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Propaganda
1
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
2
Jadir Antunes
Libanio Cardoso Neto
Michelle Silvestre Cabral
Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
(Organizadores)
Anais do XIX Simpósio de
Filosofia Moderna e Contemporânea
da UNIOESTE
Toledo – PR
2014
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3
Catalogação na Publicação elaborada pela Biblioteca Universitária UNIOESTE/Campus de Toledo.
Bibliotecária: Marilene de Fátima Donadel - CRB – 9/924
S612a
Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (18. : 2014, out. 07-10:
Toledo - PR)
Anais (do) XIX Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE) (recurso eletrônico) / Organização de Jadir Antunes,
Libanio Cardoso Neto, Michelle Silvestre Cabral e Roberto S. Kahlmeyer-Mertens.
– Toledo : (s. n.), 2014.
World wide web
http://www.unioeste.br/filosofia/
Evento realizado no período de 07 a 10 de outubro de 2014, na Universidade
Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE. Toledo, Pr.
ISSN: 2176-2066
1. 1. Filosofia moderna – Congressos 2. Filosofia contemporânea – Congressos I.
Antunes, Jadir Org. II Cabral, Michelle Silvestre, Org. III. Cardoso Neto, Libanio,
Org. IV. Kahlmeyer-Mertens, Roberto, Org. VI. T.
CDD 20. ed. 190.63
106.3
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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Comitê Científico:
Epistemologia:
Andre Leclerc (UFPB)
Douglas Antonio Bassani (UNIOESTE)
Marcelo do Amaral Penna-Forte (UNIOESTE)
Remi Schorn (UNIOESTE)
Estética:
Olímpio José Pimenta Neto (UFOP)
Pedro Costa Rego (UFRJ)
Wilson Antonio Frezzatti Jr (UNIOESTE)
Ensino de Filosofia:
Altair Fávero (UPF)
Ana Miriam Wuensch (UnB)
Célia Machado Benvenho (UNIOESTE)
Ester Maria Dreher Heuser (UNIOESTE)
Filosofia da Mente:
Marcos Rodrigues da Silva (UEL)
Luiz Henrique Dutra (UFSC)
Metafísica:
Alberto Marcos Onate (UNIOESTE)
Alexandre Tadeu Guimarâes de Soares (UFU)
Clademir Luís Araldi (UFPel)
Claudinei Aparecido de Freitas da Silva (UNIOESTE)
César Augusto Battisti (UNIOESTE)
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5
Cristiano Perius (UEM)
Eder Soares Santos (UEL)
Eneias Junior Forlin (UNICAMP)
Erico Andrade Marques de Oliveira (UFPE)
Libanio Cardoso (UNIOESTE)
Luciano Carlos Utteich (UNIOESTE)
Marisa Carneiro de O. F. Donatelli (UESC)
Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens (UNIOESTE)
Filosofia Política:
Aylton Barbieri Durão (UFSC)
Carlo Gabriel Pancera (UFMG)
Cláudio Boeira Garcia (UNIJUÍ)
Delamar José Volpato Dutra (UFSC)
Jadir Antunes (UNIOESTE)
José Luiz Ames (UNIOESTE)
Luis Portela (UNIOESTE)
Marciano Adilio Spica (UNICENTRO)
Tarcílio Ciotta (UNIOESTE)
Rosalvo Schütz (UNIOESTE)
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6
SUMÁRIO
Apresentação..................................................................................................................................................9
Programação geral.......................................................................................................................................11
Programação comunicações......................................................................................................................14
Resumos......................................................................................................................................................27
Artigos completos.....................................................................................................................................165
Índice de autores dos resumos................................................................................................................571
Índice de autores dos artigos completos................................................................................................575
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7
APRESENTAÇÃO
O substantivo grego simpósium (συμπόσιον) tem sua origem no verbo simpinein (συμπίνειν),
formado pela junção dos vocábulos σύν (com) e πίνειν (beber). Simpósio significa, assim,
literalmente, juntar-se em grupo para beber. Simpósio pode significar, ainda, a ação de beber do
mesmo copo e da mesma fonte. Um simpósio, portanto, ocorre todas as vezes em que um grupo de
amigos se reúne para beber e conversar. Um simpósio de filosofia, deste modo, ocorre todas as
vezes em que um grupo de amigos, entre si e do saber, se reúne para beber e conversar sobre
temas filosóficos.
O mais famoso dos simpósios filosóficos é aquele retratado por Platão no diálogo chamado
Banquete, onde os convivas, liderados por Sócrates, bebem e discursam sobre os mais diversos
significados, poéticos e filosóficos, do termo amor (Eros). Neste Banquete, os amigos do
anfitrião e dramaturgo Agatão são convidados para beber, conversar e festejar sua vitória na
gincana poética da cidade de Atenas. Neste Banquete, os diversos convivas, então, tais como o
comediógrafo Aristófanes, o político Alcebíades e o filósofo Sócrates, entre outros, bebem,
festejam e conversam noite adentro sobre o eterno tema do amor.
Nosso Simpósio de Filosofia pretende continuar, ainda que em seus modestos limites e
condições e de maneira apenas aproximada, a velha tradição poética e filosófica inaugurada pelos
gregos de reunir os amigos do saber para beber e conversar sobre os mais diversos temas
filosóficos da modernidade e da contemporaneidade.
O Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE encontra-se em atividade
desde 1996, sendo promovido pela Graduação e pelo Mestrado em Filosofia da UNIOESTE.
Nosso simpósio já se encontra, portanto, plenamente consolidado dentro da comunidade
filosófica nacional, reunindo os mais eminentes pesquisadores da área, sejam eles estudantes da
graduação e da pós-graduação, professores da rede pública, mestres, doutores ou pós-doutores
das mais diversas universidades do país.
A consolidação de nosso simpósio pode ser observada pelos números e pela qualidade das
atividades desenvolvidas: O XIXº Simpósio teve cerca de 350 participantes, sendo 250 inscritos e
100 não inscritos. Para festejar conosco e conversar sobre filosofia estiveram aqui palestrantes e
participantes das mais diversas localidades da região sul do país. Da Região Oeste do Paraná
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estiveram presentes cidadãos das cidades de Toledo, Cascavel, Marechal Cândido Rondon e Foz
do Iguaçu; da Região Norte do Paraná estiveram os das cidades de Londrina e Maringá; da
Região Centro Oeste do Paraná estiveram os da cidade de Guarapuava; e do Estado do Rio
Grande do Sul estiveram presentes cidadãos das cidades de Santa Maria e Ijuí. Os palestrantes e
minicursistas brasileiros, em número de dez, vieram para festejar e dialogar das cidades de
Londrina, Maringá, Porto Alegre, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia. De Paris
e Pisa vieram nossos conferencistas estrangeiros. Neste 19º Simpósio foram apresentados 135
resumos, 100 trabalhos completos, 105 comunicações, 8 palestras e 12 minicursos, totalizando
370 trabalhos. O presente livro de Anais publica, desta amostra, ao redor de 50 trabalhos
completos e 110 resumos, entre simples e expandidos.
Em conformidade ao espírito festivo de trabalho e discussão, esperamos que a leitura
destes textos seja tão agradável e frutífera quanto foram a festa e a presença de todos os
participantes em nosso simpósio.
Jadir Antunes;
Roberto S. Kahlmeyer-Mertes,
Coordenadores do
XIX Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE
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PROGRAMAÇÃO GERAL
Terça-feira: 07/10/2014
08:30 – 09:30 Abertura
09:30 – 11:30 Conferência: Dra. Marie Gaille (Université Paris-Diderot – França):
Saúde, corpo e usos do corpo: um lugar para a democracia.
14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas
19:00 – 20:45 Conferência: Dr. Ernani Chaves (UFPA):
Nietzsche, Foucault e a Teoria Crítica (UFPA)
21:00 – 22:30 Conferência: Dr. Silvio Gallo (Unicamp):
Michel Foucault e uma filosofia outra.
Quarta-feira: 08/10/2014
08:30 – 11:45 Minicursos: Críticas à Metafísica na Alemanha do Século XIX
Grupo de Pesquisa em Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do Século XIX.
Coordenador: Dr. Wilson Frezzatti Jr. (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Wagner Félix (UEM), Dr. Jadir Antunes (Unioeste) e Dr. Wilson Antonio
Frezzatti Jr. (Unioeste).
A racionalidade em três vieses
Grupo de Pesquisa em Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem.
Coordenador: Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Gelson Liston (UEL), Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste), Dr.ª
Halina Macedo Leal (Unioeste).
Direitos Humanos
Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política.
Coordenador: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste), Dra. Helena Esser dos Reis
(UFG), Dra. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui (UEL).
Fenomenologia
Grupo de Pesquisa em História da Filosofia.
Coordenador: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste), Dr. Claudinei Aparecido Silva
(Unioeste) e Dr. Carlos Tourinho (UFF).
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14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas
19:00 – 20:45 Conferência: Dr. João Carlos Brum Torres (UCS).:
A teoria kantiana dos conceitos .
21:00 – 22:30 Conferência: Dr. Mauro Castelo Branco de Moura (UFBA):
Sobre a Riqueza Burguesa.
Quinta-feira: 09/10/2014
08:30 – 11:45 Minicursos: Críticas à Metafísica na Alemanha do Século XIX
Grupo de Pesquisa em Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do Século XIX.
Coordenador: Dr. Wilson Frezzatti Jr. (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Wagner Félix (UEM), Dr. Jadir Antunes (Unioeste) e Dr. Wilson Antonio
Frezzatti Jr. (Unioeste).
A racionalidade em três vieses
Grupo de Pesquisa em Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem.
Coordenador: Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Gelson Liston (UEL), Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste), Dr.ª
Halina Macedo Leal (Unioeste). Direitos Humanos
Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política.
Coordenador: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste), Dra. Helena Esser dos Reis
(UFG), Dra. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui (UEL).
Fenomenologia.
Grupo de Pesquisa em História da Filosofia.
Coordenador: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste), Dr. Claudinei Aparecido Silva
(Unioeste) e Dr. Carlos Tourinho (UFF).
14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas
19:00 – 20:45 Conferência: Dr. Carlos Tourinho(UFF):
O lugar da experiência na fenomenologia de Husserl: de Prolegômenos à Ideias I.
21:00 – 22:30 Conferência: Dra. Helena Reis(UFG):
Filosofia e Direitos Humanos.
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Sexta-feira: 10/10/2014
08:30 – 11:45 Minicursos: Críticas à Metafísica na Alemanha do Século XIX
Grupo de Pesquisa em Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do Século XIX.
Coordenador: Dr. Wilson Frezzatti Jr. (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Wagner Félix (UEM), Dr. Jadir Antunes (Unioeste) e Dr. Wilson Antonio
Frezzatti Jr. (Unioeste).
A racionalidade em três vieses
Grupo de Pesquisa em Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem.
Coordenador: Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Gelson Liston (UEL), Dr. Marcelo do Amaral Penna-Forte (Unioeste), Dr.ª
Halina Macedo Leal (Unioeste).
Direitos Humanos
Grupo de Pesquisa em Ética e Filosofia Política.
Coordenador: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Bernardo Alfredo Mayta Sakamoro (Unioeste), Dra. Helena Esser dos Reis
(UFG), Dra. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui (UEL).
Fenomenologia.
Grupo de Pesquisa em História da Filosofia.
Coordenador: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste).
Ministrantes: Dr. Roberto Kahlmeyer-Mertens (Unioeste), Dr. Claudinei Aparecido Silva
(Unioeste) e Dr. Carlos Tourinho (UFF).
14:00 – 18:00 Comunicações e mesas redondas
19:00 – 20:45 Conferência: Dr. Stefano Busellato (Università degli Studi di Pisa – Itália).
Nietzsche e as doenças.
Local: Unioeste Campus de Toledo – Toledo, PR.
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PROGRAMAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES
07/Outubro: Terça-feira 13h30
Mesa “Platão” – Sala 06
Angélica de F. de Almeida Lara
UMA REFLEXÃO ACERCA DA BIVALÊNCIA
DA AÇÃO JUSTA NO LIVRO II DA
REPÚBLICA
Thayla Gevehr
(mediadora)
HEIDEGGER E FRIEDLÄNDER: UMA
DISCUSSÃO SOBRE A TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DE ALÉTHEIA, NA
FILOSOFIA PLATÔNICA
Poliana Tomazi Vieira Lopes
AMOR: A MEDIDA DO SER?
Mesa “Marx” – Sala 01
Marco Aurélio Palu
O JOVEM MARX E A CRÍTICA
ONTOLÓGICA DA POLÍTICA: ANÁLISE
DOS ESCRITOS POLÍTICOS DE 1842 A 1844
Bruno Gonçalves da Paixão
(mediador)
POLÍTICA EM MARX: VARIAÇÕES SOBRE
O MESMO TEMA
Adriana Paula de Souza
A QUESTÃO DO ESTADO NO 18 DE
BRUMÁRIO
Matheus Bernardes Galieta / Matheus I.
Silva França
Viviane Bonfim Fernandes
MARX E O TRABALHO EXPLORADO
A ABSTRAÇÃO DO VALOR DE TROCA EM
O CAPITAL, DE KARL MARX
Mesa “Descartes e a metafísica
moderna” – Sala 08
Juliana Abuzaglo Elias Martins
O ASPECTO REPRESENTATIVO DA
IDEIA EM DESCARTES
Isis Moraes Zanardi
DEUS E O CONHECIMENTO DO
MUNDO EXTERNO NO
PENSAMENTO DE DESCARTES
João Antônio Ferrer Guimarães
(mediador)
LEIBNIZ E A SUPERAÇÃO DA
NOÇÃO CARTESIANA DE
SUBSTÂNCIA
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13
Mesa “Problemas Filosofia da
Ciência” – Sala 20
João Vitor de Oliveira Rego / Pedro
Augusto Baleroni
LAKATOS: A CRÍTICA À
PESQUISA CIENTÍFICA
Erickson dos Santos
(mediador)
A COMUNIDADE CIENTÍFICA
NAS CIÊNCIAS PURAS E
APLICADAS
Mesa “Deleuze” – Sala 02
UM ESBOÇO PARA UMA A IMANÊNCIA
ABSOLUTA E UMA ÉTICA VITALISTA:
DELEUZE ENTRE SPINOZA E
NIETZSCHE
Leandro Nunes
Sindy Mirian Leite
DELEUZE, SPINOZA E UEXKÜLL: UM
VITALISMO ÉTICO PELA VIA
ETOLÓGICA
Anna Maria Lorenzoni
(mediadora)
FILOSOFIA, ARTE E CIÊNCIA
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS A
PARTIR DE DELEUZE E GUATTARI
07/Outubro: Terça-feira 15h30
Mesa “Filosofia Medieval / Maquiavel
: amor e liberdade, da religião à
política” – Sala 06
Valbert Luíz Cortarelli Júnior
A JUSTIFICAÇÃO COMO MEIO PARA
LIBERDADE PARA SANTO AGOSTINHO
Douglas Meneghatti
(mediador)
VONTADE E AMOR EM SANTO
AGOSTINHO
Anderson Lucas dos Santos Pereira
HUGO DE SÃO VÍTOR E O PROBLEMA DO
AMOR DESINTERESSADO
Lairton Moacir Winter
MAQUIAVEL: A LIBERDADE COMO
EQUILÍBRIO DOS HUMORES
ANTAGÔNICOS.
Mesa “Descartes / Galileu – a
filosofia da ciência moderna e sua
crítica” – Sala 08
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Renato Francisco Merli
A DISTINÇÃO DE CURVAS
GEOMÉTRICAS E CURVAS MECÂNICAS
EM DESCARTES E NOS GEÔMETRAS
GREGOS
Luiz Antonio Brandt
O DIÁLOGO E A DEFESA DA
MOBILIDADE DA TERRA: AS CRÍTICAS
GALILEANAS À COSMOLOGIA
ARISTOTÉLICA
César Augusto Battisti
(mediador)
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM
DESCARTES: O CASO DA “GEOMETRIA”
Leandro Righi de Sousa
MICHEL HENRY E A CRÍTICA AO
REDUCIONISMO-GALILAICO
Mesa “Nietzsche 1” – Sala 17
O MESTRE ANDARILHO EM
NIETZSCHE
Kelly Cristina Sherer
NIETZSCHE: A CRÍTICA A MORAL E A
TRANSMUTAÇÃO DE VALORES
TIPOS MORAIS
Maria Eduarda Pereira
Roni Lenon da Silva
(mediador)
André Murilo Oliveira
UMA VISÃO BASEADA NA
VERDADEIRA LIBERDADE DA MORAL
DE NIETZSCHE
Mesa “Foucault 1” – Sala 01
Lucas Silva Russo / Allan G. Vilas Boas
Palomares
FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O
MÉTODO DOS SABERES
Matheus Avelaneda / Anderson Alieve
MICHEL FOUCAULT: O DISPOSITIVO
EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE
SUBJETIVIDADE, SEXUALIDADE E
BIOPOLÍTICA
Daniel Salésio Vandresen (mediador)
A FILOSOFIA COMO PARRESÍA: UMA
ÉTYMOS TÉKHNE (TÉCNICA AUTÊNTICA)
Mesa “Antropologia filosófica” – Sala
08
Alderberti Batista Prado (mediador)
DELINEAMENTOS SOBRE A
CONSTITUIÇÃO DA NATUREZA
HUMANA EM DAVID HUME
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15
Jarbas Mauricio Gomes
A CONCEPÇÃO DE NATUREZA HUMANA
NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE
GRAMSCI
Amilton Martins Oliveira / André
Murilo Oliveira
UMA CONCEPÇÃO ANTROPOLÓGICA DE
EVOLUÇÃO EM TEILHARD CHARDIN
"Deleuze, Simone de Beauvoir:
questões de gênero e de sexualidade”
– Sala 02
Luana Marques
SIMONE DE BEAUVOIR: UMA ANÁLISE
EXISTENCIALISTA DA FÊMEA MULHER
Lucas Henrique Nunes Batista
(mediador)
A TEORIA QUEER E A PRODUÇÃO DE UM
CORPO SEM ÓRGÃOS
Tamara Havana dos Reis Pasqualatto
DELEUZE EM DEFESA DE MASOCH:
ELEMENTOS DA DISSOCIAÇÃO DA
UNIDADE SADOMASOQUISTA
08/Outubro: Quarta-feira 13h30
Mesa “Ceticismo” – Sala 06
Henrique Zanelato
(mediador)
CETICISMO PIRRÔNICO E AS
MEDITAÇÕES DE DESCARTES
Charles Eriberto Wengrat Pichler
O CETICISMO PIRRÔNICO NOS
ARGUMENTOS DE MONTAIGNE CONTRA
A RAZÃO
Mesa “Maquiavel” – Sala 10 José Luiz
Ames
(mediador)
OS VÁRIOS USOS DE LIBERDADE NA
OBRA DE MAQUIAVEL
Gabriel Allan Drehmer Gonçalves
LIBERDADE POLÍTICA NOS DISCORSI DE
MAQUIAVEL
Douglas Antônio Fedel Zorzo
LA MIGLIORE FORTEZZA CHE SIA, È
NON ESSERE ODIATO DAL POPULO: A
PERSPECTIVA POLÍTICA DA ANÁLISE
MAQUIAVELIANA DAS FORTIFICAÇÕES
Alícia Beatriz Mallmann Piccinin
OS PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM A
CONQUISTA E A PERMANÊNCIA NO
PODER NA CONCEPÇÃO DE NICCOLAU
MAQUIAVEL
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16
Mesa “Hobbes / Espinosa” – Sala 08
Elizandra Bruno Sosa
(mediadora)
LIBERDADE NO PENSAMENTO POLÍTICO
DE THOMAS HOBBES
Yohana Silva Marques dos Santos
A LINGUAGEM PARA A CONSTRUÇÃO DO
ESTADO CIVIL EM HOBBES
Francieli Constantini
LINGUAGUEM E POLÍTICA EM THOMAS
HOBBES: CONSIDERAÇÕES SOBRE O
ESTATUTO DA LINGUAGEM
Juliane Cristina Helanski Cardoso
O PODER CONSTITUINTE DA MULTIDÃO
EM ESPINOSA
Mesa “Kant” – Sala 11
Gustavo Ellwanger Calovi
O SUMO BEM E A ANTINOMIA DA
RAZÃO PRÁTICA
Luana Pagno
A AUTONOMIA EM KANT, A
FUNDAMENTAÇÃO MORAL E A AÇÃO
EM SI
Solange de Moraes Dejeanne
DOUTRINA PURA DA VIRTUDE E
ANTROPOLOGIA MORAL EM KANT
Dean Fábio Gomes Veiga / Rejane
Veissid
KANT E OS POSTULADOS DA RAZÃO
PRÁTICA
Jaime José Rauber (mediador)
KANT E A FUNDAMENTAÇÃO DE
DEVERES MORAIS A PRIORI
Mesa “Schopenhauer / Schelling” –
Sala 30
Josieli Aparecida Opalchuka
A FELICIDADE ENQUANTO
INTERRUPÇÃO DA DOR - UMA
APROXIMAÇÃO ENTRE ARISTÓTELES E
SCHOPENHAUER
Márcia Elaini Luft
A CONCEPÇÃO DE “FELICIDADE” PARA
SCHOPENHAUER
Angela Maria da Silva
(mediadora)
SCHOPENHAUER E AS SUAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE O
CONHECIMENTO HUMANO
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17
Ademir Menin
SCHOPENHAUER E A HIERARQUIA DAS
BELAS ARTES
Kayenne Cristine Ferigotti Santos
Vosgerau
A INTUIÇÃO INTELECTUAL EM
SCHELLING: A TENTATIVA DE
MEDIAÇÃO ENTRE O DOGMATISMO E O
CRITICISMO
08/Outubro: Quarta-feira 15h30
Mesa “Filosofia da Mente” – Sala 30
Bruno Fernandes de Oliveira
(mediador)
MENTE E EXTERNISMO SEMÂNTICO NA
FILOSOFIA DE PUTNAM
Carlos Ferreira
SOBRE VALORES E NORMAS: SONDAGENS
A PARTIR DO DIÁLOGO HABERMASPUTNAM
Carlos Roberto Bueno Ferreira
CAN MORALITY BE BASED ON BIOLOGY?
A NEUROECONOMIC MODEL ON
OXYTOCIN
Lucas Mateus Dalsotto
É A TEORIA DO SENTIMENTALISMO
CONSTRUTIVO DE JESSE PRINZ DE FATO
CONSTRUTIVISTA?
Mesa “Ética contemporânea” –
Sala 31
Marilda Pereira dos Santos
(mediadora)
JOHN RAWLS: PRINCÍPIOS MORAIS
PARA A ESTRUTURA BÁSICA DE
UMA SOCIEDADE JUSTA
Daniele Bet
JUSTIÇA COMO EQUIDADE:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
QUANTO ÀS IDEIAS DE JOHN
RAWLS
Bruno Martinez Portela
NORMATIVIDADE E MORAL
NATURALIZADA
Mesa “Foucault 2” – Sala 11
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18
RELAÇÕES DE PODER, SOBERANIA E
GOVERNAMENTALIDADE EM MICHEL
FOUCAULT
Carla Musa Latsch Cherem
Gilson Arend - Vania Sandeleia Vaz da
Silva
A MULTIDÃO DE ESPINOSA E A PRIMAZIA
DA RESISTÊNCIA DE FOUCAULT E
DELEUZE NA TESE DE NEGRI E COCCO
EM “GLOB(AL): BIOPODER E LUTA EM
UMA AMÉRICA LATINA
GLOBALIZADA”.
Anderssieli Irion Boschetti
(mediadora)
CONCEPÇÃO MORAL DA LOUCURA EM
MICHEL FOUCAULT
Mesa “Nietzsche 2” – Sala 16 Adelson
Cheibel Simões
NIETZSCHE E A FILOSOFIA: NIILISMO
E MUNDO DA VIDA
Anna Cecilia Amaral Branco da Silva
A VONTADE DE PODER EM
NIETZSCHE COMO ÍMPETO POR
REALIZAÇÃO
Neomar Sandro Mignoni
(mediador)
O FIM DO MAIS LONGO ERRO:
NIETZSCHE E A FILOSOFIA DO MEIO
DIA
Mesa “Filosofia da Educação 1” – Sala
10 Dayanne Vicentini
(mediadora)
Nilva Aparecida F. da Silva Hélio Clemente Fernandes
EDUCAÇÃO CRÍTICA E DIREITOS
HUMANOS
Giovanna Takata Liberatti
A PROPOSTA DIALÓGICA DE PAULO
FREIRE NO AMBIENTE HOSPITALAR: A
INCLUSÃO DA CRIANÇA
HOSPITALIZADA
Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo
A SOCIEDADE CHINESA E O DIREITO
À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
O ENSINO DA FILOSOFIA, A EJA E A
ESCOLA JOAQUINA MATTOS –
CEEBJA/CASCAVEL, PR
09/Outubro: Quinta-feira 13h30
Mesa “Escola de Frankfurt 1” – Sala
10
Vinícius Bogdan Orlandi
Luís Fernando Jacques
(mediador)
AS FONTES DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA
DE WALTER BENJAMIN
RACIONALIDADE CRÍTICA E
RACIONALIDADE TECNOLÓGICA:
CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A
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19
TECNOLOGIA NA SOCIEDADE
CAPITALISTA A PARTIR DO
PENSAMENTO DE MARCUSE
Gerson Lucas Padilha de Lima / Marcelo
Barbosa
ANÁLISE DO NOVO PRINCÍPIO DE
REALIDADE E DO
LUGAR SOCIAL DA NEGAÇÃO EM
HERBERT MARCUSE
Cleberson Odair Leonhardt
UMA BASE BIOLÓGICA PARA A
EMANCIPAÇÃO
Mesa “Problemas gerais de Ética”
– Sala 11
João Willian Stakonski
A IMPOSSIBILIDADE DA
FELICIDADE PLENA NA TESE DE
MICHEL HENRY
Josete Rockenbach
A RELEVÂNCIA DA NOVIDADE E
DA ALEGRIA PARA A ECONOMIA, A
RELIGIÃO E A POLÍTICA
Rafael de Barros
(mediador)
CRISE DE IDENTIDADE E
CORROSÃO DO CARÁTER
Mesa “Husserl e Heidegger:
mundo-da-vida, ciência e técnica” –
Sala 06
Devair Gonçalves Sanchez
(mediador)
DA CRISE DAS CIÊNCIAS AO
MUNDO-DA-VIDA: O ÚLTIMO
HUSSERL
Felipe Ricardo Deuter Becker
SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE
FILOSOFIA E CIÊNCIA EM
HEIDEGGER
Silvio Alves
HEIDEGGER E O PROBLEMA DA
ARTICULAÇÃO ENTRE A TÉCNICA E
O PODER
Mesa “Problemas contemporâneos” –
Sala 20
Lucas Eduardo Gaspar (mediador)
CIDADE EM QUESTÃO: DEBATES
ACADÊMICOS ACERCA DA
CONSTITUIÇÃO DAS CIDADES E DE
QUESTÕES URBANAS
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20
Paulo Alves de Oliveira
O MARCO CIVIL DA INTERNET E A
TENTATIVA DO ESTADO DE
ADESTRAMENTO DO CIBERESPAÇO NO
BRASIL
Adriano Marcelo Thiel
COMUNICAÇÃO E MÍDIA SOB UM OLHAR
BERKELEYANO
09/Outubro: Quinta-feira 15h30
Mesa “Escola de Frankfurt 2” – Sala
10
Rosalvo Schütz
(mediador)
ENTRE ADAPTAÇÃO E EMANCIPÇÃO: O
DESAFIO DA EDUCAÇÃO SEGUNDO T.
ADORNO
Michele Borges Heldt
DIALÉTICA NEGATIVA: DA
INSUFICIÊNCIA À POSSIBILIDADE
Rafael Adilson Ribeiro
O CONCEITO DE HOMEM EM ERICH
FROMM
Mesa “Filosofia e Literatura” – Sala
11
José Luiz Giombelli Mariani
(mediador)
O ALÉM-DO-HOMEM DE NIETZSCHE NA
OBRA CRIME E CASTIGO DE
DOSTOIÉVSKI
Toani Caroline Reinehr
O HOMEM É UM ANIMAL QUE SORRI: O
FENÔMENO DO RISO NA OBRA DE
ARTE LITERÁRIA
Thiago Ossucci Santello
A CONSTRUÇÃO DO OUTRO: O ÁRABE
EM FRANZ KAFKA
Mesa “Filosofia e Arte: As políticas da
arte” – Sala 20
Ulisses Santo do Nascimento
(mediador)
Marlon José Alves dos Anjos
A MANIPULAÇÃO DA ARTE PELO
DISCURSO
STATUS ARTE NA FALSIFICAÇÃO DE
OBRAS
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
21
MALANDRO OU MARGINAL? BATALHA
SIMBÓLICA EM CIDADE DE DEUS
Vera Vilma Fernandes Leite
Mesa “Heidegger e Sartre: questões” –
Sala 31
DA CONCEPÇÃO DE VERDADE NA
ONTOLOGIA FUNDAMENTAL DE
HEIDEGGER
Luana Borges Giacomini
Marli Batista Basseto
A OBRA DE ARTE E O BELO COMO UM
PROBLEMA DA ESTÉTICA
FENOMENOLÓGICA
Maria Lucivane de Oliveira Morais
O ESPAÇO DESCRITO PELA
FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER
Guilherme Gonçalves Ribeiro
O CARÁTER ONTOLÓGICO DOS
CONCEITOS DE “NÁUSEA”, EM SARTRE, E
DE “ANGÚSTIA”, EM HEIDEGGER
Cristiane Picinini
(mediadora)
A MORALIDADE NO CONCEITO DE MÁ-FÉ
EM JEAN-PAUL SARTRE
10/Outubro: Sexta-feira 13h30
Mesa “Kierkegaard” – Sala 06
A VIA CRUCIS DA CONSCIÊNCIA, EM
HEGEL
Juan Manuel Terenzi
Christiano Tortato
FILOSOFIA, ONTOLOGIA E DIALÉTICA A
PARTIR DE EXCERTOS DA HISTÓRIA DA
FILOSOFIA, DE HEGEL
Rômulo Gomes
A EXISTÊNCIA HUMANA SEGUNDO
SÖREN KIERKEGAARD
Cleyton Francisco Oliveira Araújo
(mediador)
O CONCEITO DE ANGÚSTIA EM
KIEKEGAARD E O IDEALISMO ALEMÃO
Samuel Schaia
REFLEXÃO SOBRE PROJETO DE VIDA EM
SÖREN AABYE KIERKEGAARD
Mesa “Bergson/Marcel” – Sala 11
Adeilson Lobato Vilhena
INTUIÇÃO – UMA VIA AO
CONHECIMENTO DO REAL: PROPOSTA
BERGSONIANA AOS PROBLEMAS
METODOLÓGICOS DA FILOSOFIA
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22
Eleandro Lopes Depieri
A PRIORIDADE DO TEMPO EM RELAÇÃO
AO ESPAÇO NO PENSAMENTO DE
BERGSON
Nadimir Silveira de Quadros
(mediador)
A EXIGÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA EM
GABRIEL MARCEL
Mesa “Hermenêutica” – Sala 08
Hubert Milanês Pessoa
(mediador)
POR UMA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
Odair Salazar da Silva
A METÁFORA ENTRE O SENTIDO E A
REFERÊNCIA: UMA ABORDAGEM
RICOEURIANA APLICADA AO DISCURSO
LITERÁRIO
Vilson Joselito Schütz
COMPREENSÃO E LINGUAGEM À LUZ
DO PENSAMENTO DE HANS-GEORG
GADAMER
Mesa “Problemas recentes em
Filosofia Política” – Sala 20
Mariana de Macêdo Seixas - Tamires
Dias dos Santos
A EXPERIÊNCIA DA BARBÁRIE COMO
POSSIBILIDADE DA BILDUNG NA
CONTEMPORANEIDADE
Ricardo Corrêa
(mediador)
O HOMEM DEMOCRÁTICO E O RISCO
DO DESPOTISMO DEMOCRÁTICO
SEGUNDO ALEXIS DE TOCQUEVILLE
Leandro Mateus Fernandes
DECLÍNIO, PERDA DA AUTORIDADE E
ASCENSÃO DO TOTALITARISMO EM
HANNAH ARENDT
Mesa “Filosofia da Psicologia” – Sala
10
Letícia Nunes Goulart
A TENDÊNCIA OCULTA NA PSICANÁLISE
Alexandre Moschen Ortigara
A RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA POR
MEIO DO DOMÍNIO DO SABER
Maurício Smiderle
A CIVILIZAÇÃO COMO FONTE DE
DESPRAZER SEGUNDO FREUD
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Rodrigo Cavalheiro de Lima
DA IMPOSSIBILIDADE DE UMA
PSICOLOGIA SEM ALMA
Maiara Graziella Nardi
(mediadora)
A CRISE DO SUJEITO NO SÉCULO XIX-XX
E O NASCIMENTO DE UMA PSICOLOGIA
FENOMENOLÓGICO-EXISTÊNCIAL
10/Outubro: Sexta-feira 15h30
Mesa “Heidegger” – Sala 06
A HERMENÊUTICA DA FACTICIDADE E A
DESCONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO
ONTOLÓGICA SEGUNDO HEIDEGGER
Caroline Marangoni
Katyana Martins Weyh
O ENSINO DE FILOSOFIA E O ATO DE
FILOSOFAR SEGUNDO MARTIN
HEIDEGGER
Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
(mediador)
PODE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE
HEIDEGGER CONTRIBUIR À HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO?
Mesa “Filosofia do Direito:
discussões” – Sala 08
Douglas Maranhão Marques
DIFICULDADES CONTRAMAJORITÁRIAS:
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E
LEGITIMIDADE DO DIREITO EM
HABERMAS
Kátia R. Salomão / Cezar A. Lazzarotto
A LEGITIMIDADE DO DIREITO EM FACE
DA LEGITMIDADE DA LEGALIDADE, EM
HABERMAS
João Guilherme Alvares de Farias
(mediador)
FILOSOFIA E DIREITO: A CONTRIBUIÇÃO
DE E. PACHUKANIS PARA A CRÍTICA
MARXISTA DO DIREITO
Mesa “Rousseau” – Sala 11
Luana Aparecida de Oliveira
Luis Carlos Goetz
(mediador)
APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO
ROUSSEAUNIANO DE AMOR-PRÓPRIO
ESTADO E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO
DE ROUSSEAU
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Alexandre José Krul
A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA, NO
EMÍLIO DE ROUSSEAU
Christian Lindberg L. do Nascimento
CIÊNCIA E RELIGIÃO NOS ESCRITOS
EDUCATIVOS DE JOHN LOCKE
Mesa “Filosofia da Educação 2” –
Sala 10
DISCUSSÕES ÉTICAS NOS ESPAÇOS
ESCOLARES
Roselene Aparecida Moreira
Valéria Mazzer Tortelli
EDUCAÇÃO BANCÁRIA E SUAS
IMPLICAÇÕES NA SOCIEDADE:
DEMOCRACIA O REFLEXO NA
CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE
Angelina Cortelazzi Bolzam - Renato
Bellotti Senicato
“OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À
EDUCAÇÃO DO FUTURO” DE EDGAR
MORIN: UMA TEORIA DO
CONHECIMENTO
José Carlos Mendonça
WITTGENSTEIN, SUA FILOSOFIA E SEU
‘ENSINO’: DESAFIOS À PRÁTICA
FILOSÓFICA DO PROFESSOR-FILÓSOFO
NA CONTEMPORANEIDADE
Cristiane R. Xavier Candido
(mediadora)
ANÁLISE DA ESCOLA E SEU PAPEL
SOCIAL PELA ÓTICA DO CONCEITO DE
“DESCONSTRUÇÃO” EM JACQUES
DERRIDA
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RESUMOS*
* A redação e a revisão finais dos textos são de responsabilidade dos próprios autores.
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NIETZSCHE E A FILOSOFIA: NIILISMO E MUNDO DA VIDA
Adelson Cheibel Simões
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
[email protected]
Palavras-chave: Niilismo; consciência; amor fati; mundo sensível; mundo ideal
Diferentemente de Kant e tantos outros filósofos, não encontramos em Nietzsche uma separação
detalhadas de assuntos, como é o caso da ética, da moral, etc. Em Nietzsche encontramos um
emaranhado de conceitos sobre os quais precisamos transitar. Nosso autor está convencido de
que a consciência é como que uma mistura de tudo, sentimentos, desejos de todos os tipos.
Fazendo uma comparação um tanto forçada podemos dizer que é como se existisse um mar onde
um navio equipado com um farol navega e a cada instante da viagem um ponto desse mar é
iluminado pelo farol em movimento. Constatamos então que tudo aquilo que vem à nossa
consciência é um recorte insignificante de um todo, a velha metáfora do iceberg. Isto, porém não
significa que a medida que uma coisa venha à consciência as demais foram esquecidas. Significa
apenas que naquele momento elas não estão ‘sendo iluminadas’. Portanto de maneira muito
básica podemos dizer que a consciência para Nietzsche é uma espécie de recorte casual da psique.
Entretanto, a grande questão que nos cabe fazer é: quem movimenta o farol? Se formos averiguar
veremos que no entender de Nietzsche não é o ‘Eu’, porque este ‘Eu’ é a consciência, e, portanto
o ‘Eu’ não poderia ser a água iluminada e o faroleiro ao mesmo tempo. Sendo assim, podemos
dizer que quem movimenta o farol é a ‘Vontade de potência’, Energia vital’ chamada por
Nietzsche de essência. Em resumo isto significa dizer que para Nietzsche o que ocorre na psique
tem muito a ver com aquilo que se sente, que por sua vez tem a ver com as oscilações de
potência. Portanto não há um ‘Eu’ consciente que controla o farol, no exemplo citado, pelo
contrario, o eu consciente é o resultado da iluminação do farol que por sua vez é inconsciente.
Isto quer dizer que não sou Eu (sujeito) que controlo o que se passa na minha cabeça. Usando a
afirmação freudiana poderíamos dizer: “você não é senhor em sua própria casa” (FREUD, 1976,
p. 178). Outro aspecto importante e que não deve passar despercebido quando tratamos de
Nietzsche é a sua forma de escrita, e isto tem muito a ver com a sua teoria. Nietzsche não esta
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preocupado com uma ordem de pensamento. Ele escreve exatamente da maneira como as coisas
surgem à sua cabeça, portanto contrario à forma q fomos ensinados. Os passos da aula de
redação são um exemplo claro do que estamos falando. Entretanto, isto é muito diferente daquilo
que Nietzsche faz. Ele mesmo afirma que o que ele escreve não tem nenhuma pretensão de ser
uma verdade suprema. Esta, portanto é a razão pela sua forma de escrita. Logo podemos ultimar
daí uma coerência muito clara entre seus escritos filosóficos e a maneira como eles são
estruturados. O termo niilismo é utilizado por Nietzsche em todas as suas obras, e é
imprescindível que se tenha domínio deste conceito para tentar compreender o autor.
Notadamente o conceito ‘niilismo’ é tomado quase que de forma contraria de seu significado
verdadeiro. No senso comum, este conceito se equivaleria a uma forma de lavar a vida sem
valores superiores, uma forma de conduzir a vida desamarrada de princípios transcendentes. Em
termos poéticos, “deixa a vida me levar...” é uma definição sugestiva. Portanto, uma forma de
levar a vida sem se pautar por qualquer valor superior. O niilismo no sentido comum é isto,
deixar a vida ir de maneira qualquer. Isto, porém, não é o niilismo nietzschiano. Existe outra
forma de niilismo que é bem distinta desta formulada anteriormente. Isto é, independente do que
aconteça existem alguns princípios sobre os quais nos apoiamos para conduzir a nossa vida. Para
Nietzsche, o niilista é justamente aquele que pauta sua vida por valores. Niilista é aquele que tem
principio e pauta a vida por eles, o cristão, o socialista etc. Portanto todo aquele que pauta a sua
vida em algum valor. Não obstante, se o cristão é um niilista e ele tem valores, o que ele nega?
Ele nega o ‘mundo da vida’. O que Nietzsche está afirmando é que pelo fato de se acreditar em
valores absolutos, nega-se o mundo das sensações, dos desejos, etc. Isto é, por se acreditar em
ideais, em valores superiores e absolutos nega-se o mundo daquilo que acontece o mudo do
encontro com a matéria, o mundo dos corpos. Isto se traduz na conhecida frase Nietzschiana,
“Em nome do céu nega-se a terra, em nome de valores absolutos e superiores nega-se os tezões”.
É necessário lembrar que esta critica ao niilismo não é endereçada a opinião comum das pessoas.
Ela é endereçada às posturas filosóficas. E, portanto, a primeira postura é a de Platão. Este é o
primeiro grande niilista com o qual podemos começar segundo Nietzsche é Platão. Platão fala de
mundo sensível e mundo inteligível no qual este último é pautado por verdades, e ideias absolutas
etc., enquanto que o primeiro é pautado pela ilusão. Entretanto o questionamento é: E o que eu
vejo com meus olhos, é uma ilusão? Isto é o que vem nos ensinar a alegoria da caverna. Por esta
razão Platão é o primeiro niilista no entendimento nietzschiano. Ele nega a matéria em prol do
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imaterial. Ele nega o sensível em prol do mundo inteligível. Esta critica do niilismo de Platão na
obra O Crepúsculo dos Ídolos, no capitulo intitulado Sócrates (Cf. 2009, p. 8s). O segundo exemplo
de niilismo apontado por Nietzsche é o pensamento aristotélico, porém, aqui ele aparece de
forma mais sutil. Para Aristóteles a grande referência é o Cosmos. E a dúvida é saber se cosmo e
mundo não são a mesma coisa. Para Nietzsche não. Para ele, o cosmo é certa ideia do mundo,
ordenado, harmonizado etc., onde o sujeito para ser feliz precisa encontrar-se dentro dele e em
harmonia para ser feliz. E para encontra-se em harmonia com o cosmos é necessário encontrarse dentro dele justamente no lugar onde justamente, só aquele sujeito poderia estar. Logo, assim
como no modelo de Platão, este é mais um modelo que escraviza a vida. O sujeito se torna refém
no caso de Platão, de um modelo que escravizava a vida a partir da ideia de existência de um
mundo das ideias e no caso de Aristóteles de um modelo que escraviza a vida a partir da ideia de
cosmo ordenado. Em termos corriqueiros isto significa dizer que o sujeito é obrigado a agir de
acordo com o universo e desempenhar exatamente o papel que nasceu para desempenhar, do
contrario ele não será feliz. No modelo aristotélico cada um tem um papel a desempenhar no
cosmo e tudo estará em ordem quando cada um encontrar o seu lugar. Terceiro exemplo de
niilismo são os monoteísmos. Especificamente Deus. Deus está fora daqui e ele criou o mundo.
Não obstante, além do mundo em que vivemos existe o mundo das almas, o qual várias
denominações são possíveis, céu, paraíso, eternidade, etc. E novamente se percebe que a vida
mais adequada é a que busca a eternidade. E outra vez se escraviza a vida em nome de uma
eternidade. A crítica nietzschiana neste sentido é que em nome de um céu, se blasfema contra a
terra, em nome de um paraíso se blasfema contra as pulsões. Neste sentido, afirma Nietzsche, os
homens inventaram um ideal para negar o real, este é o entendimento de Nietzsche. Além disso,
Nietzsche trabalha com um conceito intitulado Amor Fati, que nada mais é do que uma proposta
de amor pelo mundo da forma como o mundo é. Não se trata de tolerar o mundo, mas de amá-lo
da forma como ele se nos apresenta sem adicionar nem excluir nada. Isto por que se formos amar
excluindo algo ou alguém acabaríamos voltando para estrutura de pensamento criticada por
Nietzsche anteriormente. A partir deste conceito de Amor fati Nietzsche fala de dois momentos.
De um lado o momento estóico de amor pelo mundo como ele é. De outro, ele fala dos
pensadores que propõe a transformação do mundo onde Marx é o seu expoente maior. A
conclusão é que é possível dar razão os dois, desde que não haja extremismos. Contudo se o
impasse continuar sem solução, os revolucionários querendo revolucionar tudo e alguém como
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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Nietzsche querendo que se ame tudo, a solução mais provável seria, ame o que te faz bem e
transforme o que não faz ou não está bem. Ainda um conceito mais é o de Genealogia onde
Nietzsche fala do inconsciente. Para ele o pensamento é algo do corpo e que ao mesmo tempo
transcende a ele. É portando a ideia de que existe uma força pensante que escapa da decisão do
individuo e que ele não controla, que é o consciente. A consciência, portanto é a parte mais
ínfima e inútil de tudo aquilo que o sujeito pensa. Assim, quando Nietzsche fala em genealogia o
que realmente interessa à ele é, qual o motivo do pensamento pensado? Ou de outro modo, de
onde veio o pensamento que brotou em você? Quais são as forças que o fizeram brotar? A isso
ele chama de genealogia, a origem do pensamento. Quanto as distintas formas de interpretação
do pensamento a partir de Marx e Freud e Nietzsche, posteriormente chamados mestres da
suspeita, existem alguns esclarecimentos a serem feitos. A diferença entre Marx, Freud é que
quando o individuo no divã e começa a falar, o freudismo tem a pretensão de estabelece sobre
este discurso uma espécie de verdade, a chamada verdade do inconsciente. O psicólogo constrói
uma gramática a partir do dito. Neste sentido o ato da psicanálise é uma forma de construção de
verdades sobre o inconsciente daqueles que se submetem à análise. De forma parecida é no
marxismo, onde existe uma convicção de que a sociologia identificará verdades sobre aquilo que
passa pela cabeça das pessoas enquanto ideologia. Então, quando Marx e Freud analisam o
discurso de alguém eles analisam na posição de cientista, na posição daquele que sabe em relação
a alguém que não sabe. Na visão de Nietzsche, é um pouco diferente e mais sofisticado também.
Para ele, quanto se analisa um discurso, a interpretação deste discurso é também interpretável e a
interpretação desta interpretação também é interpretável e isto vai ao infinito. Para Nietzsche
quando o analista faz uma interpretação, esta nada mais é do que o resultado de suas forças vitais
e, portanto pode ser interpretado por outro, que quando for interpretar vai falar a partir de suas
forças vitais e assim sucessivamente ao infinito. Isto é o que Nietzsche chama em A gaia ciencia de
“nosso novo infinito”. O “novo infinito” é o fato de que quando falamos sobre o mundo, o que
nós falamos não é uma análise objetiva, mas sim aquilo que as nossas forças vitais e seus estados
determinaram. E, portanto quando Nietzsche escreve sua obra, ele não diz que ela é a verdade
sobre o mundo e sim que toda esta teoria é, a manifestação das “minhas forças vitais” diz
Nietzsche.
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A QUESTÃO DO ESTADO NO 18 DE BRUMÁRIO DE LOUIS BONAPARTE –
UMA PERSPECITIVA MARXIANA EM RELAÇÃO AO PROCESSO
REVOLUCIONÁRIO FRANCÊS
Adriana Paula de Souza
Universidade Estadual de Maringá - UEM
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Robespierre de Oliveira
Palavras-chave: Proletário; burguesia; revolução
Entre as obras de Marx, é em “O 18 de Brumário de Louis Bonaparte” que o conceito de Estado
aparece de modo mais significativo. Marx, na obra, observa os fatores que desencadeiam a
movimentação da história política na França no século XIX (do período das revoluções de 1848
até o golpe de Luís Bonaparte) através nos quais a problemática teórica do estado é pensada em
um cenário composto por lados partidários, pela luta de classes entre dominantes e dominados,
personagens históricos e políticos. O livro apresenta-se de forma metafórica, analisando em
etapas cronológicas cada ação em particular, seja de uma classe, de outra, ou de um individuo em
prol da mesma. O projeto de pesquisa tem como objetivo estudar esse percurso extraindo os
conceitos políticos de Marx.
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COMUNICAÇÃO E MÍDIA SOB UM OLHAR BERKELEYANO
Adriano Marcelo Thiel
SEED/PR
[email protected]
Palavras-chave: Empirismo; publicidade; fama
A mídia é pensada já há tempos pela Filosofia. A Teoria Crítica, por exemplo, pensa nela,
associando-a a Cultura de Massas, como, inclusive, uma forma política de dominação por meio da
propagação de ideologias dominantes, sobretudo observado nos modelos totalitaristas do Século
XX. Entretanto, vamos pensar a mídia partindo de uma ótica expositiva: a comunicação tende a
expor alguns elementos ao máximo, em detrimento a outros elementos ou acontecimentos. O
papel da mídia, por sua natureza, é a comunicação, a exposição de acontecimentos, eventos e
informações. Mas o que transmitir, e com que ênfase? Os acontecimentos considerados
relevantes, como uma tragédia ou um evento esportivo, por exemplo, possuem cobertura intensa,
com flashes ao vivo dados pela televisão e rádio, atualizações imediatas nos portais virtuais e a
mídia impressa, que cada vez tem menos alcance, faz edições especiais sobre esses assuntos. É só
observarmos o que ocorreu com a Copa do Mundo ou acidente que vitimou o candidato à
presidência Eduardo Campos: quase não se via em outros temas nas manchetes e nos noticiários
de algumas emissoras. Antes das reflexões mais profundas e filosóficas, queremos destacar que,
acima da cobertura, há um excesso de informações, que muitas vezes nada contribuem para o
conhecimento sobre a notícia. Questões que são irrelevantes, como a cor de uma chuteira ou o
que foi dito por último por tal pessoa antes de um acontecimento, por exemplo, são notícias que
acompanham a grande mídia. Podemos nos perguntar o que leva a tal cobertura com a atenção
exacerbada, ou a quem é importante que essas informações sejam repassadas à população. Ou
ainda, podemos pensar nas ações políticas que são feitas na medida em que a população está
“ocupada” com outros assuntos, ou ainda os acontecimentos que ficam “na sombra” enquanto
outro rouba a cena. Sobre a questão política, cito um evento bem prático: uma convocação
extraordinária por parte da base governista da Câmara de Vereadores da minha cidade, Nova
Santa Rosa, que, no dia da semi-final da Copa do Mundo, chamou os edis para votar algo “em
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regime de urgência”: uma parceria de trinta anos, que teve cerca de quinze minutos de discussão e
nenhum destaque nos meios de comunicações, parceria esta que beneficia a prefeitura1.
Entretanto a nossa reflexão não se aterá a esses pontos de interesses políticos ou ideológicos. Se a
comunicação relevante e séria faz isso, ou seja, expõem excessivamente algumas coisas, o que
dizer daquele tipo de mídia que se associa à fofoca, à vida das ditas celebridades? Para esse tipo
de noticiário, as ações mais irrelevantes e insignificantes devem ser expostas, replicadas a todo o
custo. “Quem andou em tal lugar?”, “Quem está ‘pegando’ quem?”, “Quem estava em tal festa?”,
enfim, perguntas como estas parecem servir de base para muitos programas televisivos, folhas ou
colunas “sociais” de jornais e revistas, e mais uma vez podemos observar a exposição exagerada.
Poderíamos nos perguntar sobre o público que esses espaços possuem, pois se não houvesse
quem assistisse isso, não haveria patrocínio e por lógica, não haveria esses tipos de comunicação.
Mas essa e outras perguntas nós também deixaremos de lado por enquanto, e tentaremos
responde-la em um outro momento. Foquemos nos motivos pelos quais alguns “famosos”
tentam tanto se expor e como a mídia usa isso muito bem a seu favor, ou seja, como ela faz com
as coisas sejam mostradas, expostas e como a fama está associada ao trabalho dos meios de
comunicação. É aí que podemos associar a mídia, sobretudo à mídia que foca nos famosos, na
fofoca ou nas curiosidades irrelevantes, sob uma perspectiva berkeleyana. George Berkeley,
pensador e bispo irlandês nascido em 1685 e falecido em 1753, nos oferece como expressão
máxima de sua doutrina filosófica, empirista e imaterial, a frase “ser é ser percebido ou perceber”,
ou em latim “esse est percibi o percibere”. Por isso, sua doutrina é dita como imaterialista, pois não há
a matéria objetiva das coisas e somente a percepção destes seres. Como as percepções somente
são decifradas na mente, virando assim idéias, existindo então só há idéias das coisas e mentes –
para quem as idéias são percebidas. E é na primeira parte dessa máxima, a saber, ser percebido,
que podemos usar de base para se pensar a maior parte das atividades e exposições da
comunicação e a mídia. Para a mídia contemporânea, e por conseqüente, para a sociedade atual,
que pode ser chamada de uma sociedade midiática, pois tudo deve ser exposto na mídia para
existir, só existe aquilo que é exposto, e bastante exposto, principalmente. A comunicação faz
com que alguns elementos sejam percebidos. Por isso mesmo eles são expostos repetidamente.
A parceria em questão é sobre o fornecimento de água à população, ou seja, SANEPAR e Municipalidade. Até aí,
tudo em ordem, se não fosse por alguns detalhes: o município cedeu à companhia o direito de desapropriar redes
particulares e comunitárias, desde que a SANEPAR julgue pertinente. Outros pontos do acordo também foram
duramente criticados posteriormente pela população.
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Algumas notícias são tratadas por diversos ângulos no mesmo telejornal, por exemplo,
afirmando-se cada vez mais a necessidade de que o povo a perceba. Seja por meios de manchetes,
gerenciadores de caracteres ou por referências em outros programas, no caso da televisão, seja
por vários link’s na internet, popup’s ou outros recurso: o fundamental é que as pessoas
percebam, notem, e se possível, comentem, repliquem enfim, espalhem o que estão percebendo.
A parte de ser republicado pode ser observado nos hashtag, que, quando usado, faz referencia à
algo que as pessoas querem que seja exposto e pesquisado pelos demais. Esse uso ocorre
principalmente nas redes sociais, onde há a possibilidade de pesquisa, tomando por base as
cerquilhas ou jogos-da-velha; #Berkeley, por exemplo. Temos aí um exemplo forte de percepção e
reprodução daquilo que queremos que os outros percebam sobre nós. Isso é influência pela
mídia, naturalmente. Para Berkeley, como comentamos acima, a única coisa que realmente existe
é idéia dos seres, e não sua matéria. E isso também é associável à mídia. Para ela, só existe o que é
exposto, o que aparece e tem destaque. Os elementos que não ganham destaque e espaço na
comunicação simplesmente não existem. Não é dada atenção àquilo que não importa à mídia e a
comunicação, ou seja, não existe. A família de alguém que ganha destaque ou que sofreu um
golpe, ou as ações ilegais realizadas por alguém que teve um grande feito: isso não merece
destaque, a não ser que hajam outros elementos que fazem com que aquilo seja relevante, como
curiosidades ou a possibilidade de uma cobertura maior ainda. Na teoria berkeleyana, a mente é o
único lugar onde as coisas existem, pois em última analise, é a mente quem percebe, já que os
sentidos são compreendidos pela mente. Já para a mídia, é somente nela que as coisas aparecem,
mesmo que ela possa usar o que foi apresentado em outro espaço midiático: não é raro a
televisão se referindo ao que aparece nos jornais ou revistas, e o oposto também é comum. Mas
fora da mídia e da comunicação, muitas coisas não existem, não passam de um acontecimento
comum, irrelevante ou ainda corriqueiro. Como só existe aquilo que ela faz perceber e percebe, é
a mídia que se coloca como a “mente” e como “corpo”, fazendo a ligação entre o que ela percebe
e o que ela quer que a sociedade perceba. É ela que identifica algum acontecimento como
relevante. Ou seja, as coisas primeiramente existem para ela. Após ela perceber, é ela quem
expõem, ou seja, faz com que as coisas sejam percebidas pela sociedade. É esse trabalho que
evidencia a forma como a comunicação consolida o que ocorre e o que não existe. É ele que faz
as coisas ocorrem. Sobre esse sentido, podemos pensar no uso da mídia para fins
políticos/eleitoreiros/partidários. Muitos são os candidatos que só passaram a existir por que
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ganharam destaque midiático, ou por que estavam ‘em destaque’ na mídia e na comunicação. Ou
ainda, as várias ocasiões em que a televisão, ou o rádio em localidade menores, oferece a
cobertura de alguma coisa somente para beneficiar ou prejudicar a equipe administrativa. Além
do impacto instantâneo, esses materiais, muitas vezes são utilizados em momentos posteriores de
campanhas eleitorais. Ainda sobre as campanhas eleitorais, tudo que existe só o é por que foi
exposto por algum meio de comunicação: o tempo todo há referência a uma reportagem de
jornal ou televisão, uma gravação de rádio ou uma capa de revista. Sendo assim, pensamos em
abordar a comunicação sob um viés berkeleyano, justamente por que identificamos em Berkeley
os elementos suficientes para sistematizar e esclarecer a forma como a mídia se pauta na
comunicação de algumas questões ou assuntos. A forma como a comunicação capta alguns
elementos ou assuntos ou a forma como esses são apresentados à nós é uma clara tentativa de
fazer com algumas coisas existam para nós, mesmo que muitas vezes nós nem ao menos
queremos saber. Se pensarmos somente no aspecto da fama, por exemplo, podemos observar a
busca por espaço nas redes sociais, na televisão ou mesmo em mídia impressa como um lugar
comum de todas as ditas celebridades. A busca pela fama é uma busca por ser percebido, uma
busca para ser notado. Aqueles que já possuem espaço na mídia, já possuem destaque, muitas
vezes se esforçam para não serem apagados. E aqueles que são os “ilustres desconhecidos”
muitas vezes clamam por atenção a espaço, mesmo que para isso eles tenham que se submeter à
situações inconvenientes. Para muitos, só isso faz com eles existam socialmente, pois, mesmo
sem que se conheça profundamente Berkeley, para estas pessoas, existir é ser visto, comentado,
mesmo que os comentários não sejam positivos. Muitos agem segundo a máxima do “falem bem
ou falem mal, mas falem de mim”. Não importa tanto, muitas vezes o que será dito, mas o
fundamental que a pessoa seja exposta. Mesmo sendo uma situação vexatória ou indelicada,
aceita-se e busca-se isso, a fim de ser percebido pela mídia. Aí temos uma base para explicar os
paparazzi, por exemplo, que tem a sua atuação profissional captando descuidos ou aparições de
pessoas que são consideradas celebres. Muitas vezes, os ditos famosos nem se importam em
serem fotografados, ou serem ridicularizados: eles sabem que isso ajudará à sua exposição, sendo
assim, acabam sendo mais percebidos pela mídia e pela sociedade, que é influência por essa
mesma mídia. Aí temos uma justificativa para participarem de quadros insanos nos programas de
domingo à tarde, por exemplo. Aqueles que aparecem constantemente na mídia são aqueles que
existem para o grande público. E são estes que serão lembrados. Aí é que entra a publicidade e o
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marketing: a dita celebridade que for a mais lembrada, mais conhecido, ou seja, mais exposta e
percebida pela sociedade, é aquela que causa mais impacto na hora de anunciar algum produto ou
idéia. Ela será, naturalmente, mais procurada e ganhará os maiores cachês. É aí que temos a
relação entre a exposição e o viés econômico. Podemos observar isso nas campanhas
publicitárias, onde os produtos são associados a pessoas de “influência”. Também as questões de
ordem ideológica e política, pois pode-se manipular a consciência coletiva com base no exagero
de informações e opiniões associado à um acontecimento. Isso ocorre, sobretudo, nas mídias
engajadas, seja o engajamento aberto ou velado. Os produtos ou idéias, assim como os
acontecimentos, também devem ser percebidos pelo grande público, afim de que sejam
comprados e aceitos pelos consumidores ou pela população. Mais uma vez aí podemos associar a
máxima berkeleyana: só existe o produto que é observado nas propagandas, sejam elas
merchandising ou publicidade aberta, enfim, a sempre a idéia de que, “a propaganda é a alma do
negócio”, junto com a máxima berkeleyana do “ser é ser percebido”. O mercado serve então de
base para o que colocamos acima, ou seja, é ele quem motiva essa exposição massiva, pois muitas
vezes ele usa essa mesma exposição para lhe servir de alavanca para o lucro e o comércio.
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A CONSTITUIÇÃO DA NATUREZA HUMANA EM DAVID HUME:
DELINEAMENTOS SOBRE A NATUREZA DA MORAL
Alderberti B. Prado
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Percepção; impressão; sensação; reflexão; sentimentos
Uma questão norteia o empreendimento teórico ao qual Hume se lança no Tratado da Natureza
Humana: como distinguimos o vício e a virtude das ações? Através de ideias ou através de
impressões? (p.496). No início do livro III do Tratado, Hume afirma que “nada jamais está
presente à mente senão suas percepções; e que todas as ações como ver, ouvir, julgar, amar, odiar
e pensar incluem-se sob essa denominação.” (p.496). Para Hume, as percepções da mente se
dividem em impressões e ideias. As impressões são, por definição, percepções de uma vivacidade
e força primárias, ou seja, são experiências sensíveis que fundamentam os juízos que formamos a
respeito do mundo, do conhecimento e, sobretudo, a respeito da moral. Já as ideias, são derivadas
das impressões. O termo percepção, segundo Hume, também se aplica aos sentimentos pelos quais
distinguimos o bem do mal na moral. Esta percepção é de natureza moral, e a distinção que daí
resulta será capaz de qualificar as nossas experiências, de acordo com a sua influência sobre os
nossos sentidos. As impressões podem ser impressões de sensação ou impressões de reflexão. Voltaremos
o nosso olhar para as impressões de reflexão, ligadas ao nosso sentido interno, ao modo como somos
tocados pelas impressões advindas do exterior, estas são chamadas de impressões secundárias,
pois elas derivam a sua realidade das impressões de sensação como uma “resposta afetiva” que suscita
o louvor ou a censura de nossos sentimentos morais, habilitados a nos guiar por entre as ações e
caracteres. Essas impressões são relacionadas às nossas emoções, vontades, desejos e possuem
um valor moral, pois estão sujeitas a aprovação e reprovação, conforme o agrado ou desagrado
que acompanha tal percepção.
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A RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA POR MEIO DO DOMÍNIO DO SABER
Alexandre Moschen Ortigara
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Onipotência; psicanálise; desenvolvimento humano; narcisismo
A Onipotência é definida pela psicanálise como um constructo do sujeito; tal constructo tem
origem ainda na infância, na fase anal (uma das fases do desenvolvimento do sujeito proposta
nessa ciência). Suas implicações incluem sensação do controle de si, que muitas vezes extrapola o
próprio corpo. Como o sujeito é constituído numa sociedade que exerce influência sobre ele, que,
por sua vez, exerce influência sobre ela, essa manifestação onipotente narcísica acontece também
na sociedade. Inicialmente, ela aparece, na sociedade primitiva mítica, como animismo;
posteriormente, no âmbito religioso, como magia, e no científico sob o modo da onipotência do
pensamento. Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma época, pois eram os
representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem na condição de
estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo. Deste modo, essa relação de
onipotência, que inicia em casa, passa pelo crivo da religião, num segundo momento, a qual
ratifica essa condição fantasiosa do humano; tudo isso culmina no ideal de humanidade. O
objetivo deste trabalho é investigar a ratificação do processo de onipotência na esfera do
conhecimento e o modo como ele é reproduzido em sala de aula, na relação professor/aluno.
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UMA CONCEPÇÃO ANTROPOLÓGICA DE EVOLUÇÃO EM TEILHARD
CHARDIN
Amilton Martins Oliveira
André Murilo Oliveira
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Homem; evolução; vida
A filosofia de Teilhard de Chardin pode ser um ponto de partida para pensar o homem no
processo de evolução no tempo em uma curta aproximação entre ciência e teologia. Embora
desprezado pelos cientistas, por tratar de coisas do espírito e pelos teólogos, por tratar de ciência
e evolução, Chardin concebeu pela primeira vez uma síntese entre a ideia de criação e a ideia de
evolução. Foi a partir da Origem das Espécies (1959) de Charles Darwin, que a ideia evolucionista
ganhou força perante o criacionismo. Para Chardin, a ideia de evolução passa a assumir uma
amplitude universal de processo de patamares: matéria – vida – inteligência – ponto ômega. A
matéria é o início de tudo; Deus Criador é o Alfa; a vida constitui a Biogênese, que evolui para a
Inteligência: a Noogênese; o processo evolui e converge para o ponto ômega, chamado Cristo
gênese. A ideia de evolução é aplicada à realidade humana; a matéria natural é transformada pela
inteligência de modo contínuo, diretamente ligada à vida, para sua plenitude ou para o fim dela. A
terra pode ser vista como ponto ômega, atualização do processo de transformação, mas não
generalizada para a humanidade, pois os bens produzidos, as melhorias das condições da vida,
não abrange a todos. Podemos relacionar a transformação da natureza em bens para a
humanidade; transformamos rocha em minério, minério em liga de ferro ou aço, este em peças, e
em incontáveis máquinas, mas máquinas de guerra, para defender o homem do homem.
Cultivamos o solo, reproduzimos as sementes que se tornam alimento que dá vida, porém vira
lucro, disputas, desperdícios e muitos têm fome, e há desperdício e poluição de recursos naturais.
Tudo é evolução; o processo evolutivo é realmente amplo. “Tu és pó e ao pó voltarás” (Gênesis,
3,19) – pó igual matéria, inteligência/consciência, sabemos que somos matéria; voltar ao pó não é
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voltar ao nada, é a convergência para o uno, para o espírito. É um caminho sem volta, por isso
evolutivo; ciência e teologia estão juntas.
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CONCEPÇÃO MORAL DA LOUCURA EM MICHEL FOUCAULT
Anderssieli Irion Boschetti
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
ciely.aib@hotmail
Orientador: Prof. Dr. Wilson Antonio Frezzatti Júnior
Palavras-chave: Foucault; loucura; moral
O intento dessa comunicação é investigar a concepção moral da loucura no período Clássico
através do viés arqueológico do pensador Michel Foucault, na obra intitulada História da loucura
(1961). Na interpretação foucaultiana, observa-se que o louco é definindo como outro, pois é
identificado através de comparações qualitativas, que visam ressaltar apenas os defeitos humanos,
os quais evidenciam sua alteridade em relação aos demais indivíduos normativos. No que se
refere ao classicismo, a concepção da loucura está associada ao mal-estar social, sendo caracterizada
moralmente de acordo com o instinto social, o qual para determinar a presença loucura, se baseia
no erro e na falta, tendo a finalidade de excluir e rotular os indivíduos como loucos, apenas por
diferirem das normas sociais vigentes. Neste sentido, pretende-se especular qual a influência do
advento do internamento, na concepção clássica da loucura, que reduz os diversos tipos sociais
considerados como heterogêneos, numa unidade que compartilha a mesma experiência, isto é, o
desatino.
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UMA VISÃO BASEADA NA VERDADEIRA LIBERDADE DA MORAL DE
NIETZSCHE
André Murilo Oliveira
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Moral; liberdade; valores
Após a Filosofia moderna de Kant (1780) a metafisica se torna improvável, assim abrindo uma
possibilidade de indagações sobre as instituições dogmáticas e o seu controle da moral. Nietzsche
baseado na filosofia moderna e com um pouco da ideia Schopenhaueriana, vê que a cultura tem
um papel destaque na formação da moral e que essa moral é uma forma de controle sobre o
homem, estabelecendo verdades absolutas que tem de ser seguidas e respeitadas, senão haverá
punições. Logo o filósofo critica a filosofia de Sócrates, Platão, Kant, Schopenhauer e Hegel,
pois, afirma que a filosofia somente surgiu através da superação dos mitos, e por esse motivo ele
critica também o cristianismo. Nietzsche cria uma nova perspectiva a respeito do homem, ou
seja, um além-do-homem que agora passa a ver o que o controlava, a moral e assim por meio
dessa crítica aos valores do homem, Nietzsche abre possibilidades para a transvaloração de todos
os valores, isto é a coragem de afirmar o além-do-homem, valente, hábil, sem moral (acima do
Bem e do Mal), procurando demonstrar que a existente universalidade dos valores da tradição
socrático-cristã não passam de uma construção histórica cujos resultados são contrários à vida.
Afirmar a vontade de potência é se guiar pela sua vontade de poder, a sua energia vital. O superhomem é aquele que aceita a vida como ela é: incerta, conflituosa e sem ilusões.
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A BIVALÊNCIA DA AÇÃO JUSTA NA REPÚBLICA: O EMBATE ENTRE
SÓCRATES E GLÁUCON
Angélica de F. de Almeida Lara
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo
[email protected]
Palavras-chave: Cultura; justiça; moralidade
Na República observamos as motivações de Platão para responder a uma questão do elenchos
socrático: o que caracteriza uma ação enquanto justa? No livro II, Gláucon alega serem as
vantagens o que leva o homem a agir com Justiça, portanto a causa da ação. E Sócrates busca
conciliar a causa com o efeito, apontando a utilidade como o efeito da Justiça. Para demonstrar
que a vantagem é o efeito da Justiça, Sócrates terá que demonstrar qual é a sua causa, o que move
a ação. Gláucon exige a demonstração do que a Justiça é para além de qualquer utilidade, ou seja,
se é possível uma ação desinteressada, uma ação que possa ser qualificada moralmente. O que
Platão vê consolidado é uma cultura solidificando a opinião, pautada nos interesses, e busca refletir
se há algo para além desta opinião, i.e., se é possível haver ciência, e se há algo para além do
interesse, i.e., se é possível haver moral. Na tentativa de refletir esta possibilidade, Platão idealiza
a Callipolis, na qual em oposição ao império da opinião, reinaria a busca pelo saber. Sócrates evoca,
no livro IV, a metáfora da lente de aumento, sugerindo averiguar a Justiça na Callipolis para
encontra-la no homem, pois, segundo ele, não é possível pensar a Justiça independente da
utilidade, ou independente da moralidade, pois toda ação boa é sempre útil. E como poderíamos
considerar útil uma ação que não fosse boa? Que visasse o mal a alguém? Não é possível pensar o
homem independente da cultura, configurando o que denominamos como a bivalência da ação
justa. Esta bivalência configura o empasse de Sócrates, pois não consegue evidenciar a ação
desinteressada para Gláucon, sem relacioná-la a utilidade, ou seja, através da Justiça.
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SCHOPENHAUER E AS SUAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONHECIMENTO
HUMANO
Angela Maria da Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Palavras-chave: Intuição; representação; razão
Schopenhauer, ao considerar o mundo como uma representação para o sujeito, suposição esta
abstraída de considerações racionalistas de pensadores como Descartes e Berkeley, parece estar
de acordo com as proposições afirmativas da superioridade da razão no processo de conhecer,
imposta em sua época, principalmente, pela filosofia de Hegel, a qual, como veremos, ele irá
refutar. No entanto, uma leitura mais atenta de sua obra O Mundo como Vontade e Representação nos
permite verificar que o filósofo, embora afirme que tudo que existe para o conhecimento é objeto
em relação a um sujeito, uma representação, não propõe haver um privilégio do sujeito em
relação ao objeto: ambos são metades essenciais e inseparáveis que formam a representação, de
tal forma que (dessas duas instâncias) “cada uma (...) possui significação e existência apenas por e
para a outra; cada uma existe com a outra e desaparece com ela” (SCHOPENHAUER, 2005,
p.46). Isso significa que, embora toda representação pressuponha a separação entre sujeito objeto
– relação em que o sujeito enquanto “sustentáculo do mundo” tem uma receptividade do objeto
intuído, pois é aquilo que conhece sem ser conhecido, e todo objeto existe para um sujeito e se
configura a partir das formas do espaço, do tempo e da causalidade – um não é causa do outro,
“por isso entre os dois não pode haver relação alguma de fundamento e consequência”
(SCHOPENHAUER, 2005, p.55). Há, no entanto, um limite imediato entre sujeito e objeto:
“onde começa o objeto, termina o sujeito”. Segundo Schopenhauer, todo objeto encontra-se em
relação necessária com outros objetos, sendo determinado ou determinando, por meio do espaço,
tempo e causalidade, o que configura o chamado, “princípio de razão”. E é este princípio de
razão que originado no entendimento organiza as impressões imediatas, dando-lhes a forma de
representação. E que ,por conseguinte, condicionam todo o conhecimento do sujeito. Com isso,
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pode se concluir que sujeito e objeto, embora distintos, formam uma unidade representativa,
mantida pelo princípio de razão que, ao mesmo tempo, estabelece o limite entre as duas partes –
sujeito e objeto –, pois, só pode ser aplicado aos objetos, mas pertence apenas ao sujeito. O
principio de razão, por sua vez, é para Schopenhauer aquele que representa a forma desses
objetos, a forma dos conceitos, uma representação de representação, um conceber e não somente
perceber como no entendimento acontece. Disso, podemos concluir que o filósofo aponta a
diferença entre entendimento, que é imediato, diz o como (descritivo) e o principio de razão, que
é mediato (explicativo), pretende dizer o porquê, e é neste, por conseguinte que parece residir o
conhecimento, este algo a mais que não só se percebe, mas se concebe. Portanto, ao considerar a
representação como ponto de partida para o conhecimento, o filósofo não toma separadamente
sujeito e objeto, mas os desdobra pelo entendimento. O sujeito, para o qual o mundo é objeto,
tem o entendimento como capacidade fundamental do conhecimento. É apenas por meio dessa
capacidade que podemos intuir os objetos. Caberia ao entendimento o conhecimento imediato da
relação entre causa e efeito, e à razão, por sua vez, caberia a função da formação de conceitos.
Esses conceitos fazem parte de uma classe que, segundo o pensador, é uma forma “especial” de
representações, representações de representações; absolutamente distintas das representações
intuitivas, só existem no espirito humano, não são percebidas, mas concebidas. Nessa relação
causal, a intuição do mundo é um desdobramento desse conhecimento e a razão, de forma
parecida, opera com conceitos, ou seja, são ambos modos variados dessa função do
entendimento. Sendo assim, por mais abstrato que seja o conceito, ele só é possível, ou só tem
seu início, por conta do entendimento ou da sensibilidade, já que, segundo Schopenhauer, não há
separação entre ambos. “A razão sempre pode apenas SABER; unicamente ao entendimento,
livre de toda influência da razão, é permitido intuir” (SCHOPENHAUER, 2005, § 6, p.69).
Percebe-se aqui um distanciamento de Schopenhauer em relação à filosofia de Kant. Enquanto
para Kant a sensibilidade tem um papel intuitivo, interno, como aquela que apresenta as relações
causais e as noções de tempo/espaço, e o entendimento é a faculdade do julgar, para
Schopenhauer a sensibilidade e o entendimento são unificados no entendimento sob o nome de
princípio de razão. Espaço e tempo, as formas a priori da sensibilidade, são entendidos como
presentes no entendimento juntamente com a causalidade que proporciona o vínculo entre essas
duas formas. O entendimento, com o mesmo caráter da sensibilidade, recebe as sensações como
um efeito e assim as vincula à causalidade para ir através do tempo até as suas origens e
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posicioná-las no espaço como representação intuitiva. Ou seja, para Schopenhauer, “intuição não
é somente sensual, mas também intelectual” (SCHOPENHAUER, 2005, §4, p.55). O corpo, que
até o presente momento não é distinto de outros objetos para o sujeito, é também, portanto,
apenas representação. Isso se dá porque ele também se apresenta como objeto imediato, assim
como a representação, que serve de ponto de partida para o sujeito que conhece. Toda a
atividade exercida pela matéria corporal é doravante mediada pela sensibilidade, e esta identifica
as relações causais e se traduz para o sujeito no entendimento, que por fim se entende enquanto
separado de outros objetos. A representação, portanto, só aparece mediante essa relação sujeito e
objeto, em que o objeto primeiro é corpo; isso implica o objeto colocado diante do sujeito, e por
sua vez, ambos entendidos pelo sujeito enquanto distintos, porém inseparáveis. Como visto
acima, Schopenhauer, afirma que o corpo é ele mesmo um objeto para o sujeito, e neste sentido é
considerado o ponto de partida para o conhecimento, como uma forma intuitiva, um sentimento,
uma evidência. Portanto, o pensador não parte do sujeito e nem do objeto tomados de forma
separada, mas como um mesmo em si para o conhecimento. O entendimento se dá como uma
forma primitiva, intuitiva e essencial que se desdobra em uma relação sempre ativa entre sujeito e
objeto. Desse modo, podemos inferir que o entendimento é somente essa relação imediata entre
sujeito e objeto, causa e efeito, esse modo da intuição pura, um ato da vontade. A forma geral de
todo o entendimento se manifesta, então, no modo desse conhecimento a priori (intuição) e
nessas relações entre as leis naturais (causalidade), como uma condição prévia de toda percepção
de mundo. Essa operação do entendimento não é reflexiva e nem discursiva, mas direta e
imediata, que aparece apenas enquanto intuição sem influência da razão.
