazer desejo individual e coletivo, determina uma
Neste sentido, o método demanda as condições
intenção prática. O educando quer ou precisa de al-
ideais para o desenvolvimento dialógico, isto é, ele é
guma coisa, a educação oferece em contrapartida,
quem pode dar rumo ao ensino de filosofia e ao mes-
experiências para a vida.
mo tempo redimensionar tanto o ensino como o sig-
A adolescência precisa de determinadas balizas
nificado de felicidade nesta situação específica: a
que apontem caminhos, lhes dê um norte, para de-
filosofia como princípio didático da educação no en-
senvolver sua própria liberdade, e, esta começa,
sino médio.
quando há o desenvolvimento de uma consciência
crítica que permite ao ser humano transformar sua
A felicidade individual e a coletiva
realidade, já afirmava Paulo Freire em Educação e
A educação no Brasil tem a marca indelével do
mudança.
cristianismo. Um dos textos marcantes do Novo Tes-
Porém, há uma ressalva: o princípio fundamental
tamento, afirma “Amarás a teu próximo como a ti
da educação determina que “o maior bem da vida
mesmo”. No entanto, várias teologias se apossaram
não deve ser conseguido por esforço para o engran-
dos textos bíblicos na ação educativa, privilegiaram
decimento individual...” (Thorndike; Gates, Op.
o entendimento de que não pertencemos a nós mes-
Cit. p. 24). A educação está a serviço para o aprimo-
mos, “pelo contrário, nós pertencemos a Deus”
ramento geral da humanidade.
(Fromm, [?], p. 112). Não afirmamos que esta inter-
Notadamente, a educação também deve preparar o indivíduo para a convivência social. Desta forma
pretação de que pertencemos a Deus esteja errada.
No entanto, carece de entendimento.
há que consolidar a aproximação entre educação e
Calvino e Lutero exerceram grande influência no
felicidade. Época houve em que, a educação não pro-
pensamento moderno. Segundo Fromm, “eles assen-
movia o desenvolvimento da cidadania e nem mesmo a felicidade do educando, isso significa que ele
não era feliz? Não. Mas que o estar na escola e o
sentir-se feliz em participar ativamente como cidadão, não era possível. O regime de exceção no período da ditadura militar, não possibilitava a liberdade
de expressão. A escola deveria reproduzir o que o
Estado afirmava, como certo. Neste modelo, não é
As relações que o ser humano trava no mundo e com o
mundo (pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas)
apresentam uma ordem tal de características que as distinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera animal... Contudo, partimos de que o homem, ente de
relações e não de contatos, não apenas está no mundo, mas
com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura
à realidade, que o faz ser o ente de relações que é. (FREIRE,
1969, p. 39).
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Ciência em Movimento | Ano XV | Nº 31 | 2013/2
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A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
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taram as bases de uma atitude em que não se con-
projeto comum, onde o desenvolvimento total do
siderava a própria felicidade do homem como meta
indivíduo depende do total desenvolvimento de to-
de sua vida” (Fromm, [?], p. 113). A questão neces-
dos; ‘meu’ e ‘seu’ são conceitos sem significado”
sária para a nossa discussão é o quanto à felicidade
(Fromm, 1992, p. 143). O indivíduo deve romper
deve tocar ao indivíduo e o quanto à coletividade.
com o excesso do “eu”.
Não queremos que a subordinação da felicidade
Jaques Delors, fala de quatro pilares para a edu-
á Deus e ou, ao Estado desampare o individuo tor-
cação, entre eles “Aprender a viver juntos e aprender
nando-o estéril na vivência cotidiana, de tal maneira
a viver com os outros”. Afirma “a educação tem por
que substitua a relação entre pessoas. Também, não
missão, por um lado, transmitir conhecimento sobre
queremos que o sentimento hedonista, não permita
a diversidade da espécie humana e, por outro, levar
relacionarem-se com estas duas possibilidades des-
as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da
critas anteriormente, tornando-o insensível ao outro.
interdependência entre todos os seres humanos do
Fromm destaca que o grande filósofo Immanuel Kant
planeta” (Delors, 2003, p. 97).
considerava uma virtude desejar a própria felicidade.
