A educação e a escola no olho do furacão... e o gestor diante disso?

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A educação e a escola no olho do furacão... e o
gestor diante disso?
Vera Lúcia Duarte de Novais
1. A educação: sentidos e papéis contraditórios
As últimas décadas de nossa história têm sido marcadas por inúmeras mudanças
de caráter social, político e econômico. Embora tais mudanças apresentem
peculiaridades decorrentes das diversas culturas e do poderio econômico
desigual, que tornam a maior parte das nações reféns de poucas, é interessante
refletir sobre algumas dessas alterações que interferem na realidade das escolas,
tanto em países desenvolvidos como nos demais, entre os quais, infelizmente se
encontra o Brasil. Entre as que mais diretamente afetam o cotidiano escolar,
podemos citar as decorrentes da ampliação do número de mulheres que têm
acesso ao mercado de trabalho, as que nascem da descrença nas instituições —
entre as quais a própria escola —, das profundas alterações nas formas de
organização familiar, da degeneração do tecido social e da qualidade de vida —
repercutindo no aumento da violência e do tráfico de drogas, especialmente nos
grandes centros urbanos.
É nesse contexto adverso e desafiador que as famílias e a sociedade, como um
todo, atribuem à escola o papel central pela enorme responsabilidade de educar
crianças e jovens, reservando às empresas somente o papel de atualizar os
diversos profissionais, de acordo com as demandas do mercado de trabalho;
grande parte dessas demandas advêm das novas formas de se lidar com o
conhecimento, em conseqüência das TIC - tecnologias de informação e
comunicação.
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Talvez isso explique por que não precisamos remexer o baú de nossa memória
para lembrarmos que quase sempre a educação é um dos itens mais importantes
da lista de prioridades de todos aqueles que se candidatam a cargo executivo no
Brasil. Isso parece indicar-nos que a sociedade brasileira valoriza a educação e
reconhece que ela é o elemento indispensável para, entre outras coisas, acabar
com nossa indecente desigualdade social e alavancar nosso desenvolvimento.
Seria isso mesmo?
Basta que folheemos alguns jornais e revistas ou que ouçamos os comentários
veiculados em rádios e noticiários de tv para que nos deparemos com frases e
imagens associadas à educação e à escola que nos levam a duvidar do que
acabamos de dizer. Vejamos alguns exemplos entre recentes manchetes de
jornais: Paraguai e Uruguai têm porcentagem de graduados maior que Brasil;
apenas 13,32% são aprovados no exame da OAB-SP; estudo do INEP1 mostra
que 41% dos estudantes não terminam o ensino fundamental; 59% dos alunos na
4ª série têm desempenho precário, diz MEC; 52% dos alunos da 8ª série têm mau
desempenho em matemática, diz MEC.
Para tentar entender melhor o paradoxo presente em nossa cultura com relação
ao binômio importância x falta de importância da educação e à complexidade das
questões educacionais da atualidade, vamos recorrer a exemplos de dois países
desenvolvidos: Inglaterra e França.
Na Inglaterra, por exemplo, na última eleição para o cargo de primeiro-ministro, o
Partido Trabalhista — quando Tony Blair se elegeu —, fixou sua imagem na mídia,
repetindo que suas três prioridades de governo seriam: educação, educação,
educação. Vale dizer que, apesar de suas diferenças, tanto trabalhistas quanto
conservadores tinham a educação como plataforma eleitoral. Entre os exemplos
de preocupações que ocupavam ingleses nessa época, estavam questões como:
a defasagem de dois anos da média de conhecimentos matemáticos das crianças
1 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
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de 11 anos; o fato de 30% dos meninos e 17 % das meninas — considerados
todos os adolescentes do Reino Unido entre 14 e 15 anos — irem para a escola
portando algum tipo de arma para se proteger.
Textos recentes da mídia francesa, inclusive de sites de órgãos governamentais e
associações de educadores, também explicitam as preocupações do país com o
tema. Nesse caso, as preocupações com a educação levaram o governo francês a
realizar um amplo processo de avaliação do sistema escolar, no qual em setembro
de 2003, o primeiro ministro francês instalou a comissão do debate nacional sobre
a escola — responsável pela coordenação de dezenas de milhares de encontros
nos meses seguintes, envolvendo diversos segmentos da sociedade. Nessa
ocasião ele enfatizou seu objetivo de reconciliar os franceses com o sistema
escolar — o grifo é nosso, para chamar-lhe a atenção quanto à tentativa de fazer
com que a sociedade “compre” a idéia de que é importante valorizar a escola
como instituição.
