Artigo Original Complicações da laringoscopia de suspensão Complications of suspension laryngoscopy Rogério A. Dedivitis1 André V. Guimarães2 André Luís Quarteiro3 Elio G. Pfuetzenreiter Jr.4 RESUMO ABSTRACT Introdução: a laringoscopia de suspensão é um procedimento rotineiro com finalidades diagnóstica e terapêutica. Objetivo: avaliar as complicações desse procedimento e seu impacto no período de internação dos pacientes. Pacientes e Método: foram estudados retrospectivamente 297 procedimentos realizados em 293 pacientes consecutivos entre 1.997 e 2003, sendo 64,64% do gênero masculino e com idade que variou de 6 a 82 (mediana, 37 anos). Um total de 23,3% dos procedimentos foi para diagnóstico e 76,7% para tratamento, enquanto 0,67% foi em laringe normal, 71,7% para lesão benigna e 27,6% para maligna. Instrumental frio foi utilizado em 99% dos pacientes e o laser de CO2, em 1,01%. Foram estudadas as complicações: dentárias; mucosas; em nervos; hematoma; hemorragia; e sistêmicas. As complicações foram divididas em maiores (com prolongamento da internação) e menores. Resultados: lesões mucosas foram encontradas em 11,44% dos casos, sendo 8,75% ferimentos cortantes, seguido de hemorragia (1,68%) e hematoma (1,01%). O sítio mais acometido foi o ventre lingual (5,05%), seguido do lábio inferior (3,37%). Houve 2,69% de trauma dentário, 1,01% de parestesia temporária de língua, 1,01% de broncopneumonia pós-operatória e duas complicações maiores: broncoespasmo e broncoaspiração. Conclusão: a laringoscopia de suspensão é segura, com 16,48% de complicações, sendo 8,75% lesões mucosas. Introduction: the suspension direct laryngoscopy is procedure routinely employed in diagnosis and treatment. Objectives: to evaluate its complications and the impact on the hospitalization time. Patients and methods: we retrospectively studied 297 procedures in 293 consecutive patients from 1997 to 2003. Out of 64.64% were males and the ages varied from 6 to 82 (median, 37). We performed 23.3% of the procedures for diagnosis and 76.7% for treatment, while 0.67% were in normal larynges, 71.7% in benign lesions and 27.6% in malignant lesions. Conventional cold instruments were used in 99% and CO2 laser in 1.01%. Dental injuries, mucosal lesions, nerve lesions, hematoma, hemorrhagia and systemic complications were studied. The complications were classified in major (when requiring a prolonged hospitalization) and minor. Results: mucosal lesions were found in 11.44% of the patients, distributed in erosions (8.75%), hemorrhagia (1.68%) and hematoma (1.01%). The most commonly injuried sites were the ventral portion of the tongue (5.05%) and the lower lip (3.37%). Dental injuries were found in 2.69%, temporary lingual parestesia in 1,01%, and postoperative pneumonia in 1.01%. There were two major complications: one bronchospasm and one bronchoaspiration. Conclusion: the suspension laryngoscopy safe, with a complication rate of 16.48%, including 8.75% of mucosal lesions. Descritores: laringoscopia de suspensão; laringe; cirurgia; complicações; internação. Key words: suspension laryngoscopy; larynx; surgery; complications; hospitalization. INTRODUÇÃO A laringoscopia de suspensão é um procedimento utilizado rotineiramente com finalidades diagnóstica e terapêutica. Foi introduzida por Killian em 1.909 e modificada por Lynch em 19141, que possibilitou um refinamento da cirurgia e do instrumental endolaríngeos, juntamente com as contribuições de Kleisasser2 e de Jako3. Em 1960, Lewi passou a utilizar visão binocular 4 . Kleinsasser desenvolveu um sistema de magnificação da imagem endolaríngea, para observação e documentação fotográfica e passou a descrever alterações precoces indicativas de malignidade5. Pequenas complicações, como lesões dentárias e lacerações da mucosa oral, com discreto sangramento, são relatadas em uma incidência de até 31% dos pacientes6. Complicações de maior gravidade podem ser definidas como aquelas que prolongam a internação do paciente e podem chegar a 19,5% dos casos7. Quando indicada com finalidade diagnóstica, por ser um método invasivo, costuma ser a via final de avaliação e, muitas vezes, é realizada juntamente ao procedimento terapêutico. Permite avaliar finos detalhes das pregas vocais e estruturas adjacentes sob visão binocular, com visão em profundidade e sob ótimas condições de iluminação, deixando o cirurgião com ambas as mãos livres. Podemos dividir suas indicações em: (1) inspeção direta da laringe sob anestesia geral; (2) biópsia de lesões; e (3) remoção cirúrgica de lesões (microcirurgia de laringe)8. O objetivo desse estudo é avaliar as complicações da 1) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Docente do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, São Paulo. Chefe da Divisão de Cirurgia e da Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa, Santos. 2) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade de São Paulo. Assistente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos. 3) Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, HOSPHEL, São Paulo. Especialista em Otorrinolaringologia. 4) Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, HOSPHEL, São Paulo. Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos. Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos. Correspondência: Rogério A. Dedivitis, Rua Dr. Olinto Rodrigues Dantas, 343 conjunto 92 – 11050-220 Santos, SP. E-mail: [email protected] Recebido em: 15/05/2007; aceito para publicação em: 14/06/2007; publicado on line em: 18/08/2007. 128 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 3, p. 128 -130, julho / agosto / setembro 2007 laringoscopia de suspensão e seu impacto no período de internação dos pacientes. PACIENTES E MÉTODO Consideramos como complicações as situações seguintes: dentárias; mucosas; em nervos; hematoma; hemorragia; e complicações sistêmicas resultantes do ato anestésico ou cirúrgico. Cada grupo de complicações foi ainda dividido em maior (quando implicaram prolongamento da internação) e menor (sem impacto no tempo de internação). Foram ainda considerados os sítios anatômicos de cada lesão ou o nervo acometido (se foi o caso). O tempo cirúrgico variou de 12 a 65 minutos, com média de 35 minutos. Os pacientes foram avaliados com 7, 15 e 30 dias de pós-operatório. Estudamos retrospectivamente pacientes submetidos à laringoscopia de suspensão de janeiro de 1.997 a dezembro de 2.003, em um total de 297 procedimentos realizados em 293 pacientes consecutivos, sendo 192 (64,64%) do sexo masculino e 105 (35,36%) do feminino. A idade variou de 6 a 82, com mediana de 37 anos. Os procedimentos foram realizados no Hospital Ana Costa, Santos, Santa Casa da Misericórdia de Santos, Hospital Israelita Albert Einstein e Med Center Unidade Cirúrgica, em Santos. A tabela 1 mostra a finalidade da indicação e a tabela 2 apresenta as condições nosológicas. Nos casos de remoção cirúrgica de reação na prega vocal oposta, considerou-se como indicação a lesão-índice e não a reação contra-lateral. Nota-se que 23,3% dos procedimentos foram para diagnóstico e 76,7% para tratamento. Do total, 0,67% foram em laringe normal, 71,7% para lesão benigna e 27,6% para lesão maligna. Instrumental frio foi utilizado em 99% dos pacientes e o laser de CO2, em 1,01%. Todos os procedimentos foram realizados sob anestesia geral sob intubação orotraqueal e com utilização de protetor dentário de silicone. A tabela 3 mostra as complicações encontradas. Lesões mucosas foram encontradas em um total de 11,44% dos casos, com maior incidência de ferimentos cortantes (8,75%), seguido de hemorragia (1,68%) e hematoma (1,01%). O sítio mais acometido foi o ventre lingual (5,05%), seguido do lábio inferior (3,37%). Nos casos classificados como hemorrágicos e em dois casos de ferimento cortante em ventre lingual foi necessária sutura com fio absorvível, realizada ainda sob anestesia geral, logo após a retirada do laringoscópio de suspensão. Todas essas complicações foram consideradas menores, não tendo impacto no tempo de internação. Tabela 1 – Critérios de indicação da laringoscopia de suspensão. Tabela 3 – Complicações da laringoscopia de suspensão. RESULTADOS Tabela 2 – Condições nosológicas Dos oito casos de trauma dentário (2,69%), houve presença de mobilidade dentária em dois, perda de restauração de amálgama em dois e fratura de esmalte em quatro, não tendo ocorrido exodontia traumática. Todos os três casos de parestesia da língua foram relatados pelos pacientes no primeiro retorno pós-operatório e regrediram espontaneamente em até trinta dias. Quanto às complicações sistêmicas, três pacientes apresentaram broncopneumonia no período pós-operatório. Todos foram tratados com antibioticoterapia com droga única por via oral, com boa evolução e não houve aumento do tempo de internação, sendo consideradas complicações menores. Houve dois casos de