3. POLUIÇÃO DA ÁGUA

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Capítulo 3
3. POLUIÇÃO DA ÁGUA
3.1. INTRODUÇÃO
Sempre se verificou uma tendencia por parte do homem para depositar os seus
efluentes líquidos nos cursos de água de onde depois ia retirar a água que bebia. Sob
condições naturais, os rios têm poderes consideráveis de auto-depuração; os detritos
depositados são por um lado arrastados para o oceano e simultaneamente vão sendo
degradados pelos microorganismos presentes na água.
Dada essa auto-depuração, o risco principal provém da possibilidade de uma
bactéria patogénea se possa encontrar na água que um indivíduo vai beber e assim
contaminá-lo.
Do ponto de vista da saúde pública, este é o tipo de poluição mais grave e que
vem aumentando com a explosão populacional. Com efeito, à medida que a humanidade
evolui e entra na nova ordem urbano-industrial, o problema das doenças de origem
hídrica tem vindo a complicar-se. Primeiro, a indústria vai reunir concentrações
populacionais e assim, os sistemas naturais de purificação dos esgotos na águas dos rios
ficam largamente sobrecarregados. Depois, os processos industriais vão alargar o
espectro dos produtos lançados no rio e que as bactérias não conseguem atacar – os
compostos chamados não biodegradáveis – acontecendo que alguns deles são venenosos
para o homem.
Quando os rios são sobrecarregados com efluentes, a certa altura deixa de haver
oxigénio suficiente para permitir a vida dos microorganismos que se encarregam da
degradação da matéria ao longo de uma grande extensão.
Mesmo quando se dá a degradação da matéria orgânica, vão sobrar moléculas
simples de compostos de potássio, azoto e fósforo que são nutrientes dos sistemas
vegetais. Podem assim surgir explosões demográficas de bactérias e algas que, ao morrer,
irão depositar no fundo e sofrer decomposição anaeróbia, provocando cheiros
desagradáveis. As massas de água com pequeno caudal e pequena capacidade de
recuperação de oxigénio estão particularmente à mercê deste fenómeno, conhecido como
eutrofização.
Há ainda a referir o problema dos poluentes totalmente novos, fabricados pelo
homem e nunca antes encontrados na natureza, que também encontram o seu caminho
para os cursos de água.
J. M. Novais
22
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Capítulo 3
Sendo difícil o teste da toxicidade potencial destas substancias, não há dúvida que
hoje em dia as fontes aquíferas usadas pelo homem são constantemente contaminadas por
substâncias cujos efeitos a longo prazo são inteiramente desconhecidos.
Por ultimo, o crescimento contínuo da procura de energia representa um aumento
da poluição térmica. A água utilizada para o arrefecimento das estações geradoras é
devolvida aos rios a temperaturas elevadas, indo assim alterar a temperatura média do rio
e também as espécies naturalmente existentes.
Neste capítulo vai-se referir à água desde a sua origem até à distribuição .
3.2. IMPORTÂNCIA DA ÁGUA PARA O HOMEM
3.2.1. Quantidades de água na terra
A existência de um fornecimento de água suficiente e de qualidade controlada é
evidentemente importante do ponto de vista do controle das doenças transmitidas pela
água. No mundo em desenvolvimento, para ser garantido o bom nível de saúde pública
torna-se prioritária uma acção imediata que permita a distribuição de água em quantidade
e com uma qualidade que não cause doenças nem permita a sua propagação.
É paradoxal em relação aos recursos mundiais de água que, enquanto na sua
totalidade a água seja muito abundante, o homem não atingiu ainda aquele ponto de
desenvolvimento social e tecnológico quer para viver onde a água está ou para trazê-la
para os locais onde ele, homem, se encontra. Os maiores rios, tais como o Amazonas, o
Ob, o Yenesey, o Lena ou o Mackenzie correm por áreas que na sua maior parte são
praticamente desabitadas.
O quadro seguinte dá-nos uma ideia da distribuição das reservas de água na terra:
VOLUME (1012 m3 )
%
1 100 000
20 000
240
80
12
1
60 000
3 500
94,2
1,65
0,016
0,006
0,001
0,0001
4,13
0,28
Oceanos
Glaceares
Lagos
Humidade do solo
Vapor atmosférico
Rios
Águas subterrâneas (total)
Águas subterrâneas (<800 m)
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23
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Capítulo 3
Daqui se verifica que a maior parte da água se encontra ou salgada, ou gelada, ou
a profundidades superiores a 800 metros, portanto em formas não facilmente acessíveis à
utilização pelo homem.
De facto, calcula-se que são utilizáveis por ano 18 x 1012 m3 de águas subterrâneas
e 36 x 1012 m3 provenientes da chuva e que ficam acessíveis nos rios ou nos lagos.
Portanto o homem está limitado à utilização de 54 x 1012 m3 /ano de água, bastante acima
das necessidades actuais.
3.2.2. Consumos de água e sistemas de abastecimento
O consumo de água por parte de uma população é em parte dependente da
facilidade de acesso a essa água. Assim, uma família que tenha água canalizada em casa,
consumirá muito mais água que outra que tenha que ir buscar a água a um poço ou a um
rio. Além disso, e para sistemas similares de distribuição de água, verifica-se uma relação
directa entre desenvolvimento social e consumo de água.
Por outro lado, um sistema de abastecimento não contempla só o uso doméstico e
se numa cidade se considerar que a capitação é de 500l/(hab.dia), então essa água será
provavelmente utilizada do seguinte modo:
Em casa
Usos comerc. e indust.
Serviços publicos
Perdas nas tubagens
175 l
225 l
40 l
60 l
As capitações desta ordem de grandeza são comuns nas cidade mais
desenvolvidas. Em pequenas povoações muitas vezes a capitação não ultrapassa os
100l/hab.dia.
Em percentagem, os consumos domésticos de água distribuem-se do seguinte
modo:
Autoclismos
Lavagem de mãos; banhos
Uso na cozinha
Água de beber
Lavagem de Roupa
Outros
J. M. Novais
24
41%
37%
6%
5%
4%
7%
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Capítulo 3
Vê-se destes dois quadros que, de toda a água que é fornecida a uma cidade, só
uma pequena parte é que necessita de ser potável. Portanto todo o tratamento de água,
que é normalmente caro, é feito em função da utilização de apenas cerca de 2% dessa
água. Para obstar a este inconveniente pode haver sistemas duplos de distribuição, um
com água potável e outro com água de 2ª classe, o que no entanto é raro acontecer.
A distribuição de água ao domicílio, que podemos considerar indispensável na
vida moderna, é no entanto inexistente ou quase, em largas zonas do mundo menos
desenvolvido. Mesmo em Portugal ainda se verifica que alguns dos sistemas existentes
são deficientes. Essa deficiencia diz muitas vezes respeito à quantidade e às vezes
também à qualidade da água distribuída. É muito frequente, especialmente no Verão, a
distribuição ser intermitente ao longo do dia o que também diminui a qualidade da água.
Por um lado as pessoas armazenam a água em reservatórios onde se pode dar a
contaminação e por outro, nos períodos em vazio, a canalização ao ficar sem pressão
poderá mesmo criar um vácuo que chupa para dentro da tubagem, contaminantes
existentes no terreno, isto através das roturas dessa tubagem.
Os deficientes sistemas de abastecimento de água e de esgotos das povoações dos
países menos desenvolvidos, não são normalmente resultado de serem tais sistemas muito
caros. São antes resultado de prioridades estabelecidas por muitos governos, que
preferem construir obras visíveis, ainda que menos importantes, a implantar canos
enterrados que ninguém vê.
3.2.3. Fontes de água potável
O homem vai retirar a água de que necessita para o seu consumo de um número
limitado de fontes que a seguir são indicadas de uma forma resumida.
a)
Águas subterrâneas
Uma das reservas mais importantes e de melhor qualidade de água que o homem
pode utilizar são as fontes de água subterrânea.
A água infiltra-se até atingir rocha impermeável e aí ocupa todos os interstícios
até um nível superior chamado nível freático. Depois, corre muito lentamente em
direcção aos oceanos.
A exploração das águas subterrâneas levanta problemas principalmente porque o
seu reenchimento é lento e por isso a extracção de água faz com que o nível freático
desça. Um problema daí originado é a ocorrencia do afundamento gradual dos terrenos
superiores, num processo denominado de subsidência. Um caso famoso, mas de nenhum
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25
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Capítulo 3
modo unico, é o de Veneza, que se afunda cerca de 0,5 cm por ano, o que é já suficiente
para causar inundações todos os anos durante as marés vivas.
Um outro problema da extracção da água subterrânea é o nível freático ir
baixando, e a certa altura serem atingidas profundidades tais que a extracção deixa de ser
económica.
b) Barragens
As barragens e reservatórios são também boas fontes de água doce.
Embora não isentas de problemas colaterais em relação ao ambiente, as barragens
são uma fonte adequada de água doce desde que o rio a montante se encontre numa
qualidade de pureza adequada, e que não haja descargas de efluentes na albufeira.
c)
Rios
Muito frequentemente os rios são a fonte de água doce utilizada, dado que
passando próximo da povoação são em geral uma fonte abastecedora económica. A
qualidade de água muitas vezes é deficiente e obriga a tratamento complexo.
3.2.4. Qualidade da Água
A avaliação da qualidade de uma água por parte de um utilizador é meramente
sensorial. Ele pode observar a côr, a turvação, o cheiro, o gosto e a temperatura, ou seja
as características físicas da água. O gosto pode ainda dar uma ideia sobre as substâncias
dissolvidas tais como os cloretos e o zinco, mas só um laboratório poderá fornecer
indicações precisas sobre as características químicas da água.
Embora os gostos e os odores que são detectados pelo utilizador possam ser
devidos a agentes biológicos, à excepção de casos raros de formas biológicas visíveis,
também só um laboratório especializado poderá pronunciar-se sobre a qualidade
biológica da água.
A divisão das caraterísticas das águas em biológicas, químicas e físicas é feita
tendo em conta os tipos de procedimentos analíticos necessários.
a) Qualidade biológica
Muitos microorganismos são patogéneos para o homem e, desses, muitas
bactérias, protozoários e vírus podem ser carreados pela água. A sua presença tem que ser
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Capítulo 3
controlada, atendendo às doenças que podem originar. Há também formas biológicas que
produzem gostos e odores variados e que são portanto também inconvenientes.
No quadro seguinte sumarizam-se algumas doenças transmitidas por ingestão,
agrupadas pelos respectivos agentes e ordenadas por probabilidade de transmissão.
DOENÇA
TRANSMITIDA
Cólera
Febre tifóide
Desinteria bacilar
Febre paratifóide
AGENTE
COMENTÁRIO
AGENTE BACTERIANO
Vibrio cholerae
A onda epidémica inicial é carreada
pela água. Depois, pelo contacto,
alimentos e moscas
Salmonella typhi
Veículos principais: água e alimentos
Shigella dysenteriae
Shigella flexneri
Shigella boydie
Shigella sonnei
Salmonella paratyphi
Salmonella schottmulleri
Salmonella hirschfeldi
Transmissão fecal-oral, através da água.
Também, por contacto directo, leite,
alimentos e moscas
Raramente pela água. Curto-circuitos
fecais-orais
Tularemia
Pasteurella turalensis
Em geral por manejar animais
infectados e mordidelas de moscas
Desinteria
amibiana
AGENTE: PROTOZOÁRIOS
Entamoeba histolytica
Epidemias (raras) por água. Casos
endémicos por contacto pessoal,
alimentos e moscas
AGENTE VIRAL
Hepatite
Doença da
minhoca da
Guiné
(dracontiasis)
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-
Epidemias por água, leite e alimentos,
incluindo ostras e mexilhões
AGENTE HELMÍNTICO
Dracunculus medinensis
(minhoca)
27
Larvas passam através da pele do
homem para a água, para crustáceos e
para o homem, por ingestão de água
que contenha ciclopes
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Capítulo 3
A tabela seguinte agrupa os organismos que, não sendo patogéneos, têm também
incidência na qualidade de água.
ORGANISMO
GRUPO
BIOLÓGICO
OCORRÊNCIA
INCONVENIENTE
COMENTÁRIO
Actinomicetos
Bactérias
Filamentosas
Gostos e cheiros
indesejáveis
Algas
Fitoplancton
Lagoas,
sistemas de
distribuição
Lagoas
Os esporos
passam nos
filtros
Variações
sasonais
Coliformes
Bactérias
Águas
superficiais e
receptoras de
fezes
Dá sinal da
contaminação fecal
Índice de
qualidade
da água
Estreptococcus
fecais
Bactérias
Dá sinal da
contaminação fecal
Índice de
qualidade
da água
Ferro-bactérias
Bactérias
Águas
receptoras de
fezes humanas e
de animais
Nas águas
superficiais e
subterrâneas
com ferro
Produz crescimentos
lodosos
0,1 a 0,2
mg/l de Fe,
é suficiente
para
crescimento
Rotíferas
Zooplankton
Em
reservatórios
descobertos e
zonas de
recuperação de
rios poluídos
Não tem efeitos
detrimentais
Pode
penetrar
nos filtros
Minhocas
Nemátodes
7 espécies
observadas em
águas tratadas
Rejeição pelo utente
Passam
filtros de
areia lentos
J. M. Novais
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Gostos e cheiros.
Perturbam os filtros
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As bactérias coliformes são utilizadas como índice da qualidade higiénica da água
para fins alimentares. As concentrações permissíveis variam com a utilização. Os
organismos coliformes estão presentes nas fézes humanas em números elevados, da
ordem dos 109 /grama. Os patogéneos também são produzidos pelo homem, mas em
quantidade muito mais reduzida e difícil de encontrar. Por isso, os coliformes são
tomados como prova da possível presença de patogéneos na água ou em alimentos.
O grupo dos coliformes inclui todas as bactérias aerobias e facultativas, gramnegativas, não formadoras de esporos, de feitio alongado, que fermentam lactose com
formação de gás, em 48 horas a 35ºC. As duas espécies principais são a Escherischia
coli, que é omnipresente em toda a flora intestinal e ocasional noutros locais e a
Aerobacter aerogenes, comum no solo e na vegetação e normalmente sem origem fecal.
De acordo com os padrões estabelecidos para a água potável nos Estados Unidos,
exige-se que a densidade de coliformes detectada em águas de abastecimento seja, em
média, inferior a 1 por 100 ml de água. Com esse valor, a probabilidade de ocorrência de
um patogéneo é remota.
b) Qualidade química
As propriedades solventes da água dão origem a se encontrarem nela muitas
formas de elementos em estado dissolvido. Muitas substâncias podem por isso estar
presentes na água, conferindo-lhe ou não toxicidade, provocando espuma ou precipitados,
cheiros, gostos, e até efeitos laxativos.
Embora a informação disponível em relação a muitos componentes da água, seja
reduzida, considera-se que as seguintes substâncias ou elementos são potencialmente
tóxicos e, concentrações superiores às assinaladas são base para rejeição da respectiva
fonte.
Elemento
Conc. limite (mg/l)
Efeito
As
Ba
Cd
Cr VI
CN
Pb
Se
Ag
0,05
1,0
0,01
0,05
0,2
0,05
0,01
0,05
Veneno, carcinogénico
efeito tóxico no coração e nervos
Veneno
Carcinogénico
Tóxico
Veneno
Veneno
Tóxico
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Capítulo 3
Além disso, considera-se que a tabela seguinte dá as concentrações destes
elementos que não devem ser excedidas na água que chega ao utente (no entanto, se o
valor fôr superior a este e inferior ao dado no quadro anterior, a água poderá ser utilizada,
se não houver outra fonte alternativa melhor).
Componente
Concentração (mg/l)
Comentário
ABS
0,5
As
0,01
ClCu
250
1
Fe
Mn
NO-3
0,3
0,05
45
Fenol
0 001
Sulfato
Sólidos
dissolvidos
totais
Zn
250
500
Alquil-benzil-sulfonato. Componente activo
não biodegradável dos detergentes. Acima de
1 mg/l dá espuma
Venenoso. Efeito crónicos. Carcinogénico
por contacto, incluindo alimentos
Valor próximo do limiar do sabor salgado
É elemento essencial e benéfico. Conc.
superiores dão sabor
Essencial e benéfico; dá côr e sabor
Depósitos e sabores; tóxico por inalação
Valores
superiores
provocam
methemoglobinemia
Reacção com cloro dá cheiros e gostos
desagradáveis
Efeito laxativo a níveis de 600 mg/l
Sabores, efeito laxativo
CN-
0,01
5
Essencial e benéfico. A concentrações
superiores produz gostos e turvação
Inibe enzimas essenciais no metabolismo e
cadeias de transporte electrónico a nível
celular
Os fluoretos são a única substância para a qual existe um limite máximo e um
mínimo na água potável. As observações feitas mostram que surgem perturbações dos
dentes (fluorose) sempre que a concentração de fluoretos na água é superior a 3 mg/l. Por
outro lado, em áreas onde a concentração de fluoreto na água era de cerca de 1 mg/l a
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30
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Capítulo 3
taxa de decaímento dos dentes era inferior à media. Quando a concentração é inferior, a
incidencia de cáries é muito elevada.
c) Qualidade física
Os parâmetros físicos que é costume ter em consideração na qualidade de uma
água, são a turvação, a côr e o cheiro. A turvação é expressa em unidades Jackson de
turvação (JTU) que são definidas em função do ponto de extinção de uma luz através de
uma coluna de uma suspensão de terra de diatomáceas. Normalmente é medida em
turbidímetros fotométricos.
A côr é medida por comparação e o cheiro é avaliado por meio de diluições em
série, havendo um observador que vai cheirando a partir da mais diluída, até à primeira
concentração à qual pode detectar o cheiro.
Os padrões de água potável dizem normalmente que ela não deve conter
impurezas que possam causar ofensa aos sentidos da vista, gosto e olfacto.
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Capítulo 4
4. TRATAMENTO DE ÁGUA
O tratamento intencional da água para a tornar inofensiva para o consumidor é
prática relativamente recente no que respeita aos tempos modernos. Contudo há
indicações e escritos que mostram que a necessidade e utilidade da purificação da água
estava presente já nalguns espíritos da antiguidade. Por exemplo, o sistema de medicina
atribuído a Sus’ruta e datado de há 4 000 anos recomendava que a água impura fosse
purificada ou fervendo-a ao fogo ou aquecendo-a ao sol, ou mergulhando nela um ferro
aquecido ou ainda filtrando-a através de uma camada de areia ou cascalho.
No mundo moderno, desde 1802 que o fornecimento de água a Paisley na Escócia
sofre filtração. Em 1828, os fornecedores de água a Londres começaram a filtrá-la de
forma a torná-la menos letal para os consumidores.
Apesar de todo o progresso que depois adveio, ainda hoje vastas populações do
mundo não recebem fornecimentos adequados de água.
É um facto que nem toda a água precisará de tratamento, mas cada vez mais se
exige que pelo menos seja efectuada a desinfecção para impedir que microorganismos
patogéneos e causadores de doenças, possam chegar ao utilizador.
Em relação à água bruta, podem considerar-se basicamente três tipos de qualidade
cujos parâmetros principais são os seguintes:
CBO (mg/l)
Coliformes/100 ml
O2 dissolvido (mg/l)
Cloretos (mg/l)
ÁGUA
EXCELENTE
- só desinfecção -
ÁGUA BOA
- filtração e
desinfecção -
ÁGUA POBRE
- requer tratamento
especial -
0,75 – 1,5
50 – 100
4,0 – 7,5
50
1,5 – 2,5
50 – 5000
4,0 – 6,5
50 – 250
> 2,5
> 5 000
4,0
> 250
Uma estação de tratamento de água é constituída por uma sequência de processos
unitários ajustados às características da água bruta e à qualidade de água que se pretende
obter. A sequência típica é a seguinte
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32
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Capítulo 4
ÁGUA BRUTA
AREJAMENTO
reduz cheiros e gostos; oxida ferro solúvel
adição de coagulante, em geral sulfato de alumínio. cal se a
alcalinidade é baixa
MISTURA
RÁPIDA
FLOCULAÇÃO
COAGULAÇÃO
SEDIMENTAÇÃO
FILTRAÇÃO
1 a 2 min
15 a 30 min com agitação lenta; dá-se o
aumento de volume dos flocos que coagulam
2 a 4 hrs, por gravidade (ou flotação)
polimento; elimina as partículas mais finas
adição de cal para controle de corrosão,
adição de cloro, adição de fluoretos
ARMAZENAMENTO
A dureza de uma água é devida à soma dos iões cálcio e magnésio em solução e é
expressa normalmente em carbonato de cálcio. Há uma certa variação da dureza durante a
coagulação, a sedimentação e a filtração mas esse “amaciamento” não é suficiente se a
dureza da água é superior a 250 mg/l. Nas grandes instalações de tratamento é então
adicionada cal e carbonato de sódio para precipitar o cálcio na forma de carbonato de
cálcio e o magnésio na forma de hidróxido de magnésio.
Em instalações mais pequenas, o Ca e o Mg podem ser eliminados, fazendo
passar a água através de leitos de material permutador de iões.
As operações de tratamento mais comuns, são a seguir descritas com mais
pormenor.
As impurezas principais que normalmente é necessário retirar de uma água são (a)
matéria em suspensão, (b) microrganismos, (c) matéria orgânica – cor, cheiro, sabor, (d)
matéria inorgânica dissolvida, ferro e manganês e (e) gases dissolvidos.
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33
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Capítulo 4
4.1. REMOÇÃO DE MATÉRIA EM SUSPENSÃO
A água contendo matéria em suspensão-areia, gesso, sílica, matéria animal e vegetal
em partículas finas – é obviamente indesejável para a maior parte dos usos. O tamanho
das partículas é variável e a rapidez da sua deposição no fundo vai depender não só do
seu tamanho mas também da sua densidade. Os métodos usados para remoção da matéria
em suspensão são a sedimentação, a coagulação e a filtração.
i – Sedimentação
Ocorre aquando do armazenamento em grandes reservatórios ou lagoas mas é
possível também utilizar tanques de sedimentação (Fig. 4.1). No entanto, a remoção de
partículas finas exige recurso prévio a coagulação.
Figura 4.1. Exemplos de tanques de sedimentação de planta rectangular (acima)
ou circular (abaixo).
J. M. Novais
34
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Capítulo 4
ii – Coagulação
A adição de um agente floculante causa a aglomeração das partículas finas. Esses
flocos vão se comportar como partículas isoladas de maiores dimensões e vão depositar
mais rapidamente. Portanto, uma combinação de coagulação e sedimentação permite a
separação de partículas mais pequenas num tempo curto. A água assim obtida é
suficientemente limpa para muitas utilizações industriais.
Os coagulantes usados no tratamento da água são geralmente sais de alumínio e
ferro (sulfato de alumínio, aluminato de sódio e sulfato ferroso). A solução do coagulante
é adicionada à água a tratar num ponto de grande turbulência para se dar a mistura rápida.
Formam-se núcleos de coagulação constituídos por hidróxidos que vão atrair partículas e
microorganismos formando flocos que vão aumentando de dimensões na operação de
floculação (Fig. 4.2) .
Figura 4.2. Exemplo de floculador vertical.
Para a remoção completa de partículas muito finas ou para reduzir o tempo
necessário para a separação gravítica, o passo da filtração é necessário.
iii – Filtração
a)
Filtros lentos de areia
Os filtros lentos de areia consistem em tanques de fundo impermeável, abertos no
topo e contendo uma camada de areia cujo tamanho da partícula aumenta com a
profundidade. A areia assenta em cascalho e a altura total da parte sólida do filtro é de
J. M. Novais
35
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Capítulo 4
cerca de 2 metros. A altura de água acima do filtro é de cerca de 1 metro. No fundo
haverá tubos que recolhem a água (Fig. 4.3).
Figura 4.3. Diagrama de um filtro lento de areia; a) água; b-g) areia de várias
granulometrias; h) gravilha; i) cascalho.
A degradação da matéria orgânica inicia-se ainda na água sobrenadante e continua
nas camadas de areia. Nestas existem não só bactérias mas também protozoários e
metazoários e o conjunto do suporte físico e do meio vivo produz os seguintes efeitos:
−
Remoção mecânica de substâncias particuladas não só por “filtração” mas
também com a ajuda das substâncias poliméricas extracelulares produzidas
pelas bactérias que cobrem as partículas com um biofilme.
−
Degradação de substâncias orgânicas dissolvidas pela microflora
−
Predação de bactérias por protozoários e outros organismos; bactérias
patogénicas e outras como a E. coli que servem de indicador da qualidade da
água são eliminadas.
Quando o caudal de passagem de água fica reduzido por colmatação das camadas
superiores de areia, essas camadas são raspadas (~ 1,5 cm), retomando assim o caudal
inicial.
A carga hidráulica normalmente aplicada a um filtro lento de areia varia entre 2 e
5 l/(m .min). A dimensão dos grãos de areia é de 0,15 a 0,35 mm
2
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36
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b)
Capítulo 4
Filtros rápidos
Dado que os filtros lentos exigem uma área elevada e muita mão de obra, tem
havido tendencia para a utilização de filtros rápidos com lavagem em contra corrente.
Neste caso em vez de filtração superficial, tem-se uma filtração ao longo de todo o filtro,
podendo ter lugar a alta velocidade sob pressões elevadas em filtros fechados. É
normalmente assumido que os filtros rápidos operam com base em processos físicoquímicos. É no entanto natural que haja alguma acção bacteriana, nomeadamente em
termos de desnitrificação.
Podem normalmente aplicar-se cargas de 100 a 200 l/(m2 .min) (Fig. 4.4).
Figura 4.4. Diagrama de um filtro rápido de areia.
Os grãos de areia são normalmente de 0,4 a 1 mm. A altura de água acima da
areia é em geral de 2 m. A elevada dimensão dos grãos de areia em comparação com
muitas das impurezas, faz com que a filtração se faça em profundidade, havendo pouca
acumulação à superfície do leito. A espessura da areia é de 45 a 75 cm.
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37
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Capítulo 4
Em média, haverá uma lavagem por dia com uma duração de cerca de 20 minutos
e em que se faz passar a água no sentido inverso ao da aplicação normal.
A lavagem com água pode ser antecedida por uma passagem de ar comprimido
(cerca de 3 minutos). Durante a passagem da água de lavagem, o leito expande-se,
facilitando a saída das impurezas retidas.
4.2. REMOÇÃO DE MICROORGANISMOS
i – Cloragem
A utilização rotineira de cloro para a desinfecção da água data apenas deste
século. No princípio, os resultados eram bastante aleatórios, por não ser conhecida a
natureza das reacções envolvidas.
Quando o cloro elementar reage com água livre de ião amónio, de azoto orgânico,
de compostos orgânicos e de compostos inorgânicos reduzidos, verificam-se as seguintes
reacções reversíveis:
Cl2 + H2 • HOCl + H+ + Cle no sentido directo, acima de pH = 3
HOCl
• H+ + OCl-
O ácido hipocloroso e o ião hipoclorito são as formas de cloro que efectivamente vão
originar rápida morte das bactérias presentes. O primeiro é 80 vezes mais eficiente que o
segundo, pelo que há vantagem em utilizar valores baixos de pH. A essas formas
chama-se “cloro livre”.
Dado que normalmente existirão outros compostos químicos presentes, irão
verificar-se outras reacções, tais como as de produção de cloraminas a partir de amoníaco
e de azoto orgânico, e que são também bactericidas.
NH3 + HOCl → NH2 Cl + H2 O
Esta produção de monocloramina predomina a pH>6 e a uma razão molar cloro:
ião amónio de 1:1 ou menos.
NH2 Cl + HOCl → NHCl2 + H2 O
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38
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Capítulo 4
A dicloramina é produzida em quantidades inferiores à monocloramina a
concentrações equimolares de cloro e ião amónio e ao mesmo pH e temperatura
NHCl2 + HOCl → NCl3 + H2 O (só se dá a pH’s muito baixos)
Esta formação do tricloreto é pequena a pH’s na gama habitual, até ter havido
reacção com todo o ião amónio presente, situação denominada de breakpoint.
O cloro que se fornece tem que ser suficiente para permitir todas estas reacções e
sobrar ainda algum na forma livre para efectuar a desinfecção requerida. Alguns dos
compostos formados durante a cloragem de águas que contêm impurezas têm sido
identificados como potencialmente carcinogénicos, nomeadamente os trihalometanos.
Este facto fez despertar a procura de substitutos do cloro para a desinfecção da
água. Entre eles, encontram-se o bromo, iodo, dióxido de cloro e o ozono. Todos eles são
mais caros que o cloro; os dois primeiros têm efeitos fisiológicos sobre o homem; o
dióxido de cloro parece ter todas as vantagens do cloro sem os seus inconvenientes. O
ozono por fim, embora muito eficiente, tem o inconveniente de não deixar residual. Com
efeito, com o cloro, dado ficar na água ainda algum cloro livre dissolvido, tem-se a
garantia de a água chegar desinfectada até ao ponto de consumo. Com o ozono após a
aplicação, ele liberta-se, e por isso a água pode ser sujeita a contaminação ao longo da
rede de distribuição.
Para a cloragem de águas de abastecimento, as doses típicas de aplicação são de 7
a 10 mg/l de cloro, de forma a obter-se um residual de pelo menos 0,5 mg/l.
O cloro é normalmente aplicado na forma gasosa, mas por vezes utilizam-se
também hipocloritos.
4.3. REMOÇÃO DE MATÉRIA ORGÂNICA RESIDUAL
i – Filtração em carvão activado
Para produzir água potável, é frequente fazer passar a água filtrada por carvão
activado para remoção de compostos odoríferos e sabores laterais e no fundo para se dar
a remoção da concentração total de substâncias orgânicas. Foi considerado que o carvão
activado era activo apenas por adsorpção, ou seja de forma físico-química. Contudo o
facto é que nas actuações em larga escala há grande multiplicação bacteriana e dos seus
predadores. É natural que tais organismos sejam parcialmente responsáveis pela
efectividade dos sistemas de carvão activado. Contudo, normalmente a sua acção segueJ. M. Novais
39
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Capítulo 4
se à passagem por filtros, e entre os filtros e a passagem pelo carvão activado é praticada
uma cloragem parcial que reduz a possibilidade dessa acção microbiana.
Além dos materiais orgânicos, também o NH4 + pode ser removido por
microorganismos desnitrificantes e o Mn2+ é oxidado e filtrado, durante a passagem por
uma coluna de carvão activado.
4.4. REMOÇÃO DE MATÉRIA INORGÂNICA DISSOLVIDA
Todas as águas naturais contêm matéria mineral dissolvida, sulfatos, cloretos e
bicarbonatos de sódio, magnésio e cálcio principalmente. Outros constituintes incluem o
ferro, o manganês, a sílica e os nitratos. Em termos de métodos de tratamento de água é
conveniente examinar os efeitos destas impurezas solúveis sob três grupos:
i – Alcalinidade
Quase todas as águas contêm alcalinidade devido à presença de bicarbonatos
solúveis de cálcio, magnésio, sódio e potássio. Nalgumas águas, os carbonatos solúveis e
os hidróxidos solúveis dão também lugar a alcalinidade que pode ser tomada como a
capacidade de a água receber ácido sem reduzir substancialmente o pH. A alcalinidade é
determinada por titulação com uma solução padrão de ácido usando fenolftaleína e
alaranjado de metilo como indicadores (até pH= 4.5). A titulação permite avaliar a
alcalinidade do bicarbonato, do carbonato e a caustica. Águas de baixa alcalinidade são
necessárias por exemplo para produzir cerveja. A água para as caldeiras deve ter também
baixa alcalinidade para evitar um tipo de corrosão causado pela soda caústica.
Tratamento com zeólitos remove a alcalinidade.
ii – Dureza
A dureza é causada pelos sais solúveis de cálcio e magnésio dissolvidos na água.
Uma água pode conter “dureza temporária” (de carbonato) devido à presença de
bicarbonatos de cálcio e magnésio ou “dureza permanente” (não de carbonato) devida a
sulfatos, cloretos e nitratos desses elementos. Para consumo humano, um valor de dureza
de 200 mg/l é considerado um limite superior razoável.
J. M. Novais
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Capítulo 4
O uso de uma água dura pode trazer problemas ao processamento alimentar. Os
sais de Ca e Mg produzem o endurecimento da pele de certos vegetais durante o
branqueamento e o enlatamento.
As operações de lavagem usando sabão ou detergentes alcalinos são mais difíceis
com águas duras e o amaciamento origina poupanças consideráveis em detergentes. Uma
camada dura de sulfato e carbonato de cálcio deposita-se nas paredes dos permutores de
calor (de pasteurisadores, aquecedores de água, caldeiras) quando é usada água dura.
Além de reduzir os caudais por redução de área, reduzem também a transferência de calor
e, nas caldeiras, podem dar origem a quebra dos tubos devido a sobreaquecimento.
O amaciamento da água pode fazer-se por (1) precipitação, (2) permuta de bases
(processos de zeólitos) e (3) desmineralização, os dois primeiros sendo os mais
utilizados.
(1) Processo de precipitação
Juntam-se quantidades calculadas de hidróxido de cálcio e de carbonato de sódio
à água dura. A cal remove a dureza temporária precipitando carbonatos insolúveis
Ca(HCO3 )2 + Ca(OH)2 → 2CaCO3 + 2H2 O
Mg(HCO3 )2 + Ca(OH)2 → MgCO3 + CaCO3 + 2H2 O
Por outro lado o carbonato de sódio permite eliminar a dureza permanente, por
exemplo:
CaSO4 + Na2CO3 → CaCO3 + Na2 SO4
Normalmente é utilizado um coagulante para flocular o precipitado finamente
dissolvido que é retirado por filtração.
O processo anterior (cal-soda) reduz a dureza de uma água até cerca de 70 mg/l,
adequada à maior parte das aplicações. Se fôr necessário a remoção completa da dureza a
precipitação pode ser seguida pelo processo dos zeólitos.
(2) Processo com zeólitos (permuta de bases)
Os zeólitos são silicatos complexos que permutam iões sódio por iões de cálcio,
magnésio, ferro e manganês presentes numa solução. Por exemplo:
Ca(HCO3 ) + Na2 Z → 2NaHCO3 + CaZ
J. M. Novais
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Capítulo 4
O zeólito exausto é regenerado por lavagem em contra corrente com água pura
seguida por solução de cloreto de sódio, que remove o Ca e o Mg dando cloretos
solúveis.
Os zeólitos podem produzir água de dureza zero .
(3) Desmineralização
É usada para obter águas extremamente puras com leitos de resinas permutadoras
de aniões e catiões.
iii – Ferro e Manganês
Encontra-se ferro e manganês em muitas fontes de água, normalmente na forma
de bicarbonatos. As águas contendo matéria orgânica além destes metais podem dar
origem ao desenvolvimento de bactérias do ferro ou do manganês que dão deposição de
lamas e películas rígidas no interior de tubos e vasos. Estes crescimentos bacterianos
podem rapidamente obstruir tubos e produzir cheiros desagradáveis. Há também
alteração de cor do equipamento, das roupas, etc.
O arejamento, seguido de sedimentação e filtração é um tratamento comum
quando o ferro está presente na forma de bicarbonato solúvel. O bicarbonato é assim
oxidado para dar óxidos mais elevados, insolúveis.
O manganês não é oxidado por arejamento mas produzem-se óxidos insolúveis
por tratamento com cloro ou com permanganato de potássio.
Se a água tiver que ser amaciada, os zeólitos poderão remover iões de ambos os
metais. Este processo dá uma água macia, livre de Fe e Mn, muito satisfatória para muitas
operações do processamento alimentar.
O Mn, tal como o Fe, mancha a roupa (de negro). O limite permissível é 0,3 mg/l
(ou 0,3 mg/l Fe + Mn, se estiverem presentes em simultâneo).
O ferro é objeccionável em concentrações superiores a 0,3 mg/l. Pelo arejamento
o ferro passa do estado ferroso solúvel ao estado férrico insolúvel.
J. M. Novais
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Capítulo 4
4.5. REMOÇÃO DE GASES DISSOLVIDOS
As águas naturais podem conter CO2 , O2 , N2 e H2 S em solução. A presença destes
gases na água de abastecimento ou de processo pode levar a várias dificuldades. Os gases
não condensáveis, introduzidos na instalação de produção de vapor, formam filmes
inconvenientes que actuam como resistências à transferência de calor durante a
condensação dos vapores. O CO2 livre dissolvido na água reage com o ferro utilizado na
construção do equipamento levando à corrosão. O oxigénio dissolvido na água, ataca o
ferro, o ferro galvanizado, o aço e o latão, todos usados nos sistemas de transporte da
água. H2 S, encontrado nas águas sulfurosas, dá uma solução corrosiva que ataca
rapidamente os tubos de ferro, além que apresenta sabor e cheiro mesmo a baixas
concentrações. O sulfureto ferroso formado ou se deposita nas paredes das tubagens ou é
levado na água na forma de uma suspensão fina negra. As bactérias do enxofre podem se
desenvolver nas águas que contêm H2 S. A Beggiatoa, por exemplo origina crescimento
nas superfícies em contacto com essas águas que podem dar entupimentos.