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“OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO” DE EDGAR
MORIN: UMA TEORIA DO CONHECIMENTO
Angelina Cortelazzi Bolzam2
Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP
[email protected]
Renato Bellotti Senicato3
Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI
[email protected]
Palavras-chave: Educação do futuro; Edgar Morin; filosofia contemporânea
Essa investigação é fruto da junção das problematizações realizadas pelos pesquisadores em
momentos concomitantes, mas em ambientes diferentes, quais sejam, no curso de Mestrado em
Direito da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP; e da Especialização em
Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá UNIFEI, que analisaram a mesma obra como desenvolvimento de atividades de pós-graduação.
O objeto de nosso estudo, que está nos entreolhares das referidas pesquisas, é a obra Os sete
saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin (1921). Utilizando a metodologia de pesquisa
e revisão bibliográfica e a abordagem de cunho Multirreferencial, problematiza-se o que Morin
considera acerca desses “sete saberes”. Segundo o autor, “Há sete saberes ‘fundamentais’ que a
educação do futuro deveria tratar em toda a sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem
rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a casa cultura”. (MORIN, 2000,
p.13). Na obra, Morin faz uma crítica às formas de se fazer educação, propondo uma reforma da
mesma e demonstrando que a insuficiência do conhecimento se dá pela ausência do elemento
complexidade na educação. Ao desenvolver suas ideias, Morin nos apresenta sete buracos negros
totalmente ignorados e que precisam ser colocados no centro das preocupações sobre a formação
de sujeitos, tendo, por fim, a reforma do pensamento. Ademais, pautado na problemática da
Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP (2014); Mestranda do Programa de
Pós-graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP.
3 Licenciado em Filosofia pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP (2014); Estudante de especialização
em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade pela Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI.
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fragmentação do saber, o autor destaca que o pensar complexo supera as formas desassociadas,
pois a informação precisa ser contextualizada. É neste ponto que se destaca a
interdisciplinaridade. Nessa perspectiva, compreendemos ser necessário problematizar os sete
saberes apresentados por Morin, quais sejam: (I) As cegueiras do Conhecimento em relação à realidade
e os elementos que a constitui, evitando “o erro e a ilusão”. (II) O conhecimento pertinente que
demonstra a necessidade de relacionar e contextualizar os diferentes saberes que também
constituem a vida humana. Dessa maneira, há o amadurecimento do conhecimento que se
produz, imprimindo-lhe pertinência. (III) A condição humana, desconsiderada dos programas de
formação, constituída como trinitária: individual, social e de espécie, de forma que, como
categorias interdependentes devem ser consideradas, é com referência à ela que as ciências devem
produzir o conhecimento. (IV) A compreensão humana, como elemento que, segundo Morin nunca
é ensinado ao outro. Além de pontuar que a compreensão é o ato de agrupar os elementos para o
entendimento do objeto, é necessário compadecer-se do outro, estar com, identificando o que
leva à. (V) A incerteza, que nos permite compreender a vida como uma aventura suscetível aos
imprevistos, portanto, incerta. Contudo, o imprevisto não é de todo desconhecido, fazendo-se
reconhecer como possibilidade de acontecimento, para o qual, através da “ecologia da ação”, é
possível tomar consciência de possíveis erros por ele provocados e corrigi-los. (VI) A condição
planetária, visto que a aceleração do movimento com que se dão as relações é uma justificativa da
qual se utiliza Morin para falar de uma noção fragmentária do mundo, da qual o ensino não dá
conta. Ao citar que os problemas que encaminham a humanidade para sua finitude estão todos
relacionados, o autor fala da necessidade de fugirmos do imediatismo, criando a consciência de
que o destino da humanidade é comum. (VII) A antropo-ética que, com ênfase na identidade
humana, estabelecida nas relações de interdependência entre o individual, o social e a espécie,
reforça a importância da democracia para a tomada de consciência da condição humana, a
efetivação consciente dos princípios desta, bem como das antinomias dela provenientes. A
criação da consciência para o exercício da cidadania e responsabilidade encaminha-nos a uma
noção de antropo-ética. Apesar de considerar a pertinência dos saberes considerados necessários
à educação do futuro, Morin adverte que seu texto “não é um tratado sobre o conjunto das
disciplinas que são ou deveriam ser ensinadas: pretende, única e essencialmente, expor problemas
centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos e que são
necessários para se ensinar no próximo século”. (MORIN, 2000, p.13). Ao isolar o caráter
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prescritivo de sua obra, consideramos que Morin constrói uma teoria do conhecimento, que
valoriza nesses setes saberes os traços da potência emancipatória que o processo educativo pode
assumir. De forma que não circunscreve a exclusividade da pertinência desses saberes à espaços e
tempos, como, por exemplo, o da escola, o autor abre as portas desses saberes para o traço
educativo indispensável de ser pontuado como valor humano, ou seja, “o saber científico sobre o
qual este texto se apoia para situar a condição humana não só é provisório, mas também
desemboca em profundos mistérios referentes ao Universo, à Vida, ao nascimento do ser
humano.” (MORIN, 2000, p.13). É por colocar os sete saberes como problemas do
conhecimento que se refletem na vida que consideramos, com Morin, que o apresentado em sua
obra apresenta-se como apontamentos de uma teoria do conhecimento que “abre um indecidível,
no qual intervêm opções filosóficas e crenças religiosas através de culturas e civilizações.”
(MORIN, 2000, p.13).
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FILOSOFIA, ARTE E CIÊNCIA CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS A PARTIR
DE DELEUZE E GUATTARI
Anna Maria Lorenzoni
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CAPES/CNPq
Orientador: Prof. Dr. Rosalvo Schütz
[email protected]
Palavras-chave: Arte; ciência; Deleuze; filosofia; Guattari
Em O que é a filosofia?, Gilles Deleuze e Félix Guattari respondem à pergunta que dá título ao livro
ao mesmo tempo em que estabelecem as ressonâncias entre a arte, a ciência e a filosofia. Tratamse de modos de criação do pensamento que não confundem-se uns com os outros: “o verdadeiro
objeto da ciência é criar funções, o verdadeiro objeto da arte é criar agregados sensíveis e o
objeto da filosofia é criar conceitos” (MACHADO, 2010, p. 14). Tendo isso em vista, o objetivo
deste trabalho é expor como, a partir da perspectiva deleuze-guattariana, esses diferentes
domínios do saber diferenciam-se, assim como porquê os autores reivindicam a especificidade da
criação filosófica frente a esses domínios. Sendo assim, veremos como saberes diferentes são
movimentados por problemas diferentes, resolvendo-os a partir de seus próprios meios.
Entretanto, isto acontece sem que haja privilégio de um modo de pensamento sobre o outro,
uma vez que essas atividades criadoras interferem e repercutem entre si, podendo, inclusive
estimular novas criações.
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MENTE E EXTERNISMO SEMÂNTICO NA FILOSOFIA DE PUTNAM
Bruno Fernandes de Oliveira
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Remi Schorn
Coorientador: Dr. Luiz Henrique de Araújo Dutra
Palavras-chave: Mente; externismo; Putnam
Este trabalho tem o objetivo de investigar e apresentar o que o filósofo estadunidense Hilary
Putnam entende por mente, e qual a importância deste conceito para o externismo semântico em
sua filosofia da mente e da linguagem. Para tanto se faz necessário compreender o conceito de
funcionalismo e, em seguida, a relação da teoria dos estados mentais com externismo semântico.
Neste sentido surgem questões como: a mente pode ser reduzida ao cérebro? Qual a natureza dos
estados mentais? Como os estados mentais se relacionam com o cérebro? Estados mentais são
produtos da vida biológica? Computadores podem possuir estados mentais? O externismo supera
o funcionalismo? Na década de 60 Putnam propõe uma explicação funcional da mente, isto é, a
teoria sobre o funcionalismo. Tal teoria mostra que eventos e estados mentais não são reduzidos
à processos biológicos, mas, sim, a funções causais. O funcionalismo pretende definir o cérebro
como uma máquina, no qual a mente é um programa e, o computador ao receber informações
processa essas informações por meio do programa que recebe através de um input. O
funcionalismo tem seus problemas, reduzir o cérebro humano ao um supercomputador é um
deles. Na década de 80, o próprio Putnam refutou o funcionalismo. O filósofo percebeu a
incompatibilidade do funcionalismo com o externismo semântico, isto é, o funcionalismo tinha
uma enorme dificuldade em se relacionar com o externismo semântico e com o conteúdo mental.
O próprio Putnam destaca a problemática e refuta definitivamente o funcionalismo em seu livro
Representation and Reality (1988). A dificuldade que Putnam levanta é que o funcionalismo não dá
conta de superar o internismo, ou seja, os estados intencionais são estados cerebrais. O que é
totalmente contra a sua proposta externista. Portanto, segundo o modelo funcionalista, os
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significados são entidades privadas, isto é, o funcionalismo é incompatível com o externismo
semântico, no qual os significados são entidades públicas.
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POLÍTICA EM MARX: VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA
Bruno Gonçalves da Paixão
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Jadir Antunes
Palavras-chave: Política; estado; ontonegatividade
No campo do pensamento marxista a única assertiva unânime, sem sombras de dúvidas, é de que
não existe unanimidade em seus vários intérpretes. A maior evidência é o número de escolas, ou
pseudo-escolas, que reivindicam a verdadeira interpretação da obra de Marx. A consequência
disso é um enorme desencontro interpetativo-prático da teoria desse pensador alemão. Nesse
sentido, a temática aqui estudada está longe de passar ilesa por essas variedades de análises,
muitas vezes parecidas, outras nem tanto, e, em sua grande maioria, totalmente díspares. Essa
comunicação pretende abordar a política na obra marxiana, procurando entender, a partir da letra
de Marx, o real significado de tal dimensão para este autor, assim como a sua validade histórica.
Para isso, tentaremos primeiramente mostrar como a temática é abordada por três grandes
comentadores marxistas brasileiros que se debruçaram ou ainda se debruçam sobre a questão da
política e sua manifestação material, o Estado. O primeiro, José Chasin, vê a política enquanto
dimensão essencialmente negativa ou ontonegativa, seguido por Ivo Tonet, que a entende como
elemento negativo na sociedade de classes e que atingiria um status de positividade numa
sociabilidade emancipada (comunista), e por fim, Carlos Nelson Coutinho, que encara a política
como sendo essencialmente positiva. O esforço aqui se dará para apresentar as principais ideias
que norteiam o pensamento de cada autor – intervindo nesse primeiro momento apenas
pontualmente – para depois, concluirmos de forma breve, o que entendemos sobre a política em
Marx.
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NORMATIVIDADE E MORAL NATURALIZADA
Bruno Martinez Portela
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Bolsista da CAPES
[email protected]
Orientador: Prof. Jair Antônio Krassuski
Palavras-chave: Moral; naturalismo; sentimentos; normatividade
Estudos recentes em neurociência sobre psicologia moral têm repercutido no cenário filosófico e
motivado novos debates sobre a moralidade. Alguns filósofos e cientistas têm apontado
divergências entre teorias clássicas da moral e o resultado de determinados experimentos
científicos, trazendo novos elementos para discutir conceitos fundamentais da moral, como o
papel da razão e sensibilidade nas decisões morais e o próprio fenômeno da normatividade. É o
caso dos estudos realizados por Joshua Green há pouco mais de uma década. Com sua
colaboração, a discussão moral contemporânea toma um rumo diferenciado e dá lugar a novas
teorias naturalistas da moral. No presente artigo, pretende-se mostrar que a importância dos
sentimentos no âmbito da moralidade já estava presente em teorias morais naturalistas modernas,
como a de David Hume, e que, a exigência de determinadas revisões na forma como a tradição
racionalista compreendeu a noção de obrigações morais não devem redundar em um obstáculo à
normatividade na moral.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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RELAÇÕES DE PODER, SOBERANIA E GOVERNAMENTALIDADE EM
MICHEL FOUCAULT
Carla Musa Latsch Cherem
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Castelo Branco
Palavras-chave: Poder; soberania; estado; governamentalidade; relações de poder
A questão do poder emerge em vários cursos e textos do filósofo francês Michel Foucault.
Tentar perceber o poder como algo que não existe como substância, nem localizado em
instituições é ao mesmo tempo desafiador e um fator importante para compreendermos o olhar
foucaultiano sobre o poder. Pela tradição filosófica temos a tendência de identificar o poder aqui
e ali, como o poder dos governantes, ou dizer que a burguesia tem poder e o proletariado não.
Em primeiro lugar, é relevante dizer que Foucault não está, com seu discurso, negando que, em
alguns momentos e em certo sentido, também se possa pensar o poder como aquilo que alguns
indivíduos possam, individualmente ou através de instituições, exercer no sentido do controle ou
de alguma dominação sobre outros. O que Foucault parece deixar emergir em seus estudos é, no
entanto, o entendimento de uma forma de racionalidade política que envolve, em sua lógica
interna, alguma coisa que mesmo não estando em nenhum lugar específico está em todos, pois
transita pelos espaços. Essa noção multiforme de “espaços” envolve muito mais do que
instituições, ou lugares, abrange as pessoas viventes e os discursos que são produzidos. Como
Foucault entende as relações de poder? Em que sentido, ou em que medida, o conceito de
relações de poder aponta para um caráter multidimensional, em que a dinâmica da “circulação”
faz mais sentido para uma análise contemporânea do poder, do que a compreensão “estática” do
mesmo, como asseverada por Maquiavel e outros filósofos modernos? Qual o papel do Estado
nas relações de poder? O fato de Foucault afirmar que não existe um “Poder com ‘p’ maiúsculo”
indica o “fim do Estado”? Tentaremos observar estas questões para buscar investigar, a partir do
conceito de relações de poder, o entrecruzamento entre Estado soberania e governamentalidade
na contemporaneidade.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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SOBRE VALORES E NORMAS:
SONDAGENS A PARTIR DO DIÁLOGO HABERMAS-PUTNAM
Carlos Ferreira
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas
[email protected]
Palavras-chave: Valores/normas; relativismo moral; Putnam; Habermas
Neste trabalho empreende-se a busca de um meio termo entre o ceticismo dos que são contra
teorias morais e a posição de que a filosofia moral é o tribunal supremo de toda justificação
moral. Acompanhando a discussão entre Putnam e Habermas, busca-se avaliar a situação atual da
relação entre normas e valores, relevante tanto para a Filosofia quanto para o Direito. Normas e
valores então interligados, assim como fatos e valores são indissociáveis. Nossas máximas
universalmente válidas, sejam elas poucas ou muitas, contém conceitos éticos estritos e, portanto,
não podem ser tomadas por mandamentos meramente descritivos do que deveria ser a correta
conduta moral. Tampouco podemos cair no relativismo de considerar que cada lei somente
possui validade conforme a valoração individual de cada destinatário. Em razão disso seria
necessário um meio termo entre a vinculação normativa absoluta e o relativismo. Aceitar que
valores éticos sejam racionalmente discutidos e, portanto, não necessitem ser relativizados, não é
o mesmo que tomar valores aprioristicamente.
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CAN MORALITY BE BASED ON BIOLOGY?
A NEUROECONOMIC MODEL ON OXYTOCIN
Carlos Roberto Bueno Ferreira
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS
Mestrado em Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Orientador: Nythamar de Oliveria
Palavras-chave: moral molecule; moral theory; neurophilosophy
In the past decades the neurosciences made ground breaking discoveries about how the human
brain works and, consequentially, what is involved in our decision making processes. This essay
faces the question about the possibility of taking under consideration the biological physiology of
the brain when formulating a moral theory. Most theories about morality (Aristotle and Kant, for
example) focus on the rational aspect of value selection, leaving the natural biological account
out of equation. The first part of the present work addresses the research of neuroeconomist
Paul Zack, who claims to have found a “moral molecule” capable of making people to act more
trustingly. This substance is a neuropeptide named oxytocin. A philosophical experiment is then
proposed concerning the possibility (and even the desirability) of a neuroeconomical system
based on oxytocin. In conclusion what can be observed is that all moral is based on values. There
is no such thing as a “pure morality” simply because there is no pure source of value. Nature has
its values, selected throughout billions of years of trial and error, just as cultures construct their
own set of moral principles.
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A HERMENÊUTICA DA FACTICIDADE E A DESCONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO
ONTOLÓGICA SEGUNDO HEIDEGGER
Caroline Marangoni
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Hermenêutica; facticidade; tradição filosófica
O objetivo deste trabalho é apresentar uma breve explicação sobre a hermenêutica da facticidade
tal como encontrada na obra do filósofo alemão Martin Heidegger. Para tanto, tomaremos por
base os trabalhos Ontologia - Hermenêutica da facticidade e Ser e tempo, nos quais nosso autor programa
sua ontologia fundamental. A partir dessas, será necessário refletir sobre as concepções de
hermenêutica e de facticidade. Pretende-se descrever como o autor faz um estudo sobre a
tradição filosófica e utiliza a hermenêutica não como um modo artificial de análise, mas como
uma interpretação que conduz ao encontro e com vistas à facticidade. Em nossa comunicação,
após explanar a hermenêutica da facticidade se faz necessário outra análise da questão do ser,
também será apresentada o plano geral de sua destruição da história da filosofia, projeto filosófico por
meio do qual o filósofo pretende uma destruição da tradição filosófica. Dizendo de modo claro:
nossa comunicação tem por meta descrever como o filósofo busca destruir tudo aquilo que
impede a aproximação do caminho que conduz às experiências originárias em torno do ser.
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RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM DESCARTES: O CASO DA “GEOMETRIA”
Prof. Dr. César Augusto Battisti
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Descartes; resolução de problemas; geometria
Conhecer é demonstrar verdades ou resolver problemas? Embora resolver problemas também
seja estabelecer verdades e, portanto, em última análise, as duas perspectivas confluam, não é
uma mesma coisa conceber a ciência de uma ou de outra dessas duas formas (havendo
consequências pedagógicas, epistêmicas e de várias outras ordens). Descartes é um exímio teórico
e praticante da ciência (do saber em geral, estando aí incluída também a filosofia) entendida como
resolução de problemas. As Regras para a direção do espírito expõem uma “teoria dos problemas” e
um método voltado à sua resolubilidade. A Geometria, por sua vez, é talvez o edifício científico
mais bem construído pelo autor dentre dessa concepção: seus três livros se organizam em razão
da divisão dos problemas examinados; ela inicia e se encera referindo-se a “todos os problemas
de geometria”; as etapas do método consistem no tratamento de problemas por meio de sua
recondução à sua equação correspondente e por meio de sua resolução (construção) geométrica.
Pretende-se discutir essa concepção de conhecimento dentro desta que é uma obra central do
pensamento cartesiano e, ao mesmo tempo, um clássico da história da matemática.
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O CETICISMO PIRRÔNICO NOS ARGUMENTOS DE MONTAIGNE CONTRA A
RAZÃO
Charles Eriberto Wengrat Pichler
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Gilmar Henrique da Conceição
Palavras-chave: Ceticismo; Montaigne; apologia
Na perspectiva montaigniana, encontramos o paradoxo da crítica da razão pela própria razão. A
razão não pode conduzir a vontade contra as paixões; ao contrário, as paixões podem ameaçar a
teórica "constância da alma", pois a razão (instrumento móvel e incerto) inclina-se para diferentes
lados porque é defeituosa e cega de um lado e de outro. A razão, em todos os homens, é a
mesma em sua instabilidade, e a ignorância impera em todos. Em Montaigne, não há uma razão
soberana e exterior; inversamente, para ele a razão é, ela mesma, um objeto de cera que se curva
aos imperativos da vida e aos interesses particulares. A razão é, assim, uma instância de
justificação. Como é sabido, Montaigne é leitor de Sexto Empírico e de Diógenes Laércio. Ao
discorrer sobre o pirronismo, Laércio considera-o o mais nobre filosofar, por ter inventado em
seu modo de vida os estados de akatalepsía (inapreensibilidade das coisas) e de epokhé. De acordo
com Sexto Empírico, o princípio pirrônico fundamental é criar antinomias, opondo razões
contrárias, para renovar o estado de epokhé decorrente dessa impossibilidade de reconhecer a
verdade nas filosofias conflitantes. A diaphonia é insolúvel. No contexto desse estudo, este
trabalho visa analisar a crítica de Montaigne à razão, mais precisamente ao seu modo de
aplicação. No ensaio denominado “Apologia de Raymond Sebond”, a crítica recai sobre o uso da
razão que faz o teólogo Sebond na “Teologia Natural”, que tenta sustentar sua crença através da
razão, bem como na crítica radical ao uso da razão feita pela Reforma, que busca um novo
critério de conhecimento religioso. A crítica de Montaigne é a de que a razão não deve ser usada
para estabelecer uma universalidade – como faz Sebond, tentando estabelecer um critério de fé –,
no máximo pode ser utilizada de forma investigativa em um contexto particular; no caso de
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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Sebond, por exemplo, poderia ser aplicada na fé – que independe de razão e só pode ser
adquirida através da revelação divina.
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CIÊNCIA E RELIGIÃO NOS ESCRITOS EDUCATIVOS DE JOHN LOCKE
Christian Lindberg L. do Nascimento
Universidade Federal de Campinas - UNICAMP
Bolsista da FAPESP
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Lidia Maria Rodrigo
Palavras-chave: Ciência; educação; Locke; moral; religião
O presente texto tem como objetivo central discorrer sobre o pensamento educativo de John
Locke. Embora haja argumentações relevantes e pertinentes, a abordagem que este trabalho
desenvolve é centrada, única e exclusivamente, no aspecto moral. Para tanto, parte-se de um
problema identificado no conjunto da obra de Locke. Fala-se da aparente controvérsia entre a
ciência e a religião e o papel que cada uma exerce na formação moral da criança. É com base
nesse recorte que a presente análise é feita. Para a construção argumentativa, utilizou-se como
fonte primária: Do estudo (1677), Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough
(1697), Ensaio sobre a lei assistencial (1697) e Algumas ideias acerca da leitura e do estudo para um cavalheiro
(1703). De forma secundária, foi adotada obras de comentadores relevantes. Por ser um estudo
estritamente qualitativo, o procedimento metodológico usado foi a análise de conteúdo, sendo a
leitura, o fichamento e a interpretação dos dados obtidos a técnica de pesquisa empregada.
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FILOSOFIA, ONTOLOGIA E DIALÉTICA A PARTIR DE EXCERTOS DAS
PRELEÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA FILOSOFIA DE HEGEL
Christiano Tortato
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Tarcílio Ciotta
Palavras-chave: Filosofia; ontologia; dialética
Com a presente comunicação, almejamos iniciar uma reflexão sobre Filosofia, Ontologia e
Dialética, a partir de alguns excertos retirados das Preleções sobre a História da Filosofia, de Hegel.
Iniciaremos nossa apresentação com uma reflexão sobre a proposição de Tales de Mileto, “A
água é a arkhé da phýsis” dando prioridade aos conceitos de arkhé e de phýsis. Em seguida,
meditaremos sobre o fragmento DK 10 de Heráclito de Éfeso – “Conjunções o todo e o não
todo, o convergente e o divergente, o consoante e o dissonante, e de todas as coisas um e de um
todas as coisas” (trad. Joé Cavalcante de Souza) – dando ênfase a essa concepção de conjunção, ou
seja, à concepção que zela pela unidade imanente entre ser e não-ser mediante a noção de devir. O
próximo pré-socrático a ser investigado será Parmênides de Eléia, do qual analisaremos os
fragmentos B 7 e B 8 do seu poema Sobre a Natureza (DK 28 B 1-9), em que a via do ser e a do
não-ser aparecem radicalmente desvinculadas. É importante ressaltar que nossas reflexões se
desdobrarão a partir dos comentários elaborados por Hegel, os quais, nesse primeiro momento,
servirão para refletirmos sobre sua concepção de Filosofia e Ontologia. O final do fragmento B 8
do poema de Parmênides é de suma importância para nossa pesquisa, pois, ao apresentar a via do
ser enquanto uma esfera, ressalta que seu “limite é extremo”. O limite, que em Parmênides
demarca o abismo entre ser e não-ser, é re-pensado e re-apresentado dialeticamente por Platão em
seu diálogo Sofista (258a-259b). Assim, retomamos nossa investigação sobre a Dialética a partir
dessa imagem que, curiosamente, também aparece no Prefácio da Fenomenologia do Espírito de
Hegel.
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UMA BASE BIOLÓGICA PARA A EMANCIPAÇÃO
Cleberson Odair Leonhardt
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Repressão; princípio de realidade; emancipação
Entre as construções teoricas marcusianas que procuram demonstrar um caminho a seguir, em
relação a possibilidade de reconstrução do princípio de realidade, está a ideia de que existe uma
base biológica para tal feito social. A identificação de uma emancipação instintiva que equilibre o
processo mental e elimine a repressão dos instintos, não parece ser apenas uma emancipação
social ou política, mas do indíviduo como um todo, atingindo até mesmo a sua estrutura de
sentimentos e necessidades. Essa reestruturação compreende um novo entendimento e nova
conceituação da base biológica, que não significa, em Marcuse, um determinismo biológico, que
levaria de qualquer maneira à uma reestruturação do princípio de realidade, mas é antes um
potencial facilitador que já está presente na sociedade. A pretensa liberação sexual, estabelecida
na sociedade, não significa necessariamente uma maior libertação do princípio de prazer da
repressividade que lhe é imposta pelo princípio de realidade. Afinal, a libertação da repressão que
é imposta ao princípio de prazer exige muito mais do que uma liberação sexual. A dessublimação
repressiva acontece quando a opressão assume a forma de gratificação. O indivíduo pensa que
sublima mas na verdade se aliena. A liberação se coaduna a esse processo e acaba servindo aos
propósitos do princípio de realidade estabelecido. No entanto, segundo Marcuse, esse não é o
mundo que desejamos viver, e a revolta instintiva surge (daí, talvez a base biológica!) e facilmente
se tranforma em rebelião política, e contra ela todas as forças desse sistema são mobilizadas.
Podemos, ainda que unicamente desse fato, concluir que a própria natureza, impulsionada por
essa situação, aspira a revolução. É esta base biológica que Marcuse quer apresentar e fomentar o
potencial biológico que ela representa, ao visar a modificação do princípio de realidade e a
emancipação.
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O CONCEITO DE ANGÚSTIA EM KIEKEGAARD E O IDEALISMO ALEMÃO
Cleyton Francisco Oliveira Araújo
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Mestrado em Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Angústia; idealismo alemão; existência; racionalismo
O livro Conceito de Angústia, de Kierkegaard, constantemente dialoga e confronta com as ideias da
filosofia do Idealismo Alemão. Compreender o objeto, o sujeito, o mundo, o indivíduo e a
realidade (a partir das capacidades cognitivas da racionalidade humana, determinando-as em um
sistema racional) é a pretensão dessa escola filosófico que iniciou em Kant, no final do século
XVIII e terminou em meados do século XIX, com Hegel. Kierkegaard compreende, em seus
escritos filosóficos e religiosos, que o sistema racional da Ideologia Alemã é capaz de
compreender a existência em uma perspectiva meramente teórica e esta compreensão é possível
somente no campo da lógica. A existência concreta e real, segundo o autor danês, é antagônica a
visão desse sistema idealista, pois ela é experimentada no indivíduo em suas possibilidades, em
sua liberdade, em suas contradições, sentimentos e angústias. Esta última, compreendida
existencialmente e não no campo da psicologia moderna, é um instrumento importante para o
entendimento do homem, pois abre-lhe oportunidades de interiorizar-se e descobrir-se como um
devir. Angústia, em Kierkegaard, é a realidade da liberdade como possibilidade antes da
possibilidade, são escolhas existenciais ainda não efetivadas, questões da vida que estão no campo
da imaginação, assuntos contraditórios que não podem ser mediados ou harmonizados pela
síntese. Na angústia há a realidade da tese e da antítese e a síntese é a escolha entre uma das duas,
a liberdade, a existência vivida e experimentada, o salto. Angústia, em sua essência, é
contraditória e paradoxal e pode ser compreendida, não por um sistema racionalista, mas por um
indivíduo atento a sua existência. Angústia é um instrumento para a descoberta do homem no
homem
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A MORALIDADE NO CONCEITO DE MÁ-FÉ EM JEAN-PAUL SARTRE
Cristiane Picinini
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Moralidade; má-fé; liberdade
De acordo com o existencialismo sartriano, o homem não seria apenas portador de uma essência
já dada, mas teria de criá-la a partir da sua existência. Nesse sentido, fala-se da liberdade, condição
fixa do humano, dado que o homem estaria "condenado a ser livre". No terreno da moral, seguese que o homem não tem mais a possibilidade honesta de apelar a mandamentos, códigos ou leis
para auferir as razões motivadoras de determinado ato. Isso equivaleria a massificar a moral como
coisa, quando, na verdade, o único fundamento de qualquer ato está na escolha própria e
individual do sujeito. Não há um guia de valores e deveres estabelecidos, mas ao menos se sabe
que o sujeito é o único responsável por seus atos. Portanto, é no mundo delimitado pelas
situações que o sujeito condenando a ser livre e criador da moral, sem o amparo de Deus, irá
encontrar e se defrontar com a Alteridade. A liberdade, no entanto, só pode ser pensada, no
plano ontológico, por meio da facticidade. A facticidade se revela pelas condições não escolhidas
em que o homem aparece lançado e abandonado no mundo, como presença ao Ser. Neste
sentido, a consciência será fundamento do seu Vazio, mas não será capaz de fundamentar a
contingência do Ser. O esforço de Sartre direcionou-se ao esclarecimento desse conceito,
partindo da sua sustentação em O Ser e no Nada. A consciência concebida fenomenologicamente
deve ser vista, ela mesma, como relação com o mundo. A consciência é, ela própria, relação; por
sua própria natureza, exige um objeto do qual seja, efetivamente, consciência. A consciência
jamais poderia ser “consciência de nada”. Concebida como intencionalidade, ela é a própria
atividade intencional e relação com seus objetos. Seja qual for o tipo de atividade em que estiver
envolvida – percepção, imaginação, emoção, desejo, crença, etc. – é, a um só tempo, relação e
constituição de sentido dessa relação desde um plano existencial, na medida em que é sempre
consciência singularizada no mundo. O objetivo de O Ser e o Nada é mostrar que e como o
homem traz consigo, sob a forma de sua consciência, uma contradição interna marcada pela
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necessidade de relação com o Ser. Isto significa que, paradoxalmente, a liberdade depende da
facticidade para ser liberdade, iluminando-a pelos fins. Se, de um lado, a liberdade deriva do
Vazio da consciência humana, de outro, é graças ao Ser que ela surge como liberdade. Pode-se
perguntar: a facticidade seria determinante das escolhas, de maneira que a liberdade não fosse
apenas ilusão? Não, e é exatamente contra esse tipo de argumentos que se volta o existencialismo
sartriano. Nenhum determinismo seria razoável para explicar a situação humana, pois o homem é
livre ao anunciar como fim a si mesmo. Toda liberdade está em situação, e não poderia ser de outra
forma. É nesse território que nos decidimos pela autenticidade ou pela má-fé, conceito que
pretendemos discutir. Para isso, alguns conceitos básicos, porém difíceis, de O Ser e o Nada
deverão ser também esclarecidos.
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ANÁLISE DA ESCOLA E SEU PAPEL SOCIAL PELA ÓTICA DO CONCEITO DE
“DESCONSTRUÇÃO” EM JACQUES DERRIDA
Cristiane R. Xavier Candido
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo
[email protected]
Palavras-chave: Educação; desconstrução; Derrida
Esta análise tem por objetivo apresentar o desenrolar das ideias principais que o filósofo
franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004) desenvolveu (em meados da década de 60) acerca
do conceito denominado “desconstrução”, de forma que se especifique como tai conceito
desenvolve-se no âmbito da educação e, em que medida e circunstâncias pode ser possível
estabelecer e observar o surgimento, ou melhor, a redescoberta do papel social das escolas em
vista da “desconstrução” proposta pelo filósofo. De acordo com Derrida, a desconstrução na
educação é uma quebra de fronteiras (que ainda são existentes), é uma decisão (e não uma ação
que rege um comportamento determinado gerador de um modo de ser) em relação ao outro.
Não há um método a ser seguido, uma doutrina a ser ensinada, mas sim, uma decisão que se
toma. Ocorre, portanto, por um lado - através desta decisão reflexiva - tanto a emancipação do
professor quanto do aluno e, diametralmente se sucede a emancipação da escola. Isto se dá,
pois num primeiro momento, o professor terá que se vislumbrar com a desconstrução da sua
própria maneira de ensinar e, assim ir ao encontro de novos meios de ensino, já o aluno ficará
livre para criar suas próprias ideias em relação ao que foi ensinado (terá conhecimento de fato
para isso), e assim, sucessivamente, observar-se-á que o papel social da escola abarcará muito
mais do que se vem analisando ultimamente (com resquícios da educação tradicional). É neste
habitat que a “desconstrução” derridiana “alça vôos” e promove importantes reflexões para a
educação.
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A FILOSOFIA COMO PARRESÍA:
UMA ÉTYMOS TÉKHNE (TÉCNICA AUTÊNTICA)
Daniel Salésio Vandresen
IFPR
[email protected]
Palavras-chave: Filosofia; parresía; tékhne
O objetivo deste trabalho é apresentar o conceito grego de parresía (dizer-verdadeiro), resgatado
por Michel Foucault como forma de redefinir o papel da filosofia como uma técnica autêntica de
transformação de si. O filósofo exerce a parresía, pois, ao mesmo tempo em que busca o
conhecimento da verdade, também transforma a si mesmo, articulação fundamental que faz da
filosofia uma técnica autêntica (étymos téchne). A parresía significa a liberdade do dizer verdadeiro e
está ligada a um êthos (atitude moral) e a uma tékhne (procedimento técnico), ambas indispensáveis
para a constituição de si. Na parresía se busca o equilíbrio entre o que se fala (procedimento
técnico) e o que se vive (conduta). Primeiramente, este trabalho descreve os conceitos de técnica
e tecnologia na trajetória do pensamento de Foucault, para compreender como o conceito grego
de téchne está presente em diferentes momentos de sua teoria. Para em seguida, apresentar a
articulação dos conceitos de parresía e psicagogia (condução da alma ou operação sobre si mesmo
por meio de discursos verdadeiros). A parresía consiste na técnica de, por meio do conhecimento
verdadeiro, possibilitar a transformação do sujeito – temática fundamental para o ensino da
filosofia, onde a formação do sujeito ocorre por meio de discursos, ou seja, uma educação que
leva à constituição de si por meio de discursos verdadeiros que promovem rupturas e a expressão
de novas formas de subjetividade.
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JUSTIÇA COMO EQUIDADE:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS IDEIAS DE JOHN RAWLS
Daniele Bet
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Ms. Celito De Bona
Palavras-chave: Teoria; justiça; equidade; Rawls
A presente comunicação tem como objetivo apontar os principais pontos apresentados na parte
inicial da obra Uma Teoria da Justiça, do filósofo político, norte-americano, John Rawls. Esta obra,
publicada, originariamente, em 1971, possui grande destaque nas discussões e estudos acerca do
conceito de “Justiça”. Na primeira parte do livro, o filósofo apresenta a ideia de “justiça como
equidade”, concepção de suma importância para sua teoria. A proposta inicial de John Rawls é
imaginar um contrato social hipotético, partindo de uma “posição inicial”, na qual todas as
pessoas se encontram em uma posição original de equidade. Nesta posição, elas estariam vestidas
com um “véu de ignorância”, a fim de deliberar sobre quais os princípios de justiça seriam
utilizados na formação da sociedade. A ideia de Rawls é que usando este “véu de ignorância”, as
pessoas ignorariam suas características pessoais e, assim, seriam capazes de raciocinar de forma
equilibrada e imparcial, o que possibilitaria escolher os princípios mais adequados para o convívio
social.
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EDUCAÇÃO CRÍTICA E DIREITOS HUMANOS
Dayanne Vicentini
Universidade Estadual de Londrina – UEL
Bolsista Fundação Araucária.
[email protected]
Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
Palavras-chave: Educação crítica; direito à educação; educação para a cidadania
O objetivo deste trabalho é registrar e analisar a concepção de direitos humanos, dignidade e
liberdade ligadas à educação. Para isto, tentaremos analisar os conceitos de dignidade humana e
liberdade, observando qual é o âmbito ideal para que eles sejam preservados. Tendo em conta
que a democracia não é uma invenção legal senão uma construção social, que se vai aprimorando,
ressaltaremos o papel da educação. A importância da pesquisa radica na necessidade de esclarecer
que tipo de educação preserva a liberdade, permite o desenvolvimento da autonomia e a
construção da democracia. Se bem é reconhecida a relação existente entre educação e política é
pertinente observar: que educação e que política queremos desenvolver. Não basta ter o direito à
educação, é preciso que esta educação forme indivíduos autônomos e conscientes de sua
responsabilidade política e críticos com a realidade. Este não é um trabalho pioneiro nem com a
pretensão de esgotar o tema, pelo contrário, é um trabalho que deve ser constante para orientar
nossas práticas docentes, que devem continuamente ser revisadas e melhoradas. O percurso
metodológico será bibliográfico. Entre os principais teóricos abordados temos a Della Mirândola,
que apresenta a dignidade humana e a liberdade fortemente ligadas; a proposta de cidadania pelo
teórico da democracia, Norberto Bobbio e, a sugestão da educação crítica apresentadas por
Michael Apple e Henry Giroux. Também recorremos a outros teóricos que tratam os temas
abordados como: direitos humanos, liberdade, democracia, dignidade humana, cidadania,
educação crítica. Trata-se de uma investigação que se situa na confluência entre educação e
direitos humanos.
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KANT E OS POSTULADOS DA RAZÃO PRÁTICA
Dean Fábio Gomes Veiga
Rejane Veissid
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR
[email protected]
[email protected]
Palavras-chave: Kant; moral; razão
O objetivo deste trabalho é refletir acerca dos postulados da razão prática, conforme o problema
identificado dentro da filosofia kantiana, nas conclusões da Crítica da Razão Pura, o que
fundamenta a teoria do conhecimento do filósofo alemão. Nas conclusões, Kant estabelece os
limites de sua primeira crítica, ou seja, os limites da razão e da possibilidade do conhecimento
humano. A razão vê-se, então, em uma encruzilhada, pois força a si mesma a buscar
compreender postulados que em âmbito especulativo não lograra certamente êxito. Deste modo,
o problema da razão especulativa tornar-se-á o fundamento basilar das discussões presentes na
filosofia prática do autor, especialmente as presentes na Crítica da Razão Prática e na Fundamentação
da Metafísica dos Costumes. Sustentaremos o argumento de que Kant não faz uma cisão em seu
pensamento, tampouco divide a razão em esferas especulativa e prática, mas sim que a unidade da
razão é identificada dentro das discussões, sendo o objetivo central da filosofia kantiana o de
investigar os postulados da razão e sua operação em sentido prático. Ou seja, a preocupação
kantiana, desde a primeira Crítica, sempre fora o de constatar a possibilidade da moralidade
humana.
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DA CRISE DAS CIÊNCIAS AO MUNDO-DA-VIDA: O ÚLTIMO HUSSERL
Devair Gonçalves Sanchez
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Fenomenologia; mundo-da-vida; ciências
O presente artigo visa basicamente, num primeiro momento, explorar a postura do método
fenomenológico transcendental em meio à problemática da crise das ciências a partir da metade
do século XIX. Em seguida, deslindar a noção de mundo-da-vida (Lebenswelt) a partir da fase
tardia do pensamento husserliano. Pretende-se indagar qual seja a tipologia da crise na qual
estariam inseridas as ciências, de acordo com Husserl. Para tanto, far-se-á uma análise detida na
obra A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental. Para Husserl, a fenomenologia
transcendental deve ocupar-se com a análise dos fundamentos últimos de todas as ciências. A
necessidade de uma busca por fundamento provém da perda de sentido das ciências de um modo
geral e da própria filosofia em seu momento de crise, enquanto ciência das ciências. O conceito
de mundo-da-vida como proposta de reflexão na fenomenologia “tardia” equivalerá a um novo
panorama acerca da investigação do sujeito e de suas relações intersubjetivas. A abertura de
mundo deve levar em consideração o âmbito pre-categorial das vivências. Descrever as estruturas
que permitem essa abertura de caráter inédito no pensamento husserliano é tarefa do filósofo
como funcionário da humanidade. A busca pelo desvendamento do mundo-da-vida permitirá um
cuidado (Sorgen) com a humanidade também afetada no seio da crise europeia.
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LA MIGLIORE FORTEZZA CHE SIA, È NON ESSERE ODIATO DAL POPULO: A
PERSPECTIVA POLÍTICA DA ANÁLISE MAQUIAVELIANA SOBRE AS
FORTIFICAÇÕES
Douglas Antônio Fedel Zorzo
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CAPES/CNPq
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. José Luiz Ames
Palavras-chave: Maquiavel; guerra e política; arte militar; pensamento militar.
Muito próximo às discussões sobre a práxis governamental, Maquiavel apresentava uma
problemática que havia se revelado essencial para a manutenção das disposições políticas: a
questão militar. A abordagem, que buscava reatar os laços entre guerra e política, é testemunha
de um autor que norteia sua argumentação sobre a temática marcial a partir de posicionamentos
de cunho essencialmente políticos. É justamente mantendo a perspectiva política como pano de
fundo que Maquiavel encarava uma das questões mais proeminentes da arte militar do
Cinquecento: a construção das fortalezas. Nosso intuito, aqui, é o de delinear em que medida a
dimensão política se sobressai à compreensão militar desses mecanismos de fortificação. Em O
Príncipe, notamos Maquiavel fundar sua argumentação em um solo substancialmente político. As
fortificações apenas demonstram certa relevância em Estados onde a relação entre súditos e o
poder soberano não é desarmoniosa, ou seja, onde os governantes não são odiados pelos
governados. As providências militares dependem das deliberações políticas para evitar esse
sentimento popular, pois nenhuma construção arquitetônica é capaz de substituir o lugar
ocupado pelo povo na dinâmica de governo. Apenas a benevolência popular é capaz de conferir
segurança e estabilidade ao Estado, e não muralhas, afinal "a melhor fortaleza que existe é não ser
odiado pelo povo". Nos Discursos, as fortificações não apenas aparecem como incapazes de
ocupar um lugar pertencente ao povo, mas também são reputadas como altamente nocivas ao
aparelho estatal, exatamente por fragilizar a relação entre governantes e governados: as
fortificações apenas tornam visível a dominação, cristalizando o ódio dos homens. Assim, a
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crítica às fortificações é depositária das teorias políticas maquiavelianas. Ao destacar o malefício
que essas estruturas acarretavam à coletividade, o que estava em questão não era apenas a
efetividade militar, mas a fragilidade política dos Estados que as fortalezas buscavam maquiar.
Logo, ao basear a segurança estatal em edificações, o papel desempenhado pelo povo no jogo
político não apenas era drasticamente diminuído, mas convertido em algo potencialmente nefasto
à conjuntura política.
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DIFICULDADES CONTRAMAJORITÁRIAS:
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE DO DIREITO EM
HABERMAS
Douglas Maranhão Marques
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – UNIVEL
[email protected]
Orientador: Profª. Ms. Kátia Salomão
Palavras-chave:
Dificuldades
contramajoritárias;
legitimidade
do
direito;
jurisdição
constitucional; democracia
A constante tensão a que vem sido submetida a noção de democracia é alvo de estudo dos mais
diversos campos das ciências sociais, de modo que o próprio direito circunscreve tal pesquisa aos
limites normativos eventualmente aplicáveis a tal imbróglio. A própria noção de legitimidade do
direito enquanto instituto social autônomo dita o tom da discussão democrática, através dos
embates intrínsecos às relações sociais essencialmente conflituosas, uma vez que o controle social
exercido por tal instituição revela uma face eminentemente paradoxal das jurisdição
constitucional enquanto ramo jurídico aplicado: a de estabelecer uma relação de equilíbrio entre a
vontade majoritária, em face da defesa de garantias mínimas substanciais que contenham avanços
políticos indevidos. A opção pela Teoria do Discurso de Jürgen Habermas como critério de
legitimação jurídica não é leviana, uma vez que o filósofo alemão é um dos mais proeminentes
membros da filosofia contemporânea a depositar em critérios de racionalidade os instrumentos
legitimadores do direito, sendo que as esferas das autonomias privadas e públicas coexistem
como fundamentos para as indagações propostas no estudo pretendido. Por fim, a concatenação
do discurso habermasiano com a crise de legitimidade sofrida pela jurisdição constitucional –
consoante a estruturação primariamente alheia ao corpo eleitoral soberano – ensejam a
pretendida análise das dificuldades contramajoritárias emergentes no seio interpretativoconstitucional, sempre tomando por base a efetiva necessidade de estipulação do sujeito de
direitos como ponto de partida para a conceituação dos institutos pretendidos.
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VONTADE E AMOR EM SANTO AGOSTINHO
Prof. Ms. Douglas Meneghatti
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Vontade; amor; emoções; felicidade
A vontade é um dos temas filosóficos mais complexos e que suscitou o interesse de filósofos
como Santo Tomás de Aquino, Schopenhauer e Nietzsche. Os dois últimos acreditam que a
vontade é uma força originária presente na natureza como impulso de toda e qualquer forma de
vida. A partir dessa temática, analisaremos à vontade e suas implicações em Agostinho, tendo
como apoio o texto La filosofia della mente in agostino de Gerard O’Daly. A princípio deve-se frisar
que a vontade está intimamente ligada com o amor e tem por fim último à felicidade. No livro As
confissões, Agostinho sugere que o amor é a medida e a direção da vontade, de modo que
quando a vontade chega ao que lhe é desejado, passa a ser amor. No livro O conceito de amor em
santo agostinho, Hannah Arendt salienta: “amar não é mais do que desejar (appetere) uma coisa por
si mesma [...] o amor é desejo (appetitus)”. Assim, o fundamento de toda a ação é o amor, e a
própria vontade é levada a ação por seu intermédio. Convicto de que o homem está onde se
encontra o seu amor, o bispo de Hipona orienta que nem todo o amor deve ser amado: o homem
deve possuir a diligência de diferenciar as coisas passageiras das eternas, e regozijar-se com as
últimas. Não que as coisas passageiras sejam más em sua origem, compete ao homem reconhecer
sua hierarquia e dar a cada coisa o seu devido valor. Na perspectiva agostiniana, para a qual o
conhecimento implica o amor, quando conhecemos o bem passamos a amá-lo, por isso o homem
sente-se atraído pelo Criador que está no seu “interior”. Ou seja, se não conhecêssemos Deus
não o amaríamos, pois o homem busca o que, de um certo modo, já lhe é presente.
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A SOCIEDADE CHINESA E O DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo
Rosa de Lourdes Aguilar Verástequi
Universidade Estadual de Londrina - UEL
[email protected]
Palavras-chave: Educação de qualidade; avaliação internacional; PISA
O objetivo desta pesquisa é apresentar quais ações foram implantadas pela sociedade chinesa,
governo e escola, que beneficiaram a educação tornando-a de qualidade para todos, levando a
cidade de Xangai alcançar o primeiro lugar no PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes). Compreendemos que pode haver qualidade educacional e desenvolvimento social,
mesmo em lugares que exista alto índice de pobreza. Sendo assim acreditamos que a educação se
constitui através de um processo no qual as mudanças são necessárias e são bem vindas as
modificações que supram a diferença estabelecida entre a educação para a elite e a educação para
as classes menos favorecidas, visando ajustar de forma igualitária e justa a diferença entre acesso,
oportunidade, e a qualidade de ensino. Buscamos através de nossa pesquisa relatar e expor
indicações e possibilidades para uma educação e escola de qualidade. Utilizamos como ponto de
partida o documentário, Destino e Educação: diferentes países, diferentes respostas (2011), exibido
pelo canal Futura em parceria com o SESI e pesquisa bibliográfica acerca de textos sobre: a
Educação, Avaliação, Órgãos Governamentais, UNESCO, Organização e Gestão da Escola.
Ressaltamos que o sucesso deste processo que mudou a realidade educacional dos grupos menos
favorecidos da sociedade chinesa se deu através da implementação de políticas públicas que
geraram investimento na educação, na modernização, nas pesquisas, treinamento dos professores
e também pelo fato de que as famílias assumem um papel de grande importância frente à
Educação de seus filhos.
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A PRIORIDADE DO TEMPO EM RELAÇÃO AO ESPAÇO NO PENSAMENTO DE
BERGSON
Eleandro Lopes Depieri
Maria Constança Peres Pissarra
Mestrando Diversitas- FFLCH/USP
[email protected]
Palavras-chave: Tempo; espaço; duração; intuição; método
A partir do resgate de alguns conceitos-chave, pretende-se analisar e compreender o problema da
relação tempo/espaço na filosofia bergsoniana. Afirmando que há duas maneiras de conhecer,
uma que se coloca do lado de fora do objeto, e a outra, por outro lado, que procura penetrar no
objeto do conhecimento, misturando sujeito e objeto numa mesma realidade, Bergson, afirma
que a primeira se prende a um ponto de vista, construindo uma ideia parcial do objeto, e a
segunda, por sua vez, apresenta-se como forma ampla e global de conhecimento. A ciência
moderna, na perspectiva bergsoniana, sustenta-se a partir apenas da primeira forma de
conhecimento, tendo em vista que se baseia somente na observação e análise do objeto. Assim,
para o autor em questão, essa ciência é responsável por construir um conhecimento parcial e
fragmentado. O caminho para se alcançar o conhecimento pleno da realidade consiste na adesão
da intuição como método. A intuição, para Bergson, é o método pelo qual se pode atingir um
conhecimento da realidade como uma totalidade. Ao contrário do método da ciência moderna, a
intuição, estabelece que a realidade deva ser pensada a partir do tempo e não do espaço. Com
base no conceito de intuição, o presente trabalho pretende compreender a inversão conceitual e
metodológica que Bergson promove ao considerar o tempo como prioridade em relação ao
espaço e, a partir dessa análise, resgatar a importância do pensamento bergsoniano, recolocandoo como elemento central para a compreensão do pensamento contemporâneo.
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A COMUNIDADE CIENTÍFICA NAS CIÊNCIAS PURAS E APLICADAS
Erickson dos Santos
[email protected]
Palavras-chave: Ciência; tecnologia; comunidade
A comunidade científica tem imensa diversidade na sua composição. Sabe-se que seus numerosos
grupos agregam pessoas provenientes de carreiras concebidas, tradicionalmente, como
tecnológicas. Essa multiplicidade de pessoas confere diversidade na distribuição de valores,
composição de ideias, teorias, grupos e instituições que a ciência e a sociedade atual propagam
como representantes do conhecimento. Aquele que faz a ciência básica e aquele que faz a
aplicada, porém, não se distinguem, segundo Stokes (2005). Mas um praticante de alguma ciência
não pode ser descrito somente pela sua formação acadêmica (graduação, mestrado ou
doutorado). Sua linha de pesquisa, que nem sempre está ligada ao seu quadro de formação
original, também não pode ser o limite para que ele seja reconhecido como um cientista ou não.
De fato, a área de prática de investigação deve indicar para qual grupo tem de responder quando
expõe suas teorias e trabalhos a serem publicados. Desse modo, a responsabilidade da
comunidade é ser o juiz dos trabalhos que precisam ser avaliados como pertencentes ou não ao
campo científico e, também, quais, de fato, são de alcance notável para contribuir com a
continuidade daquela referida ciência. Assim, a proposta é estabelecer se há distinção para uma
comunidade de cientistas “puros” ou “aplicados”.
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SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA EM HEIDEGGER
Felipe Ricardo Deuter Becker
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados - PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Libanio Cardoso
Palavras-chave: Filosofia; ciência; Heidegger
Na Introdução à filosofia (1929), Heidegger distingue filosofia de ciência. Nosso objetivo é
acompanhar essa distinção, ocupando-nos do modo como, em cada caso, o ente é considerado.
De fato, tanto a filosofia quanto a ciência parecem se preocupar, "em teoria", com o ente. Por
muito tempo, a filosofia foi mesmo vista como ciência. Se a questão parece ser a mesma – o que
é o ente? – qual será a diferença entre elas? Seria apenas o fato de a ciência se ocupar "na prática",
enquanto a filosofia se ocupa teoricamente com o ente? Não nos parece que seja assim. Apesar
de que, quando começamos a enunciá-la, uma distinção incisiva entre filosofia e ciência soe
estranha, podemos perceber que o núcleo que determina a ciência como ciência é bem diferente
do núcleo filosófico. Não pretendemos apresentar uma distinção histórica, isto é, contar como
cada qual se constituiu; pretendemos investigar o que elas são essencialmente, conforme a
distinção heideggeriana proposta na obra mencionada. Isto implica pôr em jogo a determinação
própria da filosofia e da ciência à medida que esses "saberes" se relacionam com o ser-aí em seu
modo de ser, ou seja, à medida que são comportamentos possíveis do ser-aí junto ao ente. Para
apresentar a distinção, pontuaremos, a partir da Introdução à filosofia: (a) o sentido de "verdade"
para a ciência e para a filosofia; (b) o modo como cada uma concebe história e historiografia; (c)
a relação de cada qual com a facticidade e o fático (facticidade e factualidade).
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LINGUAGUEM E POLÍTICA EM THOMAS HOBBES: CONSIDERAÇÕES SOBRE
O ESTATUTO DA LINGUAGEM
Francieli Constantini
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Alessandro Pinzani
Palavras-chave: Linguagem; política; signos; contrato; Hobbes
O presente trabalho procura analisar a relação que há entre linguagem e política na articulação do
pensamento de Thomas Hobbes, principalmente no que tange a argumentação da instituição do
estado civil, mediante o consenso das vontades dos homens, reunidas e acordadas na convenção
do contrato social. Posto que seja pelo contrato, que os homens abandonam sua fatídica
condição natural, nos interessa verificar as prerrogativas deste ‘evento’ sob os sinais da
linguagem, haja vista a ressalva de Hobbes de que sem a linguagem não poderia haver entre os
homens, nem Estado, nem sociedade, nem contrato e tanto menos a paz. Ademais, nota-se a
função díade que a linguagem conserva; é positiva, na medida em que contribui para o avanço do
conhecimento ao auxiliar adequadamente à razão no cálculo com nomes; e negativa quando
produz engodos e inverdades que levam ao erro e a sedição. Tal caracterização destaca o valor da
linguagem no interior da filosofia hobbesiana, operando positiva e/ou negativamente,
dependendo dos contextos, ações e intenções dos homens.
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ANÁLISE DO NOVO PRINCÍPIO DE REALIDADE E DO
LUGAR SOCIAL DA NEGAÇÃO EM HERBERT MARCUSE
Gerson Lucas Padilha de Lima
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Rosalvo Schütz
Palavras-chave: princípio de desempenho; lugar social da negação; novo princípio de realidade
Para Marcuse a visão de que apenas o proletariado de fábrica é o agente social da revolução não
mais se coaduna com a realidade do capitalismo. Esta constatação levou a considerar necessário
ampliar o lugar social da negação herdado da tradição marxista. Isto não o levou a fazer uma
revisão, mas uma restauração do pensamento marxista, libertando a dialética dos conceitos
petrificados, unindo-a com a práxis e assim pensando a realidade a partir daquilo que é possível e
deveria ser. Marcuse parte do referencial teórico freudiano da contraposição do princípio do
prazer e da realidade, para pensar um novo princípio de realidade, orientado por mudanças
qualitativas no plano psíquico e social do ser humano. Estes novos aspectos revolucionários
podem ser encontrados em temas como arte, a sensibilidade, os movimentos sociais e outras
formas de anseios e necessidades concretas.
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A MULTIDÃO DE ESPINOSA E A PRIMAZIA DA RESISTÊNCIA DE FOUCAULT
E DELEUZE NA TESE DE NEGRI E COCCO EM “GLOB(AL):
BIOPODER E LUTA EM UMA AMÉRICA LATINA GLOBALIZADA”
Gilson Arend
Vania Sandeleia Vaz da Silva
[email protected]
Palavras-chave: Resistência; multidão; Espinosa; Foucault; Deleuze
Antonio Negri e Giuseppe Cocco no livro Glob(Al): Biopoder e luta em uma América Latina
globalizada, publicado em 2005, questionam as interpretações dominantes a respeito da dependência
latino-americana a partir do conceito de multidão – originário do filósofo holandês Bento
Espinosa (1632-1677) – e da noção de primazia da resistência – tal como formulada por Michel
Foucault (1926-1984) e por Gilles Deleuze (1925-1995). Se concordarmos que “a tendência à
recomposição da frente global das lutas dá um caráter de urgência à retomada de um debate
teórico, tanto múltiplo, quanto voltado para a construção de bases comuns”; será que Negri e
Cocco (2005, p. 17) foram capazes de apresentar a resistência da multidão (“a nova figura subjetiva que
o proletariado forjou para a própria expressão constituinte”) de modo a conferir “universalidade à
análise revolucionária”?
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A PROPOSTA DIALÓGICA DE PAULO FREIRE NO AMBIENTE HOSPITALAR:
A INCLUSÃO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA
Giovanna Takata Liberatti
Universidade Estadual de Londrina - UEL
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
Palavras-chave: Dialogicidade; educação de criança hospitalizada; pedagogia hospitalar
Esta pesquisa tem como objetivo ressaltar a importância do diálogo no ambiente hospitalar, com
a finalidade de promover a educação das crianças internadas. Para isto, veremos a situação crítica
das crianças hospitalizadas; depois, ressaltaremos as características humanizadoras do diálogo e,
por último, trataremos de observar a situação especial do diálogo em ambiente hospitalar e seus
benefícios. O referido diálogo apresenta características particulares, tendo como sujeitos do
processo o paciente, a equipe médica, os educadores e a família, entre outros. As características
particulares do ambiente hospitalar trazem situações não convencionais na educação formal. A
importância da pesquisa é que existe uma carência sobre o tema proposto no meio acadêmico, e
também a necessidade de levantar uma reflexão sobre a necessidade e os benefícios que traz a
modalidade de ensino proposta. A pesquisa é bibliográfica e temos como principal referencial A
Pedagogia da autonomia, a Pedagogia do oprimido e a Pedagogia da esperança de Paulo Freire. O trabalho
pretende trazer uma colaboração acadêmica através da reflexão sobre a necessidade do diálogo e
sua potencialidade na práxis docente e também de alguma maneira colaborar com o desempenho
dos docentes que exercem a pedagogia hospitalar.
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O CARÁTER ONTOLÓGICO DOS CONCEITOS DE “NÁUSEA”, EM SARTRE, E
DE “ANGÚSTIA”, EM HEIDEGGER
Guilherme Gonçalves Ribeiro
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Filosofia da existência; tonalidades afetivas; angústia; náusea
O debate a respeito de conceitos filosóficos centrais para dois pensadores implica que,
primeiramente, se apresente o significado de cada conceito a partir da filosofia em que aparece.
Pretendemos tratar da “angústia” na filosofia de Heidegger, em especial como concebida em Ser e
Tempo (1927), e, em seguida, do conceito de náusea em Sartre, conforme exposto, sobretudo, no
romance A Náusea (1938), com isso buscaremos fazer uma comparação mostrando em que
medida estes dois conceitos podem ser vistos de forma ontológica. Heidegger compreende que a
constituição ontológica dos entes é composta por traços existências, referindo-se ao o ser-aí,
(Dasein), que não se fundamenta por uma essência porque é puramente existência, um âmbito que
possibilita ao ser se “apresentar como” dentro de um contexto. O ser-aí não se define como um
ente entre outros, mas sim como uma abertura que possibilita todos os sentidos de ser. A
disposição é um dos traços existenciais, e diz respeito à forma com que mundo se abre. É
fundamental que o ente se apresente como algo em determinado contexto, mas, antes disso, que
o contexto em geral toque afetivamente o ser-aí. A angústia é a mais fundamental entre o que
Heidegger chama de “disposições afetivas”. O ser-aí se dá inicialmente conta de si mediante uma
dessas disposições; e a Angústia abre o mundo: deixando o ser distante e sem fundamento,
esvaziando todos os sentidos dos projetos vividos e o projeto em geral, ou seja, angústia permite
que o ser-aí se veja fora do contexto em que está inserido como ente, permite que o ser-aí se veja
frente ao seu próprio ser e possa decidir-se livremente por se assumir ou fugir. O conceito
sartriano de "náusea", por sua vez, indica um sentimento de estranhamento com o mundo e
consigo mesmo. Aparentando ser um caráter ôntico e não ontológico, primeiramente, a náusea
permite que o homem perceba sua existência como algo indiferente no mundo, e pior, como algo
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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que o magoa, mas, simultaneamente, não há modo de fugir dessa existência. No entanto, segundo
a leitura feita, a náusea pode se revestir de um aspecto ontológico, uma vez que joga o próprio
homem face à sua existência e lhe permite enxergar que ele mesmo é a náusea que o corrói e que
não há como escapar dela, apenas aceitá-la.
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O ENSINO DA FILOSOFIA,
A EJA E A ESCOLA JOAQUINA MATTOS – CEEBJA/CASCAVEL, PR
Hélio Clemente Fernandes
[email protected]
Nilva Aparecida F. da Silva
[email protected]
Palavras-chave: Filosofia; humanização; história; EJA; sujeito
Intenta-se com este trabalho realizar algumas considerações acerca da educação de jovens e
adultos (EJA) tendo como ponto de observação as aulas de Filosofia realizadas no Escola
Joaquina Mattos Branco, CEEBJA, Cascavel-PR, em maio/junho de 2013. A partir do
materialismo histórico dialético objetiva-se contribuir com o debate sobre a importância dos
estudos filosóficos. Entendemos ainda que toda educação precisa contribuir com a hominização,
isto é, o homem é o centro de toda ação pedagógica que visa a emancipação do ser social. O
referencial teórico que perpassa esse trabalho liga-se ao materialismo histórico-dialético, pois
compreendemos que as categorias de totalidade e contradição são fundamentais em toda
investigação científica.
Nesse intuito e por questões teórico-metodológicas, num primeiro
momento, apresenta-se um breve resgate histórico do ensino da Filosofia no Brasil, tendo como
parâmetro a EJA. Na sequência, realiza-se uma pesquisa de campo entre os 43 estudantes que
frequentaram esta disciplina. A finalidade é perceber as contribuições do ensino da Filosofia para
com a formação do sujeito humanizado, consciente e participativo. Por fim, algumas
considerações finais são elencadas.
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CONHECIMENTO DO MUNDO EXTERNO NO PENSAMENTO DE DESCARTES
Isis Moraes Zanardi
Centro Universitário Franciscano
[email protected]
Orientador: Profª. Solange Dejeanne
Palavras-chave: Deus; conhecimento de si; mundo externo
Descartes afirma que o conhecimento que temos em sua mente é certo, pois se tem
conhecimento sobre si mesmo, e que não pode duvidar de suas crenças acerca da sua própria
existência e de seus próprios pensamentos. Este conhecimento contém três atributos: é
incorrigível, desde o momento que não se pode enganar acerca das crenças sobre si mesmo; é
imediato, toda a vez que tem conhecimento sobre seus pensamentos, tem consciência deles; e é
evidente, de tal modo que se pensa em algo, sabe que este pensamento está realmente
acontecendo. Descartes na obra O discurso do Método redigiu
os preceitos metodológicos
complementares da evidência, que devem seguir os imperativos da razão. De acordo com esses
preceitos, a partir da dúvida (ceticismo metódico), Descartes acaba por descobrir uma primeira
certeza: ego cogito, ergo sum - penso, logo existo. O método descrito e aplicado pelo filósofo tinha
por preocupação como conhecemos e como podemos ter acesso a ideias verdadeiras que fossem
imunes ao erro. E para a realização deste processo, Descartes necessitou analisar cuidadosamente
as fontes do conhecimento, como os sentidos e o próprio, espírito, lançando mão no último caso
da hipótese da existência de um Deus enganador. A proposta do trabalho será a partir do que o
autor entende como “eu”, cuja existência é descoberta através do cogito e este é “ uma coisa que
duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que
sente” (DESCARTES, 1979, p. 95). Descartes não invalida a hipótese do Deus enganador e eis o
porquê se deve a analise se há um Deus e se ele não é enganador sob pena de Descartes ter que
suspender o juízo acerca do mundo externo ao sujeito pensante.
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KANT E A FUNDAMENTAÇÃO DE DEVERES MORAIS A PRIORI
Jaime José Rauber
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR
[email protected]
Palavras-chave: Kant; teoria moral; fundamentação
O objetivo da presente comunicação consiste em mostrar que os princípios éticos estabelecidos
com base na filosofia moral de Immanuel Kant são necessários e universais e que, como
consequência, não abrem espaço nenhum para exceções. Tal exigência é fruto do sistema da
filosofia kantiana que, por princípio, apresenta-se livre de toda e qualquer influência sensível. Na
Dissertação de 1770, Kant já deixou claro que a filosofia moral e os conceitos morais devem ser
tratados sob um viés metafísico, ou seja, por uma filosofia pura, que não recebe nem busca nada na
experiência sensível. Nessa mesma linha de raciocínio, na Crítica da Razão Pura afirma que, no que
se refere à natureza, a experiência pode nos dar conceitos empíricos e é fonte da verdade, mas no
que se refere às leis morais "a experiência é (infelizmente!) a madre da aparência e é altamente
reprovável extrair as leis acerca do que devo fazer daquilo que se faz ou querer reduzi-las ao que é
feito" (CRP, B 375). Se, na primeira Crítica, Kant mostrou que é somente pela razão pura que se
pode alcançar um conhecimento seguro, isto é, um conhecimento que seja necessário e universal,
este é também o caminho adotado pelo autor para estabelecer o princípio supremo da moralidade
(imperativo categórico) e os fundamentos de toda a sua teoria moral, o que fica evidenciado na
Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática. Uma teoria moral na qual a
experiência constitui seu fundamento não alcança necessidade nem universalidade, que são as
características marcantes de um princípio moral puro (a priori). Com efeito, os deveres
estabelecidos com base no imperativo categórico encontram seu fundamento na razão prática
pura e, como tais, não abrem espaço algum para exceções, uma vez que qualquer exceção
pretendida encontra seu fundamento em princípios sensíveis e não na razão pura.
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90
A CONCEPÇÃO DE NATUREZA HUMANA NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE
GRAMSCI
Jarbas Mauricio Gomes
PPGE-UFSCar/CNPq
[email protected]
Palavras-chave: Natureza humana; filosofia da práxis; Gramsci
O presente trabalho é uma analise da concepção de natureza humana a partir dos Quaderni del
Carcere (Q) de Antonio Gramsci (1891-1937). O problema da natureza humana emerge como
parte de sua reflexão sobre os fundamentos da filosofia da práxis, enquanto critica a
sistematização da concepção de mundo dos grupos sociais subalternos. Para Gramsci, toda
Filosofia tem início com a reflexão sobre a natureza humana, cuja concepção não é ponto de
partida da investigação, mas o seu resultado. A concepção de natureza humana deve ser deduzida
da observação do homem e de sua vida e, por isso, não pode ser encontrada no homem
particular, mas, sim, em toda a história do gênero humano (Q 7 § 35). Este princípio está
implícito, para Gramsci, inclusive na proposição moderno-burguês de que é “homem” aquele que
tem posses, uma realidade historicamente situada acerca da posição dos indivíduos no mundo e
na vida social (Q 15 § 29). Para ele, não se pode subtrair da concepção de natureza humana a sua
historicidade, isso criaria uma concepção genérica que conduziria ao anacronismo por conceber
que o homem é sempre o mesmo no tempo e no espaço (Q 10 §12). Por ser histórica, a natureza
humana se realiza na síntese unitária entre pensamento (filosofia) e ação (política), mediada pelas
relações entre os homens e as forças materiais presentes na direção política e na transformação da
natureza (Q 10 § 48). Ao pensar sobre si e os outros, o homem quer saber aquilo que é e aquilo
que pode vir-a-ser. Em outras palavras, à medida que cria a si mesmo. Por este motivo, a
indagação sobre o que é o homem e a sua natureza é a primeira e a principal pergunta da
filosofia. (Q 10 § 54). Para Gramsci, na filosofia da práxis a concepção de natureza humana é
sempre datada, resultado de uma investigação dialética acerca do Ser e daquilo que o homem é em
sua totalidade histórica, sem desconsiderar suas contradições e particularidades.
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LEIBNIZ E A SUPERAÇÃO DA NOÇÃO CARTESIANA DE SUBSTÂNCIA
Prof. Dr. João Antônio Ferrer Guimarães
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Racionalismo; substância; mônada
O cartesianismo impôs à modernidade uma nova perspectiva para a noção de substância. Ou seja,
o cartesianismo reelaborou a noção de substância tendo em vista a superação da noção
aristotélico-escolástica – mais precisamente a noção de forma substancial – que se impunha como
única resposta possível para a investigação metafísica e consequente interação do ser na
multiplicidade dos entes. Ao propor o dualismo substancial, Descartes impôs uma distinção não
apenas entre substância infinita e substâncias criadas, mas também entre pensamento e matéria;
este aspecto, se por um lado reduzia a quantidade de elementos aptos ao status de substância, por
outro lado implicava o acréscimo de problemas que levaram a um conflito e consequente
desconfiança sobre a existência real das substâncias nos termos do cartesianismo. Leibniz surge
em plena vigência do problema da relação entre matéria/mundo pensamento/sujeito; ou seja,
enfrenta o problema de como explicar a essência da realidade via noção de substância, bem como
da possibilidade de comunicação entre substâncias. Ao mesmo tempo em que pretende
impulsionar o racionalismo, acredita ser possível uma síntese partindo da posição cartesiana e
incorporando elementos da tradição – recuperando basicamente a noção de forma e a noção de
causalidade final, ambas eliminadas pelo cartesianismo – com o intuito de apontar um novo
sentido para a noção de substância. A estratégia para a superação do cartesianismo consiste em
apresentar o real sob dois aspectos: por um lado o substancial é apenas o inextenso, negando,
portanto, a res extensa como substância e, por outro lado, afirmando que as substâncias são
infinitas. A noção de Mônada – derivada do grego monas, unidade, um – é uma força indivisível
que dá forma aos corpos compondo suas características essenciais e contendo em si, portanto,
atividade plena. Pretendemos mostrar como, tomando a noção de Mônada como única
substância, Leibniz pretende superar a noção cartesiana de substância.
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FILOSOFIA E DIREITO:
A CONTRIBUIÇÃO DE E. PACHUKANIS PARA A CRÍTICA MARXISTA DO
DIREITO
João Guilherme Alvares de Farias
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
[email protected]
Palavras-chave: Direito e marxismo; forma jurídica e forma mercantil; sujeito de direito e
capitalismo
Alysson Mascaro (2010) afirma que a filosofia do direito, que é tão somente um tema da
filosofia, pode, por vezes, apresentar-se, tanto para os juristas, quanto para os filósofos, como
um ponto de “intersecção” que acaba por alijar a ambos. Por isso, a importância desta
comunicação reside em ampliar o debate em torno da filosofia e do direito. Desse modo,
o presente estudo visa apresentar o pensamento de Evgeni Pachukanis (1891-1937), jurista
soviético que colaborou para o desenvolvimento da crítica marxista do direito. Pachukanis
desempenhou importante papel junto à Revolução de Outubro de 1917, processo no qual
esteve presente como “juiz popular” do Comitê Militar-Revolucionário e, mais tarde, como
membro do Tribunal de Cassação do Comitê Central Executivo da RSFS da Rússia. No
entanto, foi apenas em 1924 que Pachukanis, como membro da Academia Comunista,
promoveu uma verdadeira revolução no modo de conceber o fenômeno jurídico, isto é, com
a publicação de sua obra Teoria Geral do Direito e Marxismo, evidenciando a natureza íntima do
direito no processo de valorização de troca: elemento que possibilita, por meio da
subjetividade jurídica, o intercâmbio de mercadorias. É assim que, partindo da rigorosa leitura
da obra de Marx, Pachukanis se utilizará do método presente em O Capital, para reconstruir o
direito como totalidade concreta (KASHIURA, 2013), o que nos permitirá perceber que “o
direito é a lógica de reprodução do capital” (MASCARO, 2013) e que, portanto, a forma
jurídica, cuja elaboração teórica parte da categoria mais abstrata, isto é, do sujeito de direito,
está para o direito tal qual a forma mercantil, projetada na mercadoria, está para a economia
política.
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LAKATOS: A CRÍTICA À PESQUISA CIENTÍFICA
João Vitor de Oliveira Rego
Pedro Augusto Baleroni
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Filosofia.Ciência.Pesquisa.
Imre Lipschitz nasceu em Decebren, Hungria, no ano de 1922, e lá viveu com sua família de
origem judia, se formou na Universidade local, cursando Física, Matemática e Filosofia, por sua
família sofrer perseguição Nazista, alterou seu nome inúmeras vezes, por fim fixando em Imre
Lakatos, em homenagem ao matemático Grego Lakatos, por seus estudos em Geometria.
Durante o auge do Partido Nazista, Lakatos participou ativamente do partido Comunista
húngaro, onde auxiliou a produção de um manifesto do partido Comunista Húngaro, por
motivos internos saiu do partido, e foi a Lodon School of Echonomics, onde focou seus estudos
inicialmente em Geometria Analítica e, por fim, em Filosofia da Ciência, Epistemologia. Na sua
primeira obra, Criticism and the growth of knowledge, Imre Lakatos apresentou uma teoria
Falsificacionista, em resposta a obra de Thomas Khun, nessa obra Lakatos apresentou que o
conhecimento é uma forma de adaptação da natureza ao homem, de forma que a visão do
homem é revisada sobre o objeto “observado”, assim tendo uma forma de equívoco, mas
podendo conter nela o necessário para ser considerada relevante e até mesmo verdadeira no
momento. Em sua segunda obra, Proofs and Refutations, Imre formulou um teorema de base na
geometria analítica, a partir da relação e interação das informações presentes nessas formas, nessa
mesma obra ele apresenta que nenhum teorema é perfeito, sendo somente justificado a partir de
exemplos para a época. Em sua terceira obra, The Methodology of scientific research Programes, Lakatos
apresenta que, ao contrário do que se quer apresentar, a ciência não é neutra e imparcial, mas
tende ao que o cientista tem como conceitos e pré-conceitos, diz também que a ciência não é
feita individualmente, mas por um núcleo de pesquisa, sendo esse atual ou do passado, circulado
por um “cinturão”, defendido por bibliografia e conhecimentos prévios. Sua última obra,
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Mathematics, science and epistemology, é considerada a continuação de sua terceira obra, nela ele
discorreu sobre seu pensamento e todas sua obras anteriores, formulando uma antítese delas,
onde ele adapta seu teorema matemático para sua concepção de epistemologia.
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A IMPOSSIBILIDADE DA FELICIDADE PLENA SEGUNDO MICHEL HENRY
João Willian Stakonski
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
[email protected]
Palavras-chave: Michel Henry; felicidade; desejo; beatitude
O presente artigo traz reflexões sobre uma interpretação possível das teorias do filósofo
contemporâneo Michel Henry acerca de duas concepções de felicidade defendidas por ele, a
saber, saciedade dos desejos, por um lado, e, por outro, beatitude, a aquietação da alma. O
objetivo deste trabalho é esclarecer, de modo sucinto, a tese de que, segundo o pensamento de
Henry, a felicidade plena é praticamente inalcançável, o que é sustentado pela incompatibilidade
entre o constante desejo e a felicidade. Henry defende que a felicidade é a plenitude da alma e sua
aquietação, mas que o desejo, eternamente inquieto, tenta sempre alcançar o que está além de si e
apossar-se, com sua extensão infinita, de objetos da ordem do finito. Além de uma simples
síntese da teoria henryana, se procurou fazer um paralelo com as concepções de felicidade de
Aristóteles e de Epicuro, buscando similitudes que facilitem a identificação ou resolução deste
problema, como se um mesmo agente unisse sua prática à teoria de Henry e à de um dos dois
outros filósofos, buscando nelas a completude que falta à fenomenologia da vida no que tange à
felicidade.
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WITTGENSTEIN, SUA FILOSOFIA E SEU ‘ENSINO’:
DESAFIOS À PRÁTICA FILOSÓFICA DO PROFESSOR-FILÓSOFO NA
CONTEMPORANEIDADE
José Carlos Mendonça
Bolsista UNESP/CAPES/FAPAC
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo
Palavras-chave: Filosofia; ensino; educação filosófica
O presente trabalho tem por objetivo uma reflexão que vise repensar um ‘sentido’ outro à prática
de filosofia na contemporaneidade, no contexto de ensino, encarando-a como um problema
filosófico. Ou seja, por meio de uma reflexão propositiva, intenta-se repensar a questão da
‘educabilidade’ da filosofia na contemporaneidade, e aí os desafios impostos ao professor e
filósofo, tendo como referência a concepção wittgensteiniana de filosofia como um “trabalho
sobre si mesmo”. A tal objetivo, toma-se como pressuposto aproximações conceituais da
filosofia como atividade à arte de viver, tais como os “exercícios espirituais” de Pierre Hadot e o
“cuidado de si” de Michel Foucault. Tal proposição tem seu bojo tanto em vivências e
experiências de um ofício, o de filosofia, - e, nesta prática, aquilo que me afeta e problematiza na
relação com a filosofia: “Qual é o sentido da Filosofia, e seu ensino, no espaço em que vivemos?”;
quanto na pesquisa de doutoramento em vigor, cuja temática está atrelada ao objeto de análise.