Esta proposta de educação é uma tentativa de
No entanto, Fromm sentencia que “amar a si próprio,
desenvolver capacidades outras, que no processo
anelar por sua própria felicidade, jamais pode ser
didático-pedagógico leve em consideração a impor-
uma virtude” (Fromm, [?], p. 114).
tância da vida. Não se trata de negar a contribuição
Desejar a felicidade particular em detrimento da
da educação desenvolvida até aqui, mas de superar
felicidade de outrem, é considerado ruim como tam-
várias dificuldades apresentadas no presente. Para
bém nocivo à vida social, pois gera uma concorrência
tanto, a educação pode transmitir, de fato, e “de
nefasta e mortal à vida “o indivíduo deve encontrar
forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-
felicidade máxima no cumprimento de seu dever”
-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva,
(Fromm, [?], p. 114). E qual seria então, este dever?
pois são as bases das competências do futuro” (De-
O próprio Fromm elucida que a felicidade individual
lors, 2003, p. 89).
para ser considerada plena só é “viável em todo o
conjunto, na nação, no Estado”.
Os novos tempos têm outra marca na vida humana, as relações globalizadas. O horizonte da educa-
A educação de modo geral deve promover o de-
ção por meio do ensino de filosofia encontra hoje
senvolvimento humano em todas as dimensões. A
outro pressuposto: a sociedade mundial. Esta nova
humanização é que torna o educando capaz de per-
sociedade presume uma inovação na abordagem
ceber a vida do e no outro. A dimensão social é que
educacional que seja capaz de alargar o horizonte da
o coloca no horizonte da vida, de maneira que per-
própria educação. As relações até pouco tempo
ceba a si mesmo como parte integrante e importan-
atrás, eram dimensionadas pela turma da escola ou
te da vida social. Ainda podemos citar a dimensão
do bairro, incluindo amigos da família que moravam
econômica que lhe garanta meio de subsistência.
em outra cidade. Hoje, a possibilidade é maior, além
O modelo econômico na atualidade interfere de
dos amigos próximos, existem os amigos virtuais.
modo significativo nas relações humanas. Uma das
Além disso, como estabelecer relações humanas
marcas é: o “ter”. Que em boa medida se impõe so-
com tantas culturas diferentes? De que maneira se
bre o “ser”. Fromm considera que a propriedade de-
pode desenvolver relações de amizade e companhei-
manda algumas argumentações que revela o seu
rismo, com culturas diferentes e, por vezes mal inter-
próprio alicerce o “eu”. Para ele, os antigos “não ti-
pretadas? Como superar a distância cultural que es-
nham propriedade privada, exceto das coisas que
tá a nossa volta? Podemos ser felizes convivendo com
servem para seu uso pessoal imediato...” (Fromm,
o diferente?
1992, p. 141).
Retoma-se então, o modelo de Aristóteles. Platão
Há que superar a visão pós-moderna de que se é
encontra no indivíduo a virtude, portanto, “quando
“alguém” quando se tem algo de valor monetário,
na vida do indivíduo o intelecto limita as paixões, go-
“somente quando a sociedade é organizada para um
verna os desejos... então as virtudes adequadas a cada
Ciência em Movimento | Ano XV | Nº 31 | 2013/2
A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
um são atingidas, e a justiça é mantida na vida do
pode-se dizer que, afeto é o sentimento de ternura8
indivíduo” (Monroe, Op. Cit. p. 63). Este modelo des-
que vem do coração, ou que vem das entranhas. No
crito de Platão está de certa maneira, ultrapassado.
caso deste artigo, procuramos dar o entendimento
No entanto, para Aristóteles a verdade está “nos fatos
a partir da filosofia, mas levando em consideramos
objetivos da natureza e da vida social” (Monroe, Op.
sua característica na psicologia.
Cit. p. 69). Em Aristóteles coragem e justiça são con-
Em filosofia também se pode entender afeto, a
ceitos ligados ao entendimento de bem, virtude e fe-
partir do termo latino affectio: maneira de ser, dis-
licidade, e, que devem ser praticados em relações hu-
posição; simpatia; estima; boa disposição para com
manas. “O homem que queremos tornar bom deve
alguém, afeição, sentimento, paixão. Vontade, incli-
ser bem adestrado e acostumado, ... não praticando
nação. Influência (Faria, 1994, p. 34). Dito de outra
ações más...” (Aristóteles, Op. Cit. p. 193).
forma, sentimento terno, segundo o Dicionário Básico de Filosofia, está ligado ao verbo afetar: comover,
Felicidade e afetividade
perturbar (Japiassú; Marcondes, 1996, p. 4).