complicações maiores: um caso de broncoespasmo em paciente portadora de doença pulmonar obstrutiva crônica, com alta hospitalar após três dias e outro de broncoaspiração, com alta hospitalar após sete dias. 129 DISCUSSÃO CONCLUSÃO A laringoscopia de suspensão é utilizada habitualmente em Laringologia com as finalidades diagnóstica e terapêutica. Nossos achados coincidem com os da literatura, dando conta de tratar-se de procedimento seguro e cujas complicações não representam potencial mortalidade9. Encontramos um total de 11.44% de lesões mucosas diversas (ferimento cortante, hemorragia e hematoma), achado menor que o de outros autores que, em séries prospectivas, encontraram tais lesões de 31 a 75% dos casos6,10. Tais lesões são de pouca gravidade, com cicatrização espontânea, podendo eventualmente necessitar de uma sutura. Boa parte ocorre por compressão, sobretudo dos lábio e da língua, contra a arcada dentária, mais comumente durante o ato de locação do laringoscópio. O ato de intubação orotraqueal para anestesia geral apresenta um índice de lesão dentária de 0,1%11. Encontramos, para a laringoscopia de suspensão, 2,69% de lesões por trauma dentário, contudo, sem qualquer caso de avulsão dentária, mas somente fratura de esmalte ou remoção da restauração. Na literatura, há relato de 6.5% de incidências dessa complicação. A proteção dentária costuma ser utilizada para os incisivos superiores, no entanto, cerca de 40% das lesões ocorrem na arcada inferior. Procedimentos terapêuticos são mais propensos a lesões dentárias que os diagnósticos, talvez pela necessidade de reajustes sucessivos na posição do laringoscópio durante o procedimento10. Lesões dos nervos lingual e hipoglosso são descritas como casos isolados. Não observamos qualquer déficit motor, porém, em 1,01% dos pacientes, houve queixa de parestesia unilateral da língua, todos com regressão espontânea em menos de um mês. Pacientes considerados como de alto risco de obstrução de vias aéreas devem ser preventivamente submetidos a traqueostomia. Isso ocorreu em dois de nossos pacientes, com programação de realização de biópsia em endolaringe e que apresentavam tumor exofítico. Somente um paciente necessitou de reintubação. Era um portador de obesidade mórbida, no entanto, após cerca de trinta minutos, realizou-se a extubação e a evolução foi favorável, sem prolongar o tempo de internação. Dados de comorbidade devem ser avaliados cuidadosamente, sobretudo quanto a comprometimento da função respiratória. Em nossa casuística, as duas únicas situações que levaram a um maior período de internação hospitalar foram de complicações respiratórias broncoespasmo e broncoaspiração. A laringoscopia de suspensão é um procedimento seguro, com um índice total de complicações de 16,48%, sendo que 8,75% são por lesões na mucosa oral e de orofaringe. Tais complicações costumam ser abordadas de forma conservadora, apresentam boa evolução espontânea e não aumentam o tempo de internação do paciente. 130 REFERÊNCIAS 1. Lynch RC. New technic for the removal of intrinsic growths of the larynx. Laryngoscope 1914;24:645-57. 2. Kleinsasser O. Microlaryngoscopy and endolaryngeal microsurgery. Philadelphia: WB Saunders; 1968. 3. Jako GJ. Laryngoscope for microscopic observation, surgery and photography. Arch Otol 1970;91:196-9 4. Lewy RB. Depth perception in laryngoscopy. Arch Otolaryngol 1960;72:383-4. 5. Kleinsasser O. Larynx-microscope for early diagnosis and differential diagnosis of carcinoma of the larynx, pharynx and oral cavity. Z Laryng Rhinol Otol 1961;40:276-9. 6. Robinson PM. Prospective study of the complications of endoscopic laryngeal surgery. J Laryngol Otol 1991;105:356-8. 7. Hendrix RA, Ferouz A, Bacon CK. Admission planning and complications of direct laryngoscopy. Otolaryngol Head Neck Surg 1994;110:510-6. 8. Dedivitis RA. Laringoscopia de suspensão. In: Dedivitis RA, Barros APB (eds.) Métodos de avaliação e diagnóstico de laringe e voz. Editora Lovise Ltda., São Paulo, 2002, pp. 89-97. 9. Armstrong M, Mark LJ, Snyder DS, Parker SD. Safety of direct laryngoscopy as an outpatient procedure. Laryngoscope 1997;107:1060-5. 10. Klussmann JP, Knoedgen R, Wittekindt C, Damm M, Eckel HE. Complications of suspension laryngoscopy. Ann Otol Rhinol Laryngol 2002;111:972-6. 11. Warner ME, Benenfeld SM, Warner MA, Schroeder DR, Maxson PM. Perianesthetic dental injuries: Frequency, outcomes, and risk factors. Anesthesiology 1999;90:1302-5.