De forma mais precisa, objetiva-se demarcar os principais elementos pelos quais, a partir do
referencial mencionado, quando no contexto de vida atual a ‘filosofia’ e seu ensino, esvaída de
seu sentido educativo, tornou-se um problema de cunho ético-pedagógico. Assim, impõe-se a
questão: “Quais as implicações e os desafios à própria filosofia, e ao seu ensino, com a concepção
de filosofia como um trabalho sobre si mesmo?”. Para o desenvolvimento da questão, propõe-se:
1) Apresentar os principais elementos da noção de filosofia como trabalho sobre si mesmo em
Wittgenstein, circunscrevendo-a em seu contexto problemático; fazendo uma aproximação ao
conceito de “exercício espiritual” hatotiano; 2) Apontar e analisar as implicações éticopedagógicas que a noção de filosofia como “trabalho sobre si mesmo”; fazendo na medida do
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possível uma aproximação conceitual ao “Cuidado de Si” de Michel Foucault; e, por fim, 3)
apontar em que medida as mesmas são um desafio à filosofia e aos envolvidos nesta prática, no
contexto de ensino e de vida atual.
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OS VÁRIOS USOS DE LIBERDADE NA OBRA DE MAQUIAVEL
Prof. Dr. José Luiz Ames
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CNPq
[email protected]
Palavras-chave: Maquiavel; liberdade; necessidade; conflito
Libertà é dos termos mais frequentes do léxico maquiaveliano. Apesar de prevalecer o sentido de
liberdade como liberdade política, Maquiavel não reduz seu uso a apenas esta concepção.
Elucidar este sentido mais amplo será importante para compreender sua concepção de liberdade
política. Iremos apresentar em um primeiro momento os usos comuns de libertà, depois a relação
de liberdade e livre arbítrio para, finalmente, mostrar como estes sentidos convergem na
concepção maquiaveliana de liberdade política propriamente dita. Uma primeira acepção geral de
liberdade presente na obra de Maquiavel é a que a identifica com liberdade de cativeiro físico. Neste
sentido, ser livre corresponde a não estar preso, a não ser refém de alguém. É, pois, liberdade
como ausência de submissão ou de servidão; ou, formulado positivamente, liberdade como
afirmação da capacidade de autodeterminação de seu agir. Um segundo uso de liberdade
corresponde à ideia de ser “livre de” no sentido de falta ou de estar desfrutando ou sofrendo a
ausência de algo. Ser livre, neste caso, é não estar dependente de algo capaz de tolher a
capacidade de autodeterminação; ou, como dizia Aristóteles, de impedir alguém de ser causa
interna de seu agir. Uma terceira acepção geral de liberdade é a de um estado mental ou
psicológico, como no caso de sentir-se livre do medo. Neste caso, “medo” é aquilo que tolhe o
poder que a pessoa tem sobre si mesmo e sobre seus atos impedindo-a de ser causa interna de
sua ação, como dizia Aristóteles. Como devemos pensar a relação entre liberdade humana e
necessidade natural? Significaria isso que o homem é livre somente em determinadas condições?
Nos exemplos utilizados por Maquiavel evidencia-se que, devido à presença do livre arbítrio, o
homem é livre sempre, por mais que sua liberdade possa estar limitada ou obstaculizada por
outros fatores. A liberdade não é licença, mas capacidade de ajustar a “natureza” individual
(“modo de ser e de costumes”) à “natureza” dos tempos (a “fortuna”). Na obra de Maquiavel,
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livre arbítrio denota a independência do espírito humano, a afirmação da capacidade humana de
fazer escolhas que situam o homem como responsável pelo curso da história. Na maneira como
utiliza a expressão, fica claro que não concebe livre arbítrio como um poder incondicionado pelo
qual seria capaz de impor-se às adversidades ou de sujeitar seus desejos à razão: o livre arbítrio é
limitado pela fortuna e pela necessidade. No entanto, por fortuna Maquiavel não concebe uma
atividade cósmica abstrata, mas uma força que atua em circunstâncias históricas concretas, em
configurações políticas e sociais bem determinadas e que pode ser enfrentada pela virtù; por
necessidade não concebe a coação inelutável da natureza, física ou humana, mas configurações
históricas ou naturais que atuam como “aguilhão” da ação política. Assim, apesar de enfatizar o
livre arbítrio como capacidade prática de modificar e/ou influenciar os acontecimentos
históricos, não se faz presente a tendência à interiorização própria ao cristianismo da época. Livre
arbítrio não é compreendido como a vida interior do homem que delibera sobre as escolhas
existenciais para decidir-se por aquelas mais concordantes com sua condição espiritual de criatura
diante de Deus. Livre arbítrio, pelo contrário, é a afirmação da capacidade prática do homem de
ser autor da história subtraindo-a das mãos da Providência Divina, mas também de uma fortuna
ou necessidade inexoráveis. O homem é livre (ou é capaz de livre arbítrio), para Maquiavel,
sempre no quadro de uma vida associada, de uma coletividade humana determinada. Libertà e
libero arbitrio não são experiências humanas que podem ser ditas de um singular na interioridade
de seu espírito, mas da relação deste homem com os demais dentro de uma coletividade política.
Maquiavel jamais se ocupa destas expressões como se fossem essências abstratas ou metafísicas.
Assim, libertà é algo que se diz, fundamentalmente, de uma cidade: livre é uma cidade, e ainda que
libertà possa ser uma experiência do homem, pressupõe uma comunidade política concreta na
qual esta possibilidade se realiza. Cidade livre, uma vez que é disso que se trata
fundamentalmente, é aquela que vive sob suas próprias leis (con le loro leggi) e não sob o domínio
estrangeiro. O contrário de cidade livre é servitù, termo que Maquiavel utiliza para caracterizar a
cidade governada por estrangeiros, independente de sob quais instituições governem ou se agem
com clemência ou com crueldade. A salvaguarda da liberdade está em evitar cair, internamente,
na servidão de uma tirania e, externamente, sob a dominação de outra potência.
Consequentemente, a liberdade pode existir em dois planos distintos: a liberdade dos cidadãos
sob uma república e a liberdade da república enquanto forma de organização política diante das
demais potências. Podemos denominar a primeira de liberdade no Estado e a segunda de
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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liberdade do Estado. Uma e outra devem ser entendidas, sobretudo, não como liberdade
individual, mas como liberdade do corpo político no seu conjunto. A liberdade externa, ou
liberdade do Estado, consiste fundamentalmente na autonomia diante dos demais Estados. Livre
é o Estado que se autodetermina. O meio mais importante para assegurar a liberdade externa é a
existência de um exército próprio. A força das armas é também o meio mais eficiente para
readquirir a liberdade quando o Estado sofre uma intervenção estrangeira. A liberdade interna,
ou liberdade no Estado, pode ser equiparada com as estruturas institucionais próprias às
repúblicas. Liberdade no Estado é, assim, antes uma qualidade da coletividade inteira que do que
de algum membro em particular. Podemos distinguir, no tratamento que Maquiavel confere à
questão, uma concepção negativa de outra positiva da liberdade interna. Negativamente, a
liberdade é definida (a) por oposição à tirania, (b) por contraste ao governo principesco e (c)
como ausência de facções. Além destas três modalidades de definição negativa da liberdade
interna, Maquiavel também oferece uma definição positiva a qual consiste, fundamentalmente,
em identificá-la às repúblicas: somente as repúblicas dispõem de estruturas institucionais capazes
de assegurar de modo duradouro o vivere libero. Maquiavel não vê a liberdade como um fim em
si, como uma ideia abstrata ou como um direito natural tal como será considerada a partir dos
jusnaturalistas modernos. A liberdade é valorizada por seus efeitos benéficos sobre o cidadão e a
coletividade. Ela se define na ação e somente nela tem existência efetiva. Importa a Maquiavel a
ação política, a ação pública. Em suma, Maquiavel entende que a liberdade somente pode existir
no seio de uma coletividade que se autogoverna. Isto implica que, para ser livre, é preciso
cumprir determinadas ações (participação ativa na vida pública) e perseguir determinados fins (o
bem público). Maquiavel não imagina que isso aconteça espontaneamente. Cabe à lei produzi-lo:
a lei produz a liberdade ao obrigar os cidadãos a participar da vida pública e ao impedi-los de cair
no precipício onde a ligação entre autogoverno e liberdade civil seria perdida de vista.
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O ALÉM-DO-HOMEM DE NIETZSCHE NA OBRA CRIME E CASTIGO DE
DOSTOIÉVSKI
José Luiz Giombelli Mariani
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo
[email protected]
Palavras-chave: Crime; castigo; ressentimento; Ubermensch; moral
O autor russo Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881) escreveu diversas obras, dentre elas
Crime e Castigo, que é o seu primeiro grande romance. A história narra um crime que se passa em
São Petersburgo. Este crime fora premeditado e fundamentado por uma teoria, segundo a qual a
humanidade era dividida em homens ordinários, que vivem conforme a sociedade e a moral
tradicional e homens extraordinários, que têm atitudes extraordinárias e nada deveriam sofrer
com elas – um exemplo: Napoleão. O protagonista se toma por extraordinário e comete o crime;
porém, antes mesmo de o crime acontecer, ele começa seu castigo, seu ressentimento e sua culpa.
Um filósofo contemporâneo que trata desse assunto é Nietzsche (1844-1900); através do
conceito Ubermensch, ele tem em vista aqueles que ultrapassam o estabelecido e impõem novos
valores. O Ubermensch aqui é visto como criador de novos valores e de uma nova moral,
precisando expulsar de dentro de si o medo, a culpa, a noção de Deus ou de deuses e de
transcendência. O presente trabalho traz uma relação entre a obra de Dostoiévski, da história de
Raskólnikov, com a transgressão do ressentimento produzido por uma moral cristã, examinando
a necessidade de criar novos valores – superando o “homem” –, como pensava Nietzsche.
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A RELEVÂNCIA DA NOVIDADE E DA ALEGRIA PARA A ECONOMIA,
RELIGIÃO E POLÍTICA
Josete Rockenbach
[email protected]
Palavras-chave: Alegria; economia; religião; política; novidade
A novidade merece atenção como um elemento norteador das atividades e das relações entre os
homens. Para a economia, religião e política a novidade é a causa da alegria, e, apresenta-se de
diferentes formas. A economia (SCHUMPETER) explora a ‘inovação’ como estratégia para o
desenvolvimento e crescimento, aumentando o poder de compra, e garantindo a aquisição de
coisas e serviços. Para assegurar o crescimento, fomenta-se que o ‘novo produto’ vai apresentar
algo ‘melhor’, e, ao se tornar real já há outra possiblidade de ser mais alegre na próxima inovação.
O poder de compra é o que se busca, ao mesmo tempo, pelas esferas produtiva e consumidora, e é a
origem do movimento que acontece no sistema econômico. Para a religião cristã, a Boa Nova
indica o único caminho para o Reino de Deus. Jesus, Filho encarnado de Deus traz essa Boa Nova
a todo povo. O Reino se torna realidade quando a missão estabelecida for cumprida e então
reinar entre os homens fraternidade, justiça, paz e dignidade. Anunciar a Boa Nova é para
transformar toda a tristeza em alegria. Quanto à atividade política (ARENDT), esta é para
garantir a todos a liberdade, que se refere à capacidade humana de iniciativa. O indivíduo, ao
iniciar sua ação no mundo comum aos homens, sente a alegria, experimenta a vida com uma
intensidade que supera a mera manutenção da vida. Garantir isso às futuras gerações suscita o
poder e provoca a iniciativa para resguardar a liberdade no mundo comum aos homens. A
inovação, a Boa Nova e a iniciativa suscitam as relações humanas, estabelecem a maneira como as
atividades humanas se realizam, são invocadas como razões para o crescimento e
desenvolvimento global, pessoal e local.
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A FELICIDADE ENQUANTO INTERRUPÇÃO DA DOR –
UMA APROXIMAÇÃO ENTRE ARISTÓTELES E SCHOPENHAUER
Josieli Aparecida Opalchuka
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Ms. Pedro Gambim
Palavras-chave: Eudaimonía; dor; prudência
Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, desenvolve o conceito de felicidade (eudaimonía) ou sumo
bem. A eudaimonía não deve ser associada aos prazeres do corpo, nem às honrarias ou riquezas,
pois que geralmente levam às vicissitudes, mas deve estar associada ao uso da racionalidade na
deliberação tendo em vista a justa medida (ou meio termo). Aristóteles afirma que o homem
virtuoso é aquele que age tendo em vista a moderação e a prudência, evitando os prazeres, e,
portanto, buscando aquilo que é isento de dor. Atento a isto, Schopenhauer afirma que o
eudaimonismo estaria situado entre o estoicismo, que impõe a privação dos prazeres,
desconsiderando o homem como ser repleto de vontade, e o maquiavelismo, em que a busca pela
felicidade depende do outro, pressupondo, neste, a razão necessária para tal. O eudaimonismo
aristotélico nos ensina como viver da maneira mais feliz possível, tendo alguns prazeres enquanto
resultados de boas ações, e sem utilizar outros objetos ou pessoas como possíveis meios para
alcançar a felicidade. Já Schopenhauer frisa que a felicidade completa e positiva é impossível,
podendo atingir, no máximo, momentos relativamente menos dolorosos. Ao pensar na teoria de
Schopenhauer acerca das ideias de caráter adquirido e de autoconhecimento, concebidos meios
para evitar a dor, podemos estabelecer uma relação com a teoria das virtudes e da prudência em
Aristóteles: o caráter adquirido seria uma virtude, se bem delimitado, e o autoconhecimento
corresponderia à prudência, já que evita a dor mais profunda que o humano pode ter, decorrente
da falta de conhecimento da própria individualidade.
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A VIA CRUCIS DA CONSCIÊNCIA EM HEGEL
Juan Manuel Terenzi
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Hebeche
Palavras-chave: Hegel; consciência; dialética
Neste trabalho, pretende-se abordar a consciência e seu movimento dialético sob a perspectiva da
Fenomenologia do Espírito (1807). Hegel, para tanto, opera uma divisão deste momento inicial rumo
ao Absoluto em três partes: 1. A certeza sensível, 2. Percepção e 3. Força e entendimento. Logo,
interessa-nos analisar de que forma o Absoluto já está presente nestes três estágios inerentes à
consciência, e de que forma se desenvolve a dialética hegeliana nessa etapa. Estaremos, ao
mesmo tempo, baseando-nos nas leituras de Hegel efetuadas por Martin Heidegger e José Ortega
y Gasset. Em relação ao primeiro, destacamos o extenso estudo acerca dos parágrafos que
compõem a Introdução da Fenomenologia e que nos ampara em nossa própria leitura, enquanto o
filósofo espanhol realiza uma leitura de Hegel através do prisma histórico e da relevância de
Hegel neste campo teórico. Assim, desejamos acompanhar o processo dialético em Hegel,
verificando como os objetos da consciência se sucedem, aniquilando-se a cada novo movimento,
até chegarem a Força e Entendimento, momento-limite que antecede a consciência de si.
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O ASPECTO REPRESENTATIVO DA IDEIA EM DESCARTES
Juliana Abuzaglo Elias Martins
Bolsista CAPES
[email protected]
Orientador: Profª. Ethel Rocha
Palavras-chave: Ideia; representação; conhecimento; razão
Durante a exposição do que venha a ser uma ideia, no parágrafo 6 da Terceira Meditação,
Descartes nos apresenta uma definição direta e objetiva do que vem a ser uma ideia. Podemos ler:
“Entre meus pensamentos, alguns são como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente o nome de
idéia...”. Nesta definição, cabe ressaltar alguns pontos importantes relacionados à expressão “como
as imagens”: A) A imagem em questão referida pelo filósofo não necessariamente é uma imagem
figurativa. Não se trata de uma analogia com qualquer tipo de representação pictórica.
Representar é um ato mental que pode ou não constituir imagens figurativas. B) Ser como uma
imagem salienta o aspecto representativo e referencial da idéia, pois uma imagem é sempre
imagem de alguma coisa, ou seja, ela visa algo fora dela mesma, ela remete a algo diferente de si
própria, que pode ou não existir fora dela mesma. Portanto uma representação de algo. Em
outras palavras, teríamos uma referência a algo que por si só já faz referência a outro algo. C) O
algo a que a imagem se refere, não necessariamente possui uma existência atual no mundo.
Contrariando novamente o senso comum que além de pensar na ideia como algo figurativo,
normalmente pensa na ideia como representando algo que existe e Descartes expressamente
defende a possibilidade de nós termos ideias de coisas que não necessariamente são no mundo.
D) A semelhança que a ideia propõe tendo em vista principalmente A e B consiste simplesmente
na referência, isto é, trata-se de estabelecer uma relação entre o pensamento e as coisas, mas uma
relação que não é necessariamente de identidade. Nosso trabalho visa expor de modo geral essas
características, para entender melhor a teoria do conhecimento de Descartes.
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O ENSINO DE FILOSOFIA E O ATO DE FILOSOFAR SEGUNDO
MARTIN HEIDEGGER
Katyana Martins Weyh
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Heidegger; educação; filosofia contemporânea; fenomenologia
A presente comunicação se empenha em compreender como a filosofia de Martin Heidegger
(1889-1976) torna pensável o ensino de filosofia na atualidade. Sabemos que este filósofo alemão
é vinculado à escola da fenomenologia e, com base nessa, desenvolve uma análise da realidade
humana com nome de analítica existencial. É exatamente a luz desta análise que pretendemos
investigar como Heidegger interpretaria o ato de ensinar filosofia. A questão que nos propomos
investigar vai ao encontro da ideia de Heidegger segundo a qual o ser-aí já se encontra na filosofia
e que é de sua essência que enquanto existimos filosofamos. Ponderamos que, a partir de algumas
indicações dadas pelo próprio Heidegger, em textos diversos, possamos investigar também qual a
relação fundamental entre o docente e o discente. A seguir, buscaremos entender em que medida
a fenomenologia heideggeriana se relaciona com o ensino da filosofia e do ato de filosofar.
Assim, julgamos poder sustentar a hipótese de que – mesmo que Heidegger não seja considerado
um “teórico da educação” – suas contribuições são importantes e influentes na interseção entre a
filosofia e a educação, bem como ao ensino da primeira.
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O MESTRE ANDARILHO EM NIETZSCHE
Kelly Scherer
Bolsista UFSC/CAPES – DS
[email protected]
Orientador: Profª. Lúcia Hardt
Palavras-chave: Zaratustra, mestre andarilho, labirinto, autossupressão, moral
A pesquisa tem como objetivo investigar a ideia de um “mestre andarilho” em Nietzsche e, em
especial, na obra Assim falou Zaratustra destacaremos da obra seletas passagens, marcadores da
travessia de Zaratustra como prenúncio do além-do-homem e a autossupressão da moral. A
partir daí perceber que aprender e ensinar são parte da trajetória trágica da vida e para
adentrarmos nos ensinamentos do mestre andarilho é preciso seguir seu labirinto de ideias.
Entretanto não demarcaremos na obra os pontos fixos a serem analisados. Serão Itinerários dos
quais se pretende extrair ensinamentos, aprendizados do andarilho em direção ao além-homem.
Por meio de Zaratustra, fio condutor, figura labiríntica, corpo-trágico, maestro dançante,
anunciar uma nova perspectiva sobre o humano, por isso, um estudo para produzir efeitos no
campo da educação e refletir sobre a formação humana. Em Zaratustra, aquilo que se ensina e se
aprende acontece por meio da (autossupressão) da moral e transmutação do niilismo em
afirmação da vida, um contra fluxo na modernidade, cuja questão não está em justapor
conteúdos, seguir uma trajetória planejada, mas enfrentar o que “nos chega” e nesse cultivo do
afirmar a vida. Tornar-se o que se é.
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MAQUIAVEL: A LIBERDADE COMO EQUILÍBRIO DOS HUMORES
ANTAGÔNICOS
Lairton Moacir Winter
UTFPR/UFPR
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Maria Isabel Limongi/Prof. Dr. José Luiz Ames
Palavras-chave: Maquiavel; conflito; equilíbrio dos humores; liberdade
O objetivo desta comunicação consiste em analisar a relação que Maquiavel estabelece entre, por
um lado, o conflito de grandes e povo, e, por outro, a liberdade política. A hipótese central é a de
que a liberdade somente pode ser alcançada mediante um ponto de equilíbrio entre os humores
em conflito. A lei republicana, nascida do permanente confronto dos desejos antagônicos,
subverte o caráter negativo dos humores de grandes e povo e canaliza sua força para a vida
política. A fim de esclarecê-lo, partimos da definição das características dos agentes em conflito,
de acordo com as quais o desejo dos grandes se confunde com um desejo de poder, enquanto o
desejo do povo se associa à liberdade. A liberdade, porém, como à primeira vista parece
significar, não reside no desejo popular, mas entre os dois desejos antagônicos, isto é, num
equilíbrio tenso. Para Maquiavel, a verdadeira liberdade política somente é possível com a
manutenção deste frágil equilíbrio nos modos de desejar de grandes e povo.
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DECLÍNIO, PERDA DA AUTORIDADE E ASCENSÃO DO TOTALITARISMO EM
HANNAH ARENDT
Leandro Mateus Fernandes
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Tarcílio Ciotta
Palavras-chave: Autoridade; totalitarismo; Hannah Arendt; ruptura; política
Um dos fatores preponderantes para o surgimento do totalitarismo, como uma forma de governo
nunca vista, foi o declínio e a perda da noção de autoridade. A compreensão de Hannah Arendt
acerca do totalitarismo e do que este representou enquanto ato político, para a História,
caracteriza-o como terror e atentado à condição e à liberdade humana, já que teria sido o maior
ato de ruptura entre o humano e a política na tradição e na história. Quando a pensadora tenta
compreender o que aconteceu nos campos de concentração, percebe-se a crueldade, a ameaça à
humanidade, já que o totalitarismo, como a forma de terror que impunha suas ideologias, não
tinha explicação em nenhuma outra forma de “governo”, como a tirania ou o poder despótico. O
governo totalitário é uma ruptura, é algo novo que demanda reflexão. Através da investigação
sobre o declínio e a perda da autoridade – esta compreendida como não utilização de meios
externos e coercitivos – será analisada a edificação dos governos totalitários, tornados possíveis
como uma forma de política, consequência de não se saber mais o que a autoridade é ou foi.
Autoridade, antes entendida como a formação de uma vontade comum em uma comunicação
orientada para o entendimento, é uma obediência na qual os homens não são ultrajados de sua
liberdade; sendo assim, ela se contrapõe aos horrores do totalitarismo, que usava da força, da
violência, da burocratização e ideologização das massas, confundido a autoridade com o poder
para cometer suas crueldades. O totalitarismo só se constituiu pela crise constante de autoridade,
cada vez crescente e mais profunda, que acompanhou o desenvolvimento do mundo no século
XX.
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MICHEL HENRY E A CRÍTICA AO REDUCIONISMO-GALILAICO
Leandro Righi de Sousa
Bolsista CAPES/CNPQ
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Silvestre Grzibowsky
Palavras-chave: Michel Henry; reducionismo; vida
Apresentaremos, neste trabalho, a crítica tecida pelo filósofo francês Michel Henry ao que é
chamado por ele de reducionismo-galilaico. Para isso, iremos nos valer, como referência, da obra
de Henry intitulada A barbárie, como também de alguns artigos deste filósofo, que discutem essa
temática. Na referida obra, como nos artigos, esta compilada uma série de argumentos que visam
expor como este modo de entendimento da realidade, proposta por Galileu, operou uma redução
desta. A realidade sendo sempre a da cultura, que é a forma de expressão da própria Vida,
segundo Henry, acaba se tornando apenas uma realidade a ser vista e estudada pela própria
ciência, entendida apenas como ciência-matemática-geométrica. Nesse pensamento iniciado por
Galileu, “tudo o que deseja ser” deve ser passível de demonstração científica, e, assim, ser
reduzida, seguindo dessa forma um télos da evidência. Com isso, a própria Vida entendida por
Henry como a realidade mesma, fica reduzida ao contexto de estudo de uma determinada ciência,
onde o “pensar vivo” não pode se realizar. Não podendo as formas de expressão da vida como
cultura se realizar, a própria Vida, entendida por Henry, também não pode existir. Dessa forma,
abre-se caminho para pensar uma cultura sem vida, o que no final não se irá realizar. Assim como
argumenta Henry, a própria ciência é uma forma de cultura que expressa um certo modo a Vida,
mesmo que de forma redutiva.
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EROS E CIVILIZAÇÃO - CAPÍTULO 1
A TENDÊNCIA OCULTA NA PSICANÁLISE
Letícia Nunes Goulart
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Rosalvo Schütz
Palavras-chave: Civilização; homem; repressão
A partir da perspectiva de Freud, Marcuse observa que a repressão já está diretamente ligada à
história do ser humano, e que a dominação dos instintos por meio da repressão não é imposta
pela natureza, mas pelo próprio ser humano; portanto, a história é construída. Em primeira
instância, Marcuse afirma que esse progresso histórico tem objetivos naturais e se relaciona a
instintos básicos do homem, o que seria compatível com a sua própria preservação. Para essa
preservação histórica de sua existência, o homem tem sufocado e reprimido o principio de
prazer: o que sobressai por meio do inconsciente e o que é reprimido acaba não sendo eliminado.
“Portanto, os instintos têm de ser desviados de seus objetivos, inibidos em seus anseios” (1975,
pg. 32), e acabam sendo abandonados. O processo sócio-histórico do homem não regenera
totalmente a busca pelo prazer, pela satisfação, mas adia o prazer e mesmo tolera o desprazer em
vista de um prazer futuro. Colocando o homem em sua original direção básico, transformando
seus objetivos em manifestações de prazer. Nesta transformação, Marcuse vem nos explicar que
os valores instintivos governam os anseios em valores de dominação de um modo probatório. De
satisfação imediata, passa-se para satisfação adiada; de prazer, para restrição do prazer; de júbilo
(atividade lúdica), para esforço (trabalho); de receptividade, para produtividade; enfim, de
ausência de repressão, para segurança. Freud o compreende como o jogo entre princípio de
prazer e princípio de realidade. Os processos culturais e civilizatórios criam uma força repressiva
capaz de refrear e garantir a convivência mais ou menos pacifica. O que Freud concebe como
princípio de realidade é a força modeladora chamada por ele de repressão. A atividade mental
retrai-se, evitando qualquer operação que lhe possa causar prazer, dando origem às sensações de
desprazer, causando confusões com o próprio meio natural do ser humano. “O indivíduo chega à
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compreensão traumática de que uma plena e indolor gratificação de suas necessidades é
impossível”. (1975 pg.33). O princípio de realidade acaba superando o princípio de prazer e o
homem acaba renunciando a todo prazer momentâneo, substituindo-o pelo prazer restrito; mas
garantido, com o tempo o princípio de prazer fixa uma realidade, uma adaptação do Eros,
implicando sua própria transubstanciação e estabelecendo a restrição do prazer.
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SIMONE DE BEAUVOIR:
UMA ANÁLISE EXISTENCIALISTA DA FÊMEA MULHER
Luana Marques
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Sexo; fêmea; mulher
A divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não um momento da história humana.
Desde então, a mulher foi submetida ao papel de frívola, pueril, irresponsável, submetida ao
homem. Simone de Beauvoir, ao escrever “o segundo sexo”, rompe com esse destino feminino e
faz de sua vida algo completamente diferente do esperado para uma mulher, principalmente para
uma mulher do século XIX. Em seu livro, ela faz uma análise existencialista do que é ser mulher,
investigando até sua condição biológica. Tenta mostrar como “a realidade feminina” se constitui,
e por que a mulher foi definida como o Outro ou Segundo Sexo. Para Beauvoir, o homem é
quem representa o lado positivo e o neutro, tanto é que “homem” é indicado pelo uso comum
para designar seres humanos em geral, enquanto a mulher sempre é o negativo, definido por
critérios de limitação. Até mesmo os biólogos diziam que a mulher nada mais é, que o sexo
passivo. A partir desse pressuposto o homem nega e impõe a sua superioridade sobre a fêmea.
Beauvoir, para se livrar dessas amarras, anuncia a radicalidade de que, se cada pessoa é formada a
partir da sociedade que é criada, cada mulher singular é livre e responsável para criar sua própria
moral existencial, bem como livre e responsável para lutar por espaços econômico-sociais que
retirem a mulher da condição de corpo destinado a viver “supostas essências femininas” traçada
pela ditadura dos machos. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”(BEAUVOIR, 1980 p. 9). Acreditar
que existe, enquanto essência, um “lugar da mulher” na sociedade seria uma atitude comodista e
equivocada, retirando da mulher exatamente a sua única força capaz de criar seu próprio destino,
a sua liberdade de escolha em traçar caminhos diferentes, inclusive os considerados “impossíveis
para a mulher”. Portanto, o que existe é uma construção econômico-ideológico-jurídico-
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discursiva-social que, criada com base em opressões e dominações, tenta enquadrar a mulher em
papéis não escolhidos por ela própria.
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A AUTONOMIA EM KANT, A FUNDAMENTAÇÃO MORAL E A AÇÃO EM SI
Luana Pagno
Universidade Federal da Fronteira Sul
[email protected]
Palavras-chave: Hetoronomia; autonomia; moralidade
Através de estudos da ética em Kant, o objetivo do trabalho de pesquisa é demonstrar a
importância da autonomia para a doutrina moral no jugo da ação humana, procurando traçar, ao
final, uma pequena diferença entre uma ação moralmente fundamentada e uma ação correta, bem
como o impacto disso na moralidade kantiana. Deste modo, levando em consideração que ao
discutir ética se discute sempre a fundamentação da moral e, portanto, o que é base para saber se
as ações dos homens são corretas ou não, o trabalho tem a pretensão de analisar todos os
elementos que fundamentariam a moral na doutrina ética kantiana. Assim, serão apresentados,
passo a passo, todos os elementos fundamentais, pelos quais, em Kant, uma ação seria
moralmente correta – tais como o dever, a boa vontade, a autonomia, entre outros. A partir daí,
será discutido se todos esses elementos são somente possíveis pelo princípio de autonomia, como
também o motivo por que autonomia e heteronomia são importantes para uma ação moralmente
fundamentada (embora a autonomia não seja necessariamente a base para uma ação correta na
ética kantiana); por fim, avaliaremos as consequências disto.
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CIDADE EM QUESTÃO: DEBATES ACADÊMICOS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO
DAS CIDADES E DE QUESTÕES URBANAS
Lucas Eduardo Gaspar
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CNPQ
[email protected]
Orientador: Prof. Rinaldo José Varussa
Palavras-chave: Cidade; debates acadêmicos; questão urbana
O espaço das cidades em toda sua história foi sempre um campo onde se encontravam, e por
vezes se enfrentavam, diferentes pensamentos e atitudes. No meio acadêmico é extensa a
produção sobre a cidade, devido a sua pluralidade de características e sujeitos, por isso, não tem a
intenção de esgotar o tema sobre as analises e discussões realizadas a respeito das cidades, mas
sim, de maneira breve, expor e analisar algumas obras que reflitam acerca do tema, tanto de
autores clássicos como Friederich Engels, como também de estudiosos atuantes ainda hoje, como
as arquitetas e urbanistas Erminia Maricato e Raquel Rolnik, percebendo seus limites, diálogos e
contribuições para a pesquisa em geral. Ao analisar estas obras, abre-se o espaço para o diálogo e
debates entre os diversos campos do conhecimento das ciências humanas atuais e passadas, e
como estas preocupam-se e dedicam-se a analisar as diversas questões acerca das cidades,
contribuindo, assim, para a ampliação dos campos teórico e prático ligados às pesquisas.
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A TEORIA QUEER E A PRODUÇÃO DE UM CORPO SEM ÓRGÃOS.
Lucas Henrique Nunes Batista.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Fundação Araucária.
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Ester Maria Dreher Heuser.
Palavras-chave: Teoria Queer; corpo sem órgãos; Deleuze; Guattari
O seguinte trabalho tem como proposta abordar elementos da teoria Queer e, em conjunto,
trabalhar o conceito de corpo sem órgãos de Deleuze e Guattari fazendo uma relação entre eles.
Também se tem a intenção de explicitar o que estes dois autores têm a dizer sobre a teoria Queer
trabalhada no pós-estruturalismo francês. Primeiramente se fará uso da interpretação da autora
Guacira Lopes Louro para melhor entender o que essa teoria tem a dizer, desde que esta, orientase pelo pós-estruturalismo e usa de filósofos como Deleuze e Guatarri para elaborar seus estudos
nessa área. A teoria Queer está preocupada em discutir as novas formas de indentidades, sexuais e
de gênero, bem como teorizar formas de viver o próprio corpo. Segundo Louro, existem muitas
formas de fazer-se mulher ou homem, e várias possibilidades de viver prazeres em desejos
corporais, porém estas práticas são previamente estabelecidas, anunciadas e promovidas
socialmente como formas desviantes de comportamento e vistas como uma anormalidade. O que
acaba por determinar os indivíduos “anormais” como seres abjetos, pois a sociedade ainda está
pautada numa visão heteronormativa que centra as relações humanas num binarismo HomemMulher. Os escritos de Gilles Deleuze e Felix Guattari abordam a questão da sexualidade, gênero
e corpo como devir e como processo. A partir de O anti-Édipo e Mil Plâtos, Louro percebe forças
para tratar da “queerização”, na medida em que percebe os filósofos criticarem a noção de
“normalidade” e o comportamento imposto sobre os modos de vida existentes numa sociedade
pautada
pela
heteronormatividade
e
pelo
capitalismo,
sendo
assim
burguesamente
institucionalizada. Com este pano de fundo, se abordará o conceito de Corpo sem Órgãos e um
possível diálogo com a teoria Queer.
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É A TEORIA DO SENTIMENTALISMO CONSTRUTIVO DE JESSE PRINZ DE FATO
CONSTRUTIVISTA?
Lucas Mateus Dalsotto
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Bolsista CAPES
[email protected]
Palavras-chave: Construtivismo; sentimentalismo construtivo; Jesse Prinz
Recentemente, a posição construtivista em metaética tem atraído e inspirado uma série de
comentários, tanto daqueles que compartilham de suas principais teses e veem-na com
entusiasmo, quanto daqueles que a veem com certo ceticismo. Uma das importantes teorias
construtivistas nessa área é a de Jesse Prinz. A hipótese central do autor é de que se a moralidade
depende dos sentimentos, então ela é uma construção, e se ela é uma construção, então ela pode
variar através do tempo e do espaço. A teoria do sentimentalismo construtivo, assim chamada por
Prinz, baseia-se em duas premissas centrais, as quais são uma fundamento para a outra. A
primeira ideia é de que os sentimentos são a base para todos os juízos de valor que são
formulados, e que estes mesmos valores podem ser estudados histórica e antropologicamente de
modo a explicar porque alguns deles persistem e porque outros têm desaparecido. A segunda
ideia é de que os sentimentos criam a moral, e que os sistemas morais podem ser criados espaçotemporalmente de diferentes maneiras. Assim sendo, o problema de trabalho a ser explorado
nesse paper é verificar em que medida a teoria de Prinz está de acordo com as principais teses das
demais teorias construtivistas e esse não for o caso, por que ela não o faz.
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FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O MÉTODO DOS SABERES
Lucas Silva Russo
Àllan G. Vilas Boas Palomares
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Discurso; método; saberes
Foucault inicia sua pronunciação falando sobre os recursos limitantes do discurso, se dirigindo
inicialmente aos recursos de exclusão, que organizam e redistribuem a produção de discursos. O
primeiro é a interdição, que envolve o direito de quem fala, o ritual da circunstância, e o tabu do
objeto, que se aplicam, na atualidade, principalmente nos campos da sexualidade e da política.
Outro recurso é a segregação da loucura, em que Foucault se remete a oposição entre razão e
loucura na idade média, onde a voz do louco, por um processo de exclusão, não existia, sua voz,
portanto, era onde se exercia a separação. O terceiro recurso se dirige à vontade de verdade, que
molda até hoje o modo como se busca o conhecimento verdadeiro, que de acordo com os
métodos de busca que ela mesma criou, limita o poder e o alcance dos outros discursos, que
acabam por pedir a ela a autorização e a legitimação. Foucault cita procedimentos ditos
“internos” que classificam ordenam e distribuem discursos como a disciplina, que se define por
“um domínio de objetos”, ”um conjunto de métodos”; essa disciplina se opõe ao princípio do
autor – outro método citado por Foucault (2009), que se encarrega de separar os discursos pela
necessidade de um autor no discurso científico e sua falta no discurso literário desde o século
XVII, situação que vem se invertendo até a atualidade –. Essa oposição ao princípio do autor se
deve ao fato de que “constitui uma espécie de sistema anônimo à disposição de quem quer ou
pode servir-se dele” (FOUCAULT, 2009, p.30). E se opõe ao princípio do comentário, que diz
que o discurso é um sentido que precisa ser redescoberto ou “uma identidade que deve ser
repetida”; enquanto, na disciplina, o ponto de partida “é aquilo que é requerido para a construção
de novos enunciados”, já que possui como um objetivo “a possibilidade de formular, e de
formular indefinidamente, proposições novas” (Ibidem, 2009, p.25).
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ESTADO E EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE ROUSSEAU
Luis Carlos Goetz
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Fundação Araucária
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Gilmar Henrique da Conceição
Palavras-chave: Estado; educação; homem; cidadão
Este artigo é um recorte do primeiro capítulo da dissertação de mestrado intitulada Estado e
educação no pensamento de Rousseau. Dissertação essa que centra-se no estudo da obra O Emílio ou da
educação de Jean-Jacques Rousseau, objetivando compreender o pensamento do autor quanto à
questão indissociável entre política e educação. De acordo com o enfoque desse estudo, o
pensamento de Rousseau sobre educação não pode ser separado de sua filosofia política. O que
se comprova na obra O Emílio ou da educação no qual há o resumo do Contrato Social. De maneira
que esta constatação nos levou a investigar as seguintes questões: haverá em O Contrato Social
preocupações gerais com a formação do cidadão e na obra O Emílio uma proposta pedagógica de
formação do homem? Além da formação do homem, haverá, ainda, uma busca de socialização
com vistas ao internamento de regras e normas para a vivência social? Afinal, Emílio não é
formado também com finalidade à vivência em sociedade? Rousseau se refere ao Estado como a
grande família e nessa a administração geral é instituída apenas para garantir a propriedade
individual que a antecede? O Estado assemelha-se à família na obrigação de seus chefes, pois, as
regras de conduta não são as mesmas nos dois casos? A educação para ter êxito deve ser bem
regrada tendo seus conteúdos regulados pela legislação? Elencando essas questões nos torna
possível compreender e expor o pensamento de Rousseau referente a afirmações de ordem
existencial e política da humanidade. Sem a pretensão de resolver essas questões, abordamos o
tema nesse artigo recorte na possibilidade de uma reflexão das afirmações político-pedagógicas de
Rousseau, quando este se refere a questão existencial da formação moral humana.
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O DIÁLOGO E A DEFESA DA MOBILIDADE DA TERRA:
AS CRÍTICAS GALILEANAS À COSMOLOGIA ARISTOTÉLICA
Luiz Antonio Brandt
Instituto Federal Farroupilha
[email protected]
Palavras-chave: Filosofia da ciência; cosmologia; movimento
Podemos encontrar na Primeira Jornada do Diálogo, obra de Galileu publicada no ano de 1632, uma
série de críticas à concepção aristotélica de movimento, cujo o principal objetivo é romper com a
ideia de imobilidade da Terra. Para realizar tal propósito, Galileu parte de um pressuposto
comum à cosmologia aristotélica: a aceitação de que o universo e seus corpos devem, como tal,
estar em plena ordem e harmonia. A crítica à dicotomia cosmológica e à concepção peripatética
de movimento partem deste ponto em comum, ou seja, se os corpos se movimentam, tal
movimento deve preservar a ordem e a harmonia pré-estabelecidas. Galileu utiliza-se deste
“princípio” peripatético de que o universo deve ser perfeitamente ordenado como base para
atacar a “naturalidade” e a exclusividade do movimento retilíneo aos corpos sublunares, uma vez
que, para Aristóteles, o movimento retilíneo (natural para os corpos sublunares) tem a função
também de restituir os corpos ou elementos aos seus lugares naturais. Esta estratégia
argumentativa de Galileu tem uma razão de ser. Ora, de acordo com a concepção heliocêntrica
do pisano, o planeta Terra se movimenta ao redor do sol com movimento circular, o que seria
contrário à cosmologia do estagirita. Assim, na Primeira Jornada, o físico italiano mostra que, num
universo perfeitamente ordenado, os corpos integrais não poderiam possuir “naturalmente” uma
tendência ao movimento retilíneo, já que este, segundo Galileu, não é um movimento completo
como o circular por não ter um fim determinado ou por ser finito. Em suma, estas considerações
e outras se convertem, no Diálogo, nos elementos contestadores dos conceitos peripatéticos que
fazem oposição à concepção copernicana. Assim, o presente trabalho pretende mostrar como a
ruptura galileana com a dicotomia Céu-Terra está intimamente ligada e centrada, no Diálogo, à
crítica ao uso “incorreto” do movimento retilíneo por Aristóteles e mais especificamente à
concepção qualitativa de movimento do estagirita.
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CRISE DO SUJEITO NO SÉCULO XIX-XX E O NASCIMENTO DE UMA
PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTÊNCIAL
Maiara Graziella Nardi
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Projeto PIBID Filosofia, Campus Toledo
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Crise do sujeito; psicologia fenomenológico-existencial; daseinanálise
A comunicação tem o objetivo de apresentar um esboço da assim chamada crise do sujeito.
Assume como problema a pergunta: como a crise da razão propiciaria, durante a passagem do
século XIX ao XX, o surgimento de uma psicologia fenomenológico-existencial? Para concretizar
este objetivo, percorreremos brevemente as ideias dos principais pensadores ligados à filosofia e a
psicologia que desenvolveram a concepção de sujeito (Descartes, Kant e Freud), a fim de tornar
compreensível como estes formularam a noção teórica de sujeito, apontaremos às apropriações
psicológicas de tais teorias em seu intuito de pensar o sujeito e assim colocar na prática clínica tais
teorias. Veremos como cada qual dos filósofos mencionados respondeu de modo satisfatório o
ponto em questão. Com isso, enfatizaremos como, em meio à filosofia do sujeito, restaram
brechas das quais os pensadores da contemporaneidade partiram para repensar as várias
problemáticas ainda abertas, entre elas a da relação entre sujeito e objeto e sua representação.
Este repensar partiu de novos pontos de vista (por exemplo, o da fenomenologia), como o do
filósofo que enfocamos de modo mais primordial em nosso texto, a saber, o alemão Martin
Heidegger e do psiquiatra suíço Medard Boss. Cientes de que, ao nos atermos a referida crise, não
a temos como encerrada, estamos alertas também para o fato de que a crise não tem início
especificamente no século XIX, já que desde Sócrates iniciaram os questionamentos acerca do
homem e de seu modo de agir e pensar. Através do texto, poderemos evidenciar (por meio de
uma interpretação que desconstrói o conceito de subjetividade) que somos entes privilegiados de
algum modo, por poder projetar e compreender o sentido próprio ao nosso mundo. Contudo,
estamos entre outros e necessitamos destes para ser o que somos e assim, não temos privilégio de
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controlar de modo a prever o que está por vir ou estar hierarquicamente num patamar mais
elevado que outros.
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A CONCEPÇÃO DE “FELICIDADE” EM SCHOPENHAUER
Márcia Elaini Luft
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Mundo; representação; vontade; felicidade
O tema desta comunicação é a felicidade, e o problema central reside em compreender como ela
é possível, visto que, segundo Schopenhauer, o constante sofrimento é essencial e a vida se
constitui de dor e tédio; portanto, toda a vida é sofrimento. Contudo há momentos em que o
homem foge ao mero contexto vital, quando é contemplador da beleza e quando se orienta pelo
amor-compaixão próprio da santidade. Ao gênio, através da arte, e ao santo, através do amorcompaixão, é possível chegar ao conhecimento metafísico da vontade, ou seja, da coisa-em-si, ao
conhecimento da essência íntima do mundo. A metafísica de Schopenhauer é o ponto de partida
para compreender, aqui, o tema da felicidade. Schopenhauer compreende a noção de mundo sob
dois âmbitos: a representação e a vontade. O consolo proporcionado pela arte, através do
conhecimento da Ideia, é que faz o homem esquecer-se da penúria da vida. É também atribuído
aos santos, através da sua compaixão extremada, o conhecimento da vontade. A felicidade é
ilusória e só existe quando a vontade é negada; é preciso que o homem se liberte da vontade que
o domina, seja por meio da arte ou por meio do amor-compaixão. A felicidade não existe como
estado permanente e há momentos breves em que cessa o sofrimento, mas o que caracteriza o
sujeito é o estado de insatisfação: a felicidade não passa de um intervalo entre a satisfação de um
desejo e a busca de outro. A libertação de um mundo insuportável é possível pela negação da
vontade, segundo Schopenhauer, o qual considera a vontade como essência única do homem e
do mundo, e uma força obscura e inconsciente que limita e comanda tudo o que existe. A única
consolação para o homem é a negação da vontade; assim pode alcançar a libertação temporária
pela contemplação estética e, sobretudo, a libertação definitiva pela renúncia total à vontade. A
filosofia shopenhaueriana convida o homem a refletir sobre sua própria condição no mundo e
utilizar-se de artifícios para ter uma vida o menos infeliz possível, pois feliz jamais será, segundo
essa análise metafísica.
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O JOVEM MARX E A CRÍTICA ONTOLÓGICA DA POLÍTICA: ANÁLISE DOS
ESCRITOS POLÍTICOS DE 1842 A 1844
Marco Aurélio Palu
Universidade Estadual de Maringá - UEM
[email protected]
Palavras-chave: Marx; crítica ontológica; política
O presente trabalho tem por finalidade realizar uma reflexão crítica acerca de uma coletânea de
escritos políticos de Karl Marx (1818 – 1883). Trata-se de textos datados entre janeiro de 1842 e
Abril de 1844: quatro artigos de A Gazeta Renana, correspondências com Arnold Ruge, Crítica à
Filosofia do Direito de Hegel, Crítica à Filosofia do Direito de Hegel - Introdução e Sobre a Questão
Judaica, os quais caracterizam parte de sua obra de juventude. A análise cronológica desses
escritos demonstrou uma radicalização teórico-analítica no interior do pensamento de Marx rumo
às suas próprias teses e a consequente ruptura com o padrão de reflexão anterior, consagrado em
Hegel pelo postulado de "realização da razão". Nesse sentido, foi constatado o trânsito entre a) a
defesa das teses tradicionais de política e o estado moderno enquanto instituição racional, b) a
discussão sobre a possibilidade de uma verdadeira democracia e a reforma de consciência, c) uma
ruptura de natureza ontológica, a determinação ontonegativa da politicidade, manifesta na
oposição categorial entre emancipação humana à emancipação política. Desse modo, buscou-se
refletir sobre a emergência do pensamento marxiano sob a perspectiva de crítica ontológica
destes textos, e de acordo com um procedimento que se orientou pela lógica imanente aos
mesmos, segundo as indicações do filósofo brasileiro José Chasin. Esta conquista analítica viria a
caracterizar o pensamento mesmo de Marx ou propriamente marxiano.
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NIETZSCHE: A CRÍTICA A MORAL E A TRANSMUTAÇÃO DE VALORES
Maria Eduarda Pereira
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Moral; crítica; valores
Nietzsche inverte o papel moral da filosofia dando-lhe um sentido ético-estético ao tratar da
transvaloração dos valores, afirmando que o homem é criador de valores, mas que essa criação é
algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", isto é, os valores que se apresentam como
verdadeiros e absolutos não são mais do que valores "humanos",não são mais que dependências,
portanto, contigentes e relativos. Apenas na lógica do rebanho é que se pode afirmar a verdade
como absoluta ou então ao puro domínio da razão (iluminismo – Kant) humana, mas o além do
homem, “uma corda sobre um abismo”, isto é, um passar e um sucumbir em sacrifício á terra
para que a “terra um dia se torne além do homem”,inverte a lógica de uma filosofia moral. A
oposição nietzschiana a lógica do rebanho se dá na perspectiva da moral que é imposição de uma
“verdade última” para os modos de viver, contudo, sempre há em um rebanho a “ovelha
perdida” ou a que não quer ser encontrada, um inovador, sendo “todo inovador um blasfemo”
(NIETZSCHE,2009,p.18-19). Este estaria dando o primeiro passo para a transmutação de
valores, a ousadia de um pensamento que afirma a diferença, neste aspecto a transmutação do
espírito em camelo, em leão, e em criança é a imagem da transmutação dos valores, assim leão e
criança constitui dois momentos, um ético no que diz respeito a liberdade (leão) e outro estético
(criança) no que diz respeito a criação o que em agenciamento ético estético poderíamos dizer de
uma produção da vida como obra de arte que criaria inventivamente novos modos de
pensamento e vida, como uma linha de fuga do já dado mundo moral. Porém, sabendo que a
criança não é um fim, algo estabelecido,estático e o ser tendo tendência de imitar para voltar ao
convívio do rebanho, este mesmo que passou pelo camelo,leão e criança terá de passar pela
transmutação ainda diversas vezes.
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127
O ESPAÇO DESCRITO PELA FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER
Maria Lucivane de Oliveira Morais
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Fenomenologia; Heidegger; espaço; ser-no-mundo
O tema da presente comunicação se refere ao espaço tratado a partir do paradigma
fenomenológico proposto por Martin Heidegger na obra Ser e tempo onde a espacialidade é
pensada a partir do Dasein. A fenomenologia pode ser descrita como um método de investigação
que, nesse caso, tem como principal objeto de interesse o sentido do ser estudado por meio de
uma analítica existencial capaz de apontar para a singularidade que permeia o existir humano.
Além disso, a análise da realidade, do espaço e a forma como os fenômenos se mostram são
preocupações constantes na obra de Heidegger que os descreve a partir de um enfoque
ontológico capaz de ilustrar a questão do ser-no-mundo. A aplicação do método fenomenológico
permite definir o conceito de espaço e suas características originárias bem como o papel que a
dimensão espacial desempenha sobre a existência que é única em cada lugar ou espaço vivido.
Dessa forma, objetivo geral proposto nessa comunicação visa: descrever algumas concepções de
como o espaço é tratado na fenomenologia de Heidegger. A metodologia de pesquisa empregada
nesse processo fundamentou-se em análises bibliográficas que permitiram a consulta de obras
cujos autores se dedicaram ao estudo da fenomenologia Heidegger.
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A EXPERIÊNCIA DA BARBÁRIE COMO POSSIBILIDADE DA BILDUNG NA
CONTEMPORANEIDADE
Mariana de Macêdo Seixas
[email protected]
Tamires Dias dos Santos
[email protected]
Universidade Federal Fluminense – UFF
Mestrado
Palavras-chave: Bárbarie; experiência; Bildung
Este trabalho tem como intuito entender a dinâmica indissociável entre a crise da experiência e a
possibilidade de formação individual do homem (Bildung) à luz do pensamento de Walter
Benjamin e Theodor Adorno. Segundo Benjamin (1996, p. 115), ao tratar de nossa cultura, diz
que “uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica na
qual a experiência não mais se vincula a nós”. Dentro deste âmbito da desvinculação da
experiência, a partir do advento da modernidade,faz-se necessário pensar em uma formação que
relaciona-se com a “elevação da interioridade do sujeito e com sua autonomia.”(GUR-ZE’EV,
2009, p.12). As profundas mudanças ocorridas na forma organizacional das relações de trabalho
surgidas com o desenvolvimento da técnica somadas a aceleração do tempo, impuseram um
mecanicismo produtivo no qual homem deixou de pertencer a si mesmo, tornou-se alheio em
relação ao que ele mesmo produz se distanciando dos objetos e também dos outros homens,
visto que nesta lógica de maximização da produção, não há lugar para a troca de experiências.
Adorno em Dialética do Esclarecimento expõe que o grande desafio atual da formação cultural deve
se desembocar numa crítica à “semiformação”. A concepção do indivíduo semiformado, é o
resultado do conjunto de forças conformistas ou irracionais que são propagadas pela Indústria
Cultural que tem por última finalidade moldar as subjetividades. Essa “semiformação” constitui
os traços do autoritarismo que favorece a obliteração do eu compelindo, assim, os indivíduos à
adaptação e assimilação das massas. Diante desta condição de negação de si mesmo, Adorno
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entende que uma educação não pode tornar-se emancipatória se não se compromete com a
inserção crítica na realidade.
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JOHN RAWLS: PRINCÍPIOS MORAIS PARA A ESTRUTURA BÁSICA DE UMA
SOCIEDADE JUSTA
Marilda Pereira dos Santos
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Equidade; justiça; princípios
O presente trabalho pretende investigar como se apresentam, na obra do filósofo John Rawls,
Uma teoria da justiça, os princípios morais para a estrutura básica de uma sociedade justa. O
filósofo político promoveu uma justificação teórica legitimando um Estado justo, promoveu uma
experiência de pensamento, extraindo dela uma concepção de justiça que coloca em prática os
princípios de justiça escolhidos pelos indivíduos. Nosso objetivo é mostrar como o pensador
desenvolveu o conceito de justiça como equidade, fundamentando dois princípios de justiça. Sua
teoria constitui, em grande parte, uma reação ao utilitarismo clássico, por isso, é seu propósito
refutar essa teoria e elaborar uma nova teoria da justiça, visando formar uma sociedade igualitária.
A ideia de sociedade bem ordenada e que funciona como um sistema de cooperação social
também serão desenvolvidas em nosso trabalho, uma vez que são centrais no pensamento do
autor. A proposta argumentativa do pensador americano traz contribuições importantes através
de um novo modelo de teoria da justiça, evidenciando uma teoria da justiça como equidade. Por
fim, percorremos a argumentação de Rawls em defesa de uma concepção de justiça, a teoria da
justiça como equidade, evidenciando que nela o justo e o bem são complementares. No conjunto
da apresentação, pretendemos investigar qual é a relação da teoria da justiça com a formação
moral dos indivíduos, mostrando como John Rawls fundamenta os princípios gerais de justiça e
como ele concilia os dois princípios (defesa das liberdades com a garantia das igualdades).
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A OBRA DE ARTE E O BELO COMO UM PROBLEMA DA ESTÉTICA
FENOMENOLÓGICA
Marli Batista Basseto
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Palavras-chave: Arte; estética; belo; ontologia; fenomenologia
Segundo a metafísica tradicional, o belo e o artístico ou existem em si mesmos, objetivamente, ou
existem como princípios e condições subjetivas de apreciação estética. Desse modo, ou bem
existiria o belo em si ou bem o belo para o homem. Haveria, assim, a urgênca de encontrar, por
meio de uma estética, o fundamento e a essência da arte e do belo, ou os critérios “objetivos”
para toda apreciação subjetiva. Por outro lado, o século XX propôe, sobretudo a partir da
fenomenologia que a a arte é uma abertura de mundo, inauguração de sentido, rompimento de
compreensão que permite visualizar o contexto essencial. A arte é um conhecimento de mundo,
um modo humano de se instalar nesse mundo com cores, sons, formas, linhas, movimentos etc.
Por meio da arte, atribuem-se significados ao mundo, examinam-se possibilidades de ser ainda
não realizadas, criando-se, desse modo, novos objetos ou eventos que serão passíveis de novas
interpretações por parte do artista e do observador. Entretanto, uma obra de arte deve ser
entendida como a forma pela qual o artista percebe o mundo, reflete sua realidade, sua cultura e
sua época. Segundo Selbch (2010, p.35), “a obra de arte permite ao ser humano (artista e
observador) imaginar situações, fatos, ideias e sentimentos, aceitando-se plenamente a
criatividade, que pode se colocar muito além da experiência imediata”. Deste modo, é importante
salientar que a ontologia propõe por meio da fenomenologia inaugurar um sentido aquilo que
está dado de modo que as concepções de beleza e de gosto não afetem a compreensão das coisas.
No entanto, para não cair no lugar-comum de que “gosto não se discute”, faz-se necessário
pensar o que na obra de arte aparece. Pois segundo Heidegger (apud Inwood, 2004, p.141), “a
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obra não é uma coisa a que se adicionam qualidades artísticas; a obra revela a natureza das
coisas”.
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MICHEL FOUCAULT: O DISPOSITIVO EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE
SUBJETIVIDADE SEXUALIDADE E BIOPOLÍTICA
Matheus Avelaneda
Anderson Alieve
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Prof. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Dispositivo; sexualidade; biopolítica
Foucault abordou assuntos tais como as relações de poderes, o uso dos saberes e as formas de
controle da sociedade. Em uma de suas obras, "A história da sexualidade: a vontade de saber",
Foucault mostra que as relações de poderes são constituídas através dos diversos dispositivos sob
uma forma de repressão; neste aspecto, queremos destacar o papel do dispositivo educacional no
processo de formação de subjetividade e suas implicações disciplinares. A escola apresenta-se
como um campo de práticas disciplinares; inclusive, nesse conjunto heterogêneo, tais práticas
tendem ao discurso formador da sexualidade e de constituição dos processos de subjetivação.
Desse modo, começaremos a discutir o tema da sexualidade foucaultiana na perspectiva da
biopolítica e de suas implicações a respeito da diversidade sexual. As práticas repressoras da
sexualidade e o controle dos corpos são evidenciadas por Foucault ao tratar da escola como um
dispositivo de poder. As noções e as divisões de sexo e gênero configuram um discurso
concernente ao dispositivo que tem o "poder" de "cortar", ou seja, estreitar as relações e os
discursos do sexo assim como o envolvimento de pessoas heterossexuais, que são reduzidas aos
costumes da religião quanto ao do status da moral. Nisto vemos que o resultado desse dispositivo
foi apenas difundir o sexo e suas vertentes? Na verdade, o dispositivo veio para controle de
massa e favorecimento do capitalismo, que crescia cada vez mais na época e necessitava de mãode-obra. Nisto vemos que o dispositivo interferiu nessas relações e discursos, relacionado a três
poderes explícitos, que regiam as práticas sexuais: o Direito Canônico, a Pastoral cristã e a lei
civil. Procura-se, com este trabalho, trazer uma reflexão e um entendimento sobre o dispositivo
da sexualidade, sua interferências nas relações homossexuais e heterossexuais, e também mostrar
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o caminho para a mudança dos atuais padrões sexuais impostos pela sociedade na direção de uma
igualdade afetiva.
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A CIVILIZAÇÃO COMO FONTE DE DESPRAZER SEGUNDO FREUD
Maurício Smiderle
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Profª. Msª. Célia Machado Benvenho
Palavras-chave: Civilização; indivíduo; sentimento de culpa
O presente trabalho tem como objetivo apresentar a civilização como fonte de desprazer
segundo a concepção de Sigmund Freud. Em seu livro, O mal-estar na civilização, o pai da
psicanálise procura mostrar que a sociedade é responsável por uma parcela do sofrimento do
homem. Antes de viver na civilização, o ser humano vivia mais feliz, pois era possível dar livre
vazão aos seus desejos e instintos. O problema era que a felicidade era muito curta, visto que
aquela espécie de vida da antiga humanidade possuía muitos perigos. Ao perceber que a vida em
sociedade, de certa forma, poderia ser segura e vantajosa, o indivíduo realizou uma troca de um
pouco de felicidade por um pouco de segurança, pois somente com isso era possível prolongar a
sua existência. Ou seja, o processo civilizatório, então, exigiu vários sacrifícios dos homens, visto
que era necessário que os estímulos humanos não fossem exteriorizados, mas interiorizados. Isso
não foi uma tarefa fácil, acarretando em um desconforto: o sentimento de culpa. Este sentimento
foi o resultado da interiorização dos instintos, fazendo o homem maltratar a si mesmo. Com o
sentimento de culpa, surgiu uma nova estância responsável por aplicar toda aquela agressividade
que o Eu desejava praticar, isto é, o Super-eu. Este, agora, irá agredir o próprio indivíduo, já que
os instintos agressivos não foram exteriorizados. Desta forma, segundo Freud, a civilização, que
é criação do próprio ser humano, provocou alguns desprazeres, isso não ocorreu de maneira
abrupta, mas foi um processo lento e gradual.
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A METÁFORA ENTRE O SENTIDO E A REFERÊNCIA UMA ABORDAGEM
RICOEURIANA APLICADA AO DISCURSO LITERÁRIO
Odair Salazar da Silva
SED/SC
[email protected]
Palavras-chave: Metáfora; epistemologia; discurso literário
Paul Ricoeur apresenta em sua produção linguístico-filosófica o fenômeno da metáfora (viva)
como um instrumento epistemológico, que objetiva defender a tese de que o referido tropo não
tem apenas função de plasticidade, de imitar as ações humanas na tragédia ou colmatar uma
lacuna linguística. Pensando assim, o filósofo francês procura criar uma nova metodologia
linguístico-filosófica, aplicando-a à metáfora,
que garante um novo significado passível de
aceitação. A partir da compreensão do conceito de “sentido” e “referência”, adaptado ao discurso
literário, cuja origem está Gottlob Frege, é que Ricoeur propõe não só descrever linguisticamente,
mas pensar filosoficamente o poder heurístico da metáfora. A pesquisa parte da hipótese de que a
metáfora é uma ferramenta legítima que tem o poder de oferecer novos insights sobre a realidade,
no momento em que o absurdo linguístico de uma dada sentença se autodestrói ao eliminarem-se
o sentido e a referência primários, para darem lugar a um sentido e referência secundários, de
onde brota uma nova visão de mundo, válida, passível de aceitação. Esta metodologia adotada
por Ricoeur, com a contribuição de filósofos e linguistas, dente eles, Richards (1962), Black
(1966), Monroe Beardsley (1978), Cohen (1992), Goodman (2010), entre outros, assegura que
não só os discursos ordinários são os detentores de verdades de mundo. Ao contrário, os
discursos literários são também possuidores de informação inédita, a partir de um erro sentencial
já calculado (Gilbert Ryle) e resolvido. Afinal, o “poema é uma metáfora em miniatura”, cuja
função é desvelar um novo mundo compreensível, no dizer de Monroe Beardsley, de quem
Ricoeur é seguidor.
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O MARCO CIVIL DA INTERNET E A TENTATIVA DO ESTADO DE
ADESTRAMENTO DO CIBERESPAÇO NO BRASIL
Paulo Alves de Oliveira
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
[email protected]
Palavras-chave: Marco civil; estado; adestramento; internet; Brasil
Este trabalho insere-se numa tentativa de compreender e pensar as tecnologias através da
Filosofia da informação. Contextualizada com essas novas cotidianidades que surgem através das
vivências dos seres humanos. Neste caso específico da regulação das redes de computadores
através da criação do Marco Civil da Internet. E as ferramentas criadas pelas mesmas para melhor
viver e dominar a natureza da tecnologia e assim chegar à razão civilizadora para um melhor
funcionamento da sociedade. Direcionado para o controle do Estado visto que “os indivíduos
apóiam-se constantemente sobre a ordem e a memória distribuídas pelas instituições para decidir,
raciocinar, prever” (LÈVY, 2004 p. 87). O Marco Civil da Internet estabelece os princípios, as
garantias, os direitos e os deveres para o uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para
atuação do Estado, é oficialmente conhecida como a Lei nº 12.965, foi sancionada pela presidenta
Dilma Rouseff no dia 23 de Abril de 2014. Essa regulação do Estado através de uma tentativa de
adestramento nos traz a certeza de que a punição “é que deve desviar o homem do crime”
(FOUCAULT, 1987). Apesar do início das discussões e a lei dizer que não funcionará como
sancionadora ou disciplinar devemos entender que “para que haja infração é preciso haver poder
político, uma lei, e que essa lei tenha sido efetivamente formulada” (FOULCAULT, 2002, p. 80).
Assim, para Foucault, as condutas somente poderão sofrer as penalidades repreensíveis pela lei.
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O CONCEITO PERSPECTIVISTA DE PESSOA NA ANTROPOLOGIA DE
VIVEIROS DE CASTRO
Pedro Henrique Vieira
Universidade Federal do Paraná –UFPR
Doutorando em Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Valentim
Palavras-chave: Perspectivismo; multinaturalismo; humanidade
Ao investigar outros povos, a antropologia de Eduardo Viveiros de Castro se propõe a buscar
um pensamento outro, uma contrainterpretação antropológica que opere uma transformação no
discurso do próprio antropólogo acerca de si mesmo. É dessa maneira que Viveiros de Castro
subverte conceitos centrais da tradição ocidental, tais como as dualidades humano/animal,
natureza/cultura, corpo/alma, dentre outras. Tal transformação no pensamento deriva, talvez de
modo primordial, da exposição da metafísica ocidental à concepção ameríndia de pessoa: antes
que um conteúdo substancial que demarcaria uma região ontológica por oposição às demais,
pessoa seria aí uma posição perspectiva em constante disputa interespecífica, de modo que o
humano e o não humano estariam potencialmente superpostos, em sua diferença, sobre todo e
qualquer agente, imbricando-se mutuamente num trânsito recíproco e reversível. É com base
nisso que Viveiro de Castro desenvolve sua interpretação do pensamento ameríndio como um
perspectivismo ou multinaturalismo, interpretação essa cuja utilidade consiste menos em explicar e dar
sentido ao discurso do nativo do que em transformar o discurso que o ocidente desenvolve
acerca de si próprio. O objetivo desta comunicação é apresentar os contornos gerais dessa
interpretação que Viveiros de Castro elabora a propósito do conceito ameríndio de pessoa, bem
como alguns de seus possíveis efeitos reversos sobre a filosofia ocidental.
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O CONCEITO DE HOMEM EM ERICH FROMM
Rafael Adilson Ribeiro
Universidade Estadual de Maringá - UEM
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Wagner Félix
Palavras-chave: Homem; existência; liberdade; necessidades
Erich Fromm define que o homem é, sobretudo, um ser social que deve ser entendido a partir da
interação com os outros homens, a natureza e ele mesmo; o qual tem seu caráter formado
socioculturalmente na relação entre natureza humana e sociedade. Fromm parte da ideia de que a
evolução distanciou o homem das determinações naturais, trazendo a ele elementos e
propriedades que constituíram sua razão e lhe colocou em uma nova condição na natureza, a qual
lhe trouxe maior liberdade e, não obstante, novas necessidades de caráter psíquico. Essa condição
é intrinsecamente dicotômica, porque o homem tem, por um lado, liberdade para agir e, ao
mesmo tempo, sofre diversas determinações. Esse conflito é o que estabelece o mecanismo
fundamental do comportamento humano. Para Fromm os homens possuem, basicamente, dois
modos de superar esse conflito inerente à sua existência: um modo regressivo e outro
progressivo. O primeiro, Fromm denomina como mecanismos de fuga, que são aqueles modos
em que o homem deseja regredir para a unidade com a natureza, ao estado de pré-individuação.
O segundo modo é progressivo e consiste em utilizar e desenvolver as propriedades
especificamente humanas, um modo de relacionamento com o mundo no qual o homem utiliza
as potencialidades de sua razão para, então, lidar com sua situação existencial e satisfazer suas
necessidades fisiológicas e psíquicas. A impossibilidade de satisfazer essas necessidades gera os
modos regressivos de desenvolvimento tanto a nível individual quanto social. Em suma, para
Fromm o homem é naturalmente impulsionado a superar e anular sua inalterável dicotomia
existencial, sendo esta, portanto, a origem mais fundamental de suas necessidades e motivações.
Assim, para Fromm o conhecimento da psique e da natureza humana deve basear-se na análise
filosófico-existencial das necessidades básicas do homem, resultantes das singularidades e
contradições da situação humana.
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140
CRISE DE IDENTIDADE E CORROSÃO DO CARÁTER
Rafael de Barros
[email protected]
Palavras-chave: Pós-modernidade; capitalismo flexível; identidade; corrosão do caráter
O presente trabalho tem como objetivo compreender o processo de perca crescente da
identidade sofrida pelos indivíduos na Modernidade Tardia, que segundo Stuart Hall ocorre devido
à flexibilização das relações existentes entre o homem e o meio social em que este se insere, uma
vez que todos os processos sociais se flexibilizaram, nos termos de Richard Sennett, o indivíduo
se vê imerso em uma sociedade que a todo momento se reinventa e se transforma e que, como
consequência, força os indivíduos a se transformarem. Este processo de transformação crescente
faz com que os indivíduos percam as bases sólidas sob as quais se apoiavam e tomavam como
fonte de segurança, bases estas que proporcionavam a criação de auto identificação e
autoconhecimento, de modo geral, de uma identidade. Uma vez que tais relações se
flexibilizaram, o indivíduo perdeu seu ponto de apoio, viu-se imerso em uma sociedade que tem
como característica fixa a mutabilidade de suas relações. O processo de flexibilização que
promove, segundo Hall, a perca da identidade, promove ainda a perca de valores morais fixos aos
quais os indivíduos podem fundar seu caráter, desse modo, mais que a perca do sentido de
identidade, o indivíduo na Pós-modernidade sofre um processo degenerativo do caráter, que Richard
Sennett denomina Corrosão do Caráter. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo
analisar de modo comparativo como a crise de identidade diagnosticada por Hall promove a corrosão
do caráter apontado por Sennett.
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141
A DISTINÇÃO DE CURVAS GEOMÉTRICAS E CURVAS MECÂNICAS EM
DESCARTES E NOS GEÔMETRAS GREGOS
Renato Francisco Merli
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. César Augusto Battisti
Palavras-chave: Geometria; curvas geométricas; curvas mecânicas; geômetras gregos
A proposta do texto é apresentar a tese de que Descartes classifica as curvas geométricas e
mecânicas de forma distinta dos antigos geômetras gregos. Vale salientar que as curvas
geométricas são os principais objetos geométricos estudados pelo filósofo e são assim chamadas
por serem precisas e exatas, além de se abrirem a um tratamento e ordenamento algébrico. Os
antigos já haviam fixado certos critérios (implícitos, pelo menos) de aceitação ou de recusa das
curvas; entretanto, a consideração dos instrumentos legítimos à sua construção, e sua limitação à
régua e ao compasso, levaram os geômetras gregos a excluirem da geometria determinadas curvas
tão precisas e exatas quanto as aceitas. Para Descartes, régua e compasso são máquinas tanto
quanto os outros compassos. E, portanto, tanto uns quanto outros podem gerar curvas
geométricas. Logo, é preciso proceder a uma nova avaliação da natureza das curvas. Ao contrário
dos gregos, que com base no método cinemático (de movimento) agruparam todas as curvas
como a quadratriz, a cissóide, a concóide e a espiral num conjunto que exigiam na sua construção
instrumentos mais complicados do que a simples régua não graduada e o compasso, o filósofo
fez uma criteriosa distinção, aceitando a cissóide e a concóide como curvas algébricas e rejeitando
as restantes. Assim, tomando por “geométrico o que é preciso e exato e por mecânico o que não
é”, ele deu reconhecimento geométrico às curvas como a reta, o círculo, as cônicas, a cissóide e a
concóide, designando-as por curvas geométricas. Às curvas restantes, que excluiu da sua A
Geometria, deu o nome de curvas mecânicas, pois podiam imaginar-se descritas por dois
movimentos separados cuja relação não admitia determinação exata, ou seja, escreveu Descartes,
“em virtude de poderem imaginar-se descritas por dois movimentos que não têm entre si
nenhuma relação que possa medir-se exatamente”.
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142
O HOMEM DEMOCRÁTICO E O RISCO DO DESPOTISMO DEMOCRÁTICO
SEGUNDO ALEXIS DE TOCQUEVILLE
Prof. Ms. Ricardo Corrêa
Instituto Federal Farroupilha
[email protected]
Palavras-chave: Alexis de Tocqueville; estado social democrático; despotismo democrático
Mesmo que a palavra democracia, para nós ocidentais, designe “bons sentimentos e valores” –
pois relacionamos outros dois termos muito caros à nossa cultura: liberdade e igualdade –, para o
pensador francês a democracia estabelece um estado social que pode trazer consigo alguns
malefícios, como a apatia social e, consequentemente, o despotismo democrático. Pois o estado social
democrático, segundo o pensamento tocquevilliano, favorece o aparecimento de um novo tipo de
homem, o homem democrático: um tipo que não se prende a nada, não lhe interessa as tradições nem
o passado, apenas o quadro do presente. Busca incessantemente os ganhos materiais, sem se
importar com a coisa pública. Ao se preocupar apenas com sua vida privada, com os bens
privados, o homem retira-se do “palco da vida política”. Mesmo todos tendo os mesmos direitos,
podendo gozar das mesmas profissões, podem perder a liberdade política. E perderão de bom
grado se lhes garantirem o bem-estar. Este é o perigo do individualismo: uma sociedade em que
só o conforto e a segurança são valorizados. Então, através da apatia social, decorrente do
individualismo, pode surgir um governo despótico.
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143
PODE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE HEIDEGGER CONTRIBUIR À
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO?
Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Hermenêutica filosófica; fenomenologia; fundamentos filosóficos da educação;
história da educação; Heidegger
A presente comunicação assume por tema a contribuição que o projeto filosófico heideggeriano
de uma hermenêutica da facticidade poderia trazer para pensar os fundamentos filosóficos da
educação. O problema que colocaremos e que pretendemos responder, desde o início, será: como
a hermenêutica filosófica contribui à história da educação? Para responder este problema,
precisaremos determinar como o projeto heideggeriano de uma hermenêutica da facticidade pode
ser útil a pensar conceitos fundamentais da educação. Esta meta final, entretanto, apenas se
obtém cumprindo os seguintes objetivos específicos: a) Apresentar os termos da hermenêutica da
vida fática segundo Heidegger; b) Caracterizar a história da educação como narrativa das
concepções de educação em vista de seus fundamentos; c) Descrever como a hermenêutica
filosófica de Heidegger poderia liberar o sentido de certas interpretações de educação tornando
seus fundamentos compreensivos de modo a permitir novas acepções dos mesmos. Após
cumprir estas tarefas, julgamos poder validar a hipótese de que noções tradicionais da educação (e
suas respectivas práticas) serão compreendidas de modo mais fundamental com o auxílio da
hermenêutica fenomenológica de Heidegger.
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144
DA IMPOSSIBILIDADE DE UMA PSICOLOGIA SEM ALMA
Rodrigo Cavalheiro de Lima
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Introspecção; psicologia; espírito
Em sua derradeira obra, O mundo Interior, Raimundo de Farias Brito (1862-1917) realiza uma
intensa e seria investigação de todas as correntes psicológicas da época, com a intensão de
encontrar uma Psicologia que atendesse aos requisitos de uma Psicologia filosófica, concluindo
que nenhuma delas atende às exigências de uma Psicologia transcendental. Sua ultima obra se
inicia com uma severa crítica à psicologia moderna, pois esta, baseada na pesquisa de laboratório,
através da experimentação, buscando descrições anátomo-fisiológicas, medida das sensações e
dos atos psíquicos, torna-se irônica mediante a sentença “Psicologia sem alma” a qual
complementa o Filósofo, “uma Psicologia morta”, ou seja, uma Psicologia que não nos instrui
nem edifica, que nada nos diz sobre a energia que reside em nós. Brito diferencia a ciência da
Filosofia, entendendo a primeira como a busca do domínio do homem sobre a natureza, a
segunda como a busca do domínio do homem sobre si mesmo. Então propõe uma Filosofia do
Espírito, uma ciência que leve a conhecer o ser íntimo que é base e sede das ações humanas. Não
sendo o espírito apenas base do edifício do pensamento, mas o principio dos princípios,
resistindo a toda duvida, torna-se o espírito objeto de ciência, possuindo seus princípios e
métodos próprios. Desse modo, identifica a Psicologia com a Filosofia, dando lhe o qualificativo
de Psicologia Filosófica, e é esta a ciência das ciências, a ciência fundamental, ciência da coisa em
si e do ser verdadeiro, pois só a ela é dado entrar no coração das coisas. Para tanto é preciso de
um “método” que não se limite a observar apenas a fenomenalidade, o mundo exterior, a
matéria, é preciso entrar no âmago da pura realidade e ver o que se passa no interior mais
profundo de nosso ser, e isto se da através da “introspecção”.