Pode-se afirmar ainda que a função filosófica co-
Na psicologia, em linhas gerais, o afeto é enten-
mo princípio didático, implica o desenvolvimento da
dido como um conjunto de fenômenos psíquicos
afetividade nas relações humanas no período da ado-
“que compreende sobre tudo o prazer, a dor e as
lescência. A escola tem, por exemplo, se ocupado lar-
emoções” 9. A afetividade engloba num sentido mais
gamente com a questão da sexualidade na adolescên-
amplo, tendências afetivas entre elas o amor. A afei-
cia7, e, negligenciado o trato da afetividade. Não so-
ção profunda se entende como o amor. No entanto,
mente no sentido de quem anseia a afetividade se­xual,
quando se trata de amor, existem algumas dificulda-
mas principalmente a afetividade relacional.
des para tratá-lo. Em português a palavra amor de-
Pode a filosofia no trato a respeito da felicidade,
ajudar a desenvolver critérios de afetividade e ajudar
signa uma série de sentimentos distintos. Vejamos
alguns exemplos na língua grega.
a desenvolver novas formas relacionais. Tal questão é
“Filen, filezo” (Filen, filevw) – amar, gostar.
difícil de abordar, uma vez que o próprio tema não é
“Sentimento de inclinação e de atração ligando os
recorrente nem mesmo nos temas transversais. A afe-
homens uns aos outros” seres humanos de modo
tividade no contexto da educação tem ligação direta
geral10 (Japiassú; Marcondes, Id. Ibid.1996, p. ).
com a felicidade que expomos acima. A importância
Designa o amor desinteressado, que “se preocupa
dela não pode ser medida em termos quantitativos,
com o homem, o amigo, a pátria, etc...” (Allmen,
antes, porém, em termos qualitativos. Para tratarmos
1972, p. 27).
deste assunto dentro do contexto da felicidade, ob-
“Eran” (Eran) – amor desejo, “não só do homem
servamos algumas considerações de Arthur T. Jersild,
pela mulher, mas também de qualquer objeto digno
em sua obra Psicologia da adolescência.
de ser possuído (amor do/ao belo, do/ao bem, etc.)
Tomamos quatro segmentos levantados pelo au-
Este amor foi o principal impulso da vida moral (amor
tor: a emoção, o amor, a afeição e a alegria. Um
às virtudes); artística (amor ao belo), filosófica (amor
termo grego para afeto é splavgxnon (splasgxnon),
ao verdadeiro) e religiosa (amor aos deuses, à vida
também pode ser entendido como: órgãos vitais (co-
eterna, à imortalidade, etc.)” (Allmen, 1972, p. 27).
“Ágape” (A0gaph) – amor raro. “... menos colori-
ração, pulmões, fígado, etc.); entranhas; afeto. Daí
do, usava-se nos dois sentidos anteriores, com pre-
1. Qualidade, estado ou condição do que é terno, meigo,
afetuoso. 2. Carinho, meiguice 2.1), afeto brando, sem
grandes transportes emotivos; 2.2) tristeza suave. 3. Atitude com relação a outrem... (Dicionário Eletrônico Houaiss
da Língua Portuguesa).
9 ©Encyclopaedia Britânica do Brasil Publicações Ltda.
10 Grifo nosso.
8
A questão é delimitada pelos apelos existentes na sociedade. Sexualidade é coisa corriqueira. Então, em diversas
ocasiões, além de temas transversais a escola trata da sexualidade. Mas, tratando de forma linear, a sexualidade é
algo mecânico, carecendo de ser tratada também sobre o
prisma da afetividade.