O CO2 e o ar dissolvido podem ser removidos fervendo a água e deixando
libertar-se esses gases não condensáveis. A água para as caldeiras é às vezes
desgaseificada desta forma. Parte do CO2 é removido por arejamento. Também se usam
produtos químicos – como o sulfito de sódio e a hidrazina – para remover o oxigénio e
evitar a corrosão.
Pode também usar-se uma mistura de silicato de sódio e soda cáustica para inibir
a corrosão pelo O2 .
Para tratamento de águas contendo pequenas quantidades de H2 S, pode usar-se a
cloragem. Maiores quantidades deverão ser tratadas por arejamento forçado seguido de
cloragem.
O método a ser escolhido para realizar o tratamento de uma água para a indústria
ou para abastecimento público, depende evidentemente da qualidade da água existente e
da qualidade de água necessária. É comum o tratamento utilizando uma sequência de
coagulação, sedimentação, filtração, amaciamento, cloragem e desgaseficação.
i – Arejamento
O arejamento é um processo por vezes utilizado no início do sistema de
tratamento de água para remover gases indesejáveis dissolvidos na água (desgaseificação)
ou para juntar oxigénio para oxidar certas substancias (oxidação). É mais comum utilizáJ. M. Novais
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Capítulo 4
lo para águas subterrâneas já que as águas superficiais terão tido suficiente contacto com
o ar.
Pode ser conseguido quer dispersando ar na água quer água no ar. Em ambos os
casos procura-se maximizar a superfície de contacto reduzindo o tamanho das bolhas ou
o tamanho das gotas.
Na dispersão da água no ar podem usar-se ou fontes, ou torres de cascata, ou
torres de tabuleiros.
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Capítulo 5
5. OS POLUENTES DA ÁGUA
Analisámos já as características que há que exigir a uma água para ela poder ser
considerada potável.
A água consumida pelo homem é de novo devolvida ao ambiente mas contendo
resíduos originados por essa utilização.
Os poluentes são impurezas naturais ou provenientes da actividade do homem e
que têm como consequência o desequilibrio de certos sistemas ecológicos ou que podem
afectar a saúde humana. São assim originados nas actividades domésticas, industriais e
agrícolas do homem, mas também em certos fenómenos naturais como sejam a actividade
vulcânica, a erosão, etc.
Há várias maneiras de classificar os poluentes da água, sendo uma delas a
seguinte:
1) Compostos com demanda de oxigénio - compostos orgânicos biodegradáveis
presentes em esgotos domésticos e em certos efluentes industriais. Quando
estes compostos são degradados por bactérias, o oxigénio dissolvido numa
massa de água pode reduzir-se consideravelmente, e causar a morte de peixes
aí existentes.
2) Agentes causadores de doenças - vários microorganismos patogéneos (já antes
referidos) que entram na água com o esgoto de origem humana.
3) Compostos orgânicos sintéticos - incluem detergentes, pesticidas e outros
produtos químicos sintéticos. São dificilmente biodegradáveis e muitas vezes
tóxicos, para o homem e para outras formas vivas.
4) Nutrientes de plantas - caso do azoto e fósforo que escorrem dos terrenos
fertilizados para os cursos de água. Também o efluente da maior parte das
estações de tratamento contém esses nutrientes. Eles vão estimular o
desenvolvimento de algas e plantas aquáticas.
5) Substâncias minerais e produtos químicos inorgânicos - incluem certos
efluentes industriais e águas que drenam de minas.
6) Sedimentos - partículas de solos, areias e minerais que são arrastadas dos
terrenos pela água. Podem prejudicar a vida animal no fundo das massas de
água, assim como vir a encher reservatórios e cais. O mau tratamento da terra,
J. M. Novais
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Capítulo 5
permitindo a erosão é o maior contributo para o seu aparecimento. São também
resultado da lavagem de areias para a construção civil.
7) Substâncias radioactivas - entram na água vindos da mineração e
processamento de minérios radioactivos, de várias operações relacionadas com
a produção de energia nuclear, de serviços médicos e do teste de armamento
nuclear. Normalmente, a radioactividade concentra-se nas cadeias alimentares
de forma semelhante à que ocorre com o DDT.
8) Descargas térmicas - provenientes de instalações de produção de energia
electrica ou de indústrias, podem aumentar a temperatura das águas de rios ou
estuários de forma a provocar alterações nos ecossistemas locais.
A poluição dos cursos de água é muitas vezes causada por uma combinação das
oito fontes acima indicadas, o que muito complica o problema.
Antes de analisarmos os efeitos destes vários poluentes, vamos relembrar na
figura seguinte a operação normal de um ecossistema aquático.
Nutrientes
Fitoplankton
e
plantas grandes
e com raízes
Zooplankton
e
Benthos
Peixes
Homem
Desperdícios orgânicos
e
Organismos mortos
Bactérias
e fungos
Detritívoros
Este é um ecossistema equilibrado, capaz de manter a água limpa e saudável, de
uma forma automática e sem o auxílio do homem, desde que não se encontre
sobrecarregado com nutrientes ou com esgotos. Infelizmente, à medida que o homem vai
concentrando a sua actividade em grandes comunidades e à medida que a sua tecnologia
se torna mais sofisticada, esses ecossistemas perdem o seu auto-equilíbrio e deixam de
funcionar correctamente.
Vamos agora analisar com mais pormenor os tipos de poluentes atrás referidos.
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Capítulo 5
5.1. EFLUENTES COM DEMANDA DE OXIGÉNIO
Têm sido frequentes em todo o mundo as notícias de morte de peixes em rios em
consequência de falta de oxigénio. Entre nós podemos atentar no que tem vindo a suceder
em vários rios que se têm visto frequentemente despovoados. É o caso do Almonda,
Alviela, Vouga, Leça, etc.
O problema é muito grave pois o oxigénio é essencial para a vida animal e basta
uma interrupção de poucos minutos para originar catástrofes de difícil solução.
A quantidade de oxigénio dissolvido (O.D.) é portanto um parâmetro importante
da qualidade da água. Os peixes, por exemplo, requerem determinadas quantidades
mínimas de oxigénio, conforme as respectivas espécies, estado de desenvolvimento,
nível de actividade e temperatura da água.
Por exemplo, para uma população piscícola de água quente, é recomendado um
O.D. acima de 5 ppm pelo menos durante 16 horas do dia, e de pelo menos 3 ppm nas
restantes 8 horas.
A truta, por exemplo, exige mais oxigénio do que espécies rudes como a carpa.
Há quatro processos que influem na quantidade de oxigénio dissolvido na água;
são eles, o rearejamento, a fotossíntese, a respiração e a oxidação de esgotos. (Fig. 5-1A)
O rearejamento é o processo pelo qual o oxigénio entra na água a partir do
contacto existente entre a superfície da água e a atmosfera.
A solubilidade do oxigénio na água doce, à pressão de 1 atmosfera, diminui com a
temperatura. (Fig. 5-1B)
Quando a quantidade de oxigénio dissolvido na água, é inferior à saturação, o
oxigénio atmosférico passa para a água a uma taxa que é proporcional à diferença em
relação à saturação. Aumentando a área superficial em contacto com a atmosfera, a
transferência de oxigénio é aumentada, pelo que naturalmente um rio acidentado captará
mais oxigénio de que um lago estagnado.
Na fotossíntese que como é óbvio só tem lugar durante o dia, é libertado oxigénio
que vai aumentar o nível de oxigénio dissolvido na água.
Por outro lado, a respiração é um processo que retira constantemente oxigénio da
água. A combinação destes três factores produz, em condições naturais, uma curva de
variação do oxigénio dissolvido ao longo do dia, tal como é representado na figura.
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Capítulo 5
Assume-se aí ocorrer fotossíntese entre as 6 e as 18 horas, levando nesse período o
oxigénio dissolvido até uma concentração um pouco acima do valor de saturação. No
período em que a água se encontra sobressaturada, o oxigénio passa em parte para a
atmosfera.
A)
B)
Figura 5.1. A) Processos que influem na concentração de oxigénio dissolvido na água; B)
solubilidade de oxigénio em água.
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Capítulo 5
O quarto processo que afecta a quantidade de oxigénio na água é o da oxidação de
matéria orgânica. Como já foi visto, os microrganismos - especialmente bactérias –
utilizam os efluentes orgânicos como alimento e nesse processo degradam os compostos
orgânicos complexos de forma a produzirem compostos orgânicos simples e compostos
inorgânicos.
Esta decomposição pode ter lugar na presença de oxigénio – degradação aeróbia –
ou pode ocorrer na ausência de oxigénio – degradação anaeróbia.
Os produtos da reacção aeróbia não são nocivos, sendo apenas água e anidrido
carbónico, juntamente com alguns sulfatos e nitratos. Mas o oxigénio dissolvido é
consumido e portanto dá-se uma redução na quantidade do oxigénio dissolvido.
Se a quantidade de matéria orgânica é muito elevada, a quantidade de oxigénio
pode ser reduzida até zero e então a vida aquática dependente do oxigénio morre,
passando a dar-se a degradação anaeróbia da matéria orgânica, com produção de
compostos tóxicos e mal cheirosos.
Não só os efluentes domésticos contribuem com matéria orgânica biodegradável
para os cursos de água. Também certos efluentes industriais são muito importantes
nomeadamente os da indústria alimentar como é o caso do processamento e enlatamento
de frutos e vegetais, destilarias, etc.
Uma das medidas mais utilizadas para estimar qual a poluição que uma
determinada quantidade de um efluente orgânico poderá causar numa água é a chamada
Carência Bioquímica de Oxigénio, “CBO”, ou, em inglês, “BOD” (Biochemical Oxygen
Demand). Trata-se de uma medida da quantidade de oxigénio necessária pelas bactérias
para oxidar aerobiamente o efluente a CO2 e H2 O.
No caso de um efluente contendo apenas um composto simples como a glucose, a
equação da oxidação completa é
C6 H12 O6 + 6O2 →
6CO6 + 6H2O
e é fácil determinar à priori a quantidade de oxigénio necessária para oxidar o efluente.
No entanto, em todos os efluentes reais, as moléculas presentes são mais
complexas e deparamo-nos com misturas de muitos compostos que nem sequer
conhecemos, pelo que a quantidade de oxigénio necessária é impossível de determinar
estequiometricamente.
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Capítulo 5
Utiliza-se assim o teste do CBO 5 , no qual se determina ao fim de 5 dias e a 20ºC a
quantidade de oxigénio consumida por uma cultura mista de microorganismos inoculados
no líquido a testar.
A)
B)
Figura 5.2. Teste de CBO. A) Aparelho de medida, com sensor de oxigénio imerso na
solução a analisar. B) Curva de carência de oxigénio ao longo do tempo.
O processo de oxidação é relativamente lento e não se completa nos cinco dias.
Nos esgotos domésticos, só cerca de 65% da matéria orgânica é oxidada nesse tempo. O
CBO segue inicialmente uma reacção de primeira ordem em que portanto
dL / dt = - K . L
sendo L a concentração de matéria orgânica que resta, t o tempo e K a constante cinética
(Fig. 5.2B).
J. M. Novais
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Capítulo 5
A integração da equação anterior dá
Lt = L0 e-Kt
Em que Lt é o CBO que resta ao fim do tempo t (L0 é dito o UOD, ultimate
oxygen demand ou CBO total). É habitual usar a base decimal em vez da neperiana e
assim,
Lt = L0 10-kt
com k = 0,4343K. k é a constante de velocidade.
Normalmente, interessa considerar o oxigénio consumido em vez do oxigénio
restante.
CBO t = L0 – Lt = L0 (1 – 10-kt )
Para o esgoto doméstico, pode considerar-se, k = 0,17 dia -1 a 20ºC.
Na prática, a forma da curva de CBO é modificada pelo efeito do oxigénio
necessário para nitrificação. Este efeito só é visível ao fim de 8-10 dias já que a
nitrificação se realiza a velocidades muito lentas enquanto estão presentes quantidades
grandes de matéria orgânica (Fig. 5.3). O azoto orgânico dos efluentes é transformado em
amoníaco durante a decomposição e é depois oxidado e nitrito e a nitrato, sob a acção de
bactérias específicas.
Figura 5.3. Teste de CBO na ausência e em presença de contribuição por parte da
nitrificação.
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Capítulo 5
A matéria orgânica de um efluente pode também ser avaliada de outras formas. A
Carência Química de Oxigénio, “CQO”, por exemplo, ou em inglês Chemical Oxygen
Demand (“COD”) mede a matéria orgânica mediante a oxidação química usando
dicromato de potássio e ácido sulfúrico concentrado, a quente. Em geral, o valor do CQO
será superior ao CBO 5 dado que este apenas se refere à oxidação dos componentes
biodegradáveis da matéria orgânica. No caso de efluentes industriais tóxicos, o COD dá
um valor mais realista, pois as bactérias actuantes na determinação do BOD serão
inibidas.
Note-se que da comparação entre o CQO e o CBO total podem tirar-se indicações
sobre a biodegradabilidade do efluente. Se aqueles valores são próximos, então o efluente
é muito biodegradável. Se forem muito diferentes, então a biodegradabilidade é baixa.
Também se usa o teste do TOC (Total Organic Carbon) que se aplica
especialmente a pequenas concentrações de matéria orgânica.
O teste é realizado injectando uma quantidade conhecida da amostra num forno de
alta temperatura ou de ambiente oxidante químico. O carbono orgânico é oxidado a CO2
na presença de um catalizador. O CO2 produzido é medido num analisador de
infra-vermelhos.
Certos compostos orgânicos resistentes poderão não ser oxidados e os valores de
TOC medidos serão algo inferiores à quantidade real presente na amostra.
Valores típicos num esgoto doméstico são:
CBO 5
220 a 400 mg/l
CQO
500 a 1000 mg/l
TOC
160 a 300 mg/l
O efeito nocivo dos efluentes com matéria orgânica nota-se em geral após o seu
lançamento nos rios. A situação que ocorre num curso de água que recebe no tempo zero
uma carga poluente pontual é mostrada na figura seguinte. Considerando que o rio se
encontrava originalmente saturado com oxigénio dissolvido, vai dar-se simultaneamente
uma desoxigenação do rio devida à presença da matéria orgânica e um rearejamento
devido à entrada constante de oxigénio pela superfície. À medida que o deficit em relação
à saturação aumenta, a taxa de rearejamento também aumenta até se atingir um ponto
crítico em que as taxas de desoxigenação e rearejamento são iguais. No ponto crítico
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Capítulo 5
atinge-se o oxigénio dissolvido mínimo. Depois, à medida que o tempo passa, o oxigénio
dissolvido irá aumentar (Fig. 5.4).
Figura 5.4. Esquema dos efeitos de uma descarga poluente num rio.
Além dos factores referenciados, podem também influenciar a concentração de
oxigénio dissolvido na água de um rio, os seguintes:
1) adição de compostos orgânicos por escorrimentos superficiais
2) remoção do oxigénio dissolvido por difusão para a lama do fundo, para
satisfazer a respectiva demanda de oxigénio
3) adição de CBO por difusão de compostos orgânicos solúveis a partir dos
depósitos do fundo
J. M. Novais
53
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Capítulo 5
4) remoção de oxigénio dissolvido por acção purgativa de gases libertados dos
depósitos do fundo
5) redistribuição contínua do oxigénio dissolvido e do CBO por dispersão
longitudional
Esta ultima é praticamente negligível. A contribuição das lamas do fundo para a
demanda de oxigénio pode ser considerável nos canais largos e pouco profundos, mas é
relativamente pequena nos canais estreitos e profundos
As cheias podem ressuspender as lamas, daí resultando altas demandas de
oxigénio.
5.2. AGENTES CAUSADORES DE DOENÇAS
Os efluentes de origem humana, contêm um elevado número de microorganismos
que existem naturalmente no sistema digestivo do homem. Esses organismos podem ser
determinados por métodos biológicos e ser daí deduzida a sua concentração num esgoto
ou numa água receptora. Trata-se principalmente dos chamados organismos coliformes,
que têm a propriedade de fermentar lactose e produzir ácido e gás a 37ºC. Os coliformes
que o homem produz nas suas fezes a uma taxa de cerca de 109 /dia não são na sua maior
parte patógeneos para o homem nem prejudiciais em relação às formas vivas do meio
aquático ambiente. Não são portanto, por si só, um problema. Contudo, a determinação
da presença de coliformes num determinado rio ou numa certa região oceânica, mostra
que se encontra presente esgoto de origem doméstica e assim sendo, há uma certa
probabilidade de que estejam também presentes agentes causadores de doenças, ou seja
microrganismos patogéneos de origem humana. As classes principais destes organismos
já foram estudados aquando da observação da qualidade da água.
Os patogéneos do homem não são em geral patogéneos das outras formas vivas,
especialmente das aquáticas, e por isso este tipo de poluentes é só importante em função
da utilização que o homem der da água onde eles se encontram. Temos assim as seguintes
situações:
a)
Utilização agrícola
A aplicação de esgotos na agricultura é praticada desde há muito tempo, mas
envolve um risco elevado para a saúde pública. Há no entanto que considerar casos de
J. M. Novais
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Capítulo 5
produtos agrícolas para utilização industrial e que portanto se não destinam ao consumo
público directo, em que os riscos são praticamente nulos e incidem mais sobre os
trabalhadores agrícolas do que sobre os consumidores.
Os esgotos domésticos podem conter até 108 organismos coliformes por cada 100
ml e mesmo após tratamento convencional o número atinge valores da ordem dos 106 /100
ml, correpondentes a uma redução de 99%. Assim, mesmo a utilização do esgoto tratado,
ainda que de aspecto límpido, apresenta grandes riscos para o consumidor.
Embora as exigências variem com o país, pode dizer-se que no caso de se
pretender uma irrigação sem restrições, incluindo portanto a rega de produtos hortícolas a
ser consumidos sem cozedura, a quantidade de coliformes presentes na água não deve
exceder os 100/100 ml (mediana).
Em culturas de cereais e outros produtos agrícolas que não são ingeridos crus, os
padrões requeridos são menos apertados, com valores da ordem dos 103 aos 104 por 100
ml.
b) Utilização para bancos de mariscos
Como já foi referido, a presença de coliformes não afecta a vida piscícola e de
outras formas vivas pelo menos tanto quanto se sabe. Ela também não afecta os mariscos,
mas estes podem transmitir ao consumidor as doenças “transportadas” pelos organismos
patogéneos, especialmente nos casos em que esses mariscos são ingeridos após cozedura
muito rápida como sucede com as ameijoas e outros bivalves.
Há por isso regras que estabelecem que os lançamentos de esgotos em mares e
rias devem ser feitos de forma que, no local onde são apanhados os mariscos, as
concentrações não excedam valores da ordem dos 70 coliformes / 100 ml, mediana. Os
bivalves, por sua vez, deverão ser submetidos a um estágio em água limpa antes de
fornecidos aos consumidores.
c) Utilização balnear
Hoje em dia existe elevada preocupação em relação à possibilidade que as praias
em que tomamos banhos no mar se encontram contaminadas.
Em Portugal tem sucedido frequentemente registarem-se lançamentos de esgotos
ou de efluentes tratados mas não desinfectados nas praias ou muito perto delas e isso
evidentemente vai causar concentrações de coliformes muito elevadas nas águas
J. M. Novais
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Capítulo 5
balneares. Há excepções, como são os casos da Costa da Caparica e de Monte Gordo e,
de um modo geral, tem-se verificado uma melhoria acentuada das condições das praias
em geral.
Como é óbvio, existe correlação entre a poluição das praias e certas doenças
contraídas pelos seus utentes.
Desta forma, existem em muitos países padrões mínimos de qualidade de água
que exigem em geral que não haja mais do que 1000 coliformes por 100 ml (média
aritmética).
d) Lançamento de esgotos no mar
A alternativa principal em relação ao tratamento de esgotos em estação de
tratamento, tem sido o seu lançamento no mar, através de emissários submarinos que
afastam o esgoto da costa e que terminam em difusores profundos que diluem o esgoto na
água do mar. Dá-se aí uma mistura esgoto-água do mar que tende a ascender lentamente à
superfície, dada a sua temperatura, e deslocar-se de acordo com as correntes (advecção).
Verifica-se assim uma certa diluição e também uma certa dispersão que deve ser
suficiente para que a mistura que eventualmente acabe por chegar à costa esteja dentro
dos padrões exigidos no local.
Os fenómenos que contam mais são a diluição inicial do esgoto (pelos difusores),
a dispersão do esgoto nas águas circundantes e a taxa de decaímento biológico do esgoto.
Este ultimo factor pode incluir a oxidação do CBO ou o decaímento bacteriano, que
ocorre devido à mortalidade, à floculação e à sedimentação.
É possível, para um caso concreto, saber à priori, qual a diluição que se vai obter,
desde que se saiba qual o número de difusores e a distância a que eles vão ficar da costa
(por exemplo para um emissário de 2000 metros pode contar-se com uma diluição de
1000 vezes).
O decaímento bacteriano é, por outro lado, calculado a partir da determinação do
T90 (tempo que leva a que o número de microorganismos se reduza a 10%) e que poderá
ser medido experimentalmente no local, utilizando a redução de coloração de corantes
como a Rodamina. O T90 é normalmente de 2 a 8 horas, na água do mar, e pode ser
responsável por uma redução de bactérias da ordem das 30 vezes, para o caso anterior.
J. M. Novais
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Capítulo 5
Portanto, se tivessemos um esgoto com 107 coliformes / 100 ml a ser lançado a
uma distância de 2000 metros, então na costa iremos ter uma concentração de coliformes
de 107 a dividir por 30x1000, ou seja de cerca de 300/100 ml, valor considerado aceitável
para águas balneares. Evidentemente que este número é só atingido quando as correntes
se dirigem para a costa (pormenores sobre este método podem ser encontrados em
Wastewater Engineering, Mecalf & Eddy, 3rd Edition, 1991; maior detalhe sai fora do
âmbito deste curso).
Apesar destas diluições, as directivas comunitárias europeias exigem – salvo raras
excepções – que o esgoto lançado no mar por emissário submarino, tenha previamente
sido sujeito a tratamento secundário, para que não haja agressão sobre a vida marinha no
local do lançamento.
5.3. POLUIÇÃO POR COMPOSTOS ORGÂNICOS TÓXICOS OU DIFICILMENTE
BIODEGRADÁVEIS
Ao longo das ultimas décadas temos assistido ao lançamento de doses maciças de
composto orgânicos (por exemplo pesticidas) no ambiente. Neste capítulo vão ser
analisados vários tipos de compostos que levantam problemas e já que eles são
normalmente derivados dos hidrocarbonetos, comecar-se-á por referir precisamente o
efeito deles sobre o ambiente.
a) Hidrocarbonetos
Os hidrocarbonetos podem ser degradados por uma variedade de diferentes
caminhos metabólicos. Existem no entanto relativamente poucos organismos capazes de
oxidar alcanos, em comparação com os que são capazes de oxidar ácidos gordos ou
alcoois gordos. Daí que uma vez os alcanos oxidados, a molécula resultante é
rapidamente metabolizada por uma variedade de microorganismos.
De facto, os hidrocarbonetos sempre se têm degradado na biosfera com uma certa
facilidade. Sempre houve jazigos de petróleo a ter fugas para os mares e sempre houve
produção de certos hidrocarbonetos por plantas. Considera-se aliás que a biomassa
aquática é responsável por uma produção de hidrocarbonetos superior à que é originada
por qualquer outra fonte.
Portanto, o ecossistema sempre foi capaz de tomar conta dos hidrocarbonetos
naturais especialmente se estão espalhados em largas áreas, diluídos em grandes volumes
de água ou libertados ao longo de tempos alongados.
J. M. Novais
57
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Capítulo 5
A actividade do homem veio de certo modo desequilibrar este status-quo.
Com efeito, milhões de toneladas de petróleo têm sido libertadas anualmente no
ambiente, não só através dos acidentes com petroleiros, mas também nas operações de
lastro e lavagem de tanques que estes efectuam, através da produção off-shore e também
nos resíduos das refinarias e da indústria petroquímica.
Ainda assim, os principais problemas surgem na perdas em acidentes com
petroleiros, dado que nesses casos se dão poluições maciças pontuais, às quais o ambiente
não consegue responder.
Os principais acidentes têm ocorrido perto da costa e os principais prejuízos têm
sido sentidos precisamente na zona entre-marés, que é uma zona de actividade biológica
intensa.
Os efeitos a curto prazo dos petróleos no mar são de duas ordens:
i)
revestimento e asfixia
1. Dá-se redução da transmissão de luz (a intensidade da luz, 2 metros
abaixo de uma mancha de óleo, é reduzida de 90%) e portanto também
a actividade fotossintética é reduzida.
2. Redução do oxigénio dissolvido por rearejamento superficial
3. Prejuízo para as aves que mergulham na água. Ficam cobertas de óleo e
impedidas de voar ou de nadar. O poder isolante das penas é perdido e
certas aves morrem pela simples exposição à água fria.
4. Acção na faixa entre-marés: algas, líquenes e muitos animais são
mortos
ii)
efeitos tóxicos
Os hidrocarbonetos aromáticos de baixo ponto de ebulição (como o
benzeno, tolueno e xileno) são muito comuns no petróleo bruto e são venenos
agudos para o homem e para outros seres vivos.
Efeitos a longo prazo:
São menos visíveis que os de curto prazo; alguns dos compostos do petróleo
interferem com produtos químicos orgânicos existentes na água em quantidades mínimas
(ppb) e que são responsáveis pela atracção e repulsão química dos peixes (por exemplo
no processo de encontrar alimentos, de escapar aos seus predadores, atracção sexual, etc).
J. M. Novais
58
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Capítulo 5
Aquando da ocorrência de concentrações elevadas de petróleo na águas do mar –
especialmente, como vímos, em casos de acidentes – o homem utiliza vários métodos
para o destruir.
Nos métodos físicos, procura-se reter o óleo numa área restrita, para o que se
rodeia a mancha com uma secção tubular flutuante com uma saia para baixo. Segue-se a
bombagem do petróleo para reservatórios colocadas em barcos ou a adição de
absorventes tais como o feno ou a palha ou de produtos químicos, tais como detergentes
que podem ou afundar o óleo ou causar a sua dispersão. Para afundar o óleo podem
utilizar-se cal ou areia revestida com silicones que levam o óleo para o fundo. Aí ele vai
afectar a fauna e flora benticas, sendo a sua degradação mais lenta do que se se mantiver
à tona da água.
Dispersando, vai-se espalhar o óleo em grandes volumes de água e é essencial que
o dispersante seja não tóxico e seja biodegradável, o que nem sempre tem sucedido.
O método de eleição é sempre o de queimar o petróleo, desde que a sua
concentração o permita. A poluição atmosférica que daí resulta é comparativamente
inócua.
O controle e degradação natural do petróleo dá-se por fenómenos de índole físicoquímica (oxidação, evaporação de fracções leves, dispersão no interior ou na superfície
das águas, sedimentação) e de índole biológica (biodegradação por Pseudomonas em
meios ricos em azoto e fósforo). Todos estes fenómenos são contudo lentos. Estudos de
engenharia genética procuram criar mutantes mais eficazes na destruição dos
hidrocarbonetos no mar.
Normalmente, a partir do lençol líquido formam-se, de modo que não é
completamente conhecido, pequenos pedaços que parecem de alcatrão, com 1 a 100 mm
de tamanho e que aparecem frequentemente nas praias.
b) Detergentes aniónicos sintéticos
Os detergentes não biodegradáveis ou duros têm como componente activo o
alquilbenzeno sulfonato (ABS), enquanto que os biodegradáveis, hoje mais
correntemente utilizados, utilizam o alquilbenzeno sulfonato linear (LAS).
Consistem de um anel benzénico com um alcano em cadeia lateral e com um
grupo ácido sulfónico hidrofílico.
J. M. Novais
59
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Capítulo 5
(ABS)
(LAS)
A cadeia lateral de alcano é variável nas diferentes preparações comerciais do
ABS, com várias combinações no que diz respeito às ramificações. O tamanho
predominante é o de 12 átomos de carbono. A presença deste composto nos pontos de
arejamento natural ou forçado, dá origem a quantidades elevadas de espuma o que, dada a
sua difícil biodegradação, ocorre também no ponto em que o efluente de uma estação de
tratamento é descarregado.
O problema da poluição por detergentes foi consideravelmente reduzido, pela
utilização dos LAS. Supõe-se que a sua degradação se dá por um mecanismo de
oxidação-β :
LAS → álcool → ácido carboxílico → oxidação-β → quebra do núcleo benzénico
Há um consenso actual de que a difícil degradação do ABS resulta do difícil
ataque enzimático das cadeias ramificadas, dados impedimentos estéricos. O grupo ácido
sulfónico é hidrolisado enzimaticamente por uma variedade de bactérias aquáticas e não é
portanto ele o responsável pela natureza recalcitrante da molécula.
Os detergentes são produtos químicos de superfície activa e são eficientes em
baixas concentrações. Os preparados comerciais têm normalmente menos de 30% do
componente activo. O material restante do pacote é enchimento, amaciador de água,
agentes branqueadores fluorescentes, perfumes, etc.
Um dos problemas envolvidos no uso de detergentes é a elevada proporção de
fosfatos adicionados como agentes amaciadores. Os fosfatos acabam também nas águas
naturais, onde são utilizados como nutrientes por algas e outros organismos (ver
eutrofização). Tem sido estudada a sua substituição por boratos e por NTA (ácido nitrilo
triacético). Contudo o borato pode ser tóxico para os animais, mesmo em baixas
J. M. Novais
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Capítulo 5
concentrações e o NTA tem sido posto em causa recentemente pela possibilidade de
causar cancro.
c) Derivados dos hidrocarbonetos
Os hidrocarbonetos ficam ainda mais recalcitrantes quando se introduzem
halogéneos nas moléculas. A halogenação aumenta a resistência molecular à degradação,
na seguinte ordem decrescente de resistência:
F > Cl > Br ou I
A polimerização e a recticulação também aumentam a resistência da molécula ao
ataque químico ou enzimático. Exemplos destes são o cloreto de polivinilo
H
Cl
H
Cl
H
Cl
H
C
C
C
C
C
C
C
H
Cl
H
Cl
H
Cl
H
ou o politetrafluoretileno (Teflon):
F
F
F
F
F
C
C
C
C
C
F
F
F
F
F
Os hidrocarbonetos aromáticos clorados são desde há muito utilizados como
agentes antibiológicos. Os fenóis clorados têm sido utilizados como germicidas
industriais para controlo de formação de películas microbianas e outras bactérias
indesejáveis. Usa-se por exemplo para este fim o pentaclorofenato e o hexaclorofene G11
que em tempos foi também adicionado a sabões, pasta de dentes, cremes de barbear e
talcos, como germicida local.
Existe hoje grande controvérsia quanto aos seus perigos para a saúde publica e o
seu uso, dados os seus efeitos tóxicos e possível contaminação com dioxina, já foi
proibido em muitos países.
É também importante e actual a referência aos PCB, abreviatura inglesa que
designa os bifenís policlorados, substâncias que são obtidas por reacção de cloro com
bifenís. É um conjunto de substâncias inventada em 1881 e manufacturada pela primeira
J. M. Novais
61
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Capítulo 5
vez em 1929. À temperatura ambiente são óleos, líquidos viscosos ou resinas. São
utilizados como lubrificantes, amaciadores e flúidos hidraulicos e são adicionados a
cimentos, selantes, colas, plásticos e papeis químicos sem carbono. Tiveram aplicação na
indústria pesada, em transformadores, permutadores de calor e capacitadores eléctricos.
Até aos anos 50 foram considerados seguros e tiveram uma utilização alargada.
Só em 1968 é que ocorreu o primeiro problema. Uma rotura num permutador de
calor veio contaminar um óleo alimentar que aí estava a ser arrefecido. 13 000 pessoas
foram afectadas, desenvolvendo sintomas de envenenamento que íam de problemas da
pele a problemas respiratórios (Japão – Epidemia Yusho). Os afectados vieram depois a
sofrer problemas de reprodução, com nados mortos e abortos. Os PCB’s vieram também
a revelar-se cancerígenos .
Um problema dos PCB é que se encontram espalhados em todo o ambiente e não
se degradam facilmente. Entram assim na cadeia alimentar, tendo causado problemas em
várias espécies de peixes ou aves. A concentração de PCB vai aumentando ao longo da
cadeia alimentar aumentando 100 vezes em cada degrau. A partir de 0,000002 ppm na
água pode chegar-se a uma concentração de 124 ppm nas gaivotas.
Outro problema é que são difíceis de destruir, sendo necessários incineradores
com temperaturas de 1100 a 1200ºC. Mas antes disso ele tem que ser extraído do
equipamento onde se encontra, e o pessoal que faz essa operação tem que ser altamente
protegido.
Tem havido múltiplos problemas. Por exemplo em 1985, um camião transportou
um transformador com PCB no Canadá. Esse transformador estava roto e foi pingando
pela estrada fora. Em consequência disso, a estrada, uma das mais movimentadas do
Canadá, esteve fechada ao transito em 100 km durante uma semana. Todos os
J. M. Novais
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Capítulo 5
automobilistas que entretanto tinham passado no local foram aconselhados a limpar os
carros e entregar os panos utilizados dentro de sacos de plástico. A estrada foi
inclusivamente reasfaltada nas zonas mais contaminadas.
Quando o PCB é incorrectamente incinerado formam-se dioxinas, que são dos
compostos mais tóxicos e carcinogénicos que se conhecem.
Pensa-se que se terão produzido no mundo 1 a 2 milhões de toneladas de PCB’s
de que em grande parte não se conhece o paradeiro, dado não ser habitual assinalar a sua
presença. Esta existência é nalguns casos, em equipamentos que contêm grandes
quantidades , uma autentica bomba de relógio, que poderá causar problemas graves em
qualquer momento.
A unica forma de eliminar o PCB é por incineração mas esta também depende de
ser provado que ela não afecte a população próxima.
5.4. POLUIÇÃO POR NUTRIENTES DE PLANTAS
Todos os lagos estão sujeitos a um processo de envelhecimento pelo qual a
acumulação gradual de detritos e de matéria orgânica provoca a transformação lenta do
lago em pântano e do pântano em terreno seco. Um lago recente, por exemplo originado
durante a recessão dos gelos, é caracterizado por um conteúdo baixo em nutrientes e uma
baixa produtividade em termos vegetais. Tais lagos são chamados oligotróficos e
recebem gradualmente nutrientes dos cursos de água que neles desaguam, permitindo
assim um desenvolvimento de organismos aquáticos. À medida que os resultantes detritos
orgânicos vão depositando, o lago torna-se menos profundo e mais quente; as plantas
tomam raiz no fundo, a vida aquática altera-se e o lago torna-se gradualmente num
pântano e, finalmente, num terreno.
O termo EUTROFIZAÇÃO refere-se a este processo de enriquecimento em
nutrientes, bem como aos efeitos resultantes. É portanto um processo natural, mas que
pode ser enormemente acelerado pelas actividades do homem, caso em que é
denominado eutrofização cultural. Os esgotos domésticos, alguns esgotos industriais e
(especialmente) as escorrências agrícolas, contribuem com grandes quantidades de
nutrientes que podem provocar produções rápidas e excessivas de algas. Quando as algas
morrem vão para o fundo e a sua decomposição dá origem a uma redução no oxigénio
dissolvido da água e a eventuais condições anaeróbias e cheiros desagradáveis.
J. M. Novais
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Capítulo 5
A eutrofização cultural tem como resultado a redução das condições de vida
natural e de utilidade recreacional, municipal e industrial de um corpo de água
O crescimento de algas é possibilitado pela presença de um número elevado de
elementos químicos, a maior parte deles apenas necessários em quantidades traço e que
estão normalmente presentes em qualquer água natural. A fórmula estequiométrica das
algas, mostra-nos os elementos que são mais importantes para o seu desenvolvimento
C106 H263 O110 N16 P
Dado que os elementos carbono, oxigénio e hidrogénio existem em quantidade
elevada nas águas, é sobre o azoto e o fósforo que se pode actuar para controlar a
eutrofização. Com efeito, para crescer 1 mg/l desta alga, bastam existir concentrações de
0,063 mg/l de azoto e de 0,009 mg/l de fósforo. Tem sido sugerido que concentrações de
fósforo acima de 0,015 mg/l e de azoto acima de 0,3 mg/l são suficientes para causar
florescimentos inconvenientes de algas.
O controle do azoto é relativamente difícil pois os lagos eutróficos são
normalmente dominados pelas algas azuis-verdes que são capazes de captar o azoto do ar.
Quando morrem, a sua decomposição liberta o azoto numa forma adequada às outras
espécies de algas.
Deve portanto ser intensificada a atenção sobre o controle do fósforo. Isto traduzse normalmente no aumento de grau de tratamento das estações depuradoras mediante a
utilização de processos químicos e biológicos adequados.
É de notar que cerca de metade do fósforo nos esgotos domésticos tem tido por
origem a utilização de detergentes em cuja formulação intervém o Na5 P3O10 que é
utilizado para tamponizar o meio e também para ajudar à suspensão, dispersão e
emulsificação da sujidade.