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A EXISTÊNCIA HUMANA SEGUNDO SØREN A. KIERKEGAARD
Rômulo Gomes
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Estádio; existência; indivíduo; relação; síntese
Vem-se, por meio desse artigo, apresentar o pensamento de Søren Aabye Kierkegaard, que expõe
em sua obra a ideia de indivíduo em relação consigo e com seu Criador. Para o autor, cada
indivíduo é responsável pela sua existência; mas na falta da autenticidade desta, surge o
desespero, doença do espírito que atinge todos os homens. O ser humano é uma síntese de corpo
e alma, portanto de finitude e infinitude, de temporalidade e eternidade. A relação destes termos
dialéticos é o espírito, pelo qual o homem se distingue de todo o resto do mundo. O espírito, ao
relacionar-se consigo, dá origem ao eu, que é a reflexibilidade da relação e a conciliação das partes
da síntese. Contudo, o eu não se estabelece por si mesmo, existe um terceiro termo, um Autor,
que permite ser. Segundo o filósofo, não é o homem que dá a si mesmo o seu próprio ser, mas
participa desse pela responsabilidade de criar sua existência, que é produto de sua vontade.
Fazendo uso da sua liberdade o homem escolhe como dirigir a sua vida. O homem, pela
capacidade de existencializar-se, pode viver de três modos gerais: segundo o estádio estético, ético
ou religioso. No primeiro, estético, o homem deixa-se guiar pelos apetites sensuais e vive uma
vida sem responsabilidades, apega-se ao que é superficial e finito, como a beleza corporal, glórias
e riquezas; no estádio ético, o homem busca o que é melhor para si, procurando ser uma pessoa
boa, conciliando sua vida com as leis éticas; no estádio religioso, por meio da fé, vai-se além da
razão, além do que é ético e acredita-se naquilo que é escândalo, absurdo para os homens de
pouca fé. A cada ascensão de estádio, o homem percebe o que realmente é merecedor de maior
ou menor valor e compreende que nada poderá satisfazer a sua fome de infinito, a não ser o
próprio infinito.
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TIPOS MORAIS
Roni Lenon da Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Wilson Antonio Frezzatti Júnior
Palavras-chave: Hierarquia; moral; tipologia
O objetivo desta comunicação é expor de forma interpretativa alguns dos aspectos
argumentativos a respeito da moral de senhores e da moral de escravos, tendo como base textual
os seguintes escritos do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: o capítulo nono de Além do bem e do
mal: prelúdio a uma filosofia do futuro (1886), intitulado “O que é nobre?” e a primeira dissertação
(“Bom e mau”, “bom e ruim”) de A genealogia da moral: uma polêmica (1887), paralelos a breves
alusões a outros textos do pensador em questão. O intento inicial se desdobra, por um lado,
enquanto uma tentativa de detectar algumas das características tipológicas e hierárquicas de
ambas as morais (senhores/escravos) nestes contextos, e por outro, descrever uma possível
proximidade entre as fontes textuais selecionadas. Isso não consiste em dissecar linearmente
todos os aforismos das seções selecionadas, mas apenas em destacar e descrever o que é
pertinente para a produção deste texto.
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DISCUSSÕES ÉTICAS NOS ESPAÇOS ESCOLARES
Roselene Aparecida Moreira
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Orientador: Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
[email protected]
Palavras-chaves: Escola democrática; educação cidadã; formação ética
O objetivo desta pesquisa é apresentar o espaço escolar como um lugar que propicia a construção
de uma sociedade democrática. Para isto, abordamos algumas das críticas feitas pela visão pósmoderna à formação autônoma, que foram apontadas por Freire. Acreditamos que o conceito de
autonomia é uma categoria central na obra de Paulo Freire e tem importância não só para a
formação profissional, mas também para o exercício da docência, na construção de uma
sociedade democrática. A instituição escolar centraliza a atividade intelectual da educação formal,
porém, há aquela formação caracterizada como educação não formal intrínseca, que contribui na
formação do ser humano que está inserido na sociedade, onde precisa ser um sujeito atuante e
que necessita de regras, normas e consciência para garantir o bem estar individual e coletivo. A
metodologia utilizada será uma revisão bibliográfica dos textos e entrevistas de Paulo Freire onde
trata da autonomia. Nosso principal referencial será: A Pedagogia da autonomia, A pedagogia da
esperança e A pedagogia do oprimido. A pesquisa pretende unir as reflexões filosóficas com a prática
docente, sem tentar conclusões definitivas, pelo contrário, observando a necessidade de unir
sempre a reflexão filosófica na prática docente.
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REFLEXÃO SOBRE PROJETO DE VIDA EM SØREN AABYE KIERKEGAARD
Samuel Schaia
Anhanguera Educacional - FACIAP
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Palavra-chave: Kierkegaard; sofrimento; estádio
Utiliza-se muito frequentemente a frase: “Dinheiro não trás felicidade, mas sofrer em Paris é
muito melhor”. Não, sofrimento é sofrimento em qualquer lugar, ele está dentro do homem; se o
homem for para Paris, Las Vegas, qualquer lugar; O sofrimento lá estará, pois não se trata do
local onde o homem está, mas do próprio homem. Parece que não nos satisfazemos nunca a
respeito do prazer; nossa condição de humanos e, portanto de sobreviventes, nos leva a isso.
Biologicamente, somos animais que lutam pela sobrevivência, correndo atrás de satisfação
fisiológica; como comer, beber, fazer sexo que nos leva a manter a vida e reproduzir a espécie, e,
quando alcançamos essas metas naturais, ganhamos prazer. Mas então “vivemos felizes para
sempre”? Não; logo temos de satisfazer essas necessidades novamente, remetendo ao ciclo da
vida, como em qualquer outro animal. Qual é o sentido da vida? Em suma, buscamos a verdade;
nesse caminho devido o livre arbítrio podemos decidir o sentido de nossas vidas. Quando não
controlamos nossos instintos e vivemos sem buscar uma “independência intelectual”,
naturalmente buscando o prazer imediato, como qualquer outro animal, se tornando vício e não
virtude, entramos em conflito com o mundo, pessoas, animais, etc, e a satisfação não estará
jamais completa.O projeto de vida em aberto, ou dirigido a prazeres imediatos, gerará competição
entre os “animais” pelo meio ambiente, o conflito entre o indivíduo e a lei moral, conflito este
evidenciado no livro “Diário de um sedutor”, de Kierkegaard. Na concorrência pela
sobrevivência “viciada”, com recursos escassos, entende-se que “se ganha quando o outro
perde”, e aí se dá o ideal de “lucro”. O conceito de ganho sobre o outro alimenta o ciclo da
sobrevivência instintiva, estádio estético, segundo Kierkegaard. A reflexão, a “virtude” do livre
arbítrio nos é dada, pela agonia; questionamos o sofrimento, e continuamos nossa busca pela
verdade. Agora usamos métodos teóricos, mentais, racionalistas, empíricos e demais
fundamentalismos para tentar compreender o ser humano como um todo, e enquanto homens,
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não chegaremos jamais à consecução desse propósito. Não tocamos a verdade, apesar de
fazermos parte dela, a verdade universal está no “é” e nós “somos”, estamos presos à nossa
finitude e limites humanos. Compreendendo-o, porém, daremos o “salto da fé” passando ao que
Kierkegaard denomina estágio religioso. “A fé não é cega, é visionária, no sentido não de lhe
faltar, mas lhe sobrar visão. A fé vê no visível o invisível, vê no mundo e em tudo que o mundo
contém a luz, a luz de um paradoxo vivenciado, está fé é o destino de toda a existência humana.
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HEIDEGGER E O PROBLEMA DA ARTICULAÇÃO ENTRE A TÉCNICA E O
PODER
Silvio Alves
[email protected]
Palavras-chave: Técnica; biopoder; controle da vida
Como a técnica e o poder se articulam na época atual? A relação entre a técnica e o poder
aprofunda o pensamento crítico ou contribui para o controle total da vida? Estas questões
norteiam esta investigação, que parte da concepção de técnica de Martin Heidegger, exposta na
conferência A questão da técnica, proferida no Auditorium Maximum da Escola Superior Técnica
de Munique, em 18 de novembro de 1953. Sua crítica da técnica moderna distancia-se da noção
comum da técnica percebida como um meio para alcançar determinados fins e como um fazer do
homem. Para Heidegger, a modernidade é técnica, não porque os instrumentos técnicos
permeiam a interatividade do homem com o mundo, mas pelo fato de que o pensamento
calculista e tecnicista fundamenta a maneira de pensar e de criar dos homens, e, em detrimento
disto, contribui também para o esquecimento do Ser. Nesse sentido, sua problematização não
somente desloca a abordagem tradicional sobre a técnica, mas apresenta elementos fundamentais
para pensá-la no âmbito do poder. Nossa abordagem, portanto, pretende compreender, pelo
menos, três aspectos centrais dessa articulação entre a técnica e o poder: a) como a questão da
técnica, em Heidegger, apresenta-se como um modo de compreender o mundo; b) de que modo
o conceito de biopoder desenvolvido por Michel Foucault no curso Segurança, território e população
(1977-1978) contribui para atualizarmos a noção de poder e a reflexão sobre a técnica e poder; e
c) que aproximações, similaridades e divergências podemos identificar entre a técnica e o
biopoder, a fim de aprofundarmos a compreensão da centralidade da técnica e dos mecanismos
de poder pertinentes ao controle da vida na época atual.
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DELEUZE, SPINOZA E UEXKÜLL:
UM VITALISMO ÉTICO PELA VIA ETOLÓGICA
Sindy Miriam Leite
Instituto Federal do Paraná - IFP
[email protected]
Orientador: Profª. Alan Rodrigo Padilha
Palavras-chave: Ética; etologia; vida
A tese fundamental da ontologia de Spinoza é formulada a partir do ser unívoco sendo
substância absolutamente infinita, ou seja, constitui-se de uma infinidade de atributos, cujos
produtos são modos. Para Deleuze, Spinoza define corpo de duas maneiras, uma cinética que diz
respeito as relações de movimento e de repouso, de lentidão e de velocidade entre partículas. E
outra dinâmica que se remete ao poder de afetar e ser afetado, nessa concepção cinética e
dinâmica pode-se compreender a afirmação deleuziana da ética como uma etologia que serve
tanto aos homens quanto aos animais, porque desse depende somente o poder de afetar e ser
afetado e de suas relações de movimento e lentidão conforme já exposto de antemão. O caráter
etológico da ética é definido por Deleuze no exemplo uexküliano, o carrapato, animal que suga o
sangue dos mamíferos. Ele define esse animal a partir de três afetos: luz, olfato e calor, assim em
um primeiro momento ao subir no alto de um galho, a segunda de se deixar cair sobre o
mamífero que passar debaixo do galho, e a terceira procurar a região mais quente e de pelo. O
homem é definido por duas características, as “ações que se explicam pela natureza do indivíduo
afetado e derivam de sua existência, e pelas paixões que se explicam por outra coisa e derivam do
exterior” (DELEUZE, 2002, p.33). Para Spinoza, a vida é uma maneira de ser, um mesmo modo
eterno em todos os seus atributos. Spinoza inaugura uma nova perceptiva ética que é renovada
por Deleuze: a vida é o centro, sua potência.
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DOUTRINA PURA DA VIRTUDE E ANTROPOLOGIA MORAL EM KANT
Solange de Moraes Dejeanne
Centro Universitário Franciscano - Santa Maria/RS
[email protected]
Palavras-chave: Ser moral; humanidade; pessoa; liberdade; homem como fim em si mesmo
Várias são as passagens dos textos kantianos sobre filosofia moral nas quais se encontram
afirmações e pressupostos que parecem nos autorizar a conceber aí uma antropologia moral
concebida basicamente a partir da condição do homem de ser racional, isto é, uma antropologia
não empírica. Com efeito, Kant afirma que “o homem, e, duma maneira geral, todo ser racional,
existe como fim em si mesmo [...]” (FMC, 64). E não há dúvida de que Kant pensa o homem
como ser moral a partir da sua natureza racional. Na Fundamentação da metafísica dos costumes, assim
como na segunda Crítica e na Doutrina da Virtude, onde Kant trata do desenvolvimento do sistema
da liberdade, a condição de agente moral do homem lhe é atribuída enquanto ser dotado de
razão, isto é, da capacidade de agir segundo a representação das leis. Pois, enquanto ser racional, o
homem pode pensar-se como legislador da sua própria conduta. Assim, tanto a metafísica dos
costumes, quanto a Doutrina da Virtude, que Kant desenvolve a partir de um princípio metafísico
fundamental, apontam para uma antropologia moral. Ou seja, a filosofia moral de Kant parece
implicar elementos para uma antropologia moral depurada de todo elemento sensível da
condição humana. Contudo, há que se considerar que também, para Kant, o homem enquanto
tal não é um ser racional puro, e sim um ser natural racional; e que é exatamente na relação que se
estabelece entre uma lei da razão pura e a vontade do homem, que não é santa, mas pode ser boa,
que Kant situa o imperativo categórico. Ora, a condição do homem de ser racional natural nos
coloca o problema de pensarmos que lugar ocupa (ou ocuparia) no sistema da filosofia prática de
Kant uma antropologia (moral) destituída da dimensão empírica do ser humano. Neste ensaio
trata-se, pois, de analisar alguns elementos que Kant apresenta em seus textos, especialmente na
Doutrina da Virtude, e de fazer notar sob que condições se pode compreender a antropologia
moral kantiana.
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HEIDEGGER E FRIEDLÄNDER: UMA DISCUSSÃO SOBRE A TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DE ALÉTHEIA, NA FILOSOFIA PLATÔNICA
Thayla Magally Gevehr
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Mestrado em Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Claudinei de Freitas da Silva
Palavras-chave: Alétheia; Heidegger; Friedländer
Pretendemos analisar a discussão de Friedländer com Heidegger sobre a interpretação e tradução
do termo grego alétheia. Em A doutrina platônica da verdade, Heidegger traduz o termo por
desvelamento, entendendo, a partir disso, que em Platão houve uma mudança no conceito de
verdade. Platão teria abandonado a concepção originária de verdade como desvelamento,
substituindo-a por adequação (homóiosis). Friedländer, em Platão: eidos, paideia, diálogos, afirma que
a tradução de alétheia por desvelamento conduz a uma interpretação errônea da filosofia
platônica; afirma, também, que na maioria das vezes, embora se possa encontrar duas exceções –
uma em Homero e outra em Hesíodo – o termo é traduzido por verdade. Apresentaremos o teor
dessa discussão e suas consequências na leitura da filosofia platônica.
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A CONSTRUÇÃO DO OUTRO: O ÁRABE EM FRANZ KAFKA
Thiago Ossucci Santello
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Vania Sandeleia Vaz da Silva
Palavras-chave: Poder; dominação; liberdade; alteridade; orientalismo
Edward Wadie Said (1935-2003), no livro Orientalismo: a invenção do Oriente pelo Ocidente, publicado
em 1978, mostrou que a criação discursiva do Oriente como o “Outro”, pelo Ocidente, servira aos
interesses imperialistas das grandes potências europeias. Independente do acerto da tese de Said, a
leitura de Franz Kafka (1883-1924) possibilita uma perspectiva interessante a respeito de como
alguns europeus simbolizavam o árabe e levanta uma série de questões a respeito dos conceitos de
alteridade, poder, dominação e liberdade. Isso fica evidente no conto “Chacais e Árabes”, mas aparece
em outras passagens da obra kafkiana, que permitem repensar algumas das articulações entre os
discursos do poder e alteridade – já que construir discursivamente o outro como não-humano ou menos
humano fornece a justificativa teórica para a dominação de fato, e recoloca o problema da liberdade
cuja garantia é política, como bem o demonstra a obra de Bento Espinosa (1632-1677).
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155
O HOMEM É UM ANIMAL QUE SORRI:
O FENÔMENO DO RISO NA OBRA DE ARTE LITERÁRIA
Toani Caroline Reinehr
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CAPES
[email protected]
Palavras-chave: Riso; carnavalização; ambivalência
O riso é essencialmente humano, uma vez que, como aponta Aristóteles e o confirmam os
estudos de Bergson, somente no homem ele se manifesta, o riso é, portanto, traço distintivo
entre nós e os outros animais. Fenômeno perturbador e perigoso, o riso pode servir como
mecanismo de coesão social, de manutenção de uma ordem, mas também pode, pela inversão,
dessacralizar. Por um lado, apresenta-se como distração da vida, fazendo com que nos olvidemos
momentaneamente de nossa finitude; por outro lado, rimos também da consciência de nossa
morte indubitável, riso do homem que percebe que seu mundo é também representação, sendo
ele próprio personagem: agora um, no instante seguinte, já transformado, sempre outro, e,
ambivalente, sempre o mesmo (ele próprio, o eu, ele outro, o outro dele e o meu). Nosso
objetivo, nesse trabalho, é tratar das questões elencadas, observando o riso na perspectiva de sua
manifestação na obra de arte literária, ancorados nas reflexões de Henri Bergson, Georges Minois
e Mikhail Bakhtin sobre o tema.
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A MANIPULAÇÃO DA ARTE PELO DISCURSO
Ulisses Santo do Nascimento
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB
Bolsista Projeto PIBID Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Ricardo Henrique Resende Andrade
Palavras-chave: Retórica; arte; capitalismo
O presente trabalho pretende discutir as relações entre a retórica (Chaim Perelman) e a
instauração de preços nas obras de arte, destarte, o principal problema de pesquisa é refletir sobre
as técnicas de convencimento e persuasão, apresentadas no tratado da argumentação de
Perelman, e a partir daí, tentar estabelecer uma relação entre os valores das obras e o discurso que
advoga a favor de cada uma delas. Pretendo dialogar com Walter Benjamin, a respeito da
reprodução e a desvalorização da arte em meio aos avanços tecnológicos, desse modo, a principal
reflexão apresentada no texto é a seguinte: Com quais critérios lógicos os críticos de
arte/peritos/curadores, seguem para determinar o nível de qualidade de determinada obra. Sendo
que o juízo de valor e o juízo de gosto é algo pessoal e intransferível. Por fim, o texto discute
uma perspectiva contemporânea de Filosofia da Arte que segue o pensador Arthur Danto,
refletindo sobre o fim da arte, e a grande explosão do capitalismo.
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A JUSTIFICAÇÃO COMO MEIO PARA LIBERDADE EM SANTO AGOSTINHO
Valbert Luíz Cortarelli Júnior
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Palavras-chave: Justificação; liberdade; pecado
Santo Agostinho, após sua conversão, escreve uma filosofia bem parecida com sua vida, de modo
especial em O Espírito e a Letra. O processo de justificação se dá pelo fato do homem estar
privado, parcialmente, da sua liberdade. Sendo assim, já escravo dos vícios, do pecado, o Espírito
age nele, pois o dom da graça já nos é dada na concepção. O início do processo de justificação é
a ação do Espírito, mas só continua por livre decisão individual. Se acaso o Espírito privasse o
direito de escolha da pessoa, ainda que fosse para seu bem, a ação não seria boa por si, todavia,
isso é egoísmo, que é próprio do pecador e não do Espírito. A decisão individual, a qual me
refiro, é a tomada de consciência dos erros que estava cometendo, e a vontade de mudar. E
assim, auxiliado pela graça, e observando as leis, inicialmente, vai sendo justificado também pelas
ações. A liberdade é a última que se alcança nesse processo. A liberdade é entendida
considerando todas as consequências, uma vez que as leis, que outrora eram a base do
discernimento das ações, portanto, uma prisão, agora não são mais necessárias, em outras
palavras, as leis são para os injustos. Qual a necessidade da graça no processo de justificação?
Santo Agostinho diz: “Se o caminho da verdade permanecer oculto, de nada vale a liberdade a
não ser para pecar” (1998, p.21). A graça é a condição e o meio para o bem, evidencia a liberdade
que vai sendo adquirida, e sua perca se não escolher a justiça. Existem dois tipos de leis, e ambas
auxiliam no processo: a lei das obras e a lei da fé. A primeira é que nos leva a pecar e incita a
concupiscência. A outra, enquanto consciência ética do crente, é uma lei que o sujeito segue por
vontade e não por obrigação, pois não é uma imposição, a fim de respeitar o Ser que ele crê sem
ver, e a lei é justa, porque a graça não a deixou ser corrompida.
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EDUCAÇÃO BANCÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA SOCIEDADE:
DEMOCRACIA O REFLEXO NA CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE
Valéria Mazzer Tortelli
Universidade Estadual de Londrina - UEL
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Orientador: Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
Palavras-chave: Oprimido; educação democrática; educação libertária
O objetivo desta pesquisa é apresentar o conceito de “educação bancária” em Paulo Freire,
apontando as implicações que tem com a educação e a construção de uma sociedade
democrática. Primeiramente, a noção de educação bancária e os conceitos de democracia e de
liberdade, e também, as implicações políticas da educação tradicional sobre a democracia e a
liberdade. Os conceitos de oprimido e de liberdade permeiam a obra de Paulo Freire e têm
importância não só para a formação profissional, senão também para o exercício da docência, e
os estudos filosóficos sobre a construção de uma sociedade democrática. A metodologia utilizada
será uma revisão bibliográfica dos textos de Freire, no qual trata do oprimido. As principais
referências são a Pedagogia do Oprimido, a Pedagogia da Esperança e a Pedagogia da Autonomia. Sendo
que esta pesquisa não terá conclusões definitivas, pelo contrário, coloca como relevante a
importância os conceitos de oprimido e liberdade no cotidiano da vida escolar, confrontando
novos problemas.
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MALANDRO OU MARGINAL? BATALHA SIMBÓLICA EM CIDADE DE DEUS
Vera Vilma Fernandes Leite
Faculdade Assis Gurgacz
[email protected]
Palavras-chave: Literatura; dialética da malandragem; marginalidade; violência; batalha simbólica
O objetivo desta comunicação é propor uma nova abordagem em relação à sociedade brasileira e,
principalmente, à literatura brasileira contemporânea. Para isso, faremos uma reflexão acerca da
obra Cidade de Deus (1997), do escritor Paulo Lins, que tem como temática a violência urbana e a
marginalidade, contrapondo-a ao ensaio da Dialética da Malandragem formulada por Antônio
Cândido, e que, por muito tempo, caracterizou – em alguns casos, ainda caracteriza – a
autoimagem do povo brasileiro com a “dialética da marginalidade” proposta por João César
Castro Rocha (2004), que busca superar a desigualdade mediante o confronto, a exposição da
violência em lugar da passividade e conciliação. Para Castro Rocha, a “dialética da malandragem”
– forma descontraída de lidar com a injustiça social do cotidiano – é substituída pela “dialética da
marginalidade” – que representa a ordem conflituosa e que pressupõe a exposição da violência. A
figura-destaque deixa de ser o malandro e passa a ser o marginal, o que foi excluído pela
sociedade e, em vez de se deixar cooptar pelo sistema e transitar entre dois polos, assume a sua
situação de excluído e, de objeto do discurso, passa a ser sujeito de seu próprio discurso. O
enfrentamento desses dois modos de tentar compreender o país cria o que Castro Rocha
denomina “batalha simbólica”, sendo evidenciada, neste trabalho, na tentativa de buscar
elementos da narrativa de Cidade de Deus que contribuam com o modelo das relações sociais.
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AS FONTES DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN
Vinícius Bogdan Orlandi
Universidade Estadual de Maringá - UEM
Orientador: Prof. Dr. Robespierre de Oliveira
Palavras chave: Crítica ao progresso; Benjamin; filosofia da história; historiador; materialismo
histórico
O presente trabalho tem por objetivo apresentar a crítica da cultura feita por Walter Benjamin,
exibindo sua concepção de filosofia da história, bem como suas fontes e influências (o
romantismo alemão, o messianismo judeu e o marxismo). Fazer um apanhado do
desenvolvimento das teses (Sobre o Conceito de História), e por fim, evidenciar o pensamento do
filósofo alemão de que a ideia de cultura parece representar a perspectiva positivista da história, a
qual incorpora características destrutivas em seu conceito, e este contém as “sementes da
barbárie”, que dão a luz ao melancólico desencantamento da arte.
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A ABSTRAÇÃO DO VALOR DE TROCA EM O CAPITAL DE KARL MARX
Viviane Bonfim Fernandes
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Bolsista CAPES
[email protected]
Orientador Dr. Mauro Castelo Branco de Moura
Palavras-chave: Marx; valor de troca; abstrato
A exposição de Marx começa pelo conceito mais abstrato, mais geral, como o próprio Marx
anunciou. No primeiro capítulo de sua obra Marx conceitua o valor da mercadoria, esse é o
começo, o conceito de valor de troca, o que temos de mais abstrato, esse começo não é empírico,
pois, como vimos, não se trata de uma descrição vinda da sensibilidade, pelo contrário, se trata de
uma elaboração do pensamento a partir da realidade. Sendo o valor de troca da mercadoria uma
construção social, em virtude de ser a média dos trabalhos no mercado, se constitui uma
abstração, no sentido de que o trabalho concreto sozinho não explica o valor de troca, e essa foi
a dificuldade encontrada pelos economistas clássicos, não conseguiram perceber a construção
social do valor. O trabalho abstrato, ou seja, a média social dos trabalhos, passa a funcionar
objetivamente como medida de valor. Deste modo, a abstração passa a ter uma existência real
dada pelas próprias relações sociais. No Livro Primeiro do Capital Marx analisa de modo formal e
abstrato as leis de funcionamento do sistema capitalista de produção a partir de seu aspecto mais
puro e idealizado. Esse é o momento da exposição das contradições mais genéricas e potenciais,
que não deixa de conter uma primeira totalização abstrata, que nos esclarece tanto sobre a forma
mais elementar do capitalismo, a mercadoria; quanto sobre seu fim. Somente depois que os
aspectos genéricos são compreendidos é que se torna possível avançar na exposição. Deste
modo, em O Capital existem momentos mais abstratos e momentos mais determinados, é
importante destacar que o movimento de exposição dialética, por mais que faça abstrações e
generalizações, nunca perde de vista a totalidade, por estar sempre vinculado ao real com suas
determinações, tendo-o como pressuposto e retornando a ele.
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A LINGUAGEM PARA A CONSTRUÇÃO DO ESTADO CIVIL EM HOBBES
Yohana Silva Marques dos Santos
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
[email protected]
Palavras-chave: Linguagem; abusos; razão
De acordo com o pensamento de Hobbes no Leviatã, capítulo IV, o uso geral da linguagem
consiste em passar de um discurso mental para um discurso verbal, isto é, passar todos os
pensamentos para uma sequência de palavras. Sendo o discurso mental apenas o raciocínio com
imagens, podendo facilmente esquecermos das muitas coisas que passam pela memória, é
somente, então, através do discurso verbal que fora possível os homens registrarem seus
pensamentos por meio de palavras e comunicar aos outros aquilo que estão pensando. Não
sendo algo bem estruturado, o discurso verbal poderá se comprometer a abusos de linguagem.
Seguindo o pensamento hobbesiano, o conhecimento verdadeiro, então, deve ser buscado
através do estabelecimento de precisas significações, sabendo o que cada palavra significa para
que, então, sejam usadas de forma adequada. Então, para o autor, o primeiro passo para o uso da
razão será calcular as consequências de nomes, isto é, não somente conhecer as causas de um
acontecimento: “mas começar por estas e seguir de uma consequência para a outra” (L, V, p. 40).
Após a eliminação de significações gerais e definindo com exatidão aquilo que se quer dizer é que
o homem usará adequadamente a razão, que o possibilitará chegar à lei natural (Lex Naturalis) que
o privará de “fazer tudo o que possa destruir a sua vida” (L, XIV, p. 112), isto é, o uso da razão
vai impor ao homem sua própria preservação. Desta forma, não é possível desconsiderar a
relevância da linguagem para a política hobbesiana, pois é a partir da exata definição daquilo que
se quer dizer que o homem usará a razão de forma adequada e seguirá o caminho para a sua paz e
segurança, renunciando o seu direito a todas as coisas e mantendo-se em um contrato.
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163
ARTIGOS COMPLETOS*
* A redação e a revisão finais dos textos são de responsabilidade dos próprios autores.
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INTUIÇÃO - UMA VIA AO CONHECIMENTO DO REAL:
PROPOSTA BERGSONIANA AOS PROBLEMAS METODOLÓGICOS DA
FILOSOFIA
Adeilson Lobato Vilhena
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Celso Kraemer
RESUMO: Bergson aponta a metafísica tradicional como a responsável pelas inconsistências do
saber moderno, uma vez que este procede segundo o mesmo método intelectivo da metafísica
tradicional. Tal método torna-se inadequado para abarcar a essência movente da realidade,
porque, sendo da natureza da inteligência analisar o que se apresenta como estático e superficial,
acaba atribuindo ao ser um princípio imutável. A proposta de Bergson de erigir a intuição como
método para a filosofia é uma forma de possibilitar o conhecimento do real, caracterizado como
movimento, duração e tempo real. Sua abordagem teórica é um convite a repensar a essência da
filosofia em meio à tendência de nosso tempo de aceitar o que é prático, fenomênico e relativo.
Palavras-chave: Bergson; intuição; conhecimento; real
1
Crítica aos problemas filosóficos.
A cultura intelectual da época de Henri Bergson, século XIX e a primeira década do século
XX, era fortemente influenciada pelo determinismo científico, cujo ideal era estabelecer a ordem
positivista a toda área do saber, inclusive às ciências humanas.
Dizemos que em tal época, diante da palavra ciência, curvavam-se irreverentes os espíritos
mais fortes. Bergson, envolvido pela mentalidade positivista, aceita o ideal de pôr a filosofia no
mesmo plano que as ciências positivas, mas percebe que com tal mentalidade, se ignoraria o que
ele entende por real e a liberdade em sentido ontológico. Afasta-se então dela, e busca meios de
dar precisão à imprecisão que até então era sustentada na filosofia.
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O problema que Bergson vê se concentra justamente no procedimento metodológico da
análise, que por si mesmo é um método falho e inconsistente. Diz ele: “Analisar consiste
portanto em exprimir uma coisa em função daquilo que não é ela” (BERGSON, 2006 a, p. 187).
1.1.
A metafísica tradicional
Ao olhar para a metafísica tradicional, Bergson percebe que ela é a veia que vem
alimentando as ilusões dos sistemas filosóficos e científicos de sua época, pois tais sistemas se
equivocaram ao promoverem conhecimentos fundados na tendência natural da inteligência, no
que diz respeito em agir sobre aquilo que é prático e estável, deixando despercebido o que
Bergson concebe como real; a mobilidade. Diz ele: “Mas, preocupada antes de tudo com
necessidade da ação, a inteligência, como os sentidos, limita-se a tomar vez por outra, sobre o
transformar-se da matéria, ângulos instantâneos e, por isso mesmo, imóveis” (BERGSON, 1979,
p. 239).
Bergson caracteriza a inteligência como uma faculdade voltada essencialmente para a
matéria, e o fato da metafísica tradicional proceder pelo método intelectivo, estará criando um
abismo entre suas certezas e a realidade em sua essência. Para ele “[...] a filosofia antiga procede
como faz a inteligência. Ela se instala pois no imutável, e tomará apenas ideias” (Ibid., p. 274).
No parecer de Bergson, a metafísica em questão, em vez de adentrar no real, passa apenas a dar
representação intelectual dele. Assim afirma:
Foi assim que a metafísica foi levada a procurar a realidade das coisas
acima do tempo, para além daquilo que se move e que muda, fora, por
conseguinte, daquilo que nossos sentidos e nossa consciência percebem.
Desde então, a metafísica já não podia ser mais que um arranjo de
conceitos mais ou menos artificial, uma construção hipotética
(BERGSON, 2006 a, p. 10).
O pecado da tradição consiste, portanto, em não conseguir se desvencilhar dos hábitos
intelectuais, ao analisar o devir, paralisa-o, crendo que ele é ilusório.
Ao longo do capítulo quatro de L’Évolution Créatrice, Bergson focaliza sua crítica aos
problemas metodológicos da filosofia tradicional, ao que concebeu como a ‘instauração platônica
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da metafísica’, fazendo-nos entender que, desde Platão, a filosofia se encapuzou de ilusões, tal
erro foi se alastrando em todas as áreas do conhecimento, como que uma reação em cadeia.
Vejamos: “Mas, a partir do momento em que se ponham as ideias imutáveis no fundo da
realidade móvel, uma física inteira, uma cosmologia inteira, até mesmo uma teologia inteira
decorrerão, necessariamente” (BERGSON, 1979, p. 273). Nisso, somos herdeiros da filosofia
que vê na estabilidade o real, utilizando-se do enfoque inteligível, capta somente o que é imutável.
1.2.
O relativismo kantiano
Em Introdução à Metafísica, Bergson se refere a Kant da seguinte maneira: “Mas toda a Crítica
da Razão Pura repousa também sobre o postulado de que nosso entendimento é incapaz de
qualquer outra coisa a não ser platonizar, isto é, modelar toda experiência possível em moldes
preexistentes” (BERGSON, 2005, p.57). Com Immanuel Kant, a ilusão filosófica persiste, pois o
caminho metodológico tomado pelo pensador alemão é de inspiração platônica. Segundo ele,
conhecemos o que está no espaço e tempo:
Kant havia estabelecido, dizia-se, que nosso pensamento se exerce sobre
uma matéria espalhada antecipadamente no Espaço e no Tempo e desse
modo preparada especialmente para o homem: a “coisa em si” escapanos; seria preciso, para atingi-la, uma faculdade intuitiva que não
possuímos (BERGSON, 2006 a, p.24).
Kant teria chego ao conhecimento real, se não limitasse a capacidade do entendimento
humano a aspectos intelectivos, rejeitando, assim, o meio para atingi-lo.
Pelo menos num ponto notava Bergson, sublinhando a experiência
fundamental de Maine de Biran, era possível ao espírito humano “atingir
o absoluto” e fazer dele “objeto das suas especulações”, atingir a
realidade “em si” e não só os fenômenos, “essa realidade que Kant
declarava inacessível às nossas especulações” (MARTINS, 1946, p. 14.
Grifo do autor).
Para Bergson, o que Kant rejeita é sim possível, pois o que faltou ao autor da Crítica foi um
pouco de esforço de consciência, de outra forma teria chegado ao absoluto.
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2.
O procedimento metodológico científico
O que Bergson identifica como inconsistência da metafísica tradicional é florescido nas
ciências particulares, por estas se encontrarem arraigadas aos mesmos parâmetros metodológicos.
A ciência moderna, como a ciência antiga, procede segundo o método cinematográfico. Ela não
pode agir de outro modo; toda ciência está submissa a essa lei. É da essência da ciência, com
efeito, manipular signos que ela põe em lugar dos próprios objetos (BERGSON, 1979, p. 284).
Vê Bergson que o conhecimento moderno não escapou da exigência da inteligência de
manipular as evidências sensíveis e estacionárias da realidade, caracterizando-se com o teor
matemático, ao tentar abordar questões essenciais que não se enquadram no âmbito da exatidão,
tais como os elementos que compõem o real; movimento, tempo, duração, acaba demonstrando
incoerências e visão distorcida do real. “O que equivale a dizer que o tempo real, considerado
como um fluxo ou, em outras palavras, como a própria mobilidade do ser, escapa no caso ao
domínio do conhecimento científico” (Ibid., p. 290), diz Bergson.
O caminho metodológico da ciência é inteiramente intelectivo e, os sistemas que adotaram
a inteligência como propulsora da verdade, mostraram apenas fragmentos do real. Rossetti nos
diz que: “A inteligência tem uma visão espacial da realidade e, dessa forma, a percebe como
descontínua e imóvel, percepção que a impede de ver o todo e o movimento essencial da realidade
[...]” (ROSSETTI, 2004, p. 30, grifo do autor).
No Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, Bergson aponta os problemas das psicologias
associacionista e experimental. Essas erram em tentar quantificar os dados da consciência em vez
de vivê-los. Em tais ciências, os dados da consciência, sentimentos, sensações afetivas e
representativas, são tomados como grandezas extensivas. Isso segundo Bergson, é tido como um
grande equívoco, pois uma vez feito da consciência objeto de análise da psicofísica, os dados
internos tornam-se objetivados, passíveis de aumento e diminuição, o que implica em uma
espacialização da consciência. Em sua opinião, os estados da consciência devem ser vividos e não
mensurados. “[...] quanto mais se desce nas profundezas da consciência, menos se tem o direito
de tratar os fatos psicológicos como coisas que se justapõem” (BERGSON, 1988, p. 12).
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O evolucionismo de Spencer é outro para onde se voltam as críticas de Bergson, para
nosso autor, aquela teoria se limita em “[...] tirar o decalque das coisas e modelar-se pelo detalhe
dos fatos” (BERGSON, 2006 a, p. 04). Ainda acrescenta: “Digamos apenas que o artifício comum
do método de Spencer consiste em reconstituir a evolução com fragmentos do evoluído” (BERGSON, 1979, p.
313, grifo do autor).Desse modo, não haveria transformismo, tão pouco evolução. Eis a
ambiguidade de sua teoria, pois concebe a vida como uma combinação físico-química, dito de
outro modo, o elemento determinante da vida já parte previamente de uma determinação objetiva
e externa, de um elemento físico.
3.
A intuição como método
A intuição na proposta de Bergson é a chave que a filosofia poderá usar para adentrar no
real. É o método que se opõe à metodologia intelectiva. Diz Bergson: “Desse modo, nós nos
reinstalaríamos no fluxo da vida interior, do qual a filosofia com muita frequência não nos parecia
reter mais que o congelamento superficial” (BERGSON, 2006 a, p. 22). Tamanha é a necessidade
de Bergson apresentar um novo método para a filosofia, visto que a tradição filosófica
comprimida pelos hábitos da inteligência, negligenciava o que realmente compõe a realidade e
abstraía somente o superficial. O método que propõe Bergson tem como objetivo abarcar a
totalidade de uma forma clara, pois segundo ele “a precisão não podia ser obtida, a nosso ver, por
nenhum outro método” (Ibid., p. 25). Assim ele a caracteriza como: “o ato pelo qual nosso
espírito conhece perfeitamente a verdade” (Ibid., p. 130).
Pelo método intuitivo, Bergson declara uma nova metafísica que se propõe abranger um
conhecimento puro da realidade em si, pois intuir é conhecer e afirmar como as coisas realmente
são, unindo-se a elas de tal forma que se torne parte dela, pois “Conhecer é unir-se a uma coisa e,
em certo sentido, tornar-se a própria coisa; é coincidir o conhecimento do objeto com o
conhecimento de si mesmo” (SAYEGH, 1998, p. 26, grifo do autor).
Dizemos, portanto, que no método intuitivo nos possibilita uma visão ampla da realidade,
o que não se exclui a realidade externa, como a vida em seus aspectos imanentes, mas, além disso,
e de forma bem pertinente, podemos conhecer nosso próprio eu, nosso estado de alma, nosso
espírito, nisso tornamos claro a expressão que a intuição é um conhecimento do espírito pelo
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próprio espírito, isto é, conhecemos nossa origem, história e tempo, nossa interioridade,
portanto, a afirmação do eu sou, torna-se clara e verdadeira, uma vez que é alcançada pela intuição
supra-sensível.
O alcance da intuição consiste em desvencilhar a consciência dos hábitos naturais da
inteligência, ou seja, transcender seu hábito prático de agir sobre o estático. É importante
esclarecer, que o transcender, aqui, não significa o desligamento da vida em sua imanência, pelo
contrário, consiste em uma maior inserção nela. Nos explicita Bergson:
Mas suponham que, ao invés de querermos nos elevar acima de nossa
percepção das coisas, nela nos afundássemos para cavá-la e alargá-la.
Suponhamos que nela inseríssemos nossa vontade e que essa vontade,
dilatando-se, dilatasse nossa visão das coisas. Obteríamos desta vez uma
filosofia na qual não se sacrificaria nada dos dados dos sentidos e da
consciência: nenhuma qualidade, nenhum aspecto do real se substituiria
ao resto sobre o pretexto de explicá-lo (BERGSON, 2006 a, p. 154).
A riqueza que vemos na filosofia de Bergson é justamente a possibilidade da experiência
com o real, ou seja, conhecer a vida em sua essência pelo uso da intuição. Dessa forma, estaria ele
erguendo uma metafísica de ocupação ontológica por excelência.
4.
O conhecimento real
O tripé ontológico que sustenta a realidade, na perspectiva de Bergson, é composto de
movimento, tempo e duração.
O Movimento é apresentado como uma realidade intrínseca à vitalidade, isto é, a vida em
sua essência é movente, pois tudo passou a existir a partir daquilo que ele chama em L’Évolution
Créatrice de impulso original da vida, o Elán vital, fluidez completa
O movimento é ontologicamente o que rege todo o existir. É nele e a partir dele, que se
efetiva o processo vital, “o movimento, qualquer que seja sua natureza íntima, torna-se uma
incontestável realidade. […] Se movimento existe, como uma simples relação: trata-se de um
absoluto” (BERGSON, 1990, p. 159, 161). Contrapondo as afirmações de que a essência do real
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é imutável, Bergson apresenta sua crítica à metafísica platônica, afirmando que o movimento é o
que rege a vitalidade. Rossetti nos diz que
A razão fundamental de tal crítica é que, para Bergson, Platão propõe
como fundamento da movente realidade ideias imutáveis e eternas, assim
concebe um princípio imutável para a realidade. O que é um equívoco
para a visão bergsoniana da realidade, a qual, se verdadeiramente intuída
em sua essência, é puro movimento que se move a partir de si mesmo
(ROSSETTI, 2004, p. 52).
Fechar os olhos para a mutabilidade que nos envolve, é dar ouvidos aos apelos evasivos da
inteligência que, por sua natureza, volta sua atenção para o fenômeno da estaticidade. Uma
filosofia que se dedique na busca da verdade é fundamental e necessário que afaste o véu que
esconde o real, para assim, se pôr no burburinho do movimento, pois “a realidade, intuída em sua
essência, se mostra como puro movimento; puro porque quando intuímos, nosso pensamento se
move junto com o ser” (Ibid., p. 54).
A duração é uma característica intrínseca do real, ou seja, do movimento. Em outras
palavras, entende-se que a vida, impulsionada pelo movimento primário, avança em um ritmo de
criação e transformação.
O que deve ser destacado é que o ato de criar é permeado pela capacidade de mudar, pois o
novo só se torna possível mediante a mudança, porém, ao se falar de mudança, não
necessariamente se exclui características passadas, pelo contrário, elas conservam-se, ou melhor,
atualizam-se no presente.
Para ser mais sucinto, dizemos que o movimento criador é em si memória, pois mesmo
enveredando por caminhos e desdobramentos múltiplos, ao criar uma nova vida, deixa nela
alguns códigos genéticos que foram retidos dos seres anteriores.
O itinerário que percorremos no tempo está juncado dos resíduos de tudo o que
começávamos a ser, de tudo o que poderíamos ter vindo a ser. Mas a natureza que dispõe de um
número incalculável de vias, de modo algum se restringe a semelhantes sacrifícios. Ela conserva
as diversas tendências que bifurcaram ao crescer. Ela cria, com elas, séries divergentes de espécies
que evoluirão distintamente (BERGSON, 1979, p. 95).
A vida como criação, em si é um prolongamento do ponto inicial, uma síntese das diversas
formas de vidas perpassadas pelo movimento criador, uma duração genética.
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Utilizando-se da
171
visão do espírito, teríamos consciência de que o passado se atualiza no presente e estica-se ao
futuro. A duração torna-se consciente a partir do uso da intuição filosófica, pois “pensar
intuitivamente é pensar em duração” (BERGSON, 2006 a. p. 32).
A condição para a duração é a consciência, pois essa última percebe o passado e torna-o
presente, de outro modo, diz Bergson “não se pode falar de uma realidade que dura sem
introduzir nela uma consciência” (BERGSON, 2006 b, p. 56).
Tal consciência, necessariamente tem que ser intuitiva, pois é ela que nos põe em contato
com a duração, ela é memória. Assim define o filósofo francês:
Ela é memória, mas não memória pessoal, exterior àquilo que ela retém,
distinta de um passado cuja conservação ela garantiria; é uma memória
interior à própria mudança, memória que prolonga o antes no depois e
os impede de serem puros instantâneos que aparecem e desaparecem
num presente que renasceria incessantemente (BERGSON, 2006 b, p.
51).
A duração pura é uma qualidade de nossa consciência. “A duração pura apresenta-nos uma
sucessão puramente interna, sem exterioridade” (DELEUZE, 1999, p. 27). Não há, portanto,
nessa duração, influência de um espaço ou de um tempo externo, mecanizado. Ela é um estado
de consciência límpida, percepcionada a partir de si mesma, por isso a certeza de se afirmar como
conhecimento real.
Se o movimento é real, logo deve haver um tempo real, cujo papel é fazer a passagem de
um estado a outro, ou seja, o tempo é o responsável pela mudança, é a ponte de atualização do
que era no que é. Assim, o tempo torna-se uma realidade ontológica.
Bergson põe em cheque o conceito de tempo que perdurou na teoria de Spencer, isto é, um
tempo justaposto, dividido em partes, por essa concepção, o tempo pode ser mensurado, pois é
separado por espaços que impedem a continuidade do movimento, tornando passado, presente e
futuro distantes entre si. A concepção de tempo que sustenta Bergson não possui essas
características, afirma ele: “Sua essência consistindo em passar, nenhuma de suas partes está mais
aí quando outra se apresenta. A superposição de uma parte à outra com vista a mensuração é
inconcebível” (BERGSON, 2006a, p. 04).
O tempo real que se refere Bergson é o tempo da consciência, o qual se diferencia do
tempo mecanicista, isolado e divisível. O tempo freado para ser mensurado não possui duração,
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mas sim instantes, pois uma vez que é superposto uma parte à outra, quebra-se com sua extensão
única. A mensuração está voltada para o imóvel em um determinado espaço. Bergson observa
que essa é uma problemática que perpassa a história da filosofia:
Ao longo de toda a história da filosofia, tempo e espaço são colocados
no mesmo plano e traçados como coisas do mesmo gênero. Estuda-se
então o espaço, determina-se sua natureza e função, e depois se
transportam para o tempo as conclusões obtidas (BERGSON, 2006a, p.
07).
Procedendo pelo que ordena a inteligência, as ciências se bastam com a análise do espaço.
O erro, vê Bergson, se dá quando elas têm a pretensão de tratar com a mesma visão da matéria o
que é espiritual, isto é, reveste os dados da consciência de uma roupagem que não lhe é própria,
elimina sua real essência, o que é qualidade, torna-se quantidade; o móbil torna-se estático, a
duração torna-se instante, a sucessão dá lugar à justaposição. A proposta de Henri Bergson é de
devolver à realidade as características que lhe são próprias, e é mediante ao uso do método
intuitivo que isso é possível.
Referências Bibliográficas:
BERGSON, Henri. A evolução criadora. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
___________. Cartas, conferências e outros escritos. Trad. Franklin L. e Silva. São Paulo: Abril Cultural,
2005. (Os pensadores).
___________. Duração e simultaneidade. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2006 b.
___________. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Trad. João S. Gama. Lisboa: Edições 70, 1988.
___________. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes,
1990.
___________. O Pensamento e o movente: ensaios e conferências. Trad. Bento Prado Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 2006 a.
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. Trad. Luiz B.L. Orlandi. São Paulo: 34, 1999.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
173
MARTINS, Diamantino. Bergson: a intuição como método na metafísica. Porto: Tavares Martins, 1946.
ROSSETTI, Regina. Movimento e totalidade em Bergson: a essência imanente da realidade movente. São Paulo:
Editora da universidade de São Paulo, 2004. (ensaio da cultura; 25).
SAYEGH, Astrid. Bergson: o método intuitivo: uma abordagem positiva do espírito. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 1998. (Teses)
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SCHOPENHAUER E A HIERARQUIA DAS BELAS ARTES
Ademir Menin
[email protected]
RESUMO: A doutrina estética de Schopenhauer vê nas belas artes, mas especialmente na
música, uma via de fuga para a problemática existencial, pois o ser humano é continuamente
oprimido pelo peso dos conceitos, da representação. Na tentativa de encontrar na contemplação
artística uma boa maneira de aliviar a dor ontológica, Schopenhauer expõe, nos dois primeiros
livros da sua obra filosófica principal, ou seja, O mundo como vontade e representação, a sua visão de
mundo, a qual é muito relacionada à cosmovisão platônica. No terceiro livro da mesma obra, o
filósofo apresenta a sua peculiar visão estética, configurando uma hierarquia das artes, sendo a
música a maior de todas e, portanto, a mais apta a levar o ser humano para uma dimensão
espiritual, ou seja, para além dos conceitos.
Palavras-chave: Schopenhauer; vontade; representação; arte; música
Arthur Schopenhauer(1788-1860), na sua obra filosófica principal, apresenta a sua visão
cosmológica. Para ele, o mundo é a nossa representação, ou seja, é aquilo que nós representamos
como tal através dos nossos conceitos, com base naquilo que recebemos através dos nossos
sentidos. Na verdade, para o filósofo de Danzig, o mundo é uma força cega e simplesmente
existe como tal, independentemente dos conceitos. A mente humana não faz outra coisa senão
uma espécie de projeção daquilo que quer que o mundo seja.
Essa tese, “o mundo é a minha representação” (I, 1)4, aparece logo no início da obra
principal de Schopenhauer, como se fosse um resumo de toda a sua filosofia. Baseado nessa
simples e curta frase, ele pretende desenrolar todo o seu pensamento e procura demonstrar a sua
aversão em relação ao mundo representativo como um todo. O filósofo é mais propenso a uma
A obra de Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, é dividida em dois volumes, os quais são indicados em
números romanos (I e II). Ao interno de cada volume, existe uma divisão numérica crescente em números arábicos.
Esse sistema facilita o estudo e a indicação do preciso trecho da obra a que se faz referimento. Usaremos esse
sistema também nessa comunicação, indicando entre parênteses esses trechos do texto quando necessário, inclusive
nas citações.
4
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ideia de mundo como sendo uma força bruta, uma força cega e, portanto, procura uma saída para
libertar o ser humano das amarras dos conceitos e da vida segundo a representação intelectiva.
São os conceitos os responsáveis por grande parte do sofrimento humano e fazem o mesmo
viver angustiado e aniquilado por esse peso que incumbe a todo instante; tem-se a impressão que
Schopenhauer considere a força da representação uma espécie de “pecado original” que subjuga
o ser humano, tirando-lhe a paz de espírito.
Apesar de partir dos pressupostos da filosofia kantiana, Schopenhauer tem um modo
próprio de ver a realidade, pois coloca por um lado o mundo condicionado pelas categorias da
filosofia de Kant, ou seja, espaço e tempo e princípio de causalidade; e por outro lado, a
consciência subjetiva que faz com que o mundo exista assim como o representamos. Portanto,
todo o esforço filosófico de Schopenhauer se concentra na busca de uma solução ao problema
do ser humano, o qual deseja, satisfaz os próprios desejos e depois se entedia, criando um circulo
vicioso, do qual não consegue se livrar. A visão pessimista do filósofo em relação ao mundo é
exatamente essa: o mundo como representação cria uma barreira ao ser humano, como se fosse
uma prisão ontológica onde ele se encontra incapaz de agir espontaneamente. Portanto, é
necessário encontrar um modo de objetivar a vontade, cancelando o poder da representação, ao
menos em pequenos intervalos de tempo. A representação seria toda a carga de preocupações
que fazem a vida tornar-se um peso; d’outra parte, a vontade é aquele viver despreocupado e sem
objetivo aparente, como acontece no cosmos, entendido como situação natural. A representação
é, em Schopenhauer, o mundo apolíneo, ou seja, dominado pelos conceitos e pela ordem; mais
precisamente, é o mundo da razão. A vontade é o domínio de Dionísio, onde tudo acontece com
mais naturalidade e despreocupação: é o reino das artes.
Os momentos de prazer na vida do ser humano são somente momentos fugazes em que o
ser se livra da dor, a qual é uma nota característica da vida humana. Daí parte a busca para poder
encontrar caminhos que libertem o ser dessa dor profunda que o acomete. Esses caminhos são
particularmente relacionados com a estética. O ser humano é capaz de elevar-se além desse
mundo e alcançar um estado de espírito tal que consiga eliminar a dor ontológica, deixando-se
levar pela embriaguez dionisíaca proporcionada pela contemplação artística.
A obra de Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, é composta de quatro livros.
Porém se deve notar que essa obra teve duas edições: uma em 1819 e uma segunda edição em
1844. Essa segunda edição foi acrescida de suplementos que o autor achou por bem fazer para
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explicar melhor algumas passagens da sua filosofia. A estrutura da obra, então, em cada edição é
essa: os dois primeiros livros tratam da visão cosmológica do filósofo; o terceiro livro discorre
sobre o problema estético, ou seja, a via artística como modo de libertar o ser humano das
amarras desse mundo, com os seus conceitos e sofrimentos; o quarto livro, enfim, trata de outra
via de fuga para o ser humano, isto é, a via ética ou ascética.
A via estética do pensamento schopenhaueriano
Concentremo-nos agora somente sobre a via estética, ou seja, aquilo que Schopenhauer
apontou na sua obra como sendo a primeira possível via de fuga dos sofrimentos desse mundo,
na tentativa de aliviar o ser humano do peso que o oprime.
No terceiro livro de O mundo como vontade e representação, Schopenhauer faz uma interessante
exposição sobre as artes em geral. Apesar da peculiar cosmovisão que tem, a sua descrição e
organização das artes segundo uma hierarquia bem definida, é algo para ter-se em conta como
sendo de grande valor, vista a sua complexidade (I, 301-316).
As artes em Schopenhauer são vistas como um complexo de manifestações humanas e uma
forma de conhecimento unitária. Mas organizando as artes segundo uma escala de valores, a
tendência do filósofo de Danzig é aquela de construir uma escala das artes, condenando algumas
a ocuparem um lugar mais baixo nessa escala.
A expressão artística, a qual é uma atividade exclusiva do ser humano, é caracterizada por
afastar-se o mais possível dos conceitos. Nas artes prevalece a intuição imediata da vontade, em
graus diferentes, obviamente. Inclusive, em Schopenhauer, a filosofia não é nada mais que a
tentativa de traduzir em conceitos o conhecimento adquirido através da contemplação artística.
Segundo o estudioso italiano de Schopenhauer, G. Invernizzi5, é exatamente a teoria estética
aquela que explica a filosofia do nosso pensador, o qual possui um vasto e indiscutível
conhecimento no que diz respeito à arte em geral.
Na tentativa de expor a sua teoria estética, o autor diz que existe uma verdadeira hierarquia
ou escala das artes em Schopenhauer. Segundo essa escala, a arquitetura representa o grau mais
5
INVERNIZZI, G.Invito al pensiero di Schopenhauer, p. 173.
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baixo, enquanto que a música ocupa o grau mais alto. D. Jacquette6 expõe com clareza e
resumidamente essa escala das artes, classificando-as em ordem ascendente desse modo:
arquitetura, escultura, pintura, literatura, poesia e música.
Segundo essa escala, as artes figurativas, como a arquitetura, a pintura e a escultura,
assumem uma posição inferior; a poesia e a música assumem uma posição de maior importância.
Quanto mais livre dos conceitos e do mundo fenomênico, mais a arte consegue exprimir-se como
objetivação da vontade. Schopenhauer tende a confundir o peso da matéria com o mundo físico,
fenomênico; o maior exemplo dessa tese é exatamente a arquitetura, pois o material usado por
essa arte é caracterizado pelo peso e pela rigidez da matéria. Por outro lado, a leveza da matéria é
associada ao mundo espiritual, como é o caso da música, a qual é formada de sons, os quais são
constituídos de matéria leve e não pesada, como no caso da arquitetura (II, 511).
Falando das artes, desde a arquitetura até a música, Schopenhauer se expressa nesses
termos:
Após termos considerado até aqui todas as belas artes na generalidade adequada
ao nosso ponto de vista, começando com a bela arquitetura, cujo fim enquanto
tal é clarear a objetivação da Vontade no grau mais baixo de sua visibilidade em
que ela se mostra como esforço regular, abafado e sem conhecimento da massa,
já manifestando autodiscórdia e luta entre gravidade e rigidez; - e fechando a
nossa consideração com a tragédia, a qual, no grau mais elevado de objetivação
da Vontade, traz-nos diante dos olhos justamente aquele seu conflito consigo
mesma, em terrível magnitude e distinção; após tudo isso, ia dizer, notamos que
uma bela arte permaneceu excluída de nossa consideração e tinha de
permanecê-lo, visto que, no encadeamento sistemático de nossa exposição, não
havia lugar apropriado para ela. Trata-se da música. Esta se encontra por inteiro
separada de todas as demais artes. Conhecemos nela não a cópia, a repetição no
mundo de alguma Ideia dos seres; no entanto é uma arte tão elevada e
majestosa, faz efeito tão poderosamente sobre o mais íntimo do homem, é aí
tão inteira e profundamente compreendida por ela, como se fora uma
linguagem universal, cuja distinção ultrapassa até mesmo a do mundo intuitivo
– que decerto temos de procurar nela mais do que um exercitium arithmeticae
occultum nescientis se numerare animi, na qualificação acertada de Leibniz, apesar de
ter considerado só a sua significação imediata e exterior, a sua casca; pois se a
música não fosse algo mais, a satisfação por ela proporcionada teria de ser
semelhante à que sentimos na correta resolução de uma soma aritmética e não
poderia ser a alegria interior com a qual o íntimo mais profundo de nosso ser é
trazido à linguagem. (I, 301-302).
6
JACQUETTE, D., The philosophy of Schopemhauer, p. 145-146.
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178
O fato de que algumas belas-artes sejam de caráter mais espiritual que outras, (ou seja, não
têm tanta necessidade de um suporte material como as outras), faz com que essas artes sejam
mais ligadas ao tempo e menos necessitadas do espaço. Nesse sentido, as duas categorias a priori
de Kant, espaço e tempo, são amplamente propostas no discurso sobre as artes por
Schopenhauer: o espaço é mais necessário às artes visuais, como a pintura e a escultura, mesmo
se estas não excluem o tempo, no entanto que o tempo é mais relacionado às artes não visuais,
como no caso da narrativa e da música. Schopenhauer mesmo aponta a necessidade de um tempo
rigorosamente preordenado no caso da experiência artística de dramas musicais e sinfonias(I,
134).
Nesse caso então, a música, não sendo uma arte visual, não necessita do espaço da mesma
forma que acontece com as outras artes; por outro lado, as artes figurativas, as quais são
estreitamente ligadas ao espaço, tem menos necessidade do tempo para serem experimentadas
esteticamente.
Como Schopenhauer concorda com a concepção platônica de mundo, ao menos em parte,
podemos dizer que ele se refere às artes exatamente com essa concepção, através da qual as Ideias
estão em algum lugar (no Hiperurânio), mas não neste mundo fenomênico, o qual é
necessariamente influenciado pelas categorias a priori de Kant, ou seja, o tempo e o espaço. A
ideia, a qual não entra no princípio de razão, vai além do mundo dos fenômenos, além do véu de
Maia. A arte é a responsável pela realização do passo que constitui um grande salto de qualidade
em relação aos animais e a todo o mundo fenomênico em geral, ou seja, faz o homem ultrapassar
o limiar do puramente sensível.
Tem-se a impressão que Schopenhauer não faça nada mais que expor em modo diferente a
teoria platônica segundo a qual a arte é mimese, ou seja, imitação dos objetos do mundo sensível,
os quais são imitação, eles mesmos, do mundo das Ideias, de forma que as artes se distanciam
ainda mais da verdade. Desse modo, as artes devem ser bandidas do estado ideal, conforme a
teoria de Platão na República7. Dessa concepção de fundo parece provir a escala das artes proposta
por Schopenhauer, o qual não despreza abertamente as artes em geral como o faz Platão, mas se
adverte uma certa tendência a privilegiar umas em detrimento de outras. Nesse caso, a música é
considerada uma arte superior às outras.
7
REALE, G. Platone: tutti gli scritti. (República, Livro X).
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179
Na contemplação estética, segundo Schopenhauer, acontece algo que suspende, nem que
seja só por um momento, o ser das amarras da cadeia causal espaço-temporal. Como diz o
comentador de Schopenhauer, C. Janaway8, é como se acontecesse uma celebração do “sábado”
no meio da penosa servidão da vontade; é um momento de distração, no qual são colocados em
disparte os conceitos.
Apesar de que, na visão de Schopenhauer, só a ascese pode anular o domínio da vontade
sobre o ser humano, libertando-o do paradoxo criado entre os extremos do desejo/dor e do
tédio, as artes constituem um lenitivo para a vida humana, transportando o indivíduo,
principalmente o apreciador de música, em direção a uma dimensão mais leve e despreocupada,
diferente daquela dominada pelos conceitos. Falando sobre a arte em geral, Schopenhauer diz:
“A roda do tempo pára. As relações desaparecem. Apenas o essencial, a Ideia, é objeto da arte. –
Podemos, por conseguinte, definir a arte Como o modo de consideração das coisas independente do princípio
de razão, oposto justamente à consideração que o segue, que é o caminho da experiência e da
ciência. Este último tipo de consideração é comparável a uma linha infinita que corre
horizontalmente; o primeiro, por sua vez, a uma linha vertical que corta a outra linha num ponto
qualquer. O modo de consideração que segue o princípio de razão é o racional, único que vale e
ajuda na vida prática e na ciência; já o modo que prescinde do conteúdo desse princípio é o
genial, o único que vale e ajuda na arte. O primeiro é o modo de consideração de Aristóteles, o
segundo é no todo o de Platão. O primeiro é comparável a uma tempestade violenta que desaba
sem princípio e fim, a tudo verga, movimenta e arrasta; o segundo, ao calmo raio de sol que corta
o caminho da tempestade, totalmente intocado por ela. O primeiro é comparável às gotas
inumeráveis de uma cascata que se movimentam violentamente e que, sempre mudando, não se
detêm um único momento; o segundo, a um calmo e sereno arco-íris que paira sobre esse
tumulto. – Apenas pela pura contemplação (antes descrita) a dissolver-nos completamente no
objeto é que as Ideias são apreendidas. A essência do GÊNIO consiste justamente na capacidade
preponderante para tal contemplação (I, 218).
Tendo presente este trecho da obra principal de Schopenhauer, não se pode não notar uma
certa dificuldade na compreensão sobre o tipo de tempo a que se refere o filósofo. Visto que a
música observa um andamento de tempo que se pode dizer matematicamente exato, parece que
quando ele se refere ao tempo em música e nas artes em geral, não se refere ao tempo mecânico,
8JANAWAY,
C. Self and world in Schopenhauer’s philosophy, p. 276-277.
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180
mas ao tempo assim chamado “psicológico”. Na contemplação artística, portanto, é deixado de
lado o cronômetro para dar espaço a uma dimensão na qual o sujeito não se dá conta do
transcorrer do próprio tempo. Só assim podemos compreender e interpretar o que o pensador
quer dizer com o que ele chama de “bloqueio da roda do tempo”.
Conclusão
Com essa breve exposição em relação à hierarquia das artes em Schopenhauer, se pode
deduzir que o critério de classificação das mesmas deve ser buscado dentro da própria
experiência estética, isto é, quanto mais a arte é ligada à materialidade, tanto mais permanece
ligada também ao mundo da representação e dos conceitos; ao invés, quanto mais a arte se liberta
dos conceitos, tanto mais leva o ser humano em direção ao mundo da vontade. Como exemplo
típico de Schopenhauer para o primeiro caso, se pode indicar a arquitetura; o segundo caso
encontra plena conformação na música, a qual é o mais alto grau de objetivação da vontade: a
música, dentre todas as artes, é aquela que melhor consegue desvelar alguma coisa desse mundo
arcano que é a vontade.
Mais uma vez precisamos notar que o nosso filósofo considera a matéria dotada de peso
e rigidez, uma pedra por exemplo, como alguma coisa de material; a matéria dotada de leveza,
como os sons, é considerada menos ligada à materialidade e, portanto mais espiritual. Essa é uma
concepção que destoa com a ciência acústica moderna, a qual considera o som como sendo um
fenômeno puramente físico. O fato é que essa escala das artes pode ser considerada como tal só
dentro do sistema filosófico schopenhaueriano, o qual tem como objetivo encontrar uma via de
fuga da opressão da vontade sobre o ser humano.
A doutrina estética schopenhaeriana procura alcançar esse objetivo, ou seja, mostrar
como a arte pode livrar o ser humano da trama do mundo da representação, dominado pela
causalidade, para inseri-lo em uma dimensão que vai além das aparências. Neste sentido, a
vontade, ou seja, a força cega da natureza, se torna conhecível através da via estética, isto é, da
contemplação do belo.
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Referências Bibliográficas:
INVERNIZZI, G. Invito al pensiero di Schopenhauer. Milano: Mursia, 1995.
JACQUETTE, D. The philosophy of Schopenhauer. Chesman: Acumen, 2005.
JANAWAY, C. Self and world in Schopenhauer’s philosophy. New York: Oxford University Press,
1989.
NUSSBAUM, M. C. L’intelligenza delle emozioni. Bologna: Il Mulino, 2004.
REALE, G. Platone: tutti gli scritti. Milano: Bompiani, 2008.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Unesp, 2000.(Trad.: Jair
Barboza)
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A CONSTITUIÇÃO DA NATUREZA HUMANA EM DAVID HUME:
DELINEAMENTOS SOBRE NATUREZA DA MORAL
Alderberti Batista Prado
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
RESUMO: O pensamento de Hume ressalta a moralidade inerente à constituição humana e
entende os sentimentos como o princípio que possibilita as relações harmoniosas. Hume afirma
que aprovação e reprovação são percepções distintas, sendo as percepções divididas em
impressões e ideias, afirma ainda que o louvor moral está fundamentado em uma impressão de
natureza reflexiva, que distingue o bem do mal através de prazer e dor, impressões de nosso
sentido externo. Considerados manifestações de nosso sentido interno, os sentimentos se
baseiam na distinção traçada pelas impressões sensíveis e tende a aprovar as impressões que
comunicam prazer. A manifestação dos sentimentos é sempre uma impressão reflexiva, que se volta
para o ínfimo de nossa constituição natural e encontra os aparatos necessários para qualificar a
afecção proporcionada por um caráter.
Palavras-chave: Percepção; impressão; sensação; reflexão; sentimentos
Uma questão norteia o empreendimento teórico ao qual Hume se lança no Tratado9. Ela se
refere aos princípios fundantes de nossa moralidade, a saber, como distinguimos o vício e a
virtude das ações? Através de ideias ou através de impressões10?
No início do livro III do Tratado, dedicado aos assuntos morais, Hume afirma que “nada
jamais está presente à mente senão suas percepções; e que todas as ações como ver, ouvir, julgar,
amar, odiar e pensar incluem-se sob essa denominação.” (p.496). Para Hume, as percepções da
mente se dividem em impressões e ideias.
As impressões são, por definição, percepções de uma vivacidade e força primárias, ou seja,
são experiências sensíveis que fundamentam os juízos que formamos a respeito do mundo, do
Cf. HUME, David. Tratado da Natureza Humana: Uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio
nos assuntos morais. Tradução de Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
10 Cf. Idem, p. 496.
9
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183
conhecimento e, sobretudo, a respeito da moral. As ideias são consideradas por Hume como
cópias das impressões e, por vezes, é designada de percepção fraca. Essa fraqueza se deve ao fato de
elas não serem realidades originais, as ideias são, no entanto, derivadas de nossas impressões, não
se encontram diretamente em nosso aparato sensível e sim em nosso entendimento, remetendose aos sentidos para fundamentar a sua realidade.
O termo percepção se refere a todas as ações da mente e, segundo Hume, esse termo se
aplica também aos sentimentos pelos quais distinguimos o bem do mal na moral. Para demonstrar
que essa distinção está fundamentada em uma percepção, podemos utilizar a passagem na qual
Hume profere que “aprovar um caráter e condenar outro são apenas duas percepções
diferentes.” (Idem, p. 496), pois a distinção entre o bem e o mal, entre a virtude e o vício está
fundamentada numa percepção11 particularmente moral, a distinção que daí resulta será capaz de
qualificar as nossas experiências de acordo com a sua influência sobre os nossos sentidos e a
partir da comunicação de uma impressão de sensação ao nosso sentido interno é que estamos em
condições para aprovar ou condenar uma ação ou um caráter.
Cabe ainda uma subdivisão no que se refere às impressões, elas podem ser impressões de
sensação ou impressões de reflexão. As impressões de sensação se referem às percepções ligadas ao nosso
sentido externo, que capta as qualidades dos corpos como sons, cores, prazer e dor, etc., estas
impressões são chamadas de impressões originais, pois a sua ocorrência na alma não depende de
nenhuma impressão anterior, surgem assim que são tocadas pelos objetos externos à nossa
sensibilidade.
Já as impressões de reflexão são ligadas ao nosso sentido interno, ao modo como somos tocados
pelas impressões advindas do exterior, estas são chamadas de impressões secundárias, pois elas
derivam a sua realidade das impressões de sensação como uma “resposta afetiva12” que suscita o
louvor ou a censura de nossos sentimentos morais, habilitados a nos guiar por entre as ações e
caracteres. Essas impressões são relacionadas às nossas emoções, vontades, desejos, etc., estas
possuem um valor moral, pois estão sujeitas a aprovação e reprovação, conforme o agrado ou
desagrado que acompanha tal percepção.
As impressões de reflexão são derivadas das impressões de sensação, pois, diante das impressões de
dor e prazer, formamos uma ideia sobre tais percepções, “uma cópia tirada pela mente”. Perante
As percepções são classificadas em impressão e ideia; e as impressões são classificadas em impressões de sensação
e impressões de reflexão.
12 Cf. PEQUENO, Marconi. 10 Lições sobre Hume. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p.78.
11
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essa cópia surge uma nova impressão, uma impressão reflexiva, que enquanto tal imprime no
espírito um assentimento pelo prazer e uma repulsa pela dor, suscitando o sentido interno que
aprova ou reprova os caracteres comunicados por esta impressão.
Hume entende as impressões de prazer e dor enquanto impressões distintivas. A distinção que
dessa impressão resulta apoia a nossa decisão moral sobre ações e caracteres. E o prazer ou a dor,
amor ou ódio, consequentemente nos constrange à aprovação ou reprovação. Estas impressões
distinguem o bem e o mal, suscitando um sentimento favorável à virtude e contrário ao vício das
ações.
Como as impressões distintivas, que nos permite reconhecer o bem e o mal
morais, não são senão dores e prazeres particulares, segue-se que, em todas as
investigações acerca das distinções morais, bastará mostrar os princípios que
nos fazem sentir uma satisfação ou um mal-estar ao considerar um certo caráter
para nos convencer que esse caráter é louvável ou censurável. Por que uma
ação, sentimento ou caráter é virtuoso ou vicioso? Porque sua visão causa um
prazer ou desprazer de um determinado tipo. Portanto, ao dar a razão desse
prazer ou desprazer, estamos explicando de maneira suficiente o vício ou a
virtude. Ter o senso da virtude é simplesmente sentir uma satisfação de um
determinado tipo pela contemplação de um caráter. O próprio sentimento
constitui nosso elogio ou admiração. (HUME, 2001, p. 510- 511).
As distinções traçadas pela impressão de prazer suscitam o nosso senso da virtude, e obrigamnos a reconhecer as qualidades morais das ações e caracteres através de um sentimento, que além de
reconhecer um valor ao caráter que produziu a ação, discerne a influência de cada uma dessas
qualidades sobre a vida dos homens. Essas distinções estão fundadas na natureza humana de
modo intrínseco, isto é, podem ser consideradas como uma parte elementar de nossa natureza, de
modo a nos tornar humanos e sermos capazes de estabelecer uma relação harmônica com os
outros seres humanos, reconhecendo humanidade na bondade de seus propósitos e ações.
Hume afirma que essas distinções morais não podem ser fundamentadas na razão, pois a
razão não é capaz de acender uma terna afeição em nosso coração e tocar os sentimentos que nos
conduzem à virtude e nos afasta do vício. As distinções morais, que nos impõe o certo e o
errado, não são capazes de se referir a uma ordem de regras e normas que lhes impõe uma
medida, pois, certo e errado deve estar de acordo nossa própria natureza. E como esses valores
não estão fundamentados na razão, nada justifica o estabelecimento de objetos que transcendam
os limites de nossa própria natureza. A medida para as ações e juízos morais só pode ser
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185
instituída pela experiência dos sentimentos benévolos, sem a influência dos sentimentos, a moralidade
seria incapaz de nos afetar e nos impelir à ação. Como nos diz Hume:
Como a moral, portanto, tem uma influência sobre as ações e os afetos,
segue-se que não pode ser derivada da razão, porque a razão sozinha,
como já provamos, nunca poderia ter tal influência. A moral desperta
paixões, e produz ou impede ações. A razão, por si só, é inteiramente
impotente quanto esse aspecto. As regras da moral, portanto, não são
conclusões de nossa razão. (HUME, 2001, p. 497).
Como a moral não pode ser fundamentada na razão, ela (a moral) não pode dizer o
verdadeiro e o falso, pois, segundo Hume, é papel da razão descobrir a verdade ou falsidade dos
juízos. A verdade e a falsidade fundam-se num acordo ou desacordo que se refere à relação entre
as ideias, sendo que cada ideia já possui referência a uma impressão precedente; ou na relação
entre o juízo e os fatos cuja existência real impõe um acordo empiricamente aceitável para o
nosso entendimento.
Os sentimentos, como afirma Hume (Cf. 2001, p. 498), não são suscetíveis desse acordo e
desacordo, os quais seriam instaurados pelas relações de ideias ou as questões de fato13. Os sentimentos,
enquanto impressões que possuem uma realidade reconhecida pela nossa constituição interna não
carecem de referência à outra realidade que vá além das impressões, uma vez que o próprio
entendimento se refere a essa realidade original, as sensações e os sentimentos, para fundar a
veracidade de seus “juízos impassíveis”.
As ações podem ser louváveis ou censuráveis, mas não podem ser racionais e
irracionais. Louvável ou condenável, portanto, não é a mesma coisa que
racional ou irracional. O mérito e o demérito das ações frequentemente
contradizem e às vezes controlam nossas propensões naturais. Mas a razão não
tem tal influência. As distinções morais, portanto, não são frutos da razão. A
razão é totalmente inativa, e nunca poderia ser a fonte de um princípio ativo
como a consciência ou senso moral. (HUME, 2001, p.498).
Ao tratarmos da natureza da moral no pensamento de Hume, é importante dar a devida
atenção a estas impressões de reflexão, considerando que o nosso senso de moralidade é guiado por
estas impressões. Esse modo de pensar inclui Hume entre os partidários do senso moral que,
enquanto tal, se opõe ao racionalismo, pois essa corrente filosófica considera que a distinção
13
Relação de ideias e questões de fato são, para Hume, os objetos próprios da razão humana.
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moral seria traçada pelo entendimento, segundo as operações básicas da razão: as questões de fato e
a relação de ideias.
Para o filósofo escocês a razão é impotente, não pode influenciar as nossas forças ativas, o
que ela pode é informar a existência de algo que possa suscitar um sentimento; e instruir-nos,
através de uma cadeia causal, sobre os meios adequados para a satisfação de um desejo. Com isso,
não pretendemos dizer que os juízos racionais são ineficazes, mas sim, que eles não nos dizem o
bem e o mal.
Comunicados pelas impressões sensíveis de prazer e dor, bem e mal fixam valores que
motivam o caráter, de modo que o louvor dedicado a esse caráter está subentendido no prazer
que a ação ou o próprio caráter nos imprime. O caráter obrigatório do certo não pode provir do
exterior, tal obrigação deve estar fundada na natureza humana, por isso, é necessário encontrar
em nossa natureza um senso que nos impelirá a ação moral. Hume encontra nos sentimentos essa
norma para a ação e conduta humana.
É importante que se entenda os sentimentos morais como impressões de reflexão de uma força
capaz de nos constranger a aprovar a afeição e benefício presente nas boas ações e recomendá-la
a toda humanidade. Os sentimentos14 seriam a expressão primeira de nossa interioridade em
resposta às afecções empíricas que o nosso sentido externo capta. Assim, quando buscamos o
sentido de uma ideia15 nos voltamos para a impressão original, também o fazemos quando
buscamos um fundamento para os fenômenos morais, buscamos um sentido interno capaz de
fundamentar o mérito que imputamos a um caráter.
Encontramos nos sentimentos morais, próprios de nossa humanidade, uma regra para a
qualificação moral. As qualidades morais não ostentam realidade objetiva, da qual a razão fosse
capaz de determinar um objeto de conhecimento. Os sentimentos preservam a realidade dos juízos
morais, são eles que dão vida à frieza dos conceitos de bem e mal, dão validade às virtudes e as
reconhece enquanto tal. Os sentimentos reconhecem as qualidades das ações e caracteres, assim
como a sensibilidade reconhece as qualidades materiais que afetam o sujeito, comunicando
percepções. São os sentimentos que apreciam o louvor de uma virtude, e o seu mérito fundamentase no agrado imediato que uma ação é capaz de provocar, bem como das consequências
benéficas que as ações são capazes de produzir.
14
15
Compreendidos como sentido interno.
Isto é, das qualidades que a compõe.
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Referências Bibliográficas:
HUME, David. Tratado da Natureza Humana: Uma tentativa de introduzir o método experimental
de raciocínio nos assuntos morais. Trad.Déborah Danowski. São Paulo: UNESP, 2001.
