CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB 36 DOMINGO 7 DE OUTUBRO DE 2007 A36 JORNAL DO BRASIL Convênio firmado entre o Jornal do Brasil e o Instituto Ciência Hoje apresenta todo domingo textos baseados em ar tigos publicados na revista ECOLOGIA I Planta com diversas aplicações em sua área de origem é ameaça a regiões invadidas Uma estranha na paisagem FOTO CEDIDA PELOS AUTORES Newton Ulhôa Geraldo Fernandes UFMG Jarcilene Almeida-Cortez UFPE Muita gente pensa que a espécie conhecida popularmente como flor-de-seda ou mercúrio é nativa do Brasil. Originária da África tropical, da Índia e do Oriente Médio, esse arbusto hoje se distribui amplamente pelos domínios do cerrado e da caatinga brasileira, podendo prejudicar o manejo desses ecossistemas naturais. Além disso, em áreas de estação seca pronunciada, o gado, com fome, pode ser atraído pelas folhas da flor-de-seda, que se mantêm verdes nessa época. Como a espécie é tóxica, acaba oferecendo riscos a esses animais. Sua toxicidade também faz com que estabeleça curiosas relações com insetos herbívoros das áreas onde ocorre. A flor-de-seda é um arbusto de tronco rugoso e casca grossa que tem em média de 2 m a 3 m de altura, se assemelhando às árvores típicas do cerrado e da caatinga. Por tolerar solos com poucos nutrientes e ácidos ou com elevado teor de alumínio, a espécie quase sempre invade áreas alteradas pelo homem, como pastagens e terrenos baldios, sendo considerada indicadora de solo exaurido. Ao invadir pastos degradados, a flor-de-seda reproduz-se rapidamente, dificultando o manejo e expondo o gado ao contato com substâncias tóxicas. O potencial tóxico da flor-de-se- da é resultado do látex que produz. Essa substância viscosa funciona geralmente como proteção contra o ataque de insetos, fungos e microrganismos, mas os humanos podem fazer uso dela. Na Arábia Saudita, curandeiros utilizam o látex dessa planta para tratar camelos atacados por escorpiões ou cobras venenosas e, na Nigéria, ele é usado para coalhar leite na fabricação de queijo. Já em regiões ao sul da Índia, o látex é adotado também como abortivo, porém, seu teor cáustico pode desencadear processos inflamatórios em mucosas e, em contato com os olhos, pode causar lesões à córnea. Alguns animais também fazem ‘uso’ do látex produzido pela flor-de-seda; a borboleta-monarca, em especial, tem uma relação curiosa com essa planta. Presente em toda a América, essa borboleta, na fase larval, se alimenta das folhas do arbusto. Descobriu-se então que certas substâncias do látex, conhecidas como cardenolídeos, tornam a borboleta adulta venenosa e com sabor ruim, afugentando os predadores. Como as borboletas adultas não se alimentam das folhas da planta, concluiu-se que as larvas eram capazes de incorporar os componentes tóxicos a seus tecidos. Porém, essa relação não é perfeita e o látex é tóxico também para as larvas. A taxa de sobrevivência é tanto menor quanto maiores os níveis das toxinas – em geral apenas 10% das larvas chegam à fase adulta. Para contornar o problema, elas criaram o hábito de comer a folha em círculos, fugindo do látex que flui Flor-de-seda na caatinga A flor-de-seda pode servir de alimento para insetos no período seco das áreas mascadas. No Brasil, há poucos dados sobre a interação de herbívoros com a flor-de-seda. Observações feitas em uma ampla área de distribuição da espécie no cerrado, na caatinga e na Mata Atlântica indicam que ela parece não ocupar ambientes preservados e as áreas onde se fixou apresentam fauna diversificada de insetos herbívoros. Como é uma das únicas plantas cujas folhas não caem ou secam no período de estiagem, tornou-se um recurso alimentar adicional para muitos insetos. Isso significa que é possível haver interações complexas entre a flor-de-seda e invertebrados nativos daquelas regiões. A questão tem sido investigada em trabalho de parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). LEIA MAIS NA REVISTA Ciência Hoje, A flor-de-seda está presente hoje em grande parte da América tropical, e seu uso já faz parte de diferentes culturas, como em Pernambuco, onde muitos a consideram nativa da região. A erradicação da planta é dificultada sobretudo porque suas raízes penetram fundo no solo (fazendo com que a rebrota se dê rapidamente) e porque suas sementes se dispersam por extensas áreas pela ação do vento. A porção norte da cordilheira do Espinhaço – que vai da Bahia até Minas Gerais – já está sendo invadida pela flor-de-seda, dificultando a conservação da mais nova reserva da biosfera no Brasil, criada pela Unesco em junho de 2005. O governo brasileiro deve estar atento a essa invasão, já que a área é hábitat de milhares de espécies que não ocorrem em nenhum outro lugar do mundo. A dispersão da flor-de-seda pode provocar mudanças no intrincado relacionamento entre espécies dos ecossistemas onde ocorre. No entanto, estudos recentes apontam fungos capazes de deter sua propagação, ampliando o debate sobre o controle biológico da espécie. edição de setembro FÍSICA I Acelerador de elétrons é o maior projeto científico do Reino Unido nos últimos 40 anos DIAMOND LIGHT SOURCE LTD. O novo diamante da coroa britânica Cássio Leite Vieira Ciência Hoje / RJ JB 52 Respeitosos £ 220 milhões, ou cerca de R$ 850 milhões, aplicados com um único objetivo: construir um equipamento capaz de acelerar elétrons, fazendo-os viajar em velocidades próximas à da luz (300 mil km/s), e aproveitar a radiação emitida por essas partículas para ’enxergar’ a estrutura da matéria. Objetivo cumprido, o Diamond já está em funcionamento na Inglaterra. Abrigado em um prédio cuja área equivale à de cinco campos de futebol, trata-se do maior projeto científico do Reino Unido nos últimos 40 anos. A radiação produzida no Dia- mond, também chamada de luz síncrotron, surge toda vez que partículas carregadas eletricamente (no caso, elétrons) são curvadas pela ação de um campo magnético. Ao absorverem energia desses campos, os elétrons automaticamente a devolvem ao meio na forma de luz. Essa luz segue para estações de trabalho (chamadas de linhas de luz), onde é aplicada sobre diversos materiais. Ao incidir sobre o material ela, em geral, arranca elétrons ou fótons (partículas de luz), permitindo que cientistas aprendam sobre a estrutura e o comportamento do material estudado, em uma resolução (da ordem de 10-10 m) que permite ’ver’ átomos e molé- O Diamond ocupa área equivalente a de cinco campos de futebol culas. O Diamond, portanto, é semelhante a um supermicroscópio, preciso e poderoso. Sete linhas de luz do equipamento estão em funcionamento desde fevereiro deste ano, e a fase II do projeto prevê um total de 21 linhas até 2011. Com a luz síncrotron é possível estudar a estrutura de átomos, moléculas e espécimes biológicos; acompanhar reações químicas em tempo real; estudar materiais magnéticos usados em memórias de computador etc. Uma das linhas terá um laboratório que poderá lidar com vírus, como o da febre aftosa. – Será a única desse tipo no mundo –, diz Dominic Semple, assistente executivo e coordenador de programas do Diamond. Para um país que pretenda fazer ciência de ponta, ter esse tipo de máquina é essencial. Em 1987, em um esforço impressionante para os padrões do hemisfério Sul, o Brasil inaugurou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP), montado com basicamente 100% de tecnologia nacional. Em julho passado, Gerd Materlik, diretor geral do Diamond, e José Antônio Brum, diretor geral do LNLS, firmaram, em nome de suas instituições, um memorando de entendimento, um dos vários neste ’Ano Reino Unido-Brasil de Ciência e Inovação’. O documento formalizou a intenção dos dois laboratórios em fazer intercâmbios de tecnologia e recursos humanos.