5.5. SUBSTÂNCIAS MINERAIS E PRODUTOS QUÍMICOS INORGÂNICOS
O conceito de toxicidade sempre se prestou a alguma controvérsia pois de facto
todas as substâncias são tóxicas se ingeridas em grandes quantidades.
Contudo, é evidente que certas substâncias em pequenas quantidades têm já efeito
tóxico e, para essas, põe-se o problema de saber a partir de que concentração se podem
considerar tóxicas. É a determinação desse limiar que tem sido controversa e é frequente
a discordância entre investigadores. Acresce ainda que a maioria das substâncias são mais
J. M. Novais
64
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Capítulo 5
letais quando se encontram em água que contenha pouco oxigénio dissolvido. Ou seja,
um dado produto é mais tóxico quando se encontra incorporado num esgoto com
demanda de oxigénio.
O procedimento padrão da determinação da toxicidade biológica recomenda que
os testes sejam efectuados em água com uma quantidade de oxigénio dissolvida
adequada. Portanto, este factor pode criar resultados laboratoriais que não são
reprodutíveis na prática.
A determinação da toxicidade – válida quer para produtos inorgânicos como
orgânicos – é feita pondo determinadas espécies de peixe em tanques com água a certa
temperatura e contendo concentrações variadas do produto tóxico.
É medido o limite médio de tolerancia (TLm) que é a concentração de produto
tóxico que mata 50% dos peixes a ele expostos ao fim de 96 horas (TLm 96) (ou LC 50).
A toxicidade aumenta com a temperatura. Por exemplo com um insecticida – o
endrin– a toxicidade expressa em TLm 96 era 33 vezes maior a 30ºC do que a 5ºC.
Portanto concentrações de um produto tóxico que podem ser suportadas pelos peixes
durante o Inverno, podem causar mortalidades significativas no Verão. O pH também tem
influência. Um exemplo dramático é o seguinte: Quando na forma de cianeto complexo
de níquel, 1 ppm de cianeto a pH 6,5 é mais tóxico para certos peixes de água doce do
que 1000 ppm a pH 8.
Finalmente, há a referir que também o conteúdo em sais minerais dissolvidos na
água tem influência na toxicidade. Concentrações de sais metálicos que são inofensivas
para os peixes na água do mar ou em águas doces duras, podem ser extremamente tóxicas
em águas doces brandas. Isto porque a toxicidade dos metais pesados é contrariada ou
antagonizada pelo ião cálcio.
Os metais pesados são, como os hidrocarbonetos halogenados, poluentes
persistentes, dado que uma vez entrados no ambiente, não são facilmente convertidos
nalguma coisa que não seja prejudicial. São muitas vezes acumulados nos tecidos dos
organismos que depois de os ingerir não os segregam, pelo que se dá uma amplificação
da sua concentração nos animais pela cadeia alimentar acima. O homem, sendo o
carnívoro que está no topo de muitas cadeias alimentares marinhas está portanto exposto
ao risco de tomar uma dieta enriquecida nessas substâncias. Sendo os metais venenos
cumulativos, causam prejuízo cerebral a doses baixas e morte a doses altas.
J. M. Novais
65
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Capítulo 5
Casos típicos históricos de poluição por metais pesados são os do mercúrio e do
cádmio.
Em relação ao mercúrio, é famoso o caso ocorrido em Minamata no Japão a partir
de 1953. O mercúrio utilizado como catalizador numa fábrica de cloreto de vinilo, era
lançado no rio e vinha contaminar os peixes consumidos pelos habitantes da foz. Em
1960 já se tinham registado 43 mortos mas, acabaram por morrer mais de 600 pessoas
com doenças do fôro neurológico.
Quanto ao cádmio, têm-se resgistado mortes em Toyama também no Japão devido
a uma doença – itai-itai – que afecta os ossos, causando gradualmente a sua
desagregação. A fonte do cádmio eram as águas drenadas de uma mina que depois íam
irrigar os campos de arroz locais.
O controle da poluição pelos metais é difícil. Pode ser proibido o lançamento de
efluentes líquidos mas o problema nem por isso é resolvido. Veja-se o caso do mercúrio;
é utilizado, por exemplo, como componente das pilhas alcalinas de mercúrio. Estas,
quando estão gastas, são lançadas para o lixo; vão para a estação de tratamento e acabam
por ser incineradas. O mercúrio liberta-se como vapor, que é tóxico, é levado pelo vento e
devolvido à terra arrastado pela chuva ou neve. Suponhamos que chega a um estuário. Aí
terá tendência a ir para o fundo, onde é actuado por bactérias que convertem o mercúrio
inorgânico em metil-mercúrio solúvel que é absorvido pelos peixes onde se acumula. Se
estes peixes entrarem na alimentação humana, o mercúrio acabará por se depositar nos
tecidos do homem.
Portanto, o mercúrio vindo de efluentes líquidos, de conservantes de sementes e
de muitos outros produtos acaba por se libertar para o ambiente e muito provavelmente
chega ao mar.
Mais ou menos o mesmo se passa com o chumbo que é lançado no mar não só em
efluentes industriais e na desgregação natural de rochas mas também a partir dos aditivos
da gasolina dos quais o chumbo é libertado pelos escapes dos automóveis e é arrastado
pela chuva para os cursos de água e para o mar. Esta situação está em vias de resolução
pela substituição do chumbo por outros compostos que, nalguns casos, são também
controversos.
Hoje em dia, é certamente verdade haver muito mais razão de preocupação com o
que vem directamente da indústria e que pode causar elevações pronunciadas de
concentração do metal em áreas aquáticas restritas.
J. M. Novais
66
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Capítulo 5
Os teores médios de metais nos oceanos – que podemos considerar como
concentrações base para os estudos de poluição – e as concentrações tóxicas dos mesmos
metais são os seguintes:
Concentração base (µg/l)
Cádmio
Crómio
Cobre
Ferro
Manganés
Níquel
Chumbo
Zinco
0,11
0,05
3
10
0,01
2
0,03
10
Concentração tóxica (µg/l)
10
50
100
1000
50
100
100
5000
De um modo geral as toxicidades adicionam-se mas, em certos casos uma mistura
de soluções de dois metais pesados é mais tóxica do que a soma das toxicidades das
soluções individuais.
5.6. POLUIÇÃO TÉRMICA
A maior parte da água utilizada pela indústria destina-se a operações de
arrefecimento e é descarregada na natureza sem alterações de índole química, mas a uma
temperatura mais elevada.
Igualmente, as centrais termoelectricas e as nucleares, exigem elevados volumes
de água de arrefecimento e, quando situadas em rios de pequeno caudal ou em lagos, vão
aumentar dramaticamente a temperatura daqueles. Uma central nuclear, por exemplo,
pode requerer um caudal de arrefecimento de 45 m3 /s, o que é cerca de dez vezes o
consumo de água de toda a cidade de Lisboa.
O efeito nocivo causado pela introdução na natureza de elevados caudais de água
aquecida é chamado poluição térmica. As temperaturas mais elevadas reduzem o
conteúdo de oxigénio dissolvido da água e fazem também com que os organismos
aquáticos aumentem o seu ritmo de respiração e consumam oxigénio mais rapidamente.
Aumenta também a sua susceptibilidade à doença, a parasitas e a compostos tóxicos.
J. M. Novais
67
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Capítulo 5
Para resolver o problema, ou se transporta a água aquecida para um ponto distante
da zona ecologicamente vulnerável, ou o calor é transferido para a atmosfera através da
utilização de torres de arrefecimento húmidas ou secas (Fig. 5.5). As torres de
arrefecimento húmidas são as mais utilizadas, tendo no entanto os inconvenientes de
consumir mais água para substituir a evaporada, representarem uma agressão paisagística,
terem custos elevados e aumentarem a frequência de nevoeiros na região circundante. No
entanto as torres secas são duas a quatro vezes mais caras, e daí a sua rara utilização.
Figura 5.5. Torres de arrefecimento de água de centrais térmicas.
J. M. Novais
68
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Capítulo 5
5.7. DESTINO FINAL DE EFLUENTES RADIOACTIVOS
Em consequência da utilização da radioactividade pelo homem, existe material
residual também radioactivo para o qual há que encontrar um sistema adequado de
deposição final.É usual classificar esses resíduos como de baixo, intermédio e alto nível.
a) Resíduos de baixo nível
Trata-se de efluentes e resíduos sólidos produzidos em grandes volumes por todas
as variadas aplicações de radioactividade, médicas, industriais, científicas e militares.
Incluem também gases e líquidos emanados por centrais nucleares durante a sua operação
normal.
Calcula-se que no periodo entre 1980 e 2000 se tenham produzido cerca de
3,6 x 106 m3 desses efluentes, alguns dos quais serão suficientemente baixos em
radioactividade para poder ser descarregados directamente no meio ambiente, com ou
sem diluição prévia. As actividades máximas habituais nestes resíduos são de 4 GBqt-1
(alfa) e de 12 GBqT-1 (β e γ) (1 Becquerel é a unidade de actividade do sistema S.I, e é
definido como 1 desintegração por segundo. A unidade antiga era o Curie: 1 Ci = 3,7 x
1010 Bq).
O total de actividade libertada durante aqueles vinte anos por essa via, será
inferior à que foi ocasionada no acidente de Chernobyl que se calcula que tenha
ultrapassado os 1018 Bq.
Grande parte dos resíduos de baixo nível são depositados em aterros superficiais,
muitas vezes em conjunto com resíduos não radioactivos ou, quando líquidos, são
descarregados para rios, estuários e oceanos e, quando gasosos, para a atmosfera.
Se as doses forem efectivamente baixas, estes métodos são aceitáveis. No entanto
existem ainda muitas incertezas em termos do comportamento dos radionuclídeos no
ambiente e da forma como podem chegar ao homem. Contudo, dada a inexistência de
alternativas adequadas é natural que continue a realizar-se este tipo de destino final.
b) Residuos de nível intermédio
Têm normalmente actividade de 2 x 1012 Bq m-3 (α) e 2 x 1014 Bq m-3 (β e γ) e
não devem ser descarregados no ambiente. Resultam do reprocessamento de
J. M. Novais
69
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Capítulo 5
combustíveis nucleares, de resíduos do tratamento de efluentes de centrais nucleares e da
retirada de serviço de centrais nucleares. Grandes quantidades (~ 2000 ton por ano) têm
sido depositados no fundo do Oceano Atlântico. Este tipo de deposição já não é
autorizada e os resíduos estão a ser armazenados em terra. Normalmente inclui resíduos
de meia vida inferior a 200/300 anos.
c) Efluentes de nível elevado
Consistem de combustível gasto e seus resíduos e de líquidos muito activos
resultantes do reprocessamento de combustíveis. Atingem os 4 x 1014 Bq m-3 (α) e 8 x
1016 Bq m-3 (β e γ). Estão a ser armazenados provisoriamente no fundo de lagoas,
prevendo-se a sua vitrificação e deposição em reservatórios profundos seja em minas
fundas ou em furos feitos no fundo do mar.
J. M. Novais
70
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Capítulo 6
6. TRATAMENTO DE EFLUENTES
6.1. INTRODUÇÃO
Os efluentes líquidos e os lixos provenientes de um aglomerado populacional,
tornam o ambiente e vizinhança dessa comunidade desagradável e doentio. Em
civilizações primitivas, a própria comunidade mudava de local quando o ambiente se
tornava impróprio.
Já em 4500 AC na India e em 2500 AC em Bagdad, havia habitações com casa de
banho e retréte ligadas a redes colectoras de esgoto. Mais tarde, os romanos foram
famosos pelos aquedutos e redes de drenagem que construíram.
Contudo, na generalidade da Europa, nada se fez neste campo até ao século XIX.
Surgiam então grandes cidades, consequência da Revolução Industrial, com condições
habitacionais e sanitárias muito fracas. Em Londres, por exemplo, os esgotos domésticos
eram vertidos em fossas, quando não corriam mesmo pelas valetas das ruas. Quando em
1847 se ligaram as descargas domésticas aos esgotos construídos para drenagem das
águas da chuva, aquelas foram despejadas para o rio Tamisa, rio de onde grande parte da
população obtinha a água de beber. Além disso , o facto dos tais esgotos estarem em mau
estado de conservação, fez com que houvesse infiltrações para poços de água potável.
Portanto, os fornecimentos de água ficaram contaminados e surgiram várias
epidemias sucessivas de cólera e tifo que provocaram dezenas de milhares de mortos. Só
em 1870 é que o problema foi resolvido, com a inauguração e a utilização de novos
interceptores de esgotos e com a distribuição de água de abastecimento captada no
Tamisa em local acima da zona poluída.
Em Portugal entretanto, os problemas não eram grandes dado que as cidades eram
normalmente muito pequenas e Lisboa dispunha de um sistema de esgotos instalado pelo
Marquês de Pombal. O lançamento desses esgotos no Estuário do Tejo não trazia
inconvenientes dada a elevada capacidade de diluição daquela massa de água e dado que
ela, por ser salgada, não era usada para fins alimentares. Os volumes de esgotos foram
aumentando e hoje o seu lançamento no estuário já seria preocupante, pelo seu efeito
sobre a fauna aquática e a contaminação das praias mais próximas.
J. M. Novais
71
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Capítulo 6
MARCOS HISTÓRICOS DO TRATAMENTO DE EFLUENTES
A.C.
1550
1700
1762
1860
1876
1884
1889
1891
1895
1898
1904
1904
1906
1914
Irrigação com esgoto em Atenas
Irrigação com esgoto na Alemanha
Irrigação com esgoto em Inglaterra
Precipitação química do esgoto em Inglaterra
Tratamento anaeróbio dos sólidos do esgoto
Fossas sépticas nos EUA
Grades de limpeza
Filtração em leitos de contacto – EUA
Digestão de lamas em lagoas na Alemanha
Recolha de metano em fossas sépticas e seu uso
Distribuidores rotativos em filtros de percolação
Câmaras Desarenadoras – EUA
Tanque Imhoff – Alemanha
Desinfecção de esgotos por cloragem
Lamas activadas – Ardern, Lockett – RU
A presença dos vários tipos de poluentes descritos anteriormente causa, como
também já foi visto, prejuízos sobre o meio ambiente e sobre o próprio homem, quando a
descarga do esgoto é feita no meio natural. Daí que se vá tornando cada vez mais
necessário proceder ao tratamento ou depuração desses mesmos esgotos.
O tratamento dos efluentes (termo usado aqui como sinónimo de esgotos ou de
águas residuais) de forma a torná-los menos perigosos ou mesmo inócuos é função do
engenheiro sanitarista que, mercê dos seus conhecimentos de engenharia civil, química e
biológica, está em condições de compreender os fenómenos envolvidos e de projectar as
respectivas soluções.
A necessidade de uma estação de tratamento surge quando o esgoto é lançado
num meio que é utilizado como fonte de água potável, mas não só, surge também quando
esse curso de água é utilizado para fins recreativos (natação, ski aquático, vela, etc.) ou
mesmo quando se pretende que o meio seja suporte de vida aquática.
É curioso notar que o tratamento em menor ou maior grau dos efluentes não é
muito recente, se bem que datem dos últimos cem anos os processos biológicos mais
correntemente utilizados
J. M. Novais
72
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Tecnologia Ambiental
Capítulo 6
Até ao século 18 há notícia apenas do tratamento por irrigação em terreno
agrícola. No século 18 surgem notícias de tratamento de esgotos por precipitação
química, nomeadamente com a cal. É no século 19 que são instalados os primeiros
tratamentos biológicos. Os tratamentos por digestão anaeróbia aparecem em 1860, os
leitos de contacto em 1889, os leitos percoladores em 1898. O processo de lamas
activadas foi só descoberto em 1914.
A primeira estação de tratamento de esgotos nos Estados Unidos data de 1916.
Enquanto que nos países avançados se deu a maior ênfase à resolução dos
problemas criados pelos esgotos, já por exemplo em Portugal esse desenvolvimento tem
sido muito lento. Aparte Lisboa que sempre dispôs de uma boa rede de esgotos (aparte
certas zonas degradadas da cidade), já o resto do país tinha esquemas muito rudimentares
de saneamento básico. Lentamente, com aceleração nos anos 70, foram-se executando as
obras básicas, mas com muito poucas realizações no que diz respeito a estações de
tratamento de esgotos, datados dos anos 60 algumas estações de filtros percoladores
como é o caso de Rio Maior e Beja e de lamas activadas em Frielas.
A construção que ultimamente tem sido acelerada de estações de tratamento não
foi, no nosso país, acompanhada da desejável consciencialização e legislação que
obrigasse ao bom funcionamento desses dispositivos. E tem-se assim assistido em muitos
casos ao abandono técnico da operação e da manutenção, de que resulta encontrar-se hoje
fora de funcionamento grande parte das instalações existentes.
A tendência verificada a nível dos países desenvolvidos é de caminhar para
estações de tratamento de esgotos altamente sofisticadas, em que a fase de tratamento
primário (remoção por operações físicas dos sólidos em suspensão) e a fase de tratamento
secundário (remoção de coloidais e substancias dissolvidas por processos biológicos) são
complementadas com a remoção de micropoluentes que até agora não eram considerados.
No princípio da década de 70 pensava-se que os processos biológicos iriam ser
substituídos por processos físico-químicos. Contudo a crise da energia veio repôr a
importância dos processos biológicos, que hoje praticamente são inconstestados.
É de esperar no futuro que se verifique um grande desenvolvimento no que diz
respeito à auto-suficiência energética das estações e também à tentativa de produção de
biomassa a partir dos esgotos. Pensa-se que entre os processos biológicos serão os
anaeróbios que irão dominar nos próximos anos, pelo facto de serem produtores de
energia, na forma de biogás, ou então os fotossintéticos por utilizarem a energia solar.
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73
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Capítulo 6
6.2. CARACTERÍSTICAS DAS ÁGUAS RESIDUAIS
Estamos para já a considerar o caso de esgotos domésticos. Um esgoto contém
normalmente a maior parte dos constituintes da água existente no local, mais uma
quantidade de impurezas devidas à utilização. Assim, por exemplo, o homem produz
cerca de 6g de cloretos por dia, de modo que se o consumo de água for de 200 l/(hab.dia),
o esgoto contém mais 30 mg/l de cloretos que a água natural.
O esgoto bruto médio contém à volta de 1000 a 2000 mg/l de sólidos em solução
e é por isso ainda uma água com uma pureza de 99,8 a 99,9%…
Claro que para a concepção, dimensionamento e operação de um sistema de
recolha, tratamento e descarga de águas residuais, é essencial conhecer a natureza das
impurezas aí presentes.
No caso do esgoto doméstico elas são essencialmente as seguintes:
a) Compostos orgânicos biodegradáveis: incluem principalmente as proteínas,
hidratos de carbono e gorduras. São medidos em termos de CBO e CQO. Como já
foi visto, a sua descarga no ambiente natural levará à redução do oxigénio natural
existente em solução.
b) Sólidos em suspensão: podem levar à formação de depósitos de lamas e a
condições anaeróbias quando o esgoto não tratado é descarregado num ambiente
aquático.
c) Patogéneos: podem dar origem à propagação de doenças.
d) Nutrientes
Em termos médios, um esgoto urbano de uma cidade poderá em Portugal ter a
seguinte composição:
pH
Sólidos em suspensão
Substâncias em solução
CBO 5
CQO
Cloretos
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7,4
300 mg/l
900 mg/l
350 mg/l
600 mg/l
150 mg/l
74
Sulfatos
Detergentes
Azoto total
Fósforo
Coliformes
80 mg/l
10 mg/l
62 mg/l
8 mg/l
2x107 /100 ml
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Capítulo 6
Em povoações em que a capitação, em termos de consumo de água, seja inferior à
de uma cidade, a composição será correspondentemente mais concentrada.
Alguns factores importantes são:
COMPONENTES DOS CAUDAIS DE EFLUENTES
- Efluente doméstico – obtido de residencias e de instituições comerciais e
administrativas
- Efluente industrial – obtido de instalações industriais
- Infiltrações
- Águas pluviais
SISTEMAS DE SANEAMENTO
Redes separativas – existem duas redes colectoras:
- rede de saneamento (efluentes domésticos, industriais e infiltrações)
- rede pluvial (águas pluviais)
Redes unitárias – existe uma só rede colectora que transporta todos os efluentes
USO MUNICIPAL DA ÁGUA (nos EUA)
doméstico
industrial
publico
perdas
36%
42%
6%
16%
CAUDAIS PARA PROJECTO
- caudal médio diário – caudal em 24 horas, baseado no caudal total anual
- caudal máximo diário (em termos dos 365 dias) (para dimensionar tanques de
igualização)
- caudal de ponta horária (para dimensionar bombas, tanques de sedimentação,
etc.)
- caudal de ponta instantâneo (para dimensionar canais, etc)
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75
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Capítulo 6
6.3. SEQUÊNCIAS DE TRATAMENTO
Já foi visto como as características de um esgoto podem ser especificadas com
referência a parâmetros físicos, químicos ou biológicos.
Há três tipos básicos de processos de tratamento:
a)
Processos físicos que dependem apenas das propriedades físicas das
impurezas
a)
Processos químicos que dependem das propriedades químicas das impurezas
ou que utilizam as propriedades químicas de reagentes adicionados
b) Processos biológicos que usam reacções bioquímicas para remover impurezas
orgânicas solúveis ou coloidais
Conforme a composição de uma amostra, assim o seu tratamento pode requerer
um ou mais dos processos acima indicados. Assim, no esgoto doméstico cerca de 35% do
CBO está associado com sólidos sedimentáveis, de modo que os processos físicos (como
sejam a sedimentação) podem remover cerca de 35% do CBO e cerca de 55% dos sólidos
em suspensão. O uso de um processo de coagulação química removeria mais 15% de
CBO que está associado com os sólidos coloidais. Tal tratamento contudo deixa ainda
intacto cerca de metade do CBO visto que está presente em solução. Este CBO solúvel, e
também o CBO coloidal, pode ser removido efectivamente por oxidação biológica.
A sequência normal de tratamento é a seguinte,
TRATAMENTO
PRELIMINAR
FÍSICO
TRATAMENTO
PRIMÁRIO
TRATAMENTO
SECUNDÁRIO
FÍSICO OU
FÍSICO-QUÍMICO
TRATAMENTO
TERCEARIO
FÍSICO,
QUÍMICO OU
BIOLÓGICO
BIOLÓGICO
TRATAMENTO
DE LAMAS
FÍSICO, QUÍMICO, BIOLÓGICO
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76
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Capítulo 6
6.3.1. Operações Unitárias Físicas
As operações físicas mais utilizadas no tratamento de efluentes são:
i. Gradagem
v. Desengorduramento e desareamento
ii. Dilaceração
vi. Sedimentação
iii. Igualização
vii. Flotação
iv. Floculação
viii. Filtração
Estas operações serão estudadas com mais ou menos pormenor, conforme a
frequência de aplicação respectiva.
i.
Gradagem ou tamização
A primeira operação unitária que há a referir numa estação de tratamento de águas
residuais é a gradagem. As grades são dispositivos com aberturas de tamanho uniforme,
através das quais o líquido passa, sendo retidos os sólidos de dimensões superiores às das
aberturas.
Uma grade é constituída por barras paralelas, enquanto que um tamizador tem
uma rede ou uma placa perfurada.
Conforme o método de limpeza, as grades podem ser de limpeza manual (Fig.
6.1A) ou de limpeza mecânica (Fig. 6.1B). Tipicamente, as grades têm aberturas de 25
mm ou mais, enquanto que nos tamizadores as aberturas são de 6 mm, ou menos.
Na estação de tratamento, a função principal das grades é de proteger as bombas,
válvulas e outros equipamentos do choque de objectos pesados ou do entupimento por
trapos. As grades são colocadas verticalmente ou com inclinações entre 30 e 80º. Os
materiais retidos são removidos e transportados ao local de descarga de resíduos sólidos.
Os tamizadores retêm sólidos de mais pequenas dimensões e tanto se podem
utilizar à cabeça da estação como no final, para retirar os sólidos em suspensão do
tratamento biológico. Existem muitos tipos de tamizadores e é de citar também a sua
utilização para fins industriais e também para pré-tratamento do esgoto antes de cloragem
e lançamento no mar.
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77
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Capítulo 6
A)
B)
Figura 6.1. Grades de limpeza manual (A) ou mecânica (B).
As quantidades de sólidos retirados nas grades variam entre cerca de 0,0035 e
0,0375 m3 /103 m3 e varia evidentemente com a abertura entre as barras. Num tamizador, a
quantidade removida já toma valores entre 0,0375 e 0,225 m3 /103 m3 , equivalente a 5 a
15% da matéria em suspensão.
ii. Trituração ou dilaceração
Os trituradores ou dilaceradores (em inglês comminutors) reduzem o tamanho dos
sólidos que estão presentes na água residual. Consistem normalmente de um tambor
cilindrico que gira em torno do seu eixo central vertical. Na superfície tem orifícios entre
J. M. Novais
78
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Capítulo 6
6 e 10 mm. O material maior é cortado pelos dentes móveis e as partículas resultantes
bem como o caudal líquido, saem pelo fundo e voltam ao canal (Fig. 6.2).
Figura 6.2. Esquema de um triturador.
Quando o esgoto arrasta consigo areia (caso de redes unitárias), um desareamento
deve ser feito antes da dilaceração para não haver desgaste das partes mecânicas.
O comminutor é normalmente utilizado em alternativa as grades. Estas retiram
efectivamente os sólidos para fora da corrente líquida enquanto que com o communitor
eles se mantêm em suspensão mas com menores dimensões.
iii. Igualização
A igualização é uma outra operação unitária do pré-tratamento de esgotos mas
que, ao contrário das anteriores, nem sempre é utilizada nas estações de tratamento. É um
facto que os efluentes variam em quantidade e qualidade ao longo do dia mas não é
menos verdade que alguns dos processos biológicos disponíveis para o tratamento são
pouco afectados por essa variabilidade. Já no caso de existir uma percentagem grande de
efluentes industriais, as cargas instantâneas podem ser de tal modo elevadas que
obriguem à existência de igualização.
A igualização pode ser feita “em linha”, interpondo o tanque de igualização entre
as operações de pré-tratamento e o tratamento primário caso em que vai uniformizar as
J. M. Novais
79
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Capítulo 6
composições, ou pode ser feita em ramal lateral. Neste caso, caudais acima do caudal
médio diário são desviados para o tanque de igualização. Regulariza portanto mais as
quantidades do que as composições.
Os tanques de igualização são providos de um sistema de mistura, quer para
permitir a igualização qualitativa como para impedir que os sólidos em suspensão se
depositem no fundo do tanque. A potência necessária para esta finalidade é de 0,004 a
0,008 kw/m3 de capacidade. O sistema de mistura deve também fornecer oxigénio para
manter o líquido em condições aeróbias.
O líquido vai saindo do tanque de igualização por bombagem.
iv. Floculação
Uma componente importante do processo de precipitação química é a fase de
floculação em que se promove a agitação suave de um líquido de forma a aumentar a
probabilidade de contacto entre os núcleos de precipitação. Vão se formando agregados
ou flocos a partir do material finamente dividido. (Fig 6.3).
Figura 6.3. Câmaras de floculação para tratamento de efluentes.
É normalmente só utilizada quando há precipitação química, embora a sua
utilização em certas fases do tratamento facilite quer a sedimentação primária como a
secundária.
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80
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Capítulo 6
v. Desengorduramento e desareamento
Antes de se falar de sedimentação propriamente dita, cabe referir outros prétratamentos que se utilizam por vezes nas estações de tratamento e são também de índole
fisica. É o caso dos tanques de desengorduramento, cuja finalidade é de separar óleos e
gorduras que vêm flutuar à superfície do tanque até serem daí escumadas. São
normalmente rectangulares ou circulares e dão uma retenção de 1 a 15 minutos. A saída é
submersa e oposta à entrada. O desengorduramento nem sempre é utilizado nas estações
de tratamento domésticas mas sempre em certos esgotos industriais como de fábricas de
óleos, de indústrias petroquímicas ou de matadouros.
A operação de desareamento é uma forma rápida de sedimentação e é muito
importante em estações de tratamento ligadas a redes unitárias. A entrada de areia para os
tanques de decantação e biológicos vai reduzir gradualmente a capacidade desses
tanques.
Os desareadores são projectados de forma a remover areia, cascalho e cinza, bem
como outros materiais sólidos pesados que têm velocidades de queda ou densidades
muito maiores que os sólidos orgânicos putrescíveis de esgoto.
Há três tipos gerais de desareadores, i.e., de canal horizontal, arejado e tipo
vórtex. Nos canais horizontais (Fig. 6.4A), o caudal passa pelo tanque numa direcção
horizontal e a velocidade linear do líquido é controlada pelas dimensões da unidade e
pelo uso de anteparas especiais no extremo de saída (Figura 6.4B). No tipo arejado, há
um caudal em espiral que é controlado pelas dimensões e pela quantidade de ar fornecida
(Fig. 6.5).
Os tanques horizontais foram utilizados extensivamente no passado. Eram
dimensionados de forma a manter a velocidade tão próxima de 0,3 m/s quanto possível.
Tal velocidade fazia passar as partículas orgânicas através da câmara, mas permitia a
deposição das areias.
O dimensionamento de um desareador em canal horizontal deve ser tal que, sob as
condições mais adversas, a partícula mais leve de areia atingirá o fundo do canal antes do
extremo de saída. Normalmente pretende-se remover partículas a partir de 0,2 mm. O
comprimento do canal será governado pela altura do líquido e pela secção de controle
(Fig. 6.4A).
J. M. Novais
81
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Capítulo 6
A)
B)
Figura 6.4. A) Desareador de canal horizontal; B) Anteparas de saída e perfil de um canal
horizontal.
Figura 6.5. Desareador arejado.
J. M. Novais
82
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Capítulo 6
Os seguintes valores são típicos:
Tempo de detenção: 60 s
Velocidade horizontal: 0,3 m/s
Velocidade de deposição da areia (0,2 mm): 1,15 m/min
A forma do canal (Fig. 6.4B) é um factor importante no dimensionamento e terá
que ser parabólica já que se pretende que a velocidade seja sempre a mesma qualquer que
seja o caudal que está a passar. Em alternativa podemos utilizar um canal rectangular,
mas com a antepara de saída com uma forma tal que permita a manutenção dessa
velocidade constante.
Os desareadores arejados promovem uma passagem do líquido em espiral e têm
tempos de detenção da ordem dos 3 minutos ao caudal máximo (Fig. 6.5).
Valores típicos:
Altura de água: 2 a 5 m
Comprimento: 7,5 a 20 m
Largura: 2,5 a 7 m
Razão largura/altura: 1:1 a 1:5
Tempo de detenção: 2 a 5 min
Ar: 0,3 m3 /(min.m de comprimento)
Areia e escumas: 0,015 m3 / 1000 m3
Quer neste tipo quer no de canal horizontal, se o caudal é elevado, há que
encontrar maneira de mecanicamente retirar a areia do fundo do desareador. Isso pode
fazer-se por um balde suspenso de um monorail ou por outros mecanismos, incluindo
parafusos sem fim e sucção por bombas.
Finalmente nos desareadores tipo vortex (pista), a câmara é circular, com um poço
central para acumulação da areia. O movimento circular da água no tanque é mantido a
uma velocidade constante (0,3 a 0,4 m/s) por acção de um agitador. As águas residuais
entram tangencialmente e saiem após uma volta quase completa (Fig. 6.6).
A perda de carga é negligível (poucos cm). O consumo para caudais de 2 m3 /s é
de cerca de 3 hp a uma rotação das pás de 10 a 40 rpm. A areia colectada é bombada,
sendo entretanto lavada com água e ar.
Existem equipamentos deste tipo para caudais desde 65 l/s (diâmetro 2 m) até 2,3
m /s (6 m).
3
J. M. Novais
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Capítulo 6
Figura 6.6. Dois exemplos de desareador tipo vórtex.
J. M. Novais
84
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Capítulo 6
vi. Sedimentação
A sedimentação é a separação entre água e partículas em suspensão mais pesadas
que a água, efectivada por meio de forças da gravidade. É uma das operações unitárias
mais utilizadas no tratamento de efluentes permitindo, numa fase primária, retirar a maior
parte dos sólidos em suspensão e também separar, após os processos biológicos, os flocos
biológicos em suspensão.
Como noutros casos, não se vai aqui desenvolver a teoria da sedimentação, que
cai no campo de cadeiras especializadas de engenharia química. Convém no entanto
referir a diferença entre a sedimentação discreta e a floculenta. No primeiro caso as
partículas despositam-se como entidades individuais – é o caso da areia. No outro, as
partículas tendem a coalescer e a flocular, pelo que vão aumentando de massa e
depositando a uma velocidade crescente. É o caso que ocorre na sedimentação primária.
Quando um líquido contendo sólidos em suspensão é colocado em condições de
relativa tranquilidade, os sólidos que têm densidade maior que o líquido tendem a
depositar, enquanto que os mais leves tendem a vir à superfície. Este princípio é utilizado
no dimensionamento de tanques de sedimentação para o tratamento de águas residuais.
Os tanques de sedimentação primária podem ser o órgão principal de tratamento
numa estação ou podem dar um grau preliminar de purificação antes do tratamento
secundário. Quando são usados como único órgão de tratamento permitirão: a) remover
sólidos que de outro modo iriam formar depósitos nos rios e possível decomposição
anaeróbia e b) retirar óleos, gorduras e outros materiais flutuantes.
Quando são usados antes do tratamento biológico, a sua função é reduzir a carga
das unidades biológicas. Tanques de sedimentação primária bem dimensionados deverão
dar remoções de 50 a 70% de sólidos em suspensão e 25 a 40% de CBO 5 em efluentes
domésticos. O tempo de detenção nos sedimentadores é da ordem dos 90 a 150 minutos
baseados no caudal médio, mas quando são usados antes do tratamento biológico, esse
tempo pode reduzir-se a 60 minutos.
Os tanques de sedimentação são normalmente dimensionados com base na carga
superficial expressa em m3 de esgoto por dia e por m2 de área superficial. Valores típicos
são os seguintes:
Ao caudal médio: 32 a 48 m3 /(m2 .dia)
Ao caudal de ponta: 80 a 125 m3 /(m2 .dia)
J. M. Novais
85
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Capítulo 6
Escolhida a carga e sabido o caudal, ficamos com a área superficial estabelecida.
A altura do decantador será função do tempo de detenção pretendido, sendo normalmente
de cerca de 3 metros.
Há diferentes tipos de tanques de sedimentação mas podemos em termos gerais
dividi-los entre tanques rectangulares e circulares. Entre nós têm sido mais utilizados os
circulares, mas os rectangulares tornam-se mais adequados quando os caudais a tratar são
muito grandes e o espaço é reduzido. No tanque rectangular, o esgoto entra por um
extremo e sai pelo oposto (Fig. 6.7) e os sólidos que depositam são arrastados
mecanicamente para o extremo inicial, seja por uma pá ligada a uma ponte rolante, seja
por uma cadeia com pás que vão arrastando a lama. O mesmo sistema permite também
arrastar o material sobrenadante e retirá-lo. O comprimento dos descarregadores deve ser
tal que a carga não exceda um valor de 200 m3 por metro de descarregador e por dia.
Figura 6.7. Sedimentador rectangular.
J. M. Novais
86
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Capítulo 6
Nos tanques circulares (Fig. 6.8), o fluxo do líquido é radial, entrando pelo centro
e saindo perifericamente. Os sólidos (lama) acumulam-se no fundo e há tanques com e
sem dispositivos mecânicos de arrastamento de lamas. Entre nós, sempre que possível,
utilizam-se sistemas sem arrastamento mecânico, o que implica que o fundo do tanque
seja cónco e muito inclinado para permitir que os sólidos deslizem pelo seu próprio peso
para a saída central do fundo. Essa inclinação tem que ser de pelo menos 1,6:1, o que
para tanques grandes dá origem a grandes profundidades, que conduzem a custos de
construção elevados. Pode no entanto sugerir-se que, para populações inferiores a 5000
habitantes, essa solução é francamente adequada.
Figura 6.8. Sedimentador circular.
A quantidade de lama formada num tanque de sedimentação pode ser inferida a
partir da concentração inicial de sólidos em suspensão e da percentagem de remoção
esperada no tanque. A lama formada na sedimentação primária tem normalmente uma
percentagem de sólidos de 5% a uma densidade de 1,03.
É oportuno referir aqui dois métodos económicos que permitem um tratamento
razoável e têm sido bastante utilizados em Portugal.
Um deles é o Tanque Imhoff (Fig. 6.9) que é um tanque com dois andares em que
a sedimentação é realizada na parte superior e os sólidos depositados passam para o
compartimento inferior onde são digeridos anaerobiamente. Forma-se biogás que sai
lateralmente, de forma a não perturbar a sedimentação. Este método é utilizado em
pequenas estações (até cerca de 6000 habitantes) podendo em muitos casos constituir a
única forma de tratamento.
J. M. Novais
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Capítulo 6
Figura 6.9. Tanque Imhoff.
O outro caso é o das fossas sépticas que podem ser utilizadas para muito pequenas
comunidades (normalmente inferiores a 150 habitantes). Terão em geral dois
compartimentos, dando-se no primeiro a sedimentação e a digestão e no segundo alguma
sedimentação adicional. Têm normalmente um período de detenção de 24 horas.