PEQUENO, Marconi. 10 Lições sobre Hume. Petrópolis: Vozes, 2012.
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A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA, NO EMÍLIO DE ROUSSEAU
Alexandre José Krul
Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências - Doutorado. UNIJUÍ/RS
[email protected]
RESUMO: Este artigo é uma pesquisa de revisão bibliográfica que se propõe a refletir sobre a
aproximação proposta por Rousseau entre a educação natural do homem e a educação para a
autonomia do cidadão, em sua obra Emílio. Segundo Rousseau a educação do cidadão é permeada
pela formação moral que inicia na puberdade, com acompanhamento do preceptor, e estende-se
por toda a vida. A educação moral é destacada mais especificamente no Livro IV do Emílio, e
aponta para a tensão entre o amor de si do homem e a opção livre de viver com os outros firmando
um contrato social.
Palavras-chave: Educação. Homem. Cidadão. Autonomia.
Rousseau (2004) critica a educação de sua época, que não se decidiu se quer formar o
homem ou o cidadão. Um dos objetivos da sua obra Emílio é propor uma aproximação entre
esses dois objetivos, ou seja, entre a educação natural e educação civil. Há necessidade de educar
os sentidos, mas também fortalecer a educação do cidadão para ser autônomo e viver em um
Estado, organizado por leis que dirigem-se ao bem comum.
A crítica realizada por Rousseau (idem) se dirige às Instituições educativas de sua época,
principalmente aquelas regidas pela ordem dos jesuítas, acusando-as de formar sujeitos
dependentes e estúpidos, pois querem desde a tenra idade inculcar reflexões que visam a
educação moral. No seu entender, a educação institucional precisa primeiramente promover um
desenvolvimento das forças físicas para depois passar a educação moral.
Rousseau (idem) questiona o fato do ser humano ser ensinado sobre lições de moral desde
a infância, pois é somente no início da juventude, na puberdade, que o homem apresentará
interesses e será capaz de entender racionalmente essas relações a partir de um entrosamento
com outras pessoas na sociedade. Durante a primeira e a segunda infância há apenas uma grande
preocupação do homem consigo mesmo, não existindo ainda sentimentos sociais.
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A educação para uma autonomia moral, encontra seu caminho na experiência do indivíduo
vivendo em sociedade. Para Rousseau (idem) temos que estudar o homem a partir do estudo da
sociedade e estudar a sociedade a partir do homem. Os problemas de um homem em relação a
moral só podem ser resolvidos no seio da própria sociedade. O maior desafio do educador é
fazer com que o homem não escorregue e caia nos vícios que brotam desta convivência.
A moralidade que deve brotar no indivíduo que vive em sociedade torna-se paradoxal
quando a criança convive ou confronta-se com comportamentos e atitudes denegridos e
mascarados. Salinas Fortes (1997) afirma que Emílio é desafiado a viver em uma sociedade que
valoriza, na maioria das vezes, o ter no lugar do ser. A autenticidade, que é própria da natureza
humana, é abandonada ou denegrida enquanto que os desvios sociais próprios de uma vida
aparente são percebidos em ações corriqueiras. Em um contexto social de degeneração social é
que o indivíduo autônomo poderá se questionar sobre determinadas atitudes com que se depara.
Agir com autonomia moral, fundamenta-se naquilo que é para si e para os outros realmente útil e
importante para o bem comum.
Rousseau (2004) afirma que o homem não foi feito para permanecer na infância,
demonstrando com isso que o aspecto amoral com que viveu um longo período, reforçando seus
músculos e conhecendo o mundo a sua volta pelo contato com as coisas, processos descritos nos
Livros I, II e III, devem ser abandonados. A nova postura proposta, descrita no Livro IV; salienta
que viver com os outros implica um desenvolvimento moral fundado na valorização dos aspectos
fundamentais da condição humana.
"Nossas paixões são o principal instrumento de nossa conservação" (idem, 2004, p.287),
portanto a alternativa encontrada por ele é valorizar e desenvolver aquelas que são boas para a
espécie, e não somente aquelas que colocam o indivíduo em vantagem. Embora a paixão mais
vantajosa para o indivíduo, e a única que é inata, e que estará presente em todas as fases da sua
vida seja o amor de si. Muitas outras surgem com o desenvolvimento do indivíduo, porém, em
muitos casos, não passam de ilusões. "O amor de si é sempre bom e sempre conforme à ordem"
(idem, p. 288).
Em vários momentos da vida, a paixão poderá, sob olhar instintivo, apontar vantagens,
porém não passam de ilusões. Paixões são resultados das relações que são construídas pelo
próprio homem, mas se faz importante um constante alerta para que as necessidades, deveres e
preferências não sejam fundamentadas na cega obediência e nem no instinto. "O supremo gozo
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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está no contentamento consigo mesmo; é para merecer esse contentamento que fomos colocados
na terra e dotados de liberdade, que somos tentados pelas paixões e contidos pela consciência"
(idem, p.397).
Um ponto criticado por Rousseau envolve o hábito, já que esse pode criar barreiras para o
desenvolvimento. Assim, como as paixões, os hábitos podem ser bons ou ruins. São bons
quando reafirmam atitudes e comportamentos virtuosos, e são ruins quando criam uma espécie
de carapaça de insensibilidade e preconceitos. Um dos grandes problemas, segundo Rousseau,
acontece quando o homem age de maneira mecânica e fria frente as situações.
Podemos perceber um exemplo disso na descrição do Vigário Saboiano. O jovem
despatriado e sem lar, mente sobre suas opções de vida para conseguir hospedagem e comida,
porém não está consciente de seu comportamento, e ignora as possíveis consequências. Ele
mesmo não sustentou, após alguns diálogos, sua real situação e confessou a sua mentira; como
reprimenda sofreu a punição de ser preso.
É importante que entendamos o conceito de preservação dos traços da natureza, que são a
liberdade, a autenticidade e a bondade. Para Rousseau os traços fundamentais do humano devem
ser conservados, até que este esteja em condições espirituais de entender o processo pelo qual
está passando, sem que haja alguma perda no caminho.
A experiência de convivência, juntamente com o acompanhamento do preceptor é que
auxiliará o jovem a decidir melhor sobre questões fundamentais, identificando as virtudes e os
males que são frutos das relações. A sociedade não é ruim em si mesma, muito menos a natureza
possui maldade, mas o próprio homem por meio de seus atos, pode agir de maneira positiva ou
negativa.
No Livro IV do Emílio, Rousseau apresenta seu aluno inserido-se ainda mais na vida social,
vivendo relações que serão fundamentais para a constituição da personalidade. Na vida civil o
amor de si, por obra da comparação com os outros, transforma-se em amor-próprio, e os freios
desse sentimento que deseja tudo para si é o contrato social. Graças a capacidade de se proteger e
querer o melhor sempre para si, é que a educação poderá lapidar esse sentimento direcionando-o,
por meio da voz da consciência, às necessidades gerais comuns a todos.
Tudo o que o homem recebe de fora de si, pode ser filtrado pela consciência. Segundo
Rousseau (2004) o homem é dotado de uma consciência individual que pode ser denominada:
"voz da consciência". "A consciência é a voz da alma, as paixões são a voz do corpo. [...] Ela é o
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verdadeiro guia do homem; [...] quem a segue obedece à natureza e não tem medo de se perder"
(idem, p.405). Na interpretação de Maruyama (2001), a consciência é um sentimento inato,
diferente da sensibilidade física. A consciência é responsável pelo senso de justiça e virtude que
envolve todos objetos intelectuais da razão humana.
Em outra passagem do Emílio podemos ler a seguinte afirmativa de Rousseau: "Dizem que
a consciência é obra dos preconceitos; no entanto, sei por minha experiência que ela se obstina
em seguir a ordem da natureza contra todas as leis dos homens" (2004, p.373). Partindo desta
afirmação podemos perceber que o homem vive uma tensão entre os próprios desejos e o bem
comum.
A interpretação de Maruyama (2001) é de que a consciência permite à razão, a partir da
observação da natureza, ordenar inteligentemente os atos humanos. Com o auxílio da
consciência, a razão deixa de se limitar à mera descrição das leis da natureza, para postular uma
ordem universal e inteligível, sem a qual não seria possível o conhecimento.
A educação do jovem influência diretamente na construção da autonomia e da
autenticidade, sendo conduzida pelas luzes da razão. O desenvolvimento do homem, bem como
a constituição da moralidade depende de todo o processo educacional; dependem diretamente
das influências resultantes da socialização. É impossível pensar um homem que não sofrerá
influência. A diferença é que o indivíduo educado segundo a natureza, estará fundamentado na
norma de que ele é um indivíduo que pode assumir um pacto como os outros. Todos os
indivíduos estarão dotadas do amor de si, e, portanto terão desenvolvido habilidades de pensar
por si mesmos, diminuindo as chances de terem suas decisões manipuladas por ações de outros
indivíduos. Rousseau (idem) afirma que o homem natural desenvolveu um amor profundo sobre
si mesmo, e se ama tanto que deseja que todos o amem da mesma forma que ele se ama. Pela
convivência um indivíduo observa o outro e, caso não esteja bem consciente do seu papel
enquanto humano, pode se comparar com outro e querer imitar o outro, ou até mesmo deixar
um outro tomar as decisões sobre aquilo que lhe compete. Mas o homem que é influenciado
rapidamente poderá chegar ao seguinte dilema:
O que duplicava meu embaraço era que, tendo nascido numa Igreja que tudo
decide, que não permite dúvida, se eu rejeitasse um só ponto rejeitaria todo o
resto, e a impossibilidade de admitir tantas absurdas separava-me também das
que não o eram. Ao me dizerem creia em tudo, impediam-me de crer em algo, e
eu já não sabia quando parar (idem, p.375).
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A educação rousseauniana chama atenção ao desafio que temos de preservar no homem
seus principais traços de humanidade e autonomia; "se o homem é ativo e livre, ele age por si
mesmo" (idem, p.396). Na leitura de Maruyama (p.43), Rousseau afirma que a atuação pública do
indivíduo supõe "o desenvolvimento das faculdades mentais do indivíduo e sobre a relação deste
com o modo de vida e os costumes de uma sociedade particular".
O Emílio viveu sempre livre, portanto suas necessidades eram suas leis. Para viver em
sociedade, o homem terá que abandonar a liberdade natural, para poder viver com os outros.
Desta forma o homem natural continuará a pensar somente em si, tendo seus atos baseados
exclusivamente no amor de si; pois "O homem, portanto, é livre em suas ações e, como tal
animado de sua substância imaterial" (ROUSSEAU, 2004, p.397)
Se a bondade moral é conforme à nossa natureza, o homem só pode ser são
de espírito ou bem constituído na medida em que é bom. Se ela não o é, e o
homem é naturalmente mau, ele não pode cessar de sê-lo sem se corromper, e
a bondade é nele apenas um vício contra a natureza (idem, p.406).
A educação do indivíduo proposta no Emílio afirma que devemos:
[...] exercitar nele a bondade, a humanidade, a comiseração, a beneficência,
todas as paixões atraentes e doces que agradam naturalmente aos homens e
impedir que nasçam a inveja, a cobiça, o ódio, todas as paixões repugnantes e
cruéis, que por assim dizer, tornam a sensibilidade não somente nula, mas
negativa, e fazem o tormento de quem as experimenta (idem, p.304).
O desafio está justamente em acompanhar a educação do indivíduo, para que tome
decisões autônomas de acordo com o bem comum. Assim, homem e cidadão podem ser
conciliados, não relativizando nenhum. Agir na sociedade de acordo com a vontade geral, não
implica não agir de acordo consigo mesmo, pois as vontades particulares podem ser pertencentes
à vontade geral. O desafio é proporcionar ao indivíduo um desenvolvimento racional do homem
civil, que aprenda a compartilhar interesses e valores de acordo com o bem comum. Portanto,
criar convenções que devem ser seguidas por todos aqueles que realizaram o pacto social.
Embora o homem abandona, segundo o Contrato Social, aquele estado disperso da natureza,
a piedade natural e o amor de si continua vivo em seu interior, é o ponto de referência para que
se forme em seu interior a piedade civil e o amor-próprio.
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193
A vida civil, segundo Rousseau (2010a), permite-nos viver sem os males naturais, mas não
ensina como podemos suportar os males que vem do próprio homem por obra das paixões. Ao
mesmo tempo que o homem se desenvolve, surgem novas dores e vergonhosas glorificações. As
paixões não são boas ou ruins, o desafio está em como o homem conseguirá refrear essas
paixões.
O homem tem dificuldade de se contentar com aquilo que as suas próprias forças lhe
conseguem abastecer, ele quer sempre mais para si, e "o que nos é proibido pela consciência não
é sermos tentados, mas sim deixar-nos vencer pelas tentações. Não depende de nós ter ou não ter
paixões, mas depende de nós reinar sobre elas" (ROUSSEAU, 2004, p. 657).
No Livro IV do Emílio, Rousseau apresenta os pressupostos do desenvolvimento moral,
que tendem a reforçar a autonomia do homem. Tais pressupostos estão voltados sempre para os
objetivos comuns de todo o Estado. A vontade particular não deixa de ser um sentimento, porém
mesmo havendo uma constante tentação de relacionar tudo a si mesmo, cabe ao homem social
resistir a ela, e direcionar suas capacidades para a vontade geral. Essa centralidade do eu necessita
ser superada para que as relações políticas aconteçam, e assim, prevaleça o bem comum, sobre o
bem particular.
Portanto, a educação política proposta por Rousseau salienta que sempre as decisões
precisam estar baseadas na sabedoria humana que valoriza o bem comum. O maior desafio está
em criar condições de se viver bem.
Então, educar o homem para por em prática a vontade geral, pode ser uma possibilidade de
solucionar a contradição entre homem natural e homem civil. Rousseau (2010a) aponta que as
convenções são as melhores formas de organizar o Estado e de formar as leis, sendo assim a
República pode ser o melhor lugar para se viver. Na República o cidadão pode participar das
decisões como legislador, e vai compartilhar com os outros uma liberdade civil que lhe
beneficiará tranquilidade e segurança, pois poderá desenvolver suas aptidões e ser compreendido
como um igual aos demais. A vida pública depende diretamente dos indivíduos envolvidos. A
República somente existe porque os cidadãos, por convenção, a criaram, logo objetiva promover
a vida plena daqueles que ali vivem.
Assim, o que determina a ordem pública são as leis positivas, determinando o que é justo e
bom. Todo homem que pactua em viver no Estado civil, está livre da submissão a qualquer
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instituição e até mesmo a ordem divina. O homem civil age com autonomia e apenas é submisso
ao pacto social, e portanto às leis que dele emergem.
Referências Bibliográficas
FORTES, Salinas. Rousseau, o bom selvagem. São Paulo: FTD, 1997.
MARUYAMA, Natalia. A contradição entre o homem e o cidadão: consciência e política segundo J.J.Rousseau. São Paulo: Humanitas: Fapesp, 2001.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
___________. O Contrato Social. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010a.
___________. Os devaneios do caminhante solitário. Porto Alegre: L&PM, 2010b.
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A RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA POR MEIO DO DOMÍNIO DO SABER
Alexandre Moschen Ortigara
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
RESUMO: A Onipotência é definida pela psicanálise como um constructo do sujeito. Suas
implicações incluem sensação do controle de si, e que outras vezes extrapola o controle do
próprio corpo. Como o sujeito é constituído numa sociedade, que exerce influência sobre ele e
ele sobre ela, essa manifestação onipotente narcísica acontece também na sociedade. Inicialmente
na sociedade primitiva mítica como animismo e, posteriormente, na religiosa como magia e
científica como onipotência do pensamento. Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma
era, pois eram os representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem
na condição de estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo.
Palavras-chave: Onipotência; psicanálise; desenvolvimento humano; narcisismo
Introdução:
Com o advento da psicanálise, no final do século XIX, quando Freud e Breuer 16
postularam sobre o inconsciente, muito se questionou acerca de seus estudos. Ao inserir a
sexualidade infantil nos seus trabalhos, as críticas se acentuaram e nem mesmo Breuer seguiu
Freud, porém, esse seguiu com suas convicções, não sem cometer alguns excessos contra outros
estudiosos que se interessaram por seus postulados e buscaram ampliar sua área de atuação,
entretanto, obteve grande sucesso em sua obra.
Contudo, nem por possuir uma história já consolidada a psicanálise deixa de ser contestada.
Demonstrar se ela possui validade ou não, não será o objetivo desse trabalho, mas, buscar-se-á,
por meio de alguns conceitos que ela fornece, demonstrar como ela poderia estar presente nas
16
Os primeiros escritos da psicanálise foram realizados por Sigmund Freud e Josef Breur.
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relações de autoridade no âmbito social, sendo na religião ou no meio acadêmico, e como essa
relação pode constituir, com manutenção de algumas psicopatologias que se fundam no
inconsciente e se manifestam no humano, mais especificamente a partir da onipotência presente
no humano.
Para esse fim será necessário conceber que o humano possui um inconsciente que contém
os desejos mais íntimos. Esses desejos têm uma carga de energia que conduzem as ações que
possuem muito mais controle sobre o humano que sua própria consciência. É a partir disso que a
psicanálise busca encontrar esses desejos contidos no humano, para que, após manifestá-los, esse
sujeito possa conduzir sua vida um pouco mais leve, ou seja, menos reprimida, com menos culpa.
Ao abordar a onipotência como tema central, faz-se necessário, inicialmente, uma
apresentação do conceito, bem como suas implicações na vida do sujeito nas fases iniciais e
complementares do desenvolvimento.
Onipotência pode ser definida pela própria palavra, que pode ser interpretada como
“aquele que pode tudo”, ou ainda “aquele que possui tudo”. Sua origem psíquica tem origem no
Id, que é constituído pelo princípio do prazer17, e está presente no humano desde o seu
nascimento.
Na primeira fase do desenvolvimento humano, essa onipotência constitui-se na relação do
bebê com a mãe. Nessa relação, a mãe é para a criança parte dela, criando assim uma relação
simbiótica para com a mãe. Com essa simbiose, a onipotência da criança está na figura da mãe,
vez que a função materna satisfaz as necessidades alimentares da criança18. Portanto, a
onipotência está constituída na mãe, enquanto objeto de satisfação plena da criança.
Na fase posterior do desenvolvimento, ou seja, na fase anal, essa relação objetal para com
mãe é introjetada e não mais se encontra (ou identificada) nela. Esse processo dá-se pelo próprio
desenvolvimento do corpo humano, vez que agora ele possui controle esfincteriano19.
Di Loreto (2007, p. 64-68), afirma que nessa fase, em que ocorre o processo de dissociação
da criança com a mãe, também se inicia o processo de dissociação entre impotência e
onipotência. O autor questiona a ausência do termo médio, que seria o caracterizador dos
Ao abordar os processos anímicos (ou psíquicos) inconscientes, Freud busca determinar quais seriam os primários,
e os identifica como Princípio do prazer-desprazer. Nesses processos, se buscará atingir o prazer, e o que for
desprazeroso será recalcado ou reprimido (FREUD, 1911, p. 110-111).
18 A questão alimentar mencionada acima, refere-se a condição de erotização da boca na fase oral. Assim todo o
conhecer da criança se da pela boca, vez que essa é sua zona de satisfação.
19 A fase anal se dá com o deslocamento de energia da erotização, que sai da boca para a região anal.
17
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conceitos tratados acima, sendo ele a potência. Busca, então, por meio de exemplo, definir o
lugar da potência na constituição da criança e, consequentemente, do adulto potente,
diferenciando tanto a impotência e onipotência como gêneses de doenças psíquicas, como de
potência enquanto base de um sujeito confiante para a vida.
1 Onipotência no desenvolvimento humano
A necessidade da potência no humano é o diferencial para a satisfação e pleno
desenvolvimento de suas escolhas, ou seja, a potência seria a utilização adequada desse poder na
ação. Enquanto que impotência fantasiada é a potência existente não exercida, ou utilizada, a
onipotência é potência fantasiada e, portanto, não praticada, pela impossibilidade de se atingir
esse ideal.
O termo fantasia, utilizado acima, se faz necessário para a caracterização real da impotência
e onipotência. Assim define Freud (1911, p. 114-115): “É a atividade da fantasia, que tem início já
na brincadeira das crianças e que depois, prosseguindo como devaneio, deixa de lado a sustentação
em objetos reais”, demonstrando, assim, o real sentido, tanto de impotência quanto de
onipotência.
Nesse processo de constituição e aprendizado, o humano, na sua infância, passa tanto pelo
processo da fantasia de impotência quanto pelo processo da fantasia de onipotência, até
encontrar-se com a sua potência. É nesse processo diastólico e sistólico, ou ainda, de flutuação
entre extremos, no caso Impotência e Onipotência, que ele se apropriaria de sua potência.
Ressalta-se que esse seria o processo idealizado do humano para ter consigo uma plena realização
de existir junto à realidade, ou seja, saindo da fantasia de não poder realizar nada (impotência), ou
ainda poder realizar o que a ele for possível pensar (onipotência).
Em sua obra Totem e Tabu, mais especificamente no terceiro capítulo, Animismo, Magia e
Onipotência, Freud busca demonstrar nossa projeção de Onipotência enquanto sociedade em
constante desenvolvimento. Ao explicar animismo faz referência a Hume, “há uma tendência
universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para
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todo objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão intimamente cônscios”
(FREUD, 1912, p. 124).20
A partir dessa referência, Freud, assim como o próprio Hume, passa a demonstrar como
esse processo de onipotência se dá na sociedade. Inicialmente, essa projeção é somente para com
animais, espíritos ou almas, ou seja, algo que esteja próximo à natureza e que não exija maior
descrição lógica de algo para demonstrar essa “evidência” para a crença. Nesse estágio evolutivo,
a manifestação dessa onipotência é dada pelo feiticeiro, que possui poderes de influenciar os
espíritos para que estes realizem os desejos humanos.
Num segundo momento da evolução do homem, em que esses processos de manifestação
de poder estão mais constituídos, este passa a projetar num deus uno, detentor de poderes que
dão conta de validar a existência de um ser supremo e onipotente, nesse caso o sacerdote é quem
manifesta o poder.
Já no terceiro estágio evolutivo de sociedade, esse processo de onipotência humana, ou
mais claramente, uma “fantasia coletiva de onipotência humana”, se dá pelo processo científico.
E aqui o autor narra o que segue:
Na concepção científica do mundo não há mais lugar para a onipotência do homem, ele
reconhece sua própria pequenez e submete-se resignadamente a morte e às outas necessidades
naturais. Mas a confiança no poder do espírito humano, a contar com as leis da realidade, retém
algo de primitiva fé na onipotência (FREUD, 1912, p. 140).
O ideal humano, concebido no período do Renascimento21 e potencializado no
Iluminismo, é quem guia as ciências. A partir de Kant e sua delimitação do uso da Razão,
surgiram outros ramos das ciências e, hoje, conta-se com uma infinidade de conhecimentos
descritos por métodos que assegurariam a validade das hipóteses levantadas.
A partir de essas hipóteses estarem corretas ou não, percebe-se a satisfação humana nas
suas relações mais triviais. Por vezes não raras, em diálogos dos mais diversos assuntos, nos quais
há uma possibilidade de necessidade de conhecimento brevemente aprofundado, para se ratificar
HUME, David. História Natural da Religião. Na edição da UNESP, de 2005, encontra essa citação na p. 36.
“O otimismo com respeito à razão já era anunciado desde o Renascimento, quando a nova concepção de ser
humano valoriza os poderes do indivíduo contra o teocentrismo medieval e o princípio da autoridade. No século
XVII o racionalismo e a revolução científica acentuaram essa tendência, de modo que no Século das Luzes o
indivíduo se descobre confiante, como artífice do futuro, e não mais se contenta em contemplar a harmonia da
natureza, mas quer conhecê-la, dominá-la” (ARANHA, 2006. p.172).
20
21
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199
ou não uma questão arguida por um dos propositores, os humanos (sujeitos) buscam assegurar
sua condição de estarem certos, ou de estarem de acordo com a validade vigente.
Porém, o que ocorre se depurarmos um pouco esses diálogos é que, em várias ocasiões, o
que os presentes almejam é estarem “certos”. Não há de fato a busca pelo diálogo, que no caso
pressupõe a escuta, vez que ambos somente estão ansiosos em ter sua certeza ratificada.
Com a ciência, quando se busca demonstrar a hipótese, tais diálogos são condicionados à
validade ou nulidade da hipótese. Ou ainda, ratificar a potência argumentativa de um ou de outro.
Por passar boa parte de sua vida convivendo com pessoas que buscam encontrar respostas na
religião para suas angustiantes perguntas e, por a mesma reiterar o processo de onipotência em
que, por meio da divindade, o humano recebe todo poder, o humano reitera somente o ego
primitivo e onipotente. O sujeito onipotente não somente não é capaz de demonstrar a
necessidade do outro (partindo do pressuposto que o homem é um ser social), mas também evita
toda conduta que possa ser julgada de forma eficiente, como por exemplo, expor-se a uma
atividade com outro em que ele não possua domínio ou controle sobre o resultado.
2 A filosofia acadêmica é ciemtífica
A filosofia acadêmica que Nietzsche criticou, se me for permitido uma comparação, em
pouco difere de qualquer disciplina da ciência. O processo de positivação do conhecimento
pouco tem demonstrado modificar o roteiro do saber. Esse método desestimula a liberdade
criativa e de se expressar do sujeito pensante que, por vezes, almeja-se aventurar escrevendo
algumas conjecturas, mas logo é cerceado pela necessidade de fontes, às quais, o sujeito, muitas
vezes, não tem acesso, mas que conjecturou algo, sem a necessidade de consultar Aristóteles,
Platão, Descartes, ou qualquer autor que tenha debatido um assunto de interesse do sujeito em
questão.
Se realizarmos uma reflexão singela e superficial acerca do que diferencia o humano dos
demais animais, poder-se-ia inferir que a principal característica da humanidade seria a mudança,
por conta da capacidade adaptativa própria da espécie, ou ainda, essa capacidade adaptativa.
Com isso, poderíamos deduzir que esse processo onipotente que o humano desenvolve
inicialmente em si e, posteriormente, projeta na sociedade, é mais uma das diversas “condições
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200
humanas” para satisfazer o ego onipotente de estar certo e, para satisfazê-lo, identifica-os em
diversos objetos ou institutos diferentes do querer.
A pregação que o sacerdote, ou orientador espiritual, realiza na sua religião, em pouco se
difere de aulas que muitos professores ministram e, assim como o sacerdote afirma que o livro
sagrado contém todas as respostas, também esses professores o fazem com seus alunos a partir
do ramo do conhecimento que ele atua e acredita dominar.
Na academia, ao seguir um autor, um professor passa, necessariamente, por extensivas
horas de estudos, muitas vezes prazerosos momentos com o autor e, nessa relação, o processo
empático com o autor já se estabelece, ou seja, esse processo de identificar no outro, ou
reconhecer no livro características próprias do sujeito, é algo necessário para a consolidação desse
vínculo.
O professor, então, ao explanar sobre um autor ou um assunto, também estará falando um
pouco de si mesmo. Porém, isso, em muitas vezes, deixa de ser benéfico para condição de
potência do aluno, vez que ele, ao questionar o professor, estará questionando o assunto,
entretanto, pelo vínculo (inconsciente) do professor para com o assunto ou autor, dificilmente
este se deixará ser afetado pela questão, mas, possivelmente, se sentirá atingido por ela.
A provável resposta de um professor do exemplo acima em muito poderá se assemelhar à
pregação do sacerdote quando invoca o deus que pune. Essas semelhanças somente ratificam a
onipotência de ambos e dificultam a descoberta da potência no sujeito em desenvolvimento, em
qualquer idade.
A filosofia acadêmica presente pouco se distancia do método científico em suas exigências
para a escrita acadêmica. Sendo possível afirmar que se vive uma filosofia positiva. Para aqueles
que afirmam que a filosofia é diferente da ciência, não parece equivocado, mas, o oposto também
pode ser afirmado se o processo para aquisição e produção de saberes for trazido à discussão.
A produção filosófica na academia não se refere ao filosofar que o humano é capaz, em
suas mais diversas formas e aplicações, enquanto humano dotado de razão. Essa limitação que a
filosofia recebe de si mesma seria o equivalente ao que ocorre na ciência, e, por conseguinte, sua
proximidade/intimidade com ela se ratifica, ou seja, parece ocorrer um processo de onipotência
em todo o processo acadêmico.
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201
Referências Bibliográficas:
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil. 3ed. São
Paulo: Moderna, 2006.
FREUD, S. (1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: ___________ Obras psicológicas
completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7.
___________.(1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. In:
___________. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013. v. 10.
___________. (1912-1913). Totem e Tabu. In: ___________.Obras Completas. Tradução de Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 11.
___________. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: ___________.Obras Completas. Tradução de
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 12.
___________. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In: ___________.Obras
Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 13.
HUME, David. História natural da religião. Trad. Jaimir Conte. São Paulo: UNESP, 2005.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Lucimar A. Coghi Anselmi, Fulvio Lubisco. São
Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a obra-prima de cada autor; 3)
LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do segundo ano de vida.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de Melo Sobrinho. Rio
de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
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OS PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM A CONQUISTA E A PERMANENCIA NO
PODER NA CONCEPÇÃO DE NICCOLAU MAQUIAVEL
Alícia Beatriz Mallmann Piccinin
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
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RESUMO: Este artigo tem por objetivo descrever de forma breve a organização do Estado para
Nicolau Maquiavel. Segundo ele o homem tende naturalmente a suas inclinações e vícios, sendo
O príncipe a principal obra utilizada aqui, que se trata de um manual ao qual Maquiavel escreve ao
príncipe de Médici, com o intuito de fazê-lo aprender quais devem ser as suas ações perante o
povo e a organização de um principado para que permaneça no poder. Caracteriza que o ser
humano almeja por poder e por isso, seguindo o seu manual alcançará o poder facilmente.
Palavras-chave: Príncipe; poder; povo
Nicolau Maquiavel foi um filosofo que nasceu em Florença na Itália em três de maio de
1469. No período de sua juventude Florença enfrentava uma situação de desordem e
instabilidade, devido ao domínio da Igreja e a queda e retorno dos Médicos22 ao poder. Devido a
está instabilidade Maquiavel que exerceu cargo de destaque na vida pública foi acusado de
conspiração quando retornou ao poder os Médicos, o que ocasionou seu exílio, sendo impedido
de executar sua função pública. Desde então, ocorreu à tentativa constante de Maquiavel para
recuperar seu antigo emprego, o que acabou não acontecendo mesmo depois da redação de O
príncipe que ele escreveu dedicando “ao Magnífico Jovem Lourenzo Dei Médici” na esperança de
que pudesse retorna a vida pública.
Infelizmente depois da publicação de O príncipe, que se trata de um manual de como um
príncipe23 deve agir para obter êxito em sua vida pública ele adoece e morre em junho de 1527.
Médici (em italiano:Médici) foi uma dinastia política italiana. A família teve origem na região de Mugello na
Toscana. O poder político dos Médici aumentou, até que passaram a governar Florença.
23 Na condição de príncipe, refere-se a qualquer governante, seja imperador, rei, presidente, duque, conde, senhor
feudal ou mesmo príncipe.
22
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Maquiavel após a publicação de O príncipe ficou conhecido ora como mestre da maldade,
ora como bom conselheiro. Tem como ponto de partida e de chegada a percepção da realidade
concreta, sendo seu objetivo tratar do estado real. Este autor foi de grande importância, pois
provocou a ruptura com o saber que vinha sendo repetido durante os séculos, ou seja, trata-se de
uma nova conjuntura sobre o pensar e o fazer política, colocando fim a ideia de uma ordem
natural e eterna das coisas e das relações humanas. Caracteriza que a ordem é condição necessária
da política, não sendo natural e não sendo definitiva, sendo construída pelos homens e podendo
assim ser sempre modificada conforme houver necessidade. A ordem é fundamental, pois é
através dela que se pode evitar o caos e a barbaria dos homens.
Maquiavel caracteriza que todos os Estados, governos que tem poder sobre os homens são
repúblicas ou principados. Os principados são hereditários quando pelo sangue seu senhor tenha
sido desde longo tempo príncipe ou são novos. Assim, existem dois modos de principados:
hereditários ou novos. Os principados novos ocorrem quando um novo príncipe conquista a
cidade, ou seja, quando por um ato primeiro de violência ele toma posse de um determinado
local.
O ato primeiro deve ser de violência, pois após a tomada da cidade por este primeiro ato
deve-se instaurar a paz e manter a paz segundo as leis estabelecidas. A partir daí, só se deve
recorrer à violência quando há desordem para que se estabeleça a ordem. Após este primeiro
momento a ordem deve manter-se e deve ser respeitada pelos cidadãos. Uma força bem
empregada inicialmente é necessária para que o povo nesse momento compreenda que houve
mudança e que passe a respeitar o acontecimento, mantendo o respeito por essa ação primeira.
Deste modo se instaura a paz e faz-se de tudo para que aos poucos as leis consigam manter a paz
e que se utiliza cada vez menos o ato de violência. A força mal empregada é quando a violência é
pouco necessária no início para instaurar a paz, contudo depois passa a ser sempre preciso
recorrer a ela para manter a paz.
Há dois rumores acerca do pensamento de Maquiavel sendo eles: o dos grandes e o do
povo. O que diferencia os dois é o desejo em questão de cada um. Os grandes possuem o desejo
de manter o poder de qualquer maneira, enquanto que o desejo do povo é somente o desejo de
querer um governo que não os oprima, é a luta constante pela não opressão. Este conflito que
existe não deve ser eliminado porque é ele que permite esses dois rumores. É necessário canalizar
os conflitos, de forma que esses dois rumores possam manter-se na sociedade. O bom
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governante é aquele que sabe usar este conflito a seu favor, canalizando esse conflito e tirando
proveito dele.
Este conflito torna-se uma condição de liberdade, pois é ele que faz com que as leis
estabelecidas sejam e promovam o bem de todos. A liberdade se dá na geração de leis porque as
leis servem tanto para um quanto para o outro e proporcionam a liberdade. O conflito é o
fundamento para boas leis, que favoreça ambos. O que caracteriza a vida política é o conflito.
A escolha do principado sempre se dá ou pelos grandes ou pelo povo. Um desses dois vai
eleger o principado, ou, em favor de um ou, em favor do outro. Os principados hierárquicos são
os que se mantém mais facilmente no poder, pois o povo esquece com muita facilidade os vícios
e os erros cometidos pelos príncipes, visto que sempre estiveram no poder.
Quando ocorrem os principados novos, ou também denominados mistos, ou seja,
quando alguém de fora da linhagem chega ao principado (podendo ele ter sido eleito pelos
grandes ou pelo povo) é mais difícil de manter o poder alcançado. Pois quando ele entra no
principado ele não vai poder contar com os que eram contra ele. As pessoas que o apoiaram
também não irá poder confiar inteiramente por que do mesmo modo que o apoiaram, eles
podem vir a apoiar outro principado misto e ir contra ele.
Para que um principado misto consiga manter-se no poder, seja ele eleito pelo povo ou
pelos grandes é necessário conquistar acima de tudo o povo. Uma das formas de fazer isso
inicialmente é manter as leis e os impostos. O príncipe deve ir de perto manter seu deprincipado.
Deve também fundar colônias milícias24, pois quando se funda colônias se tem menos gasto para
o principado. Sobre os deveres do príncipe para com seus exércitos, Maquiavel afirma que o
príncipe tem que ter como único objetivo a guerra, sua organização e disciplina, o que lhe
permite conquistar o Estado é ser um profundo conhecedor da guerra. Nos tempos de paz deve
estar sempre exercitando seu pensamento com este propósito, o fazendo de duas maneiras: com
a ação e com a mente. A ação remete as caçadas, por meio delas acostumará o corpo as fadigas,
conhecendo a natureza dos lugares, como se estendem as planícies e observando a natureza dos
rios, sendo este conhecimento útil por duas razões, primeiro, porque se aprende a conhecer seu
próprio país e o príncipe pode melhor identificar as defesas que oferece; segundo, em decorrência
desta atividade, poderá entender qualquer outro novo local que precise observar, pois são
As milícias e exércitos, dos quais afirma serem as bases principais de sustentação do poder, ao lado de boas leis e
ambos têm uma forte ligação entre si. Milícias são os exércitos/soldados que eram disponibilizados aos governantes,
no caso de houver uma guerra, um conflito ou a necessidade de agir pela violência.
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parecidos. Com relação à mente, deve ler as histórias e nelas observar as ações dos grandes
homens, ver como se conduziram as guerras, examinar as causas de suas vitorias e derrotas, para
que possa evitar estas e imitar aquelas, um príncipe jamais pode ficar inerte nos tempos de paz,
deve seguir estas ações, afim de que quando a sorte mudar, encontre-se preparado para resistir.
Assim, a arte da guerra deve ser sempre exercitada.
É preciso que os seus súditos saboreiem das boas ações do príncipe, ou seja, o príncipe
deve conquistar o povo, ser bom com ele para que deste modo consiga manter-se mais
facilmente no poder. Claro que não é somente isso que o fará se manter no poder, mas ter o
povo ao seu lado é de grande ajuda também em qualquer circunstância, pois o que o príncipe fala
ao povo, se o povo o aprova, é levado em consideração e possui valor. O príncipe que deseja se
manter no poder precisa aprender a poder não ser bom e usar isso ou não, dependendo da
necessidade. Seria excelente encontrar em um príncipe todas as características boas, contudo já
que não pode possuir todas, é fundamental que o príncipe prudente as finja, evitando aqueles
vícios que lhe tirariam o Estado. Mas deve-se recorrer a eles (aos vícios), quando com eles se
poderiam salvar o Estado, porque em alguns casos, podem significar segurança e bem-estar,
mesmo sendo vícios.
O principado misto deve evitar que os mais fracos alcancem o poder, pois desta forma o
príncipe adquire maior poder, prestígio e força diante do povo e de todos. É preciso também
estabelecer alianças porque é fundamental estar sempre prevenido com relação às guerras
possíveis e futuras.
Maquiavel deixa claro também o fato de que se o príncipe for se aliar a alguém que possui
tanto poder quanto ele, deve ter em mente que isso abre brechas para futuras traições. Se o seu
aliado possui tanta sede de poder quanto ele próprio, seria uma questão de tempo até o seu aliado
tentar tomar o seu lugar.
Enfatiza o desejo que o homem possui de conquistas, dizendo ser natural de todo homem
tal inclinação. A política segundo ele se estabelece de acordo com esse processo contínuo,
lembrando que a política visa fundamentalmente o poder e a conquista.
Quando ocorrer do príncipe ser eleito pelos grandes, eles agem sempre de acordo com
seus interesses, possuem mais visão e inteligência que o povo. Buscam ficar do lado daqueles que
possuem maiores chances de vencer. O principado quando eleito pelos grandes é tumultuado em
virtude de o príncipe que está no poder estar rodeado de pessoas tão poderosas como ele próprio
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e corre o risco de ser ludibriado e perder o poder/principado para outro grande/poderoso.
Apesar desta dificuldade interna de se manter no principado, o príncipe eleito pelos grandes tem
uma grande vantagem, pois o povo espera que ele vá oprimir e qualquer atitude dele que vá
agradar e favorecer ao povo, como a não opressão, vai surpreender o povo e aos poucos
conquistá-los.
Quando ocorre do príncipe ser eleito pelo povo, a ação esperada do príncipe vai ser
favorável ao povo a não opressão. Contudo como ele foi eleito pelo povo, o povo já espera
justamente por esta ação, ou seja, o povo não se surpreende com a atitude tomada pelo príncipe,
porque já o seguem e já esperavam esta atitude.
O principado eleito pelos grandes já possui o apoio dos grandes. De modo que se
conquista o povo pelas suas atitudes surpreendentes passa a ser apoiado pelos grandes e pelo
povo. Enquanto que o príncipe eleito pelo povo só terá o apoio destes, de forma que o que ele
fizer enquanto príncipe já era esperado pelo povo. Além disso, sendo príncipe ele estará rodeado
de grandes, correndo um risco muito grande de perder o poder. Alguém eleito pelo povo não
possui tanta inteligência quanto um poderoso e também pode ser facilmente ludibriado por um
grande.
A manutenção do principado é mais fácil do que a própria conquista do principado. De
modo que é o povo quem garante a permanência do principado juntamente com a ordem pública
que o príncipe estabelece e que consegue manter.
Ao lado das coisas corruptíveis25 está a fortuna (sorte), ou seja, pode acontecer mais, não se
sabe onde e nem como. É aquilo que é casual, tudo o que não se pode prever/esperar. Aquele
que consegue estabelecer formas de se preparar, enxerga possibilidades de se prever. O homem
de virtu26 é o homem virtuoso que consegue frear os efeitos de uma fortuna, ou seja, freia as suas
consequências.
O príncipe misto deve instaurar seu poder primeiramente por um ato de violência e
depois manter a paz a partir de leis, ou seja, pelo seu uso da virtu. O príncipe dá forma à matéria
conforme a sua virtu.
O homem tende a interesses particulares, ou seja, ele pode tanto tender para o bem quanto para o mau. O que
normalmente ocorre é o homem tender muito mais ao egoísmo do que a bondade, pois sendo egoísta ele muitas
vezes satisfaz seus interesses particulares.
26 Capacidade de agir e fazer o bem. Promover o sucesso. Homem astuto/esperto.
25
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Os homens tendem aos interesses particulares, sendo necessário ser mau em alguns
momentos, no que diz respeito à moral. No caso de uma promessa, existem momentos em que
não se deve cumpri-la, ou seja, se a promessa feita for prejudicar o seu governo a frente não tem
porque cumpri-la. O príncipe para manter-se no poder “[...] é obrigado, [...] a agir contra a fé, a
caridade, a humanidade, contra a religião.” (MAQUIAVEL, p. 88, 1532) é preciso que ele não
aparte-se do bem, porém que saiba entrar no mau quando necessário.
Os meios empregados sempre são em prol do bem comum, visando uma utilidade ao
todo. Os meios utilizados não devem ser aqueles que tornam o principado um tirano, pelo
contrário deve visar ao bem do todo, deve promover a boa ação ao povo, diante da perspectiva
de que o príncipe deve agir sempre de modo a ter o povo ao seu lado, pois desde modo se
manterá mais facilmente no poder.
As melhores instituições são aquelas que duram mais que o seu fundador, porque ela é
reconhecida por outras. A vida em sociedade em Maquiavel se justifica nela mesma.
Assim, conclui-se na visão de Maquiavel que o homem tende naturalmente aos seus
vícios, ou seja, o homem sendo egoísta irá agir sempre na perspectiva de alcançar o poder, para
que assim torne-se poderoso e respeitado por todos.
Referências Bibliográficas:
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Ciro Mioranza. 2. ed. Revista. São Paulo: Escala, s. d.
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A “VONTADE DE PODER” EM NIETZSCHE COMO ÍMPETO POR REALIZAÇÃO
Anna Cecilia Amaral Branco da Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
RESUMO: Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão cujas ideias influenciaram
grandemente o pensamento ocidental, foi uma mente em contraste com seu tempo, combatendo
violentamente o cristianismo, o socialismo e criticando, ainda, os valores morais da burguesia.
Seu pensamento confronta, assim, obras existentes e tendências surgidas na época, tais como: o
positivismo, o voluntarismo e o darwinismo. No temário nietzschiano, um dos pontos mais
intrigantes e, ao mesmo tempo, de caráter ilimitado é a Vontade de Poder (Wille zur Macht). Com
esta concepção, Nietzsche pretende ressaltar que existem forças instintivas do homem que se
exteriorizam através dos fenômenos. Essas forças são inconscientes, vitais e ao mesmo tempo
irracionais, pois impulsionam os indivíduos à destruição. Pretende-se aqui realizar uma
aproximação com esse conceito de Vontade de Poder, defini-lo e sustentar a hipótese de que tal se
traduz em uma espécie de ímpeto para ser, em um impulso à realização.
Palavras-chave: Nietzsche; vontade de poder; ser; realização; vida.
Para Benedito Nunes, Nietzsche foi um pensador solitário na orla do século XIX,
combatendo violentamente o cristianismo e o socialismo e, ainda criticando alguns valores morais
da burguesia. O pensamento de Nietzsche confronta as obras existentes e as tendências surgidas
na época, tais como: o voluntarismo e o darwinismo, dentre outras, todas essas correntes de
pensamento se encontravam em conflito com sua filosofia. Seus primeiros escritos, baseados nas
obras de Schopenhauer, têm caráter estético, dotado de grande força poética e de linguagem
aguda e paradoxal.
No temário nietzschiano, um dos pontos mais intrigantes e, ao mesmo tempo, de caráter
ilimitado é a Vontade de Poder (Wille zur Macht). Com esta concepção, Nietzsche pretende ressaltar
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que existem forças instintivas do homem que se exteriorizam através dos fenômenos. Essas
forças são inconscientes, vitais e ao mesmo tempo irracionais, pois impulsionam os indivíduos à
destruição.
Das obras de Schopenhauer, onde Nietzsche se embriagou em seu iniciar filosófico, ele
retirou a noção de vontade e através desse conceito fez seus escritos de vida e constituição, sendo
vontade de poder o ponto central de sua filosofia. Schopenhauer escreveu e acreditava existir uma
vontade cósmica, única e independente do tempo, mítica, um impulso irracional e sem sentido, uma
vontade universal, o mal e o mau, causa de interminável sofrimento, ligada a extrema
individualidade, onde não há conhecimento, não há Deus e sim uma eterna e frustrante vontade
que sempre dará origem as mesmas coisas, aos mesmos seres e situações, gerando um eterno
retorno, pois sempre tudo o que já existiu voltará a existir, sendo considerada uma concepção
trágica da vida.
E assim, conforme afirma Benedito Nunes, foi dessa noção de vontade cósmica que proveio a
vontade de poder, onde Nietzsche imprime seu conceito de vontade e associa-o a poder/potência,
dando origem a expressão Wille zur Macht (em alemão = vontade/impulso/ímpeto para poder
fazer/ser). Esse ímpeto em que se fundem todos os instintos, primeiro nexo de caráter afetivo e
volitivo entre o homem e o mundo. É nessa vontade, também universal, que tudo domina e que é
dominadora, que o homem tem possibilidades ilimitadas, ou melhor, possibilidade de
possibilidades, de crescer, de expandir e de ser. Dependendo unicamente dele o seu destino e das
condições que a natureza o dotou, condicionadas à sua consciência, moral, razão e lógica.
A auto formação do homem em Nietzsche é natural, biológica e psíquica. Os instintos
humanos primários, cujo objetivo natural é a dominação, podem ser direcionados para outras
finalidades, porém, para Nietzsche são direcionamentos antinaturais, pois impedem as
possibilidades de possibilidades e, nesta concepção trágica para o filósofo, segundo a qual a vida é
instinto e o instinto é poder, a razão infere de forma negativa na auto formação do homem, pois
o limita, sendo considerada um poder eficaz, porém, secundário e a consciência entra em conflito
permanente em relação aos outros.
Para o filósofo alemão, essa vontade não está além do mundo, fora de seus limites, ela se
dá nessa relação, sendo assim, ela é múltipla e se mostra como efetivação real, ou seja, o mundo é
esta luta constante, desequilibrada, apenas tensão que se prova pelo movimento, às vezes
imperceptível e outras vezes impetuoso.
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A vida é vontade de poder, mas não se pode restringi-la apenas à vida natural orgânica. Vida se
expressa é a vontade de poder que está presente em tudo, desde reações físico/químicas simples até à
complexidade da mente humana. Tudo o que acontece no mundo é vontade de poder, é aquela
capacidade de resiliência, de se expandir, de se superar, de se relacionar, de se associar para se
tornar maior, pois todas as forças, no fim, sempre buscam sua própria expansão. A busca
constante por dominar, por ser cada vez mais forte, por subjugar outras forças anêmicas ou
mesmo absorvê-las. As relações naturais recorrentes diariamente demonstram isso, animais que
subjugam outros animais, sistema sanguíneo que produz sempre a quantidade de sangue
necessária e suficiente para a sobrevivência, dentre outros, são exemplos de vontade de poder,
que não descansa um só momento, mas que sempre está em busca de conquistar mais, de realizar
mais.
Quem estuda física sabe que nesta ciência, potência ou poder é a capacidade que algo tem
de realizar algum trabalho, de executar algum feito, já na filosofia de Nietzsche, vemos vontade de
poder/potência como a capacidade que a vontade tem de efetivar-se, de se tornar plena e realizada,
vemos aqui o princípio da vontade de poder como ímpeto por realização.
Nietzsche através de seus escritos afirma que o homem quer ser o dominador, quer criar
valores, provocar sentidos próprios, ser muito mais do que um ente que procura apenas
sobreviver ou adaptar-se ao mundo, ele quer ser ativo no mundo, criar suas próprias condições
de poder, criar seus feitos; ele quer ser, fazer, criar, ter e principalmente realizar.
Quando Nietzsche fala da vontade de poder, ele não quer dizer que o poder pode ser
representado, ou que a vontade deseja um poder que não tem, para o filósofo o poder é aquilo
que quer na vontade, um sempiterno sim, uma afirmação do poder na vontade quando este diz
sim ao devir, quando o realizar se sobrepõem e traz a alegria na afirmação:
Vontade! – assim se chama o libertador e o mensageiro da alegria: - eis o que
vos ensino, meus amigos; mas aprendei também isto: a própria vontade ainda é
escrava. O querer liberta; mas, como se chama o que aprisiona o libertador?
“Assim foi”: eis como se chama o ranger de dentes e a mais solitária aflição da
vontade. Impotente contra o fato, a vontade é para todo o passado um
malévolo espectador.A vontade não pode querer para trás: não pode aniquilar o
tempo e o desejo do tempo é a sua mais solitária aflição.O querer liberta: que
há de imaginar o próprio querer para se livrar da sua aflição e zombar do seu
cárcere?Ai! Todo o preso enlouquece! Também loucamente se liberta a vontade
cativa. (NIETZSCHE, 1957, p. 171 e 172).
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Neste trecho de Assim falava Zaratustra, sobre a redenção, o filósofo faz uma reflexão
muito profunda entre o querer e a vontade, colocando a vontade como aquela que liberta e ao
libertar traz a mensagem de alegria, provoca o contentamento do que era até então cativo.
Entretanto, ao mesmo tempo em que liberta também se encontra na condição de escrava, sendo
subjugada pelo que o passado representa na vida daqueles que estão acorrentados, aprisionados
pelo que sempre foi, não se permitindo ser diferente, querer, viver e realizar de forma diferente
do que até então se fez.
Em Nietzsche a vontade não deve querer olhar para trás, e nem observar o passado, ela
deve olhar para frente, visualizar o futuro e o que pode realizar a partir de então, ser completa e
plena de si, dar sentido e criar valores, se libertar de seus próprios limites e ir ao alcance de novas
fronteiras, se libertar das demarcações que a impedem de expor seu ímpeto por realização. O
querer deve utilizar sua própria capacidade de criar e imaginar para se livrar da aflição, porém,
esse imaginar pode ser considerado loucura por muitos, e é essa loucura que em seu ímpeto, em
sua ânsia pelo que deseja realizar, promove a libertação.
Esse ímpeto por realização cresce, ultrapassa e vai além de seus limites, transborda, cria,
compõem, inventa, produz, liberta, e, vem de encontro às aspirações do filósofo, a criação de
valores. Assim, de modo escalar e hierárquico, algumas forças são impelidas a mandar e outras
submetidas a obedecer, e esse ativismo ou pacifismo das forças leva Nietzsche a criar sua
genealogia da moral e objetiva realizar a transvaloração dos valores, assumindo que ao homem
moderno é necessário reapoderar-se de sua vontade de poder para voltar a criar seus próprios
valores, realizar experimentos, estabelecer novas hierarquias, ultrapassar seu tempo e seus valores,
ser extemporâneo à sua geração.
Desta forma, o homem para Nietzsche poderá superar a si mesmo, se livrar dos limites que
o restringem, arrancar as amarras que a sociedade colocou sobre si por séculos, e assim ser capaz
de entender o mundo sem se deixar enveredar por explicações metafísicas, dando novos sentidos
e novas significações para os fenômenos que acontecem.
Mas assim o quer a minha vontade criadora, o meu destino. Ou, para o dizer
mais francamente: esse destino quer ser minha vontade. Todos os meus
sentimentos sofrem em mim e estão aprisionados; mas o meu querer chega
sempre como libertador e mensageiro de alegria. “Querer, liberta!”; essa é a
verdadeira doutrina da vontade e da liberdade; tal é a que ensina Zaratustra. [...]
Na investigação do conhecimento só sinto a alegria da minha vontade, a alegria
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do engendrar; e se há inocência no meu conhecimento, é porque nele há
vontade de engendrar. Essa vontade apartou-me de Deus e dos deuses. Que
haveria, pois, que criar se houvessem deuses? A minha ardente vontade de criar
impele-me sempre de novo para os homens, assim como é impelido o martelo
para a pedra. (NIETZSCHE, 1957, p 107).
Novamente nesta passagem, o filósofo trata do querer como libertador, da vontade
criadora como mensageira da alegria, procurando se libertar do destino que tão incisivamente o
acorrenta. A vontade de criar e de realizar é a causadora da alegria, pois é na criação onde há o
conhecimento e nele se encontra o contentamento. Para tanto, o filósofo precisou se afastar de
toda a explicação metafísica, precisou se afastar das concepções de divindades, pois não existe
capacidade criadora se for considerado a existência de deuses. Tendo em vista que, se existem
deuses estes bloqueiam ou impedem a vontade criativa e a capacidade realizadora dos homens.
Assim, de acordo com Kahlmeyer-Mertens, a vontade de poder em Nietzsche está em
ligação com o eterno retorno, onde o filósofo procura descrever o caráter sempre atual e sua
constante inserção ou reaparecimento no modo de ser da realidade. A vontade é vista como algo
que o ser humano possui ou não, estando em ligação direta com a possibilidade de escolha, ou
com o então conhecido, livre arbítrio. Este ser, que de posse do livre arbítrio, realiza, ou melhor,
produz realizações de acordo com o movimento essencial do tempo e na configuração do
instante.
Sendo assim, a vida se mostra e retorna como impulso ou ímpeto para a realização, para ser
possibilidade de possibilidades, possibilidades estas que se configuram no instante,
concretizando-se apenas uma por vez, uma a cada instante no tempo.
Vida, segundo Nietzsche, é o movimento sempiterno de diferenciação da vontade, tendo
este sempiterno o caráter do eterno retorno, que determina o instante em sua
circularidade. Vontade de poder/eterno retorno diz respeito a toda e qualquer
dimensão do acontecimento de realidade, narrando, enquanto existência, a
assunção fundamental da vida em sua cadência, instauração, vigência e
propriedade (KAHLMEYER-MERTENS, 2011, p. 6)
Finalizando esta exposição, pode-se concluir que Nietzsche, diferentemente de
Schopenhauer, conseguia visualizar na vontade de poder uma força positiva sobre o homem, uma
força que o mobiliza a ultrapassar obstáculos, a vencer desafios e a ser muito mais do que mera
possibilidade, sendo capaz de por esse impulso ou ímpeto, realizar coisas mais grandiosas e
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fascinantes do que se vivesse apenas amarrado pela camisa de força que a sociedade lhe impõe.
Daí se reduzir quase tudo na existência à essa luta pela vontade de poder (Wille zur Macht), essa
necessidade incondicional do homem de incessantemente lançar-se sobre os demais homens e
objetos da natureza, com vistas a seu domínio, querendo ser senhor de todos e de todas as coisas.
Uma vontade vital, amoral, que independe de conceitos éticos, uma pulsão incontrolável, uma
vontade de poder, uma vontade de ser, vontade como ímpeto por realizar.
Referências Bibliográficas:
BUCKINGHAM, W. et al. O livro da filosofia. (tradução Douglas Kim) São Paulo: Globo, 2011.
KAHLMEYER-MERTENS, R. S. A gênese do problema moral segundo F. W. Nietzsche. Revista
Litteris, v. 7, p. 30-55, 2011.
MARÇAL, J. (Org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-Pr., 2009
MARTON, S. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. 3ª ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010.
NIETZSCHE, F. W. Assim falava Zaratustra. Col. Universidade. Trad. José Mendes de Souza. Rio
de Janeiro: Tecnoprint - Edições de Ouro, 1957.
NUNES, B. Filosofia Contemporânea- Trajetos iniciais. São Paulo: Ática, 1991.
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MENTE E EXTERNISMO SEMÂNTICO NA FILOSOFIA DE PUTNAM
Bruno Fernandes de Oliveira
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Remi Schorn
Coorientador: Prof. Dr. Luiz Henrique de Araújo Dutra
RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de investigar e apresentar o que o filósofo
estadunidense Hilary Putnam entende por mente, e qual a importância deste conceito para o
externismo semântico em sua filosofia da mente e da linguagem. Para tanto se faz necessário
compreender o conceito de funcionalismo e, em seguida, a relação da teoria dos estados mentais
com externismo semântico. Neste sentido surgem questões como: a mente pode ser reduzida ao
cérebro? Qual a natureza dos estados mentais? Como os estados mentais se relacionam com o
cérebro? Estados mentais são produtos da vida biológica? Computadores podem possuir estados
mentais? O externismo supera o funcionalismo? Sendo assim, pretendemos problematizar os
conceitos de mente, estados mentais e externismo na evolução da filosofia de Putnam.
Palavras-chave: Mente; externismo; Putnam
O que é funcionalismo? O funcionalismo, em filosofia da mente, é uma teoria que trata das
questões relativas ao problema corpo- mente, e pode ser explicado por teses que envolvem e
remontam uma teoria da mente. Trata da relação da mente, dos fenômenos mentais e dos seus
componentes físicos, ou seja, o funcionalismo é uma teoria que trata os eventos e estados mentais
como não físicos. Os eventos e estados mentais não são produtos de uma análise eletro físicoquímica, mas sim funcionais.
Hilary Putnam nos anos 60 formulou sua teoria sobre o funcionalismo (podemos chamá-la
de funcionalismo computacional), e tratou que eventos e estados mentais não são reduzidos à
processos biológicos, mas, sim, a funções causais. Segundo Kim:
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O funcionalismo também é frequentemente considerado uma forma de
fisicalismo não-reducionista. De acordo com esta posição, as propriedades
psicológicas não são propriedades físicas ou neurais (caráter do fisicalismo
reducionista), mas tipos funcionais, em que um tipo funcional é uma
propriedade definida em termos de estímulos (inputs) e resultados (outputs)
causais.Para dar um exemplo familiar, a dor é dita ser um tipo funcional, em
que estar com dor é estar em algum estado físico/biológico, que geralmente é
causado por certos tipos de inputs (por exemplo, danos nos tecidos) e que faz
com que causa determinados outputs (por exemplo, gemer, estremecer,
comportamento de fuga). (KIM, 1999, p. 646).
O funcionalismo pretende definir o cérebro como uma máquina (um computador), no qual
a mente é um programa e o computador ao receber informações processa essas informações por
meio do programa que recebe através de um input. Segundo Claudio Costa:
Particularmente impressionante é o assim chamado funcionalismo da máquina,
posto em circulação por Putnam, que se vale de uma analogia entre cérebros e
computadores. Um computador é um hardware, um sistema material, no qual é
implementado um software, o programa, que é constituído por um sistema de
regras que permitem o processamento dos dados recebidos. Ora, também nós
somos constituídos por um hardware, que é o cérebro, e por um software, ao qual
damos o nome de mente! Assim, a mente nada mais é do que o programa
implementado no cérebro, e os estados mentais são os seus estados funcionais.
Certamente o “programa mental” nada tem a ver com os softwares que são
atualmente implementados em computadores, mas o princípio é o mesmo.
(COSTA, 2005, p. 28-9).
De fato a proposta funcionalista de Putnam ganhou muita influência no cenário da filosofia
da mente. Embora, o filósofo, hoje, rejeitou em parte o funcionalismo, isso não faz da teoria um
grande fracasso. Muito pelo contrário, ela trata de questões importantes para o atual contexto da
filosofia da mente, como: a causalidade mental, teoria da identidade, externismo semântico e
internismo semântico. Feito, brevemente, a análise do funcionalismo em filosofia da mente,
passamos agora a analisar o artigo “A natureza dos estados mentais” (1975) de Putnam.
II
Em “A natureza dos estados mentais”, Putnam inicia seu artigo questionando sobre a
“dor”, ou seja, parte das seguintes questões: 1) como sabemos que as outras pessoas têm dores?
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2) as dores são estados mentais? 3) o que é a análise do conceito dor? No entanto, a questão que
o filósofo pretende elucidar é: as dores são estados mentais?
O conceito dor, ou a sensação de dor, toma um lugar privilegiado no funcionalismo.
Putnam parte da premissa que estados mentais ou a relação desses estados mentais tem com o
comportamento corporal não são reduzidos a aspectos físicos. O que Putnam quer dizer é que o
conceito dor não é o mesmo conceito (ou, não é sinônimo) de estar em um determinado estado
cerebral.
É importante destacar que o funcionalismo se difere do behaviorismo. Enquanto o
behaviorismo sugere input perceptual e output comportamental, sem identificar estados internos,
como por exemplo, a visão de nuvens escuras, que por sua vez causa estados internos, como o
pensamento de que as roupas no varal ficarão molhadas, e que o guarda-chuva o protegerá ao sair
- o que causa output - como o ato de recolher a roupa e pegar um guarda chuva ao sair (Cf.
COSTA, 2005, p. 28). Neste ponto que o funcionalismo se difere do behaviorismo; os
behavioristas não deram atenção aos estados internos, ao contrário dos funcionalistas atribuindo
à teoria os estados internos. Segundo Churchland:
Essa concepção pode trazer o behaviorismo à mente do leitor, e, de fato, ela é
herdeira do behaviorismo. Porém, há uma diferença fundamental entre as duas
teorias. Enquanto o behaviorismo esperava definir cada tipo de estado mental
exclusivamente em termos de entrada de dados do meio ambiente e saídas
comportamentais, o funcionalismo nega que isso seja possível. Para o
funcionalista, a caracterização adequada de quase todos os estados mentais
envolve uma referência não-eliminável a uma série de estados mentais com os
quais o estado mental em questão está conectado em termos causais, e, assim,
uma definição reducionista exclusivamente em termos de entradas e saídas é
totalmente impossível. Dessa forma, o funcionalismo está imune a uma das
principais objeções contra o behaviorismo. (CHURCHLAND, 2004, p. 68).
Segundo o modelo funcionalista de Putnam, estados mentais não podem ser reduzidos a
estados neurofísiológicos, ou estados cerebrais. A dor não pode estar localizada
especificadamente em uma localização neural, caso contrário, afirma Putnam, a dor é possível em
qualquer sistema nervoso.
Para justificar a sua tese que a dor é possível em qualquer sistema nervoso, ou em qualquer
estrutura neural cerebral, Putnam apresenta o exemplo do reino animal, no qual existem diversas
estruturas cerebrais, em diversas espécies animais. No entanto, essas diferenças estruturais em
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nada modificam o resultado da dor, ou seja, os estados mentais ou os estados funcionais não
sofrem nenhuma alteração em relação à dor. O que o filósofo quer dizer é que os estados
mentais não são exclusivos dos cérebros humanos, podemos falar em inteligência artificial, e os
“cérebros” artificiais de robôs podem produzir estados mentais, isto é, os estados mentais não
são produtos exclusivos de uma rede neurofisiológica.
Para fundamentar a teoria do funcionalismo, Putnam usa a teoria da máquina de Turing.
Com isso Putnam pretende mostrar que é possível, através do exemplo da máquina de Turing,
demonstrar que a natureza dos estados mentais é como a natureza dos estados automáticos da
máquina. O que parece é que Putnam tinha o interesse de universalizar o conceito de estados
mentais aos moldes dos estados automáticos da máquina de Turing. Por conta dessa redução, do
cérebro biológico a um supercomputador, Putnam foi alvo de muitas críticas. Claudio Costa
apresenta uma consequência do funcionalismo:
Outra consequência do funcionalismo é que sendo o mental definido em
termos puramente funcionais, o substrato material não precisa ser um cérebro
biológico. Se pudermos implementar o programa de uma mente humana em
um supercomputador, ou no cérebro biônico de um andróide, essas máquinas
passarão a ter mentes humanas! Há entusiastas do funcionalismo que previram
a conquista da imortabilidade com base nisso: no dia em que a inteligência
artificial estiver suficientemente desenvolvida, acreditam eles, poderemos
escanear o programa de uma mente humana e implementá-lo em um
supercomputador, de modo que essa mente possa a partir de então viver para
sempre entre os seus microcircuitos. Uma pessoa poderá, inclusive, ter o seu
programa guardado em um disquete como seguro de vida: caso ela venha a
falecer, o precioso software poderá ser implementado no primeiro
supercomputador disponível. (COSTA, 2005, p. 29-30.)
De fato o funcionalismo tem seus problemas, reduzir o cérebro humano ao um
supercomputador é um deles. Na década de 80, o próprio Putnam refutou o funcionalismo. O
filósofo percebeu a incompatibilidade do funcionalismo com o externismo, isto é, o
funcionalismo tinha uma enorme dificuldade em se relacionar com o externismo semântico e
com o conteúdo mental. O próprio Putnam destaca a problemática em seu livro The Threefold
Cord: Mind, Body, and World (1999).
Para melhor compreender o caminho que o funcionalismo deu na filosofia da mente de
Putnam, vale destacar o externismo semântico e o argumento da Terra Gêmea, que o filósofo
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propôs para a filosofia da mente e da linguagem. No que se segue trataremos de forma breve o
argumento.
III
Putnam no The Meaning of ‘meaning’ (1975) apresenta suas teses a favor do externismo
semântico e suas críticas ao individualismo, às quais causaram um grande impacto na filosofia da
linguagem e da mente. Tais teses têm como objetivo fundamental refutar basicamente toda teoria
que, em particular, sustenta que o conhecimento, os estados mentais e os significados das
palavras são processos eletroquímicos do cérebro. Tal teoria busca determinar como podemos
instanciar o significado, ou seja, cabe a pergunta: é através da relação mente humana com o
mundo externo que formamos o significado? Ou os significados são simplesmente produto do
nosso cérebro? Será que os significados são produtos da vida biológica ou são formados através
de uma relação causal com o mundo externo? Como a linguagem se relaciona com o mundo?
A doutrina tradicional sustenta que a referência é determinada por estados mentais, ou seja,
saber o significado de um termo é apenas uma questão de estar em um determinado estado
mental e a intensão de um termo determina a sua extensão. Portanto, se é apenas uma questão de
estar em um determinado estado mental e a intensão determina a extensão, pode-se afirmar que é
o estado psicológico que determina o significado; logo os significados são instanciados em nossas
cabeças.
De acordo com Putnam, os significados dos termos linguísticos e seus correlatos mentais
estão relacionados com o mundo físico-social-linguístico, isto é, atribuir significado ao termo
depende ao menos em parte do mundo físico-social-linguístico. Trata-se, portanto, de uma
relação causal da mente humana com o mundo. E para refutar a teoria semântica tradicional,
Putnam formulou o experimento mental da Terra Gêmea. Mais adiante retornaremos ao
experimento mental da Terra Gêmea. Em suma, Putnam não atribuiu aos significados a condição
de instâncias privadas mentais, ou seja, o único lugar que os significados estão é no mundo
externo, ou seja, corte a torta da forma que desejar, os significados não estão na cabeça
(PUTNAM, 1975, p.227).27
27
“Cut the pie any way you like, ‘meanings’ Just ain’t in the head!”
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219
IV
Em The Meaning of ‘meaning’ (1975), Putnam apresenta o argumento clássico a favor do
externismo semântico: o argumento da Terra Gêmea. Nessa ficção ou hipótese de pensamento,
Putnam faz com que se imagine viajar para um mundo idêntico a Terra. O filósofo pede que se
imagine uma Terra idêntica a esta, molécula por molécula, porém, a água da Terra Gêmea não
possui as mesmas propriedades químicas que a água da Terra possui, ou seja, H 2O. Mas ela
possui a mesma propriedade fenomênica: é incolor, bebível, corre nos rios, lagos e etc.. A água da
Terra Gêmea é composta pelos elementos químicos XYZ. Agora, imagine-se que nessa Terra há
alguém fisicamente idêntico a um terráqueo em todos os aspectos. Imagine-se também que esse
alguém (Putnam vai chamar esse terráqueo gêmeo de Doppelgänger, do alemão para duplo ou
gêmeo) e o terráqueo se encontrassem num dia muito quente e acabassem bebendo um copo de
água para saciar a sede, ambos têm o pensamento de que a água está refrescante. A questão que
surge é: será que ambos pensam a mesma coisa, a referência sendo diferente? O argumento de
Putnam que segue é que embora os falantes estejam no mesmo estado psicológico, eles não
entendem a mesma coisa, pois o falante da Terra significa a palavra água como sendo H 2O e o
gêmeo significa a palavra água como sendo XYZ. A partir deste ponto, Putnam apresenta seu
slogan - os significados não estão na cabeça.
Pode-se dizer que os significados das palavras e dos pensamentos dependem em parte das
relações com o entorno físico e social, ou seja, a intencionalidade (a direção do pensamento do
falante a uma referência) depende do contexto. O que Putnam propõe é que quando o terráqueo
diz a palavra água (H2O) e o seu gêmeo diz a palavra água (XYZ) ambos estão no mesmo estado
psicológico, ou seja, a intensão é a mesma, mas a extensão é diversa. Portanto, o estado
psicológico de ambos não é suficiente para determinar a extensão da palavra. Logo, os
significados não estão na cabeça.
V
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220
Depois de feitas as análises do funcionalismo, estados mentais e a influência que o
funcionalismo teve para à teoria do significado de Putnam, podemos observar que o filósofo
toma uma posição diferente na evolução da sua filosofia da mente. Quando Putnam tratou do
funcionalismo, sua argumentação era que os eventos externos em nada contribuíam para os
estados mentais, ou seja, o contexto não tinha relevância para os estados mentais enquanto
estados funcionais. No entanto,
ao tratar do externismo semântico, Putnam toma uma
posição inversa ao funcionalismo. Agora, o contexto físico social-linguistico é importante em
relação aos estados mentais, ou seja, o filósofo atribui importância à semântica em sua filosofia da
mente.
Referências Bibliográficas
COSTA, Claudio. Filosofia da mente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. , 2005, p. 28-9.
CHURCHLAND, Paul M. Matéria e Consciência: uma introdução contemporânea à filosofia da
mente. Trad. Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora UNESP, 2004, p. 68.
KIM, Jaeggwon. Physicalism, In: Robert A. Wilson e Frank C. Keil (org.) The MIT Encyclopedia of
the Cognitive Sciences, The MIT Press, Cambridge, Londres, 1999.
PUTNAM, Hilary “A Natureza dos Estados Mentais”. Disponível em: http://mlag.up.pt/wpcontent/uploads/2011/05/PUTNAM-2.pdf Acesso em: 02 de junho de 2014
___________. “The Meaning of ‘meaning’”, In: Mind, Language and Reality. Cambridge:
Cambridge University Press, 1975
___________. “Meaning and Reference”, In: The journal of philosophy, 70/19, (Nov. 8, 1973), p.
699-711
___________. “The nature of mental states”, In: Block, N. (org.) Readings in the philosophy of
psychology, vol. 1. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1980, p. 223-31, 1967.
___________.Reason, Truth, and History. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
___________. Representation and reality. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1989.
___________.The Threefold Cord: mind, body and world. Nova York: Columbia University Press,
1999.
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221
A HERMENÊUTICA DA FACTICIDADE E A DESCONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO
ONTOLÓGICA SEGUNDO HEIDEGGER
Caroline Marangoni
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar uma breve explicação sobre a hermenêutica da
facticidade tal como encontrada na obra do filósofo alemão Martin Heidegger. Para tanto,
tomaremos por base os trabalhos Ontologia - Hermenêutica da facticidade e Ser e tempo, nos quais nosso
autor programa sua ontologia fundamental. A partir dessas, será necessário refletir sobre as
concepções de hermenêutica e de facticidade. Pretende-se descrever como o autor faz um estudo
sobre a tradição filosófica e utiliza a hermenêutica não como um modo artificial de análise, mas
como uma interpretação que conduz ao encontro e com vistas à facticidade.
Em nossa comunicação, após explanar a hermenêutica da facticidade se faz necessário
outra análise da questão do ser, também será apresentado o plano geral de sua destruição da história
da filosofia, projeto filosófico por meio do qual o filósofo pretende uma destruição da tradição
filosófica. Esclarecendo esta proposição: nossa comunicação tem por meta descrever como o
filósofo busca destruir tudo aquilo que impede a aproximação do caminho que conduz às
experiências originárias em torno do ser.
A hermenêutica da facticidade
Em sua obra Ontologia – Hermenêutica da Facticidade, Heidegger nos apresenta os termos de
seu projeto hermenêutico. Este, entretanto, só se faz plenamente compreensível à luz das
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222
investigações que tem em vista a recolocação da pergunta pelo sentido do ser. Da maneira como
é apresentada, tal hermenêutica parece ocupar-se com o estado de fato no qual os entes podem se
mostrar; não por acaso, há diversos pontos de conexão desta investigação com aquilo que mais
tarde nosso autor chamará de analítica existencial. Esta que, por sua vez, significa o exame
filosófico do ente que compreende o sentido do ser, ou seja, o ser humano em sua existência.28
Em seu projeto hermenêutico, Heidegger (2014) analisa como a tradição filosófica
compreendeu a questão do ser (tema central de toda ontologia) desde a antiguidade. Nessa
análise, convém ressaltar que o filósofo não utiliza a hermenêutica como uma simples teoria da
interpretação, pois acredita que ela vai além, que ela é a interpretação da facticidade que
condiciona ao encontro, visão, maneira e conceito de facticidade. Do mesmo modo, a facticidade,
entra em cena não apenas como um mero conjunto de fatos relativos à história do pensamento
ontológico. Heidegger a compreende como um caráter do ser-aí que somos em cada ocasião.
Deste modo, dependendo dessa noção de facticidade, o ser (objeto de toda ontologia) não é algo
determinado de fora, mas sempre compreendido segundo a nossa vida fática, algo que é por si
mesmo sobre um caráter ontológico, que é desse modo, e aí que significa possível em cada
ocasião. O que nos leva a reforçar a tese de que hermenêutica da facticidade no plano
fenomenológico designa o próprio âmbito no qual somos aí no mundo.
Contudo, se faz necessário um entendimento sobre a “ontologia” para Heidegger.
Ontologia pode significar doutrina do ser, onde irá indagar tematicamente o ser, irá falar do ser.
Poderia também ser tratada como uma disciplina, que pertence a linhas acadêmicas, marcada por
um caráter escolar, mas não é desta ontologia que o autor trata. Os termos “ontologia” e
“ontológico” por ele utilizados, não tem nenhuma das características citadas acima, pois não
servem de indicação. Esses termos significam: questionar e determinar de forma voltada para o
ser enquanto tal, ao passo que ser e de que modo permanecem totalmente indeterminados.
Ser reportarmos para a o grego, ontologia significa o tratamento de questões acerca do ser,
e mesmo pretendendo dedicar-se as determinações gerais do ser, ainda tem em vista um setor
determinado do ser. Ontologia equivale à teoria da objetualidade, segundo o uso linguístico
moderno, o que coincide com a ontologia antiga, entendida enquanto metafísica.
A ontologia moderna não é uma disciplina isolada, mas está ligada com aquilo que se
compreende por fenomenologia de forma clara. Pois, somente com a fenomenologia é que surge
28
Veja-se mais a este respeito em Ser e tempo, Heidegger (2014).
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um conceito apropriado para investigação. Nesse caso, quando utilizada em disciplinas como
ontologia da natureza, ontologia da cultura ou ontologias materiais, em função de seu caráter
temático-categorial, é que se tem um conteúdo objetual.
Contudo, somente a partir da fenomenologia é que a ontologia corresponde em uma base
problemática firme. O que se vê e de que maneira se vê, é o caráter objetual de um ente enquanto
tal. A ontologia trata dos caracteres objetuais da região do ser, e a fenomenologia em sentido
amplo inclui também a ontologia.
Desconstrução da tradição ontológica
Após desenvolver a hermenêutica da facticidade, será necessário abrir terreno para uma
nova apropriação da questão do ser. Heidegger, em parte, faz isso destruindo aquilo que a
tradição filosófica fez da referida questão, ou seja, as interpretações do ser enquanto um
problema histórico-filosófico. É isso que Heidegger busca quando em sua obra Ser e tempo fala de
destruição da história da metafísica.