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A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
ferência no segundo” (Allmen, 1972, p. 27). Este é
ções que fortalece a amizade e dá a ela possibilidade
considerado amor sublime que tudo pode suportar;
de sobreviver ao tempo e às tempestades. Por outro
que é capaz de dar a vida em favor de um amigo.
lado, a retidão de relações é responsável pelo agra-
No texto grego de Ética a Nicômano livro VIII,
Aristóteles usa principalmente dois termos bastante
dável prazer de conviver junto, que determina a felicidade de poder conviver na escola entre amigos.
enfáticos: filia (filia) e agatwn/agape (agaton/agape).
20
Seguindo a raiz semântica destes vocábulos perce-
Notas Conclusivas
bemos as possíveis traduções para o português. Filia:
A filosofia é uma aliada excelente para a educa-
amizade; afeto. De sua raiz, temos ainda a possibili-
ção tendo em vista o preparo para a vida, conse-
dade de traduzi-la por: gostar, beijar, também a ideia
quentemente a felicidade de educandas/os no perí-
de bondade e de cortesia. Para agaton, as seguintes
odo da adolescência. É difícil harmonizar as experi-
possibilidades: agatós (aga~qo) bom, generoso, vir-
ências individuais, pois, cada pessoa é única. Entre-
tuoso; feliz, agradável, reto e generoso. Outras pos-
tanto, estudantes têm em comum uma determina-
sibilidades incluem salutar e excelente.
da gama de esperanças no futuro imediato. Uma
W. C. Taylor, afirma que “na era clássica filew
destas se refere à felicidade. Em diversas relações
(filéo) era o verbo geral para indicar todos os senti-
sociais, procuram pela felicidade. Amizades, namo-
mentos de amor...” (Taylor, 1980, p. 281). Enquan-
ros e preparo acadêmico ou para profissionalização,
to agaton tinha “sentido característico de amor, de
são motivos de angústias e tristezas, mas, também
estima, de apreciação do valor preciso do ser amado”
de alegria e felicidade. Em nossos dias via de regra,
(Taylor, 1980, p. 261). Em que medida estes verbos
falta-lhes felicidade em participar da vida acadêmi-
se aproximam ou se distanciam um do outro? Filéo
ca no Ensino Médio.
explicita o “querer bem, a ser como agradável”
É desejável que adolescentes tenham alternativas
(Taylor, 1980, p. 282) enquanto agapao (agapaw)
que possibilitem seu desenvolvimento nas ciências,
tem o sentido de “estima como essencialmente pre-
mas, também na sua vida cotidiana. Que por meio
cioso, admirável, aprovado”. Pode-se considerá-los
da filosofia possam perceber-se como sujeito de sua
complementares, cada um tem sua especificidade.
história, tornando-se responsável por seus próprios
Em Ética a Nicômano estes verbos são utilizados
atos, agindo sempre para desenvolver atitudes boas
para definir o amor, a amizade e a afetividade de
para si e para o outro, de tal forma que seja exemplo
modo geral, o que caracterizará o sentido de vivên-
dentro e fora da escola.
cia entre amigos. Vejamos o que diz Aristóteles: “E
Alternativa à “falta” de felicidade, pode estar em
assim, como a amizade depende mais do amar que
sentir-se partícipe da coletividade acadêmica. Neste
ser amado, e são os que amam os seus amigos que
contexto, a filosofia é um caminho por excelência. O
são louvados” (Aristóteles, 1991, p. 147). E ter-
que foi tratado através dos filósofos, desde os anti-
mina afirmando que o amor na medida justa torna
gos aos modernos, mostra que a educação deve en-
a amizade duradoura.
tre tanas outras exigências, conduzir a adolescência
Este tipo de amor carece ser colocado no centro
a viver para produzir o bem e, este à felicidade.
das atenções da vida escolar. Adolescentes devem
Por fim, a educação deve ser ocupação do Estado,
experimentar outra forma de amizade que seja ge-
das autoridades, da escola, do/a professor/a e da fa-
nerosa e virtuosa. Generosa porque se importa ver-
mília. Quando o conjunto da sociedade toma para si
dadeiramente com o amigo/a ou colega de classe, e,
a educação como fundamento para o desenvolvi-
virtuosa porque procura o que há de melhor para o
mento social, então todos cumpriremos com nosso
amigo/a e aos colegas de classe. É a retidão de rela-
papel social.
Ciência em Movimento | Ano XV | Nº 31 | 2013/2
A felicidade como meio didático para filosofia no Ensino Médio
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