Com base na concentração e na tendência que as partículas têm para interactuar,
podem ocorrer quatro tipos de sedimentação que se descrevem de seguida.
Tipo 1 – Partículas discretas
Refere-se à sedimentação de partículas numa suspensão de concentração baixa de
sólidos. As partículas sedimentam como entidades individuais e não há interacção
significativa em relação às partículass vizinhas. Aplica-se na remoção de areia dos
esgotos.
Tipo 2 – Floculante
Refere-se a uma suspensão bastante diluída de partículas que coalesce ou flocula
durante a operação de sedimentação. Ao coalescer as partículas aumentam em massa e
depositam-se a uma maior velocidade. É relevante em relação a parte dos sólidos em
suspensão na decantação primária e nas partes inferiores da decantação secundária.
Também se verifica na remoção do floco químico nos tanques de sedimentação.
J. M. Novais
88
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Capítulo 6
Tipo 3 – Impedida ou em zona
Refere-se a suspensões de concentração intermédia em que as forças
interpartículas são suficientes para impedir a sedimentação livre das partículas vizinhas.
As partículas tendem a ficar em posições fixas em relação umas às outras e a massa de
partículas sedimenta como um todo. Desenvolve-se uma interface sólido-líquido no topo
da massa em sedimentação. Ocorre em sedimentação secundária.
Tipo 4 - Compressão
Refere-se à sedimentação em que as partículas se encontram em tal concentração
que se forma uma estrutura e o avanço da sedimentação só pode ocorrer por compressão
da estrutura. A compressão tem lugar pelo peso das partículas que são constantemente
adicionadas à estrutura pela sedimentação do líquido sobrenadante. Ocorre nas camadas
inferiores de uma massa de lama tal como no fundo de decantadores secundários e no
espessamento de lamas.
A sedimentação de partículas discretas pode ser analisada à luz das leis clássicas
formuladas por Newton e Stokes. A lei de Newon dá a velocidade terminal das partículas
equacionando o peso efectivo da partícula e a resistência à fricção ou ao atrito.
O peso efectivo é
W = (ρs-ρ) g V (força gravitacional)
sendo ρs e ρ as densidades da partícula e do fluido, g a aceleração da gravidade e
V o volume da partícula.
O atrito por unidade de área depende da velocidade da partícula, da densidade do
fluido, da viscosidade do fluido e do diâmetro da partícula. O coeficiente de atrito é dado
por
Fd
CD =
ρ v2
A
2
sendo Fd a força de atrito, v a velocidade da partícula e A a área projectada da
partícula.
J. M. Novais
89
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Capítulo 6
Equacionando a força de atrito e o peso efectivo da partícula, para partículas
esféricas, vem
Vc =
4
g (ρs - ρ) d
3
CD ρ
½
que é a lei de Newton e onde Vc é a velocidade terninal da partícula e d o
diâmetro da partícula.
O coeficiente de atrito toma valores diferentes conforme o regime de caudais que
rodeiam a partícula é laminar ou trubulento e o seu valor é obtido a partir de curvas
estabelecidas em função do número de Reynolds.
Embora a forma da partícula afecte o valor do coeficiente de atrito, para partículas
esféricas a curva dá (até NRe = 104 )
CD =
24
+
N Re
3
+ 0,34
N Re
Para números de Reynolds < 0,3, o primeiro termo predomina e a substituição
deste termo no valor de Vc, dá a lei de Stokes
g( ρS − ρ) d 2
VC =
18 µ
Em condições laminares, Stokes disse que a força de atrito era Fd = 3πµvd que
equacionada com o peso efectivo de partícula também acaba por dar (1).
No dimensionamento de tanques de sedimentação, o procedimento usual é de
seleccionar uma partícula com uma velocidade terminal VC e projectar o tanque de forma
que todas as partículas com velocidade terminal igual ou superior a VC sejam removidas.
A velocidade à qual é produzida água clarificada é então
Q = A Vc
em que a A é a área superficial do tanque de decantação.
Vc = Q / A = carga superficial
Esta equação mostra que, neste tipo de decantação, a capacidade de remoção de
sólidos é independente da altura do tanque.
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Capítulo 6
A altura do tanque deve ser tal que (em funcionamento contínuo) o tempo de
permanência do líquido seja suficiente para que as partículas com a velocidade Vc
cheguem ao fundo
Vc = altura / tempo
Isto é válido para partículas discretas. No caso de partículas floculentas, a altura
de líquido afecta a remoção de sólidos dado que quanto mais fundo é o tanque mais
provável é a aglomeração e portanto maior a proporção dos sólidos removidos.
vii. Flotação
A flotação é uma operação unitária que também serve para separar partículas
sólidas ou líquidas de uma fase líquida.
A separação é conseguida, introduzindo muito pequenas bolhas gasosas
(normalmente de ar) na fase líquida. As bolhas ligam-se às partículas sólidas e a força de
impulsão da bolha de ar combinada com a partícula, é suficientemente grande para trazer
a partícula até à superfície.
O método mais vulgarmente utilizado é o da flotação por ar dissolvido. Nesse
processo, o ar é dissolvido no esgoto sob pressão atmosférica dentro de um tanque. O ar
dissolvido vai então coalescer em pequena bolhas que vão servir à finalidade acima,
indicada (Fig. 6.10). Forma-se à superfície uma espuma que contém os sólidos em
suspensão e que vai sendo arrastada mecanicamente para fora do tanque. Utiliza-se um
volume de ar de 2 a 3% do caudal de líquido, sendo a pressão utilizada para solução do ar
de cerca de 30 kN/m2 .
A adição de sais de ferro e de alumínio facilita a realização da operação.
Além do método descrito, há variantes como seja a flotação por ar (não
dissolvido), utilizável para gorduras, a flotação por vácuo e a electroflotação. Neste
penúltimo fazem-se coalescer as bolhas de ar, aplicando vácuo ao tanque. No último
colocam-se electrodos no fundo do tanque e, por electrólise, vão se formar bolhas de
hidrogénio e oxigénio que vão subir no tanque e produzir o efeito pretendido.
A flotação tem sido muito utilizada para tratamento de águas e para espessamento
de lamas obtidas no processo de lamas activadas para tratamento biológico de efluentes.
É menos adequada para tratamento primário, não excedendo a escala piloto os casos em
que tem substituído a sedimentação.
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91
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Capítulo 6
Figura 6.10. Sistema de flotação por ar dissolvido, com reciclagem.
viii. Filtração
A filtração é uma das operações mais utilizadas no tratamento de água mas é
muito pouco frequente no tratamento dos esgotos. A sua importância surge apenas a nível
de tratamento terceário quando se pretende obter uma água final com uma quantidade
muito pequena de sólidos em suspensão.
Este assunto será retomado quando se falar de tratamentos terceários.
6.3.2.
Processos unitários químicos
Os processos unitários químicos são os que envolvem reacções químicas e são
utilizados em conjugação com operações físicas ou com processos biológicos.
Os processos químicos foram historicamente dos primeiros a ser utilizados para
tratamento de efluentes mas no século XX, com o advento dos processos biológicos,
sofreram grande quebra. Só nos últimos vinte anos o seu interesse se reacendeu dadas as
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92
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Capítulo 6
necessidades cada vez mais elevadas de depuração específica de certos poluentes
facilmente removíveis por reacções químicas.
Temos os seguintes processos principais:
i.
Precipitação química
ii. Adsorção
iii. Desinfecção
i. Precipitação química
A precipitação química, no tratamento de esgotos, tem por finalidade alterar com
a adição do reagente, o estado físico de sólidos em suspensão e em solução, e facilitar a
sua remoção por sedimentação.
O método foi descoberto em 1762 e era muito utilizado no século XIX. Usava-se
a cal, isoladamente, ou em conjunto com cloreto de cálcio, cloreto de magnésio, sulfato
de alumínio, cloreto férrico e sulfato ferroso.
A precipitação era feita antes da sedimentação primária e assim, a eficiência desta
operação era aumentada.
Presentemente, a precipitação química é utilizada para:
a) aumentar a eficiência da sedimentação primária
b) como passo básico no tratamento físico-químico de efluentes
c) remoção de fósforo
No primeiro caso, a sua utilização permite que se atinja um valor de depuração de
80 a 90% em termos de sólidos em suspensão e 40 a 70% em CBO 5 . Poupando os
aspectos teóricos da precipitação química, deve referir-se que os aspectos de
dimensionamento se referem à determinação da dosagem necessária e às instalações para
o armazenamento do produto, ao sistema de alimentação, às tubagens e aos sistemas de
controle.
As dosagens são normalmente determinadas em ensaios laboratoriais já que,
especialmente para o caso da precipitação de esgoto bruto, a sua complexa composição
química impede a determinação teórica dessas dosagens.
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Capítulo 6
Tanto quanto possível, a adição de precipitante deve fazer-se em local de grande
turbulência, sendo depois os núcleos de precipitação desenvolvidos numa zona de
agitação lenta, de floculação. Os flocos vão depois ser decantados.
Diferentes substâncias têm sido usadas como precipitantes. As mais comuns são o
sulfato de alumínio Al2 (SO4 )3 .nH2 O (n= 13 a 18), cloreto férrico (Fe Cl3 ), sulfato férrico
(Fe2 (SO4 )3 e Fe2 (SO4 )3 .3H2O, sulfato ferroso FeSO4 .7H2 O e cal Ca(OH)2 . As reacções
envolvidas são apresentadas seguidamente. Juntando sulfato de alumínio a um efluente
contendo alcalinidade em bicarbonato de Ca e Mg:
Al2 (SO4 )3 .18H2 O + 3Ca(HCO3 )2
•
3CaSO4 + 2Al(OH)3 + 6CO2 + 18H2 O
O hidróxido de alumínio formado é um floco gelatinoso que sedimenta
lentamente, arrastando o material em suspensão.
A alcalinidade necessária para reagir com 10 mg/l de sulfato de alumínio é de
em carbonato de cálcio
3 x 100
10 x
= 4,5 mg/l
666,7
Normalmente essa quantidade existe; se não, há que juntar cal.
Com cal:
Ca(OH)2 + H2 CO3 • CaCO 3 + 2H2O
Ca(OH)2 + Ca(HCO3 )2
• CaCO3 + 2H2 O
O carbonato de cálcio actua como coagulante.
O sulfato ferroso não pode ser usado por si só e a cal é que vai originar o
precipitado. Se estiver só:
• Fe(HCO3 )2 + CaSo4 + 7H2 O
FeSO4 .7H2O + Ca(HCO3 )2
Na presença de cal:
Fe(HCO3 )2 + 2Ca(OH)2 •
Fe(OH)2 + 2CaCO 3 + 2H2O
O hidróxido ferroso é depois oxidado a férrico pelo O2 dissolvido no efluente.
4Fe(OH)2 + O2 + 2H2 O → Fe(OH)3
O hidróxido férrico é um floco volumoso e gelatinoso similar ao hidróxido de
alumínio.
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Capítulo 6
Com cloreto férrico
FeCl3 + 3H2 O • Fe (OH)3 + 3H+ + 3Cl3H+ + 3HCO3 • 3H2 CO3
Com cloreto férrico e cal:
2FeCl3 + 3Ca(OH)2
•
3CaCl2 + 2Fe (OH)3
Com sulfato férrico e cal:
Fe2 (SO4 )3 + 3Ca(OH)2
• 3CaSO4 + 2Fe (OH)3
O fósforo presente num efluente pode ser incorporado em microrganismos ou em
precipitados químicos. No último caso, utilizam-se sais metálicos ou cal. Dos primeiros
são mais comuns o cloreto férrico e o sulfato de alumínio. Por vezes usam-se também
polímeros em conjugação com os anteriores. A cal é menos frequente devido a produzir
muito maior quantidade de lama, ao mesmo tempo que os problemas envolvidos com o
manuseamento, armazenamento e alimentação são maiores.
A precipitação de fósforo numa estação de tratamento pode ocorrer no
sedimentador primário (pré-precipitação), no sedimentador secundário, caso em que o
precipitante é adicionado antes, no interior ou depois do tanque de arejamento (coprecipitação) e a nível terceário (pós-precipitação).
Em termos químicos, quando se usa cal, começa por formar-se carbonato de
cálcio com consumo da alcalinidade de bicarbonato. À medida que o pH sobe e
ultrapassa o valor de 10, os iões cálcio em excesso reagem com o fosfato, precipitando
hidroxiapatite:
10Ca2+ + 6PO43- + 2OH-
• Ca10 (PO4 )6 (OH)2
A quantidade de cal a adicionar depende primariamente da alcalinidade presente e
não do fosfato. Tipicamente é de 1,4 a 1,5 vezes a alcalinidade expressa em CaCO3 . Dado
o pH elevado necessário, a co-precipitação não é em geral possível.
Com sais metálicos, ocorrem as seguintes equações:
Al3+ + Hn PO43-n • AlPO4 + nH+
Fe3+ + Hn PO43-n • FePO4 + nH+
Uma mole desses sais precipita 1 mole de fosfato, mas há vantagem em fazer
testes laboratoriais para determinar as quantidades correctas.
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Capítulo 6
ii. Adsorção
A adsorção é, neste contexto, um processo que podemos classificar como físicoquímico e pelo qual são captadas substancias solúveis numa interface adequada.
A interface pode ser entre o líquido e um gás, um sólido ou outro líquido. É o caso
da adsorção na interface líquido-sólido que aqui interessa. A necessidade de uma
depuração cada vez mais perfeita tem levado a um interesse cada vez maior pela
adsorção, nomeadamente utilizando carvão activado.
A adsorção em carvão activado é normalmente encarada como um processo de
afinação de água após o tratamento biológico. O carvão nesse caso é utilizado para
remover a matéria orgânica que ainda esteja em solução. A adsorção no carvão activado é
também utilizada como parte dos métodos físico-químicos de tratamento em que a 1ª fase
é constituída por precipitação química seguida de decantação. Mais recentemente, tem-se
utilizado carvão activado em pó como aditivo nos tanques biológicos de lamas activadas
especialmente em casos em que o esgoto contenha produtos orgânicos não
biodegradáveis. É o caso comum em Portugal de haver lagares de azeite inseridos nas
redes domésticas, cujos efluentes – as águas ruças – contêm compostos polifénolicos que
não são susceptíveis de fácil degradação biológica.
O carvão activado é preparado fazendo um carvão a partir da madeira. As
partículas assim obtidas são expostas a gases oxidantes a altas temperaturas, criando-se
assim uma estrutura porosa e consequentemente uma área global elevada.
O tratamento de afinação com carvão activado faz-se normalmente numa coluna
cheia com carvão, através da qual se faz passar o líquido a tratar em sentido descendente.
À medida que vai sendo adsorvida matéria orgânica, a capacidade ou eficiência da coluna
vai-se reduzindo, sendo melhorada por lavagens em contra-corrente. Finalmente, o
carvão tem que ser regenerado, o que se faz num forno onde a matéria orgânica é oxidada
e é assim removida da superfície do carbono (Fig. 6.11).
iii. Desinfecção
A desinfecção tem por finalidade a destruição selectiva dos organismos
causadores de doenças. Nem todos os organismos são eliminados no processo, o que
distingue este método de uma esterilização.
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Capítulo 6
Figura 6.11. Uma coluna de carvão activado.
Como já foi visto, o homem segrega um número muito elevado de
microorganismos que faz com que nos nossos esgotos médios a quantidade de coliformes
seja da ordem dos 108 /100 ml.
Ora, o tratamento de esgotos utilizando as operações e processos que vêm sendo
descritas, é eficiente em matar os coliformes, relatando-se para os métodos biológicos
eficiências compreendidas entre 99 e 99,9%. Só que a água que sai da estação e que
assim tenha sido purificada conterá ainda entre 105 e 106 coliformes/100 ml, ou seja será
uma água pouco adequada a diversas reutilizações. A desinfecção faz-se então com a
finalidade de reduzir estas concentrações até valores mais consentâneos com as situações
reais. Presentemente, o método mais comum de desinfecção de águas residuais é por
adição de cloro.
Trata-se de método eficiente mas que tem sido recentemente criticado por dar
origem a compostos cloroorgânicos potencialmente carcinogénicos. Portanto, o
lançamento de esgoto clorado nas águas naturais tem efeito nocivo sobre certas formas
animais, especialmente no estado larvar.
Um desinfectante ideal deve ter uma série de características favoráveis, tais como
ser tóxico para os microorganismos, mas não para os animais superiores, ser solúvel,
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97
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Capítulo 6
estável, dar soluções homogéneas, ser efectivo às temperaturas ambientes, ser económico,
etc.
Nenhum desinfectante conhecido obedece a todas estas condições, e dos muitos já
utilizados é o cloro o mais vulgar.
O bromo e o iodo utilizam-se por vezes em águas de piscinas mas não para
esgotos. O ozono é um desinfectante muito eficiente e a sua utilização tem vindo a
crescer. Tem a vantagem ou a desvantagem – conforme a utilização – de não deixar
residuais.
É de referir também os desinfectantes físicos tais como o calor e a luz. É sabido
que fervendo uma água, se destróiem as bactérias produtoras de doenças desde que não
formem esporos. Este método não é utilizável para esgotos embora em certos casos se
faça a pasteurização de lamas.
A luz do sol é um bom desinfectante, particularmente pela sua componente ultravioleta. A aplicação da desinfecção de esgotos por ultravioletas tem vindo ultimamente a
ser encarada com muito interesse, sendo citada agora como alternativa muito viável, e
sendo utilizada no nosso país nalgumas das instalações de tratamento de maior dimensão.
A acção dos desinfectantes deve-se a 1) destruição da parede celular, 2) alteração
da permeabilidade celular, 3) alteração da natureza coloidal do protoplasma e 4) inibição
da actividade enzimática.
O decréscimo da população microbiana segue mecanismos de morte térmica. Os
compostos de cloro mais utilizados são o gás (Cl2 ), o hipoclorito de cálcio [Ca(OCl)2 ], o
hipoclorito de sódio (NaOCl) e o dióxido de cloro (ClO 2 ). Os dois primeiros são os mais
utilizados. O ClO 2 não reage com a amónia e por isso não dá origem às cloraminas,
estando actualmente em grande expansão em termos de uso. Existe também muito
interesse no cloreto de bromo.
No caso do cloro, é muito importante que haja um período inicial de mistura
rápida. A aplicação do cloro em regime altamente turbulento (N re>104 ) resulta em mortes
de microorganismos duas ordens de grandeza maiores do que se o cloro for adicionado
em condições menos turbulentas.
Depois disso, é necessário um tempo de contacto com condições de escoamento
normal que deve ser de 20 a 30 minutos. Dosagens de 2 a 20 mg/l de cloro são usadas.
Quanto à desinfecção pelo ozono ele é produzido quando se aplica uma alta
voltagem num ambiente que contenha um gás com oxigénio. Dado que é relativamente
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Capítulo 6
instável, o ozono é produzido no próprio local a partir do ar ou do oxigénio puro.
Portanto, o investimento inicial é alto e o custo da operação também é elevado devido ao
custo da energia dispendida. Se o esgoto não se encontra bem depurado, o ozono vai ser
consumido principalmente para oxidar matéria orgânica e é menos efectivo para reduzir
as contagens dos microrganismos.
O problema da desinfecção merce um estudo detalhado que não cabe no âmbito
deste curso, embora volte a ser referido no estudo dos tratamentos terceários. Em
Portugal, raramente se tem feito cloragem nas estações de tratamento, mesmo quando a
instalação o prevê. No entanto essa desinfecção é essencial quando as estações de
tratamento são supostas despoluir uma praia. Como vimos, uma estação de tratamento
pode dar uma água clara que não ofende esteticamente os utilizadores da praia, mas com
efeito a água continua imprópria para ser utilizada em prática balnear.
6.3.3. Processos Biológicos Unitários
Os objectivos do tratamento biológico de águas residuais são de coagular e
remover os sólidos coloidais não sedimentáveis e estabilizar a matéria orgânica. Para o
esgoto doméstico, o objectivo principal é de reduzir o conteúdo orgânico e, em muitos
casos os nutrientes, tais como o azoto e o fósforo.
Com uma análise adequada e um controle ambiental quase todos os esgotos
podem ser tratados biologicamente. Os microrganismos são utilizados para converter a
matéria orgânica carbonácea dissolvida e coloidal em vários gases e tecido celular. Como
o tecido celular tem uma densidade ligeiramente superior à da água, a biomassa resultante
pode ser removida do líquido tratado por sedimentação.
É importante notar que, a menos que o material celular que é produzido a partir da
matéria orgânica seja removido da solução, não se regista tratamento completo, porque o
tecido celular, que também é orgânico irá contribuir para o CBO do efluente. Se o tecido
celular não for removido, isto é, se não houver deposição por gravidade, então a única
matéria orgânica removida é a transformada em gás.
Os processos biológicos principais são ou aeróbios ou anóxicos ou anaeróbios ou
uma mistura de aeróbios/anóxicos ou anaeróbios. Além disso, os processos podem ser
com crescimento em suspensão, ligados a um suporte ou mistos.
J. M. Novais
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Capítulo 6
As aplicações principais destes processos são normalmente a remoção de carbono
orgânico mas eventualmente também a nitrificação e desnitrificação. É o primeiro caso
que mais nos interessa. Em resumo, os processos biológicos, podem ser:
Processos aeróbios
Em suspensão
Lamas activadas e variantes
Lagoas arejadas
Digestão aeróbia
Lagoas fotossintéticas
Em suportes
Filtros de percolação
Discos Biológicos
Desnitrificação em suspensão
Desnitrificação em filme fixo
Processos anóxicos
Em suspensão
Processos anaeróbios
Em suspensão
Digestão anaeróbia
Em suportes
Filtros anaeróbios
6.3.3.1. Lamas Activadas
O processo de lamas activadas foi desenvolvido em Inglaterra em 1914 por
Ardern e Lockett e foi assim chamado porque envolvia a produção de uma massa de
microrganismos capazes de estabilizar aerobicamente um efluente. Há muitas versões
diferentes do processo inicial, hoje em uso, que são fundamentalmente similares.
O sistema inicial envolve um reactor contínuo com agitação e recirculação.
QW , XW
SEDIMENTAÇÃO
AREJAMENTO
Q
X
V
So
(Q – QW ), S, Xe
S
Qr, Xr, S
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100
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Capítulo 6
Em que:
Q – caudal de esgoto
Qr – caudal de recirculação
So – concentração inicial de substrato orgânico
S – concentração final de substrato orgânico
X – concentração de sólidos em suspensão no reactor
Xe – concentração de sólidos em suspensão no efluente
Xr – concentração de sólidos em suspensão na recirculação
Qw, Xw – referem-se às lamas em excesso que se retiram do sistema
O efluente orgânico é introduzido num reactor onde se mantém uma cultura
bacteriana em suspensão. O conteúdo do reactor é conhecido como o licor (ML). O
ambiente aeróbio é conseguido usando arejamento mecânico ou por difusores, o que
também serve para manter o licor num regime de mistura completa. Depois de um
período de tempo especificado, a mistura das células vai para o tanque de sedimentação
onde as células são separadas do efluente tratado.
Uma porção das células depositadas é reciclada para manter a concentração
desejada de organismos no reactor, havendo uma porção que é rejeitada e que
corresponde ao crescimento celular .
A não existência de reciclagem daria lugar a wash-out já que estamos em presença
de uma cultura contínua com uma elevada taxa de diluição. Neste sistema, embora as
bactérias tenham um papel fundamental, não há necessidade de proceder a uma
inoculação, nem sequer há qualquer preocupação de funcionar em condições asépticas.
As bactérias e outros microrganismos que se fixam e se desenvolvem preferencialmente,
são função das condições ambientais e do próprio esgoto. A maior parte da matéria
orgânica do esgoto é transformada em matéria celular das espécies dominantes no
sistema, uma parte é utilizada para a obtenção de energia e, finalmente uma porção menor
é oxidada para dar compostos de baixa energia tais como nitratos, sulfatos e anidrido
carbónico.
Em geral, as bactérias presentes no sistema de lamas activadas são gram-negativas
e incluem membros dos géneros Pseudomonas, Zoogloea, Achromobacter,
Flavobacterium, Nocardia, Bdellovibrio, Mycobacterium e duas bactérias nitrificantes,
Nitrosomonas e Nitrobacter. Aparecem além disso várias formas filamentosas tais como
Sphaerotilus, Beggiatoa, etc.
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Capítulo 6
Enquanto as bactérias são os microrganismos que efectivamente degradam o
efluente orgânico, as actividades metabólicas de outros microrganismos são também
importantes no sistema de lamas activadas.
Por exemplo, os protozoários e as rotíferas actuam como afinadores do efluente.
Os protozoários consomem bactérias dispersas que não flocularam e as rotíferas
consomem pequenos flocos biológicos que não sedimentaram. Além disso, embora seja
importante que as bactérias decomponham a matéria orgânica tão rapidamente quanto
possível, é também importante que formem um floco satisfatório, que permita uma
separação efectiva na unidade de sedimentação. Tem-se verificado que à medida que o
tempo médio de permanência das células no sistema aumenta, as características de
sedimentabilidade do floco biológico são melhoradas. A razão disso é que à medida que a
idade média das células é aumentada, a carga superficial reduz-se e os microrganismos
começam a produzir polímeros extracelulares, acabando por ficar encapsulados numa
lama. A presença destes polímeros e dessa lama promove a formação de flocos que
podem ser separados facilmente por gravidade. Para efluentes domésticos são necessários
tempos médios de permanência das células de pelo menos 3-4 dias para ser possível
sedimentação efectiva. Ainda assim, a presença de microrganismos filamentosos e fungos
pode afectar a sedimentabilidade.
Dada a abordagem sucinta que aqui se faz destes assuntos, passamos já a analisar
alguns factores que há que ter em conta quando se faz o dimensionamento destes
sistemas.
i.
Carga utilizada
Ao longo dos anos têm-se proposto vários parâmetros, uns empíricos, outros
racionais, para o dimensionamento e controlo do processo de lamas activadas. Os dois
mais utilizados actualmente são:
- Razão F/M (alimentos/microrganismos)
- Tempo médio de permanência celular θc
Por definição
S0
F/M =
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θX
102
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em que
Capítulo 6
F/M é a razão alimentos: microrganismos em dia-1
S0 é a concentração de CBO ou CQO à entrada g/m3
θ é o tempo de detenção hidráulica no tanque
θ=V/Q
com
V o volume do tanque de arejamento (m3 )
Q o caudal de entrada do esgoto (m3 /d)
X a concentração de sólidos em suspensão voláteis no tanque em g/m3
Quanto ao θc, podemos defini-lo baseado no volume do tanque de arejamento
θc =
com
θc
V
X
QW
XW
Qe
Xe
VX
QwXw + QeXe
o tempo médio de permanência celular (dia)
o volume do tanque de arejamento (m3 )
a concentração de sólidos em suspensão voláteis no tanque de
arejamento (g/m3 )
o caudal de lamas em excesso (m3 /dia)
a concentração de sólidos em suspensão voláteis no excesso de
lamas (g/m3 )
o caudal de efluente tratado (m3 /dia)
a concentração de sólidos em suspensão voláteis no efluente tratado
(g/m3 )
Valores típicos para o F/M variam entre 0,05 e 1,0 para o θc entre 6 e 15 dias.
Relações empíricas baseadas no tempo de detenção e nos factores de carga
orgânica também têm sido utilizados. O tempo de detenção baseia-se normalmente no
caudal de esgoto que entra, sendo os valores típicos entre 4 e 8 horas. As cargas orgânicas
variam entre 0,3 e 3 kg CBO aplicados diariamente por m3 do volume do tanque de
arejamento.
Estes valores são apropriados quando o esgoto a ser tratado é de índole doméstica.
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103
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Capítulo 6
ii. Selecção do tipo de reactor
O primeiro factor a ter em consideração diz respeito ao modo cinético da reacção.
Poderão assim utilizar-se reactores contínuos com agitação (CSTR) ou reactores tipo
embolo (PF). De um ponto de vista prático deve notar-se que os tempos de detenção
hidráulica em ambos os casos são quase sempre idênticos, o que é devido ao facto de a
taxa de remoção do substrato ser de ordem zero em relação à concentração de substrato.
É quasi-primeira ordem em relação à concentração de células.
O segundo factor importante na escolha do reactor diz respeito às trocas de
oxigénio. No passado, com sistemas de arejamento em reactores tipo êmbolo verificou-se
que não era possível fornecer oxigénio suficiente para as necessidades no local de entrada
do esgoto. Isso levou ao aparecimento das seguintes modificações do sistema de lamas
activadas:
a) arejamento variável em que se fornecia mais ar aos pontos em que a exigência era
maior.
b) alimentação escalonada (step aeration) em que o esgoto e as lamas recirculadas
são distribuídas por vários pontos ao longo do tanque de forma a melhor utilizar o
arejamento.
c) CSTR em que o ar fornecido é equivalente ou excede a demanda de oxigénio, mas
de uma forma uniforme em todo o tanque.
O terceiro factor que influencia a selecção do reactor é a natureza da água
residual. O CSTR em que instantaneamente se dá a dispersão por todo o volume do
reactor do esgoto que entra no tanque pode em comparação com o tipo êmbolo, resistir
mais facilmente a choques de cargas como as que resultam de certas operações
industriais.
iii. Produção de lamas e controle do processo
É importante saber a quantidade de lamas produzidas por dia, porque ela afecta o
dimensionamento da instalação de manuseamento e descarga de lamas. A quantidade de
lamas a descarregar diariamente é de
PX = Yobs Q(S0-S) x (103 g/kg) -1
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Capítulo 6
em que PX é a lama activada em excesso produzida por dia, medida em termos de sólidos
em suspensão voláteis (kg/dia), e Yobs é o rendimento observado da conversão do
substrato em lama (g/g).
iv. Oxigénio necessário e sua transferência
O oxigénio teoricamente necessário pode ser determinado sabendo o CBQ do
esgoto e a quantidade de organismos a ser expulsos do sistema por dia.
Se todo o CBO 5 fosse convertido em produtos finais, a demanda total de oxigénio
seria computada convertendo o CBO 5 em CBO L por um factor de conversão apropriado.
É sabido que uma porção do CBO é convertido em novas células que são
subsequentemente expelidas do sistema. Portanto, se o CBO L das células que saem, for
subtraído ao total, a quantidade restante representa a quantidade de oxigénio que tem que
ser fornecida ao sistema.
O CBO L de uma mole de células é calculado do seguinte modo:
C5 H7NO2 + 5O2 → CO2 + 2H2O + NH3
kg O2 / kg células = 160 / 113 = 1,42
ou seja, o CBO das células em excesso é de 1,42 x massa das células. Então o oxigénio
teórico total é
kgO 2 /dia = massa total de CBO L – 1,42 x massa de organismos em excesso
Nos termos já definidos:
kg O2 / dia =
Q (S0-S) x (103 g/kg)-1
f
- 1,42 PX
em que f é o factor de conversão de BOD5 em BODL.
O ar a fornecer deve ser adequado para:
a) Satisfazer o CBO do esgoto
b) Satisfazer a respiração endógena dos organismos da lama
c) dar condições da mistura adequadas
d) manter um mínimo oxigénio dissolvido de 1 a 2 mg/l em todo o tanque e durante
todo o tempo
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Capítulo 6
Para F/M > 0,3, o ar necessário para o processo convencional é de 30 a 55 m3 /kg
de CBO 5 retirado. F/M inferiores, respiração endógena, nitrificação e períodos de
arejamento prolongados aumentam o ar utilizado para 75 a 115 m3 /kg de BOD5
removido.
O ar pode ser fornecido por difusores no fundo do tanque ou utilizando arejadores
mecânicos superficiais (Fig. 6.12; Tabela 6.1).
Figura 6.12. Arejadores mecânicos. (a) superficial; (b) cone; (c) turbina submersa.
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106
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Capítulo 6
Tabela 6.1. Características de sistemas de arejamento convencionais.
v. Necessidade de nutrientes
Para um sistema biológico funcionar convenientemente, têm que estar presentes
nutrientes em quantidades suficientes. Isso acontece no caso dos esgotos domésticos, mas
pode não ser o caso com os esgotos industriais. Baseado na composição média do tecido
celular, é necessário 12,4% de azoto em comparação com o carbono. A quantidade de
fósforo necessário é um quinto de azoto. Muitos outros iões inorgânicos são necessários
mas em quantidades traço.
vi. Ambiente
Factores ambientais importantes são a temperatura e o pH. A temperatura
influencia o processo biológico da seguinte forma
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107
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Capítulo 6
rT = Θ T-20
O valor típico para Θ no caso das lamas activadas é de 1,02.
Quanto ao pH, é importante notar que são toleráveis valores na gama 6 a 9,
obtendo-se funcionamento optimizado a valores próximos da neutralidade.
vii. Separação de sólidos
Uma parte extraordinariamente importante do processo biológico diz respeito ao
dimensionamento das instalações para a separação dos sólidos biológicos da água tratada,
pois se esta não é eficiente, todo o sistema é inútil.
Tanques de sedimentação são praticamente semelhantes aos descritos para o
tratamento primário, não necessitando no entanto de recolha de sobrenadantes.
As bases de dimensionamento são um pouco, diferentes, tendo em conta o grande
volume de sólidos floculantes. Assim, a altura da água não costuma ser inferior a 3,5m.
viii. Tipos de processos e modificações
O processo de lamas activadas é muito flexível e pode ser adaptado a quase
qualquer tipo de problema de tratamento biológico de efluentes.
De um modo abreviado, podemos citar as seguintes variantes (Fig. 6.13):
A. Convencional
O processo convencional é constituído por um sistema com tanque de arejamento,
decantador secundário e um sistema de recirculação. O tempo de detenção é de cerca de 6
horas e a taxa de recirculação de 25 a 50%.
B. Alta carga
Trata-se de um esquema idêntico ao convencional mas em que os tempos de
retenção são curtos (1 a 3 horas) e os sólidos em suspensão no licor (MLSS) são de 1000
a 2000 mg/l. Atinge-se rapidamente uma estabilização parcial com cargas orgânicas até
1,6 kg de CBO/m3 .dia. As remoções de CBO são de 60 a 80%.
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Capítulo 6
C. Arejamento escalonado e adição escalonada
São sistemas em que se procura equilibrar as demandas de oxigénio com os
fornecimentos. Assim, no arejamento escalonado, o fornecimento de ar é forte no topo do
tanque onde entra o esgoto e vai sendo depois reduzido.
Na adição escalonada, adiciona-se o influente em vários pontos ao longo do
tanque de modo a ter-se uma demanda mais constante de oxigénio. As lamas recicladas
entram normalmente no início do tanque e os pontos de entrada do esgoto verificam-se
depois de haver rearejamento das lamas. O sistema permite tempos de detenção mais
curtos do que no sistema convencional.
D. Mistura completa
Ao contrário dos sistemas anteriores que se dão em geral em reactores (ou
tanques) tipo êmbolo, na mistura completa procura-se atingir um regime CSTR o que
resulta num melhor rendimento
E. Arejamento prolongado
Usando tempos de retenção longos, é possível operar na zona de respiração
endógena, de modo que se produzem menos lamas do que numa instalação normal, lamas
essas já numa fase bastante estabilizada e que dispensam a digestão. A carga orgânica
utilizada é reduzida (0,24 a 0,32 kg CBO por m3 .dia) e são instalações bastantes
adequadas a pequenas comunidades (até 20 000 habitantes)
F. Estabilização por contacto
Este processo utiliza a propriedade de as lamas adsorverem sobre si rapidamente a
matéria orgânica em solução. Tal adsorção faz-se num tanque pequeno, com uma
detenção de 30 a 60 minutos. As lamas e os produtos orgânicos adsorvidos, são depois
transferidos, após decantação, para uma unidade de digestão aeróbia, onde se dá a
estabilização (detenção de 2 a 3 horas).
Os sólidos existentes na zona de contacto são de cerca de 2000 mg/l, enquanto
que na unidade de estabilização podem atingir os 20 000 mg/l.
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Capítulo 6
A)
B)
Figura 6.13. A) Arrabjo típico de um sistema de lamas activadas; B) Variantes do sistema
de lamas activadas.
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Capítulo 6
ix. Tipos especiais de processos de lamas activadas
A. Oxigénio puro
O uso de oxigénio puro em vez de ar permite a dissolução do oxigénio na fase
líquida com uma redução considerável de consumo de energia. Por esta razão os
processos tendem a trabalhar com concentrações de oxigénio dissolvido mais elevadas,
5–10 mg/l em vez dos 2 mg/l dos processos convencionais (Fig. 6.14).
Em resultado, conseguem-se taxas mais elevadas de biooxidação e portanto
podem usar-se cargas de CBO mais elevadas para remoções comparáveis de CBO.
No entanto a comparação económica entre o método do oxigénio dissolvido e o
convencional continua a fornecer este último, a menos que o oxigénio possa ser adquirido
a baixo preço como produto secundário de um outro processo.
Figura 6.14. Processo de lamas activadas com oxigénio puro.