Segundo o autor, toda investigação, e não apenas aquela que se move em torno da questão
central do ser, é uma possibilidade ôntica da presença. O sentido do ser da presença está na
temporalidade. A definição de historicidade se dá antes do que se pode chamar de história,
enquanto acontecimento que pertence à história da humanidade. A historicidade indica uma
criação do ser do “acontecer”, próprio da presença como tal. Com base na historicidade, é que a
história da humanidade e tudo que pertence à história mundana, tornam-se possíveis. A presença
é como o que ela sempre já foi, é sempre o seu passado, mas não no sentido do que está atrás, é
algo dado às experiências passadas, que influenciam sobre a presença. A presença é o seu passado
no seu modo de ser, pois ela sempre acontece a partir de seu futuro. Ela nasce e cresce dentro de
uma interpretação de si mesma, herdada pela tradição filosófica.
A historicidade rudimentar da presença pode permanecer escondida nela mesma. A
presença pode descobrir a tradição, de modo a investigá-la, explicar o que ela lega e como ela o
faz, e pode também conservá-la. Quando a presença investiga a tradição, ela assume o modo de
ser do questionamento e dos fatos. A fatualidade só se faz possível como o modo de ser da
presença, essa que por sua vez questiona porque, no fundamento de seu ser, pois ela só se
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224
determina e se constitui pela historicidade. Mas, se a historicidade ficar escondida para a presença
é negada possibilidade de questionar e descobrir factualmente a história. Contudo, a falta da
história fatual não vem a ser uma prova contra a historicidade da presença, mas sim uma prova a
seu favor, uma vez que uma época só pode ser destruída de fatos históricos por ela ser histórica.
Mas, caso a presença tiver apanhado sua possibilidade de não apenas se tornar transparente
para si mesma, mas também de questionar a definição da existencialidade em si mesma, ou seja,
investigar o sentido do ser em geral, e durante esta investigação alertar-se para a historicidade
essencial da presença, será inevitável perceber a questão do ser em sua necessidade ônticoontológica, caracterizada em si mesma pela historicidade. Somente a partir do sentido de ser mais
próprio é que se caracteriza o questionar como questionamento histórico, onde a questão do ser
deve se orientar para questões acerca de sua própria história, ou seja, de determinar-se por fatos
históricos. Somente quando ela se apropria positivamente do passado é que abre as possibilidades
mais próprias do seu questionamento.
Uma interpretação preparatória da presença, no qual ela é antes de tudo histórica, revela o
seguinte: a presença tende a decair no mundo em que está, e interpretar-se a si mesma pela luz
que dela emana. Desta forma, a presença decai também em sua tradição, e essa lhe retira a
capacidade de se guiar por si mesma, de questionar e escolher a si mesma.
Sendo assim, a tradição torna-se pouco acessível ao que ela lega, e geralmente ela encobre e
esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade da evidência, escondendo assim, a passagem
a fontes originárias, de onde os conceitos tradicionais e as categorias foram esgotados. A tradição
cria a ideia de que é inútil compreender a necessidade do retorno às origens. Segundo Heidegger:
A tradição desarraiga de tal modo a historicidade da presença que ela acaba se
movendo apenas no interesse pela multiplicidade e complexidade dos possíveis
tipos, correntes, pontos de vista da filosofia, no interior das culturas mais
distantes e estranhas. Com esse interesse, ela procura encobrir seu próprio
desarraigamento ausência de solidez. (HEIDEGGER, 2014, p.59).
Como consequência, todo o interesse pelos fatos historiográficos e sua ambição por uma
interpretação objetiva, a presença não se torna capaz de compreender as condições essenciais que
possibilitam um retorno ao passado de forma produtiva.
Na visão de Heidegger, caso o ser adquirir transparência de sua própria história, é
necessário abalar toda uma estrutura petrificada de uma tradição e remover os entulhos
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acumulados. Essa seria então a destruição do acervo da antiga ontologia, herança da tradição
filosófica. Segundo Heidegger:
Deve-se efetuar essa destruição seguindo-se o fio condutor da questão do ser até
chegar às experiências originárias em que foram obtidas as primeiras
determinações de ser que, desde então, tornaram-se decisivas. (HEIDEGGER,
2014, p.61).
Para ele, a questão do ser deve adquirir transparência em sua própria história, então é
necessário estremecer a rigidez de uma tradição petrificada. Essa ideia parece querer destruir um
acervo da ontologia antiga legado pela tradição, mas na verdade o que o autor busca é destruir
tudo que impede de apontar o fio condutor e através dele chegar às experiências originárias. Essa
destruição não tem o sentido de arrasar a tradição ontológica, ao contrário ela vai definir a
tradição em suas capacidades positivas, ou seja, em seus limites, que tornará o campo da
investigação possível. A destruição não se refere ao passado, mas aos dias atuais e para os modos
de se tratar da história da ontologia, independente de como esses modos foram impostos.
Depois de ter desenvolvido uma “hermenêutica da facticidade”, a ontologia fundamental
precisaria de um projeto no qual pudesse pensar em um momento onde as interpretações
históricas quando existente faz do ser e de si mesmo. Dessa forma torna-se algo natural falar em
destruição.
Considerando a hermenêutica da facticidade extensão desta, a destruição da história da
ontologia é um processo de libertação do ser das amarras que o subjugavam a interpretações
tradicionais. Dessa forma, tanto a hermenêutica fenomenológica da facticidade como o projeto
da destruição da tradição, fazem parte da ontologia fundamental.
Essa desconstrução da tradição é uma tarefa de urgência na esfera de retomada da pergunta
pelo ser. Isso se torna necessário, porque a hermenêutica da facticidade deixa claro que sempre
perguntamos pelo ser tendo em vista nossas interpretações prévias, dessa forma o projeto da
destruição é necessário para romper com esses ideais tradicionais, uma vez que eles não são
apenas pontos do passado, mas podem influenciar no pensar e no agir da existência humana nos
dias atuais. Esse processo de desconstrução não deve ser feito apenas com um olhar sobre a
tradição metafísica perante as interpretações que fazemos sobre a facticidade, mas de forma
decisiva sobre as leituras tradicionais, pois as mesmas são capazes de orientarem nossa
compreensão, e exprimem em si mesmas um caráter simplificado, ou seja, são reproduções
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históricas de interpretações que relatam apenas pequenas partes das ideias originais, deixando boa
parte encoberta e que muitas vezes se tornam desconhecidas.
Sendo assim, a destruição da história da ontologia tomando de forma hermenêutica a
história da metafísica atual, viria com o objetivo de confrontar as interpretações, destruindo
conceitos, fazendo um exame de seus conteúdos e uma revisão atual das ontologias. Tendo em
vista também, indicar os pré-conceitos com interesse de livrar da ação enrijecedora que durante
muito tempo obstruiu a compreensão do sentido do ser.
Contudo, Heidegger deixa claro seu propósito, e mostra que sua intenção não é uma
destruição no sentido negativo de arrasar a tradição ontológica e sepultar o passado, ao contrário,
ela tem suas possibilidades positivas, ocorre como um retorno à tradição para nela ver como o
que era originário experimentou a decadência e se deixou petrificar. Para ele, há algo de originário
sob a tradição que precisa voltar a sua posição de origem que corresponda a uma situação
histórica diferente da atual, onde essa base originária seria terreno existencial do ente que
compreende ser, do ser-aí. A partir do momento que se apodera dos conceitos metafísicos na
gênese da tradição para conduzi-la ao seu horizonte, isso dependerá de um dialogo com a história
da filosofia e da historicidade humana. Dessa forma, a questão do sentido do ser conduz a si
mesma a uma compreensão fática em concordância com seu próprio trajeto, onde se faz
necessário uma explicação sobre nossa existência.
Conclusões
Heidegger mostra em seus trabalhos que a hermenêutica não é apenas uma interpretação,
mas é um questionamento que visa à compreensão acerca do sentido do ser, que se ocupa com a
forma de fato com que o ente se mostra, e que no decorrer de seus escritos ele vem a chamar de
analítica existencial. Já a facticidade em seu ponto de vista, não é apenas um conjunto de fatos da
história, mas um caráter do ser-aí em cada ocasião. O que o autor busca enfatizar é que a
hermenêutica da facticidade no plano fenomenológico designa o próprio âmbito no qual somos
aí no mundo.
Logo após ter desenvolvido uma “hermenêutica da facticidade”, Heidegger acredita que a
ontologia fundamental necessita de um projeto que se pode pensar um cenário onde as
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interpretações históricas, quando existente faz do ser e de si mesmo. É nesse contexto que passa
a fazer sentido falar em desconstrução. Partindo desse ponto, o autor faz uma análise da tradição
filosófica para uma compreensão do ser, e depois de ter elaborado uma “hermenêutica da
facticidade”, conclui ser necessária uma destruição da tradição filosófica. Neste momento, se
torna compreensível sua atitude de fazer essa desconstrução da história da filosofia, uma vez que
este procedimento seria a libertação do problema do ser das amarras que dominavam as
interpretações filosóficas tradicionais.
Enfim, após a análise e busca pela interpretação dos trabalhos de Heidegger, conclui-se que
de fato a desconstrução da tradição ontológica se faz necessária, uma vez que este trabalho seria a
emancipação de ideias originárias no seio da filosofia e a abertura para novos horizontes e novas
possibilidades de interpretação do ser.
Referências Bibliográficas:
HEIDEGGER, M. Ontologia (Hermenêutica da facticidade). 2ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 9ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora
Universitária São Francisco, 2014.
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CIÊNCIA E RELIGIÃO NOS ESCRITOS EDUCATIVOS DE JOHN LOCKE
Christian Lindberg L. do Nascimento
Universidade Federal de Campinas - UNICAMP
Bolsista da FAPESP
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Lidia Maria Rodrigo
RESUMO: O presente texto tem como objetivo central discorrer sobre o pensamento educativo
de John Locke. Embora haja argumentações relevantes e pertinentes, a abordagem que este
trabalho desenvolve é centrada, única e exclusivamente, no aspecto moral. Para tanto, parte-se de
um problema identificado no conjunto da obra de Locke. Fala-se da aparente controvérsia entre a
ciência e a religião e o papel que cada uma exerce na formação moral da criança. É com base
nesse recorte que a presente análise é feita. Para a construção argumentativa, utilizou-se como
fonte primária: Do estudo (1677), Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough
(1697), Ensaio sobre a lei assistencial (1697) e Algumas ideias acerca da leitura e do estudo para um cavalheiro
(1703). De forma secundária, foi adotada obras de comentadores relevantes. Por ser um estudo
estritamente qualitativo, o procedimento metodológico usado foi a análise de conteúdo, sendo a
leitura, o fichamento e a interpretação dos dados obtidos a técnica de pesquisa empregada.
Palavras-chave: Ciência; educação; Locke; moral; religião.
John Locke é daqueles autores que não desenvolveu uma reflexão sistemática a respeito da
educação. Sendo assim, qual o motivo de ele ter sido inserido como um expoente para a Filosofia
da educação? Para responder a este questionamento, a presente argumentação virá expor a
concepção educativa do filósofo inglês, tendo como ponto de partida o papel que os conteúdos
educativos têm. Esta abordagem será alicerçada em quatro obras educacionais dele.
Escrito durante o exílio na França, Do estudo aparece como a primeira publicação educativa
de Locke. Baillon (2005, p. 20) observa que este manuscrito foi redigido com o intuito de
estabelecer um método de trabalho direcionado a um adulto que se dedica aos estudos, tendo
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como foco elevar a própria autonomia e complementar a formação intelectual. Por outro lado,
diz o comentador, Do estudo apresenta um esboço do que será o STCE.
O que Locke expõe nesta obra são caminhos e métodos para o aperfeiçoamento das
experiências da própria pessoa, requisito necessário para o governo de si. Assim, o objetivo da
educação é estabelecer uma filosofia moral, a ponto de o governo de si ser a premissa
fundamental para a constituição de uma sociedade. Esta filosofia moral compreende a religião e
as obrigações que a moral religiosa impõe para a vida de cada um.
Locke parte da análise da educação vigente, centrada nas disputas – disputation - e na
memorização dos conteúdos educativos. A refutação manifesta-se quando o filósofo afirma que o
labirinto de palavras e frases é inventado somente para instruir e entreter as pessoas na arte da
disputation (LOCKE, 1986b, p. 354). Assim, o que há é o desenvolvimento de palavras, frases e
argumentos sem o progresso do conhecimento. Na crítica à educação vigente, o filósofo
demonstra certa preocupação com o uso inapropriado do tempo para o estudo. Como exemplo,
cita o caso do ensino de idiomas. Para ele, perde-se muito tempo lecionando idiomas inúteis para
a vida do infante. Como contraponto, defende que é mais importante aprender o vernáculo do
que outro idioma, salvo aqueles que põem o indivíduo em contato direto com o texto original das
Sagradas Escrituras, já que esta obra traz consigo o fundamento eterno da verdade.
Por outro lado, Do estudo implica três direções para cada indivíduo: 1) O conhecimento do
caminho que o conduz para os assuntos celestiais; 2) A percepção de que a felicidade em outro
mundo requer uma conduta discreta e o autocontrole, ou seja, que o indivíduo seja prudente; 3)
O ensino de uma profissão, já que o trabalho é uma norma estabelecida por Deus, obrigando
cada um a trabalhar para garantir a própria subsistência.
Para Locke, o livro é o recurso didático mais apropriado para ensinar. A leitura e a
meditação sobre os conteúdos trazidos por ele tornam-se a ponta de lança para a ação, o que
requer a seleção das melhores obras e autores. Esta preocupação de Locke tem um motivo. O
que o filósofo pretende é tornar possível à mente humana aprender os conhecimentos úteis para
a ação, respeitando os princípios da moralidade.
Mas o que mais chama a atenção nesta obra é a relação entre a vida mundana e a
extramundana, relação esta que perpassa implicitamente o Do estudo. Escrita na década de 1670, a
obra repercute o alinhamento existente entre a lei de natureza e a lei civil. Como a moral é o tema
central dos escritos lockeanos, parece que os preceitos educativos contidos em Do estudo
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230
demonstram afinidade com a teoria política defendida pelo filósofo. Mais do que isso, o que
Locke pretende é, através da educação, estabelecer as condições necessárias para que a criança
aprenda a verdade e a pratique em sociedade, até porque esta é um dever que os seres humanos
têm para com Deus, fonte e autor de toda a verdade.
Já Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough (ALCP) é uma carta
endereçada à citada condessa, que tinha pleiteado orientações para educar o próprio filho. Para
Baillon (2005, p. 21), este pequeno texto não tem a pretensão de ser um minucioso tratado
educativo. O que Locke fez foi indicar à condessa ensinamentos úteis para a educação da criança.
Nesta obra, o filósofo inglês afirma que a educação é o fator determinante para o futuro da
criança, portanto os pais devem se preocupar bastante com ela. Essa observação é pertinente
porque Locke expõe uma breve rejeição à educação então vigente.
Locke estabelece que o objetivo central da educação é a formação moral da criança. Para
tanto, defende a importância de o infante conhecer a História: “A história é considerada como
um dos estudos mais necessários para um cavalheiro e um dos mais divertidos e fáceis de ser
aprendido.” (LOCKE, 1986a, p. 352, tradução minha). O fato de ele citar Tito Lívio caracteriza a
preocupação com a formação do futuro governante. O ensino de conteúdos relacionados à
Geografia, à Cartografia, à Cronologia e à Leitura só tem utilidade se colaborar para a melhor
compreensão da História.
Deve-se ensinar à criança outros conteúdos educacionais, como a filosofia natural, a
química, a anatomia. Seguindo os passos metodológicos da Ciência moderna, Locke recomenda
que sejam ensinadas primeiramente as coisas mais fáceis e perceptíveis aos sentidos da criança
para, só em seguida, se proceder de forma gradual até as questões mais abstratas.
Todavia, se os conteúdos científicos colaboram para a educação da criança, Locke atribui
ao Novo Testamento o poder de ser o principal guia moral para o infante. Jesus Cristo é o
exemplo de homem a ser constituído e seguido. É com base nessa preocupação que Locke
vincula educação e política, a ponto de dizer que a verdadeira política é uma parte da Filosofia
moral. Assim, a educação deve ser capaz de formar as crianças para que elas vivam em
comunidade, mesmo sendo ela recheada de vícios.
Alguns pensamentos a respeito de leitura e estudo para um cavalheiro foi redigido com o propósito de
produzir um programa de leitura destinado aos indivíduos. Baillon (2005, p. 21) chama atenção
para o fato de que com esta obra Locke demonstra adaptar seus conselhos e métodos educativos
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para as situações concretas mais diversas. As recomendações feitas por ele têm como
preocupação central aperfeiçoar o entendimento humano: “A leitura existe para aperfeiçoar o
entendimento. O aperfeiçoamento do entendimento tem duas finalidades: primeiro, visa a nosso
próprio aumento do conhecimento; segundo, visa a nos permitir transmitir e mostrar esse
conhecimento para os outros.” (LOCKE, 2007a, p. 435).
Ora, sendo a atribuição central da leitura o aperfeiçoamento do vocabulário e o
enriquecimento dele para que cada indivíduo possa melhor expor as próprias ideias, pode-se
apontar que a leitura colabora para o desenvolvimento do entendimento. De igual modo, da
mesma forma que Locke defende que os conteúdos educativos tenham uma utilidade prática para
a vida das pessoas, com a leitura não poderia ser diferente. Contudo, ele atenta ao fato de que as
leituras não podem conduzir à erudição, pelo contrário, as leituras devem possibilitar o raciocínio
correto.
Sendo assim, o que ler então? Os livros devem ser selecionados de acordo com a
moralidade a que se pretende conduzir o leitor. Embora reconheça a existência de vários livros
que podem cumprir esse papel, o Evangelho é o que há de melhor quando o assunto é a
formação moral. Para Locke, só o Novo testamento é capaz de ensinar a verdadeira moralidade.
Livros de política também fazem parte das sugestões dele. A leitura de textos políticos precisa
relatar a origem das sociedades e a história da própria nação. Ele menciona outros tipos de
leitura. Devem ser lidos livros de Cronologia e Geografia para darem suporte aos de História,
além de ser recomendada a leitura de livros que auxiliem no conhecimento da natureza do
próprio homem.
Estas três primeiras obras – Do estudo, Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de
Peterborough e Alguns pensamentos a respeito de leitura e estudo para um cavalheiro - são direcionadas para
alguns casais que integram o círculo de amizade de Locke, o que pode conduzir a leituras
apressadas, simplistas e que apontam o filósofo inglês como precursor da educação burguesa.29
No entanto, há outro texto produzido por ele que é direcionado para as camadas pobres da
sociedade, onde aborda o tema da educação para os pobres.
Karl Marx e Friedrich Engels apontam, no Manifesto comunista, o papel histórico da burguesia e os feitos realizados
por ela. Afirmam que a burguesia ao chegar ao poder desempenhou um papel revolucionário e decisivo na história da
humanidade, derrubando todas as relações feudais e monárquicas existentes, além de desvelar a brutalidade da Idade
Média. Este relato é oportuno porque Locke colaborou com o protagonismo político da burguesia inglesa do século
XVII, a mesma que realizou a primeira grande revolução burguesa na Europa. Desconsiderar este fator contextual
seria um erro grotesco que poderia conduzir os intérpretes ao anacronismo.
29
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232
Escrito com o objetivo de dar uma contribuição à lei assistencial proclamada por Elizabeth,
no ano de 1601, o Ensaio sobre a lei assistencial é uma obra que registra sugestões para a primeira
política de assistência social30 de que se tem relato. Locke (2007b, p. 226) argumenta em torno da
necessidade de que cada paróquia deve ser obrigada a fornecer emprego para os homens pobres e
fisicamente capazes, de modo a garantir meios de subsistência para eles e permitir a arrecadação
de um imposto para sustentá-los.
Locke argumenta que não há falta de empregos para os pobres, e atribui a Deus a fartura
de alimentos, a pujança no comércio e a paz. Contudo, para o filósofo inglês a origem da pobreza
é o vício e ocorre por causa do relaxamento da disciplina e do aumento do ócio. Ele alega que a
pobreza é uma vergonha para a cristandade. Locke chega a ser rígido quanto às punições,
propondo que todos aqueles que possuam um corpo e uma mente sã, tenham mais de 14 anos e
estejam mendigando sejam presos ou enviados para realizar trabalho forçado nos portos ingleses.
Já para as crianças com menos de 14 anos, o castigo é o encaminhamento para as escolas, locais
onde são açoitadas e obrigadas a trabalhar até o anoitecer.
Mészáros, no livro Educação para além do capital, afirma que Locke pretendia controlar as
atividades dos pobres com uma disciplina perversa, mesmo sendo um homem religioso. Segundo
Mészáros, Locke promove a combinação entre “uma disciplina de trabalho severa e a doutrinação
religiosa”, e complementa: “As medidas tinham de ser aplicadas aos ‘trabalhadores pobres’ e eram
radicalmente diferentes daquelas que os ‘homens de razão’ consideravam adequadas para si
próprios.” (MÉSZÁROS, 2005, p. 42). Estabelece-se, assim, a divisão entre a educação para os
ricos e para os pobres, separação guiada pelo afloramento do capitalismo. O que o marxista
húngaro esquece de mencionar é que os únicos ambientes educativos para as crianças pobres
eram as denominadas escolas de caridade.31
No final do século XVI e início do XVII, a Inglaterra passou por um grande êxodo rural. Pessoas dos mais
diversos cantos do país migraram para as cidades em busca de trabalho. Preocupada com a explosão social, a rainha
Elizabeth, com a chancela do parlamento, aprovou a denominada Lei dos Pobres, que tinha como atributo central
garantir assistência social para os pobres que residiam nos centros urbanos. A ideia funda-se no preceito de que o
Estado repassasse recursos para a Igreja e que esta instituição realizasse atividades assistenciais como, por exemplo,
alimentar os pobres, capacitá-los profissionalmente, cuidar da saúde deles e preocupar-se com a sua formação moral.
31 A escola de caridade é uma consequência prática da moral calvinista. Para os reformadores educacionais, a
caridade é um dever civil universal. O próprio Locke, no Dois tratados sobre o governo, expõe que: “Tal como a justiça
confere a cada homem o direito ao produto de seu esforço honesto e as legítimas aquisições de seus ancestrais são
transmitidas a ele, a caridade confere a cada homem o direito àquela porção da abundância de outrem que possa
afastá-lo da extrema necessidade quando não dispõe de outros meios para subsistir.” (LOCKE, 2001, p. 244)
30
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233
O que se pode afirmar é que a formação moral guiou a reflexão educativa feita por Locke.
Inicialmente, ele defende que devem ser construídas escolas operárias32 para os filhos dos
pobres33 em cada paróquia, nas quais as crianças recebam alimentação, aprendam um ofício e
sejam obrigadas a frequentar a Igreja aos sábados. O filósofo inglês argumenta que a instituição
religiosa tem a tarefa de realizar a educação moral dos infantes, corrigindo-as para o convívio
social.
Por fim, o trajeto educativo exposto por Locke nas reflexões filosóficas contidas em Do
estudo, Apontamentos de uma carta de Locke para a Condessa de Peterborough e Ensaio sobre a lei assistencial
aponta para um mesmo caminho: a constituição de indivíduos moralmente corretos. Para tanto,
os conteúdos educativos tornam-se meios fundamentais para que isso ocorra, a ponto de que
cada conteúdo tenha validade na medida em que seja útil para a vida futura da criança. Por outro
lado, percebe-se que a moral cristã, ensinada a partir das Sagradas escrituras, contém os
ensinamentos necessários para o estabelecimento desse indivíduo moral.
Referências Bibliográficas:
BAILLON, Jean François. Une philosophie de l’éducation: John Locke, Some thougths concerning education
(1693). Domont-FRA: Dupli-Print, 2006.
EBY, Friedrich. História da educação moderna. Rio de Janeiro: Globo, 1978.
LOCKE, John. Alguns pensamentos a respeito de leitura e estudo para um cavalheiro. In.:
Ensaios políticos. Organizado por Mark Goldie. Trad. Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes,
2007a. p.434-442.
___________. Borrador de una carta de Locke a la Condessa de Peterborough. Trad. Rafael Lasaleta.
Madrid: AKAL, 1986a.
___________. Del estudio. Trad. Rafael Lasaleta. Madrid: AKAL, 1986b.
Embora centre a sugestão para o meio urbano, Locke não descarta a educação agrícola como um dos tipos de
escolas operárias.
33 A faixa etária estipulada vai dos 3 até os 14 anos. A criação destas escolas permite às mães irem ao trabalho sem se
preocuparem com a assistência para o filho, já que estes estão em um ambiente seguro. Inclusive, os pais podem
receber uma pensão destinada a comprar os mantimentos necessários para a sobrevivência dos filhos, se os enviarem
para as escolas paroquiais.
32
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234
___________. Dois tratados sobre o governo. Trad. Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
(Clássicos).
___________. Ensaio sobre a lei assistencial. In.: Ensaios políticos. Organizado por Mark Goldie.
Trad. Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2007b. p.226-246.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Trad. Sueli Tomazini Barros
Cassal. Porto Alegre: DP&M, 2001.
MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2005.
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JUSTIÇA COMO EQUIDADE:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS IDEIAS DE JOHN RAWLS
Daniele Bet
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Ms. Celito De Bona
RESUMO: John Rawls, filósofo político norte-americano, possui grande importância no campo
da filosofia do direito. Dentre suas obras, “Uma Teoria da Justiça”, publicada, originariamente,
em 1971, possui grande destaque nas discussões e estudos acerca do conceito de Justiça. Em
virtude disto, o presente trabalho tem como objetivo apontar os principais pontos apresentados
na parte inicial da obra “Uma Teoria da Justiça”. Afinal, é na primeira parte do livro que John
Rawls apresenta a “justiça como equidade”, concepção que faz parte de sua teoria.
Palavras-chave: Teoria; justiça; equidade; Rawls
Introdução:
A proposta inicial de John Rawls, ao apresentar sua teoria, é imaginar um contrato social
hipotético, partindo de uma “posição inicial”, na qual todas as pessoas se encontram em uma
posição original (inicial) de equidade. Vestidas com um “véu de ignorância”, a fim de deliberar
sobre quais os princípios de justiça que seriam utilizados na formação da sociedade. Estes
princípios definiriam as regras da justiça nas instituições, que, por sua vez, seriam as
intermediárias entre as pessoas, no convívio social. Pois, segundo ele, “a justiça é a primeira
virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento” (RAWLS, 1981,
p. 27).
A ideia de Rawls é que, usando este “véu de ignorância”, as pessoas ignorariam suas
características pessoais. Ninguém conheceria suas condições financeiras, nem suas qualidades ou
falhas. Assim, com o uso do véu, seriam capazes de pensar de forma equilibrada e imparcial. Pois
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teriam de decidir os princípios essenciais sem pensar em si. Deixariam o egoísmo de lado, pois
não haveria nada que garantisse que as decisões tomadas às beneficiariam ou prejudicariam.
Assim, a única opção, seria procurar algo que fosse bom para todos, independentemente de
características e situações individuais.
Justiça como equidade
É em contraposição ao princípio do utilitarismo que Rawls apresenta sua teoria de Justiça.
Enquanto o utilitarismo (princípio da “máxima felicidade”) define como “melhor”, “mais justo” e
“mais correto”, aquilo que traz mais felicidade para o maior número de pessoas, a equidade busca
definir a ideia de justiça partindo de um ponto comum, de um estado de igualdade.
Em virtude disto, as pessoas precisariam ignorar o que realmente eram. Ninguém deveria
conhecer sua real situação, nem saber o que seriam, ou teriam, no futuro. E, para que isto fosse
possível, todos precisariam ser cobertos pelo “véu”.
Esta forma de definir os princípios da justiça (que devem regular as instituições), Rawls
denomina “justiça como equidade”:
Estes princípios são os que pessoas livres e racionais, reunidas pelos mesmos
interesses, adotariam inicialmente quando todos estivessem numa posição de
igualdade, para definir os termos fundamentais da associação que estariam
fazendo. [...] A esta maneira de ver os princípios de justiça chamaremos de
justiça como equidade. (RAWLS, 1981, p. 33)
Pois, esta “justiça como equidade”, é o que busca resolver o conflito existente na
distribuição dos bens sociais entre as pessoas.
A Proposta de Rawls
Considerando que a ideia de John Rawls era usar a equidade como base para fazer a
sociedade funcionar de forma justa, o filósofo propôs um modelo de instituição que deveria
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fomentar e aplicar o valor de justiça, buscando minimizar as diferenças sociais. Para Rawls, a
justiça deveria ser pactuada previamente às instituições.
Para que isto fosse possível, as pessoas que compõem esta sociedade deveriam ser vestidas
com o véu da ignorância, o que as deixaria num estado de igualdade (posição inicial). Nesse
momento, ninguém optaria por valores de justiça que pudessem ser vantajosos para uns, e
prejudiciais para outros, pois ninguém conseguiria saber de que forma seria afetado. Afinal,
estando todos na mesma posição, e ignorando o que está por vir, não teriam como saber se
seriam prejudicados ou agraciados com tais decisões.
A partir disso, Rawls desenvolve seu raciocínio ponderando que, as pessoas se encontram
em diferentes posições sociais e possuem diferentes características pessoais, o que influencia em
todas as suas decisões e expectativas. E é isto que a “posição original” de igualdade busca
reparar.
Entre os traços essenciais desta situação [posição original], encontramos o fato
que ninguém conhece sua posição na sociedade, nem a posição de sua classe, e
nem mesmo seu status social ou a parte que lhe caberá dentro da distribuição
do conjunto de bens e das capacidades naturais, ou de sua natureza, força ou
semelhante. Assume-se também que as partes não conhecem seus diferentes
conceitos de bem, ou suas propensões psicológicas particulares. Os princípios
de justiça são, dessa forma, estabelecidos em total ignorância da posição
específica de cada um. (RAWLS, 1981, p. 33 – 34).
Assim, no momento em que todas se encontram na mesma posição social e possuem as
mesmas características, buscarão algo que favoreça a todos. E, segundo o filósofo, é isto que
também “garantirá que não se possa tirar vantagens ou sofrer desvantagens durante o processo
de escolha dos princípios” (RALWS, 1981, p 34).
Ninguém buscaria princípios que favorecessem determinadas classes ou características, pois
não teriam como saber se estariam inseridos em tais classes e se possuiriam tais características.
Deste modo, parece razoável e aceitável, de forma geral, que ninguém possa
tirar vantagens ou desvantagens da escolha dos princípios por sorte, ou por
circunstâncias sociais. Parece também ser de ampla aceitação, o fato de que
seria impossível ajustar os princípios às circunstâncias peculiares a cada caso
particular. Deveríamos, além disso, assegurar que as inclinações particulares, as
aspirações e a visão que cada pessoa tem de seus bens, não venham a afetar os
princípios que seriam racionalmente propostos e aceitos. (RAWLS, 1981, p. 38)
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Assim, a justiça deve, usando tais instituições sociais criadas com base na justiça equitativa,
garantir que não existam distinções arbitrárias entre as pessoas, no que tange os direitos e deveres
básicos e, também, garantir regras que possibilitem equilíbrio na reivindicação de interesses e
vantagens para a vida social e para a distribuição de rendas e riquezas.
É neste cenário que Rawls desenvolve sua concepção política de justiça, sua justiça como
equidade, e os princípios que a devem reger.
Os princípios na teoria da justiça como equidade
Diante de sua “justiça equitativa”, Rawls nos faz pensar sobre quais os princípios que
escolheríamos, partindo da situação de igualdade, da posição original de equidade. Para ele, os
princípios devem decorrer de uma visão mais geral, mais ampla e, consequentemente, mais
equilibrada, onde os valores sociais como liberdade, oportunidade, renda, riqueza e até mesmo,
auto-estima, devem ser distribuídos de forma equilibrada. Salvo, é claro, se alguma distribuição
desigual puder beneficiar toda a sociedade.
Rawls acredita que não optaríamos pelo princípio da máxima felicidade (o utilitarismo),
pois consideraríamos a terrível possibilidade de fazermos parte da minoria oprimida.
Não há razão para se supor que os princípios, que deveriam regular uma
associação de homens, sejam simplesmente uma extensão do princípio da
escolha de um só indivíduo. Muito pelo contrário: se presumirmos que o
princípio regulador, correto para qualquer coisa, depende da natureza da coisa
em si, e que a pluralidade de indivíduos distintos com diferentes sistemas de
finalidades é um traço essencial das sociedades humanas, não deveremos
esperar que o princípio da escolha social seja do tipo utilitarista. (RAWLS, 1981,
p. 45)
Seguindo essa ideia, para John Rawls, os princípios escolhidos seriam dois: o princípio da
liberdade igual (ou, igualdade de liberdades) e o princípio da diferença. Estes princípios, por sua
teoria, deveriam ser aceitos por todos, a fim de possibilitar que os direitos e liberdades sejam tão
extensos quando possível, para cada pessoa, tendo como limite os direitos e liberdades dos
demais. Também as desigualdades sociais e econômicas devem estar igualmente distribuídas para
qualquer posição, para promover o melhor benefício pela menor desvantagem.
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O primeiro princípio é o que oferece para todos as mesmas liberdades básicas. E o segundo
princípio refere-se à equidade social e econômica, onde as desigualdades sociais e econômicas
devem ser organizadas de tal forma que, ao mesmo tempo, possam beneficiar e trazer vantagens
para todos (dentro dos limites do razoável) e ser vinculadas a posições acessíveis a todos.
O princípio da liberdade igual busca garantir um sistema de liberdades e direitos iguais para
todas as pessoas, da forma mais ampla possível. Por esse princípio, entende-se que cada
indivíduo, considerado como cidadão participante no estado de direito, deve possuir algumas
liberdades básicas. E, segundo Rawls:
As liberdades básicas do cidadão são, de forma geral, a liberdade política (o
direito de voto e a elegibilidade para cargos públicos) associada à liberdade de
expressão e de reunião; a liberdade de consciência e de pensar; a liberdade
pessoal associada ao direito à propriedade; e a liberdade de não ser preso
arbitrariamente e de não ser retido fora das situações definidas pela lei.
(RAWLS, 1982, p. 68)
Por este princípio, entende-se que estas liberdades básicas devem existir igualmente para
todos, pois elas são necessárias para que seja possível atingir o primeiro princípio. Rawls
considera tais liberdades básicas como moralmente significantes e imprescindíveis aos indivíduos.
Isto, pois, elas são necessárias para a consideração e escolha de seus interesses e, ainda, são
necessárias para que as pessoas tenham um senso de justiça. Afinal, nas palavras do próprio
filósofo: “todos os cidadãos de uma sociedade justa devem ter os mesmos direitos básicos”.
(RAWLS, 1981, p. 68)
O segundo princípio é aplicado no que diz respeito à distribuição de renda e riqueza. Nesse
sentido, é importante lembrar que, para Rawls, a renda e a riqueza não precisam ser iguais para
todos. Basta que a distribuição delas aconteça de tal forma que beneficie todos,
independentemente, de posição social ou qualquer outra característica. O princípio da diferença,
segundo a formulação de John Rawls, é aquele que combina as desigualdades econômicas e
sociais, de uma forma que ambas “correspondam à expectativa de que trarão vantagens para
todos”, e “que sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a todos”. (RAWLS, 1981, p. 67)
O filósofo assume que a divisão igualitária dos bens e da riqueza pode causar problemas.
Porém, acredita que as desigualdades sócio-econômicas são permitidas, desde que exista um
compromisso entre os mais e os menos favorecidos, ou seja, que o progresso dos mais
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favorecidos se reflita em melhoria na situação dos menos favorecidos. Assim, com este
compromisso, todos conseguem obter vantagens.
Usando os princípios da liberdade igual e da diferença, John Rawls procura preservar o
valor do indivíduo. Seja protegendo as suas liberdades básicas fundamentais ou proporcionando
melhorias sociais para sua vida. Porém, para que isto seja possível, os dois princípios da Teoria da
Justiça devem obedecer a uma ordem: primeiro, o princípio da liberdade igual e, depois, o
princípio da diferença. Esta ordem significa que: as violações das liberdades iguais (protegidas
pelo primeiro princípio), não podem ser justificadas, nem compensadas, por maiores vantagens
sociais. Nesse sentido, explica Rawls:
Tais princípios devem ser organizados dentro de uma ordem serial, com o
primeiro princípio antecedendo o segundo. Esta ordem significa que, partindose das instituições de liberdade igualitária para a exigida pelo primeiro princípio,
não poderão ser justificadas ou compensadas, através de maiores vantagens
econômicas ou sociais. A distribuição de bens e renda, e as hierarquias de
autoridade, devem ser consistentes tanto com as liberdades de cidadania igual
quanto à igualdade de oportunidade (RAWLS, 1981, p. 68)
São os princípios apresentados por John Rawls, que configuram a ideia da justiça como
equidade. Sendo que, esta ideia de justiça, esta forma de justiça, não busca a divisão igualitária e
totalizadora de bens e da autoridade. Pois ele compreende que esta desigualdade é inevitável e até
mesmo, necessária.
Dessa forma, a equidade deve ser entendida como uma tentativa de equilibrar os diferentes
interesses presentes na sociedade. Ou seja, a equidade busca uma forma de obter vantagens para
todos, baseando-se na escolha do princípio da liberdade igual e da diferença, escolhidos na
situação inicial de posição original.
Ainda a respeito da importância dos princípios, o filósofo explica:
Os princípios do direito, assim como os da justiça, impõem limites
determinando quais os desejos que têm algum valor; eles impõem restrições
sobre o que é razoável conceber como o bem de uma pessoa. Traçando-se
planos e decidindo-se sobre as aspirações dos homens, deve-se levar em conta
estas pressões. Consequentemente, na justiça como equidade, não se devem
tomar as propensões e inclinações dos homens como dados absolutos, sejam
quais forem, e então procurar obter a melhor forma de preenchê-las. Seria
preferível que seus desejos e aspirações fossem limitados desde o princípio,
pelos princípios da justiça que especificam tais limites, de forma tal que os
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sistemas de objetivos dos homens sejam respeitados. Poderíamos expressar tal
ideia, dizendo que na justiça como equidade, o conceito do direito vem antes
do que for bom. (RAWLS, 1981, p 46)
Assim, para que a sociedade seja justa, conforme a ideia de justiça como equidade, faz-se
necessário que os cidadãos aceitem os princípios (que devem ser escolhidos com o auxílio do
“véu da ignorância”). E, ainda, que os apliquem obedecendo a “ordem serial”: primeiro o
princípio da liberdade igual e depois, quando este primeiro já tiver sido “satisfeito”, o segundo
princípio, o princípio da diferença.
Conclusão
A Teoria da Justiça, de John Rawls, foi a primeira grande teoria sobre o assunto. Apesar de
já ter recebido inúmeras críticas, tanto quando publicada como ainda nos dias atuais, ela é de
grande importância para as discussões referentes à justiça em geral.
Para compreender a ideia de justiça, é necessário estudar os princípios elencados na obra de
John Rawls. Afinal, ao apresentar seus princípios como pressupostos básicos para a criação de
uma sociedade justa, ele nos mostra pontos sobre os quais devemos refletir.
Assim, compreendendo os princípios apresentados por ele e entendendo o seu objetivo, é
possível compreender a necessidade de pensar sob o “véu da ignorância”. Pois, como ele
defendeu, as pessoas só são capazes de optar por tais princípios e, consequentemente, conquistar
uma sociedade justa, se não estiverem “cegas” por seus interesses individuais e egoístas.
Apesar disso tudo, ao apresentar sua teoria, Rawls sabe que é impossível ter uma visão
única a respeito de justiça. Afinal, as pessoas são diferentes, vivem em sociedades distintas e
possuem culturas e hábitos bastante diversificados. Por isso, “justiça” sempre será um conceito
relativo.
Dessa forma, é possível verificar a importância da Teoria da Justiça criada por John Rawls.
Pois, ele demonstra grande preocupação social, em uma época onde o individualismo é uma das
características predominantes. E, por consequência, defende que todos devem ter as mesmas
chances, e que os mais fracos não devem ser “sufocados” pelas vontades e interesses dos mais
fortes. Enfim, Rawls acredita que sua teoria possui força para, por meio da própria justiça, criar
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uma sociedade justa, igualitária e equilibrada. Colocando, assim, em prática, a “justiça como
equidade”.
Referências Bibliográficas:
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.
___________. O Liberalismo Político. São Paulo: Editora Ática, 2000.
SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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EDUCAÇÃO CRÍTICA E DIREITOS HUMANOS
Dayanne Vicentini
Universidade Estadual de Londrina – UEL
Bolsista Fundação Araucária.
[email protected]
Profª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
RESUMO: Este estudo tem como objetivo principal observar a relação existente entre os
direitos humanos, a dignidade, a liberdade e a educação para a cidadania. Justificamos a intenção
da pesquisa porque existe consenso em reconhecer a educação como um direito, embora seja
necessário esclarecer que tipo de educação é esta, pois ela deve resguardar a dignidade humana e
permitir a liberdade. A liberdade deve estar atrelada à autonomia, para que a partir dela os
indivíduos possam construir a democracia. A metodologia se pautará em pesquisa bibliográfica,
tendo a Della Mirândola, Bobbio, Apple e Giroux como principais referenciais. Esta pesquisa
poderá contribuir para o debate de elementos que denunciam a falta de criticidade da educação,
fator este que é fundamental para manter a dignidade e a liberdade.
Palavras-chave: Educação crítica; direito à educação; educação para a cidadania
Introdução:
O objetivo deste trabalho é observar algumas relações entre os direitos humanos e a
educação. Para isto, abordamos as manifestações dos direitos humanos: a dignidade e a liberdade
fazendo uma relação com a educação para a cidadania. A educação proposta nesta pesquisa é
uma educação que nos prepare para exercer nossa cidadania: a educação crítica.
Justificamos a pesquisa dada a importância política na formação de cidadãos críticos e
ativos. A pesquisa é bibliográfica e servirá para ressaltar o papel da educação na sociedade, bem
como para refletir o compromisso dos docentes e discentes no exercício da cidadania e no
respeito pelos direitos humanos.
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Falar de direitos humanos como a conquista pela igualdade, pela liberdade e a fraternidade
nos remete à declaração dos direitos do homem e do cidadão. Por isso, dizemos que os direitos
humanos formam um conceito moderno, mesmo tendo antecedentes políticos filosóficos que
nos lembrem de uma proposta de liberdade humana e de fraternidade universal. Essas propostas
não tinham o status de medida política imposta com caráter de lei como acontece na Revolução
Francesa (BITTAR, 2004).
Ao reconhecer que os seres humanos são seres dignos de direitos, eles devem ter sua
dignidade preservada, assim estamos falando de direitos humanos universais. Os direitos
humanos tiveram um processo de reconhecimento internacional, o qual legitimou e fortaleceu
sua constituição. Da Revolução Francesa que só reconhecia os direitos dos homens, passamos à
declaração dos direitos dos seres humanos.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, as nações veem a necessidade de criar uma ordem
internacional que permita fortalecer internacionalmente o cumprimento dos direitos humanos.
Um destes passos que marcam as conquistas dos direitos humanos foi a Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, isto devido a um consenso da Organização das Nações Unidas,
assim no Preâmbulo desta declaração encontramos que “o reconhecimento da dignidade inerente
a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
Mas, como o que desencadeou esta necessidade internacional foram as agressões contra a
humanidade do regime alemã fascista, a declaração manifesta que é “essencial que os direitos
humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como
último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão”(ONU,1948). Observando a necessidade de
cumprimento e respeito por parte dos estados assinantes com a intervenção dos povos que
representam, a Declaração cuida para que todo o assinado passe a conhecimento da população e
das futuras gerações através da educação.
Considerando a educação, parte fundamental para poder cristalizar os ideais da Declaração
dos Direitos Humanos, passamos a iniciar nossa proposta sobre a educação crítica, a dignidade
humana e os direitos humanos.
Sobre a dignidade humana
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245
Antes de tratar de direitos humanos universais, a filosofia já abordava a condição universal
da Dignidade Humana, e assim encontramos no livro de Pico della Mirândola sobre a Dignidade
Humana, uma alusão à seguinte exclamação, “o Asclépio, que portento de milagre é o homem!”,
um ser admirável, “mensageiro da criação, parente de seres superiores, rei das criaturas inferiores,
[...] enfim, um pouco menor que os anjos, conforme o testemunho de Davi” (DELLA
MIRÂNDOLA, 2006, p. 37).
A enumeração das qualidades do ser humano nos ajuda a observar a importância deste ser
frente à natureza, da qual ele é herdeiro. E todas elas constituem razões para respeitar e admirálo.
A liberdade é o único que o caracteriza e o faz inacabado. Sobre esta liberdade Della
Mirandôla ressalta, “tu, porém, não estás coarctado por amarras nenhuma. Antes pela decisão do
arbítrio, em cujas mãos depositei, hás de predeterminar a tua compleição pessoal.” (DELLA
MIRÂNDOLA, 2006, p. 39). Deixando esta liberdade nas mãos dos homens, eles poderão descer
ao nível dos seres mais embrutecidos ou escolher livremente ascender aos níveis divinos. Maior
liberdade não podia ter nenhuma criatura.
Quando Pico ressalta a dignidade humana, ela radica no que o caracteriza, o faz único entre
as criaturas, sua liberdade. A liberdade permite ao ser humano crescer, e continuar a criação
divina. Praticamente ele é o grande continuador da obra divina. Mas dado que a liberdade deixa a
decisão em mãos humanas, “oxalá nossa alma se deixe conduzir pela santa ambição de superar a
mediocridade e anele por coisas mais sublimes” (DELLA MIRÂNDOLA, 2006, p. 42).
A razão livre que nos ajuda a orientarmos e a ser criterioso nas decisões é o que caracteriza
ao ser humano. Porque o que nos diferencia dos animais e as plantas não é necessariamente o
físico, senão ou como ele se comporta.
O que nos faz melhores humanos não é nossa forma, senão a sensibilidade e critério para
guiar nossas ações. Não é a aparência que caracteriza ou eleva ao ser humano e sem sua
sensibilidade e prudência, que lhe permitem dominar suas paixões. Um ser com estas qualidades é
“o mais augusto dos numes revestido de carne humana”. (DELLA MIRÂNDOLA, 2006, p. 41).
Pico é bastante enfático ao aproximar ao ser humano dos vegetais e os outros animais,
ressaltando que as características humanas que o fazem refletir e atuar com consciência crítica são
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as que o levam ocupar junto com os Querubins os lugares mais elevados, porque podemos ter a
mesma dignidade que estes seres incorpóreos.
A educação crítica como um direito que preserva a liberdade
Enquanto um processo autoconsciente, a educação crítica refere-se à análise consciente e
impõe uma necessária e radical vinculação da teoria à prática, com vistas à transformação das
estruturas sociais vigentes. A escola, portanto, deve ajudar a criar condições necessárias à tomada
de consciência, de forma articulada com a prática, para poder romper com o aspecto ideológico e
mistificador de uma racionalidade que desumaniza. A educação crítica exigirá do campo
educacional o mesmo procedimento das outras ciências, ou seja, conduzir tanto o trabalho
pedagógico como a pesquisa em função de um processo crítico e emancipatório (PRESTES
1994).
A educação crítica busca realizar conexões entre as práticas educacionais e culturais e a luta
pela justiça social e econômica, direitos humanos e uma sociedade democrática para que se possa
ampliar as compreensões críticas e as práticas libertadoras, com o objetivo de buscar
transformações sociais e pessoais progressistas. (TEITELBAUM, 2011).
Durante o século XX o mundo experimentou transformações profundas em diversos
aspectos da vida social. No Brasil, aconteceu a tomada de poder dos militares no posto de
governo, evento que fora marcado como “Golpe de 64”. A partir daí houve o reforço do poder
executivo, o aumento do controle social pelo conselho de segurança nacional e o fim dos
protestos sociais.
O pensamento do povo é então “bloqueado” pela repressão, o exercício da democracia
desaparece completamente na vida social do brasileiro, sendo ele uma testemunha da
negatividade. A sociedade fora marcada por grande repressão e falta de liberdade de expressão.
Inúmeros movimentos sociais surgiram no Brasil em prol de uma sociedade mais justa, igualitária
e democrática, com melhores condições de vida e de trabalho. Sobre estes movimentos,
Ghiraldelli (1999, p.120) afirma que, [...] entre a efervescência ideológica dos primeiros quatro
anos da década de 60, cresceram organizações que trabalharam com a promoção da cultura
popular, a educação popular, a desanalfabetização e a conscientização da população sobre a
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realidade dos problemas nacionais [...] a movimentação dos anos 60 em torno da promoção da
cultura popular prendeu-se às preocupações dos intelectuais jovens e alguns políticos com a
emergência das massas na participação política do país.
Será que os movimentos sociais conseguiram realizar essas promoções pré-estabelecidas?
Como a sociedade se comporta hoje? Alienação? Consciência ingênua? Será que ainda somos
represados mesmo sem perceber? Como a educação crítica pode auxiliar para que haja a
verdadeira democracia?
Para Apple, Au e Gandin (2011), devemos ver o mundo com senso crítico, para agir contra
os processos ideológicos e institucionais que reproduzem condições opressivas. Dessa forma, a
pedagogia crítica configura-se como uma filosofia educacional que auxilia os estudantes a
desenvolverem uma consciência de liberdade, para reconhecer tendências autoritárias e tomar
uma atitude crítica à vez para enfrentar os desafios da sociedade.
De acordo com Giroux (2010), para o educador crítico Paulo Freire, a pedagogia era
considerada como parte de uma prática política mais ampla em prol de uma mudança
democrática. Sobre a relação entre educação crítica e democracia, Giroux (2010, p. 113) esclarece
que, [...] ocupando o espaço entre o político e o possível, Paulo Freire passou a maior parte de
sua vida trabalhando na crença de que vale a pena lutar pelos elementos radicais da democracia,
que a educação crítica é um elemento básico da mudança social e que a forma como pensamos
sobre a política é inseparável de como compreendemos o mundo, o poder e a vida moral que
aspiramos a levar.
A educação crítica é um elemento da mudança social e um instrumento para atingir uma
verdadeira democracia. A democracia, assim como a liberdade é um dos temas históricos em
debate e a sua efetivação depende das opções concretas que os homens venham a realizar. Assim,
o elemento principal deste modelo de educação é a criticidade, que permite ao educador e aos
educando a reflexão critica da realidade na qual estão inseridos, “possibilitando a constatação, o
conhecimento e a intervenção para transformá-la” (MOREIRA, 2010, p.97).
Para Freire (1967, p. 67) a postura crítica é importante para um desenvolvimento social
justo porque, [...] implica num retorno à matriz verdadeira da democracia. Daí ser esta transitividade
crítica característica dos autênticos regimes democráticos e corresponder a formas de vida altamente
permeáveis, interrogadoras, inquietas e dialogais, em oposição às formas de vida “mudas”, quietas e
discursivas, das fases rígidas e militarmente autoritárias, como infelizmente vivemos hoje, no recuo que
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sofremos e que os grupos usurpadores do poder pretendem apresentar como um reencontro com a
democracia.
Ainda para Freire, a essência da democracia envolve uma nota fundamental que lhe é
intrínseca: a mudança. Os regimes democráticos se nutrem na verdade de termos em mudança
constante. São flexíveis e inquietos. Devido a isso, deve corresponder ao homem desses regimes,
maior flexibilidade de consciência. (FREIRE, 1967).
Essa flexibilidade de consciência dentro da verdadeira democracia exige o engajamento da
ação transformadora e prepara os homens para a luta contra os obstáculos à sua humanização,
assim o comprometimento não é um ato passivo, “implica não apenas a consciência da realidade,
mas também o engajamento na luta para transformá-la”. (FREITAS, 2010, p. 88). Freire coloca a
conscientização como o primeiro objetivo de toda a educação, buscando provocar uma atitude
crítica de reflexão no sujeito de modo a colaborar com a mudança do mundo.
Deste modo, é imprescindível voltar a educação crítica e libertadora para a participação do
indivíduo, sendo o educador, o profissional responsável para que de fato isso aconteça, pois “
aprende-se democracia fazendo democracia”. (FREIRE, 1986, p. 60).
A relação entre o respeito aos direitos humanos, à dignidade e liberdade é um trabalho
árduo, que está diretamente ligado com a educação cidadã. E acreditamos que uma educação que
nos prepare de forma honesta e livre ao exercício da cidadania é a educação crítica.
Conclusão
A liberdade é uma característica fundamental do ser humano, pois ela permite tomar
continuamente decisões e fazer da vida uma constante construção, própria de todo ser inacabado.
A dignidade humana está centrada no respeito à liberdade. A liberdade propicia o
crescimento. E a democracia é o governo no qual a liberdade deve ser respeitada. Por isso, na
sociedade democrática, o respeito pela dignidade e a liberdade está contemplados e assegurados
pela constituição. Mas, se a liberdade é parte da dignidade humana ela deve ser bem orientada, e o
problema do ser humano é como apreender a lidar com a liberdade. Para isto, nosso trabalho traz
uma reflexão sobre a educação crítica, como uma educação que nos ensina a ser livres e
responsáveis.
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Por fim, vale lembrar que Paulo Freire coloca a conscientização como o primeiro objetivo
da educação, para poder almejar um senso crítico dos cidadãos. Um cidadão crítico e ativo pode
mudar o mundo para melhor.
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DIFICULDADES CONTRAMAJORITÁRIAS:
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGITIMIDADE DO DIREITO EM
HABERMAS
Douglas Maranhão Marques
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – UNIVEL
[email protected]
Orientador: Profª. Ms. Kátia Salomão
RESUMO: A tensão existente entre direito e democracia é alvo dos mais recentes
desdobramentos filosóficos e políticos pela alta carga de racionalidade intrínseca a tal embate.
Habermas, assim, ao estabelecer o agir comunicativo como teoria capaz de circunscrever as
modalidades racionais e ainda dar conta de legitimar o direito enquanto fenômeno social, exsurge
como alternativa óbvia para a análise do imbróglio aludido pelo prisma dos diferentes paradoxos
envoltos na questão, além da figura enigmática dos direitos humanos dentro do plano conflituoso
apontado. Por fim, apontam-se as dificuldades contramajoritárias como eixo condutor da
pesquisa pretendida, correlacionando os apontamentos habermasianos ao conflito entre direito e
democracia dentro da mais aplicável de suas searas: a jurisdição constitucional.
Palavras-chave:
Dificuldades
contramajoritárias;
legitimidade
do
direito;
jurisdição
constitucional; democracia
Compreender o fenômeno democrático nos dias atuais esbarra necessariamente na
vinculação de condutas judiciais como mecanismos auxiliares da própria definição do processo
democrático. Funcione o Judiciário como instituto definidor das regras ou da substância do
processo de formulação política, é fato indelével que o século XXI é notadamente marcado por
este poder atuando como definidor de limites formais e axiológicos.
Num dinamismo social constante – e sua intrínseca estruturação midiática –, torna-se
indispensável uma análise que faça jus à complexa atuação judiciária de uma Corte Suprema. Não
raros são os casos em que indivíduos questionam a legitimidade de Ministros de tal corte para a
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tomada de decisões de grande porte. Quem os colocou ali? Como podem ofender a vontade da
maioria se vivemos numa democracia?
Assim, o presente estudo objetiva uma análise hodierna quanto ao tema, de modo a
sistematizar uma análise que permeie a tensão entre democracia e jurisdição constitucional. A opção
pelo modelo habermasiano de contemplação da legitimidade inerente ao questionamento aludido
se deve, assim, pelo marcado uso da racionalidade como instrumento diferenciador dos diálogos
interinstitucionais, como se verá no momento oportuno.
Ressalva que merece ser destacada – e que coaduna com o pensamento habermasiano – é o
risco que se corre quando da excessiva atuação jurisdicional na esfera constitucional, onde se cria
um fundo de reserva em que se apoia o legislativo para uma atuação menos consciente. Bickel
(1986) previu tal defasagem da tripartição dos poderes quando da análise do fato de que o
legislativo passa a escamotear a defesa de direitos fundamentais, deixando de se fundar do
próprio processo de racionalidade e discursividade para simplesmente confiar no trabalho do
Judiciário.34
A citada advertência traz à baila a consequente interconexão entre a modalidade
jurisdicional aludida e a função institucional da mesma dentro do Estado Democrático de
Direito. Tal forma de Estado é, nos ditames de Hayek (1971 apud KIMMINICH, 2011), o ideal
ao movimento liberal que começou a tomar lugar no início do século XIX. A liberalidade
proporcionada por um regime governamental que deposita em seus indivíduos a possibilidade de
condução do futuro nacional enquanto remanescem desvinculados politicamente é uma das
características que permitem, exempli gratia, o livre desenvolvimento econômico, social e
institucional.
Teóricos da primeira metade do século XIX passaram a assentar o entendimento de que a
compreensão de um Estado influenciado pela concepção material de si quanto ao Direito que lhe
é intrínseco daria azo o fato de “[...] que a ideia de Estado de Direito não residia na simples
vinculação formal das atividades do Estado à letra da lei, assentando-se também numa concepção
material de justiça” (KIMMINICH, 2011, p. 1031).
É perceptível que a própria noção de justiça substancial apontada por Kimminich (2011)
relaciona-se com a racionalidade levantada por Habermas (2003a) na exata medida em que
Sobre o processo discurso racional e a respectiva acreditação de legitimidade conferida pelo mesmo ao Estado
como um todo, v. infra.
34
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vincula um conceito amplo de possibilidades pautadas no discurso aceito através da chancela
racional, de modo que o próprio exercício da liberdade – fim último da distribuição da tutela
jurisdicional dentro do viés de observância da jurisdição enquanto mecanismo hábil a resguardar
liberdades intersubjetivas mínimas (HABERMAS, 2003b) – é compreendido pela matriz
habermasiana da autodeterminação racional.
Antes de se passar, contudo, à análise da compreensão da autodeterminação individual
como critério de utilização da Teoria do Discurso habermasiana, insta repisar a tensão existente
entre o estabelecimento jurisdicional constitucional e a própria noção de democracia,
marcadamente substancial, consoante o exposto alhures.
A harmonização do tênue equilíbrio constitucional entre a representatividade
majoritária ocasional da sociedade e o consenso democrático específico de
maior grau qualitativo decorrente da Constituição é atribuída ao controle de
constitucionalidade, especialmente à jurisdição constitucional, como uma
decorrência natural do caráter jurídico-vinculante das Constituições
Contemporâneas, em que estas se caracterizam como um conjunto de normas
de maior hierarquia formal e de maior densidade político-jurídica, que, caso não
observadas espontaneamente, deve ser imposto mediante coercibilidade pelos
órgãos constitucionais responsáveis pelo controle de constitucionalidade,
especialmente pelos juízes constitucionais. (MORAIS, 2012, p. 163).
O que se faz perceber, assim, é que a atuação constitucional pode contrariar integralmente
os anseios de eventuais maiorias representativas ou populacionais para que firme a compreensão
constitucional da vexata quaestio, sendo que o próprio texto constitucional, como bem aponta
Comella (1997), ostenta indeterminação interpretativa especificamente para fazer jus à adequação
de seus ditames aos paradoxos sociais supervenientes.
É esta relação de contrariedade, portanto, que é tida como a dificuldade contramajoritária.
O termo cunhado por Bickel (1986) na década de 1960 dá conta, contudo, da crise de
legitimidade jurisdicional das cortes constitucionais para declarar a ineficácia de atos normativos –
os Statues – que contrariem substancialmente o sentido do texto constitucional.35 Eule (1996 apud
BASSOK, 2012) dá conta de divergir do precursor da terminologia, fazendo crer que Bickel
Ressalva que merece ser feita em relação ao modelo anglo-saxão de decretação de inconstitucionalidade é que a
doutrina norte-americana acredita que tal controle por parte da Corte Constitucional retira a validade da norma, não
sua eficácia, como ocorre no Brasil e na maior parte das nações europeias. Como visto, o corrente estudo filia-se à
posição kelseniana, pleiteando que tal declaração de inconstitucionalidade não interfere na validade normativa, mas
tão apenas em sua eficácia.
35
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devesse ter cunhado o termo Dificuldade contrarrepresentativa, uma vez que o controle de
constitucionalidade concentrado lida com a amostragem política representativa, não a
diretamente populacional. Desta feita, para o autor, a dificuldade contramajoritária se revelaria
como a contrariedade do decidido pela corte em face do ansiado pela maioria populacional, numa
aparente relação de tensão democrática.
Da discussão exposta, Bassok (2012) expõe a adoção pela doutrina especializada do termo
dificuldades contramajoritárias, englobando tanto a versão tradicional – lançada por Bickel (1986)
– quanto a literal, levantada por Eule (1996 apud BASSOK, 2012).
Passando à concatenação do exposto, percebe-se que da metafísica kantiana até a discussão
racional intersubjetiva entre sujeitos de direito em Habermas (2004), os critérios de legitimidade
não só do direito, mas da atuação jurisdicional, revestem-se da aplicabilidade por darem azo à
obediência incontida em relação ao normativamente sentenciado. O questionamento sobre o que
efetivamente leva sujeitos livres a se sujeitarem à normas imperativas, à obediência incontida, traz
em seu bojo o apelo à racionalidade, tão logo não há outro plano explicativo lógico para tal
paradoxo.
O que se percebe, desta forma, é a adoção do próprio critério de racionalidade para a
definição dos instrumentos políticos e legitimadores debatidos. Há a hodierna noção de que se o
instituto discutido é racionalmente estipulado, não subsistem maiores dificuldades para a
implementação e continuidade do mesmo.
A teoria habermasiana merece destaque na análise do caractere legitimador democrático
pelo status de racionalidade conferido pelo filósofo alemão aos processos de diálogos e liberdades
intersubjetivas, que decorrem da interação em esferas públicas formais ou não. Costa (2003), ao
analisar o princípio democrático em Habermas, percebe a necessidade de fixação do Princípio do
Discurso – ou Princípio D, nos termos do próprio Habermas (2003b) – como mecanismo
inafastável do processo de conferência legitimadora do agir normativo e/ou institucional.
Em que pese o pensamento de Habermas buscar conferir legitimidade ao Direito como um
processo único, sua argumentação é plenamente aproveitável ao caso do imbróglio legitimador
das Cortes Constitucionais. A partir do momento em que Habermas (2003b) cinge como
legítimas normas de liberdade de ação – sendo função dos direitos intersubjetivos limitar, prima
facie, o campo de livre desenvolvimento da autonomia privada – em que todos os atingidos
assentiram enquanto participantes de discursos racionais, nada obstaculiza a aplicação analógica
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do exposto ao funcionamento institucional das Cortes referidas dentro deste processo racional de
estipulação do discurso (COSTA, 2003).
O próprio Habermas (2003a) cuida de estabelecer a necessidade de análise da legitimação
do direito pelo espectro que este emana dentro da eminência não apenas de sua aceitação
enquanto instituto democrático e soberano, mas também quanto ao seu merecimento. Para o
alemão, tal relação de busca por uma relação intersubjetiva em que suas decisões não sejam
apenas endereçadas e reconhecidas, mas também cumpridas, é o que formula tal pleito em torno
do aludido merecimento.
Para Costa (2003), ponto a ser destacado é a relação de complementação existente entre o
direito positivo e a moral dentro dos termos de Habermas. Para o filósofo, nenhuma lei poderá
ser legítima se não for cunhada dentro das permissões morais, sem que isso implique na relação
de subordinação dos elementos normativos aos dizeres morais, como supunha Kant.
Ordenamentos jurídicos modernos são constituídos fundamentalmente de
direitos subjetivos. Esses direitos reservam para os sujeitos de direito espaços
legais abertos para uma atuação que é orientada pelas respectivas preferências.
Com isso desobrigam a pessoa, de uma forma claramente circunscrita, de
mandamentos morais ou de prescrições de qualquer outro tipo. De qualquer
modo, dentro dos limites estabelecidos pela lei, ninguém é juridicamente
obrigado a justificar publicamente as suas ações. Com a introdução das
liberdades subjetivas, o Direito moderno, à diferença de ordenamentos
jurídicos tradicionais, promove a validade do princípio de Hobbes de que é
permitido tudo o que não for explicitamente proibido. Com isso, Direito e
Moral se dissociam. (HABERMAS, 2003a, p. 68).
Pinzani (2009) exemplifica o exposto no parágrafo alhures através da relação dos direitos
humanos36 e essa premissa de complementação legitimadora: muitos dos direitos expostos como
constitucionalmente basilares foram criações normativas sem prévio assentamento moral, sendo
que o Direito, nestes casos, lançou as bases para o aceite racional coletivo, não funcionando
como mero sintetizador de premissas éticas.
Muitos dos argumentos legitimadores da atuação institucional de uma Corte Constitucional,
dentro da teoria habermasiana, se aproximam ao critério de autoridade do referido Tribunal
O termo Direitos Humanos utilizados por Habermas é plenamente equiparável aos Direitos Fundamentais, como
são conhecidos os primeiros dentro do âmbito interno de uma nação.
36
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graças à sua expertise, como aponta Bassok (2012).37 Exemplo disto é a delegação à Corte de um
agir moralmente pautado no conteúdo normativo, sendo que na atual sociedade econômica
estabelecida, o agir ético é neutro, mas a integração social ainda é necessária (COSTA, 2003).
A partir do instante, assim, em que cada indivíduo age pautado na sua liberdade de atuação
circunscrita no interior de direitos intersubjetivos, a questão seguinte passa a ser a necessidade de
conferir a todos os sujeitos a máxima liberalidade que é conferida individualmente, estipulando
Costa (2003, p. 42):
Neste horizonte, o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de
normatização legítima do Direito. Ele significa, portanto, que somente podem pretender ter
validade legítima leis jurídicas capazes de ter o assentimento de todos os parceiros de Direito em
um processo de normatização discursiva. O princípio da democracia contém, por conseguinte, o
sentido performativo intersubjetivo necessário da prática da autodeterminação legítima de
membros do Direito que se reconhecem como membros iguais e livres de uma associação
intersubjetiva estabelecida livremente.
Desta forma, a partir do estabelecimento da legitimidade através do discurso racional
pautado numa relação de complementaridade entre moral e direito positivo, o critério legitimador
desborda para um discurso aceito na esfera da autonomia privada, mas sempre conferindo
participação aos sujeitos de direito dentro da autonomia pública, de modo que também possam
eles alterar a argumentação racional empregada na criação de direitos (COSTA, 2003).38
Antes de se passar à análise especificada da racionalidade em Habermas (2003b), merece
destaque a estipulação de um espaço mínimo em que é impossibilitado qualquer
intervencionismo político e/ou estatal: os direitos humanos. O autor aponta tais direitos como
O critério da legitimidade das Cortes Constitucionais pela expertise demonstrada pelas mesmas é tópico extenso que
já foi objeto de trabalho próprio pelo autor do corrente artigo. Inobstante, para os fins de compreensão a que se
destina este estudo, cabe frisar que tal postulado de legitimação assenta-se na premissa d’O Federalista, em seu texto
número 78, assinado por Alexander Hamilton. Desta forma, considerando que, nos ditames do próprio Hamilton, o
Executivo tem a espada, e o Legislativo o dinheiro, resta ao Judiciário o contentamento com a própria tecnicalidade que
desvela o verdadeiro sentido e substância constitucionais, estando as Cortes legitimadas pelo simples entendimento
de que sua atuação pautada no conhecimento é inafastável premissa que sedimenta sua existência.
38 Os dois tipos de autonomia dentro da teoria habermasiana são magistralmente sintetizados por Costa (2003) na
medida em que o âmbito privado de autonomia é tido como o espaço de livre desenvolvimento dentro da limitação
dos direitos intersubjetivos – que funcionam, assim, como ultima ratio ao conviver social e desenvolver da
personalidade – e o campo público é vislumbrado como as possibilidades de participação ativa no discurso racional
através dos direitos políticos, cabendo a todos os sujeitos de direito voz na formulação de diálogos pautados na
Teoria do Discurso, alterando, eventualmente, o campo de restrição dos direitos intersubjetivos.
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escudos mínimos diante de maiorias políticas eventuais, de modo que a própria defesa de tais
premissas humanitárias é instrumento de legitimação de qualquer instituição dentro do Estado.
Assim, o conceito de maioria deveria restringir-se apenas quando do fomento aos
instrumentos de participação política, sem qualquer forma de intervenção no plano individual de
conquistas pessoais, cabendo aqui a inserção dos direitos humanos como cláusula de barreira da
intervenção legiferante ou política (HABERMAS, 2003a).
O nexo interno que se buscava entre direitos humanos e soberania do povo consiste, pois,
em que os direitos humanos institucionalizam as condições de comunicação para formar a
vontade de maneira política e racional. Direitos que possibilitam o exercício da soberania do povo,
não podem, a partir de fora, ser impostos a essa prática como restrições. Essa reflexão, porém, só
é convincente, de forma imediata, para os direitos políticos fundamentais, portanto, para os
direitos à comunicação e à participação, mas não para os direitos clássicos à liberdade que
garantem a autonomia privada dos indivíduos. Esses direitos, que deveriam garantir a cada qual
chances iguais de conquista de seus projetos pessoais de vida e proteger de forma abrangente os
direitos fundamentais, parecem evidenciar um valor intrínseco – e não se esgotam, por exemplo,
no seu valor instrumental para a formação democrática de vontade. (HABERMAS, 2003a, p. 71).
O que merece ser levado em consideração é o próprio posicionamento de Bickel (1986)
quando da análise da estrutura dos referidos Tribunais para lidar com questões essencialmente
valorativas e reveladoras de um plano metafísico de realização pessoal. Em singular expressão, o
criador da terminologia objeto deste estudo reflete acerca do sentido substancial de democracia
esperado por operadores jurídicos: “O que queremos dizer com democracia, contudo, é muito
mais sofisticado e complexo do que a tomada de decisões num encontro na cidade através de
levantamento de mãos” (BICKEL, 1986, p. 17, tradução nossa).
É por não haver “[...] Direito sem a autonomia privada dos cidadãos” (HABERMAS, 2003,
p. 71) que os direitos humanos – ou fundamentais, dependendo da esfera de normatividade a que
se referem – funcionam como pressupostos imutáveis da formação da vontade pública, sendo
que nenhuma forma de decisão ou vontade majoritária tem o condão de mitigar o campo de livre
desenvolvimento da personalidade ou planos pessoais de cada indivíduo.39
Neste mesmo sentido é o entendimento expresso na secular Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, que aduz ipsis litteris em seu art. 4º: “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o
próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram
39
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É verdade, por óbvio, que o processo de refletir a vontade de uma maioria
populacional no legislativo é deflagrada por várias desigualdades de
representação e por toda sorte de hábitos institucionais e características, as
quais talvez tendam mais em favor da inércia. Ainda assim deve ser mantido em
mente que os estatutos são produto do legislativo e do executivo agindo
concomitantemente, e que o executivo mantém uma constituição muito
diferente e tende a curar inequidades de sobre e sub-representação. [...] Um
fator muito mais complexo [...] é a proliferação e poder do que Madison previu
como ‘facção’, o que o Sr. Truman chama de ‘grupos’ e que nos ditames
populares sempre foi chamado de ‘interesses’ ou ‘grupos de pressão’ (BICKEL,
1986, p. 18, tradução nossa).
Desta feita, tais grupos de interesses – que, dentro da seara habermasiana das esferas
públicas, tendem a aparecer tanto nas modalidades formais e informais – podem, ao buscar a
supremacia dos bens e interesses por eles defendidos, almejar a supressão do exercício de direitos
humanos inafastáveis de cada indivíduo, de modo que, assim, devem tais direitos serem vistos
como barreira última da intervenção política.
Conclui-se quanto à dificuldade contramajoritária que a mesma vincula-se com o ato
decisório que tem seu conteúdo destoante do texto legal ou dos anseios populacionais
majoritários, aparentemente acreditando-se que elas – a lei ou o índice numérico apurado da
opinião pública – expressam-se como a vontade da maioria, já que o formalismo legalista
supostamente normatiza leis que se referem a todos os cidadãos indistintamente, em respeito ao
princípio da isonomia.
Contudo, mediante uma análise da teoria do discurso em Habermas (2003b), e do modelo
jurídico descrito pelo autor alemão, entende-se que a esfera jurídica pode legitimar conteúdos
instrumentais da política, ou estratégicos do sistema: a racionalidade legítima desses discursos foi
artificialmente fomentada, com o foco em avultar sua real intenção, impedindo a influência de
discursos comunicativamente elaborados, oriundos da interação dos atores sociais na esfera
pública.
Como antídoto para essa poluição da jurisdição por interesses obscuros e estratégicos,
Habermas (2003b) concebe a racionalidade comunicativa que encontra seu lócus de existência na
‘situação ideal de fala’, isto é, na interação intersubjetivamente elaborada entre falantes: fato que
aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela
lei”.
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ocorre no mundo da vida, na sociedade civil, em esferas públicas formais e informais e até
mesmo em situações virtuais. Dessas esferas discursivas são elaborados conteúdos, que por vezes
possuem potencial crítico e dialético. Assim, tais conteúdos tem que ser dotados de energia para
interferir e [des]construir a aparência da legitimidade formalmente elaborada.
Um sistema que supere as crises da contemporaneidade, que diametralmente se envolva
com o poder, com a política e com o capital, para Habermas (2003b), somente encontra
possibilidades de superar tal dinâmica quando este mesmo sistema escuta as vozes dos cidadãos
que podem ainda fazer o ‘uso de sua razão’, no sentido de emanar opiniões públicas, ou seja,
consensos.
Por isso, mesmo quando a decisão contramajoritária é aparentemente elaborada fora das
instâncias e limites do formalismo legalista, parecendo ser geradora de um desacordo com o que
consente a maioria, ela, em essência, quando livre do decisionismo subjetivo, ou dos interesses do
sistema, pode superar a aparência avultadora do direito. In fine, a essência da justiça para
Habermas (2003b) liga-se irremediavelmente aos discursos que emanam da racionalidade
comunicativa, sendo legítimo todo ato decisório que se deixar influenciar por tais premissas e
conteúdos discursivos.
Referências Bibliográficas:
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A SOCIEDADE CHINESA E O DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
Elaine Emanuelle Lemos da Silva Conejo
Rosa de Lourdes Aguilar Verástequi
Universidade Estadual de Londrina - UEL
[email protected]
Introdução:
Ao procurarmos no dicionário o conceito da palavra Educação encontramos: Ato ou efeito
de educar, processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano,
civilidade e polidez, refletimos então sobre todas as formas de desenvolvimentos que podemos
alcançar através da Educação, Paulo Freire (2013, p.50), nos diz que através de oportunidades e
estímulos passamos por processos de grandes mudanças no decorrer de nossas vidas.
De acordo com o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, Meta de
2015, apresentado pela UNESCO, a Educação é o ponto de partida para amenizar as diferenças
existentes no decorrer da vida.
Todas as pessoas – crianças, jovens e adultos- devem ter condições de usufruir das
oportunidades educacionais elaboradas para atender as suas necessidades básicas de
aprendizagem, que compreendem os instrumentos essenciais de aprendizagem-alfabetização,
expressão oral, operações com números e resolução de problemas- e o conteúdo básico de
aprendizagem, - conhecimentos, habilidades, valores e atitudes. Esses instrumentos são
necessários para que o ser humano seja capaz de sobreviver, desenvolver plenamente suas
capacidades, viver e trabalhar com dignidade [...] (UNESCO, Relatório de Monitoramento Global
EPT, 2008p. 14)
Nos dias atuais podemos dizer que todas as pessoas têm acesso a uma Educação de
qualidade? Levando em conta as condições precárias, movida pelas desigualdades sociais esse
acesso é possibilitado.
Ao compreendermos que uma Educação de qualidade muda a história de uma nação e que
há uma busca por essa tão esperada, educação de qualidade para todos, reconhecemos que ela se
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constitui através de um processo no qual as mudanças são necessárias e bem vindas sendo assim,
como exemplo analisamos a China que nos leva a compreender que pode haver qualidade
educacional, que proporcione desenvolvimento social, mesmo em lugares que exista alto índice
de pobreza.
O presente trabalho busca relatar algumas mudanças que ocorreram na cidade de Xangai na
China, onde a educação era privilégio das classes mais favorecidas e ao longo de um processo, se
propagou nos dias atuais para todas as classes, proporcionando uma educação pública de
qualidade independente da classe social, levando o país estar em primeiro lugar no mundo, nos
resultados do PISA, nas disciplinas de matemática, leitura e ciências.
Este trabalho busca contribuir, através de seus relatos, expor indicações e possibilidades
para uma Educação e Escola de qualidade.
O Objetivo Geral desta pesquisa é analisar as ações governamentais do governo chinês
para as políticas públicas educacionais visando melhorar a qualidade da educação e especificar as
medidas que proporcionaram desenvolvimento educacional nas escolas de Xangai, com o
objetivo de que elas possam ajudar, oferecendo um novo olhar para essas experiências com o
desejo de que de que em algum momento possam ser testadas em beneficio de mudanças para a
qualidade educacional brasileira.