A mídia em geral seguiu dando o devido destaque ao assunto como evidenciam
as manchetes dos jornais. La dernière chance de l’école, título de editorial do final
de 2003, reforça o tom da mensagem do governante relativa ao fato de a
sociedade francesa ter uma imagem negativa de seu sistema educacional, o que
para nós, brasileiros, beira o inacreditável. Preocupam-se os franceses com o fato
de que o contingente de alunos que têm grande dificuldade de ler oscila entre 15 e
25% - índice esse que não melhora há anos. Também foi motivo de alerta para
eles o resultado obtido na avaliação do PISA, programa de avaliação internacional
de estudantes de 15 anos, promovido pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Avaliados com relação à sua capacidade
de leitura, obtiveram apenas o nível médio, inferior ao de outras nações
economicamente menos importantes, conquistando a 15ª posição em um conjunto
de 41 países (vale lembrar, com tristeza, que o Brasil ficou entre os últimos, na 37ª
posição).
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Apesar de serem óbvias as diferenças de magnitude das questões educacionais
desses países com relação à nossa ou com as de outros países pobres, vale-nos
o consolo de que a natureza dos temas mais preocupantes no Brasil é semelhante
à de franceses e ingleses: rendimento escolar precário; violência; baixo nível do
ensino. Por outro lado, de todas essas realidades, é evidente que emergem os
problemas ligados à educação e não as soluções, embora os franceses
mobilizem-se em torno delas.
Diante de tudo o que analisamos, talvez nossa tendência como educadores seja
de nos sentirmos culpados pelo que acontece na escola na qual ou pela qual
trabalhamos. Para evitar que se caia em um raciocínio que nos paralise e nos
impeça de entender melhor nosso papel no contexto educacional, devemos
entender outros lados dessa questão.
2. Desafios e oportunidades do gestor escolar
O panorama que descortinamos no início deixa-nos claro que, se por um lado há
muitos problemas a enfrentar, muitos deles inerentes à própria complexidade do
processo educativo, há muitas novas oportunidades para quem trabalha em
instituições escolares, especialmente no Brasil, onde ainda há um grande
contingente de pessoas à espera de educação de qualidade.
As mudanças na forma de lidar com o conhecimento e o papel que a sociedade
atribui à educação, colocam-nos, como educadores, no “olho do furacão”. É nesse
contexto que os gestores podem fazer a diferença. Por quê?
Muitos setores de nossa sociedade, ingenuamente, exacerbam o papel das TIC,
como garantia de acesso ao conhecimento, em detrimento do papel da educação
convencional. Diante disso, é importante lembrar que apesar de o acesso à
informação ampliar-se de modo acentuado, cabe à escola uma missão
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fundamental: fazer com que o aluno aprenda a aprender, tarefa essa que implica
um processo, pessoal e coletivo, segundo o qual as informações adquirem
significados próprios, incorporando-se a um conjunto de conhecimentos
estruturados ou, em outros termos, que resultem em aprendizagem.
Nesse aspecto, os estudos mais recentes têm mostrado que não basta investir na
formação de professores, levada a cabo em cursos avulsos, descontextualizados
do meio em que esses profissionais atuam, uma vez que tais cursos são
desprovidos de peculiaridades que permeiam a cultura profissional do professor.
Em parte, a dificuldade de os professores procederem à transposição do que
aprendem em cursos de formação para sua efetiva ação profissional no cotidiano
escolar decorre de mecanismos, mesmo inconscientes, que os fazem repetir os
modelos de professor, fortemente interiorizados desde o início de sua própria
escolarização, do que a sociedade acredita ser a maneira de atuar de um
professor e até mesmo da expectativa que os alunos têm do papel do professor.
Se tomarmos por base essa questão, devemos considerar que essas
representações profissionais, construídas ao longo da vida dos docentes,
certamente não se identificam com uma concepção de professor que atue no
sentido de preparar seus alunos para construir aprendizagens a partir do amplo e
variado tipo de acesso às informações, pois tal perspectiva educacional só se
tornou possível mais recentemente com a expansão das TIC. Assim sendo, o que
está em jogo implica substancial mudança de paradigma educacional, pois não se
trata apenas de alterar os recursos tecnológicos utilizados no ensino, mas a
própria concepção profissional do professor e do papel da escola.