B. Carvão activado em pó
A adição directa de carvão activado em pó (PAC) ao tanque de arejamento tem
sido utilizada particularmente no caso de substratos orgânicos com problemas em termos
de biodegradação. O carvão activado em pó é adicionado na forma de uma suspensão até
a uma concentração de 0,7 a 1,5 kg/m3 e mantido a esse nível por adições diárias.
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Capítulo 6
A acção do PAC é devida a adsorção de compostos inibitórios e à adsorção dos
compostos orgânicos que serão lentamente degradados por microrganismos que
entretanto se instalam nos poros.
C. Deep shaft
O reactor deep shaft consiste num poço com 3 a 10 metros de diâmetro forrado
com cimento até uma profundidade de 50 a 150 metros. Contém um tubo concêntrico
pelo qual o líquido de alimentação e a lama recirculadas são injectados. O ar é injectado
durante o percurso descendente e dado que a velocidade do líquido é aí superior à
velocidade ascensorial das bolhas, todo o ar é arrastado para baixo (Fig. 6.15).
A pressão hidráulica no fundo do fermentador é suficiente para garantir que todo
o ar estará em solução. O líquido ascende pela secção exterior do poço e à medida que a
pressão hidráulica diminui as bolhas de azoto, CO2 e oxigénio coalescem.
O sistema oferece várias vantagens como a de necessitar pouca área e
proporcionar elevadas transferências de oxigénio (3 a 5 kg O2 /kwh) do que resulta
economia energética. Além disso forma-se apenas cerca de 50% da lama.
Figura 6.15. Esquema de um sistema de lamas activadas com reactor deep shaft.
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Capítulo 6
x. Nitrificação em lamas activadas
O efluente contém normalmente uma concentração de azoto orgânico e
amoniacal. Durante o tratamento aeróbio este azoto é libertado na forma de NH+4 . O
amoniaco livre (NH3 ) é tóxico para os peixes a concentrações de 1 mg N/l. A dissociação
NH+4 • NH3 + H+ é dependente do pH e da temperatura.
A pH = 7.0, 99% da amónia total está na forma não dissociada. A valores de pH
acima de 9.0, a dissociação torna-se importante (>20%). Esse valor ocorre
frequentemente nas águas naturais especialmente pelo consumo dos bicarbonatos pelas
algas. É portanto normalmente necessário remover o NH+4 no esgoto para evitar
toxicidade para a vida piscícola. Além disso a descarga do amónio numa água superficial
vai resultar em nitrificação e exercer assim uma elevada demanda de oxigénio. A redução
de oxigénio dissolvido causada pela nitrificação pode também pôr em perigo a fauna
piscícola.
O azoto amoniacal é oxidado a nitrato no ambiente e nos sistemas de tratamento
de esgotos por dois grupos de bactérias químio-litotróficas que operam em sequência. No
primeiro grupo encontram-se principalmente membros do género Nitrosomonas que
oxidam o ião amónio a nitrito depois oxidado a nitrato pelo segundo grupo normalmente
representado por membros do género Nitrobacter:
Nitrosomonas
NH+4 + 1.5 O2 
→ NO-2 + 2H+ + H2 O + 275 KJ
Nitrobacter
NO-2 + 0.5 O2 
→ NO-3 + 75 KJ
Dada a baixa energia libertada, a síntese celular é bastante baixa.
As bactérias nitrificantes, em comparação com as que degradam os compostos
orgânicos crescem bastante devagar. Para que possam estabelecer-se na comunidade
microbiana, tempos de residência celular de pelo menos 10 dias têm que ser utilizados.
xi. Desnitrificação
O processo pelo qual o nitrato funciona como aceitador de equivalentes redutores
e é desassimilado como azoto gasoso é chamado desnitrificação:
NO-3 → NO-2 → NO → N2 O → N2
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Capítulo 6
Níveis elevados de nitrato nos efluentes de estações de tratamento podem causar
entrofização nas águas receptoras. Por outro lado teores elevados de nitratos podem fazer
com que uma água deixe de ser potável.
Por estas razões, a desnitrificação vem sendo cada vez mais integrada na operação
normal das lamas activadas.
Os microrganimos aeróbios organotróficos transferem electrões de um dador
orgânico para o oxigénio que funciona como aceitador electónico. No caso do oxigénio se
tornar limitante, o nitrato torna-se no aceitador electrónico mais favorecido, rendendo
ainda quantidades consideráveis de energia potencial.
5C6 H12 O6 + 24NO -3 + 24H+ → 12N2 + 30CO2 + 42H2 O
A desnitrificação resulta numa elevação do pH e resulta da actuação de grande
número de bactérias. Alguns dos géneros mais importantes são Pseudomonas,
Alcaligenes, Hyphomicrobium e Thiobacillus que são anaeróbios facultativos, só
utilizando o nitrato como aceitador electrónico na ausência de oxigénio.
A Fig. 6.16 esquematiza as opções operatórias para a realização da desnitrificação
em lamas activadas.
6.3.3.2. Filtros de Percolação (Processos de tratamento biológico de crescimento aeróbio
sobre suportes)
Os processos de tratamento biológicos de crescimento aeróbio sobre suportes são
utilizados para remoção de matéria orgânica das águas residuais. São também utilizados
para nitrificação. Incluem os filtros de percolação, os discos biológicos e o reactor de
nitrificação de leito fixo. O mais utilizado é o filtro de percolação pelo que será
considerado em mais pormenor.
O primeiro filtro de percolação foi posto em operação em Inglaterra em 1893 e
resultou da evolução dos então utilizados filtros de contacto, que eram tanques estanque,
cheios de pedras quebradas. Em operação, o leito de contacto era cheio de esgoto até
cima e o esgoto contactava com o enchimento durante um tempo curto. O leito era então
escorrido e descansava antes da repetição do ciclo. Normalmente o ciclo demorava 12
horas (6 horas de operação e 6 horas de repouso).
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114
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Capítulo 6
A)
etapa
anóxica
etapas arejadas
IDADE DE LAMA LONGA
B)
adição de metanol
ou esgoto bruto
etapa
arejada
etapa
anóxica
IDADE DE LAMA LONGA
Figura 6.16. Opções de desnitrificação. A) inegrada; B) sequencial.
O leito de percolação moderno, consiste de um leito de meio altamente permeável
ao qual se ligam os microrganismos e através do qual o esgoto escorre ou goteja. O meio
filtrante consiste de pedras com tamanhos entre 25 e 100 mm de diâmetro. A altura do
leito varia entre 0,9 e 2,5 m com média de 1,8m. Os filtros percoladores com
enchimentos de plástico são em geral de secção quadrada com alturas de 6 a 12 metros.
Os filtros de pedras são em geral circulares, sendo o efluente distribuído no topo por um
distribuidor hidráulico rotativo (Fig. 6.17).
Os filtros são construídos com um sistema inferior de recolha para colectar o
efluente tratado e os sólidos que se soltam do filtro. Este sistema inferior deve também
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115
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Capítulo 6
permitir a circulação do ar que vai arejar todo o filtro. O liquido obtido vai a um tanque
de sedimentação onde os sólidos são separados do efluente tratado.
Figura 6.17. Esquema de um filtro de percolação.
A matéria orgânica presente no efluente é degradada por uma população de
microrganismos ligada ao meio filtrante (Fig. 6.18). O material orgânico do líquido é
adsorvido no filme biológico. Nas porções exteriores do filme, esse material orgânico é
degradado por microrganimos aeróbios. Esses microrganismos vão-se reproduzindo e a
espessura do filme vai aumentando e o oxigénio difundido é consumido antes de poder
penetrar na totalidade da profundidade do filme. Estabelece-se assim um ambiente
anaeróbio perto da superfície do meio. À medida que o filme se torna mais espesso, a
matéria orgânica adsorvida é metabolizada antes de chegar aos microrganismos que se
encontram perto da superfície do meio sólido, pelo que os microrganismos que aí se
encontram entram em fase endógena de crescimento e perdem a sua capacidade de se
prender à superfície do meio. O próprio líquido faz então soltar o filme microbiano,
começando-se imediatamente a formar novo filme.
A comunidade biológica que se fixa num leito percolador consiste principalmente
de bactérias aeróbias, anaeróbias e facultativas, fungos, algas e protozoários. Também
aparecem animais superiores como minhocas, larvas de insectos e caracóis. Os
microrganismos
predominantes
são
bactérias
facultativas. Achromabacter,
Flavobacterium, Pseudomonas e Alcaligenes são das espécies bacterianas
frequentemente encontradas. No filme biológico, em condições adversas surgem formas
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Capítulo 6
AR
LÍQUIDO
MEIO
SÓLIDO
FILME BIOLÓGICO
filamentosas tais como o Sphaerotilus natans e a Beggiatoa. Nas partes inferiores do
filtro surgem bactérias nitrificantes tais como Nitrosomonas e Nitrobacter.
O2
CO2
produtos orgânicos
produtos finais
Figura 6.18. Esquema de um sistema com crescimento biológico aeróbio sobre suporte.
Os fungos presentes são também responsáveis pela estabilização do efluente, mas
a sua contribuição é menos importante. Nas camadas superiores do filtro aonde chega à
luz do Sol, surgem algas tais como Phormidium, Chlorella, Ulothrix. Os protozoários
presentes são do grupo dos ciliados incluindo Vorticella, Opercularia, Epistylis.
Vão se registando variações na população biológica ao longo de todo o filtro
sempre que há variações da carga orgânica, carga hidráulica, composição do influente,
pH, temperatura, ar disponível e outros factores.
Os filtros podem ser de baixa e alta carga sendo as respectivas características as
seguintes:
3
2
Carga hidráulica (m /(m .dia))
Carga orgânica (kg CBO/(m3 .dia))
Altura de enchimento (m)
Razão de recirculação
Meio filtrante
Baixa carga
Alta carga
1–4
0,08 – 0,32
1,5 – 3,0
0
pedra, escória
10 – 40
0,32 – 1,0
1,0 – 2,0
2:1 a 3:1
pedra, escória
materiais sintéticos
6 – 10
Poucas
Energia necessária kW/1000m3
Moscas
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0–4
Muitas
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Capítulo 6
Os filtros de baixa carga são simples e dão um efluente de qualidade consistente
mesmo quando o influente tem força variável. Mantém-se geralmente uma carga
hidráulica constante, não por recirculação, mas por um sifão de dosagem. Os tanques de
dosagem são pequenos, normalmente com um tempo de detenção de 2 minutos, baseado
no dobro do caudal médio do projecto, de modo que a intermitencia da dosagem é
minimizada. Os filtros de baixa carga podem dar cheiros e podem também originar
quantidades grandes de moscas (Psychoda).
Os filtros de alta carga têm recirculação do efluente do filtro ou do efluente final e
permitem mais altas cargas orgânicas. Exemplos de esquemas de funcionamento são os
seguintes (muitos outros são possíveis):
S
F
S
S
F
S
A recirculação melhora a eficiência do tratamento e evita entupimentos do filtro,
reduzindo a quantidade de moscas e de cheiros.
O dimensionamento “científico” dos filtros de percolação ainda hoje é difícil,
sendo principalmente baseado em critérios práticos.
Os factores que têm que ser considerados no projecto de filtros de percolação
incluem:
i.
ii.
iii.
iv.
v.
o tipo e características de dosagem do sistema de distribuição
o tipo e características físicas do meio filtrante a ser usado
a configuração dos sistemas de escorrimento
provisão de ventilação adequada, quer natural quer por ar forçado
o dimensionamento dos tanques de sedimentação correspondentes
Vejamos em pormenor estes factores:
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118
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Capítulo 6
i. Sistemas de distribuição
O distribuidor rotativo é o sistema mais utilizado porque é de confiança e é fácil
de manter. Consiste de dois ou mais braços que são montados num eixo vertical colocado
no centro do filtro e giram num plano horizontal.
Os braços são ocos e contêm orifícios através dos quais o esgoto é descarregado
sobre o leito filtrante. O distribuidor é normalmente movido pela reacção dinâmica ao
esgoto que sai pelos orifícios (que são colocados lateralmente em cada braço).
Em pequenas instalações, a distribuição do líquido na superfície do filtro é feita
por sistemas fixos. Em filtros rectangulares de grandes dimensões, os distribuidores são
montados em pontes rolantes que avançam e recuam ao longo do tanque.
ii. Meio filtrante
O meio filtrante ideal é um material com alta área superficial por unidade de
volume, barato, durável e que não permita entupimentos. O material mais próprio é a
brita ou a gravilha existentes no local, com um tamanho uniforme compreendido entre os
25 e os 75 mm. Outros materiais, tais como escórias, areias ou carvão duro são também
utilizados. As pedras com menos de 25mm não dão espaço intersticial suficiente para
permitir a passagem do líquido e dos sólidos que se libertam.
Quanto a meios sintéticos, utilizam-se folhas de plástico enrugado e interligadas
de forma a dar um meio altamente poroso e resistente a entupimentos. Este material não é
sujeito a esmagamento como acontece em leitos muito altos de pedras e podem-se assim
usar alturas até 12 metros que necessitam de menos área.
iii. Sistemas de drenagem inferior
O sistema de drenagem tem muita importância pois o seu não funcionamento
implica a inundação do filtro. Por outro lado, há tendência a que as pedras entupam
realmente esse sistema de drenagem e há por isso que projectá-lo e construí-lo com todo
o cuidado.
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Capítulo 6
iv. Ar no filtro
É necessário assegurar que o ar atravessa o filtro em grande quantidade, para
garantir que as condições à superfície de cada bloco de enchimento são aeróbias. Para
isso devem existir aberturas no fundo do tanque que permitam que o ar entre, o que
acontece por convecção natural dado que a temperatura no interior do filtro é superior à
do exterior.
A própria temperatura do esgoto, normalmente superior à do ambiente (excepto
no Verão) facilita este efeito.
v. Tanques de sedimentação
A sua função é de separar do líquido, os sólidos (lamas). São dimensionados
praticamente como os de sedimentação primária.
Há vários tipos de modelos mais ou menos empíricos que têm sido usados para
dimensionar filtros de percolação. No entanto, os critérios anteriormente apresentados em
tabela são ainda os mais utilizados.
6.3.3.3. Discos Biológicos (Rotating Biological Contactors – RBC)
Um RBC consiste numa série de discos plásticos circulares rotativos em torno de
um eixo e que estão imersos cerca de 40% num tanque onde o efluente passa (Fig. 6.19).
A velocidade de rotação é normalmente de 1rpm. Uma camada de crescimento
biológico instala-se na superfície molhada dos discos. À medida que o disco roda os
materiais orgânicos são captados pelos microrganismos e são degradados. O excesso de
filme desprende-se e é arrastado pelo líquido. O biofilme é oxigenado quando o filme sai
do líquido e fica em contacto com o ar.
As vantagens principais do RBC são a pequena área requerida, operação simples,
resistência a choques e dar boas percentagens de depuração, incluindo de nitrificação. Por
outro lado, chuva , vento e baixas temperaturas podem afectar o funcionamento pelo que
os discos devem estar protegidos.
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120
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Capítulo 6
Os RBC usaram-se desde o principio do século XX mas de uma forma bastante
limitada. Só depois de 1960 com o uso de discos de polistireno expandido é que
começaram a constituir uma alternativa importante. Tinham normalmente 2 a 3 metros de
diâmetro e uma espessura de 1,2 cm e estavam separados por 3 cm. Contudo esta
disposição não fornecia área suficiente para tornar o sistema competitivo quando os
caudais ultrapassavam os 4000 m3 /dia. De modo que foram desenvolvidos novos meios
que tinham uma estrutura em colmeia e que são fabricados em politileno de alta
densidade em discos alternados planos e corrugados que estão ligados uns aos outros.
Os discos são normalmente dimensionados com base na carga hidráulica embora
a consideração da carga orgânica devesse ser preferida. As taxas hidráulicas usadas vão
de 0,08 a 0,16 m3 /m2 dia. Em termos orgânicos podemos usar de 30 a 40 kg de CBO por
1000 m2 e dia.
Figura 6.19. Esquema e arranjo típico de um sistema de Discos Biológicos (RBC).
J. M. Novais
121
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6.3.3.4.
Capítulo 6
Lagoas de Estabilização
A lagunagem é um processo extremamente efectivo e económico de tratamento de
efluentes. Existem vários tipos diferentes de lagoas que podemos agrupar do seguinte
modo:
i. Lagoas anaeróbias
ii. Lagoas facultativas
iii. Lagoas aeróbias
Os dois últimos tipos podem ou não ter arejamento forçado; se tiverem são
chamadas Lagoas arejadas.
Vejamos com um pouco de destaque cada um destes tipos de lagoas.
i. Lagoas anaeróbias
As lagoas anaeróbias são utilizadas para o tratamento de águas residuais orgânicas
de alta concentração. Tipicamente, uma lagoa anaeróbia é uma cavidade funda feita na
terra com sistema de introdução do esgoto e sistema de saída.
Para conservar a energia calorífica e para manter condições anaeróbias, as lagoas
anaeróbias têm sido construídas com profundidades até 6 metros embora os 3 a 3,5
metros sejam mais típicos. O efluente parcialmente clarificado é descarregado em geral
para outro processo de tratamento. Normalmente as lagoas são anaeróbias em toda a sua
profundidade excepto numa zona superficial.
A estabilização é obtida por uma combinação de precipitação e de conversão
anaeróbia de efluentes orgânicos para dar CO2 , CH4 , outros produtos finais gasosos,
ácidos orgânicos e tecido celular. Conversões de CBO 5 de 70% são obteníveis, podendo
chegar-se a 85%. Tempos de detenção de cerca de 5 dias são comuns. A carga orgânica
admissível é de 200 a 500 kg CBO 5 /(ha.dia) ou, seguindo Mara, inferior a 400g
CBO 5 /(m3 .dia). Cargas maiores dão lugar a odores objeccionáveis.
Quanto a tempos de detenção, verifica-se que para tempos maiores que 5 dias,
grande parte do tanque trabalha em condições facultativas. Se as retenções são menores,
então o risco de cheiros é maior, a acumulação de lamas maior, a qualidade
bacteriológica do efluente, pior e a remoção de CBO também é menor.
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122
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Capítulo 6
ii. Lagoas facultativas
São as lagoas mais comuns, recebendo em geral esgoto que apenas sofreu
tratamento preliminar. Nelas, podemos distinguir três zonas 1) uma superficial em que as
bactérias aeróbias e as algas coexistem numa relação simbiótica, 2) uma zona anaeróbia
no fundo em que os sólidos acumulados são activamente decompostos por bactérias
anaeróbias e, 3) uma zona intermédia que é em parte aeróbia e em parte anaeróbia e na
qual a decomposição dos efluentes orgânicos é efectuada predominantemente por
bactérias facultativas.
O oxigénio existente vem, ou por rearejamento a partir da superfície ou é
produzido pela actividade fotossintética das algas.
A altura da lagoa é um factor importante no seu funcionamento, já que valores
inferiores a 1 metro permitem a existência de vegetação com raiz no fundo, o que torna a
lagoa num “pântano” ideal para o desenvolvimento de mosquitos. Para alturas maiores
que 1,5 metro, a fase oxigenada só atinge uma pequena parte da coluna líquida e por isso
há tendência para a lagoa se tornar anaeróbia.
Climas quentes favorecem a operação de lagoas, não só pela radiação solar mas
também pela temperatura. Para dimensionamento costuma utilizar-se a temperatura
média do mês mais frio. Uma análise de dados de operação para muitas lagoas
facultativas em todo o mundo, mostrou que a carga superficial máxima em CBO 5 que
pode ser aplicada a uma lagoa facultativa, antes de esta se tornar completamente
anaeróbia está relacionada com a temperatura média mensal do ar ambiente, da seguinte
forma:
λS = 11,2 x 1,054T
com
λS a carga máxima de CBO 5 em kg/(ha.dia)
T a temperatura em ºF
Evitando que as lagoas estejam perto do ponto de rotura, é preferível introduzir
um factor de segurança, podendo utilizar-se a seguinte expressão:
λS = 20T – 60 , com T em ºC
As lagoas facultativas são normalmente seguidas por outras lagoas também
facultativas, chamadas de maturação, com tempos de retenção cada uma de 5 a 10 dias e
que, além de darem reduções no CBO 5 , são muito eficientes na redução do número de
bactérias fecais presentes.
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123
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Capítulo 6
iii. Lagoas aeróbias
Podemos distinguir dois tipos de lagoas aeróbias, se bem que o seu princípio de
funcionamento seja o mesmo, ou seja, terem uma pequena altura de água de forma que,
por efeito das trocas com a atmosfera e do oxigénio produzido por fotossíntese, se
consigam condições aeróbias em todo o volume da lagoa.
As lagoas tradicionais, ou de baixa carga, tinham alturas de água de 1 a 1,5 metros
e tempos de detenção entre 10 a 40 dias. As cargas de CBO admissíveis eram de 40 a 120
kg/(ha.dia).
Nas lagoas aeróbias de alta carga, que se têm desenvolvido recentemente, a altura
de água anda entre 0,3 e 0,5 m e os tempos de detenção variam entre 3 a 5 dias. A sua
característica principal é de ser favorecida a produção de largas massas de algas. Tem-se
de novo uma situação simbiótica em que, por fotossíntese, e aproveitando os nutrientes
do esgoto, as algas colocam oxigénio em solução. Esse oxigénio é aproveitado pelas
bactérias e outros microrganismos para converter a matéria orgânica a produtos inócuos,
tais como o anidrido carbónico que vai ser utilizado pelas algas. No efluente temos uma
suspensão de algas que deve ser removida antes do lançamento em cursos de água.
iv. Sequências de lagoas
Há sempre vantagem em utilizar lagoas em série em vez de uma só. A eficiência
de duas lagoas em série é sempre melhor que uma só com a mesma área.
Sequências do seguinte tipo são possíveis (A-anaeróbia; F-facultativa; Mmaturação):
A
F
F
M
M
M
M
Qualquer destas sequências dá bons resultados, mas muitas outras são possíveis.
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124
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Capítulo 6
v. Processos de dimensionamento de lagoas
A. Lagoas anaeróbias
Para o tratamento de esgotos de concentração elevada (a partir do CBO 5 de 500
mg/l), pode ser utilizada a lagoa anaeróbia. É normalmente calculada com base na carga
orgânica volumétrica (λv ) permissível, expressa em g/(m3 .dia) de CBO 5 . Esse valor é
função da temperatura da lagoa não havendo dados suficientes que permitam e
estabelecimento de uma relação matemática.
Temperatura
ºC
Carga volumétrica
(λν) (g CBO 5 m-3dia-1)
Remoção de CBO
(%)
< 10
10-20
100
20T – 100
40
2T+20
> 20
300
60
A temperatura é a média do mês mais frio desde que superior a 10ºC, ou seja, a
média das médias diárias entre a temperatura mínima e máxima a meia altura da lagoa
(normalmente 2 a 4ºC acima da temperatura média do ar no mês mais frio).
A carga orgânica relaciona-se com o CBO 5 do esgoto bruto (LI, mg/l), com o
caudal Q e com o volume da lagoa, pela equação
λν = LI Q / V = LI / θ
sendo θ o tempo de retenção hidráulico.
Cargas hidráulicas abaixo dos 100g/(m3 .dia) não permitem o estabelecimento de
condições anaeróbias a 20ºC, enquanto cargas acima de 400g/(m3 .dia) dão origem a
cheiros especialmente de H2 S, devido à redução anaeróbia de sulfatos.
Efluentes industriais (1000 < BOD5 < 30 000 mg/l) são tratados com vantagem
em séries de lagoas anaeróbias. As cargas podem ser superiores às mencionadas, desde
que a carga de sulfatos seja suficientemente baixa para impedir a libertação de sulfídrico
(< 500 g S04 2- m-3dia-1).
J. M. Novais
125
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Capítulo 6
Havendo uma série de lagoas, a carga em cada uma mantém-se constante,
havendo apenas redução do volume. À saída da ultima lagoa, o CBO 5 será inferior a 400
mg/l para permitir o tratamento em lagoa facultativa.
B. Lagoas facultativas - lagoas primárias
As lagoas facultativas primárias são as que recebem esgotos não sedimentados e
que têm portanto uma camada de lamas que é responsável, por fermentação anaeróbia,
por 30% da redução em CBO que ocorre na lagoa.
Há muitos processos de dimensionamento destas lagoas mas na prática limitam-se
aos métodos baseados na cinética de primeira ordem e os baseados em cargas superficiais
de CBO.
a) Cinética de primeira ordem
Assume-se que a remoção de CBO na lagoa é descrita por uma cinética global de
1ª ordem, o que sendo uma grande simplificação dos processos complexos que ocorrem
na lagoa, ainda assim é o método que tem sido mais usado, com bons resultados.
Assumindo mistura completa
Le =
com
Li
1 + k1 θ
Le, Li concentrações de CBO no efluente e influente
K1
constante de 1ª ordem de remoção de CBO 5
θ
tempo médio de retenção hidráulico
Para se utilizar esta equação, há que dar valores a Le e k1 . É recomendado por
Mara que Le seja entre 50 e 100 mg/l (normalmente 70 mg/l) e
k1 = 0,3 (1,05)T-20
sendo T a temperatura média do mês mais frio.
Então
A=Q.θ/D
com A em m2 e D em m (1 a 2 metros).
J. M. Novais
126
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Capítulo 6
A área é a meia altura, supondo as paredes laterais inclinadas. Sendo Le = 70 mg/l,
vem
A=
Q (Li - 70)
21 D (1,05)T-20
Existem métodos mais complexos, de que não resultam melhorias significativas
do dimensionamento.
b) Cargas superficiais
Antes de ser usado o método da cinética de 1ª ordem era comum dimensionar as
lagoas facultativas por métodos empíricos, baseados em cargas superficiais de CBO 5 (λa
em kg ha -1dia-1).
A carga máxima que uma lagoa pode suportar é
λam= 60,3 (1,099)T
Dado que as lagoas não devem funcionar no ponto de rotura, pode utilizar-se
λs= 20 T - 60
A área será então
A = 10 Li Q / λs
C. Lagoas facultativas - lagoas secundárias
As lagoas secundárias recebem efluente sedimentado, incluindo o proveniente de
lagoas anaeróbias. Em princípio não terão manto de lamas dado que os sólidos foram
retirados do líquido. Dado que não haverá a remoção de 30% que é típico obter nesse
manto, há que introduzir um factor de 0,7 na formula de dimensionamento
0,7 Le =
Li
1 + k1 θ
λS= 0,7 (20 T - 60)
J. M. Novais
127
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Capítulo 6
D. Lagoas de maturação
O tamanho e o número das lagoas de maturação condicionam a qualidade do
efluente final de uma série de lagoas. Há pouco trabalho feito em termos da cinética de
remoção neste tipo de lagoas mas é sabido que os valores de k1 são mais baixos.
Normalmente, duas lagoas de maturação cada uma com uma retenção de 7 dias,
podem dar um efluente final com CBO 5 inferior a 25 mg/l, assumindo que o efluente da
lagoa facultativa é de 70 mg/l. Isto equivale a um valor de k1 de 0,2 d-1. Muitas vezes o
factor essencial de funcionamento das lagoas de maturação diz respeito à remoção de
microrganismos patogéneos. Nomeadamente quando o efluente vai ser utilizado em
irrigação de culturas comestíveis não deverá ter mais de 1000/100 ml em termos de
coliformes fecais.
A remoção de coliformes fecais é suposto ser de 1ª ordem em lagoas com mistura
completa. Então,
Ne =
Ne Ni
kb
a, f, m
n
Ni
Ni
(1 + kb θ a) (1 + kb θ f) (1 + kb θ m)n
- Coliformes fecais em nº/100 ml (efluente, influente)
- Constante de 1ª ordem de remoção de coliformes fecais (dia-1)
- lagoas anaeróbias, facultativas, maturação
- nº de lagoas de maturação
- não sendo conhecido, assume-se 102 /100 ml
Marais propôs que
kb = 2,6 (1,19)T-20
Há assim duas incógnitas na equação, θm e n, de modo que é necessário proceder
por tentativas.
Nestas lagoas, os ovos de helmintos, tais como de Ascaris e Tenia são removidos
por sedimentação, devido ao seu tamanho elevado (20 a 70 µm). O mesmo pode
acontecer com cistos de protozoários, embora requerendo mais tempo. Um tempo de 11
dias pode ser necessário para esse fim.
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128
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Capítulo 6
vi. Tipos especiais de lagoas
A. Lagoas de macrófitas
São essencialmente lagoas de maturação contendo plantas flutuantes ou
enraizadas no fundo. Permitem reduzir a densidade de microalgas na coluna de água e
portanto no efluente. Forma-se um tapete de folhas à superfície ou perto dela, que reduz a
penetração da luz e portanto um escurecimento da população fitoplantónica. Dado que as
plantas ficam na lagoa, resulta que o efluente tem melhor qualidade por não conter
células de algas e portanto concentrações razoáveis de SS e CBO.
As macrófitas são também eficientes na remoção de nutrientes, devendo ser
usadas nos estádios finais da purificação do efluente.
a) Lagoas de macrófitas com raiz
As macrófitas com raiz no fundo imitam de alguma forma o que se passa em
zonas húmidas naturais. As lagoas têm normalmente uma altura de água de 0,5 m, as
plantas aquáticas são plantadas no fundo e à medida que crescem o nível de água vai
sendo aumentado, não submergindo a totalidade da planta. Plantas típicas são os juncos e
as canas, devendo escolher-se espécies locais que mais facilmente se adaptarão às
condições da lagoa.
As macrófitas necessitarão de um corte anual e por vezes estas lagoas atraem
animais e aves que podem aumentar o risco de transmissão de doenças.
b) Lagoas de macrófitas flutuantes
Estas lagoas contêm plantas que flutuam na água com folhas à superfície ou
acima dele e sistemas radiculares fibrosos pendurados, na coluna de água, capazes de
absorver nutrientes minerais e compostos orgânicos. Plantas como a lentilha de água ou o
jacinto de água têm sido utilizados.
Estas lagoas são usadas para afinação final do efluente não devendo a carga
orgânica exceder os 30 kg/(ha.dia), em CBO 5 .
Podem sur gir moscas e mosquitos, havendo vantagem em colonizar a lagoa com
peixes larvívoros como é o caso da Gambusia affinis.
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129
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Capítulo 6
B. Lagoas de piscicultura
Lagoas de piscicultura fertilizadas com esgotos têm sido comuns na Europa
Oriental e Ásia desde há séculos.
A adição de efluentes orgânicos às lagoas causa o crescimento de algas em
consequência da alta concentração de materiais inorgânicos libertados pela degradação
bacteriana do material orgânico. Estas microalgas constituem alimento adequado para
peixes herbívoros. O zooplankton também se alimenta das microalgas para dar uma fonte
alimentar para as espécies carnívoras.
Muitas vezes espécies diferentes são cultivadas no mesmo tanque, em processo
denominado de policultura. Isto permite explorar os recursos alimentares disponíveis aos
vários níveis tróficos.
O uso de esgotos brutos ou pouco tratados pode levantar problemas sanitários
elevados na comunidade que manuseia e come os peixes.
Em princípio, efluentes de lagoas com tempos de detenção superiores a 20 dias
são seguros para piscicultura.
Espécies como a carpa e a tilápia têm-se mostrado particularmente adaptadas a
estas lagoas.
Os parâmetros principais que controlam os rendimentos em peixe são o oxigénio
dissolvido, as concentrações de ião amónio e os níveis de detergentes. As lagoas de
peixes podem ser usadas para crescer patos e macrófitas (como a Lemna) que poderá ser
colhida e utilizada em rações.
C. Lagoas fotossintéticas de alta carga (High-Rate Algal Ponds - HRAP)
As lagoas fotossintéticas de alta carga tentam optimizar os rendimentos em algas,
procurando ao mesmo tempo bom tratamento de esgoto.
O desenho básico refere um canal de pequena altura com uma configuração que
permita a recirculação do líquido.
A lagoa terá um sistema contínuo ou intermitente de mistura que mantenha algas
e bactérias em suspensão.
J. M. Novais
130
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Capítulo 6
A altura de líquido anda entre 30 e 50 cm e os tempos de retenção entre 3 e 5 dias.
Apesar da pequena altura de líquido, estas lagoas ocupam normalmente menor área que
as lagoas mais convencionais.
Em climas quentes as lagoas poderão ter cargas elevadas (350 kg CBO 5 /(ha.dia))
e mesmo assim dar um CBO 5 final filtrado de 25 mg/l. O rendimento em algas pode
ultrapassar as 100 tons/(ha.ano) (peso seco) e que depende da insolação local. A carga
elevada que é aplicada, tende a reduzir o número de espécies de algas presentes em
simultâneo. Há praticamente uma monocultura que no entanto vai mudando ao longo do
ano. Espécies comuns encontradas são de Euglena, Scenedesmus, Chlorella. Dado que a
HRAP é dimensionada para maximizar o rendimento de algas, é crucial a existência de
um sistema eficiente de extracção das algas. Técnicas como a centrifugação,
micropeneiração, autofloculação e flotação têm sido testadas, embora resida aqui a
dificuldade principal do processo, tendo em vista a pequena dimensão e peso das células
(que não floculam facilmente).
D. Lagoas arejadas mecanicamente
As lagoas arejadas são unidades de lamas activadas operadas sem recirculação.
Historicamente, foram desenvolvidas nos climas temperados com o objectivo de
suplementar no inverno o oxigénio algal. Verificou-se no entanto que quando os
arejadores eram postos em funcionamento, as algas desapareciam e a flora microbiana era
semelhante à das lamas activadas. Arejadores flutuantes são normalmente utilizados.
As lagoas arejadas conseguem remoções de CBO superiores a 90% em tempos de
retenção de 2 a 6 dias. As remoções em coliformes fecais não ultrapassam os 95%. A
altura de água é de 2 a 4 metros.
A taxa de oxidação do esgoto numa lagoa arejada segue aproximadamente uma
equação de 1º ordem:
Le =
Li
1 + k1 θ
Le é devido a duas fracções: matéria orgânica não decomposta na lagoa e células
bacterianas sintetizadas durante a oxidação.
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131
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Capítulo 6
Em princípio só se deve aplicar a cinética de 1ª ordem à remoção da fracção
solúvel.
Fe =
Li
1 + k1 θ
em que θ é 2 a 6 dias.
Para esgoto doméstico,
k1 = 5 dia -1 a 20ºC
kI(T) = 5 (1,035)T-20
Le = Fe + 0,95 X
sendo X a concentração de bactérias na lagoa.
Valores típicos de X são de 200 a 400 mg/l pelo que o efluente da lagoa arejada
deve ou passar para uma lagoa de maturação ou ser sedimentado, sendo as lamas
digeridas.
6.4. TRATAMENTO E DESTINO FINAL DE LAMAS
Foi vista até agora a sequência de operações e processos que permite obter uma
água limpa a partir de uma água residual. Isto é conseguido à custa de uma transferência
de poluição de um meio líquido para uma fase sólida em suspensão pastosa designada por
lamas, e que tem concentrações entre 0,25 e 12% de sólidos. Este volume é normalmente
elevado e, dada a sua elevada concentração orgânica, é altamente putrescível. Não pode
portanto ser lançado nos cursos de água porque o seu efeito é igual ou pior que o
lançamento puro e simples do esgoto. É por isso necessário resolver o problema das
lamas e ele é, de longe, o mais complicado que o engenheiro sanitário tem que resolver.
J. M. Novais
132
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Capítulo 6
A sequência de purificação de lamas, pode incluir todas ou algumas das operações
e processos seguintes:
ESPESSAMENTO
ESTABILIZAÇÃO
por gravidade
por flotação
por centrifugação
DESIDRATAÇÃO
CONDICIONAMENTO
pela cal
pelo calor
por oxidação
por digestão anaeróbia
por digestão aeróbia
SECAGEM
DESINFECÇÃO
químico
elutriação
pelo calor
COMPOSTAGEM
REDUÇÃO
TÉRMICA
DESCARGA
FINAL
filtros de vácuo
filtros prensa
filtros de banda
centrífugas
leitos de secagem
lagoas
Uma sequência normal será a seguinte:
LAMA ACTIVADA
FLOTAÇÃO
DIGESTÃO
ANAERÓBIA
CONDICIONAMENTO
QUÍMICO
LAMA PRIMÁRIA
FILTRO
PRENSA
DESCARGA
O quadro da página seguinte representa as muitas alternativas quanto à sequência
de operações na depuração de uma lama.