Fundamentação
Neste Projeto, pretendo abordar a partir do documentário, “Destino e Educação:
diferentes países, diferentes respostas” (2011), exibido pelo canal Futura em parceria com o SESI,
a educação na cidade de Xangai, onde o mesmo apresenta a cidade, como tendo conquistado o 1°
lugar em desempenho na matéria de matemática, leitura e ciências, no mundo.
Segundo o documentário e o Ministério da Educação Chinesa, o número de crianças e
jovens que frequentam a escola, na Cidade de Xangai é: 99,9 % na idade de 06 a 14 anos e 97%
dos alunos estão entre 15 e 19 anos, sendo que grande parte dos estudantes que participam do
PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes futuramente entrarão em uma
Universidade, pois o índice de adolescentes que chegam até a Universidade chega aos 80% dos
estudantes.
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A avaliação em larga escala é um instrumento significativo cujos resultados orientam
investimentos em políticas públicas a favor da qualidade educacional, segundo Penin (2009 p.2324)
A avaliação em âmbito externo oferece informações para que tanto os pais quanto a
sociedade, especialmente os sistemas de ensino, possam efetivar um relacionamento produtivo,
com a instituição escolar. Apurar os usos da avaliação, comparar resultados e comportamento de
entrada dos alunos em cada situação e contexto social e institucional é da maior importância para
não homogeneizar processos que são de fato diferentes.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP,
2011) o Pisa é um:
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes é uma iniciativa internacional de
avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o
término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.
Através dos resultados obtidos pelo (PISA) acontecem então discussões e levantamentos
de possíveis problemas que afetam a qualidade da educação no país.
Sobre as avaliações Vianna (1999, p.12), afirma que, “a avaliação visa à tomada de decisões,
para melhorar o que já existe, a fim de corrigir possíveis distorções”.
Para o INEP (2011) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, as avaliações do Pisa acontecem a cada três anos e abrangem três áreas do
conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências – havendo, a cada edição do programa, maior
ênfase em cada uma dessas áreas.
Conforme o documentário, a cidade de Xangai é uma metrópole, a segunda maior cidade
da China que lidera o comércio Chinês, em 1968 a Educação era muito ruim, pois privilegiava a
elite e tinha como foco atender pessoas que viessem de outras cidades da China, sendo que nos
últimos anos o governo investiu em escolas mais pobres buscando dar a mesma oportunidade a
todos.
Nos dias atuais a Educação deve ser para todos, por isso é uma grande preocupação do
Governo os resultados do PISA, que visam à aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não
apenas estatísticas para investir em políticas públicas.
Segundo Vasconcellos (1994, p.43),
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A avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica uma
reflexão crítica sobre a prática no sentido de captar seus avanços suas
dificuldades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para
superar os obstáculos.
Sobre o tempo que os alunos ficam na escola ao assistirmos o documentário, percebemos
que a carga horária se comparadas com a do Brasil, é bem diferenciada, pois existem dias da
semana que os alunos estudam em período integral e outros em que as aulas vão das 07h30min às
14h00min horas, os alunos também estudam em casa em torno de duas a três horas por dia, e nos
finais de semana.
O reforço escolar é indicado para alguns alunos que apresentam dificuldades, recebem
aulas extras em casa, os pais procuram estar presentes em todo o processo que envolve escola e a
aprendizagem do aluno.
Sobre a relação existente entre escola e família Vygotski afirma:
A educação recebida, na escola, e na sociedade de um modo geral cumpre um
papel primordial na constituição dos sujeitos, a atitude dos pais e suas práticas
de criação e educação são aspectos que interferem no desenvolvimento
individual e consequentemente o comportamento da criança na escola (1984
p.87).
Os alunos recebem o apoio de seus pais para fazerem outras atividades fora do contexto
escolar, como música, natação entre outros, desde que não atrapalhe os estudos.
Quanto aos professores, eles têm a carga horária muito bem organizada, pois seu horário
dentro da sala de aula é reduzido, restando-lhe bastante tempo para preparar aulas e estudar,
investindo em sua capacitação. As aulas são preparadas por grupos de professores que trabalham
a mesma disciplina, proporcionando então uma discussão sobre a melhor forma de se atingir a
aprendizagem no aluno, sendo que professores de escolas bem conceituadas ajudam as mais
fracas.
Sobre a importância social do trabalho dos professores em grupos, Giroux (1997, p. 29)
afirma: Portanto os professores enquanto intelectuais precisarão reconsiderar e possivelmente
transformar a natureza fundamental das condições que trabalham. Isto é, os professores devem
ser capazes de moldar os modos nos quais o tempo, o espaço, atividade e conhecimento
organizam o cotidiano nas escolas. Mais especificamente, a fim de atuarem como intelectuais, os
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professores devem criar a ideologia e condições estruturais necessárias para escreverem,
pesquisarem e trabalharem uns com os outros na produção de currículo e repartição do poder.
Após o ano 2000, o governo deu maior importância à profissão de professor, sendo o
professor mais valorizado, sua profissão bem conceituada e sua remuneração e benefícios
também, o que permite que o professor se sinta valorizado.
As escolas apresentam adequada estrutura física, recursos tecnológicos, material didático
apropriado, os quais são proporcionados pelo Governo, buscando dar direitos iguais de acessos a
toda à população.
No quadro abaixo o autor Gustavo Ioschpe (2011), publica na “Revista Veja” as medidas
educacionais utilizadas na China a fim de proporcionar uma reflexão sobre as possibilidades de se
utilizar como um projeto piloto no Brasil.
-Grupos de estudos para professores de todos os níveis de educação, os quais tivessem
oportunidade de preparar aulas e compartilhar suas experiências;
-Professor líder por turma com contato com as famílias dos alunos, proporcionando uma
relação direta entre a família e a escola;
-As piores escolas reveladas através de índices de avaliação em larga escala teriam o apoio
das partes administrativa das melhores escolas;
-Dever de casa com objetivos definidos de beneficiar a aprendizagem do aluno e não
imposto como uma punição, nos quais os alunos e as famílias participassem juntos desse
momento;
-Aumento de funcionários dentro das salas de aula, proporcionando uma relação mais
profunda entre o aluno e o professor;
-Benefícios individuais para os professores comprometidos;
-Treinamento administrativo para professores que virão a tornarem-se diretores;
-Criação de espaços on-line para profissionais da educação se interagir com outros
profissionais de educação;
Essas medidas fazem parte de um processo de mudanças que visaram proporcionar uma
Educação de qualidade para toda a população, levando a conquista do primeiro lugar no PISA, e
os resultados foram se estabelecendo em longo prazo hoje a educação contempla todos de forma
a se igualar o acesso e a qualidade sem fazer distinção das pessoas, pelas suas condições
financeiras.
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De acordo com Depresbiteris (2001 p.140): Avaliar um sistema educativo repousa na idéia
de que uma escola é muito mais do que simples junção de classes. A escola existe em certo
contexto e é fundamental que esteja analisado, uma vez que se constitui em fator determinante
para a qualidade de ensino. O sucesso deste processo se deu através da implementação de
políticas públicas que geraram investimento na Educação, na modernização, pesquisas,
treinamento dos professores e também pelo fato de que os pais também assumiram seus papéis
frente à Educação de seus filhos.
Segundo, o Conae Conferencia Nacional de Educação (2010, p.27): A educação com
qualidade social, e a democratização da gestão implicam a garantia do direito à educação para
todos, por meio de políticas públicas, materializadas em programas e ações articuladas, com
acompanhamento e avaliação da sociedade, tendo em vista a melhoria dos processos de
organização e gestão dos sistemas, e das instituições educativas.
Este trabalho partiu de fatos reais que demonstram que o país que fortalece a Educação
acaba consequentemente tendo sucessos em outros segmentos, como a economia a saúde etc.,
seu contexto demonstrou que as relações entre a Cultura e o desenvolvimento são indissociáveis.
Metodologia
Este trabalho esta embasado no Documentário, Destino e Educação: diferentes países,
diferentes respostas (2011), exibido pelo canal Futura em parceria com o SESI, sendo utilizada a
pesquisa bibliográfica a cerca de textos sobre: a Educação, Avaliação, Órgãos Governamentais,
etc.
Segundo Marconi e Lakatos (2008, p.43)
A pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias, é a que especificamente interessa a este
trabalho, trata-se de levantamentos de algumas das bibliografias mais estudadas em forma de
livros e revistas, publicações avulsas, sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto
com o que já foi escrito sobre determinado assunto [...]
Referências Bibliográficas:
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A PRIORIDADE DO TEMPO EM RELAÇÃO AO ESPAÇO NO PENSAMENTO DE
BERGSON
Eleandro Lopes Depieri
Maria Constança Peres Pissarra
Mestrando Diversitas- FFLCH/USP
[email protected]
RESUMO: A partir dos conceitos de intuição e duração, pretende-se analisar e compreender o
problema da relação tempo/espaço na filosofia bergsoniana. A intuição, para Bergson, é o
método pelo qual se pode atingir um conhecimento total da realidade. Ao contrário do método
da ciência moderna, a intuição, estabelece que a realidade deva ser pensada a partir do tempo e
não do espaço. Com base no conceito de intuição, o presente trabalho pretende compreender a
inversão conceitual e metodológica que Bergson promove ao considerar o tempo como
prioridade em relação ao espaço e, a partir dessa análise, resgatar a importância do pensamento
bergsoniano, recolocando-o como elemento central para a compreensão do pensamento
contemporâneo.
Palavras-chave: Tempo; espaço; duração; intuição; método
Introdução
Procurando resgatar a importância de Bergson para a História da Filosofia, propomo-nos
adentrar especificamente em dois conceitos importantes da filosofia desse autor que nos ajudarão
a entender a relação tempo e espaço. A partir dos conceitos de intuição e duração, resgataremos
perspectivas e ideias bergsonianas que, direta ou indiretamente, fazem parte da reflexão da
Filosofia Contemporânea e que, por sua vez, nos ajudarão a entender a inversão conceitual e
metodológica que Bergson realiza em sua obra.
Segundo Deleuze, “um grande filósofo é aquele que cria novos conceitos” (1999, p. 125).
Nesse sentido, é indiscutível que Bergson é um grande filósofo, pois o seu nome sempre estará
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ligado aos conceitos de intuição, memória, impulso vital e duração. São conceitos que fazem
parte da construção da Filosofia Contemporânea e que nos remetem a uma reflexão ampla e
profunda sobre a relação do tempo e espaço. A proposta bergsoniana é complexa, mesclando
crítica com construção teórica, Bergson, procura superar as perspectivas e teorias acerca da
realidade e do conhecimento construídas historicamente. Nesse sentido, a sua proposta se
apresenta concomitantemente como crítica e como teoria. Dessa forma, para não cometermos
equívocos e injustiças com esse autor de extrema importância para a História da Filosofia e
visando alcançar o objetivo proposto, analisaremos a seguir os conceitos de intuição e duração
como fundamentais para a compreensão da relação tempo/espaço na filosofia do pensador em
estudo.
A relação tempo e espaço na construção metodológica de Bergson
Para Bergson, há duas maneiras de conhecimento. Uma que se coloca do lado de fora do
objeto, observando a partir de um ponto de vista a realidade externa que se apresenta à
percepção. A outra, por outro lado, procura penetrar no objeto do conhecimento, misturando
sujeito e objeto numa mesma realidade de conhecimento. Nesse sentido, a primeira forma de
conhecimento, prendendo-se apenas a um ponto de vista, constrói apenas uma ideia parcial do
objeto. A outra forma, contudo, não se detém a um ponto de vista e nem está presa a nenhum
símbolo. A primeira forma de conhecimento é relativa e a segunda absoluta (BERGSON, 2006,
p. 184).
A Ciência Moderna sustenta-se e sustentou-se a partir apenas da primeira forma de
conhecimento, haja vista que o conhecimento do objeto na perspectiva dessa ciência se dá a
partir de um ponto de vista. Nesse sentido, para Bergson, essa ciência é responsável por construir
um conhecimento parcial e fragmentado da realidade (BERGSON, 2006, p. 24). Além disso, ela
está ligada historicamente às especulações metafísicas clássicas que foram as responsáveis pela
construção da dicotomia da realidade, ou seja, pela construção de uma divisão ou barreira entre o
que é real e o que possivelmente se apresenta como não sendo real. Essa construção dicotômica
tem o seu início principalmente na filosofia Eleática, passando pelo dualismo platônico até chegar
à Modernidade, com o ofuscamento total da metafísica pela ciência.
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Bergson não é totalmente pessimista em relação à ciência e à metafísica. Para ele, o
problema está justamente no fato de que ambas possuem o mesmo objetivo, mas se prendem a
caminhos totalmente diferentes. A metafísica buscando o ser dos objetos como se esse ser fosse
uma realidade fora do objeto, e a ciência, por outro lado, buscando o conhecimento do objeto a
partir de uma perspectiva parcial. Ambas, a partir dessa dicotomia, tornam-se formas relativas do
conhecimento na medida em que se prendem apenas a pontos de vistas diferentes. Contudo,
existe uma forma de superarmos essa dicotomia e essa consequente fragmentação da realidade
que consiste na adesão de um novo método de conhecimento que, em tese, procura superar as
parcialidades da metafísica e da ciência. Esse método é o que Bergson chama de intuição. “A
intuição, não é um sentimento nem uma inspiração, uma simpatia confusa, mas um método
elaborado, e mesmo um dos mais elaborados métodos da filosofia” (DELEUZE, 1999, p. 07). E
é por meio da intuição que podemos encontrar o conhecimento absoluto da realidade.
Segue-se daí que um absoluto só poderia ser dado numa intuição, ao passo que todo o
resto é da alçada da análise. Chamamos aqui de intuição a simpatia pela qual nos transportamos
para o interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único e, por conseguinte,
de inexprimível (2006, p. 187).
Esse novo método de Bergson consiste justamente numa tentativa de unificar crítica
metafísica e ciência moderna, ou seja, o conhecimento do ser do objeto e o conhecimento
adquirido por meio da experiência (PINTO, 2007, p. 29). E, ainda, é importante ressaltar que o
método na perspectiva bergsoniana não é uma entidade que existe antes e se impõe à
investigação, ao contrário, ele se constitui como parte do sistema de investigação (PRADO Jr,
1988, p. 27). E essa novidade justifica as aparentes contradições do pensamento bergsoniano,
pois, por uma questão metodológica, nada impede ao filósofo tomar caminhos que mais tarde
serão ignorados ou combatidos, haja vista que tomar esses caminhos não é assumir posturas ou
verdades, mas caminhar e construir um processo de investigação que tem em vista a
compreensão total da realidade. Contudo, não se trata de um método que pressupõe um
caminhar, ao contrário, esse caminhar que, pressupõe-se idas e vindas, está pautado por um
método rigoroso com “regras estritas que constituem o que Bergson chama de precisão em
filosofia” (DELEUZE, 1999, p. 07). A respeito da precisão da intuição como método, Bergson
afirma:
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O que fez perder de vista esse alvo e pôde enganar a própria ciência acerca da origem de
certos procedimentos que ela emprega é o fato de que a intuição, uma vez conquistada, precisa
encontrar um modo de expressão e de aplicação que esteja em conformidade com os hábitos de
nosso pensamento e que nos forneça, através de conceitos bem definidos, os pontos de apoio
firmes de que temos tão grande necessidade. Aí está a condição daquilo que chamamos rigor,
precisão, e também extensão indefinida de um método geral a casos particulares (2006, p. 223).
Buscando o rigor metodológico, Bergson distingue três comportamentos que também são
as três regras principais de seu método. Para melhor entendermos e compreendermos a proposta
bergsoniana, faremos uma análise desses três comportamentos que também são as três principais
regras da intuição como método.
Podemos resumir a primeira regra do método bergsoniano da seguinte forma: “Aplicar a
prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas, reconciliar verdade e criação no nível dos
problemas” (DELEUZE, 1999, p. 8). Em outras palavras, a primeira regra consiste na construção
de verdadeiros problemas. Parece simples, mas olhando de perto e assumindo uma postura crítica
percebemos que a intenção de Bergson com essa primeira regra vai além da simples construção
de problemas. Ao propor essa regra ele apresenta uma crítica à ciência e à metafísica clássicas
que, segundo ele, prenderam-se aos falsos problemas e, a partir dessa crítica, ele propõe que o
caminho para se chegar a um conhecimento amplo da realidade passa pela postura de saber e
poder elaborar verdadeiros problemas. Essa primeira regra nos impõe uma regra complementar:
“Os falsos problemas são de dois tipos: problemas inexistentes porque seus próprios termos
implicam uma confusão entre o mais e o menos; problemas mal colocados, que se assim se
definem porque seus termos representam mistos mal analisados” (DELEUZE, 1999, p. 10). E é
essa regra complementar que nos leva à segunda regra na medida em que os falsos problemas
tomam-se o mais pelo menos.
Nesse sentido, podemos resumir a segunda regra da seguinte forma: “lutar contra a ilusão,
reencontrar as verdadeiras diferenças de natureza ou as articulações do real” (DELEUZE, 1999,
p. 14). É essa confusão entre as diferenças de grau e as diferenças de natureza que nos leva, por
exemplo, à ilusão da precedência do possível em relação ao real, ou como o professor Bento
Prado afirma, da ilusão do Nada como precedente ao real. O Nada como um conceito primitivo
em relação a algo (1989, p. 44). E é a partir da análise dessa regra que nos aproximamos mais
especificamente ao problema da relação do tempo e do espaço, pois a confusão entre as
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diferenças de grau ou de natureza está centrada no que se entende e no que se compreende dessa
relação.
Normalmente, atribuímos diferença de natureza onde há diferença de grau. As
diferenças de graus são mais comuns e as diferenças de natureza são mais raras, isso porque as
diferenças de graus estão ligadas ao espaço e as diferenças de natureza ao tempo.
A análise dessa regra nos remete à terceira regra que podemos resumir da seguinte forma:
“colocar os problemas e resolvê-los mais em função do tempo do que do espaço” (DELEUZE,
1999, p. 22). E é essa regra que nos coloca no cerne do problema que propomos analisar, pois,
segundo ela, a realidade deve ser pensada em função do tempo e não do espaço e, por isso, ela
nos leva à análise de outro conceito importante da filosofia bergsoniana, que é o conceito de
duração.
Para Bergson, a intuição pressupõe a duração no sentido de que a intuição consiste em
pensar em termos de duração (DELEUZE, 1999, p. 22). Ao se afirmar que a intuição pressupõe
ou supõe a duração não se quer dizer que ambas são as mesmas coisas, ao contrário, pretende-se
dizer que a intuição está intrinsecamente subordinada à duração na medida em que a realidade
deve ser pensada a partir do tempo e não do espaço. Além disso, dizer que intuição supõe
duração é dizer que a intuição é a forma que nós temos para sairmos de nossa duração e irmos ao
encontro de outras durações, ou seja, a intuição é o caminho que nós temos para tomarmos
consciência da multiplicidade de durações. Nessa perspectiva Deleuze afirma:
A intuição não é a própria duração. A intuição é sobretudo o movimento pelo
qual saímos de nossa própria duração, o movimento pelo qual nós nos
servimos de nossa própria duração para afirmar e reconhecer imediatamente a
existências de outras durações acima ou abaixo de nós (1999, p. 23).
A intuição é o único método capaz de nos levar ao conhecimento da realidade de forma
total. Isso porque ela está subordinada à duração. Conhecer a realidade de forma total não é
tarefa fácil até porque essa realidade está constantemente em construção (BERGSON, 2005, p.
295). A realidade está constantemente fazendo-se e refazendo-se, nunca está totalmente acabada.
Nesse sentido, a vida é constante movimento e transformação, ela está constantemente a se fazer,
nunca está totalmente acabada, assim, o impulso vital se revela como o pressuposto da constante
construção e reconstrução da realidade que por si é movente. O impulso vital “trata-se sempre de
uma virtualidade em vias de atualizar-se, de uma simplicidade, em vias de diferenciar-se, de uma
totalidade em vias de dividir-se” (DELEUZE, 1999, p. 75). Portanto, o impulso vital “será a
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própria duração à medida que se atualiza, à medida que se diferencia. O impulso vital é a
diferença à medida que ela passa ao ato” (DELEUZE, 1999, p. 133). Em outras palavras, o
impulso vital é a potência móbil da realidade.
Partindo do pressuposto da evolução, Bergson, utiliza o conceito de duração como forma
de penetrarmos nessa realidade constantemente em processo de construção. Uma definição
perfeita da realidade é impossível, haja vista que uma definição perfeita de algo só é possível se
esse algo estiver totalmente já feito, e não é o caso da realidade, pois esta está em construção
permanente (BERGSON, 2005, p. 14). Diante disso, como é possível pensar numa visão total da
realidade sendo que esta está em constante construção? Para respondermos a essa questão é
importante compreendermos melhor o sentido de duração. Para Bergson, tudo possui uma
duração. A duração mais do que um tempo de existência ou tempo qualquer mensurável, significa
invenção, criação constante, elaboração do absolutamente novo. A duração, portanto, é mudança
(BERGSON, 2005, p. 12). Indo além, podemos afirmar, de forma comedida, que duração na
proposta bergsoniana coincide com o termo movimento, ou ainda, a forma de percepção do
movimento. A realidade é movimento constante, a duração é a forma ou percepção do
conhecimento dessa realidade móbil. É a partir do conceito de duração como movimento que
podemos entender mais especificamente a crítica que Bergson faz à ciência moderna. Para ele,
essa ciência é moderna porque compreendeu a mobilidade como uma realidade independente
(BERGSON, 2006, p. 225). Contudo, ela continuou no equívoco dos antigos de pensar o móbil a
partir do imóvel. A ciência moderna busca conhecer a mobilidade a partir da imobilidade. Em
outras palavras, podemos dizer, que a ciência moderna pensa o tempo a partir do espaço. E,
nesse sentido, o tempo se torna relativo na medida em que se relaciona com as diferentes
perspectivas de espaço. Bergson critica essa perspectiva porque, para ele, devemos pensar o
tempo partir do próprio tempo, não é o tempo que se subordina ao espaço, ao contrário, é o
espaço que está subordinado ao tempo. Os cientistas modernos necessitam estabelecer um ponto
fixo, que é o espaço, para pensar a mudança e é, por isso, que, segundo o pensador em estudo, os
modernos teimam em permanecer na vertigem da realidade.
Raciocinamos sobre o movimento como se este fosse feito de imobilidade e, quando o
olhamos, é com imobilidades que o reconstituímos. O movimento para nós é uma posição,
depois uma nova posição, e assim por diante, indefinidamente (...) Temos instintivamente medo
das dificuldades que seriam suscitadas para nosso pensamento pela visão do movimento naquilo
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que este tem de movente estamos certos, a partir do momento em que o movimento foi
carregado por nós de imobilidades. Se o movimento não for tudo, não será nada; e, se de início,
pusemos que a imobilidade pode ser uma realidade, o movimento escorregará entre nossos dedos
quando acreditarmos tê-lo pego (BERGSON, 2006, p. 167).
Dessa forma, posicionando-se contrariamente à postura da ciência moderna que pretende
conhecer a realidade movente a partir da imobilidade, Bergson, apresenta a sua proposta
metodológica que se baseia na intuição e que, por sua vez, considera o tempo como prioridade
em relação ao espaço.
Conclusão
A partir da ideia de duração entendida como mudança e construção do novo, podemos
entender que o pensar em duração é uma ação de construção do objeto para e na consciência.
Pensar em duração é interagir com o objeto do conhecimento, construindo a si mesmo e,
também construindo o objeto que se deseja conhecer. Assim, a busca pelo conhecimento passa
da epistemologia para a ontologia e dessa para um possível existencialismo, pois, na medida em
que busca o conhecimento do objeto, sujeito e objeto do conhecimento passam por um processo
de construção. Dessa forma, a duração pode ser considerada a forma de nos fazermos e de
construirmos o conhecimento da realidade. Nesse sentido, fica mais clara a ideia de que o método
em Bergson, não antecede à investigação, ao contrário, ele é feito e construído ao mesmo tempo
em que investiga, e tudo isso é possível a partir da ideia de duração que nos possibilita entrar e
participar de um processo constante de construção e elaboração da realidade e de nós mesmos.
O pensar em duração participa interiormente da geração do objeto, operando uma
superação da própria condição humana (que na sua finidade é separação e exterioridade em
relação ao Ser). Mais do que um pensar o objeto, este ato identifica-se de alguma maneira, com o
próprio ato que cria o objeto. Pensar em duração é identificar-se com a temporalidade do próprio
surgimento do objeto enquanto objeto (PRADO Jr, 1988, p. 37).
O conceito de duração apresentado por Bergson, foi a forma que ele encontrou de propor
um conhecimento de uma realidade que sempre está a se fazer. Mas a duração, que é percepção
temporal do objeto ou da realidade a ser conhecida, propõe algumas questões que nos levam a
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outras reflexões importantes da filosofia do autor em estudo. A duração, como percepção do
objeto, proporciona a construção de uma ideia ou conceito da realidade, mas até que ponto esse
conceito e essa ideia representam realmente a realidade em si? Qual a relação entre duração,
percepção e memória? A duração percebida é um elemento psicológico? Qual a relação entre
memória e matéria? São questões que transcendem o objetivo do presente trabalho, mas para
responde-las, inevitavelmente, é necessário fortalecer a perspectiva de que, de fato, para
construirmos o conhecimento da realidade, devemos necessariamente adotar a intuição como
método, pois ela é a única que pressupõe duração e, portanto, não subordina o tempo ao espaço,
ao contrário, a partir da perspectiva temporal, procura-se compreender a realidade movente que
está constante e permanentemente em construção.
Referências bibliográficas
BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
_________. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: 34, 1999.
PINTO, Debora Morato. Crítica do negativo e ontologia da Presença: a interpretação de Bergson
segundo Bento Prado Júnior. O que nos faz pensar? n. 22, p. 23- 48, nov. 2007.
PRADO Jr, Bento. Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na Filosofia de
Bergson. São Paulo: Edusp, 1989.
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LIBERDADE NO PENSAMENTO POLÍTICO DE THOMAS HOBBES
Elizandra Bruno Sosa
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados - PET, Filosofia
[email protected]
RESUMO: No presente trabalho pretendo apresentar o conceito de liberdade segundo Thomas
Hobbes, presente na obra Leviatã. O livro é considerado uma obra-prima do pensamento político
inglês e contribuiu para o caráter da política moderna. Veremos que a liberdade é ausência de
imposição, ela se dá em relação às coisas. Em sua concepção de liberdade, Hobbes difere das
tradicionais concepções. Ser livre não significa possibilidades, na idealização da liberdade, ou
vontade livre, mas a ausência de impedimentos. Mas de qual sentido de liberdade falaremos?
Hobbes fala da liberdade no Estado, o qual é constituído pelo súdito,-visando sua paz e
segurança-. O pensador é constantemente acusado de ter formulado uma filosofia política na qual
o Estado é um exterminador da liberdade dos indivíduos. Seguiremos como roteiro o capítulo
XXI - Da liberdade dos súditos.
Palavras-chave: Liberdade; súditos; estado.
Em um Estado natural a convivência humana é quase impossível, visto que os indivíduos
tendem naturalmente a guerra de todos contra todos, os homens para saírem do caótico Estado
de natureza, firmam um pacto de forma voluntária para que se garanta a paz e a segurança, dando
origem ao Estado civil. Mas a vida em sociedade implica em abdicar da liberdade que se possui,
sujeito a regras, leis (feitas com a finalidade de proteger a sua própria vida). O Estado de Guerra
não é um estado de conflito empiricamente conhecido, mas um estado de conflito possível, os
indivíduos utilizam de ações violentas para a solução de suas contendas.
No Estado em que o poder é absoluto, questionamos que papel caberá à liberdade? O que
justifica a ação de homens livres ao abdicarem de sua plena liberdade com objetivo de se
pactuarem leis e regras? E como a partir disso denominaremos a liberdade que resta aos
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indivíduos? O que significa ser um homem livre no interior de uma sociedade civil? Inicialmente,
podemos dizer que ser livre em um Estado é estar desimpedido de exercer suas capacidades na
busca dos fins desejados.
Hobbes apresenta a liberdade como ausência de todos os impedimentos para a ação que
não está contida como qualidade na natureza do agente, sendo assim:
Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendo por oposição os
impedimentos externos do movimento); e não se aplica menos às criaturas irracionais e
inanimadas do que às racionais. Porque de tudo o que estiver amarrado ou envolvido de modo a
não poder mover-se senão dentro de um certo espaço, sendo esse espaço determinado pela
oposição de algum corpo externo, dizemos que não tem liberdade de ir mais além. E o mesmo se
passa com todas as criaturas vivas, quando se encontram presas ou limitadas por paredes ou
cadeias; e também das águas, quando são contidas por diques ou canais, e se assim não fosse se
espalhariam por um espaço maior , costumamos dizer que têm a liberdade de se mover da
maneira que fariam se não fossem esses impedimentos externos. Mas quando o que impede o
movimento faz parte da constituição da própria coisa não costumamos dizer que ela não tem
liberdade, mas que lhe falta o poder de se mover; como quando uma pedra está parada, ou um
homem se encontra amarrado ao leito pela doença (HOBBES, 1979, p.129).
Nessa analogia colocada por Hobbes, onde temos a ação humana com o movimento
natural das águas em um rio, o autor nos revela que o Estado, tal como as margens, não criam
obstáculos em relação ao movimento natural dos homens na obtenção do que é melhor para si, é,
senão, o que orienta para seu melhor fluir. Deste modo a concepção geral de liberdade se aplica a
tudo o que existe, o que não deve ser confundido é a falta de liberdade com a falta do poder de se
mover, tomamos o exemplo de uma pedra que está parada, visto que quando o que impede o
movimento faz parte da coisa, não dizemos que ela não tem liberdade.
Entendemos por homem livre “aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho
é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer.’’ (HOBBES, 1979, p.129).
Mas quando aplicamos as palavras livre e liberdade a coisas que não sejam corpos, ocorre um
abuso da linguagem, cito Hobbes:
Porque o que não se encontra sujeito ao movimento não se encontra sujeito a
impedimentos. Portanto, quando se diz, por exemplo, que o caminho está livre,
não se está indicando qualquer liberdade do caminho, e sim daqueles que por
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ele caminham sem parar. E quando dizemos que uma doação é livre, não se
está indicando qualquer liberdade da doação, e sim do doador, que não é
obrigado a fazê-la por qualquer lei ou pacto. Assim, quando falamos livremente,
não se trata da liberdade da voz, ou da pronúncia, e sim do homem ao qual
nenhuma lei obrigou a falar de maneira diferente da que usou (HOBBES, 1979,
p.129).
Um alerta é feito para o uso da expressão livre arbítrio, nela não é possível alcançar liberdade
na vontade, do desejo ou da inclinação, apenas a liberdade do homem, que consiste no fato de ele
não se deparar com obstáculos ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer. A
questão do livre arbítrio é um dos problemas que Hobbes tentará resolver, no qual encontramos
a dificuldade em compatibilizar as concepções de liberdade e deliberação e a ideia de que tudo é
causalmente determinado.
Outro elemento sobre a liberdade é sua compatibilidade com o medo, pois todos os atos
praticados pelos homens no Estado, por medo da lei, são ações que seus autores têm liberdade de
não praticar. Quando alguém age por medo dizemos que agiu em conformidade com a sua
vontade, segundo o que lhe pareceu melhor durante seu processo de deliberação. Por exemplo:
Como quando alguém atira seus bens ao mar com medo de fazer afundar seu barco, e
apesar disso o faz por vontade própria, podendo recusar fazê-lo se quiser, tratando-se portanto
da ação de alguém que é livre. Assim também às vezes só se pagam as dívidas com medo de ser
preso, o que, como ninguém impede a abstenção do ato, constitui o ato de uma pessoa em
liberdade (HOBBES, 1979, p.130).
A liberdade e a necessidade também são compatíveis, pois as ações que os homens
voluntariamente praticam -que derivam de sua vontade- derivam da liberdade. Os atos da
vontade de todo homem, todo desejo e inclinação derivam de alguma causa, e essa de uma outra
causa -em uma espécie de cadeia contínua, onde Deus é a primeira de todas as causas-. Mas
derivam também da necessidade, de forma que “Para quem pudesse ver a conexão dessas causas
a necessidade de todas as ações voluntarias do homem pareceria manifesta”. (HOBBES, 1979,
p.130)
Deus que vê e dispõe de todas as coisas, vê que a liberdade que o homem tem de fazer o que
quer é acompanhada pela necessidade de fazer aquilo que Deus quer. Os homens podem fazer
muitas coisas que Deus não ordenou e, portanto, não é autor (Deus não é autor das ações dos
homens), entretanto não é possível ter paixão ou apetite por nada cujo apetite a vontade de Deus
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não seja causa (Deus é a causa primeira). Se a vontade de Deus não garantisse a necessidade da
vontade do homem, a liberdade dos homens seria uma contradição e um impedimento à
onipotência e liberdade de Deus.
A concepção geral de liberdade é aplicada a tudo o que existe; na filosofia política temos a
definição de liberdade natural e liberdade civil. A liberdade natural para Hobbes é a única
propriamente chamada liberdade. Mas como se justifica que os homens abdiquem de sua liberdade
natural e se direcionem a um pacto que os levem a um Estado? Para maior compreensão cito
Hobbes:
Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua
própria conservação, criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado,
assim também criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis, as quais eles
mesmos, mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca daquele
homem ou assembleia a quem confiaram o poder do soberano, e na outra
ponta a seus próprios ouvidos. Embora esses laços por sua própria natureza
sejam fracos, é no entanto possível mantê-los, devido ao perigo, se não pela
dificuldade de rompê-los (HOBBES, 1979, p.130).
Podemos pensar que é uma enorme vantagem possuir plena liberdade mas, em um Estado
em que todo homem seja dotado de liberdade para fazer aquilo que desejar, não devemos
esquecer que o outrem também pode. Em tal situação o medo e a insegurança toma conta dos
homens, a consequência de plena liberdade para todos é de uma guerra generalizada, uma
condição que, segundo Hobbes, “o homem é o lobo do homem”.
É sabido que em nenhum Estado do mundo foram estabelecidas regras suficientes para
regular todas as ações e palavras dos homens, pois é impossível. Em situações em que as ações
não são previstas pelas leis, os homens têm liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir,
como mais favorável para si, e nesse sentido há uma liberdade dos súditos, essa liberdade resulta
da ausência da repressão. A liberdade dos súditos está:
[...] apenas naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano permitiu:
como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos
mútuos; de cada um escolher sua residência, sua alimentação, sua profissão, e
instruir seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes [...]
(HOBBES, 1979, p.131)
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Se a liberdade em seu sentido próprio é a liberdade corpórea, é absurdo que homens que
não se encontrem presos em cadeias ou prisões, exijam uma liberdade que manifestantemente
desfrutem. Homem livre entende-se por aquele que não encontra impedimentos para sua ação,
ou seja, realiza sua vontade sem qualquer impedimento interno ou externo.
Por que transferimos direitos no momento em que criamos um Estado? Qual a liberdade
que a nós negamos? A liberdade e obrigação do súdito deve derivar da função do Soberano: a paz
dos súditos entre si, e sua defesa contra um inimigo comum.
Há direitos que não podem ser transferidos por um pacto, como o direito de defender seu
próprio corpo. Haverá casos em que o súdito tem a liberdade de desobedecer, quando, por
exemplo, lhe é ordenado que se prive de alimentos, ou qualquer outra coisa, sem a qual não
poderá viver, ninguém pode ser obrigado por um pacto a recusar-se a si próprio.
A liberdade no Estado é um contexto de respeito à lei e manutenção dos direitos
individuais; serve como modelo de liberdade individual: a liberdade de um cidadão termina onde começa
a do outro. Cito Júlio Bernardes: “O Estado hobbesiano como um estado de liberdade, de
possibilidade efetiva do exercício dos direitos individuais, mediado por certas obrigações
referentes ao respeito às leis.” (BERNARDES, 2002, p.51)
O Estado de Natureza é caracterizado como um estado de plena liberdade, onde cada
indivíduo é juiz de suas ações, esta liberdade é deixada aos súditos através das leis civis,
objetivada pelo Soberano em favor e manutenção da vida.
O mecanicismo materialista fundamenta a concepção de liberdade – influência da física de
Galileu- na filosofia política de Thomas Hobbes, e para melhor compreensão do tema é
necessário se familiarizar com a ideia de força; ela pode ser compreendida nos seguintes sentidos
abaixo: compreendida como movimento que age como forças nos corpos, mas sem esses
pertencer. O movimento enquanto alteração espacial de um determinado corpo material; em
sentido restrito o movimento causa apenas mudança na posição dos objetos e não há alteração
das propriedades do objeto segundo a concepção dos Aristotélicos. Um corpo não se movimenta
ou deixa de se movimentar por si mesmo, isso ocorre apenas quando recebe influências de forças
externas que nele são impressas. Consiste aqui o principio da inércia: Todo corpo permanece em seu
estado de repouso, ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu estado por
forças impressas nele postulado por Newton, popularmente conhecido como a Primeira Lei de Newton.
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A ideia de liberdade em Hobbes é compreendida na medida em que os corpos são livres
quando conseguem manter seu estado de movimento, cito Júlio Bernardes:
A liberdade é definida por Hobbes como ausência de obstáculos ao estado
cinético em que um corpo se encontra. De acordo com esta definição de
liberdade, a tarefa fundamental do Estado é garantir condições para a
manutenção do livre exercício deste estado cinético interno por cada um dos
seus súditos. O ordenamento da ação, através da restrição do seu campo de
possibilidades, é requerido como meio para a correção de uma perversão
originada pela liberdade absoluta de ação no estado de natureza. Qual
perversão? Que o princípio ( a manutenção da vida) que legitimava o estado de
plena liberdade da ação passa a ser ameaçado quando do exercício do mesmo.
Ou seja, a liberdade plena da ação ou de movimento externo se constituía uma
ameaça ao movimento vital (BERNARDES, 2002, p.54)
Concluímos que o Estado deve por meio de um conjunto de leis, visar ao bem comum,
como promotor da paz. O Estado hobbesiano é um artifício humano que possibilita o
desenvolvimento dos homens (artes, ciências, trabalho, comercio, etc). No Estado, os súditos
possuem um estado de liberdade parcial enquanto um conjunto de ações se encontram impedidas
ou constrangidas enquanto outras não. O Estado proíbe certas ações para orientar os homens na
busca do melhor para si – o súdito ainda possui a liberdade de deliberar sobre obedecer ou não-.
Neste aspecto o Estado político hobbesiano age como um mantenedor da liberdade que se refere
ao movimento vital e da liberdade de todas as ações que contribuam para uma vida digna e
confortável. A liberdade dos súditos depende da flexibilidade da própria lei, é uma liberdade
limitada, mas é efetiva.
Referências Bibliográficas:
HOBBES, T. O Leviatã: Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. J. P.
Monteiro; M.B N. da Silva. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
BERNARDES, J. Hobbes e a Liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
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LIBERDADE POLÍTICA NOS DISCORSI DE MAQUIAVEL
Gabriel Allan Drehmer Gonçalves
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Fundação Araucária.
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. José Luiz Ames
RESUMO: O presente texto tem a intenção de levar em frente a análise de conceitos abordados
já em O Príncipe, além de novos conceitos implicados nos Discursos sobre a primeira década de Tito
Lívio, onde o autor que uma vez falou da monarquia se volta para a forma de governo
republicano, a partir da qual lança luz ao conceito de conflito como inerente a toda sociedade e
mantenedor da vida livre, baseando-se na história da república romana como exemplo de virtude
cívica, tanto do povo quanto do governo. A virtú, assim, passa a ser um predicado não só de um,
o príncipe, mas de muitos, um povo, tal como atesta e ilustra Maquiavel no decorrer dos seus
Discursos. É, pois, nessa obra, os Discursos, que o autor torna audível com mais solidez sua
preferência, em consonância com seu realismo, pela forma de governo mais estável e condizente
com a vida civil, a república.
Palavras-chave: Conflito, liberdade, república
Maquiavel fala da fundação do Estado, tema não aprofundado anteriormente, para mais
uma vez chegar ao conceito de conflito como possível mantenedor da vida livre em sociedade. A
partir disto o autor tem a possibilidade mais ampla de explorar novos conceitos não antes vistos
em sua obra sobre o principado, como a lei, virtude popular (não sendo mais esta uma
exclusividade do governante, por mais que seja por meio deste que o povo livre pode se
manifestar positivamente) e corrupção.
Diz Maquiavel, logo no primeiro capítulo dos Discursos, acerca da fundação do estado
romano:
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Quem ler a história do princípio da cidade de Roma e da forma como tudo foi
ordenado e por quais legisladores, não se admirará de que tanta virtù se tenha
mantido por vários séculos naquela cidade; e de que depois tenha surgido o
império que aquela república atingiu. E, para discorrer antes sobre o seu
nascimento, direi que todas as cidades são edificadas, ou pelos homens nascidos
no lugar onde são edificadas, ou por forasteiros. O primeiro caso ocorre
quando os habitantes , dispersos em muitas e pequenas partes, percebem que
não poderão viver seguros, visto que cada um por si não poderia resistir ao
ímpeto de quem os assaltasse, seja pelas feições do local, seja por serem em
pequeno número, e não teriam tempo para unir-se para a defesa diante da
chegada do inimigo; ou mesmo, em havendo tempo, precisariam abandonar
muitos dos seus redutos, vindo assim a tornar-se presa fácil dos inimigos: de tal
modo que, para escaparem a esses perigos, movidos por si mesmo ou por
alguém dentre eles com mais autoridade, se reúnem para morar juntos, em lugar
escolhido por eles, lugar que seja cômodo para se viver e mais fácil de se
defender. (Discursos, I,1; MAQUIAVEL, 2007, p. 7-8)
O autor segue afirmando que foi esse o início de muitas cidades datadas de tempos antigos,
como Atenas.
Partindo da concepção da fundação do Estado a partir da regra da necessidade o autor
florentino coloca nas mãos de um homem de virtù que capta a ocasião, no caso presente a
necessità, que primeiramente se apresenta na forma natural do medo primordial (pestes, guerras,
condições climáticas) a tarefa de, institucionalizando-a em uma necessidade artificial, constante,
fundar um Estado de equilíbrio entre os interesses dos humores divergentes que compõem a
cidade e a necessidade imposta pela lei. Maquiavel parte do princípio de que o desejo do homem
é tal que este não age corretamente se não por uma necessidade, daí o autor afirma que, onde a
escolha abunda, cabe à necessidade regrar o comportamento dos muitos, caso contrário instala-se
a licença e, no caso de um governo já fundado, o advento da corrupção.
Sobre a necessidade imposta à escolha, diz Maquiavel:
E, como os homens agem por necessidade ou por escolha, e como se vê que é
maior a virtù onde haja menos escolhas, é de se pensar que, para a edificação
das cidades, talvez fosse melhor a escolha de lugares estéreis, para que os
homens, obrigados a esforçar-se e a ocupar-se menos com o ócio, vivessem
mais unidos por terem menos razões de discórdia [...] (Discursos, I,1;
MAQUIAVEL, 2007, p. 10)
Sobre a questão de onde deve-se edificar uma cidade vale salientar que, mesmo que num
primeiro momento se cogita a idéia da fundação num lugar estéril, este que reproduziria de forma
eficaz a necessidade primordial, esta não é, para o autor florentino, a melhor opção, visto que,
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privados de tudo, os homens tornam-se facilmente industriosos e mesquinhos. Assim, segue o
autor, caberia antes edificar uma cidade num terreno fértil, introduzindo ali leis e ordenações tais
que o ócio não domine o cidadão.
Maquiavel lida com a transitoriedade daquilo que é para mostrar que em termos efetivos
não existe uma forma perfeita de governo que sob o estandarte de um fundador/legislador
virtuoso que, de acordo com a moral, doe leis e instituições “de mão beijada” para que assim os
cidadãos gozem da eterna pluralidade de fins convergindo para um mesmo Bem comum na
eternidade harmônica de um Estado incorruptível, de acordo com os ditames da lei divina. O
autor abandona a natureza teleológica que vê no homem uma estrutura que está de acordo com
um fim supremo desvelado na natureza enquanto tal preferindo uma visão pessimista acerca do
ser humano, que é tecnicamente mau, mas que permite pensar a política em termos mais realistas
chegando à ‘verdade efetiva’, ao encontro entre o político/governante e o político/governando,
evidenciando o verdadeiro tirano da verdadeira vida livre em sociedade. Maquiavel parte do
desejo anárquico e insaciável para pensar o homem como um ser medíocre, uma mediania
amoral, lhe bastando a perspectiva de consecução desiderativa para que sua moral pessoal cambie
entre bem e mal, fazendo do bem um suposto mal e do mal um bem de acordo com a maré,
como bem evidencia na sua famosa peça teatral ‘A mandrágora’, onde a moral cristã é colocada
em xeque em prol de uma “política” pessoal de fins justificando meios.
Assim, como bem salienta Winter em sua tese, para que se compreenda a política de
Maquiavel faz-se necessário primordialmente que se entenda sua visão dos desejos humanos:
Maquiavel parte da tese de que os homens são dotados de desejos e a todo
custo procuram satisfazê-los. Esta constatação acerca da natureza humana
permite a Maquiavel estabelecer uma nova compreensão da política a partir de
uma visão real e não ideal dos homens. A verdade efetiva das coisas (verità
effettuale delle cose) é o fundamento da política maquiaveliana. Compreender a
teoria dos humores, circunscrita pela verdade efetiva, por isso, é condição
necessária para compreender, na esfera do político, a relação entre o conflito
civil de grandes e povo e a liberdade no pensamento do secretário florentino.
(WINTER, 2010, p. 51)
Maquiavel nos ensina que o único modo pelo qual é possível ao homem modificar e/ou, ir
contra a natureza é pelo meio político. Essa idéia é totalmente contraditória com o ideal político
cristão onde é seguindo a natureza, como bem exemplificado pela metáfora das abelhas usada por
Tomás de Aquino, que o homem chega ao seu devido fim já que está em Deus o ideal que deve
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ser perseguido refletindo-se este na natureza e cabendo ao homem atualizar-se conforme a
vontade do criador. Para Maquiavel o jogo político não é uma natureza proveniente do suprasensível, mas algo que modifica e, muitas vezes vai contra essa força cósmica adotada pelo
cristianismo para fundar o regime perfeito. Para o autor florentino o agente político é criador na
medida em que dá forma à matéria fazendo surgir como possível uma realidade que não existe na
natureza, onde a multiplicidade se funde na unidade da coletividade em prol de um “bem
comum” ditado pelo próprio jogo político e nunca desvelado na natureza pela forte mão de um
ser onipotente. Política enquanto o meio público onde se efetiva a ação é constante criação de
um ou muitos homens de virtù de acordo com a necessidade imposta como constante conflito
que dilacera a vida social.
Como diz Ames: “Na finalidade da natureza humana não existe mais qualquer
normatividade interna, ela está livre de princípios. Por esse motivo, não é em conformidade com
a natureza e sim contra ela que é possível instaurar uma ordem entre os homens” (AMES, 2002,
p.98).
Assim, se os homens são maus e não há neles uma natureza tal que garanta o impulso
inicial do fundador, é preciso encontrar no próprio jogo político, na verdade efetiva da coisa, um
critério, ou regra geral, tal que possa servir de base para o agente político. Tal é, pois, a ação
política sob conceitos como virtù, fortuna e ocasião. O governante de virtù, como exposto acima,
é aquele que capta a necessidade.
Mas se não há uma convergência de fins e cabe ao regente agir, este deve agir sobre o quê?
Sobre, ou com base em que, ditar leis e instituições? Daí o conceito de conflito inerente que traz
em si todo o sentido antropológico exposto na teoria maquiaveliana onde o homem deseja
sempre. Maquiavel fala de dois pólos do jogo político, basicamente, os grandes e o povo, ambos
partilhando do mesmo princípio antropológico tendo o mesmo grau desiderativo. Não existe
desejo bom e desejo ruim entre povo e grandes. O que existe é a canalização institucional calcada
na situação social imposta pela realidade das coisas onde uma parte, os grandes, uma vez tendo
muito, mas nunca contentes com o que tem, pelo caráter geral do desejo anárquico e insaciável,
querem sempre oprimir, querem sempre mais, e de outro lado o povo que, ainda que deseje tanto
quanto os grandes, no medo de perder o que tem apela para a defesa da liberdade pela não
opressão. Daí que o povo é o guardião da liberdade na república, pois o equilíbrio entre estes e os
grandes suprime, até certo ponto, o desejo popular, que não é diferente do desejo dos grandes,
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possibilitando assim que o povo em tal posição seja o mantenedor da vida livre de acordo com o
aparato institucional. Assim, cabe ao governo institucional canalizar os humores de forma que
uma parte não se sobreponha à outra, nem que o governo caia na licenciosidade. Cabe ao
governante impor a necessidade onde a escolha abunda. Sobre a defesa da liberdade a partir do
desejo do povo diz Maquiavel no capítulo IV do livro I dos Discursos:
Direi que quem condena os tumultos entre os nobres e a plebe parece censurar
as coisas que foram a causa primeira da liberdade de Roma e considerar mais as
assuadas e a grita que de tais tumultos nasciam do que os bons efeitos que eles
geravam; e não consideram que em toda república há dois humores divergentes,
o povo, e os grandes, e que todas as leis que se fazem em favor da liberdade
nascem da desunião deles [...] (MAQUIAVEL, 2007, p. 22)
Vê-se neste trecho que Maquiavel coloca, mais uma vez, na voz de um interlocutor, a saber,
a tradição, a defesa de uma política que não visualiza com precisão o problema do conflito dentro
de uma república. Segue o autor logo abaixo, continuando o parágrafo:
E não se pode ter razão para chamar de não ordenada uma república dessas,
onde há tantos exemplos de virtù: porque os bons exemplos nascem da boa
educação; a boa educação, das boas leis; e as boas leis, dos tumultos que muitos
condenam sem ponderar: porque quem examinar bem os resultados deles não
descobrirá que eles deram origem a exílios ou violências em desfavor do bem
comum, mas sim a leis e ordenações benéficas à liberdade pública.
(MAQUIAVEL, 2007, p.22)
Fica evidente, pois, a ruptura de Maquiavel com a tradição tanto antiga, da política clássica
e medieval, como para com seus contemporâneos humanistas.
Para complementar diz Maquiavel diretamente sobre o desejo do povo: “E os desejos dos
povos livres raras vezes são perniciosos à liberdade, visto que nascem ou de serem oprimidos ou
da suspeita de que virão a sê-lo” (MAQUIAVEL, 2007, p. 23)
Se em O Príncipe Maquiavel trata de destruir todas as bases metafísicas que mistificavam a
ação do príncipe e os fundamentos de um governo segundo a natureza quando denuncia a
violência geral a que fazem uso os conquistadores de um principado novo, nos Discorsi o ar se
torna um tanto mais teórico possibilitando ao autor a exploração de novos temas como: as leis, a
liberdade, as instituições e outros temas associados à república e ao bom funcionamento do
Estado. Ao contrário de O Príncipe, escrito como um compêndio de princípios básicos dedicados
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a sua senhoria, os Médici, os Discorsi diferem logo no meio em que foi composto. Apesar de
algumas especulações sobre em qual ano especificamente o autor escreveu seus Discursos, o meio
onde este resolveu vincular e ampliar suas idéias republicanas foi o jardim da família Rucellai,
onde jovens intelectuais reuniam-se para ouvir os ensinamentos de Maquiavel e também para
expor sua vontade contra o despotismo Médici na cidade de Florença. Daí vê-se um
compromisso mais solto, o tratado desta vez não é dedicado ao príncipe, mas sim ao próprio
autor e seu circulo de ouvintes, os cidadãos florentinos.
Assim Maquiavel inicia seu tratado sobre as repúblicas discorrendo sobre a fundação dos
Estados livres por uma cisão que desde início ditará subliminarmente toda a temática da vida livre
no pensamento do autor. A premissa geral sob a qual se desdobrará toda a pesquisa do autor na
forma de discurso é a de que, falando da fundação e manutenção de um Estado, o que um funda
somente muitos mantém. Pois política é o embate engajado de forças antagônicas. No cerne da
atividade fundadora está um homem, ou um grupo de homens que “capta no ar” a ocasião de dar
uma resposta à necessidade geral. Para Maquiavel todo e qualquer agrupamento de homens na
forma de um Estado pressupõe uma relação de medo prévio, medo este que se traduz pela
necessidade mesma que se mostra ao homem de virtù como a ocasião de agir, de inserir forma à
matéria, de criar leis e instituições. Este aspecto bruto da necessidade é primordialmente natural,
o homem tende a fugir da morte iminente que se traduz na natureza pela fome, peste e até
guerras entre homens. Assim, Maquiavel vê nessa necessidade natural o motor que move os
homens à coexistência, mas não basta somente este impulso inicial para que se mantenha a vida
social e muito menos a vida livre. Daí a necessidade de ditar a forma na matéria, caso contrário
retornaríamos ao argumento teleológico aristotélico que pressupõe uma ordem de fins de tal
modo inerente à natureza do animal racional, e depois social, que ao fundador bastaria a tarefa de
dar esse único impulso inicial a partir do qual tudo convergiria para o Bem comum do ‘dever ser’.
A necessidade deve ser constantemente rememorada para que a instituição não cristalize na
mente do cidadão aquilo que Maquiavel já denunciava em O Príncipe, que a legitimidade natural de
qualquer governo ou principado tem sua origem no sangue e que este foi somente inserido numa
perspectiva política na qual se mascarou de segunda natureza inerente ao próprio homem o que é
criação do próprio homem a partir de um ato de violência inicial. O cidadão não tem e não pode
pensar ter se tornado tal a vida civil que nada poderia dissociar o impulso natural dos homens, a
necessidade deve ser constantemente rememorada nas formas institucionais que regulam o
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combate entre as forças sociais que dilaceram a sociedade resultando sempre em novas leis que,
de ambas as partes desiderativas, rejam o equilíbrio onde nem uma parte nem outra sobreponha
sua antagonista, pois tal seria o fim da vida livre. Por isso, diz Maquiavel, toda forma de governo
que prega a harmonia, o fundamento da concórdia, carrega nos seus atos o sangue do povo ao
qual oprime por uma ilusão de Bem sobrenatural. Em suma, o fundador de virtù é aquele que
institucionaliza a necessidade de forma a dar vazão ao conflito inerente à vida política.
Se na filosofia política clássica era concebida uma essência como prévia à existência, no
pensamento político de Maquiavel, usando termos conceituais contemporâneos, a existência
precede a essência na medida em que o agente político na forma de grandes ou povo é
responsável pela sua própria condição. É na coisa mesma que se dá o fazer do político e é nela
ainda que se encontram as condições possíveis para toda ação que deve legitimar a si mesma. É
no embate social, nos seus desejos e na necessidade imposta pela lei coercitiva como resultado do
conflito, que se legitima constantemente a ação política. Fundação é constante renovação, é o
embate que lembra sempre a necessidade primordial na figura antagônica do desejo em questão,
grandes querendo oprimir e povo querendo não ser oprimido. Assim, o conflito produz a lei que
legitima o meio político por sua autoimposição. Não há racionalidade ou racionalização da
natureza na forma da lei, mas sim o equilíbrio resultante do conflito. A lei faz a vez da
necessidade natural como produto do homem, esta necessidade que é artificial. A produção da lei
como criação humana, não natural, se dá no meio institucional que tem como pano de funda o
dilaceramento social imposto pela necessità.
Ao enunciar o problema da circularidade polibiana Maquiavel intenta achar um meio
estável que propicie a conservação da vida política. Uma vez que o ciclo polibiano prevê uma
naturalização do político, o que resulta na degradação de sua forma institucional em seu direto
oposto. Maquiavel vê no governo misto a estabilidade política que não se deixa naturalizar com
tanta facilidade, pois, em vez de somente um, poucos ou muitos governarem, no governo misto
cada parte tem seu papel na feitura das leis ao propiciar abertura ao desafogo do conflito. No
governo misto o príncipe, grandes e povo nas figuras do cônsul, senado e tribunos
respectivamente, são parte ativa e conflitante na dinâmica política que carrega em si o equilíbrio
institucional.
Ao comparar os governos Espartano e Veneziano, modelos de estabilidade, ao governo
Romano, Maquiavel se utiliza de um elemento retórico que coloca na boca do interlocutor (a
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tradição) a defesa de uma pretensa harmonia enquanto defende na primeira pessoa o tumulto
romano, considerado pernicioso e prejudicial à república, esta que, como no caso de Roma, se
não fosse assegurada pelas armas e pela boa fortuna, nunca teria alcançado liberdade e prestigio.
Maquiavel mostra que, se em Roma houveram boas armas, estas decorreram mais da boa
educação proveniente dos bons costumes, que por sua vez devem-se às boas leis cunhadas no
cerne do conflito, do que de uma falsa noção aristocrática de harmonia essencial. Roma brilhou
não só como potência militar, mas, também, como modelo de instituição; suas leis foram
cunhadas no conflito de modo a propiciar o desafogo das partes componentes do jogo político.
O conflito Romano entre plebe e povo, mediado pela figura do senado, compõe um governo
misto baseado na tríplice relação entre as formas institucionais puras, a democracia (povo), a
aristocracia (nobres) e a monarquia como cume mediador (cônsul), estas três instâncias
individuais unindo-se de forma orgânica contribuindo para a institucionalização do medo como
necessidade na forma da lei regulada pelo conflito que garante, de forma mais sólida, a liberdade
política, esta que é posta nas mãos do povo que deseja, mas não deseja dominar pela sua posição
de oprimido, sendo que, visto que o desejo é anárquico e insaciável dentro do homem em geral,
o povo compõe a parte negativa dos desejos antagônicos que passa a ser positivada pela
efetividade que o conflito exige contra a total dominação de uma das partes, tornando, assim, o
povo guardião da liberdade via institucional/legal.
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A MULTIDÃO DE ESPINOSA E A PRIMAZIA DA RESISTÊNCIA DE FOUCAULT
E DELEUZE NA TESE DE NEGRI E COCCO EM “GLOB(AL):
BIOPODER E LUTA EM UMA AMÉRICA LATINA GLOBALIZADA”
Gilson Arend
Vania Sandeleia Vaz da Silva
[email protected]
RESUMO: Antonio Negri e Giuseppe Cocco no livro Glob(Al): Biopoder e luta em uma América
Latina globalizada, publicado em 2005, questionam as interpretações dominantes a respeito da
dependência latino-americana a partir do conceito de multidão – originário do filósofo holandês
Bento Espinosa (1632-1677) – e da noção de primazia da resistência – tal como formulada por
Michel Foucault (1926-1984) e por Gilles Deleuze (1925-1995). Se concordarmos que “a
tendência à recomposição da frente global das lutas dá um caráter de urgência à retomada de um
debate teórico, tanto múltiplo, quanto voltado para a construção de bases comuns”; será que
Negri e Cocco (2005, p. 17) foram capazes de apresentar a resistência da multidão (“a nova figura
subjetiva que o proletariado forjou para a própria expressão constituinte”) de modo a conferir
“universalidade à análise revolucionária”?
Palavras-chave: Resistência; multidão; Espinosa; Foucault; Deleuze
“Que se vayan todos, que no quede ni uno solo”
(Grito argentino das manifestações de 19 e 20 de dezembro de 2001)
A trilogia – Império (2000); Multidão (2004) e Commonwealth (2009) – escrita por Michael
Hardt e Antonio Negri a respeito do que tradicionalmente chamaríamos de relações internacionais,
rompe com o modo próprio de pensar e escrever nas Ciências Sociais, na Ciência Política e nas
Relações Internacionais, porque mescla, propositadamente, ciência, mitologia, literatura,
sociologia, antropologia, filosofia e, até mesmo, notícias jornalísticas dos eventos que envolvem
poder e resistência, ou, para ser mais fiel ao propósito dos autores, potência e resistência aos poderes
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provisoriamente constituídos. Giuseppe Cocco integra-se nesse projeto e modo de pensar a política
que lembra muito bem parte de um prefácio que Michel Foucault (1926-1984) escreveu para o
livro O anti-Édipo (1972) de Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guatarri (1930-1992), o qual,
segundo escreveu Foucault, poderia ser considerado “uma Introdução à vida não fascista”:
Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, quer já estejam instaladas ou
próximas do ser, acompanha-se de um certo número de princípios essenciais [...]: - liberem a ação
política de toda forma de paranoia unitária e totalizante; - façam crescer a ação, o pensamento e os
desejos pela proliferação, justaposição e disjunção, antes que pela subdivisão e hierarquização
piramidal; - liberem-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna),
que o pensamento ocidental há muito tempo sacralizou como forma de poder e modo de acesso à
realidade. Prefiram o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os
arranjos móveis aos sistemas. Considerem que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade; - não
imaginem que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo se o que se combate é abominável.
É o liame do desejo à realidade (e não sua fuga nas formas da representação) que possui uma força
revolucionária; - não utilizem o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade;
nem a ação política para desacreditar um pensamento, como se ela só fosse pura especulação.
Utilizem a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um
multiplicador das formas e domínios de intervenção da ação política; - não exijam da política que
restabeleça os “direitos” do indivíduo, tais quais a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto
do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação e pelo deslocamento dos
diversos arranjos. O grupo não deve ser o liame orgânico que une os indivíduos hierarquizados,
mas um constante gerador de “desindividualização”; - não caiam apaixonados pelo poder
(Foucault, [1977] 2010, p. 105-6, grifos nossos).
A teoria da dependência é desconsiderada sumariamente pelo mainstream da disciplina de
Relações Internacionais, a princípio, porque é uma teoria que não é abrangente mas muito
circunscrita: seu objetivo é pensar as consequências políticas do desenvolvimento capitalista na
região compreendida pelo rótulo América Latina, que, tal como anuncia o adjetivo, teria sido
dependente do desenvolvimento capitalista em geral, aquele que diz respeito aos países do Oeste
europeu e dos Estados Unidos (e, Canadá, e Japão, e Austrália, enfim, o que poderia ser agrupado
no hemisfério Norte definido não por localização geográfica, mas por critérios sócio-econômicos).
Enquanto teorias como o Realismo, o Idealismo e o Imperialismo seriam gerais porque consideram a
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interação de todos os Estados – ou dos mais importantes – a teoria da dependência seria restrita e não
poderia compor a corrente principal da disciplina de Relações Internacionais.
O questionamento feito à teoria da dependência de que trataremos aqui é de um tipo
diferente. Antonio Negri e Giuseppe Cocco no livro Glob(Al): Biopoder e luta em uma América Latina
globalizada, publicado em 2005, questionam as interpretações dominantes a respeito da dependência
latino-americana a partir do conceito de multidão – originário do filósofo holandês Bento
Espinosa (1632-1677) – e da noção de primazia da resistência – tal como formulada por Michel
Foucault (1926-1984) e por Gilles Deleuze (1925-1995).
A obra de Negri e Cocco suscita indagações e curiosidade sobre a matriz filosófica que
orienta e conduz o pensamento destes autores para a América Latina. Sua abordagem foca o
México, a Argentina e o Brasil dentro de uma perspectiva pós-moderna da filosofia política. Para
eles, o poder soberano se encontra em crise no momento histórico que marca a transição da
modernidade para a pós-modernidade e o método mais eficiente para a análise dos
acontecimentos recentes é levar a sério a ideia de Foucault e Deleuze de que a resistência tem
primazia ontológica e explicativa em relação ao poder constituído. Assim, os movimentos coletivos de
resistência – a luta dos trabalhadores pela liberação ou pela libertação – antecedem e forjam as
nuances seguintes do desenvolvimento capitalista –as inovações técnicas são consequências das
inovações sociais – e dos arranjos de poder.
Então, se é verdade que “o capitalismo mundial sabe unificar e articular seus instrumentos
de domínio e de repressão” (2005, p. 17), cabe notar que a ação da multidão – a mais recente
figura subjetiva que o proletariado forjou para sua resistência – pode ser considerada uma
consequência na medida em que questiona a unidade do poder, já que é múltipla. A associação da ideia
de multidão com a perspectiva da resistência já se encontra presente numa publicação de 2002 em
uma coletânea – O trabalho da Multidão: Império e resistências – em que se discute as transformações
do trabalho e as formas emergentes de lutas e resistências, plurais, múltiplas, a partir de uma rede
(a Universidade Nômade, desterritorializada) que se ocupa de estudos que inclui diversas áreas do
conhecimento (é transdisciplinar) e possibilita a cooperação entre várias instituições (é
interinstitucional) que buscam atravessar os limites do mundo acadêmico e superar conjecturas
puramente teóricas.
Negri e Cocco lançam um novo olhar para os movimentos sociais dos anos 90 e asseguram
que não faz sentido hoje retornar ao desenvolvimentismo – que se apoia em um Estado centralizador,
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reduzindo o espaço público às implicações individualistas do mercado (2005, p. 54). A partir da
crise da representação política – e todo tipo de transcendência ligada ao Estado moderno e
soberano, que jamais fora plenamente instituído na América Latina, segundo os autores –
enfatizam as inovações da multidão no campo da democracia que eles chamam de New Deal (Novo
Pacto), pois, como afirmam, “o desenvolvimento tem necessidade de liberdade e democracia”
para que não seja só “crescimento econômico”, e, assim “tais processos representam verdadeiras
mutações biopolíticas” (2005, p. 88).
Retomando o conceito de multidão – que Antonio Negri reelabora a partir da obra de Bento
Espinosa – acrescenta-se a noção de potência do trabalho vivo, que reinterpretam da obra de Karl
Marx e consideram que o exercício do poder é melhor entendido a partir da noção de biopoder de
Michel Foucault. Para Negri e Cocco, a multidão é “um conjunto biopolítico de singularidades que
trabalham e são oprimidas, que resistem com os corpos e que, com a inteligência, querem
revolucionar o mundo” (2005, p. 73). Trata-se, portanto, de uma “multiplicidade de todas as
diferenças singulares” (Negri e Hardt, 2004, p. 12), comunicando-se em rede em âmbito global e
agindo em comum: interferindo, provocando mudanças nas formas de se governar, nesse contexto
que definem como Império. A multidão é constituída de minorias atuantes, mas a aspiração de um
dado grupo está excluída de se tornar a da maioria ou em governo, pois possui a intenção de
provocar transtornos nos trâmites tradicionais de representação política (Hopstein, 2002, p. 48).
A ênfase será sempre mantida na “insistência em momentos comuns de luta” (2005, p. 100).
A multidão é uma categoria pensada distintamente de outros conceitos como “povo”,
“população” e “massa” na análise da atualidade. “População” é uma designação que dá destaque
às diferenças e que, por sua vez, o emprego da terminologia “povo” engendra uma ideia de
unidade associada a uma identidade comum. Já, no uso do conceito de “massa”, não está
presente a noção de identidade e unicidade e a sua característica essencial é a indiferença surgida
da diluição de todas as diferenças em um conglomerado uniforme. Ao contrário, a multidão não
se permite reduzir a uma unicidade ou identidade, nega-se a ser representável; a sua democracia é
absoluta por não reconhecer qualquer princípio ou soberania que lhe seja alheio ou inconveniente
(Negri e Cocco, 2002, p. 25). O movimento da multidão é auto-organizado e movido pelo desejo
de democracia, trata-se de uma “inteligência fundamentalmente social” (Hardt e Negri, 2004, p.
131), uma inteligência forjada nas relações coletivamente estabelecidas – na vida e trabalho – e
que adquire um nível elevado e isento de um controle central ou unificado. O fundamento desta
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inteligência social (ou coletiva) é a comunicação e a cooperação entre diferentes agentes criativos
da multidão.
Como pensar a resistência considerando um sujeito político que não se permite unificar, que é
estranho às teorias da soberania que estudamos – as quais nos ensinaram que os pactos, inclusive o
contrato social que cria a soberania do Estado tem que ser mantido?
Não se pode romper o contrato porque não é justo retirar a palavra dada. Ora, como explica
Michel Foucault (1979, p. 66) a justiça é um instrumento de Estado que age para fragmentar
internamente as massas, dissipando-as (Foucault, 1979, p. 67), e se o poder é exercido sempre
como “um modo de ação de alguns sobre os outros” (Foucault, 1995, p. 242), ou “um conjunto
de ações sobre ações possíveis [de outros]” (Foucault, 1995, p. 243), por outro lado, o exercício
do poder somente se dá sobre sujeitos que tenham possibilidades de escolha e reações de
comportamentos diversos (1995, p. 244). Quer dizer que a liberdade é uma condição para o exercício
do poder: “a relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas”
(1995, p. 244). Foucault explicita que na sociedade as situações de adversidades colocam em ação
mecanismos de poder (1995, p. 249), e sendo os sujeitos individuais ou coletivos, as relações de
poder se originam na complexidade da rede social (1995, p 247), sendo que o mais importante é
notar que:
o que torna a dominação de um grupo, de uma casta ou de uma classe, e as
resistências ou as revoltas às quais ela se opõe um fenômeno central na história
das sociedades é o fato de manifestarem, numa forma global e maciça, na escala
do corpo social inteiro, a integração das relações de poder com as relações
estratégicas e seus efeitos de encadeamento recíproco (Foucault, 1995, p. 249).
Gilles Deleuze, no seu livro sobre Foucault, afirma que “a última palavra do poder é que a
resistência tem o primado, na medida em que as relações de poder se conservam por inteiro no
diagrama, enquanto as resistências estão necessariamente numa relação direta com o lado de fora,
de onde os diagramas vieram” (2005, p. 96). Trata-se de partir das formas de resistência às diversas
formas de poder (e das tentativas de suas dissociações) para melhor esclarecer estas relações de
poder. As lutas de resistências, conforme Foucault (1995, p. 234), são caracterizadas: por não se
restringirem a “uma forma política e econômica particular de governo”, por objetivarem “os
efeitos de poder enquanto tal”, por serem imediatistas porque criticam “as instâncias de poder
que lhes são mais próximas (...) o inimigo imediato”; por combaterem a fragmentação da vida
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comunitária; por assumirem oposição aos privilégios do saber e sua relação com o poder e por
demonstrarem uma “recusa de uma investigação científica ou administrativa que determina quem
somos”. Com relação a estas características Foucault define que o alvo específico das resistências
diz respeito às técnicas e formas de se exercer o poder, não às instituições ou elites
socioeconômicas (1995, p. 235).
A principal crítica de Negri e Cocco à teoria da dependência e a todos os movimentos de
resistência na América Latina é que “a independência nacional nada tem a ver com a emancipação
social” (2005, p. 43), pois aqui “a chamada construção do Estado-nação e do desenvolvimento”
jamais foi acompanhada da “criação da democracia” e da “justiça social”; mais especificamente,
buscam explicitar que “o Estado moderno – ou seja, o Estado- nação – nos países de soberania limitada
nunca existiu propriamente” (2005, p. 46). Mas quem é que deveria lamentar isso? Atualmente,
continuam, “a constituição da soberania imperial é um processo aberto” o que não quer dizer que seja
linear, mas que é “aberto às lutas, articulado na interdependência e não obrigado à dependência”
(2005, p. 47). Cabe, então, à multidão, ter em mente que:
A liberdade não é algo que vem depois – algo que só se pode gozar depois de ter comido, uma
consequência do emprego e do salário. Ao contrário, a liberdade é a condição mesma da
produtividade. Ela o é na organização pós-moderna do trabalho, onde o que o capitalista
compra é essencialmente a criatividade intelectual (o que há de mais livre?). Mas ela o foi
sempre, mesmo no passado, na história do desenvolvimento capitalista. Marx percebeu isso
muito bem quando, percorrendo com enfado a documentação e análises econômicas
preocupadas em mostrar a potência civilizadora do capital, definia a força de trabalho do
proletariado como “livre”, mesmo na desesperada condição e na situação de violência a que
estava submetida pela dominação: por outro lado, era esta liberdade que determinava a
possibilidade da valorização econômica. Mas a força de trabalho também é livre lá onde todos
parecem negá-lo: no subdesenvolvimento, no êxodo intercontinental e continental, na pobreza
absoluta. Viver é ser livre, é tentar sê-lo continuamente, lutar por. Isso não significa, ao
mesmo tempo, que viver não seja também ser reprimido, constrangido, disciplinado, controlado
– mas isso acontece porque existe a liberdade e, consequentemente, o patrão sente o desejo de
revolta respirar ininterruptamente e vê a resistência do sujeito manifestar-se: o patrão reage a
isso e demonstra assim que todas as formas organizativas do capital são projetos de enclosure,
de bloqueio e de controle dos movimentos da força de trabalho, contra o êxodo, tentado
continuamente, do trabalho; demonstra assim que as lutas vêm primeiro, pois as instituições
do capital são reações contra a liberdade das lutas proletárias (NEGRI; COCCO, 2005,
p. 69-70, em itálico no original).
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A PROPOSTA DIALÓGICA DE PAULO FREIRE NO AMBIENTE HOSPITALAR:
A INCLUSÃO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA
Giovanna Takata Liberatti
Universidade Estadual de Londrina - UEL
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Orientador: Profª. Drª. Rosa de Lourdes Aguilar Verástegui
RESUMO: Este estudo reflete sobre a importância do diálogo no ambiente hospitalar, com a
finalidade de promover a educação das crianças hospitalizadas. Para isto veremos a situação
crítica das crianças hospitalizadas; depois ressaltaremos as características humanizadoras do
diálogo e por último trataremos de observar a situação especial do diálogo em ambiente hospital
e seus benefícios. O referido diálogo apresenta características particulares, tendo como sujeitos
do processo o paciente, a equipe médica, os educadores e a família, entre outros. As
características particulares do ambiente hospitalar trazem situações não convencionais na
educação formal. A importância da pesquisa é que existe uma carência sobre o tema proposto no
meio acadêmico, e também a necessidade de levantar uma reflexão sobre a necessidade e os
benefícios que traz a modalidade de ensino proposta. A pesquisa é bibliográfica e temos como
principal referencial A Pedagogia da autonomia, a Pedagogia do oprimido e a Pedagogia da esperança de
Paulo Freire. O trabalho pretende trazer uma colaboração acadêmica através da reflexão sobre a
necessidade do diálogo e sua potencialidade na práxis docente e também de alguma maneira
colaborar com o desempenho dos docentes que exercem a pedagogia hospitalar.
Palavras-chave: Dialogicidade; educação de criança hospitalizada; pedagogia hospitalar
Introdução:
Neste estudo veremos a saliência do diálogo proposto por Paulo Freire para a educação
hospitalar, durante o tempo de internação da criança. É sabido que um ambiente propício ajuda
na recuperação do enfermo, daí a precisão da educação ajudar neste processo, no sentido de
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admitir a inclusão da criança trazendo um cotidiano que o vincule a um ambiente educativo. Por
meio deste, veremos a valia de trabalhar a sensibilidade e humanização no processo educativo,
que terá o cuidado em escutar a “voz” da criança internada.
O tema servirá como uma referência para os educadores que pretendem trabalhar no
ambiente hospitalar. Cremos que são poucas as menções e bibliografias a esse respeito, por essa
razão vemos a necessidade dessa pesquisa.
A pesquisa é bibliográfica, conta com o levantamento de jornais, entrevistas, textos
virtuais, impressos e teses, além dos textos propostos nas referências.
A situação da criança hospitalizada
A criança que chega ao hospital experimenta deixar o lar, o lugar de conforto, para ir a um
ambiente frio, impessoal e novo. Esta mudança não é fruto de uma decisão da criança, é uma
imposição, na qual ela se sente frágil. Mas, de modo algum, a criança vê que é um mal necessário
pelo qual deve passar para poder se sentir melhor. A chegada da criança a um hospital é, muitas
vezes, em emergência, sob uma crise, dor e medo, na expectativa de aliviar esta situação
(MANNONI, 1983).
Quando a criança é internada ocorre um corte nos hábitos e ritmo de vida. Ela espera que
este tempo seja breve, mas a incerteza invade, tanto na família como na criança. Se na família os
pais são os que têm controle, no ambiente hospitalar, a criança e seus familiares não têm controle
nem segurança. A impotência e fragilidade invadem seu entorno. A experiência hospitalar é
traumática, desagradável, domina a sensação de descontrole e fragilidade, além, da incerteza. Os
pais podem tentar estabelecer equilíbrio e paz, tentam encontrar um profissional da área médica
que lhes possa dar alguma segurança. “[...] a atitude emocional dos pais desempenha um papel
fundamental nas reações da criança hospitalizada. Nesse sentido, refere que a equipe de saúde
pode ajudar os pais a se adequarem às necessidades de seu filho” (QUINTANA; ARPINI;
PEREIRA et al., 2007, p. 414). A situação da criança hospitalizada afeta a família por duas razões,
primeiro pela existência da doença e por que eles não têm o controle nem a segurança que toda
família busca brindar a seus membros. Este fato gera sofrimento e fragiliza a firmeza da família.