Nessa tarefa de educar, é importante destacar que o professor precisa
desenvolver sua capacidade de despertar a vontade de aprender àqueles que
ensina e isto, só será viável se “uma criança espontânea e ávida de conhecimento
estiver dentro dele”.
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Nesse sentido, é essencial refletir sobre o papel da escola, fundamental no sentido
de viabilizar ou impedir que a inovação expressa por uma nova forma de ensinar,
facilitada com uso das TIC, incorpore-se à cultura escolar. Por isso é importante
combater a tendência ao isolamento e à fragmentação dos vários setores e das
diversas tarefas, que costumam impregnar as instituições escolares.
É bom lembrar que a dificuldade de mudar é inerente a qualquer sistema
permanente - indivíduos, grupos ou organizações. Ao longo do funcionamento de
uma organização escolar surgem e cristalizam-se estruturas de poder e focos de
cultura que resistem à mudança. Isso explica o fato de a maior parte da energia
disponível nas escolas ser consumida na execução de ações de rotina e na
manutenção de suas relações internas, ao passo que, em geral, os esforços
organizacionais direcionados às questões de diagnóstico, de planejamento, de
inovação, de mudança deliberada e de desenvolvimento da instituição escolar são
muito reduzidos.
É urgente, portanto, avançar na direção de uma escola mais apta a enfrentar
sucessivos desafios, atuando de modo não fragmentado, isto é, sistêmico. Para a
consecução de tal objetivo é preciso analisar as questões da instituição de modo
global, uma vez que, segundo SENGE, apud NOVAIS (2000), as organizações
funcionam de modo semelhante a um sistema vivo e tanto as características como
a integridade, dependem do conjunto. Assim sendo, tanto para entender os mais
complicados problemas administrativos, quanto para projetar inovações, é preciso
que se veja o sistema por inteiro. Quer dizer, para produzir mudanças em uma
organização social como a escola é preciso bem mais do que conseguir mudar a
ação individual. Essencialmente trata-se de mudar as formas de interação social, o
que só poderá ocorrer se a mudança tiver sentido coletivo.
A instituição escolar pode constituir-se um entrave ou uma alavanca, que
impulsiona a incorporação para mudanças. Quanto mais as escolas estiverem
preparadas para a aprendizagem institucional, garantindo um clima de confiança,
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de apoio mútuo, de respeito, de espaços institucionais para trocas entre seus
vários segmentos, mais a instituição como um todo e cada um de seus membros
terão condições de evoluir.
A utilização das TIC como maneira de formar os professores a partir de um projeto
voltado à aprendizagem institucional permite que encolhamos nossos medos e
resistências ao novo e por meio de interações entre os educadores possamos
pensar na solução de problemas e desafios institucionais mais amplos.
Uma liderança preocupada em atingir o objetivo de construir um grupo institucional
cooperativo pode ser elemento essencial para romper algumas barreiras —
solidamente construídas ao longo do tempo — entre profissionais da mesma
escola, permitindo que novas composições grupais se constituam, tornando viável
o crescimento profissional e institucional. Creio que seja esse o desafio atual que
se coloca aos gestores escolares. Se por um lado pode parecer grandioso,
caminhar nessa direção, segundo a qual a escola pode fazer a diferença, é sem
dúvida, gratificante.
BIBLIOGRAFIA:
BAILLAUQUÉ,
Simone.
Trabalho
das
representações
na
formação
dos
professores. In: PAQUAY, Léopold et al. Formando professores profissionais:
Quais estratégias? Quais competências? 2. ed. rev. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2001.
BOLÍVAR, Antonio. Formação e situações de trabalho. In: CANÁRIO, Rui.
Instituição escolar em análise. Porto: Porto Editora, 1997.
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FULLAN, Michael & HARGREAVES, Andy. A escola como Organização
Aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2000.
NOVAIS, Vera Lúcia Duarte de. A relação da Escola com a Formação do
Professor de Ensino Fundamental e Médio: da grade ao caleidoscópio.
Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São
Paulo, 2000.
SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação – uma análise da relação professor/aluno.
São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
Este texto foi produzido para o curso Gestão Escolar e Tecnologias.
NOVAIS, V. A educação e a escola no olho do furacão... e o gestor diante disso?.
São Paulo, PUC-SP, 2004.
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