J. M. Novais
133
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Capítulo 6
LAMA
espessador
ESPESSAMENTO
estabilização
com cal
ESTABILIZAÇÃO
QUÍMICA
TRATAMENTO
ANAERÓBIO
digestor
anaeróbio
ESPESSAMENTO
SECUNDÁRIO
CONDICIONAMENTO
DESIDRATAÇÃO
REDUÇÃO
TÉRMICA
TRANSPORTE
DESTINO
FINAL
espessador
condicionamento
químico
desidratação
mecânica
leitos de
secagem
incineração
ARMAZENAMENTO
LOCAL
lagoa
anaeróbia
secagem
armazenamento
de cinzas
armazenamento
de sólidos
camião
aterro
sanitário
armazenamento
líquido
camião-tanque
solos
agrícolas
navio
emissário
oceano
No início deste estudo sobre depuração de lamas, convém definir quais as
quantidades que são produzidas numa estação de tratamento e qual a sua composição
aproximada:
Sedimentação primária
Filtros de percolação
Sed. Prim. + Lamas activadas
J. M. Novais
134
l/hab
l/hab (após digestão)
1,2
0,3
3,5
0,6
1,0
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Capítulo 6
As características são em geral as seguintes:
Lama Bruta
Lama Digerida
5
65
6 a 30
4
2
0,4
10
6
10
40
5 a 20
4
2,5
1,0
10
7
Sólidos Totais (TS) %
Sólidos Voláteis (% de TS)
Gorduras (% de TS)
Azoto (N, % de TS)
Fosforo (P2 O5 , % de TS)
Potassa (K 2 O, % de TS)
Celulose (% de TS)
pH
6.4.1. Espessamento
O espessamento é muitas vezes dispensável, mas praticamente obrigatório em
estações de lamas activadas especialmente de grandes dimensões. Os órgãos de
estabilização envolvem custos muito elevados e é por isso muito vantajosa a redução dos
volumes a tratar. A operação consiste basicamente na eliminação de água, dando origem
a uma suspensão mais concentrada de lamas. Por exemplo, se aumentarmos a
concentração de sólidos de 0,8% para 4%, estamos de facto a reduzir o volume total de
cinco vezes, o que vai ter consequência favorável no dimensionamento dos órgãos de
estabilização. Podemos distinguir os seguintes modos de espessamento:
a) Por gravidade
É realizado num tanque similar aos tanques de sedimentação, normalmente de
forma circular. É utilizado normalmente para espessamento de lamas primárias ou de
lamas de filtros de percolação. Carga superficial típica: 16 a 36 m3 /m2 .dia
b) Espessamento por flotação
Utiliza-se a flotação por ar dissolvido, principalmente no caso de lamas activadas.
c) Espessamento por centrifugação
A centrifugação, quando utilizada, aplica-se às lamas activadas.
J. M. Novais
135
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Capítulo 6
6.4.2. Estabilização
As lamas são estabilizadas para:
-
reduzir microrganismos patogéneos
eliminar cheiros ofensivos
eliminar a potencialidade de putrefação
Os métodos utilizáveis são os seguintes:
a) Estabilização Química
Com o cloro
Envolve a oxidação química da lama, com altas doses de cloro gasoso, que é
normalmente aplicado directamente à lama durante um período curto de tempo num
reactor fechado. À cloragem, segue-se a desidratação. É pouco utilizado.
Com cal
A cal é adicionada à lama em quantidade suficiente para subir o pH até 12 ou
mais. A esse pH, a lama não apodrece, nem dá cheiros, nem origina perigos para a saúde.
Um período de duas horas é eficaz na redução de patogéneos. A lama assim estabilizada
pode ser logo a seguir aplicada no terreno, nomeadamente em locais onde os solos sejam
ácidos.
b) Estabilização pelo calor
O tratamento pelo calor é um processo contínuo no qual a lama é aquecida sob
pressão até temperaturas da ordem dos 260ºC, sendo a pressão de 2,75 MN/m2 , durante
tempos curtos. Além de estabilizar serve também de condicionamento, facilitando os
métodos de desidratação que se seguem. Envolve consumos elevados de energia
c) Estabilização por digestão anaeróbia
O primeiro tanque de digestão anaeróbia terá sido instalado pouco depois de
1850, embora só em 1895 fosse reconhecido que se produzia um gás combustível que,
continha metano. O tanque Imhoff que, como atrás se referiu, permite executar
J. M. Novais
136
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Capítulo 6
sedimentação e digestão num só orgão, foi inventado em 1904, datando os primeiros
tanques de digestão do tipo hoje utilizado de 1911.
Na digestão anaeróbia, a matéria orgânica das lamas é convertida num tanque
fechado em CH4 e CO2 . As lamas são introduzidas intermitentemente e retidas dentro do
tanque um certo número de dias. A lama estabilizada, que é retirada também
intermitentemente, já não é putrescível e o seu conteúdo em patogéneos é muito reduzido.
Há dois tipos de digestores em uso, os de baixa carga em que o conteúdo do
digestor não é agitado nem aquecido e os tempos de detenção são de 30 a 60 dias, e os de
alta carga em que o conteúdo é aquecido e se registam condições de mistura completa. O
tempo de detenção é então de 15 dias ou menos.
Podem utilizar-se também dois passos, em dois digestores separados, sendo o
segundo utilizado para separar os sólidos digeridos do licor sobrenadante.
Interessa analisar com algum pormenor a microbiologia do processo (Fig. 6.20).
Podemos dividí-lo em dois passos diferentes. No primeiro, os microrganismos hidrolisam
e fermentam os compostos orgânicos complexos, formando ácidos orgânicos, dos quais
os mais frequentes são o acético e o propiónico. Esses microrganismos são identificados
colectivamente como formadores de ácido entre os quais se têm isolado Clostridium spp,
Desulphoribrio sp, Lactobacillus, Staphylococcus, Escherischia coli, etc. No segundo
passo, microrganismos convertem os ácidos orgânicos em gás metano e anidrido
carbónico. São anaeróbios estritos e são chamados metanogénicos. Incluem
Methanobacterium, Methanobacillus, Methanococcus, Methanosarcina.
Os microrganismos dos dois tipos devem manter-se num estado de equilíbrio
dinâmico que lhes permita actuar em simultâneo. Para isso, o digestor deve estar livre de
oxigénio e de concentrações inibitórias de constituintes tais como metais pesados e
sulfuretos. O pH do ambiente aquoso, deve andar entre 6,6 e 7,6, não devendo descer
abaixo de 6,2, pois então as bactérias metanogénicas já não actuam.
A digestão dá-se numa gama mesofilica entre 30 e 38ºC e numa gama termofílica
entre 49 e 57ºC. Nos processos de baixa carga utiliza-se um só digestor (Fig. 6.21A),
sendo as funções de digestão, espessamento e formação de sobrenadantes efectuados
simultaneamente. A lama é introduzida em ponto em que a mistura se encontra em
digestão activa e se está a produzir gás. Este leva para a superfície partículas e outros
materiais tais como gorduras e óleos, dando origem a escumas superficiais. Com a
digestão, a lama fica mais mineralizada (aumenta a percentagem de sólidos fixos) e, por
efeito de gravidade, fica mais espessa.
J. M. Novais
137
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Capítulo 6
PROTEÍNAS
POLISSACÁRIDOS
GORDURAS
BACTÉRIAS
FERMENTATIVAS
AMINOÁCIDOS
AÇÚCARES
ÁCIDOS GORDOS
NH3
PRODUTOS FINAIS DA FERMENTAÇÃO
(ETANOL, ÁCIDO LÁCTICO, ÁCIDOS VOLÁTEIS
BACTÉRIAS
INTERMÉDIAS
SO4 2H2 S
ACETATO
H2 + CO 2
CH4 + CO2
CH4 + H2O
BACTÉRIAS
METANOGÉNICAS
Figura 6.20. Esquema da produção de biogás na digestão anaeróbia.
Nos processos de alta carga, a lama é misturada intimamente por recirculação do
gás, por bombagem ou por misturadores de sucção, e há aquecimento de forma a serem
atingidas velocidades óptimas de digestão.
No caso de serem usados dois tanques (Fig.6.21B), o primeiro tem o equipamento
correspondente à alta carga e o segundo é usado para armazenamento e concentração das
lamas, formando-se um sobrenadante relativamente claro. Em geral, o tanque secundário
tem tecto flutuante para armazenamento de gás. Os tanques são normalmente circulares
com mais de 6 metros de diâmetro e com altura de água superior a 7,5 metros.
Um dos métodos mais comuns de dimensionamento de digestores é pela
determinação do volume com base em factores de carga. Os dois mais habituais são: a)
kg de sólidos voláteis adicionados por m3 do digestor e b) kg de sólidos voláteis
adicionados por dia por kg de sólidos voláteis no digestor.
Também o tempo de detenção hidráulica deve ser verificado por causa da sua
relação com o crescimento dos organismos e com o wash-out. Para os digestores de baixa
carga, as cargas recomendadas são de 0,5 a 1,6 kg/(m3 .dia) de sólidos voláteis e os
tempos de 30 a 90 dias. Na alta carga é de 1,6 a 6,4 kg/m3 com tempos de 10 a 20 dias.
J. M. Novais
138
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Capítulo 6
A)
B)
Figura 6.21. Esquemas de digestores anaeróbios de lamas. A) Baixa carga; B) Dois
andares (alta carga + concentração).
Outro critério de dimensionamento baseia-se na população, sendo o volume
necessário de 50 a 65 m3 /1000 habitantes, se a estação é de tratamento primário, 95 a 122
m3 /1000 habitantes para filtros de percolação e 133 a 171 m3 /1000 habitantes nos
sistemas de lamas activadas.
J. M. Novais
139
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Capítulo 6
Interessa ainda referir que numa base per capita o rendimento em termos de gás é
de 15 a 22 m3 /(1000 hab.dia) nas estações primárias e 28 m3 /1000 habitantes nas estações
secundárias.
Na figura 6.22 esquematizam-se outros tipos de reactores anaeróbios, utilizados
para tratamento de efluentes líquidos de elevada concentração de matéria orgânica.
A)
GÁS
GÁS
DESGASIFICADOR
EFLUENTE
ENTRADA
SEDIMENTADOR
MISTURA
COMPLETA
RECUPERAÇÃO DE SÓLIDOS
B)
GÁS
EFLUENTE
INFLUENTE
Figura 6.22. Reactores anaeróbios para tratamento de efluentes. A) Processo de contacto
(contact process); B) Filtro anaeróbio (anaerobic filter).
J. M. Novais
140
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Capítulo 6
C)
GÁS
EFLUENTE
SELO DE
ÁGUA
LEITO DE LAMAS
INFLUENTE
Figura 6.22.(continuação) Reactores anaeróbios para tratamento de efluentes. C) Processo
UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) – Leito de lamas de fluxo ascendente.
d) Estabilização por digestão aeróbia
A digestão aeróbia é um processo alternativo de estabilização das lamas em que
estas são arejadas durante um período longo num tanque não aquecido, aberto e
utilizando fornecimento de ar por difusores ou por arejamento mecânico superficial.
Trata-se de processo similar a lamas activadas em que, dado o tempo longo, à
medida que a quantidade de substrato se reduz, os microrganismos começam a consumir
o seu próprio protoplasma para obter energia para as reacções de manutenção. Os
microrganismos encontram-se portanto em fase endógena. Utilizam-se tempos de
detenção da ordem dos 10 a 15 dias para lama activada e 15 a 20 dias para lama primária
mais secundária.
É necessário 2 kg de O2 /Kg de tecido celular destruído e 1,9 Kg de O2 /Kg de
CBO na lama primária. Para mistura são necessários 20 a 40 kW/1000 m3 do tanque.
De um modo geral, trata-se de um processo caro devido à quantidade grande de
energia que consome, mas que é sem dúvida mais simples que a digestão anaeróbia.
J. M. Novais
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Capítulo 6
6.4.3. Condicionamento
O condicionamento tem por finalidade melhorar as características de desidratação
da lama.
a) Condicionamento químico
O uso de reagentes químicos para o condicionamento que precede a desidratação
é económico na medida em que melhora os rendimentos. O condicionamento químico
resulta na coagulação dos sólidos e a libertação de água absorvida. Usam-se com esse fim
o cloreto férrico, cal, sulfato de alumínio e polímeros orgânicos. As dosagens respectivas
devem ser avaliadas em laboratório. Em média, os valores obtidos são os seguintes
(valores em % do peso de lama seca):
Lama
Primária
Primária + percolação
Primária + activada
Só lama activada
FeCl3
CaO
1–2
2–3
1,5 – 2,5
4-6
6–8
6–8
7 –9
Há que assegurar a mistura completa entre a lama e o condicionador.
b) Elutriação
Um sólido ou uma mistura sólido-liquido (como é o caso da lama) é intimamente
misturado com um líquido a fim de transferir certos componentes para o líquido.
A “lavagem” da lama digerida, utilizando o processo de elutriação, é algo
eficiente, reduzindo o consumo de condicionantes químicos mas dando origem a uma
água muito poluída com sólidos muitos finos difíceis de retirar.
c) Tratamento pelo calor
O tratamento pelo calor conduz a uma estabilização e a um condicionamento.
Trata-se de aquecer a lama sob pressão durante períodos curtos. O tratamento coagula os
sólidos, quebra a estrutura de gel e reduz a afinidade para a água dos sólidos das lamas.
Desse modo, a lama é esterilizada, desodorizada e é desidrartada facilmente em filtros,
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Capítulo 6
sem a adição de reagentes. O processo de tratamento pelo calor é aplicado principalmente
a lamas biológicas que possam ser difíceis de estabilizar e condicionar por outros meios.
Os altos custos de capital limitam o método a grandes instalações (> 0,2 m3 /s). Existem o
método Porteus e o método Zimpro de baixa pressão.
No método Porteus a lama é preaquecida num permutador de calor antes
de entrar no vaso reaccional. O vapor é injectado no vaso para levar a temperatura a
140/200ºC a pressões de 1,0 a 1,4 MN/m2 . Depois de 30 minutos de detenção no reactor,
a lama é descarregada pelo permutador de calor, para um tanque de decantação.
No processo Zimpro a baixa pressão, a lama é tratada como no processo
Porteus, excepto que é injectado ar no vaso reaccional juntamente com a lama. O vaso de
reacção é aquecido por vapor a temperaturas correspondentes a 1 a 2 MN/m2 . O calor
libertado durante a oxidação aumenta a temperatura de operação até uma gama de 180 a
315ªC. O conteúdo de sólidos da lama desidratada vai de 30 a 50%, dependendo no grau
de oxidação desejado.
6.4.4. Desinfecção
A desinfecção das lamas torna-se importante à medida que se vão utilizando
maiores quantidades.
Há várias maneiras de destruir patogéneos nas lamas líquidas e desidratadas,
como sejam:
-
Pasteurização por 30 minutos a 70ºC
Tratamento a pH elevado, tipicamente com cal, dando pH>12 durante três
horas
Armazenamento longo de lama líquida digerida (60 dias a 20ºC ou 120 dias a
4ºC)
Compostagem completa a temperaturas acima de 55ºC e estabilização por
empilhamento por 30 dias
Adição de cloro para estabilizar e desinfectar a lama
Desinfecção com outros reagentes
Desinfecção por radiação de alta energia
Alguns dos processos de estabilização dão também desinfecção, como já foi dito
em relação à oxidação pelo cloro, estabilização pela cal, tratamento pelo calor e digestão
aeróbia termofílica. A digestão aeróbia e anaeróbia não desinfecta a lama mas reduz
J. M. Novais
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muito o número de patogéneos. A desinfecção completa da lama digerida líquida é
melhor conseguida por pasteurização ou por armazenamento longo.
6.4.5. Desidratação
A desidratação é uma operação unitária utilizada para reduzir a humidade da lama
e transformar a lama líquida num sólido húmido. Hoje em dia, no entanto, utiliza-se por
vezes a lama numa forma líquida, sendo transportada em auto-tanques até à zona de
aplicação ou é bombada por tubagens.
No entanto, a desidratação continua a fazer-se porque:
-
os custos do transporte da lama desidratada são muito menores, porque o
volume é menor
a aplicação da lama desidratada no terreno é mais fácil que a da líquida
após desidratação, a putrescibilidade e o aparecimento de cheiros é menos
fácil.
Há muitos modos de proceder à desidratação de lamas. Entre nós, em pequenas
instalações tem-se utilizado a desidratação ao ar e ao sol em leitos de areia. É certamente
o processo mais simples para pequenas estações (normalmente correspondentes a
populações inferiores a 30 000 habitantes) e em climas semelhantes ao nosso. Os leitos
são tanques de cerca de 6 metros de largura por 20 a 30 metros de comprimento. Há no
fundo uma camada de areia de cerca de 30 cm de altura e sob ela um sistema de recolha.
A camada de lamas a desidratar é de 20 a 30 cm e seca por evaporação para a atmosfera e
por infiltração através da areia.
Quanto aos sistemas mecânicos de desidratação, os métodos mais utilizados são
os de filtração por vácuo, centrifugação, filtros prensa e filtros de banda. Todos eles
implicam investimentos elevados e tem recentemente sofrido grande incremento a
utilização do ultimo tipo mencionado.
Muitos outros processos relevantes para o problema das lamas poderiam ser
citados. Um deles é o da compostagem em que a matéria orgânica sofre aerobiamente
uma transformação num produto final estável. A compostagem pode ser feita em
conjunto com lixos domésticos ou em mistura com aparas de madeira.
A incineração das lamas é muito comum nos países mais desenvolvidos. Há uma
desidratação prévia e depois a incineração realiza-se em grandes fornos de alto custo
inicial e por vezes alto custo de exploração.
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6.4.6. Descarga final
A descarga final das lamas pode ser feita ou no mar ou no terreno. No mar, faz-se
utilizando uma frota de barcos apropriados ou longos emissários submarinos que levam a
lama a distâncias até 5 a 10 km da margens. É técnica muito utilizada em muitos países,
mas que os regulamentos americanos e europeus têm vindo a proibir.
A descarga no terreno permite a reutilização da lama como condicionador do solo
ou como fertilizante, existindo normalmente grande procura por parte dos agricultores
locais. Também aí existem leis que limitam a quantidade de lamas que se podem aplicar
por unidade de área de terreno, tendo em atenção principalmente o conteúdo em metias
pesados que surge nas lamas.
Em último caso, pode ser feita a descarga das lamas em aterros sanitários.
6.5. TRATAMENTO DE AFINAÇÃO
Os tratamentos de afinação têm por objectivo remover os poluentes não
eliminados durante os processos biológicos convencionais de tratamento. Essas
substâncias poderão ser sólidos em suspensão, matéria orgânica, nutrientes, etc, cujo
lançamento no meio natural seja objectável.
À medida que as quantidades de esgoto aumentam e que a sua composição se
torna mais complexa, torna-se cada vez mais necessário proceder a estas operações
adicionais, tanto mais que os regulamentos que autorizam os lançamentos se tornam cada
vez mais apertados.
Vejamos algumas das técnicas utilizadas com esse fim.
a) Remoção de sólidos em suspensão
Tem por objectivo principal, e como o nome indica, a remoção dos sólidos que
ainda se encontram em suspensão após o tratamento convencional. É no entanto uma
operação por vezes também utilizada quando o objectivo é outro dado que nos sólidos em
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suspensão se englobam várias substâncias e que o líquido isento de sólidos fica mais
adequado para sofrer outras operações.
A remoção de sólidos pode ser feita por formas diferentes:
A. Microtamização
Os microtamizadores são normalmente tambores rotativos (até 4rpm) com um
material filtrante periférico de porosidade entre 23 e 35 µm. A água entra pelo interior e
passa para o exterior através do tecido filtrante. Os sólidos retidos na malha são lavados
por jactos de água. As remoções de sólidos conseguidas variam entre 10 e 80%, sendo
55% um valor típico.
A carga hidráulica, baseada na área superficial submersa é de 3 a 6 m3 /m2 .min. A
submersão é de 70 a 75% do diâmetro. O diâmetro mais utilizado é de 3 metros, mas
varia com os caudais
B. Filtros com meios granulados
A filtração de efluentes levanta problemas diferentes dos das águas para
abastecimento; os sólidos têm dimensões mais variáveis e são em geral maiores e mais
pesados, sendo o teor em sólidos também variável ao longo do tempo.
Os mecanismos de filtração são complexos e a retenção de partículas pode deverse a fenómenos diversos, como impacto, deposição gravítica, interacção com o material
filtrante e crescimento de microrganismos no meio filtrante.
O material filtrante encontra-se norma lmente contido em cilindros metálicos que
podem operar de forma contínua ou semi-contínua. A espessura do leito pode ser maior
ou menor e usar um só ou vários materiais filtrantes. Entre os materiais utilizados
encontram-se a areia, a antracite e a diatomite.
b) Remoção de matéria orgânica
Destina-se principalmente à remoção de compostos orgânicos que por não ser
biodegradáveis poderão não ter sido removidos durante o tratamento convencional.
Poderá também ser necessária quando se pretende uma remoção de matéria orgânica
medida como CBO superior à que se pode obter nos sistemas convencionais.
O método mais adequado a este nível terceário é o de adsorção em carvão
activado. O líquido aplicado não deverá ter mais de 20 mg/l de sólidos em suspensão pelo
que deverá ter sido submetido a uma filtração anterior.
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Normalmente utilizam-se colunas que poderão estar em série ou em paralelo com
fluxos ascendentes ou descendentes e com leitos fixos ou expandidos.
Usa-se normalmente carvão activado granulado e é normal conseguir-se à saída
um CBO 5 de 2 a 7 mg/l com CQO’s de 10 a 20 mg/l. A espessura dos leitos é
normalmente de 5 a 6 metros, podendo aplicar-se nos leitos ascendentes 200 a 400
l/m2 .min e nos descendentes 100 a 200.
c) Remoção de nutrientes
Existe actualmente uma preocupação elevada com os níveis de azoto e fósforo
que podem ser lançados no meio receptor, donde tem resultado o aparecimento de um
grande número de métodos e variantes para a sua eliminação.
A. AZOTO
Durante o tratamento biológico, a maior parte do azoto orgânico particulado é
transformado em amoniaco e noutras formas inorgânicas. Só cerca de 30% do azoto é
removido nos processos convencionais, ficando o restante quase todo na forma
amoniacal.
A remoção deste azoto amoniacal por via biológica (envolvendo a sua nitrificação
e desnitrificação) foi já considerada anteriormente. Vão-se agora apenas discutir os
processos físicos e químicos de remoção.
i. Air-Stripping (lavagem com ar)
O azoto amoniacal pode ser removido por volatilização do amoníaco gasoso. Essa
gaseíficação ocorre a pH’s elevados (superiores a 10), conseguidos por adição de cal.
Mais de 90 % do amoníaco é então removido fazendo passar (gotejar) o efluente
através de torres com enchimento em que passa ar em contracorrente.
O amoníaco gasoso poderá causar poluição atmosférica e a chuva poderá arrastálo de novo para os meios aquáticos, embora de uma forma mais dispersa.
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Capítulo 6
ii. Remoção por permuta iónica
A permuta iónica é um processo em que os iões de uma dada espécie são
deslocados de um material permutador insolúvel por iões de uma espécie diferente em
solução.
O ião removido neste caso é o ião amónio. O método tem tido aplicação limitada
para este fim dados os pré-tratamentos necessários e os sistemas complexos de
regeneração.
iii. Cloragem ao break-point
Já se viu anteriormente que a adição de cloro a um efluente vai oxidar o azoto
amoniacal em solução a azoto gasoso e a outros compostos estáveis. É portanto um
método possível para eliminar o azoto do efluente. Pode no entanto produzir residuais de
cloro elevados que são tóxicos para os organismos aquáticos. O custo da operação é
elevado devido ao custo dos reagentes.
B. FÓSFORO
Vimos que o fósforo pode ser removido no sistema biológico, introduzindo-lhe
determinadas alterações. Outro método possível, e na realidade mais utilizado, é através
da adição de produtos químicos para possibilitar a precipitação de fosfatos. Os compostos
mais utilizados são o sulfato de alumínio, o aluminato de sódio, o cloreto férrico, o
sulfato férrico e ferroso e a cal. Por vezes adiciona-se polímeros como adjuvantes de
floculação.
A adição dos sais de ferro ou de alumínio pode ser feita em vários pontos da linha
de tratamento mas a remoção é melhor se fôr feita após o tratamento secundário (dado
que o fosforo orgânico e os polifosfatos são convertidos em ortofosfatos e estes são mais
facilmente removidos)
A adição destes sais pode ser feita com mistura rápida antes da sedimentação
primária. A remoção de sólidos em suspensão e de CBO 5 é também melhorada.
A adição pode fazer-se também no tratamento secundário antes do tanque de
arejamento ou entre este e o sedimentador secundário.
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Capítulo 6
A utilização da cal tem vindo a perder interesse devido ao aumento da massa de
lamas a que dá origem e também aos problemas de operação e manutenção associados à
utilização da cal.
A cal pode ser adicionada aos tanques de sedimentação primária, mas deve
exercer-se cautela para que o pH do efluente que vai para o tratamento biológico não
exceda os 9,5 a 10.
A cal pode ser também usada a nível terceário. Tem-se então que construir
tanques suplementares o que aumenta os custos iniciais. Há por outro lado elevada
eficiencia e é possível recuperar a cal.
d) Remoção de substâncias inorgânicas
Muitas substâncias inorgânicas são eliminadas por precipitação química,
utilizando os métodos atrás descritos.
Outros métodos de utilização possível são os seguintes:
i. Permuta iónica
Foi também já referida atrás para a remoção dos sólidos dissolvidos totais. A água
terá que passar por uma resina catiónica e por outra aniónica. Na primeira os iões
metálicos são substituídos por hidrogeniões enquanto na segunda os aniões são
substituídos por iões hidróxido. Da reacção destes iões forma-se água.
ii. Ultrafiltração
É normalmente utilizada para remover material coloidal e moleculas grandes de
peso molecular superior a 5000.
iii. Osmose inversa
Neste processo a água é separada dos sais dissolvidos
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Capítulo 6
iv. Electrodiálise
Neste processo os componentes iónicos de uma solução são separados, utilizando
membranas semi-permeáveis selectivas para os iões. A aplicação de uma corrente causa a
migração dos iões.
6.6. TRATAMENTO NO SOLO
6.6.1. Introdução
Os tratamentos no solo englobam-se num conjunto de tratamentos ditos naturais
em que se pretende utilizar as interacções entre água, solo, plantas, microrganismos e
atmosfera. Nos sistemas naturais, os processos ocorrem à velocidade “natural” e tendem a
ocorrer conjuntamente num único “reactor ecossistémico”, ao contrário do que acontece
nos sistemas mecânicos em que os processos ocorrem sequencialmente em reactores
separados com velocidades aceleradas que resultam do fornecimento de energia.
A utilização do solo como meio receptor de esgotos tem sido praticada ao longo
de centenas de anos, havendo registos de exemplos na Grécia há mais de 2000 anos. Já
neste milénio, são conhecidas aplicações na Alemanha, desde o século 16 e, no século 19,
tornou-se comum nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Austrália, para citar apenas
alguns exemplos. Chamava-se então a essa operação “Sewage farming” e tratava-se de
associar a resolução do problema dos esgotos a uma operação agrícola produtiva.
Na primeiro metade de século 20 houve tendência para substituir estes sistemas
por estações de tratamento ou por tipos de aplicação no solo mais controladas. Com a lei
americana de 1972 “Clean Water Act”, o interesse nos sistemas baseados no uso do solo
foi de novo reavivado, dada a ênfase então colocada em reutilização da água, reciclagem
de nutrientes e uso dos efluentes para produção agrícola. A lei previa o financiamento de
investigação e desenvolvimento destas tecnologias, e a técnica acabou assim por ter uma
importância semelhante às que até aí eram dominantes.
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Capítulo 6
6.6.2. Processos de tratamento
a) Características gerais
Os processos de estabilização orgânica e de imobilização mineral são mais
completos no solo do que no ambiente aquático. O solo é uma mistura de partículas
minerais, matéria orgânica, ar e água. As partículas minerais são de origem rochosa,
soltas por acção das forças do vento, da água corrente, de alteração térmica, acção glacial
ou de ácidos de origem vegetal.
Os fragmentos rochosos variam em dimensões desde argilas e limos (silts) até
areias e cascalhos. As partículas de argila podem ser tão pequenas que sejam necessários
vários milhões para atingir o volume de um grão de areia. O humus, por outro lado,
consiste de fracções degradadas de plantas e animais e contribui para a cor escura do
solo. Um solo rico e produtivo conterá 90% de fragmentos de origem rochosa e > 4% de
húmus. Os materiais húmicos têm grande afinidade para os metais e contribuem para a
capacidade de retenção da humidade e friabilidade do solo.
A água está sempre presente mesmo nos solos secos. A precipitação que cai no
solo move-se por acção gravítica através do solo. Alguma água no entanto fica retida ou
por razões de capilaridade ou higroscopia.
O solo contém também ar, a menos que se encontre completamente saturado ou
encharcado.
Um outro ponto importante refere-se à vida biológica. Pode atingir 109 o número
de microrganismos presentes em cada grama de solo rico superficial. A quantidade e
diversidade de vida são maiores nos solos de elevado conteúdo em húmus.
O tratamento no terreno é um processo unitário que envolve um sistema soloplantas para reduzir os poluentes num esgoto. É particularmente adequado às
comunidades pequenas e médias, mas que nalguns casos tem sido aplicado com êxito a
grandes cidades, como é o caso histórico de Melbourne.
Há três tipos particulares de tratamento no terreno que são: a infiltração lenta,
também designada por irrigação, o escoamento superficial também designado em inglês
por grass filtration e a infiltração rápida também conhecida como infiltração-percolação
(Fig. 6.23). Pode também ser considerada como tratamento no terreno a aplicação em
zonas húmidas que tende a ser um sistema de transição para a lagunagem.
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Capítulo 6
A)
EVAPOTANSPIRAÇÃO
CULTURA
APLICAÇÃO
DE ÁGUA
ZONA DAS
RAÍZES
SUBSOLO
B)
APLICAÇÃO
DE ÁGUA
EVAPOTANSPIRAÇÃO
INFILTRAÇÃO
ZONA DE AREJAMENTO
E TRATAMENTO
PERCOLAÇÃO
ZONA DE
RECARGA
NÍVEL
ANTIGO
C)
APLICAÇÃO
DE ÁGUA
EVAPOTANSPIRAÇÃO
ERVA E RESÍDUOS
VEGETATIVOS
COLECTOR
FINAL
INCLINAÇÃO
2-4%
30 a 100 m
Figura 6.23. Tipos de tratamento no terreno. A) infiltração lenta; B) infiltraçãopercolação; C) escoamento superficial.
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Capítulo 6
Nos parágrafos seguintes serão descritos em termos gerais cada um destes
métodos.
b) Infiltração lenta
É o método mais utilizado de tratamento no terreno. Consiste na aplicação de
esgotos a solos cultivados, por forma a produzir simultaneamente uma cultura rentável e
uma água purificada (Fig. 6.24).
Em média, 70% do esgoto aplicado é quer captado pela planta quer evaporado,
enquanto os restantes 30% atravessam o solo e se infiltram.
À medida que a água penetra no solo é sujeita a vários processos:
-
filtração física – as partículas do solo filtram as partículas em suspensão no
esgoto, incluindo os microrganismos.
-
actividade biológica – as bactérias do solo quebram os produtos orgânicos e
nitrificam o azoto do esgoto. Parte deste azoto é captado pelas plantas e o
resto ou é desnitrificado, libertando-se na forma gasosa, ou atravessa o solo
para baixo da zona das raízes.
-
adsorção – partículas do solo adsorvem fósforo e metais pesados presentes no
esgoto. A filtração e a adsorção também retiram bactérias e vírus.
-
remoção de nutrientes – parte dos nutrientes do esgoto (N, P, K) são
directamente captados pela vegetação.
A infiltração lenta pode ser praticada com quatro objectivos principais:
-
tratamento dos esgotos.
vantagem económica através da produção de culturas rentáveis.
conservação e alargamento de áreas verdes e espaços abertos.
conservação da água pela substituição de água potável na irrigação com
efluentes tratados.
O tratamento no terreno por infiltração lenta é susceptível de produzir efluente de
alta qualidade, desde que o dimensionamento e a operação sejam adequados. A carga
orgânica é reduzida ao fim de 1 ou 2 cm de solo, o mesmo acontecendo com as partículas
em suspensão. O azoto é basicamente removido pelas plantas enquanto que o fósforo é
principalmente fixado no solo por adsorção e precipitação química.
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Capítulo 6
Figura 6.24. Algumas variantes da infiltração lenta.
b) Infiltração rápida
Na infiltração rápida, a maior parte do esgoto passa através da coluna de solo e
pode ser recuperada por drenos ou por bombagem ou ainda mais simplesmente pode ir
alimentando os aquíferos subterrâneos. O método de infiltração rápida é o que requer
menos terreno e usa menos energia para operação, já que basta inundar a bacia de
J. M. Novais
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Capítulo 6
infiltração e deixar a água escoar-se no solo. Em certos casos foram usados filtros lentos
de areia para este fim. Em geral a vegetação não é desejável nestes sistemas (Fig. 6.25).
Figura 6.25. Algumas variantes da infiltração rápida.
O objectivo da infiltração rápida é exclusivamente o tratamento dos efluentes
podendo a água tratada ser utilizada para:
-
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recarga de aquíferos
recuperação da água infiltrada por poços ou drenos com reuso subsequente
recarga de correntes superficiais por intercepção de água subterrânea
armazenamento temporário da água recuperada no aquífero.
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Capítulo 6
O tratamento de constituintes das águas residuais tais como matéria orgânica,
sólidos em suspensão e coliformes fecais é excelente. Em termos de azoto as remoções
são mais difíceis, podendo o fósforo ser razoavelmente depurado por adsorção e
precipitação química no solo.
c) Escoamento superficial
É a aplicação do esgoto a uma encosta suave coberta de vegetação (leguminosas e
gramíneas) (Fig. 6.26). As bactérias crescem em filmes à superfície da vegetação e na
camada superior do solo e tratam o esgoto de forma análoga à que ocorre numa instalação
de filtros de percolação. No escoamento superficial, tipicamente 50 a 60% do esgoto
aplicado corre para fora do terreno e é captado ao fundo da encosta numa caleira,
enquanto que 10% se infiltra no solo e 30% se evapora. Portanto, no escoamento
superficial e mecanismo de tratamento é basicamente biológico embora se possa falar
também de algum tratamento físico, já que a erva vai filtrar partículas em suspensão e há
também alguma deposição destas partículas. O esgoto também penetra nos centímetros
superiores do solo e move-se longitudinalmente ao longo dele, sendo metais e fósforo
adsorvidos nas partículas do solo. O N, P e K também é captado pelas plantas.
Os objectivos são essencialmente de tratamento e, só em menor escala, de
obtenção de uma cultura. As remoções de compostos orgânicos, sólidos em suspensão,
azoto e fósforo são geralmente muito boas.
Figura 6.26. Esquema de um processo de escoamento superficial.
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Capítulo 6
6.6.3. Aplicação em Zonas Húmidas
As zonas húmidas são zonas inundadas com alturas de água normalmente
inferiores a 0.6 m, que suportam o crescimento de plantas emergentes, tais como
lentilhas-de-água, caniços, juncos (Fig. 6.27). A vegetação dá a superfície para a ligação
de filmes bacterianos, ajuda na filtração e adsorção de constituintes do efluente, transfere
oxigénio para a coluna de água e controla o crescimento de algas, dado restringir a
penetração da luz.
Figura 6.27. Algumas espécies de plantas aquáticas.
Têm sido utilizadas zonas húmidas quer naturais quer construídas para tratamento
de efluentes, embora o uso das zonas naturais seja normalmente limitada à afinação de
efluentes secundários.
a) Zonas naturais
As zonas naturais húmidas são normalmente consideradas como meios receptores
finais de águas. Em consequência, as descargas aí feitas estão sujeitos a limites de
concentrações que normalmente estipulam que o tratamento anterior tem que ser
secundário ou terceário. Além disso o objectivo principal de se fazer uma descarga em
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Capítulo 6
zonas húmidas naturais deve ser de valorizar o habitat existente. A modificação de zonas
existentes para melhorar a sua capacidade de tratamento é em geral destruidora do
ecossistema natural e, como tal, não deve ser praticada.
b) Zonas construídas
As zonas húmidas construídas oferecem todas as capacidades de tratamento das
zonas húmidas naturais, mas sem as limitações que lhe estão associadas. Desenvolveramse dois tipos de sistemas para tratamento de efluentes: sistemas com superfície livre de
água (SLA) e sistemas de fluxo sub-superficial (FSS).
Quando utilizados para dar um tratamento de nível secundário ou terceário, os
SLA constam normalmente de bacias ou canais paralelos com o solo no fundo
relativamente impermeável, vegetação emergente e alturas de água reduzidas (0,1 a 0,6
m). Efluente pré-tratado é normalmente aplicado continuamente nestes sistemas e o
tratamento tem lugar à medida que a água flui através dos caules e das raízes da
vegetação.
Os sistemas FSS são projectados com o objectivo de serem atingidos níveis de
tratamento secundário e terceário, consistindo de canais ou valas com uma altura de terra
sobre uma membrana impermeável, fazendo-se o trajecto da água através dos sistema de
raízes.
Nos sistemas de superfície livre de água podem também utilizar-se plantas
flutuantes tais como o jacinto de água. As alturas de água são normalmente maiores, na
ordem dos 0,5 a 1,8 m. Arejamento suplementar poderá ser usado para aumentar a
capacidade de tratamento e para manter as condições aeróbias necessárias a um controlo
biológico de mosquitos. Os sistemas de jacintos de água têm sido usados que para
remover algas de efluentes de lagoas de estabilização quer para se obter tratamento
secundário ou mesmo terceário no que respeita à remoção de nutrientes.
6.6.4. Características dos Efluentes e Mecanismos de Tratamento
Como já foi dito, o tratamento dos efluentes nos sistemas naturais é possibilitado
por fenómenos naturais que ocorrem no ecossistema solo-água-planta. Estes sistemas
J. M. Novais
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Capítulo 6
podem remover pelo menos parcialmente quase todos os constituintes do efluente que são
considerados como poluentes. Os processos que são responsáveis por essas remoções são
os seguintes:
a) Sólidos em suspensão (s.s.)
Nos sistemas em que a água circula acima da superfície do solo, a remoção de s.s.
ocorre em parte por sedimentação, ajudada pelas baixas velocidades, e em parte por
filtração através da vegetação viva e dos resíduos de vegetação. Remoção adicional de
sólidos ocorre também na interface solo-líquido. Nos sistemas em que há um fluxo
abaixo da superfície do solo, a remoção dos s.s. ocorre primariamente por filtração no
solo, embora a sedimentação possa também ser significativa nas bacias de infiltração
rápida. A acumulação de sólidos que na infiltração lenta e rápida ocorre à superfície do
solo pode dar origem a entupimento e redução da capacidade de filtração.
b) Matéria Orgânica (M.O.)
A M.O. degradável quer esteja em solução ou em suspensão é removida por
degradação microbiana. Os microrganismos responsáveis estão normalmente em filmes
que se desenvolvem na superfície das partículas de solo, na vegetação e nos resíduos
acumulados. Os sistemas naturais são normalmente dimensionados para manter
condições aeróbias excepto por desnitrificação, caso em que haverá zonas anóxicas. A
capacidade de remoção de M.O. nestes sistemas é limitada pelo oxigénio que é
transferido da atmosfera.
c) Azoto
A. Azoto orgânico
O azoto orgânico associado com s.s. nos efluentes é removido por sedimentação e
filtração como já foi descrito. O azoto orgânico na fase sólida pode ser incorporado
directamente no húmus do solo. Uma parte é hidrolizada a amino-ácidos solúveis que
podem sofrer transformações posteriores até ao ião amónio NH4 +
B. Azoto amoniacal
O azoto amoniacal pode seguir várias transformações nos sistemas naturais. O
amoníaco solúvel pode ser volatilizado directamente para a atmosfera o que normalmente
J. M. Novais
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Capítulo 6
é pouco importante excepto em sistemas de tempo longo e elevado pH. A maior parte do
azoto amoniacal é adsorvido temporariamente por reacções de permuta iónica em
partículas do solo e em partículas orgânicas carregadas. O ião amónio adsorvido pode ser
captado pela vegetação e por microrganismos ou ser convertido a nitrato por nitrificação
biológica em condições aeróbias. O equilíbrio entre a adsorção e a conversão ou a
captação é necessário para que o sistema não fique saturado.
C. Nitrato
O nitrato mantém-se em solução (dada a sua carga negativa não participa nas
reacções de permuta citadas) e é transportado no percolado, o que pode levantar
problemas à reutilização da água. O nitrato pode ser captado pela vegetação mas a
captação só ocorre na vizinhança da zona de raízes durante períodos de crescimento
activo. Para haver uma remoção real do N terá que se fazer o corte das plantas e a sua
remoção do sistema. Se a vegetação se mantiver, então o azoto será reciclado e reentra no
sistema como azoto orgânico.
D. Desnitrificação biológica
O nitrato também é removido por desnitrificação biológica, sendo esse o processo
principal de remoção do N na infiltração rápida, escoamento superficial e sistemas
aquáticos. Não é necessário que todo sistema esteja anóxico para se dar a desnitrificação,
dado poderem ocorrer pontos localizados anóxicos, vizinhos de zonas aeróbias. Claro que
para se dar de forma intensiva há que optimizar as condições. Para isso é necessário uma
relação C/N de pelo menos 2:1 (TOC: N Total) o que se torna difícil de conseguir,
especialmente nos casos em que os efluentes em tratamento são secundários e portanto a
razão dificilmente será 1:1. Nos sistemas aquáticos, o carbono da vegetação em
decomposição poderá contribuir para essa necessidade de carbono.
d) Fósforo
A principal remoção de fósforo nos sistemas naturais dá-se por precipitação
química e adsorpção, embora as plantas também captem alguma quantidade. O fósforo
(em geral na forma de ortofosfatos) é adsorvido por minerais de gesso e por certas
fracções do solo orgânico. A precipitação química com cálcio (a pH’s neutros a alcalinos)
e ferro e alumínio (em pH’s ácidos) ocorre a velocidades mais lentas que a adsorpção,
mas é igualmente importante. O fósforo adsorvido fica normalmente ligado de forma
estável. Embora a capacidade de adsorção seja finita, é muito elevada, mesmo nos solos
J. M. Novais
160
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Capítulo 6
arenosos. Nos sistemas naturais em que o fluxo é basicamente acima do solo, a remoção
de fósforo é limitada.
e) Elementos-traço
A remoção de elementos-traço (principalmente metais) ocorre por sorção, o que
inclui adsorção e precipitação, e em parte menos importante por captura pelas plantas. Os
metais são retidos no perfil do solo ou nos sedimentos dos sistemas aquáticos. A
capacidade de retenção da maior parte dos metais nos solos ou sedimentos é em geral
muito alta, especialmente a pH’s acima de 6.5. Baixando o pH e em condições
anaeróbicas alguns metais são mais solúveis e podem ser libertados para solução. As
remoções andam normalmente entre os 80 e os 95%. O contacto do líquido com o solo é
essencial pelo que os sistemas em que esse contacto seja reduzindo, são menos eficientes.
A remoção de compostos orgânicos traço anda normalmente próxima dos 100%.
f) Microrganismos
A remoção de bactérias e parasitas nos sistemas naturais ocorre por morte,
filtração, sedimentação, aprisionamento, predação, radiação, exsicação e adsorpção. Os
vírus são quase só retirados por adsorção e morte subsequente. Os métodos de infiltração
lenta e rápida, em que há um fluxo do efluente através de um perfil do solo, permitem a
remoção de microrganismos completa. No caso de solos de textura média e fina essa
remoção é conseguida em cerca de 1,5 m de trajecto, no caso de infiltração lenta. Para a
infiltração rápida serão necessários percursos maiores.
Os outros sistemas naturais originam também reduções de microrganismos de
várias ordens de grandeza.
6.6.5. Questões de Saúde pública
Os aspectos de saúde pública que podem ser levantados a respeito dos sistemas
naturais de tratamento incluem (a) agentes bacteriológicos e a possível transmissão de
doenças a organismos superiores, incluindo o homem, (b) compostos químicos que
J. M. Novais
161
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Capítulo 6
possam atingir as águas subterrâneas e possam causar riscos à saúde pública e (c)
qualidade das colheitas quando as culturas são regadas com efluentes.
a) Agentes bacteriológicos
A sobrevivência das bactérias e dos vírus nas gotícolas de aerossois, sobre e no
solo, e o seu efeito aos trabalhadores agrícolas, tem sido alvo de atenção considerável. É
importante notar que qualquer ligação entre patogéneos aplicados no terreno no efluente,
e a contracção de uma doença em animais ou humanos, supõe um caminho complexo de
ocorrências epidemiologícas. Contudo, a questão tem sido levantada e devem tomar-se
precauções.
Os aspersores, usados para aplicar efluentes, produzem um “nevoeiro” que pode
ser transportados pelo vento. Podem formar-se aerossóis (goticolas de 0,01 a 50 µ) que
podem conter bactérias e vírus activos. Contudo tem sido provado que a aerosolização só
ocorre para cerca de 0,3% do efluente que é aspergido. As distâncias que uma bactéria
pode percorrer por este processo podem atingir os 200 metros.
É necessário assim garantir zonas tampão: distâncias de 60 m das estradas e
edifícios são típicas. Em vez dessas zonas tampão pode fazer-se plantação de árvores,
aspersores dirigidos para baixo e a não realização de aspersão durante períodos ventosos.
b) Qualidade da água subterrânea
Os sistemas em que uma parte da água aplicada é percolada para os lençóis de
água subterrânea que possam ser usados para fins alimentares (casos das infiltrações lenta
e rápida) têm que ser projectados e geridos de forma que a qualidade da água subterrânea
se mantenha nos padrões de potabilidade aprovados. Um dos problemas respeita a
concentração dos nitratos que não deve ultrapassar os 10 mg/l. O pré-tratamento e o
sistema natural devem por isso permitir remoção suficiente do nitrato.
Os metais-traço não levantam normalmente problemas dado que são removidos
pelo solo por adsorção ou precipitação química, não levando sequer a aumentos
considerados anormais.
A remoção bacteriana vai depender da textura do solo.
J. M. Novais
162
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Capítulo 6
c) Qualidade das culturas
Os metais-traço que são retidos no solo e nos sedimentos ficam disponíveis para
captação pelas plantas. Do ponto de vista da saúde pública, a principal preocupação é
com o cádmio que, nas plantas, pode atingir concentrações que sendo tóxicas para
animais e homens, não o são para a própria planta. Para efluentes domésticos a questão
não se põe mas torna-se mais preocupante para certos efluentes industriais e para o caso
de aplicação de lamas.
Outros metais que poderiam levantar preocupações, ou não são captados pelas
plantas (por ex. chumbo) ou são fitotóxicos a concentrações bem inferiores aquelas que
poderiam representar um risco para a cadeia alimentar (Zn, Cu, Ni).
6.6.6. Problemática do dimensionamento dos sistemas
Dado que a aplicação no terreno é, por sua natureza, específica em relação aos
locais e dado que há uma elevada gama de possibilidades diferentes de projecto, não há
directivas padrão para o projecto destes sistemas. O projecto destes sistemas requer uma
aproximação multidisciplinar que tenha em conta domínios específicos como é o caso da
-
engenharia do ambiente
hidrologia
ciências do solo
agronomia
geologia
planeamento do uso dos terrenos
Um dos factores de maior importância na escolha do tipo de tratamento a utilizar é
a permeabilidade do solo. A infiltração lenta é adequada para uma grande gama de
permeabilidades do solo, desde os argilosos até aos arenosos. A infiltração rápida requer
solos muito permeáveis (arenosos) enquanto que o escoamento superficial vai necessitar
de terrenos relativamente impermeáveis.
Um outro factor importante a considerar é o do pré-tratamento requerido por cada
tipo de aplicações no terreno. A resposta não é universal e vai depender do tipo de
tratamento e das culturas a utilizar. Para os sistemas lentos em que são utilizados
J. M. Novais
163
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Capítulo 6
aspersores é em geral requerido o tratamento secundário; mas de facto isso vai depender
da cultura a utilizar. Mesmo usando um tratamento secundário, podem atingir-se graus
maiores ou menores de tratamento. Em certos casos em que não haja aspersão e em que
as culturas sejam do tipo industrial, poderá bastar um grau primário.
Na infiltração rápida a principal razão de fazer o pré-tratamento é reduzir os
sólidos em suspensão para que a zona de infiltração não seja rapidamente colmatada. Há
instalações em que apenas se faz o tratamento primário, mas se a água vai ser reutilizada
ou se o nível freático é alto, poderá ser necessário um grau de tratamento maior.
No escoamento superficial o pré-tratamento utilizado é em geral o primário para
prevenir acumulações de lamas nos troços de montante da zona de aplicação. Contudo
um tratamento menor pode ser suficiente.
6.6.7. Análise crítica dos sistemas no solo
Como em geral acontece com qualquer tecnologia nova ou qualquer renascer
tecnológico como é o caso dos tratamentos no terreno, surgem apoiantes ardentes e
oponentes agressivos. Isso também aconteceu e está a acontecer neste caso e justifica-se
nesta introdução apontar certos pontos que vêm a favor do sistema e outros que vêm
contra, e que devem ser cuidadosamente ponderados na altura de decidir da realização de
um caso concreto.
Assim entre os factores positivos apontados surgem: 1) a economia; 2) a
reciclagem e reutilização da água e dos constituintes do esgoto; 3) a conservação de
energia e finalmente 4) a possibilidade de serem usados processos naturais.
Por outro lado são negativos factores como: 1) possível interferências na saúde
pública; 2) efeitos de longo prazo; 3) áreas de terreno necessárias e 4) possível choque
com a opinião pública.
Quanto aos factores positivos, em termos económicos é muito frequente que o
preço de um sistema de tratamento no terreno seja mais barato que outras alternativas.
Isso depende no entanto em grande escala da disponibilidade de terrenos baratos e
apropriados na vizinhança da localidade a servir. É de notar que no nosso país este factor
será uma condicionante essencial. O próprio grau de pré-tratamento necessário é de
J. M. Novais
164
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Capítulo 6
avaliação importante, pois se acaso fôr necessário um efluente com um nível de 30-30 de
CBO e S.S. então poderá ter que haver um tratamento completo antes da aplicação no
terreno. Por outro lado, na utilização agrícola há que contabilizar os benefícios de venda
dos produtos vegetais e em certos casos de produtos animais.
Os aspectos de reciclagem e reutilização são certamente positivos não só pela
carência de água que se vai sentindo um pouco por toda a parte como pela possibilidade
de usar o azoto e o fósforo contido no efluente com poupança de adubos artificiais. O
efeito benéfico sobre as culturas por parte dos nutrientes e de muitos outros elementos
existentes no esgoto já foi exaustivamente comprovado.
Em termos de energia, os sistemas de tratamento no terreno são menos
consumidores que os sistemas mecânicos não só em termos de operação mas também por
não empregarem materiais para cuja produção se tem também que consumir energia.
O último factor positivo referido é de difícil quantificação embora se possa
admitir que o facto de serem usados processos naturais minimiza os impactos ecológicos
correspondentes. Além disso, ao criarem-se zonas de tratamento no terreno estão a obterse zonas abertas e espaços verdes que têm a sua importância para a comunidade vizinha.
Dos factores negativos sobressai o perigo de efeitos na saúde pública. O problema
pode pôr-se se forem irrigadas culturas alimentares não sujeitas a processamento
industrial, se a irrigação foi feita por aspersão sem ser considerada uma distância
apropriada até aos próximos logradouros público ou se fôr possível a contaminação de
aquíferos para consumo humano.
Os metais pesados são também considerados com preocupação dada a sua captura
potencial pelas culturas e daí a sua entrada na cadeia alimentar humana. Há também
preocupação quanto à acumulação de metais pesados no solo até níveis fitotóxicos e à sua
migração para águas subterrâneas. Contudo a aplicação de lamas no terreno é mais
preocupante do que a aplicação de águas efluentes de um tratamento primário.
Quanto aos efeitos de longo prazo há preocupações sobre a possibilidade de
prejuízos permanentes para o solo por acumulação de metais, compostos orgânicos e sais
inorgânicos. Contudo há casos em que a aplicação se faz há várias dezenas de anos e sem
efeitos visíveis desse tipo.
A grande necessidade de área é considerada como uma desvantagem dos sistemas
de tratamento no terreno; contudo a área vai variar consideravelmente com o tipo de
aplicação escolhida desde uma área muito grande para a infiltração lenta até uma área
J. M. Novais
165
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Capítulo 6
pouco superior à necessária para os sistemas de tratamento mecânico, no caso da
infiltração rápida.
Resumindo, o tratamento no terreno tem vantagens e inconvenientes como
qualquer outro processo – mas a sua adopção no país passa por um conhecimento mais
profundo dos seus fundamentos e da sua problemática. Enquanto isso não acontecer, a
opção tratamento no terreno continuará a não ser sequer considerada na maior parte dos
projectos estudados e implementados no país, com um nítido prejuízo para muitas
comunidades.
As tabelas 6.2 e 6.3 resumem algumas características dos sistemas de tratmento
natural descritos nesta secção.
Tabela 6.2. Características requeridas nos locais de implementação de sistemas naturais.
J. M. Novais
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Capítulo 6
Tabela 6.3. Características de dimensionamento de sistemas naturais.
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167
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7.
Capítulo 7
A PROBLEMÁTICA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
O problema dos resíduos sólidos urbanos (RSU) é um problema complexo que, de
um ponto de vista tecnológico, envolve componentes diversos como sejam a recolha, o
transporte, o tratamento e o destino final.
Essas várias componentes tendem a ser geridas por uma só entidade (gestão
integrada) que assim pode optimizar os diferentes componentes.
Uma primeira opção cada vez mais premente é de decidir se vai haver
recuperação de materiais e como ela vai ser processada. Materiais como papel e cartão,
plásticos, metais e vidros são vantajosamente separados e essa separação pode ser
efectuada pelo utente (que poderá descarregar esses componentes em contentores
especiais) ou pela entidade gestora (caso em que há uma triagem antes do tratamento ou
destino final).
Outra opção a tomar é se os veículos de recolha vão despejar na estação de
tratamento ou de destino final, ou se limitam a descarregar numa chamada estação de
transferência onde o RSU é transferido para um veículo de grande capacidade, que
transporta depois até esse destino final. Isto permite optimizar a utilização dos veículos
de recolha que não perdem tempo a percorrer a distância até ao aterro ou até à estação de
tratamento que por vezes se situam longe da cidade.
É também necessário saber o que fazer com o RSU. Em Portugal em grande parte
dos locais, recorre-se ao aterro sanitário. Essa não é em princípio a melhor solução do
ponto de vista ecológico. Estamos a comprometer a utilização de grandes áreas de terreno
e pouco se consegue retirar de economicamente favorável.
As soluções alternativas mais comuns são a incineração e a compostagem. Na
primeira produzimos energia eléctrica, e desde que se garanta uma boa filtração dos gases
produzidos, as consequências negativas são limitadas. Por outro lado, na compostagem
vai-se converter o RSU num material utilizável como aditivo do solo, nomeadamente em
termos de matéria orgânica, mas também de elementos fertilizantes. Estes processos de
tratamento não excluem a existência de um aterro. De facto, nem todos os materiais são
compostáveis ou incineráveis, mas a capacidade de um tal aterro é muito inferior e o seu
impacto ambiental é muito mais reduzido do que no caso anteriormente referido.
Nas páginas seguintes são estudadas com mais pormenor o aterro sanitário e a
compostagem.
J. M. Novais
168
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Capítulo 7
Apresentam-se, entretanto, alguns tópicos sobre gestão de resíduos sólidos.
Composição: Dificuldade de amostragem significativa
Heterogeneidade
Quantidade:
Lixo urbano: cerca de 1,2 kg/hab.dia
Métodos de tratamento ou deposição final:
i.
Lixeira (método abandonado)
- Deposição não controlada.
- Auto combustão, maus cheiros, insectos e ratos.
ii.
Aterro sanitário
- Impermeabilização da superfície da base do aterro.
- Camadas de lixo de menos de 1.8 m separadas entre si por 0,2 m de terra.
- Decomposição anaeróbia com produção de biogás (150 a 200 l de gás por kg
de substância seca).
iii. Incineração
-
Combustão em condições controladas com redução de volume de 1:10.
Baixos custos de operação.
Produção de vapor.
iv. Pirólise
v.
Combustão em condições de deficiência de oxigénio.
Dá origem a gases ou líquidos combustíveis.
Instalações são muito sofisticadas.
Digestão anaeróbia
-
J. M. Novais
Processo semelhante ao utilizado para lamas de ETAR.
Aplica-se à parte orgânica do lixo e origina produções elevadas de biogás.
169
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Tecnologia Ambiental
7.1.
Capítulo 7
ATERRO SANITÁRIO
O aterro sanitário é um método de deposição de resíduos sólidos sobre o solo que,
através da aplicação diária de uma cobertura de terra, minimiza os problemas ambientais.
Para a implementação de um aterro sanitário, há que ter em conta:
a) Selecção do local
b) Metodologia de aterro e operações envolvidas
c) Ocorrência de gases e de lixiviados líquidos
a)
Escolha do local
A escolha do local é talvez o obstáculo mais difícil de ultrapassar na
implementação de um aterro sanitário. Os factores a serem considerados são os seguintes:
-
Área disponível adequada (deverá comportar a deposição de lixos durante
pelo menos cinco anos)
Distância ao local onde o lixo é recolhido
Condições do solo e topografia (e disponibilidade de terra para permitir a
cobertura do lixo)
Hidrologia das águas superficiais no local
Condições geológicas e hidrogeológicas
Condições climáticas
Condições ambientais locais (questões de ruído, odores, poeiras, vectores,
factores estéticos)
Uso futuro do local
É habitual que o aterro se situe a uma distância superior a 30 m de rios, 160 m de
poços de água potável, a 100 m de casa, escolas ou parques e a 3000 m de pistas de
aeroportos.
b) Métodos de aterro e operações
Os métodos principais são os de “área”, de “trincheiras” e de “depressão”.
No método de área utiliza-se um terreno plano onde o lixo é depositado à
superfície, compactado e finalmente coberto com solo compactado ao fim do dia de
J. M. Novais
170
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Capítulo 7
trabalho. Normalmente a espessura do lixo compactado atinge os 2 a 3 metros e a camada
de cobertura tem 15 a 30 cm. Poderão formar-se várias camadas e no topo a camada de
cobertura terá uma maior espessura (50 a 60 cm).
No método das trincheiras, o solo deverá ser facilmente escavável e o lençol
freático deverá situar-se bastante abaixo da superfície.
O terreno é escavado com um bulldozer e a trincheira assim aberta vai servir de
depósito ao lixo que será compactado e coberto como no caso anterior, mas com a terra
previamente escavada.
No método das depressões torna-se necessária a existência de depressões naturais
ou artificiais, tais como vales, ravinas, minas abandonadas, etc., que irão ser
gradualmente preenchidas com o lixo.
Na preparação do local (Fig. 7.1), os passos primeiros a efectuar são de
regularizar o local, construir acessos, vedações e instalar sinais e serviços tais como água
e electricidade.
As estradas de acesso devem ser utilizáveis em todas as condições de tempo e ser
suficientemente largas para permitir o cruzamento de camionetas (7.3 m). As inclinações
não devem ser excessivas, normalmente inferiores a 7%.
Haverá normalmente necessidade de um pequeno edifício para guardar utensílios
e acessórios do equipamento e para instalações sanitárias.
c)
Ocorrência de gases e lixiviados líquidos
Num aterro sanitário vão ocorrer os seguintes acontecimentos físicos, químicos e
biológicos: Dá-se o decaimento biológico dos materiais orgânicos, primeiro por via
aeróbia, enquanto existe ar, e depois anaeróbia, com a produção de gases e líquidos:
Verifica-se a oxidação química dos materiais; solução e lixiviação de materiais orgânicos
e inorgânicos causados pela passagem de água (por exemplo: da chuva) e de lixiviados
através das várias camadas.
Os gases originados nos aterros incluem o ar, amoníaco, dióxido de carbono,
monóxido de carbono, hidrogénio, gás sulfídrico, metano, azoto e oxigénio. O biogás
(CO2 + CH4 ) é o principal resultado da decomposição anaeróbia dos componentes do
lixo.
J. M. Novais
171
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Capítulo 7
Figura 7.1. Preparação e e finalização de um aterro sanitário. a) escavação e
impermeabilização; b) colocação dos resíduos; c) vista em corte do aterro finalizado.
A conversão anaeróbia atinge o máximo cerca de dois anos após a deposição do
lixo, e vai depois reduzindo-se, podendo no entanto manter-se por períodos de 25 anos ou
mais.
J. M. Novais
172
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Capítulo 7
Poderão produzir-se 150 a 200 l de gás por kg de substância seca. Obtêm-se cerca
de 5 l de biogás por kg de lixo por ano.
Durante a formação do aterro, devem deixar-se tubos verticais que permitam o
escoamento do gás para a atmosfera e a sua eventual utilização.
Os lixiviados são líquidos com elevadas concentrações de vários componentes.
Valores típicos são:
CBO 5
CQO
SS
N
P
pH
10 000 mg/l
18 000 mg/l
500 mg/l
400 mg/l
30 mg/l
6
Há assim que tomar precauções que impeçam a poluição dos meios aquáticos
próximos, quer sejam superficiais quer subterrâneos.
Assim, o fundo do aterro deve ser impermeabilizado e os líquidos lixiviados
deverão ser colectados num determinado ponto e conduzidos a uma estação de tratamento
específica.
Para evitar a contaminação da água subterrânea, é necessário tomar medidas como
sejam:
-
Tubos de drenagem
Membrana plástica
Segunda rede de tubos de drenagem
Segunda membrana plástica
Argila
Através de planeamento correcto pode ser também minimizada a possibilidade de
poluição das águas superficiais e subterrâneas:
-
J. M. Novais
Localizar o aterro a uma distância segura de rios, lagos e poços
Evitar locais em que o solo seja poroso
Usar material de cobertura que seja quase impermeável
Executar uma drenagem adequada
173
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Capítulo 7
Os aterros sanitários, após terminados e cobertos podem ser usados para parques
ou campos de golf. Dadas as características de compactação que vão ocorrendo, deve ser
evitada a construção de edifícios nesses locais.
Uma grande variedade de equipamento encontra-se disponível para tornar cada
operação eficiente. Tem que ser escolhido dependendo da dimensão e do modo de
operação, da quantidade e da periodicidade das entradas de lixo.
O equipamento mais comum é o tractor de rodas de borracha ou de lagartas que
pode ser usado com uma lâmina plana ou com uma colher. O tractor é versátil e pode
desempenhar uma variedade de operações: espalhamento, compactação, cobertura,
abertura de valas e mesmo transporte do material de cobertura.
A escolha entre as rodas de borracha ou a lagarta tem que ser baseada nas
condições de cada local. As primeiras são mais rápidas mas as segundas têm uma maior
tracção.
Compactadores de rodas de aço são também usados; as rodas têm dentes que
provocam no lixo um maior esmagamento e demolição. Não são adequados a compactar
a terra mas apenas o lixo. Em aterros de grande dimensão são ainda usadas outras
maquinas.
Aterros que recebam lixo de até 15 000 habitantes ou até 50 tons por dia, apenas
necessitam de um tractor, de 20 a 30 tons. Até 50 000 habitantes terão um tractor de 30 a
45 tons, mas necessitam apenas de uma máquina.
A figura 7.2 dá uma ideia das operações e processos envolvidos num aterro
sanitário.
J. M. Novais
174
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Capítulo 7
Figura 7.2. Esquema das operações e processos de um aterro sanitário.
7.2.
COMPOSTAGEM
A compostagem é um processo biológico aeróbio de estabilização de resíduos
sólidos. A sua importância deriva do valor do produto que dela resulta – o composto –
como condicionador de solo e como agente formador de húmus.
A heterogeneidade do material orgânico que constitui um resíduo sólido inclui
uma população microbiana muito variada. Desde que a humidade do material se encontre
em valores entre 50 a 60% e a massa seja arejada, o metabolismo microbiano é acelerado.
Muitos dos componentes são totalmente degradados, sendo outros – como a lenhina –
apenas transformados.
Quando o material orgânico é colocado em pilhas, o metabolismo microbiano
conduz a um aumento de temperatura. O valor máximo da temperatura atingida, bem
J. M. Novais
175
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Tecnologia Ambiental
Capítulo 7
como o tempo necessário para o atingir, dependem de muitos factores – a composição
dos resíduos sólidos, a disponibilidade de nutrientes, humidade, tamanho da pilha,
tamanho das partículas e grau da agitação e do arejamento.
As curvas de temperatura – tempo registadas no centro da pilha constam da
figura 7.3. O processo pode ser dividido em quatro fases: mesofílica, termofílica,
arrefecimento e maturação.
Figura 7.3. Variação da temperatura ao longo do processo de compostagem.
No ínicio do processo a massa está à temperatura ambiente e em geral levemente
acídica. À medida que os organismos mesofílicos se desenvolvem, a temperatura sobe
rapidamente. A produção de ácidos orgânicos simples dá uma queda do pH. A
temperaturas superiores a 40ºC, a actividade dos mesófilos reduz-se e a degradação passa
a ser efectuada pelos termófilos. O pH passa a valores alcalinos e pode libertar-se
amoníaco se houver excesso de azoto facilmente utilizável. A 60ºC os fungos
termofílicos morrem mas a reacção continua, actuada por bactérias formadores de
esporos e por actinomicetos. As fracções de celulose e de lenhinas são pouco atacadas a
essas temperaturas superiores a 60ºC mas as ceras, proteínas e hemiceluloses são
rapidamente degradadas.
J. M. Novais
176
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Capítulo 7
À medida que o material mais facilmente degradável é usado, a velocidade da
reacção atenua-se, até que o calor gerado é menor que o calor libertado pela superfície da
pilha, e a temperatura da massa começa a arrefecer.
Quando a temperatura baixa dos 60ºC, os fungos termofílicos que se encontravam
nas zonas periféricas menos quentes da pilha poderão voltar a invadir o centro e
recomeçar o seu ataque sobre a celulose. A hidrólise e a assimilação subsequente dos
materiais poliméricos é um processo relativamente lento pelo que a geração de calor é
baixa e a temperatura continua a baixar.
A cerca de 40ºC os mesofílicos recomeçam a sua actividade quer por germinação
de esporos resistentes ao calor quer por re-invasão a partir do exterior. O pH
normalmente desce um pouco mas mantem-se ligeiramente alcalino.
As três primeiras fases do ciclo de compostagem ocorrem rapidamente,
terminando após alguns dias ou poucas semanas. O estágio final – a maturação – exige
normalmente meses. Durante este período dão-se reacções complexas secundárias de
condensação e polimerização, que levam ao produto final – o húmus – e aos ácidos
húmicos.
A componente biológica é apenas uma das muitas operações que têm lugar numa
instalação de compostagem de resíduos sólidos (figura). Claro que a complexidade
variará, sendo essenciais os seguintes passos:
a) Separação
Para a compostagem ser um processo válido, é necessário que o produto final,
quando usado no terreno, seja de boa qualidade, com um mínimo de matéria mineral.
Quando resultantes de resíduos municipais, os compostos poderão conter quantidades
significativas de metais traço tais como cobre, chumbo, níquel e zinco. Para aplicações
pontuais, esses metais não trarão problemas quer para as colheitas, quer para os animais
ou humanos que delas se alimentem. No entanto, para aplicações a longo prazo, é
essencial não permitir que esses metais se acumulem no solo. É então necessário remover
tanto quanto possível os vidros, metais, plásticos e outros resíduos para que a matéria
prima usada no composto seja tanto quanto possível matéria orgânica. É preferível
remover os materiais inorgânicos da alimentação, dado que os metais livres e sais são
atacados pelos microrganismos e pelos ácidos orgânicos libertados no processo, podendo
então os iões metálicos ficarem ligados ao ácido húmico e a outros complexos orgânicos.
J. M. Novais
177
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Capítulo 7
b) Redução do tamanho das partículas
Um tamanho inicial reduzido da partícula, ajuda obviamente a degradação, dado
ser a área superficial disponível para o ataque microbiano mais elevada. Por outro lado,
partículas muito finas são inconvenientes por perturbarem a passagem dos gases.
Interessa também que o produto final não seja pulvurulento, dada a necessidade ou
vantagem dele “abrir” o solo e aumentar a sua porosidade.
Por isso, o lixo deve ser triturado até dimensões da ordem dos 1 a 5 cm, sendo a
gama mais baixa mais adequada a sistemas com arejamento forçado.
Moínhos de martelos e outros, têm sido utilizados.
c) Nutrientes
O azoto é o principal nutriente necessário aos microrganismos para a assimilação
do substrato de carbono dos resíduos orgânicos. O fósforo vem a seguir enquanto que o
potássio, magnésio, enxofre, cálcio e quantidades traço de vários outros elementos têm
também algum papel no metabolismo celular.
Cerca de 20 a 40% do carbono é assimilado para dar novo material celular, sendo
o resto convertido em CO2 . Dado que as células contêm aproximadamente 50% de
carbono e 5% de azoto em peso seco, conclui-se que a alimentação de azoto deverá ser de
2 a 4 partes por 100 de carbono inicial, ou seja uma razão C/N de 25/1 a 50/1. A razão
C/P deve ser de 75/1 a 150/1.
d) Outros aditivos e inóculo
Nalgumas circunstâncias, torna-se necessária a adição de outros materiais,
dependendo da composição inicial do resíduo. No entanto, isso não sucede com os lixos
domésticos habituais. O inóculo, a ser utilizado, consiste de composto anteriormente
obtido.
e) Humidade
Os microrganismos requerem uma certa quantidade de água para o seu
metabolismo. As partículas orgânicas podem absorver uma quantidade considerável de
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Capítulo 7
água, e mesmo a 50% de humidade a superfície da partícula pode parecer seca. A
actividade biológica é muito reduzida quando a humidade baixa dos 30%.
Na prática, a gama óptima encontra-se entre os 50 e os 70%, os valores mais
baixos sendo adequados em sistemas estáticos e os mais altos em sistemas com agitação e
arejamento forçado.
f) Agitação
É óbvio que o processo de compostagem pode ser acelerado por um uso judicioso
de agitação. O movimento do material ajuda o arejamento, especialmente em pilhas e em
medas, introduzindo ar nos interstícios do material.
A agitação ajuda à homogeneidade, provoca um certo atrito entre as partículas o
que leva à exposição de material ainda não atacado. Melhora a uniformidade da
temperatura.
A agitação excessiva, por outro, deve ser evitada pois permite uma perda
excessiva de calor e humidade a partir das superfícies. Pode também prejudicar o
desenvolvimento do micélo de fungos e de actinomicetos.
g) Arejamento, velocidade de reacção e temperatura
Um certo grau de arejamento é crucial para um fornecimento adequado de
oxigénio aos microrganismos e para arrastar os produtos, nomeadamente o CO2 e o vapor
de água. A má distribuição de ar pode levar a zonas anaeróbias, com a possível libertação
de cheiros de putrefacção. Demasiado ar arrefece a massa em compostagem e provoca
uma perda de água.
Contudo, quando se têm grandes massas de material, algum arrefecimento pode
ser necessário para manter as temperaturas dentro da gama que permite a actividade
fúngica. O mesmo acontece com materiais muito húmidos como é o caso de resíduos
animais.
O arejamento natural de pilhas e medas resulta das diferenças da pressão parcial
de O2 e CO 2 entre a atmosfera e o interior da pilha. Também, a variação de temperatura
dá origem a correntes de convecção de ar que têm o mesmo efeito.
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Capítulo 7
h) Destruição de patogéneos
As temperaturas elevadas são desejáveis para assegurar a destruição de
microrganismos patogéneos. Isso acontece a temperaturas de pelo menos 60ºC.
i) Controlo de pH
Não se torna necessário exercer nenhum controlo deliberado de pH.
j) Operações Finais
O material que deixa o passo de fermentação da maior parte dos processos de
compostagem está normalmente bem estabilizado mas não maduro. Convirá colocá-lo em
medas para terminar a sua decomposição, durante um tempo que poderá chegar a dois
meses.
Depois da maturação, o material é peneirado em peneiros vibratórios ou rotativos.
k) Sistemas de compostagem
Podemos considerar dois tipos básicos de compostagem: o lento e o rápido.
Na compostagem lenta não é usado equipamento especial nem arejamento
forçado.
Após trituração, o material é colocado sobre um solo impermeabilizado, disposto
em meda comprida de secção triangular (Fig. 7.4), sendo a largura da base de cerca de 2,6
metros e a altura de 1,2 metros. Essas medas são revolvidas e reformuladas a intervalos
de cerca de cinco dias. De cada vez que a meda é reformada, dá-se um novo ciclo de
variação de temperatura, mas a temperatura máxima atingida vai sendo cada vez mais
baixa. Ao fim de três ou quatro revolvimentos, o composto vai sofrer maturação então
numa pilha de maiores dimensões, que se mantêm durante cerca de dois meses.
O método embora económico (é apenas necessária uma máquina móvel para o
revolvimento) exige áreas elevadas. Por cada 100 000 habitantes são necessárias cerca de
10 hectares.
Na compostagem rápida (Fig. 7.5) são utilizados normalmente ou tambores
horizontais rotativos ou silos verticais que permitem um arejamento forçado e um
controle das condições de temperatura e humidade.
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180
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Capítulo 7
Figura 7.4. Sistema de compostagem lenta em medas estáticas.
Nos tambores horizontais, que rodam lentamente, o lixo é alimentado por um dos
topos e sai pelo outro após um tempo de retenção de 2 a 6 dias, sofrendo depois
maturação.
Nos silos verticais, a entrada faz-se pelo topo e o composto sai pelo fundo após
uma permanência, em média de 4 dias.
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Capítulo 7
Figura 7.5. Sistemas de compostagem rápidos, em reactor. a) Reactor de fluxo tipo pistão
verical; b) Reactor de fluxo tipo pistão horizontal; c) sistema vertical dinâmico (com
mistura); d) sistema horizontal dinâmico.
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Capítulo 8
8. MÉTODOS DE REDUÇÃO DE POLUIÇÃO INDUSTRIAL
8.1. INTRODUÇÃO
Os problemas ambientais originados pela poluição são hoje bem conhecidos e
bem comprovados, não sendo já necessário descrever os seus efeitos reais e potenciais.
Esta consciencialização em relação à gravidade da situação nem sempre foi
acompanhada por uma consciencialização dos causadores dessa poluição.
Infelizmente ainda em muitos casos o poluidor não se acha culpado e é habitual
dizer que o seu efluente não é grave e não tem importância em relação à totalidade da
poluição. Isto atinge os industriais mas eles não são os únicos culpados dado que várias
outras actividades, desde a investigação científica até à agricultura contribuem para a
poluição.
Realmente e em muitos casos cada fábrica tem uma contribuição pequena para a
poluição de um ecossistema, mas o facto é que o conjunto de todas essas poluições
pequenas constitui um grave problema. É este ponto que é importante frisar e é também
importante que o industrial se convença que tem que considerar a despoluição entre os
investimentos que tem que fazer em face à obtenção de um dado produto.
8.2. MÉTODOS DA RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS
De que formas dispõe o industrial para resolver o problema da poluição? Insisto
numa primeira que é pura e simplesmente fazer com que a fábrica rejeite menos
quantidade de água poluída. Esta medida é evidente e torna-se o primeiro passo a
precorrer logo que o industrial se aperceba que não pode poluir os cursos de água, ou que
a lei o obrigue a aperceber-se de tal.
Há sempre medidas internas a praticar que reduzem as quantidades de água
produzida e que se prendem muitas vezes com a instituição de recirculações e as vezes de
aproveitamentos de sub-produtos (minimização).
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Capítulo 8
Há fábricas em Portugal que chegam ao ponto de fechar em meses de Verão em
que os rios têm menos caudal, dado que a sua descarga se torna intolerável para a fauna
desses rios e para as populações a juzante. E no entanto, fábricas em França, do mesmo
tipo, confrontadas com o mesmo problema, reduziram os seus lançamentos finais para
10% do normal, apenas pela adopção de medidas internas.
Este ponto é importante e, paralelamente às auditorias energéticas que hoje se
fazem para detectar em que pontos da fábrica se pode poupar energia, deveriam fazer-se
também auditorias hídricas para estudar o processo do ponto de vista do consumo e
desperdício de água.
Outra forma de que o industrial dispõe para resolver o seu problema de poluição é
através da utilização de estruturas de saneamento já existentes, devendo então pagar ao
dono dessa estrutura (normalmente a autarquia) uma taxa correspondente aos acréscimos
de custos que o seu efluente vai implicar sobre os custos iniciais e sobre a operação do
sistema.
A terceira forma de que o industrial dispõe para resolver o problema é, fazer ele
próprio uma estação de tratamento. Neste caso, um estudo correcto da situação
(determinação dos caudais a tratar e sua composição e estudo da capacidade do meio
receptor) pode reduzir consideravelmente os custos quer em termos de investimento quer
em operação.
8.3. MINIMIZAÇÃO (PREVENÇÃO DA POLUIÇÃO)
A minimização de resíduos é a redução, até ao limite possível, de todos os
efluentes ou resíduos sólidos que possam representar um perigo para a saúde pública ou
para o ambiente. A filosofia que justifica a minimização é que é mais aceitável e razoável
não produzir os resíduos do que depois desenvolver esquemas complicados e
dispendiosos de tratamento para que esse resíduo possa ser aceite no meio natural.
A minimização pode ser conseguida por redução na fonte (através de alterações
nos processos industriais) e por reciclagem (reuso dos resíduos para o propósito inicial ou
para outro fim), sendo o primeiro método o preferido.
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Capítulo 8
a) Redução na fonte
A redução na fonte é simplesmente a prevenção da poluição na origem. Pode ser
conseguida por duas formas diferentes, a alteração nos produtos e o controlo da fonte.
Em relação às alterações do produto, podem envolver a substituição do produto ou
alterações na composição do produto.
A tecnologia para implementar alterações no produto encontra-se desenvolvida
em muitos processos industriais. Contudo, há que ter em conta muitas questões para além
da viabilidade técnica, tais como a aceitação por parte do consumidor, estabilidade do
produto, compatibilidade do produto alterado no seu uso em comparação com o produto
original e problemas ambientais potenciais do novo produto.
Em relação ao controlo na fonte, trata-se de reduzir a produção de poluentes sem
alterar o produto. Isso pode fazer-se por alterações na matéria prima, por alterações
tecnológicas e por práticas operacionais correctas.
As alterações na matéria prima podem conduzir à minimização de resíduos ao
reduzir ou eliminar os materiais objecionáveis que iriam entrar no processo de produção.
Alterações nas matérias primas podem também evitar a formação de resíduos durante os
processos de produção. Podemos incluir nesta categoria quer a purificação do material
quer a sua substituição.
As alterações tecnológicas são orientadas para as modificações de processo e de
equipamento para atingir a redução de resíduos. As alterações terão um maior ou menor
impacto sobre o processo de produção, alterações no equipamento, layout ou tubagens
(piping), uso de automação e alterações nas condições operacionais como sejam
temperaturas, pressões, caudais, tempos de residência.
As práticas operacionais correctas (GOP) são um conjunto de medidas processuais
administrativas ou institucionais que uma companhia pode utilizar para minimizar os
resíduos. Elas aplicam-se aos aspectos humanos das operações de manufactura e muitas
delas conduzem a melhorias de eficiência e a práticas de boa gestão. Podem ser aplicadas
em todas as áreas da instalação e têm normalmente um custo baixo. As GOP podem
incluir as seguintes:
-
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programas de minimização de resíduos
práticas de gestão e de pessoal
práticas de manuseamento de materiais e controle de inventário
prevenção de perdas
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-
Capítulo 8
segregação dos resíduos
programação da produção
As práticas de gestão e de pessoal incluem o treino do pessoal, incentivos, bónus e
outros programas que incentivem os funcionários a esforçar-se por limitar os resíduos.
No manuseamento de materiais e controlo do inventário incluem-se programas para
reduzir perdas de tempo de armazenamento de materiais sensíveis e a implementação de
boas condições de armazenamento. A prevenção de perdas minimiza os resíduos ao evitar
fugas do equipamento.
A segregação de resíduos reduz o volume de resíduos perigosos, ao evitar a sua
mistura com outros menos perigosos. Pela programação da produção é possível reduzir a
frequência da limpeza de equipamento e o resíduo resultante poderá ser reduzido.
b) Reciclagem
Uma vez esgotadas as opções de redução na fonte, as opções mais desejáveis de
minimização serão as de reciclagem. Pode ocorrer totalmente na própria instalação ou
pode envolver uma segunda fábrica.
As duas técnicas de reciclagem são o uso e reuso e recuperação.
No uso e reuso há o retorno do material residual ou ao processo original
substituindo matéria prima ou a um outro processo servindo então de matéria prima.
Na recuperação há um material que será vendido para ser utilizado noutro
processo. Na problemática dos efluentes industriais é também muito importante a
amostragem e a medição de caudais.
c) Amostragem
A amostragem correcta de um efluente industrial é frequentemente uma tarefa
complexa, dado que há em geral mais do que um ponto de saída e há em geral uma
grande variabilidade qualitativa e quantitativa ao longo do dia.
A base de qualquer programa de amostragem devia ser a análise estatística de
cada descarga, sendo avaliado qual o número de amostras diárias necessárias para atingir
um percentil de confiança de 90 a 95%.
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Há contudo que exercer sempre uma avaliação para além da que é dada pela
estatística pois há industrias que têm um efluente mais ou menos constante ao longo do
dia e portanto não necessitarão de muitas amostras, e outras, com pontas de composição
variável que necessitarão de um número elevado de amostras.
Neste último caso devem tomar-se amostras compostas que podem ser tiradas de
uma forma contínua ao longo do dia – sendo o caudal de amostragem proporcional ao
caudal de passagem – ou de forma descontínua, tirando-se amostras que vão sendo
adicionadas às anteriores.
Ao fim de um dia, a amostra composta deverá representar aproximadamente a
composição média do efluente da fábrica estudada.
Ainda assim, esta amostragem pode induzir em erros pois em certas industrias a
composição dos efluentes varia com o dia da semana.
8.4. ESQUEMAS DE TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS
De uma forma geral, os vários métodos a usar poderão ser integrados no esquema
da figura 8.1.
Os tratamentos primários e secundários cuidam da maior parte dos efluentes não
tóxicos, as outras águas terão que ser tratadas antes de ser inseridas nestes tratamentos.
Na fase primária serão habituais as grades e o desareamento. A igualização será muito
frequentemente necessária. Quando requerido será feita uma neutralização. A remoção de
óleos, gorduras e sólidos em suspensão será feita por flotação, sedimentação ou filtração.
Após o tratamento secundário, poderá ser necessário um tratamento terceário
específico.
Os efluentes da fábrica que contenham metais pesados, pesticidas e outras
substâncias que passariam o tratamento primário e iriam inibir o secundário, deverão ser
depuradas desses compostos, de preferência antes de serem misturados com outros
efluentes.
Sempre que possível deve ser considerada a mistura do efluente industrial com
um efluente de índole doméstica, dado que este pode fornecer nutrientes que viabilizem o
tratamento biológico.
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adição de
reagentes
químicos
efluente bruto
IGUALIZAÇÃO
NEUTRALIZAÇÃO
SEDIMENTAÇÃO
TRATAMENTO
BIOLÓGICO
TRATAMENTO
TERCIÁRIO
SPILL
POND
FILTRAÇÃO
ADSORÇÃO
PRECIPITAÇÃO
OXIDAÇÃO/
REDUÇÃO
STRIPPING
OXIDAÇÃO/
REDUÇÃO
águas de
processo
metais
compostos
orgânicos
amónia
Figura 8.1. Esquema geral de tratamento de efluentes industriais
8.4.1. Compostos problemáticos
Os métodos de tratamento biológicos são adequados à composição dos esgotos
orgânicos domésticos que não contêm substâncias tóxicas. Um dos problemas graves que
afectam o ambiente é o dos esgotos industriais que contêm muitas vezes componentes
que destroem os seres vivos do ambiente natural em que são descarregados. Enquanto
que o esgoto doméstico pode ser considerado como um todo e tratado como tal, já no
caso dos efluentes industriais haverá que considerar a remoção de constituintes
específicos – eventualmente para permitir que os restantes possam ser tratados por
métodos biológicos. Esses componentes são normalmente alvo de regulamentos que
devem estabelecer os limites que são autorizados no caso do lançamento se fazer numa
rede colectora ou directamente no meio ambiente. Esses limites são muito variáveis de
país para país.
Vamos referir alguns desses compostos:
a) Solventes
É um termo que cobre uma grande variedade de compostos que podem causar
vários tipos de problemas, desde explosões nas tubagens à produção de atmosferas
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tóxicas. Por outro lado muitos tendem a absorver-se nos sólidos das lamas e ser
extremamente tóxicos para os processos de digestão anaeróbia. Os solventes
normalmente não são autorizados nos efluentes lançados pelas indústrias e o método
específico para a sua eliminação é por turbulência fomentando a sua evaporação evitando
o lançamento na atmosfera, ou por incineração.
b) Compostos petrolíferos
Petróleo e seus derivados são em geral proibidos por lei por causa dos riscos de
explosão.
c) Alcatrão e óleos de alcatrão
É uma categoria que inclui grande variedade de compostos. São produtos que
podem provocar o entupimento das tubagens por redução gradual do seu diâmetro. O seu
lançamento é limitado a valores de 20 mg/l.
d) Gordura e óleos
É uma categoria que além dos óleos de lubrificantes e industriais inclui também
os óleos alimentares. Podem causar o bloqueamento das tubagens por deposição e
prejudicar os órgãos da estação de tratamento (bombas, tamizadores, braços
distribuidores dos filtros). Camadas de óleo podem ficar adsorvidas nos flocos de lamas
activadas ou sobre o meio filtrante dos percoladores, reduzindo a eficiência de
tratamento. Além disso, óleo flutuante pode ainda sair da estação.
Os níveis autorizados têm variado de 0 a 500 mg/l. Um valor de 400 mg/l pode ser
autorizado em descargas pequenas, e de 100mg/l em maiores (valores de 100 mg/l são
normais no esgoto doméstico). No entanto, à saída da estação não deve exceder os 5-10
mg/l.
e) Sulfatos
As descargas de sulfatos são controladas por causa da sua acção corrosiva sobre
os aumentos das tubagens. Conforme o catião, a sua acção é: Ca<Mg>Na>NH4 . No
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Capítulo 8
entanto a acção só se faz sentir para concentrações elevadas pelo que normalmente são
aceites 1000 mg/l.
f) Cianetos
Os cianetos e as substâncias que produzem cianetos podem produzir atmosferas
tóxicas nos sistemas colectores e têm efeito deletério sobre os processos biológicos de
tratamento. Para evitar atmosferas tóxicas, o esgoto não deve ter mais de 10 mg/l à saída
da fábrica mas deve sofrer diluição até à estação dado que concentrações acima de 1 mg/l
já afectam os processos biológicos. Por outro lado o líquido que sai da estação não deve
ter mais de 0.1 mg/l.
Na fábrica o cianeto é bastante facilmente oxidado por cloro livre.
g) Sulfuretos
Os sulfuretos devem ser limitados porque podem causar atmosferas fatais de gás
sulfídrico e podem causar dano ao material da tubagem, se fôr oxidado por
microrganismos para ácido sulfuríco. Valores típicos admitidos são inferiores a 1 mg/l de
sulfuretos e substâncias que por acidificação possam também produzir sulfídrico. Pode
formar-se sulfureto no próprio colector, mesmo com esgoto doméstico que se tenha
formado anaeróbio (a parte dos sulfatos). O pH tem um papel importante: a pH 6, 83%
está na forma de sulfídrico, a pH 7, 37% e a pH 8, 5%. Portanto os esgotos alcalinos são
menos corrosivos.
A produção de ácido sulfídrico ocorre em lama microbiana das paredes e portanto
em princípio quanto maior fôr a velocidade do líquido menos lama se depositará e menor
corrosão haverá. Velocidades de 1 ms-1 são recomendadas.
h) Sólidos em suspensão
As concentrações de sólidos em suspensão precisam de ser controladas para evitar
a possibilidade de entupimentos ou deposições nas tubagens e de sobrecargas nas
instalações de tratamento em termos das lamas. Para sólidos de alta densidade (matéria
mineral), valores de 200 mg/l são os máximos recomendados. Para matéria floculante
valores de 800 – 10000 mg/l podem ser autorizados.
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i) CBO
Em geral só são aplicadas restrições ao CBO quando há risco de sobrecarga da
estação de tratamento e portanto devem ser calculadas em termos da carga total sobre a
instalação. Os hidratos de carbono podem ser restringidos por causa da sua rápida
degradação biológica, podendo causar condições sépticas nas tubagens, produzindo H2 S e
cheiros. Podem também fermentar no decantador primário dando condições anaeróbias e
trazendo as lamas para a superfície. O limite mais normalmente aplicado é 1000 mg/l em
glucose. Os efluentes que podem causar problema são os da indústria alimentar, bebidas e
fermentações, nomeadamente de leveduras.
j) Fenóis
Os fenóis ocorrem nos efluentes de várias indústrias mas sendo valiosos são
recuperados frequentemente. Os limites admitidos nos lançamentos em sistemas
colectores andam pelos 20 a 100 mg/l. No entanto, concentrações da ordem dos 5 mg/l na
estação de tratamento podem já causar problemas nas lamas activadas, nomeadamente na
nitrificação.
l) Metais tóxicos
Os metais normalmente considerados nesta categoria são o Cr, Cd, Pb, Zn, Sn, Ni
e Cu. Muitos deles são comuns em efluentes industriais especialmente nos de tratamentos
metálicos electroquímicos.
Crómio: A forma hexavalente é muito mais tóxica que a trivalente. O processo de
lamas activadas pode tolerar 10 mg/l de Cr VI continuamente. 30 a 45% do crómio é
removido no tratamento primário. O crómio é concentrado nas lamas sendo rapidamente
reduzido à forma III. Valores de 300 mg/l na lama líquida não afectaram a digestão
quando o tempo desta era de 21 dias mas para um tempo de 14 dias, 50 mg/l já tiveram
influência na produção de gás.
As estações de tratamento removem 70 a 80% do crómio e portanto há que ver
qual o efeito dos restantes 20% sobre a ecologia.
Cádmio: O cádmio é bastante tóxico para os sistemas biológicos, sendo mais
tóxico que o Ni, Zn, Cr, Sn, Pb mas menos que o Hg, Cu, Ag. Mais de 1 mg/l no efluente
do decantador, inibe o processo biológico. É inibidor para a digestão anaeróbia mas como
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Capítulo 8
com quase todos os metais, esse efeito é reduzido a altos valores de pH e a sua toxicidade
é evitada pelo sulfureto. A adição de sulfato ferroso aos digestores aumenta a
concentração de sulfureto e evita a inibição. Só 90% do Cd é removido nos processos de
tratamento. O cádmio é concentrado nas lamas causando efeitos tóxicos sobre as culturas
se elas forem aplicadas em terreno agrícola.
Chumbo: Em solução é bastante tóxico, e 1 mg/l afecta o tratamento biológico
enquanto 0,5 mg/l são tóxicos para os protozoários e inibem a nitrificação. Forma no
entanto sais insolúveis que são removidos nas lamas e de que só altas concentrações é
que inibem a digestão (200 mg/L reduzem a produção de gás de 33%) e mesmo essa
inibição pode ser evitada pela adição de sulfato ferroso. Por outro lado as altas
concentrações na lama aumentam os problemas da sua aplicação no solo.
Zinco: É um dos metais mais comuns nos efluentes industriais, estando também
presente nos domésticos. Uma concentração de 10 mg/l já deteriora a redução de CBO e a
produção de gás. Este nível de zinco produz uma lama com 1% em peso seco de zinco
que é também elevado em termos de aplicação no terreno. A mediana de remoções de
zinco numa estação é de 86%.
Estanho : É o metal menos tóxico dos presentes nos esgotos industriais e em
concentrações até 20 mg/l não afecta o funcionamento dos processos biológicos de
tratamento.
Níquel: A remoção de CBO pelos processos biológicos é afectada quando o
esgoto contém 2,5 a 5 mg/l de níquel, embora a nitrificação seja afectada por
concentrações inferiores a 1 mg/l. Só cerca de 31% do níquel é removido na estação. O
níquel nas lamas levanta problemas na aplicação agrícola porque, em termos de peso, o
níquel é oito vezes mais tóxico para as plantas do que o zinco.
Cobre: Dado que o cobre é fortemente complexado pela matéria orgânica, níveis
razoavelmente altos (25 mg/l) podem ser tolerados antes que os níveis de remoção sejam
afectados. No entanto quer os protozoários quer as bactérias nitrificantes são afectados
mesmo a concentrações de 1 mg/l. A inibição do processo biológico pelo cobre tem um
efeito sinergético na presença de níquel e zinco. No processo anaeróbio o cobre solúvel
pode afectar a produção de gás a concentrações de 0,7 mg/l, embora a concentração total
de cobre possa ser de vários milhares de mg/l.
Obviamente que com poluentes tóxicos e persistentes, o melhor seria excluí-los
do sistema colector. O problema é que a sua remoção dos efluentes é dispendiosa.
Tanques de decantação antes da descarga já dão alguma redução mas quando os padrões
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Capítulo 8
de descarga são apertados, o método não é suficiente. Os metais podem também ser
precipitados na forma de hidróxidos, o que é mais eficiente a pH’s elevados pelo que um
controle de pH será útil. Estes métodos no entanto nunca garantem concentrações de
metal inferiores a 10 mg/l.
m) Temperatura
Normalmente é proibido descarregar efluentes para redes colectoras com
temperaturas acima de 45ºC, dado que temperaturas superiores causam dilatações e
contracções desiguais nas paredes dos tubos e causam a sua quebra. Temperaturas
elevadas também originam e aceleram as situações anaeróbias da tubagem o que também
vai provocar corrosão.
n) pH
Condições acídicas nas canalizações libertam sulfídrico dos sulfuretos,
hidrogenosulfuretos e polissulfuretos e acido cianídrico a partir dos cianetos.
Os efluentes alcalinos podem também causar problemas como sendo a
precipitação de carbonatos que ocorre pela combinação do efluente alcalino com efluente
de águas duras ou efluente de lacticínios. Os limites usuais admitidos para a descarga são
os pH 6 a 10, devendo à chegada à estação estar a 6-8.
o) Casos especiais
As águas das caldeiras e de arrefecimento devem ser descarregadas em cursos de
água, desde que não tenham aditivos.
Pesticidas organofosfatados e organoclorados ocorrem por vezes nos efluentes
industriais. Devem ser excluídos dos lançamento nos sistemas colectores, sempre que
possível.
Os detergentes causam espumas na estação de tratamento e nos rios, são tóxicos
para os peixes e reduzem a capacidade de reoxigenação do rio. Por isso é recomendado
um máximo de 0,5 mg/l no rio.
Em regra geral, o uso de detergentes amónicos não biodegradáveis deve ser
desencorajado ou proibido.
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Capítulo 8
Os efluentes radioactivos estão sujeitos a normas especiais quanto ao seu
lançamento, devendo haver controle adequado.
8.4.2. Processos de tratamento
Em geral as opções que o industrial tem em relação aos seus efluentes são:
-
descarregar directamente no esgoto municipal e pagar a respectiva taxa
atingir no local um grau de tratamento parcial e depois descarregar nos
colectores (taxa menor mas com despesas de capital e de operação)
fazer o tratamento completo do efluente e descarregar no rio (maiores custos
de capital e operação)
Em termos realistas, o industrial considerará qual das três opções é a mais
conveniente do ponto de vista económico.
O tipo de estação de tratamento industrial a instalar dependerá da natureza dos
poluentes no esgoto. Evidentemente que a variedade de tipos de esgoto é enorme mas
podemos agrupá-los em:
a) Efluentes orgânicos facilmente degradáveis (por exemplo da industria
alimentar)
b) Efluentes orgânicos complexos (das industrias químicas orgânicas)
c) Compostos inorgânicos reactivos (por ex da industria pesada e tratamentos de
superfície)
d) Compostos inorgânicos inertes (por ex: minas de carvão e de areia)
e) Poluição térmica (ex: centrais termoelectricas)
Vejamos as soluções possíveis para cada uma delas.
a) Efluentes orgânicos facilmente degradáveis
Aplicam-se em geral sistemas de tratamento similares aos dos esgotos domésticos
mas em que se introduzem alterações conforme o tipo exacto de efluente que se pretende
tratar.
Vejamos alguns casos específicos:
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194
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i.
Capítulo 8
Efluentes dos lacticínios
Os efluentes da indústria dos lacticínios (Tab. 8.1) caracterizam-se pela presença
de sólidos em geral em solução do leite. A sua concentração depende do tipo de
processamento mas em geral o CBO anda entre 500 e 4000 mg/l e um CQO de cerca de
4000 mg/l. Dado a sua rápida degradação, dá-se uma desoxigenação também rápida do
sistema em que é lançado. Se ocorrerem condições anaeróbias, a lactose é convertida em
ácido lactico e o pH desce. Pode portanto haver necessidade de controlar o pH na
sequência de tratamento, o que também é útil dadas as flutuações de pH ao longo do dia
em parte resultantes do uso de detergentes alcalinos em ciclos de limpeza.
A primeira análise a fazer em termos da decisão a tomar sobre o tratamento é
sobre o próprio funcionamento da fábrica. Por vezes pequenas alterações conduzem a
reduções de volume ou da concentração dos efluentes.
Vários métodos de tratamento biológico têm sido utilizados. Contudo todas as
estações têm uma fase de igualização de caudais e composições embora esses tanques
tenham que ter arejamento para não resultarem condições anaeróbias. Estes tanques
podem também ser usados para controle do pH e para adição de nutrientes.
A remoção de gorduras é também importante podendo usar-se a remoção por
gravidade ou, mais recentemente, a flotação por ar dissolvido. Isto é feito melhor a pH’s
baixos para evitar a emulsificação da gordura.
A irrigação de terrenos agrícolas com efluentes desta indústria é uma opção de
tratamento de baixo custo. Estimula a actividade microbiana e das minhocas no terreno,
ao mesmo tempo que lhe adiciona elementos traço importantes.
Na Nova Zelandia aplicam-se 450 m3 /ha a uma taxa de 8 mm h-1 e com períodos
de descanso de 14-21 dias. Todos os métodos biológicos podem ser usados à excepção da
versão convencional das lamas activadas (os arejamentos prolongados são possíveis). Isto
porque mesmo com igualizações e controle de pH eficientes, há grande probabilidade de
as bactérias filamentosas dominarem a flora e causar em dificuldades na decantação. No
arejamento prolongado, as baixas cargas orgânicas e a dominação da respiração endogéna
dão um ambiente mais favorável às espécies não filamentosas. Reduções de CBO da
ordem de 99% são possíveis nesses sistemas.
Embora facilmente degradáveis, o custo de tratamento destes efluentes é
relativamente elevado. O tratamento anaeróbio revela-se em muitos casos mais
económico.
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Capítulo 8
Tabela 8.1. Efluentes de indústrias de lacticíneos. A) cargas por unidade de leite
processado; B) Composição de soros de queijo.
A)
B)
ii.
Outras indústrias alimentares
A maioria dos problemas associados com efluentes da indústria de lacticínios são
típicos dos que ocorrem nas outras indústrias alimentares. Vejamos os problemas
particulares de algumas delas.
No caso da indústria de processamento de frutos sasonais (Tab. 8.2) é de haver
vários produtos e portanto vários efluentes.
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Capítulo 8
Tabela 8.2. Características de efluentes industriais. A) Processamento de vegetais e frutas
e de vinificação; B) Processamento de vegetais.
A)
B)
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Capítulo 8
De qualquer forma, contêm matéria orgânica que é biodegradável, com valores de
CBO até 8000 mg/l, a maior parte dele na forma solúvel. Os efluentes são em geral
deficientes em azoto.
Dada
a
natureza
dos
efluentes,
podem
ser
usados
métodos
bio-oxidativos e os problemas são em geral a variabilidade de cargas e caudais. Os
sólidos podem também ser um problema, podendo estar na forma de terra (da lavagem
dos vegetais), peles e outros resíduos de frutos. A sua remoção deve ser feita em
tamizadores ou tanques ou lagoas de decantação.
Os sólidos podem também ser um problema grande nos efluentes produzidos pela
indústria de processamento de carne e criação (Tab. 8.3), embora as características do
efluente sejam variáveis conforme as operações.
Tabela 8.3. Características de efluentes de processamento de carnes.
Óleos e gorduras são um problema não só dado o seu alto CBO específico (> 2g
CBO.glípido-1) mas também devido ao risco de entupimentos.
Os sólidos – ossos, penas, pelos, bocados de carne e mesmo o conteúdo das
panças – são melhor removidos por tamização, sendo o mais eficiente o tangencial com
aberturas de 0,25 a 1,5 mm. Ratoeiras de gorduras podem ser utilizadas mas será mais
comum usar clarificação gravítica ou flotação por ar dissolvido.
Outra parte essencial do tratamento é a segregação e recuperação do sangue quer
para uso na alimentação animal ou como fertilizante.
No fim do tratamento físico o efluente conterá material carbonaceo solúvel e
coloidal na sua maior parte biodegradável pelos métodos normais.
Outras indústrias que cabem neste grupo são as destilarias, indústrias de cerveja e
fermentações várias – produção de antibióticos, leveduras, etc. (Tab. 8.4). São em geral
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Capítulo 8
efluentes com cargas orgânicas elevadas mas desde que seja tido em consideração o
balanço de azoto e o controle de pH, poderão ser tratados pelas vias habituais.
Tabela 8.4. A) Carga de CBO em efluentes de indústrias de fermentação; B) Parâmetros
operatórios de unidades de bio-tratamento para efluentes de indústrias de fermentação.
A)
B)
A possível excepção a isto é o efluente das destilarias. Trata-se de efluentes de
elevada concentração orgânica em relação aos quais as lamas activadas dão resultados
fracos (33%). Já a filtração biológica de alta carga é aplicável embora só se atinjam
depurações elevadas com vários passos de filtração. Os processos anaeróbios são
particularmente adequados a este tipo de efluentes embora não se possa esperar que
realizem a depuração completa.
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Capítulo 8
b) Efluentes orgânicos complexos
Nem toda a matéria descarregada pela indústria química é tão biodegradável como
a da indústria alimentar. Nalguns casos, o material está presente em concentração
suficiente para ser tóxico para a flora microbiana e noutros casos os compostos são
estruturalmente tão complexos que a sua degradação é muito lenta. O fenol é um exemplo
do primeiro caso enquanto que os compostos aromáticos polinucleados são exemplo do
segundo.
É possível usar métodos biológicos para degradar estes compostos desde que se
verifique diluição adequada e o tempo de arejamento seja suficiente. Os processos podem
ser assistidos por um pré tratamento que remova constituintes que possam interferir com
a bio-oxidação. Vejamos um exemplo: produção de combustíveis sintéticos a partir do
carvão. Os efluentes contêm uma gama elevada de fenois, compostos azotados
heterociclicos e aromáticos polinucleados. Contêm também muito azoto amoniacal. O
resultado é um efluente com grande demanda de oxigénio (CQO’s até 30 000 mg/l).
Os pré-tratamentos propostos são:
-
Remoção de amoníaco: pode ser conseguido por passagem de ar que liberta o
amoníaco livre, seguido por adição de cal até pH 10,5 – 11 e seguido por nova
passagem de ar para remover a amónia salina. O primeiro passo liberta
também gases dissolvidos (air stripping).
-
Remoção do fenol: pode ser conseguido por extracção por solventes e para
minimizar custos, os solventes serão recuperados. Também reduz o nível dos
aromáticos polinucleados.
Estes dois passos produzem um efluente que pode ser tratado pelos métodos
biológicos normais que removerão até 95% do COD solúvel. Se fôr preciso mais
tratamento o normal será o carvão activado.
Os fenois, que são tóxicos para bactérias, a altas concentrações, são também uma
componente principal dos licores que resultam da produção de coque para a indústria do
aço. Os outros constituintes com algum significado são o azoto amoniacal, os cianetos e
tiocianatos.
O tratamento biológico destes efluentes é praticado mas é por vezes necessário
proceder à remoção de amónia e à separação de fenol. Em geral deverá haver uma
igualização dos efluentes antes do tratamento, seja por lamas activadas, seja por filtros de
percolação.
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Também na manufactura de resinas sintéticas se produzem efluentes
contaminados com fenóis. Nesse caso, está também presente o formaldeído que é
potencialmente tóxico para as bactérias.
Uma hipótese de tratamento para este caso é usar uma lagoa de igualização de
elevada capacidade (por exemplo dias) e só depois fazer o tratamento biológico em
lamas activadas, com pequena carga e alta concentração de células em suspensão. Estes
dois factores facilitam a absorção de cargas choque de formaldeido sem haver a
desactivação completa.
O efluente das lamas activadas poderá então passar através de filtros de
percolação e deverá haver ainda um tanque final de igualização por questões de
segurança, antes do lançamento final. Reduções de CBO nestes efluentes pelo esquema
atrás mencionado são da ordem dos 80%.
Muitas vezes, se é pretendido obter um efluente de elevada qualidade, há que
recorrer a sistemas suplementares ou a esquemas alternativos. O mesmo sucede se fôr
necessário proceder à remoção de compostos orgânicos não biodegradáveis. O carvão
activado é uma alternativa frequentemente utilizada para a remoção de moléculas
orgânicas não biodegradáveis ou mesmo tóxicas. Há a alternativa de o utilizar em
reactores de leito fixo ou juntá-lo em pó a um sistema de lamas activadas. A vantagem
desta última utilização é a de permitir ao sistema biológico suportar as flutuações quer na
força do efluente quer na sua composição química. É particularmente notório o resultado,
quando o efluente é corado. O carvão é adicionado ao efluente, antes do arejamento,
numa concentração de 200 mg/l.
Uma alternativa de tratamento dos compostos orgânicos não biodegradáveis é
efectuar oxidação química, antes do tratamento biológico. Têm sido usados oxidantes
como a água oxigenada, hipoclorito de sódio e ozono.
Apesar dos sucessos destes processos alternativos, contínua a haver esperança de
que os sistemas biológicos, por si só, possam tratar os compostos orgânicos
recalcitrantes, usando uma flora aclimatizada ou eventualmente pelo uso da engenharia
genética.
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c) Compostos inorgânicos reactivos
i.
Efluente de tratamento de superfície
Nem todos os efluentes podem ser tratados por métodos biológicos; nalguns casos
a sua toxicidade aconselha uma via alternativa. Os efluentes dos tratamentos das
superfícies metálicos pertencem a esta categoria. Os principais poluentes são o cianeto, o
cromato e iões metálicas e um dos métodos de tratamento mais comuns destes efluentes é
usar cloro e anidrido sulfuroso sob condições controladas de pH e potencial redox.
O cloro oxida o cianeto a cianato o qual é compatível com as limitações de
descarga nos colectores. A oxidação tem lugar em dois passos:
CN- + Cl2 → Cl- + CNCl
CNCl + OH- → CNO- + HCl
O segundo passo depende quer do pH quer da presença de cloro livre, e só acima
de pH 10 se realiza de forma rápida. Visto que o cloreto de cianogéneo é gasoso e tóxico,
é essencial que a reacção global seja realizada a pH elevado. Isto é conseguido com
adição de hidróxido de sódio, controlada com electrodos de pH. O tempo total de reacção
é 30 a 40 minutos.
A cloragem alcalina degradará também a maior parte do cianeto complexo nestes
efluentes (em geral de zinco, cádmio e cobre). Em princípio não estão presentes cianetos
de níquel, dado que niquelagem não exige o uso de banhos de cianeto. Portanto os
efluentes com níquel devem ser separados até se dar a oxidação completa do cianeto. Os
ferrocianetos também não são degradados apreciavelmente mas a menos que os efluentes
sejam logo lançados num rio, a sua concentração é em geral suficientemente baixa para
poder ser ignorada.
A este pH elevado, os iões metálicos presentes no efluente formam hidróxidos
insolúveis. Podem depois ser removidos por sedimentação ou flotação. Os resíduos de
crómio, quer resultem da operação de cromagem quer do uso de ácido crómico para o
acabamento de metais, estão presentes na forma de cromatos (crómio hexavalente). Esta
forma é consideravelmente mais tóxica para os sistemas biológicos do que o crómio
trivalente. O método usual para tratar cromatos é de usar dióxido de enxofre (ou
bissulfito) para reduzir o Cr6 a Cr3 .
2H2 CrO 4 + 3SO 2 → Cr2 (SO4 )3 + 2H2O
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Capítulo 8
Para esta reacção se dar rapidamente, o pH tem que ser mantido a valores abaixo
de 2.5. O tempo de reacção é 15-20 minutos. O crómio trivalente é depois precipitado
como um hidróxido insolúvel, aumentando o pH para 8.5. Parte deste ajustamento do pH
pode ser conseguido misturando as diferentes efluentes. O ajustamento final é feito com
adição de cal ou soda cáustica. Quando todo o processo é feito de forma adequada, o
efluente final tem condições para poder ser lançado numa rede colectiva. Contudo, a lama
produzida é altamente tóxica.
Há outros métodos para o tratamento destes efluentes, nomeadamente para a
remoção dos iões metálicos, como sejam a permuta iónica, a osmose inversa, a extracção
líquido-líquido e métodos electroquímicos. O tratamento dos cianetos pode também ser
conseguido pelo uso de ozono, por permuta iónica ou mesmo em reactores biológicos.
ii.
Resíduos da indústria de cloro-alcalis
Esta indústria produz soda cáustica, carbonato de sódio e cloro pela electrólise de
cloreto de sódio. Três tipos de células são utilizadas: a célula de diafragma, a célula de
membrana e a célula de mercúrio. Destes só a célula de mercúrio produz efluentes que
requerem tratamento de natureza mais sofisticada que simples controle de pH e
sedimentação. O problema principal é o da presença de mercúrio e compostos
inorgânicos mercuriais, que potencialmente podem converter-se em compostos altamente
tóxicos de alquil mercúrio.
Vários métodos podem ser utilizados para resolver esta questão, dos quais o mais
comum baseia-se na formação de sulfureto de mercúrio altamente insolúvel. Este é
removido por filtração e o filtrado sofre polimento com passagem por um leito de carvão
activado.
É evidente que este tratamento se limita a transferir o problema do líquido para o
sólido e apesar da baixa solubilidade do sulfureto de mercúrio, há sempre possibilidade
de ao longo do tempo algum ser solubilizado. Assim essas lamas devem ser ou
encapsuladas ou fixadas quimicamente. Ambos os métodos dependem da ligação de
partículas do resíduo a um sólido inerte estável. No caso da encapsulação, a ligação é o
resultado de ligação física e a matriz inerte é um termoplástico (por exemplo betume) ou
uma resina (ex: ureia-formaldeído). A fixação causa uma ligação química do resíduo ao
sólido inerte, tal como um cimento. A cada método têm sido apontadas vantagens e
inconvenientes.
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Capítulo 8
d) Poluição térmica
É nas centrais termoeléctricas que se originam os maiores volumes de água quente
e quando não existem torres de arrefecimento e recirculação, a água é descarregada a
temperaturas 6 a 10ºC superiores às da entrada.
Muitas vezes a água de arrefecimento contem aditivos para impedir corrosão,
formação de películas ou formação de filmes biológicos, podendo nesse caso a sua
descarga constituir um problema adicional.
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