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Entre as mudanças de hábitos da criança está à saída da rotina escolar. Sobre esta situação
buscamos refletir. Além de quebrar um ritmo ao qual a criança está adaptada e faz parte de sua
vida e dia a dia. Surge também a preocupação com o escolar. A rotina escolar traz o convívio
com outras crianças, o despertar de atividades próprias da idade e desenvolvimento das crianças
que juntas experimentam descobrimentos e crescimentos, tanto físicos como psicológicos
(SCHNEIDER, 2011).
A escola brinda à criança um ambiente de socialização e dependendo do tempo em que a
mesma se encontra hospitalizada e o tipo de tratamento que recebe, verá que sua vida adoece e
em consequência é hospitalizada, fica mais frágil e sensível emocionalmente. Isto se reforça
quando a doença é crônica, neste caso a hospitalização da criança pode ser frequente e
prolongada e, as consequências destes métodos podem até causar prejuízos físico e mental da
criança.
Estudos sugerem que a sensibilidade comportamental da criança a arranjos ambientais
específicos aumenta a probabilidade da alteração do comportamento, permitindo o
estabelecimento de repertórios comportamentais diferenciados (SOARES e BOMTEMPO, 2004,
p. 55).
O hospital representa um cenário que destitui da criança sua função de brincar, rir, e de se
ser criança. Um ambiente que está cheio de aparelhos, medicamentos, tubos, soros, e com
profissionais que querem manter o controle, pela reação dos pacientes ao tratamento, não estão
receosos por fazer da vida da criança uma vida próxima a seu cotidiano. E ainda a criança se vê
deixada nesse ambiente, com desconhecidos (SCHNEIDER, 2011).
O estresse pelo que passa a família ecoa na criança, pois ela é o centro dessa preocupação,
o ser mais ingênuo e frágil. Os pais vivenciam sensações de impotência, ignorância, dificuldade
econômica, etc. Tais fatores podem afetar o emocional da criança.
Um analista do comportamento tem como tarefa identificar contingências que estão
operando (ou inferir quais as que podem ou devem ter operado), quando se depara com
determinados comportamentos ou processos comportamentais em andamento, bem como
propor, criar ou estabelecer relações de contingência para o desenvolvimento de certos processos
comportamentais (SOARES; BOMTEMPO, 2004, p. 55).
A criança tem um conceito de si e da sociedade que ela formou por meio do convívio
familiar e escolar. A partir da hospitalização ela passa a ver mais uma a do sistema de saúde. Ele
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passa a considerar-se um membro desse sistema do qual ele faz uso e no qual vai ser deixado. Se
antes ela se sentia segura no seu lar agora passa a ser um estranho, num ambiente alheio e novo e
deixado nele. A criança é despida, banhada, vestida com roupas do hospital e tem que obedecer
ao pessoal do hospital. E também tem que se submeter a um tratamento doido ou invasivo.
A hospitalização influencia no desenvolvimento da criança, causando mudanças de conduta
e até físicas e mentais e pode gerar trauma, medo e insegurança. Por vezes a criança pode sentir
que é culpada e responsável por essa situação. O controle e a rotina do hospital podem despertar
sentimentos de repressão, insegurança e medo. A criança pode passar por uma fase de choro,
desespero, ela quer que os pais a “resgatem”, mas por outro lado observa a preocupação dos pais
para que ela fique.
Diante disto, podemos ajudar à criança a passar por estas situações hospitalares do melhor
jeito, para que ela constitua uma fase de aprendizagem e possa compreender que seu papel é
essencial para o andamento do tratamento e recuperação. A criança deve sentir que ela ajuda e
pode estar no controle de seu corpo.
Atualmente, considera-se que a experiência de enfrentar a doença e a hospitalização pode
constituir uma oportunidade para que a criança adquira determinados padrões comportamentais
mais adaptativos. A hospitalização pode representar uma oportunidade para que o paciente
aprenda mais sobre a doença e o funcionamento de seu corpo; descubra sobre as profissões da
área da saúde; adquira habilidades de enfrentamento; demonstre capacidade para tomar decisões,
independência, autocontrole e autoconfiança, tornando-se participante mais ativo em decisões
clínicas (SOARES; BOMTEMPO, 2004, p. 54).
Por estas razões uma pedagogia hospitalar é importante para que a criança possa avançar
nessa fase de sua existência, e tenha maior conhecimento desse momento que está passando e
consiga adquirir maior segurança e controle sobre sua situação. A consciência que pode despertar
sobre sua condição hospitalar e as novas relações que nela terá que estabelecer é muito
importante. Para isto, propomos o diálogo com uma condição para a aprendizagem e
desenvolvimento da criança.
O papel do diálogo na educação
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A pedagogia de Freire acredita no ser humano, tem a esperança que a educação pode
acordar todos para uma sociedade mais justa e solidaria. O professor e os sujeitos envolvidos no
processo educativo precisam ter senso crítico para a elaboração da aprendizagem. A educação
exige apreço pela condição dos educandos, um apreço democrático na relação educador
educando. Porque “na verdade, se há saber que só se incorpora ao ser humano
experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático.” (FREIRE, 2001, p.100). A
democracia implica respeito de todos por todos.
A educação exige cuidar e o dialogar e é por meio deste que se dá a mudança do ser
humano, pois este é o caminho que admite a liberdade,
Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda prática educativa demanda a
existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende outro que, aprendendo, ensina daí o seu cunho
gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de
métodos, de técnicas, de materiais; implica em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias,
ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra.
(FREIRE,1996, p.69-70).
A educação ensina todos envolvidos neste processo, permite o crescimento de educador e
educando, trazendo valores, utopias que guiam nossas ações. No caso da criança hospitalizada, a
prática educativa usa métodos, técnicas e outros recursos que também tem um caráter próprio,
que devem ser cuidadosamente estabelecidas porque elas podem ajudar ou prejudicar no
momento de conscientização.
Mas, neste caminhar para estabelecer as melhores condições para a formação humana,
precisamos adquirir consciência de nossa situação, nosso papel no mundo e sua importância,
A proposta político-pedagógico freireana investe na luta contra o sentir-se não ser, a fim de
que toda pessoa possa assumir, de modo consciente e crítico, sua responsabilidade pelo contínuo
devir do mundo com o outro em um projeto de humanização. Essa experiência dialógica,
segundo concepção freireana, impulsiona o homem a investigar criticamente o mundo,
problematizando sua relação com ele. (XAVIER, 2009, p.7).
Ante a condição da criança hospitalizada, a proposta educativa precisa levar em conta sua
situação, o ambiente hospitalar e o sentir da criança neste novo ambiente. Esta proposta
democrática é dialógica, pois é uma construção que constroem juntos, educador e educando, para
encontrar também juntos os melhores meios para se adaptar e crescer no ambiente hospitalar.
Considerar a situação hospitalar como um problema que devem enfrentar e controlar.
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Já a educação tradicional, bancária, não valoriza a problematização e a conscientização
que nos humaniza, que nos faz seres responsáveis, capazes de mudar o mundo. O conhecimento
é estéril se não nos permite crescer e não nos relaciona a outros seres humanos (FREIRE, 1987).
Na troca de conhecimentos todos ganham na comunicação nos humanizamos e podemos
melhorar nosso entorno. O ambiente hospitalar traz situações que devem ser tratadas com
cuidado e respeito. Tentar superar a condição de hospitalizado não significa ignorar ou trivializar
esta condição, pelo contrário, a admiração e o descobrimento diante de novas experiências são
necessários.
Isso se dá segundo um processo de admiração do próprio conhecimento, ou seja, o homem
volta-se para olhar como conhece e de que modo está conhecendo. O conhecimento admirado, ao
tornar-se objeto de discussão na troca com outros homens, é read-mirado com eles. Essa
experiência de comunicabilidade poderá constituir para os admiradores um saber ampliado; um
conhecer. (XAVIER, 2009, p.7).
A partir do momento em que a criança hospitalizada consegue refletir e agir e pode
crescer, porque dá crédito ao conhecimento ou experiência adquirida por ele e pelos outros. O
respeito pelas novas condições e a percepção da sua situação e dos outros, permite que sejamos
mais humanos, pois não nos consideramos o centro do mundo, mas parte dele. E o diálogo se
torna fator principal na interação educador-educando, nas práticas educativas, que permitem
reconhecer as dificuldades e estar preparado para novas aprendizagens (BERTONCELLO, L.
ROSSETE, 2007). Juntos, educador e educando observam e descobrem sua relação com o
ambiente hospitalar, conhecem, compreendem e crescem.
Sabemos dos obstáculos de estar numa sociedade excludente e para reverter esse quadro,
a educação tem um papel essencial. No caso da condição de hospitalização, pode ser uma
experiência nova, agressiva, mas, cabe ao educador e educando tentar tornar esta situação mais
controlável. Freire acredita na humanidade, na sua capacidade de criar, recriar e da condição de
inacabado, que lhe permite crescer e procurar melhorar. Se o ser humano tem consciência do
mundo e do outro e através do dialogo exterioriza esta consciência, de tal forma que a partir de
sua experiência e a colaboração dos outros pode crescer e tornar-se um ser autônomo.
Compreende-se que o sujeito possui dentro de si uma necessidade de conhecer e de ter
noção do mundo e do outro. O diálogo permite chegar à retidão, que ajuda na propagação, de tal
forma que se entende como ser livre e autônomo, que precisa crescer diante situações novas
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(BERTONCELLO, L. ROSSETE, 2007). A hospitalização pode ser considerada uma situação
nova, que nos converte em ignorantes dessa nova condição.
[...] Na medida em que o homem, embora analfabeto, descobrindo a
relatividade da ignorância e da sabedoria, retira um dos fundamentos para a sua
manipulação pelas falsas elites. Só assim a alfabetização tem sentido. Na medida
em que, implicando em todo esforço de reflexão do homem sobre si e sobre o
mundo em que e com que está, o faz descobrir “que o mundo é seu também,
que o seu trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de
amar – e ajudar o mundo a ser melhor. (FREIRE, 2000, p.150).
O ser humano descobre a importância do conhecimento, que incluem limites e
casualidades, ou seja, saber sobre o papel da ignorância e da sabedoria. Somente sendo consciente
de nossas limitações é que podemos crescer e tentar mudar nosso entorno. Nossa razão nos
permite conhecer nosso dever com o mundo, com a condição de paciente, discente, cidadão e
humano. Abraçar este dever é amar, e não se pode amar o que não se conhece, por isto é
necessário sermos consciente de nosso entorno para amar. Esta consciência permite que o ser
humano escreva a sua própria história, que o paciente supere seus desafios e obstáculos
encontrados no caminho de sua existência. Assim a criança hospitalizada pode se converter em
sujeito construtor e transformador.
Conclusão
A criança hospitalizada deixar o lar e muda para um lugar novo, experimenta desconforto
com o tratamento e, enfrenta esta situação com desconhecidos, os médicos. As mudanças na vida
da criança hospitalizada não são produto de suas decisões, isto produz descontrole e insegurança
frente a sua vida.
A proposta do diálogo na pedagogia hospitalar é importante, para que a criança possa
desenvolver nesse momento de sua vida maior conhecimento, consciência e controle de sua
realidade. A consciência sobre sua condição hospitalar e as novas relações com profissionais de
saúde é muito importante. O diálogo é desenvolvido por Freire como uma condição
humanizadora e nos permite crescer, não isolados mais juntos.
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O docente e discente precisam aprender a lidar com liberdade e a autoridade, com a nova
situação hospitalar, com as condições da doença, com o estresse dos pais e tentar juntos manter
consciência e controle desta nova situação.
Referências Bibliográficas:
BERTONCELLO, L. ROSSETE, S.R. A importância do diálogo na relação professor - aluno e o
paradigma da complexidade. Revista Cesumar - Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. V. 13, n. 2, p.
177-190, jul/ dez. 2008.
FREIRE, P. Conscientização Teoria e Prática da Libertação. 3ª Ed. São Paulo: Centauro, 2001.
___________. Educação como prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.
___________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á prática educativa. 30ª ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1996.
___________. Pedagogia do Oprimido.17ª.edição.Rio de Janeiro, Paz e Terra,1987.
GUIMARÃES, S. S., (1988). A hospitalização na infância. Em Psicologia, Teoria e Pesquisa, v. 4, nº 2, p.
102-112.
MANNONI, M. A criança, sua doença e os outros. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
QUINTANA, A. M.; ARPINI,D. M.; PEREIRA, C. R. et al. Vivência hospitalar no olhar da criança
internada. In Ciência Cuidado e Saúde. 2007 Out/Dez.; 6(4):414-423.
SCHNEIDER, C. M. e MEDEIROS, L. G. Criança hospitalizada e o impacto emocional gerado nos pais.
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SOARES, M. Z.; BOMTEMPO, E. A criança hospitalizada: análise de um programa de atividades
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XAVIER, Rosineide Barbosa. A compreensão de diálogo segundo o pensamento de Paulo Freire: uma
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http://www.uninove.br/PDFs/Mestrados/Educa%C3%A7%C3%A3o/eventos/PC%201.pdf.
Acesso: 22 janeiro 2014.
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O SUMO BEM E A ANTINOMIA DA RAZÃO PRÁTICA
Gustavo Ellwanger Calovi
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
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RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar o modo como os dois elementos do
sumo bem estão unidos. A união desses dois elementos implica realizar a crítica do uso prático da
razão, na medida em que dessa vinculação surge o que Kant denomina antinomia da razão
prática. A antinomia prática expressa uma relação causal, pelo fato de que ou a felicidade é a causa
motriz da virtude ou a virtude é a causa eficiente da felicidade. A antinomia prática, aparentemente,
indica um conflito entre duas proposições, mas esse conflito não é seu ponto principal, porque o
objetivo central da antinomia é o estabelecer a possibilidade prática do sumo bem.
Palavras-chave: Virtude; felicidade; sumo bem.
Introdução
O sumo bem consiste na unidade de virtude e felicidade, mas para estabelecer essa unidade
é necessário fazer a crítica do uso prático da razão, o que necessariamente conduz a uma
antinomia da razão prática. A antinomia afeta o conceito de sumo bem na medida em que é
preciso mostrar como se dá uma ligação sintética entre os elementos do sumo bem. Na
interpretação de Victoria Wike, a antinomia prática possui uma origem conceitual semelhante
com a terceira antinomia teórica, mas essa “similaridade inicial entre a antinomia prática e a
teórica é perdida no desenvolvimento da antinomia prática”40. Contudo, o fato de a origem
conceitual ser parecida implica em analisar se “é o objeto da razão prática a mesma ideia do
incondicionado que é o objeto da razão teórica?”41.
De acordo com Beck o objeto da razão pura tanto para seu uso teórico como para o seu
40
41
WIKE, 1982, p. 112.
Ibid., 1982, p. 112.
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uso prático é o incondicionado, na medida em que: “tanto a razão teórica como a razão prática
têm uma dialética e um mesmo fundamento, isto é, como razão elas buscam o incondicionado
para tudo o que é condicionado, mas elas não o podem encontrar como um objeto do
conhecimento”42. O incondicionado para a razão no seu uso prático é chamado de sumo bem na
medida em que ele, enquanto objeto da vontade racional finita, é a ideia da totalidade
incondicionada.
A antinomia prática estabelece que os dois sentidos do incondicionado não são
contraditórios e, além disso mostra que eles podem ser relacionados um com o outro no mundo
prático por seres finitos racionais43. Após a explicitação da origem conceitual da antinomia prática
Kant é conduzido a explicitar o modo como ele resolve a conexão entre virtude e felicidade, isto
é, deve demostrar a relação de razão e conseqüência que existe entre os dois elementos do sumo
bem. Ele tem de mostar de que forma é possível fixar a possibilidade prática do sumo bem na
medida em que “o propósito da antinomia da segunda crítica é estabelecer a possibilidade prática
do sumo bem”44.
O sumo bem e a supressão crítica da antinomia da razão prática
A unidade entre virtude e felicidade dá-se através de uma ligação sintética a priori. Nesse
sentido,
Kant descreve como ocorre a relação de ‘razão e conseqüência’ entre esses dois
elementos, ou seja, essa relação deve “ser pensada sinteticamente e, em verdade, como conexão
da causa com o efeito” (CRPr, V, 113). O conflito prático é apresentado da seguinte forma: “ou o
apetite da felicidade tem que ser a causa motriz de máximas da virtude, ou a máxima da virtude
tem que ser a causa eficiente da felicidade” (CRPr, V, 113)45. Todavia, é preciso advertir que para
as asserções do conflito prático Kant não utiliza os termos ‘tese’ e ‘antítese’, no conflito prático
BECK, 1960, p. 239.
WIKE, 1982, p.133.
44 Ibid., 1982, p. 8.
45 Lewis White Beck na sua obra ‘A Commentary on Kants’s Critique of Practical Reason’ reformula a antinomia prática: “I.
Tese: A máxima da virtude deve ser a causa da felicidade, Antítese: A máxima da virtude não é a causa eficiente da
felicidade; a felicidade apenas pode resultar do uso bem sucedido das leis da natureza. Esta é uma antinomia real,
desde que as proposições são contraditórias, não contrárias; cada uma expressa um inelutável interesse da razão
(moral e teórico); e cada um é uma fórmula verdadeira para um daqueles interesses (…) II. Tese: O sumo bem é
possível. Prova: A lei moral requer isto. Antítese: O sumo bem não é possível. Prova: A conexão entre virtude e
felicidade não é nem analítica nem sintética a priori nem tampouco dada empiricamente” (BECK, 1960, pp 247-248).
42
43
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ele utiliza o termo proposições. A partir dessa diferenciação terminológica é possível afirmar que
existe uma diferença na formulação entre as antinomias teóricas e a antinomia prática na medida
em que:
as asserções da antinomia prática não são rotuladas “tese” e “antítese” como
elas foram chamadas na antinomia teórica. Em vez disso, Kant chama o
conflito das asserções na antinomia prática de “proposições”. Estes nomes para
as asserções revelam uma diferença significante entre a formulação lógica das
asserções na antinomia teórica e prática46.
A antinomia prática expressa uma relação causal, pelo fato que ou a felicidade é a causa
motriz da virtude ou a virtude é a causa eficiente da felicidade. A antinomia prática, aparentemente,
indica um conflito entre duas proposições, mas este conflito não é o ponto principal da
antinomia, porque o objetivo central da antinomia é o estabelecer a possibilidade prática do sumo
bem. Aqueles dois caminhos possíveis de combinar virtude e felicidade estão manifestados nas
duas proposições da antinomia prática”47. Kant apresenta, inicialmente, os dois casos da seguinte
forma:
O primeiro caso é absolutamente impossível, porque (como foi provado na
Analítica) máximas que põem o fundamento determinante da vontade na
aspiração à sua felicidade não são de modo algum morais e não podem fundar
nenhuma virtude. Mas o segundo caso é também impossível, porque toda a
conexão prática das causas e dos efeitos no mundo, como resultado da
determinação da vontade, não se guia segundo disposições morais da vontade
mas segundo o conhecimento das leis naturais e segundo a faculdade física de
usá-las para seus propósitos, consequentemente não pode ser esperada
nenhuma conexão necessária e suficiente ao sumo bem, da felicidade com a
virtude no mundo através da mais estrita observância das leis morais (CRPr, V,
113-114).
Para buscar a solução para a antinomia prática é preciso tomar como pressuposto que a
promoção do sumo bem é “um objeto aprioristicamente necessário de nossa vontade e
interconecta-se inseparavelmente com a lei moral” (CRPr, V, 114). Nessa medida, se não
houvesse possibilidade de ligação entre virtude e felicidade não haveria como estabelecer a
possibilidade prática do sumo bem, pois, “se o sumo bem for impossível segundo regras práticas,
então também a lei moral, que ordena a promoção do mesmo, tem que ser fantasiosa e fundar-se
46
47
WIKE, 1982, p. 16.
Ibid., 1982, p. 26.
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sobre fins fictícios vazios, por conseguinte tem que ser em si falsa” (CRPr, V, 114).
A partir dos resultados da Fundamentação e da Analítica da segunda Crítica, fica claro que a
primeira das duas proposições, isto é, que a aspiração à felicidade seja a causa motriz da virtude é
absolutamente falsa na medida em que o apetite da felicidade, no contexto da filosofia prática,
jamais pode ser a causa de máximas da virtude, porque “máximas que põem a fundamento
determinante da vontade na aspiração à sua felicidade não são de modo algum morais e não
podem fundar nenhuma virtude” (CRPr, V, 114). Em relação à segunda possibilidade de conexão
Kant faz algumas advertências, ou seja, ele a considera apenas como condicionalmente falsa, pois
“que a disposição à virtude produza necessariamente a felicidade, não é falsa de modo absoluto mas
só na medida em que ela for considerada a forma da causalidade no mundo sensorial e, por
conseguinte, se eu admito o existir nele como a única espécie de existência do ente racional,
portanto é só condicionalmente falsa” (CRPr, V, 114).
A partir dessa passagem, Kant tem de apresentar qual a diferença entre a proposição ser
considerada absolutamente falsa ou condicionalmente falsa. A proposição é absolutamente falsa
se o existir no mundo sensível for considerado o único modo de existência possível do homem.
De outra forma, a proposição é condicionalmente falsa se for admitido um outro modo de
existência além do sensível, ou seja, se além da existência sensível o agente moral também
pertencer, enquanto sujeito autonômo, a uma esfera supra-sensível. Essa questão remete a
chamada “dupla-cidadania” do homem na medida em que pertencemos, ao mesmo tempo, ao
mundo sensível e ao mundo inteligível. Nesse contexto, Kant explica a diferença entre as duas
esferas da seguinte forma:
[Um] ser racional deve considerar-se a si mesmo, como inteligência (portanto
não pelo lado das suas forças inferiores), não como pertencendo ao mundo
sensível, mas como pertencendo ao mundo inteligível; tem por conseguinte
dois pontos dos quais pode considerar-se a si mesmo e reconhecer leis do uso
das suas forças, e portanto de todas as suas ações: o primeiro enquanto
pertence ao mundo sensível, sob leis naturais (heteronomia); o segundo, como
pertencente ao mundo inteligível, sob leis que, independentes da natureza, não
são empirícas, mas fundadas somente na razão (FMC, IV, 452).
Deste modo, a possibilidade prática do sumo bem depende da habilidade da razão em fixar
a diferença entre mundo sensível e mundo inteligível na medida em que “a antinomia é resolvida
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criticamente quando a idéia de um mundo não sensível faz possível uma definição do sumo
bem”48. Entretanto, mesmo após essa possibilidade de solução para a antinomia prática, a questão
da felicidade, o segundo elemento do sumo bem, permanece em aberto. A felicidade enquanto
ideal da satisfação sensível, não pode ter como causa nenhum princípio oriundo da razão pura, o
que implica dizer que a solução para a vinculação entre moralidade e felicidade não é possível no
mundo sensível.
Ao postular o mundo inteligível Kant não está cometendo uma arbitrariedade, ou ainda,
fixando uma argumentação vazia. Essa questão pode ser colocada da seguinte forma: a resolução
crítica da antinomia inclui a necessidade de estabelecer uma justificação da idéia de um mundo
inteligível, essa justificação é fundamentada pela seguinte suposição:
Mas, visto que eu não apenas estou facultado a pensar a minha existência
também como [noumena] em um mundo do entendimento, porém tenho até na
lei moral um fundamento determinante puramente intelectual de minha
causalidade (no mundo dos sentidos), não é impossível que a moralidade da
disposição tenha um nexo, se não imediato, contudo mediato (através de um
autor inteligível na natureza) (CRPr, V, 114-115).
Nesse contexto, um primeiro passo, para buscar a ‘resolução’ crítica da antinomia prática é
admitir que a promoção do sumo bem como “um objeto aprioristicamente necessário de nossa
vontade” está diretamente conectada com a lei moral.
O argumento de Kant pode soar como inconsistente, pois, nas conclusões da Analítica da
segunda Crítica, a lei moral já está fundamentada e a sua possibilidade é somente através da
liberdade prática, admitindo o fato da razão. Nesse sentido, o fato da razão não deve ser
entendido como um produto de uma demostração, além disso, “ele também não é - e aí reside a
sua diferença radical em relação ao fato empírico – objeto de uma intuição qualquer: a apreensão
da liberdade em mim não é imediata. A lei fundamental, cuja consciência constitui o fato da
razão, é uma proposição sintética a priori que se impõe por si mesma”49. Contudo, antes de
apresentar a resolução da antinomia Kant adverte que: se o sumo bem não for possível e a
antinomia não for resolvida, todos os elementos da moralidade serão colocados à prova, o que
48
49
Ibid., 1982, p. 145.
CRAMPE-CASNABET, 1994, p.74.
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313
implica em considerar que a autonomia seria um conceito vazio sem resultado crítico-prático50.
Na interprteção de Wike, Kant apresenta três fatores que fundamentam a possibilidade
prática do sumo bem na medida em que suas justificações são encontradas no sistema crítico
kantiano. A justificação da existência noumenal pressupõe a análise da terceira antinomia teórica,
mostrando que a causalidade por liberdade e a causalidade por necessidade (leis da natureza)
podem ser ambas verdadeiras se for estabelecida à distinção entre mundo sensível e mundo
inteligível. A partir da antinomia prática é possível confirmar a suposição do mundo suprasensível, na medida em que admitimos uma causalidade por liberdade e, deste modo, a noção da
existência noumenal está fundamentada.
A lei moral, conforme Wike mostra uma relação causal entre o mundo sensível e o
inteligível, na medida em que se admitem dois momentos, a saber: a fundamentação e a
realizabilidade da ação moral. O primeiro está em conexão com o mundo inteligível, porque
pressuporia a causalidade por liberdade, a autonomia da vontade e o fato da razão 51. Nesse
sentido na Crítica da razão prática Kant afirma que:
pode-se denominar a consciência desta lei fundamental [lei moral] um factum da
razão, porque não se pode sutilmente inferi-la de dados antecedentes da razão,
por exemplo, da consciência da liberdade (pois esta consciência não nos é dada
previamente), mas porque ela se impõe por si mesma a nós como um
proposição sintética a priori, que não é fundada sobre nenhuma intuição (CRPr,
V, 031).
O último dos três argumentos que fundamentam a possibilidade da virtude produzir
felicidade pode ser justificado a partir da quarta antinomia da razão teórica, na medida em que
Nesse contexto, “A questão que advém daí naturalmente é se o sumo bem é possível de alcançar através das ações
que eu e outros agentes morais bem-intencionados podemos adotar para realizá-lo. Tendo em vista o componente da
felicidade do sumo bem, não parece que as leis da causalidade mecânica que governam a natureza possam assegurar
que a felicidade dos seres morais será proporcional ao seu merecimento. Nem qualquer outra coisa que conheçamos
sobre o mundo natural através da experiência aferece-nos algum fundamento para acreditar que o sumo bem seja
possível de alcançar através dos esforços morais. Não podemos mostrar que o sumo bem é impossível, mas também
temos razão insuficiente para pensar que seja possível. Ainda assim, como seres morais racionais, devemos
considerar o sumo bem como nosso fim” (WOOD, 2008. p. 214).
51 No seu artigo “Kant e o ‘facto da razão’: ‘cognitivismo’ ou decisionismo moral” Guido de Almeida afirma que “a concepção
cognitivista do “facto da razão” se oferece como a única alternativa possível. Esta tem uma vantagem manifesta
sobre a concepção decisionista: ela explica da maneira mais simples possível o que dá a Kant o direito de apresentar
nosso conhecimento da lei moral como um facto da razão, que prescinde de toda prova e, particularmente, desse
gênero de prova que Kant chama de “dedução”. Com efeito, nessa concepção o “facto da razão” nada mais é, em
última análise, do que a consciência contingente de uma verdade analítica: a consciência, que um agente
imperfeitamente racional tem, mas poderia não ter, da necessidade de um determinado modo de agir para todo ser
racional enquanto tal” (ALMEIDA, 1998, p. 80).
50
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Kant apresenta a ideia de um ser necessário fora do mundo sensível. Nesse sentido pode-se
afirmar que: “[a] quarta antinomia da razão teórica faz possível à ideia de um ser necessário fora
do mundo. Mas nada na razão teórica pode provar a impossibilidade desse ser inteligível
necessário”52. Frente a esse contexto, entende-se que Kant ao admitir a existência de um autor
inteligível da natureza acena que
o sumo bem só é possível no mundo na medida em que for admitida uma causa
suprema da natureza que contenha uma causalidade adequada à disposição
moral. Ora, um ente que é capaz de ações segundo a representação de leis é
uma inteligência (um ente racional), e a causalidade de um tal ente segundo esta
representação das leis é uma vontade do mesmo. Logo a causa suprema da
natureza, na medida em que tem de ser pressuposta para o sumo bem, é um
ente em que entendimento e vontade é a causa (consequentemente a Autor) da
natureza, isto é, Deus (CRPr, V, 125).
Nessa passagem, Kant apresenta a relação entre os postulados e o sumo bem, porque, para
resolver a antinomia prática e, consequentemente, a ligação entre virtude e felicidade, afirma a
necessidade de admitir um autor inteligível da natureza. Nesse sentido, acena para a admissão dos
postulados da razão prática: imortalidade da alma e a existência de Deus, enquanto possibilidades
de garantir a conexão da virtude com a felicidade.
Referências Bibliográficas:
BECK, Lewis White. A Commentary on Kant’s Critique of Pratical Reason. Chicago: University of
Chicago Press, 1960.
CRAMPE-CASNABET. Michèle. Kant: uma revolução filosófica. Tradução de Lucy Magalhães. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
ALMEIDA, Guido Antônio de. Kant e o “facto da razão”: “Cognotivismo” ou “decisionismo”
moral? In: Studia Kantiana, v. 1, n. 1, p. 51-81, 1998.
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução, baseada na edição original de 1788, com
introdução e notas de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
52
WIKE, 1982, p. 147.
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315
___________. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:
Edições 70, 1995.
WALSH, W. H. “Kant’s Concept of Practical Reason”. In: Practical Reason. Ed. S. Körner. New
Haven: Yale University Press, p. 189-212., 1974.
WIKE, Victoria S. Kant’s Antinomies of Reason. Washington: University Press of America, 1982.
WOOD, Allen W. Kant’s Moral Religion. Ithaca: Cornell University Press, 1970.
___________. Kant. Tradução de Delamar José Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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CETICISMO PIRRÔNICO E AS MEDITAÇÕES DE DESCARTES
Henrique Zanelato
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Gilmar Henrique da Conceição
RESUMO: Objetivamos estudar algumas questões céticas em uma das mais importantes obras
de Descartes, as Meditações. Assim, o que buscamos, no presente trabalho, é mostrar como se dá a
relação de Descartes contra o ceticismo, especialmente no tocante a um dos principais
argumentos do ceticismo, o modo cético do desacordo, diaphonía. Para isso, será necessária a
atenção a obra já citada, especialmente na quarta meditação, onde “prova-se que as coisas que
concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras; e, ao mesmo tempo, é
explicado em que consiste a razão do erro ou falsidade” (DESCARTES, 2010, p. 133). Ao fim, a
intenção será indicar alguns problemas que podem ser levantados contra sua “solução”,
entendendo que tais questões são demasiadamente grandes e complexas.
Palavras-chave: Ceticismo; Descartes; diaphonia
Em sua carta dirigida a alguns teólogos, no início das Meditações, Descartes deixa manifesto
que sua intenção na obra é provar pela luz natural que “há um Deus e que a alma humana não
morre com o corpo” (DESCARTES, 2010, p. 121), assim como o fato de que é mais fácil
conhecer ambos os pontos – Deus e a alma – do que qualquer outra coisa. Deste modo, é
possível desfazer a impressão precipitada que poderia causar uma leitura apressada da primeira
meditação, onde o autor se propõe a levar a dúvida às suas últimas consequências. Uma atenção
especial ao título, “Das coisas que se podem colocar em dúvida”, uma vez que ele sugere que
ainda não conhece os limites da dúvida, mas a leitura das próximas meditações desfaria a ideia de
que Descartes fora um cético, ou que colocaria todas as coisas em dúvida. Assim, pensamos que a
dúvida hiperbólica, desenvolvida até o fim da primeira meditação, tem um caráter totalmente
metodológico que visa, somente ou principalmente, o conhecimento da primeira verdade.
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Levando em conta os argumentos clássicos do ceticismo, acerca dos dados dos sentidos,
Descartes ainda insere outros dois, um deles talvez nunca antes pensados por qualquer um dos
grandes nomes do ceticismo: o argumento do Deus enganador.
Finda a primeira meditação sem certeza nenhuma alcançada, a segunda inicia-se com a
descoberta da primeira verdade: “esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira
todas as vezes que enuncio ou que a concebo em meu espírito”. Infere-se que a dúvida teve a
função de mostrar que, no fim das contas, há algo de que não se pode duvidar de forma
nenhuma, “pois não há dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane,
não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa”
(DESCARTES, 2010, p.142). Assim, a existência do eu é garantida por uma contradição: se Deus
me engana, devo necessariamente existir. Se me engano, ou penso que me engano, devo
necessariamente existir, caso contrário nem sequer poderia pensar ou me enganar. Esta primeira
verdade é o lugar desde onde todas as outras verdades podem ser encontradas.
Compreendido este ponto e destacadas as qualidades disso que pensa existir, a terceira
meditação tem em vista o avanço do conhecimento: o que mais poderia alguém conhecer de
modo que seja impossível se enganar? O que mais há de certo? Mesmo assim, como seria de
imaginar, Descartes continua com o princípio adotado nas outras meditações, que também é
exposto n’O discurso do método, a saber: “o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu
não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a
prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente
a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida” (DESCARTES, 2010,
pág. 76). Portanto, ele se propõe, desde o início das meditações, a encarar sua empresa do modo
mais consequente possível, a fim de que nada pudesse passar despercebido, ou que ninguém
pudesse lhe objetar qualquer inclinação exterior a coisa alguma.
Ocorre, desse modo, que, na terceira meditação, Descartes alude a duas provas da
existência de Deus, ambas a posteriori, ou seja, dos efeitos para sua causa. Para isso, necessita
investigar a natureza das ideias que lhe são inseridas na mente: “ora, destas ideias, umas me
parecem ter nascido comigo, outras, ser estranhas e vir de fora, e as outras, ser feitas e inventadas
por mim mesmo” (DESCARTES, 2010, pág. 154). Nessa investigação, ele ainda não pode aludir
ao mundo material como causa das ideias que tem, visto que ainda não estabeleceu a prova de
que exista qualquer coisa fora de sua mente e, como propôs como método de seu estudo, não
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avançar acerca daquilo que não concebe clara e distintamente em seu espírito, pois, na primeira
meditação, percebeu que muitas vezes lhe parecia estar sentado perto do fogo, vestido, mas que
realmente estava deitado em sua cama, nu, sonhando. Em razão disso, pode-se concluir que
algumas ideias são criadas pela minha mente, sem qualquer necessidade de um representante real,
externo, material, a julgar pelos sonhos e por seres fantásticos, constituídos de várias partes, tais
como dragões, cavalos alados e toda sorte de criaturas mitológicas.
Mesmo assim, qualquer efeito deve ter uma causa, e essa causa deve, no mínimo, ter tanta
realidade quanto seu efeito: “agora, é coisa manifesta pela luz natural que deve haver ao menos
tanta realidade na causa eficiente e total quanto no seu efeito: pois de onde é que o efeito pode
tirar sua realidade senão de sua causa? E como poderia esta causa lha comunicar se não a tivesse
em si mesma?” (DESCARTES, 2010, pág. 157). Portanto, não é possível que qualquer ideia de
algo perfeito ou infinito se imprima em mim a não ser que exista qualquer ser perfeito ou infinito,
capaz de conter tais qualidades. Com efeito, concebendo a ideia de Deus como um ser
“soberano, eterno, infinito, imutável, onisciente, onipotente e Criador universal de todas as
coisas”, ele deve existir necessariamente. Deus, tendo todas as qualidades supracitadas, tem mais
“realidade objetiva”, um “maior número de graus de ser ou de perfeição” do que qualquer outra
coisa no mundo, e, por isso, colocando em mim a ideia de algo perfeito e infinito, existe. Então
se conclui a primeira prova da existência de Deus, qual seja, que algo que contém maior perfeição
deve ser causa do que é menos perfeito.
Partindo da primeira prova (de que algo não pode criar algo mais perfeito que si mesmo),
Descartes logo descarta a opinião de que poderia ter sido causa de si mesmo, analisando que, se
fosse, atribuiria a si como qualidades tudo aquilo de que tem ideia. Então, visto que tem ideias de
coisas que não possui, como perfeição ou infinitude, não pode ser causa de si mesmo,
entendendo que deve ter uma causa exterior. Assim, a busca parte para a primeira causa, de si e
de tudo, Deus. No caso do eu, entende-se que ele não poderia ser causa de si mesmo, visto que
não possui todas as qualidades das quais tem a ideia, mas no que respeita a Deus é totalmente
válido o argumento, pois Deus possui as qualidades das quais tenho ideia. O recurso à
causalidade encontra aquilo que tem, atualmente, todas as qualidades, e é, portanto, causa de si e
causa de tudo o que existe. Todavia, poder-se-ia argumentar que a busca pela causa levaria a uma
regressão ao infinito, argumento esse que Descartes tenta refutar: “e é muito manifesto que nisto
não pode haver progresso até o infinito, posto que não se trata tanto aqui da causa que me
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319
produziu outrora como da que me conserva presentemente” (DESCARTES, 2010, p. 166).
Como a busca, nesse caso, dirige-se àquilo que possa conservar a existência do eu, ou seja, o
único cuja existência foi provada, desconsidera-se a primeira prova da existência de Deus. A
prova refere-se a conservação do eu instantânea e continuamente, posto que o eu não possui
capacidade de manter-se por si mesmo.
Eis que chegamos ao ponto em que pretendemos mostrar a resposta de Descartes ao
argumento cético do desacordo: a quarta meditação. Todavia, ele não deixa expressa a ideia que
discute, pelo menos aqui, com o ceticismo. Mas, visto que o ceticismo propõe que se deva
suspender o juízo acerca de qualquer questão pelo fato de nunca poder saber com certeza se o
que se diz é verdadeiro ou falso, no plano epistemológico, entendemos que qualquer tentativa de
se estabelecer algo como última palavra acerca de uma verdade objetiva caracteriza-se como
busca de resposta ao ceticismo. A quarta meditação se propõe à refutação do ceticismo, tentando
apontar a causa dos erros nos juízos, mostrando que é possível um conhecimento seguro.
A primeira questão levantada por Descartes visa a solução do problema levantado no fim
da primeira meditação:
Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus
que tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me
poderá assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra,
nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza,
nenhum lugar e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas
e que isso não me pareça existir de maneira diferente daquela que vejo? E,
mesmo, como julgo que algumas vezes os outros se enganam até nas coisas que
eles acreditam saber com a maior certeza, pode ocorrer que Deus tenha desejado
que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em
que enumero os lados de um quadrado, ou em que julgo alguma coisa mais fácil,
se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso (DESCARTES, 2010, p.
138).
O único argumento cético que sobreviveu até aqui foi o do Deus enganador, mas que não
podia contradizer a existência do eu e de Deus. Todavia, com as verdades adquiridas nas três
meditações precedentes, é possível refutar a ideia de um Deus que empreende sua força em
enganar. Descartes encontra, então, uma contradição na ideia de um Deus enganador: se a ideia
que tenho de Deus engloba bondade, perfeição e onipotência, só para citar algumas qualidades,
fica claro que ele não pode agir de modo a me enganar, pois isso só pode indicar algum tipo de
fraqueza.
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320
No entanto, mesmo que Deus seja isento da culpa no erro, é manifesto que erro em certas
coisas, e a quarta meditação visa encontrar a causa dos erros. Ao analisar essa questão, notamos
que, seguindo os passos de Descartes, a única coisa passível de erro é o juízo, ou seja, o
assentimento ou não em relação a qualquer coisa. E o juízo consiste numa operação da vontade
acerca de algum dado do entendimento. Encaradas separadamente, vontade e entendimento, não
são passíveis de erro, visto que, no que concerne ao entendimento, somente concebo as coisas do
modo como é necessário que as conceba, e nisso não posso me enganar, e que, no que respeita à
vontade, ela é muito ampla e muito perfeita em sua espécie. Como posso, então, me enganar a
respeito de qualquer coisa, se Deus me deu qualidades perfeitas?
Experimento em mim mesmo certa capacidade de julgar, que sem dúvida recebi
de Deus, do mesmo modo que todas as outras coisas que possuo; e como ele
não quereria iludir-me, é certo que ma deu tal que não poderei jamais falhar,
quando a utilizar como é necessário (DESCARTES, 2010, pág. 170).
Esta capacidade de julgar, formada por estas duas instâncias, entendimento e vontade, só
pode ser utilizada corretamente quando o meu assentimento, que se refere à vontade, só é dado
ou negado após um conhecimento seguro acerca daquilo a que afirmo ou nego:
Ora, se me abstenho de formular meu juízo sobre uma coisa, quando não a
concebo com suficiente clareza e distinção, é evidente que o utilizo muito bem
e que não estou enganado; mas, se me determino a negá-la ou a assegurá-la,
então não me sirvo como devo de meu livre-arbítrio; se garanto o que não é
verdadeiro, é evidente que me engano, e até mesmo, ainda que julgue segundo a
verdade, isto não ocorre senão por acaso e eu não deixo de falhar e de utilizar
mal o meu livre-arbítrio; pois a luz natural nos ensina que o conhecimento do
entendimento deve sempre preceder a determinação da vontade
(DESCARTES, 2010, pág. 175).
Assim, entende-se que clareza e distinção são os critérios escolhidos para que algo possa
ser considerado verdadeiro ou falso.
A partir do já dito, notamos que, tomando o sistema cartesiano somente encerrado seu
campo próprio, o problema cético da diaphonía parece ter-se elucidado. Diaphonía, para os céticos
gregos, consiste no desacordo entre as escolas filosóficas e conduz, inevitavelmente à epoché, ou
suspensão do juízo. Perplexo, em sua investigação, o cético se vê impossibilitado de fazer sua
escolha por qualquer posição, frente a variedade de sistemas filosóficos construídos durante toda
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321
a história da filosofia, pois não pode escolher um pelo fato de que todas, em maior ou menor
grau, são capazes de persuasão, até mesmo sistemas que contradizem uns aos outros. No caso da
metafísica cartesiana, descobrimos a causa de todos os erros e, assim, acredita-se ser possível
julgar o mundo, de agora em diante, de modo que seja possível o fim do erro. Todo aquele que
limitar-se a assentir seu juízo somente acerca daquilo que seu entendimento concebeu clara e
distintamente jamais poderá ser enganado e, consequentemente, o juízo de todos que assim
agirem será unívoco. Não haverá, portanto, desacordo entre os homens, não haverá discursos
opostos acerca do mesmo objeto de discurso, o que extingue a diaphonía cética.
Todavia, de um ponto de vista cético, duas objeções podem ser levantadas contra a solução
de Descartes: a primeira é de que ele somente introduziu mais uma nota destoante na história da
diaphonía, visto que nem todos concordam com a argumentação de sua metafísica; e a segunda
refere-se ao poderoso argumento acerca do critério de verdade que, no caso de Descartes, baseiase no julgamento daquilo que se concebe clara e distintamente. Assim, poder-se-ia perguntar o
meio pelo qual o critério de clareza e distinção foi adotado como critério de verdade, ou, em
termos mais simples, perguntar-se pelo critério do critério. Essa busca conduziria a um progresso
ao infinito, visto que cada critério necessitaria de outro, e só há duas opções possíveis: ou aceita o
progresso ao infinito ou postula um axioma que seja indemonstrável. Opções estas que são
insatisfatórias para qualquer cético. Conclui-se, então, que a solução de Descartes, aos olhos do
ceticismo, seria insatisfatória e que, em vez de acabar com a diaphonía, só contribui para aumentála.
Referências Bibliográficas
DESCARTES, René. Obras escolhidas. J. Guinsburg, Bento Prado Jr., Newton Cunha e Gita K
Guinsburg, tradução – São Paulo, Perspectiva, 2010.
SEXTO EMPÍRICO. Outlines of Pyrrhonism. Trad. para o inglês R. G. Bury. Cambridge,
Massachusetts, London, England: Harvard University Press, 2000.
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A CONCEPÇÃO DE NATUREZA HUMANA NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE
GRAMSCI
Jarbas Mauricio Gomes
PPGE-UFSCar/CNPq
[email protected]
RESUMO: O presente trabalho é uma exposição das análises de Antonio Gramsci (1891-1937)
sobre a concepção de natureza humana. Gramsci dedicou ao tema algumas notas dos Cadernos do
Cárcere (Q). O problema da natureza humana emergiu como parte de sua análise sobre a fundação
da filosofia da práxis. Para ele, a indagação sobre o que é o homem e a sua natureza é a primeira e
a principal pergunta da filosofia (Q10 §54). Por ser histórica, a natureza humana se realiza na
síntese unitária entre pensamento (filosofia) e ação (política). Desconsiderar a historicidade da
natureza humana origina uma concepção genérica e anacrônica, concebendo que o homem é
sempre o mesmo no tempo e no espaço (Q10 §12). Em Gramsci, a concepção de natureza
humana é sempre datada, resultado de uma investigação dialética acerca do Ser e daquilo que o
homem é a cada momento histórico.
Palavras-chave: Natureza humana; filosofia da práxis; Gramsci
O presente texto é uma exposição das análises de Antonio Gramsci (1891-1937) sobre a
concepção de natureza humana. O problema da natureza humana emergiu de sua reflexão sobre
os fundamentos da filosofia da práxis, enquanto critica e sistematização da concepção de mundo
dos grupos sociais subalternos. Gramsci dedicou à investigação da natureza humana algumas
poucas notas dos Cadernos do Cárcere (Q), um conjunto de 33 cadernos escolares escritos entre o
período de 1929 e 1937 enquanto esteve preso por oposição ao fascismo53.
Para facilitar o acesso aos textos dos Cadernos do Cárcere as citações serão feitas a partir da edição brasileira. Mas os
textos foram cotejados com a edição crítica dos Quaderni del Carcere, organizada por Valentino Gerratana e publicada
na Itália pela primeira vez em 1975. As indicações dos textos serão feitas pelo emprego do número do Caderno (Q) e
o número do parágrafo. Ex. Q10 §1.
53
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Gramsci foi um pensador da primeira metade do século XX. Natural do sul da Itália nasceu
em 1891 na ilha da Sardenha, uma das regiões mais atrasadas e que junto com o sul continental
da Itália formava uma região denominada de mezzogiorno. Com uma economia rural e atrasada,
caracterizada por pequenas propriedades e com uma cultura influenciada pelo catolicismo, o
mezzogiorno era um dos principais problemas da unificação da italiana, conquistada politicamente
em 1861.
Gramsci concebia que a história italiana era uma história de luta pela liberdade e que os
homens se uniam para lutar contra a dominação de poucos sobre povos inteiros. A polarização
política entre liberais e marxistas apresentava caminhos distintos para pensar e agir sobre os
problemas da época. Na Universidade se apropriou teoricamente de ambas as posições, da liberal
com Benedetto Croce e da marxista com Antonio Labriola.
A opção pelo marxismo fundamentou sua adesão ao socialismo e a militância políticopartidária junto aos operários de Turim e está na base de sua reflexão sobre a natureza humana.
Engajado na transformação da realidade política, econômica e cultural da Itália, contrapôs-se às
tendências de apropriação liberal ou positivista da herança filosófica de Marx pela análise
sistemática dos fundamentos da filosofia marxista, atualizando-a a realidade do início do século
XX.
Pensando na elaboração de uma filosofia genuína e originária das necessidades sociais,
políticas e econômicas dos grupos sociais subalternos analisou os fundamentos sobre os quais
deveria ser elaborada a “filosofia da práxis”. Para ele a origem da filosofia da práxis estava na
crítica à filosofia idealista, hegemônica na Itália, e na iniciativa de apresentar uma filosofia capaz
de dar conta das contradições existente na vida dos grupos sociais subalternos. Pois, como
indicou no Q11 §12, “Uma filosofia da práxis só pode se apresentar, inicialmente, em atitude
polêmica e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto
existente (ou mundo cultural existente)” (GRAMSCI, 1999. p. 101).
A discussão sobre a natureza humana emerge no debate sobre a historicidade da filosofia,
em outras palavras, retoma-se o debate da natureza humana na medida em que se propõe a
mudança no fundamento originário da filosofia: do idealismo presente na filosofia de Hegel ao
materialismo constante no pensamento de Marx.
Para Gramsci a indagação sobre o que é o homem e a sua natureza é a primeira e a
principal pergunta da filosofia, de modo que a fundação da filosofia da práxis deve passar por
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324
esta investigação. Ele expôs essas considerações no Q10 §54, intitulado Introdução ao estudo da
filosofia. O que é o homem? e ponderou:
[...] O que é o homem? É esta a primeira e principal pergunta da filosofia. Como
respondê-la? A definição pode ser encontrada no próprio homem, isto é, em
cada homem singular. Mas é correta? Em cada homem singular, pode-se
encontrar o que é cada ‘homem singular’. Mas não nos interessa o que é cada
homem singular, o que significa, ademais, o que é cada homem singular em
cada momento singular. Se observarmos bem, veremos que, ao colocarmos a
pergunta ‘o que é o homem’, queremos dizer: o que é que o homem pode se
tornar, isto é, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode ‘se
fazer’, se pode criar sua própria vida. [...] (GRAMSCI, 1999, p. 410-411).
Gramsci estava se contrapondo a filosofia idealista representada na Itália por Benedetto
Croce. Tendo como interlocutor Croce, que era considerado o principal representante da filosofia
idealista de Hegel, estava se contraponto não só ao idealismo, mas, também, ao pensamento
liberal italiano.
Para além de sua oposição ao liberalismo e ao idealismo, Gramsci estava se opondo ainda à
vulgata marxista que se difundia pela iniciativa de difusão do marxismo entre os membros dos
partidos socialista e comunista. Ao propor a filosofia da práxis, no Q10 §54 Gramsci enfatizou a
que a historicidade era inerente à natureza humana, e que é pela investigação sobre o que é o
homem que se estabelece o que é a natureza humana.
Observando ainda melhor, a própria pergunta ‘o que é o homem’ não é uma
pergunta abstrata ou ‘objetiva’. Ela nasce do fato de termos refletido sobre nós
mesmos e sobre os outros; e de querermos saber, em relação com o que vimos
e refletimos, aquilo que somos, aquilo que podemos vir-a-ser, se realmente e
dentro de que limites somos ‘criadores de nós mesmos’, da nossa vida, do
nosso destino. E nós queremos saber isto ‘hoje’, nas condições de hoje, da vida
de ‘de hoje’, e não de uma vida qualquer e de um homem qualquer [...].
(GRAMSCI, 1999, p. 411).
A historicidade compreendida na concepção de natureza humana não deixa espaço para
previsões de natureza metafísica, pois a natureza humana é resultado daquilo que o homem é em
um dado momento histórico. Desse modo, a natureza humana é afetada pelas estruturas sociais
dentre elas a cultura e a economia.
Entre as categorias analíticas que Gramsci usou para pensar o homem e a sua natureza
estão as concepções de bloco histórico e reforma ético-política. Bloco histórico é entendido
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como uma unidade entre natureza e razão, por ela o homem se constitui humano ao dominar
racionalmente a sua natureza biológica. Nesse caminho o homem se qualifica eticamente,
enquanto grupo social como indicou no Q10 §48:
O homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos
puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou
materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa. Transformar o
mundo exterior, as relações gerais, significa fortalecer a si mesmo, desenvolver
a si mesmo. É uma ilusão e um erro supor que o ‘melhoramento’ ético seja
puramente individual: a síntese dos elementos constitutivos da individualidade é
‘individual’, mas ela não se realiza e desenvolve sem uma atividade para fora,
transformadora das relações externas, desde aquelas com a natureza e com s
outros homens em vários níveis, nos diversos círculos em que se vive, até a
relação máxima, que abarca todo o gênero humano. Por isso, é possível dizer
que o homem é essencialmente ‘político’, já que a atividade para dirigir
conscientemente os outros homens realiza a sua ‘humanidade’, a sua ‘natureza
humana’ (GRAMSCI, 1999, p. 406-407).
Por se definir na relação do homem com os outros homens, na vida em sociedade, e no
domínio da própria natureza biológica a natureza humana é política. O homem encontra sua
natureza ao pensar sobre si e sobre os outros, quando quer saber aquilo que é e aquilo que pode
vir-a-ser. Para ele, o devir é uma concepção filosófica e distingue-se de progresso que é uma
ideologia.
A questão é sempre a mesma: o que é o homem? O que é a natureza humana?
Se se define o homem como indivíduo, psicológica e especulativamente, estes
problemas do progresso e do devir são insolúveis ou puramente verbais. Se se
concebe o homem como o conjunto das relações sociais, entretanto, revela-se
que toda comparação no tempo entre homens é impossível, já que se trata de
coisas diversas, se não mesmo heterogêneas. Por outro lado, dado que o
homem é também o conjunto das suas condições de vida, pode-se medir
quantitativamente a diferença entre o passado e o presente, já que é possível
medir a medida em que o homem domina a natureza e o acaso. [...]
(GRAMSCI, 1999, p. 405-406) - Q 10 § 48
Por isso, ao propor uma filosofia orientada pela materialidade da vida humana, com foco
na realidade dos grupos subalternos, o problema que Gramsci enunciou no Q11 §62 como
historicidade da filosofia da práxis se torna a base da sua análise.
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326
Em certo sentido, portanto, a filosofia da práxis é uma reforma e um
desenvolvimento do hegelianismo, é uma filosofia liberada (ou que busca
liberar-se) de qualquer elemento ideológico unilateral e fanático, entendido
individualmente ou como grupo social global, não só compreende nas
contradições, mas coloca a si mesmo como elemento da contradição, eleva este
elemento a princípio de conhecimento e, consequentemente, de ação. O
‘homem em geral’ é negado, qualquer que seja a forma em que se apresente, e
todos os conceitos dogmaticamente ‘unitários’ são ridicularizados e destruídos
enquanto expressões do conceito de homem em geral ou ‘natureza humana’
imanente em cada homem (GRAMSCI, 1999. p. 204).
Para ele, a concepção de natureza humana deve ser deduzida da observação do homem e de sua
vida, mas isso não significa na particularidade. Mas, sim, na história coletiva dos homens. Esse
raciocínio pode ser lido no Q7 §35.
O problema do que seja o homem é sempre, portanto, o chamado problema da
‘natureza humana’, ou também o do chamado ‘homem em geral’, isto é, a
tentativa de criar um ciência do homem (uma filosofia) que parte de um
conceito inicialmente ‘unitário’, de uma abstração na qual se possa conter todo
o ‘humano”, como conceito unitário, é um ponto de partida ou um ponto de
chegada? Ou melhor, não será esta investigação um resíduo ‘teológico’ ou
‘metafísico’, na medida em que é colocada como ponto de partida? A filosofia
não pode ser reduzida a uma ‘antropologia’ naturalista [...] (GRAMSCI, 1999. p.
244).
Na sequência do parágrafo Gramsci considerou:
A afirmação de que a ‘natureza humana’ é o ‘conjunto das relações sociais’ é a
resposta mais satisfatória porque inclui a ideia do devir: o homem ‘devém’,
transforma-se continuamente com as transformações das relações sociais; e,
também, porque nega o ‘homem em geral’: de fato, as relações sociais são
expressas por diversos grupos de homens que se pressupõem uns aos outros,
cuja unidade é dialética e não formal [...]. Também é possível dizer que a
natureza do homem é a ‘história’ (e nesse sentido, posta história = espírito, de
que a natureza do homem é espírito), contanto que se dê á história o significado
de ‘devir’, em uma concórdia discors que não parte da unidade, mas que tem em si
as razões de uma unidade possível [...] (GRAMSCI, 1999. p. 245).
Para Gramsci, Q7 §35, “[...] a ‘natureza humana’ não pode ser encontrada em nenhum
homem particular, mas em toda a história do gênero humano [...] enquanto em cada indivíduo se
encontra características postas em relevo pela contradição com as de outros homens [...]”
(GRAMSCI, 1999, p. 245).
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327
Análise do Q7 §demonstra a relação entre a análise gramsciana e a questão cultural do
mezzogiorno, em especial da influência da religião e coloca o problema nos seguintes termos:
A concepção de ‘espírito’ nas filosofias tradicionais, bem como as de ‘natureza
humana’ encontrada na biologia, deveriam ser explicados como ‘utopias
científicas’ que substituíam a utopia maior da ‘natureza humana’ buscada em
Deus (e os homens – filhos de Deus), e servem para indicar o contínuo
trabalho da história, uma aspiração racional ou sentimental, etc. [...]
(GRAMSCI, 1999, p. 245).
No Q7 §38, Gramsci apresentou três caminhos para investigar a natureza humana: a
religião, a filosofia e a ciência biológica. Todos partindo do tema da origem do sentimento de
igualdade e, como se lê no Q7 §35, tendo como princípio que “[...] a ‘natureza’ humana não
residia dentro do indivíduo, mas na unidade do homem e das forças materiais: portanto, a
conquista das forças materiais é uma maneira – e a mais importante – de conquistar a
personalidade [...]” (GRAMSCI, 1999, p. 245).
Focando na historicidade da concepção de natureza humana, apontou que ela era uma
realidade historicamente situada acerca da posição dos indivíduos no mundo e na vida social.
Conhecer essa realidade é o primeiro passo rumo a emancipação, possível pela análise da
realidade realizada quando o homem pensa sobre si e suas relações com os outros, quando
produz a filosofia da práxis.
Conclusão
Há análises de Gramsci sobre a concepção de natureza humana nos seguintes cadernos e
parágrafos: Q7 §35; Q7 §38; Q10 §12; Q10 §48; Q10 §54; Q11, §12; Q11 §62; Q15 §29. O mote
dessas análises foi à fundamentação da filosofia da práxis e a refutação ao mecanicismo, à
metafísica e a filosofia idealista.
Na filosofia da práxis a concepção de natureza humana é datada, resultado de uma
investigação dialética acerca do Ser e daquilo que o homem é em sua totalidade histórica, sem
desconsiderar suas contradições e particularidades (Q10 §48).
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Não se pode subtrair da concepção de natureza humana a sua historicidade, isso criaria
uma concepção de homem genérica e anacrônica, de que ele é sempre o mesmo no tempo e no
espaço (Q10 §12).
Por ser histórica, a natureza humana se realiza na síntese unitária entre pensamento
(filosofia) e ação (política), mediada pelas relações entre os homens e as forças materiais presentes
na direção política e na transformação da natureza (Q10 §48).
Referências Bibliográficas:
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume 1: Introdução ao estudo da filosofia, a filosofia
de Benedetto Croce. Edição e Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999.
___________. Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino
Gerratana. Torino: Einaudi, 2007. 4 vol.
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FILOSOFIA E DIREITO:
A CONTRIBUIÇÃO DE E. PACHUKANIS PARA A CRÍTICA MARXISTA DO
DIREITO
João Guilherme Alvares de Farias
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
[email protected]
RESUMO: A relação entre filosofia e direito tende a ser percebida como uma discussão há
muito superada. No entanto, ainda hoje, tanto para juristas como para filósofos, a apropriação de
um saber pelo outro é muito deficitária. Acreditamos que somente se apropriando da filosofia é
que o jurista compreenderá o direito; do mesmo modo, o filósofo que se apropria do direito
enriquece sua análise filosófica. Tal resultado se observa na formulação teórica presente no
pensamento de Pachukanis, que partindo do método presente no Capital, de Marx, atingiu a mais
elevada crítica filosófica do direito, consubstanciada em sua obra Teoria Geral do Direito e Marxismo
(1924). Pachukanis enxerga no direito uma especificidade íntima entre a forma jurídica e a forma
mercantil, o que lhe permite desvendar o vínculo entre direito e capitalismo.
Palavras-chave: Direito e marxismo; forma jurídica e forma mercantil; sujeito de direito e
capitalismo
“De todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.
(Honoré de Balzac)
Introdução
Este breve trabalho é resultado de pouco menos de um ano de pesquisa bibliográfica e
exploratória54, iniciada no segundo semestre da faculdade de direito, que se realiza com o objetivo
de constituir um projeto de Iniciação Científica e futura monografia no campo da filosofia do
54
GIL, A. Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 27; 50.
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330
direito, mais especificamente, da filosofia marxista do direito. Portanto, é absolutamente
necessário ressaltar que as primeiras conclusões a que chegamos seguem abertas para futuras
pesquisas sobre o tema, a fim de que seja possível sistematizar e complementar os resultados
parciais obtidos até aqui.
Inicialmente, ao conceber a filosofia como a mais elevada forma de saber humano, buscouse analisar a relação entre filosofia e direito, na tentativa de que o abismo que contrapõem filósofos
e juristas seja superado. Afinal, acreditamos que não apenas o jurista será capaz de obter uma
compreensão total do direito por meio da filosofia, como o próprio filósofo que se apropria do
direito logra realizar uma análise filosófica ainda mais sofisticada. No primeiro caso, tem-se,
como exemplo, a reflexão de E. Pachukanis, objeto de estudo deste trabalho. Por sua vez, a
segunda hipótese, pode ser verificada nos trabalhos de Jurgen Habermas e Michael Foucault, que
ao se apropriarem do saber jurídico, enriqueceram ainda mais suas análises.
Nesse sentido, pretende-se, nestas poucas linhas, demonstrar que somente a filosofia,
particularmente a filosofia marxista do direito, isto é, a utilização do método da crítica da
economia política formulado por Karl Marx, quem já inicia, no Capital, uma elaboração do
conceito de direito55, que, mais tarde, será sistematizado por Evgeni Pachukanis para a
formulação de sua minuciosa análise do fenômeno jurídico e a especificidade burguesa do
direito56, é capaz de alcançar a mais elevada crítica do direito ao desvendar a intrínseca relação
existente entre a forma mercantil e a forma jurídica57.
Por conseguinte, a importância deste estudo se justifica na medida em que, no Brasil, as
análises que partem da filosofia marxista para refletir sobre o direito são ainda muito escassas e
restritas. Do pequeno grupo que se dedica à crítica marxista do direito, destacam-se Márcio
Bilharinho Naves, Celso Kashiura, Alysson Mascaro, Silvia Alapanian e Vinicius Magalhães
Pinheiro. Um elemento que contribui para esse cenário é, além da contundente crítica de
Tal afirmação, absolutamente coerente com a obra de Evgeni Pachukanis, é objeto de análise detalhada de
Kashiura Jr. em seu artigo Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis. In NAVES, M. (org.). O
discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis. 1ª ed. Campinas: IFCH-UNICAMP, 2009, p. 55
56 NAVES, M. Bilharinho. A questão do direito em Marx. 1ª ed. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Universitário,
2014, p. 12.
57 Tal é a afirmação de Pachukanis no prefácio de sua obra: “Na literatura marxista e, em primeiro lugar, no próprio Marx, é
possível encontrar elementos suficientes para tal aproximação”. PACHUKNIS, E. Teoria geral do direito e marxismo.1 ed. São
Paulo: Acadêmica, 1988 p. 8.
55
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331
Pachukanis ao direito, o próprio alijamento existente entre o filósofo e o direito, o que vale
também para o jurista em relação à filosofia.58
Filosofia e direito
A filosofia, como lecionam Bittar e Almeida (2012), remonta o princípio fundador de todo
o saber, em direção à busca do conhecimento racional59, daí a correta conclusão segundo a qual a
filosofia é a mãe do próprio pensamento jurídico.
Mas qual a relação existente entre filosofia e direito? Ora, o direito se constitui como um
campo de análise da filosofia. Mas a partir de que momento o direito se torna uma área de
reflexão da filosofia, ou seja, seu objeto de estudo? Parece-nos correto dizer que o jurista ao se
debruçar sobre as relações sociais que constituem e são ao mesmo tempo constituídas pelo
direito, de modo a valorar tais relações e questionar os fundamentos jurídicos (como a norma e o
Estado), além de dedicar sua reflexão à justiça, é o que irá permitir o surgimento da crítica
filosófica do direito.
Neste ponto, deve-se deixar claro que a filosofia do direito não constitui uma outra filosofia,
nem tampouco um método. A filosofia do direito, tal como a moral, a religião e a política é
apenas um campo ou tema de análise da filosofia, “um objeto específico da filosofia geral”
(MASCARO, 2014, p. 12). Igualmente, não se trata de um método novo, uma vez que, como
objeto de análise, a filosofia do direito partirá de métodos diversos.
Assim, a análise de Pachukanis está situada na filosofia marxista, isto é, Pachukanis parte do
materialismo histórico e dialético para analisar o direito na sua totalidade e, desse modo, realizar
sua crítica ao fenômeno jurídico. Em outras palavras, tal como fez Marx na sua crítica da
economia política, Pachukanis logrará desvendar a especificidade do direito na sociedade
capitalista.
Direito e capitalismo
Para uma leitura detalhada do tema, pode-se consultar a obra de Alysson Mascaro: Filosofia do direito. 4ª ed. São
Paulo: Atlas, 2014. Cap. 1 ao 3.
59 BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme. Curso de filosofia do direito. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 16/17.
58
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332
Pachukanis será o grande responsável por demonstrar a relação existente entre capitalismo
e direito. É por isso que enfrentará a resistência dos positivistas e dos juristas tradicionais que
defendem uma concepção burguesa da história e do direito.
Contrário às “formulações que nada nos dizem”, inerentes à filosofia do direito tradicional,
Pachukanis constrói sua teoria partindo estritamente das leituras das obras de Karl Marx.
Contra a compreensão do direito apenas como um conjunto coercitivo de normas, seu
ataque ao positivismo e à tentativa de uma teoria “pura” do direito é contundente:
[
[...] toda a teoria geral do direito e toda a jurisprudência “pura” não são outra
coisa senão uma descrição unilateral, que abstrai de todas as outras condições
das relações dos homens que aparecem no mercado como proprietários de
mercadorias. [...] a tarefa da jurisprudência limita-se então exclusivamente a
ordenar, lógica e sistematicamente, os diferentes conteúdos normativos. [...]
Uma tal teoria geral do direito nada explica, que a priori volta as costas às
realidades concretas, ou seja, à vida social, e que se preocupa com as normas
sem se importar com sua origem [...] Esta “teoria” não pretende de nenhum
modo examinar o direito, a forma jurídica, como forma histórica, porque não
visa absolutamente estudar a realidade. Eis por que, para empregar uma
expressão vulgar, não podemos tirar dela grandes coisas. (PACHUKANIS,
1988, p. 13;18;19)
Do mesmo modo, Pachukanis se posiciona contra o entendimento evolutivo, universal e
eterno do direito, uma vez que, segundo Sabadell (2006), tais características resultam do
iluminismo para diferenciar o direito “bárbaro e obscurantista” do direito “racional e
esclarecido”, tendo apenas como finalidade a legitimação do Estado moderno e do sistema
jurídico atual. Sua crítica aponta para a afirmação suscitada pela maioria dos juristas nas
faculdades de direito e nos manuais jurídicos, segundo a qual onde há sociedade há direito (ubi
societas, ibi ius):
Em vez de nos propor o conceito de direito na sua forma mais acabada e mais
clara e de, por conseguinte, nos mostrar o valor deste conceito para uma
determinada época histórica, [os jusfilósofos burgueses] oferecem-nos apenas
um lugar comum, deveras inconsistente, o de “regulamentação autoritária
externa” que serve indiferentemente para todas as épocas e para os estágios de
desenvolvimento da sociedade humana. (PACHUKANIS, 1988, p. 23)
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333
Esta crítica de Pachukanis é essencial ao entendimento do direito como forma
correspondente apenas ao sistema capitalista: é a necessidade de dar condições à sua reprodução
que faz do direito elemento sem o qual não é possível atribuir segurança jurídica às relações
obrigacionais, que possuem em última instância o objetivo de garantir uma determinada
prestação.
Mas qual a relação entre forma jurídica e forma mercantil? Conforme acentua David
Harvey (2013), o denominador comum sobre o qual Marx iniciará sua análise é a mercadoria, isto
é, sobre a forma social predominante na sociedade capitalista, na qual além do uso, um produto
possui valor de troca e, portanto, se realiza no mercado. Assim, Segnini nos demonstra o papel
que ocupa a mercadoria no sistema capitalista de produção:
[...] De acordo com a análise marxista, a mercadoria constitui a base elementar
sobre a qual se desenvolveu o modo de produção capitalista [...] a força de
trabalho humano também se transformou em mercadoria [...] a relação social
entre os homens se transformou em relação social entre coisas. (SEGNINI,
1984, p. 31)
Mas, a mercadoria, que cristaliza as contradições do sistema capitalista, não “se troca”
sozinha. Assim, é vinculado à necessidade de permitir a circulação mercantil que o direito assume
uma especificidade diferente dos demais períodos históricos. Em outras palavras, no capitalismo,
a forma mercantil – relação social pautada na necessidade de troca - exige uma forma jurídica capaz
de lhe conceder as devidas condições de manutenção do sistema capitalista de produção, o que
implica a própria circulação mercantil.
Desse modo, adstrito ao marxismo, Pachukanis chegará à conclusão de que é a
“determinação mais simples” ou o elemento abstraído da totalidade imediata é que permitirá uma
correta elaboração teórica. Em outras palavras é a categoria mais simples dentro do universo do
direito que permitirá uma verdadeira crítica do fenômeno jurídico: daí sua reflexão partir da
categoria “sujeito de direito”.
É a categoria “sujeito de direito” o átomo da teoria jurídica e a partir do qual se levanta
toda a estrutura que compõe o direito como conhecemos hoje.
Para chegar à sua conclusão, Pachukanis não partirá de conceitos como “ordenamento
jurídico”, isto porque a totalidade concreta não pode ser o ponto de partida, ao contrário, deve o
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334
pesquisador iniciar sua análise da categoria fundamental, ou seja, partir do conceito mais simples
ao mais complexo60.
Capitalismo e direito são termos que se complementam mutuamente, de modo que “a
persistência do direito implica a persistência do capitalismo e que, assim sendo, o fim deste modo
de produção deve ser igualmente o fim da forma jurídica” (org. NAVES; KASHIURA, 2009, p.
54).
Conclusão
Evgeni Pachukanis logrou demonstrar que o direito é elemento necessário à valorização do
capital, isto é, ao permitir que sujeitos livres e iguais (sujeitos de direito) se relacionem no
momento da negociação da mercadoria no mercado – e aqui está incluída a venda/compra da
força de trabalho – o direito não apenas assume, tal qual a forma-mercantil61, uma forma
universal capaz de permitir a circulação da mercadoria, como também garante a produção de
mais-valor, e, por conseguinte, a valorização do capital. Em outras palavras, o direito e seus
elementos (norma estatal, contrato, sujeito de direito) e instituições (tribunais) é o que permite a
polarização entre duas classes distintas, os ricos e os pobres; aqueles que são obrigados a
trabalhar por toda uma vida e aqueles que sequer sabem o que é uma carteira de trabalho.
Daí sua conclusão, com a qual compartilhamos integralmente, de que uma sociedade sem
classes é também uma sociedade sem direito.
O aniquilamento das categorias do direito burguês significará nestas condições
o aniquilamento do direito em geral, ou seja, o desaparecimento do momento
jurídico das relações humanas. [...] a transição para o comunismo evoluído não
se apresenta, segundo Marx, como uma passagem para novas formas jurídicas
mas como um aniquilamento da forma jurídica enquanto tal, como uma
Para uma análise detalhada sobre o método de Marx na crítica da economia política, indicamos a leitura da obra de
José Paulo Netto Introdução ao estudo do método de Marx; para uma compreensão do método de Marx, utilizado por
Pachukanis na crítica do direito, indicamos a leitura do artigo de Kashiura Jr. Dialética e forma jurídica: considerações acerca
do método de Pachukanis.
61 Segundo David Harvey, ao tratar da presença universal da forma-mercadoria, “Marx escolheu o denominador comum a
todos nós, sem distinção de classe, raça, gênero, religião, nacionalidade, preferência sexual ou o que for”. In HARVEY, D. Para
entender o capital. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2013, pg. 26.
60
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335
libertação em face desta herança da época burguesa destinada a sobreviver à
própria burguesia. (PACHUKANIS, 1988, p. 27/28)
Referências bibliográficas:
BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme. Curso de filosofia do direito. 10 ed. São Paulo: Atlas,
2012
GIL, A. Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
MASCARO, Alysson. Filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
NAVES, Marcio. B. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões; Dobra
Universitário, 2014.
___________. (org.). O discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis. 1ª ed. Campinas:
IFCH-UNICAMP, 2009.
PACHUKNIS, Evgeni. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988.
HARVEY, D. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
SABADELL, Ana L. Tormenta juris permissione. Rio de Janeiro: Revan, 2006.
SEGNINI, Lilian R. O que é mercadoria? São Paulo: Brasiliense, 1984
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WITTGENSTEIN, SUA FILOSOFIA E SEU ‘ENSINO’:
DESAFIOS À PRÁTICA FILOSÓFICA DO PROFESSOR-FILÓSOFO NA
CONTEMPORANEIDADE
José Carlos Mendonça
Bolsista UNESP/CAPES/FAPAC
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo um ‘novo olhar’ sobre a questão da
‘educabilidade’ da filosofia à luz da definição wittgensteiniana de filosofia como “trabalho sobre
si mesmo”. Tal concepção demanda à prática filosófica novas posturas, que traduzem-se em
movimentos necessários aos que a ela se propõem interagir (professor, aluno, e filósofo): a) no
que se refere ao aspecto pedagógico, uma nova forma de conceber e praticar filosofia; b) no que
se refere ao aspecto ético, um novo olhar sobre o aspecto da ‘formação’: do movimento do
sujeito sobre si mesmo, na forma como se põe em relação com a filosofia ao filosofar. Dessa
forma, a partir do referencial mencionado, propõe-se: 1) Apresentar os principais elementos da
noção de filosofia como ‘trabalho sobre si mesmo’ em Wittgenstein; 2) analisar as implicações
ético-pedagógicas desta concepção e em que medida as mesmas são um desafio à filosofia e aos
envolvidos nesta prática no contexto de ensino e de vida atual.
Palavras-chave: Filosofia; ensino; educação filosófica
Introdução:
O que proponho com a temática tem como objetivo explorar o sentido e as implicações da
ideia de Wittgenstein relacionada à sua concepção de filosofia datada de 193162, qual seja:
“trabalhar em filosofia é antes de tudo um trabalho sobre si-mesmo”. Intentamos com essa
Ideia esta que é uma do conjunto de observações que compõem as Vermischte Bemerkungen. Como consulta utilizarei
a versão francesa intitulada Remarques mêlées e a tradução portuguesa intitulada Cultura e Valor (2000), esta última será
a fonte das citações.
62
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337
exploração, analisa-la no contexto da prática wittgensteiniana, e tendo-a como referência apontar
para o fato de que a mesma se impõe como que um desafio a toda e qualquer prática filosófica,
particularmente aos que tem a filosofia como o objeto de um exercício que visa educar: professorfilósofo. Cabe ressaltar, que o foco ensejado não é o ‘ensino’ em si, principalmente, de o que
ensinar e como ensinar, como o tema talvez possa sugerir, mas algo que está em sua raiz
condicionando-o a partir deste ponto. O tema está relacionado mais a um exercício de natureza
ética, porque é um exercício de subjetividades, ao mesmo tempo que uma atividade necessária a
uma prática. Também não se quer pôr em questão o ‘ensino de Wittgenstein’, não obstante o que
queremos abordar tenha aí o seu esboço e a sua evidência. A este respeito, pergunta-se: Qual o
grande desafio imposto por Wittgenstein à filosofia e sua prática? Esta questão nos remete à uma
anterior: Se há um desafio, significa que uma determinada prática está envolta a problemas, em
que ele consiste? E, ainda: A partir deste modo de ‘fazer filosofia’, quais são as implicações que
recaem sobre a prática filosófica, principalmente quando se a tem como educativa? De pronto,
pode-se afirmar que o que se trata em todas as indagações é algo de ordem ética, particularmente
quando o foco está relacionado à ‘educabilidade’ da filosofia ao processo de transformação dos
sujeitos.
Dentro de um movimento que vem provavelmente de Nietzsche (e Wittgenstein também
leu Nietzsche), filósofos contemporâneos como Hadot, Foucault e Wittgenstein problematizam o
‘fazer filosófico’ e com isso, ao enfatizarem uma filosofia ascética, cada um à sua maneira querem
fazer-se compreender que o problema da filosofia não é somente uma questão teórica, de método
ou de conhecimento. Aliás, este é o cerne da problemática: se pratica a filosofia como se se
estivesse praticando ciência, a partir do modelo desta última. Além disso, para nós, (pós)
modernos, o que dá acesso à verdade passou a ser o conhecimento e tão somente o
conhecimento. Assim, crê-se que o sujeito, uma evidência em si na modernidade, é capaz, em si
mesmo, e unicamente por seus atos, de obter conhecimento, de reconhecer a verdade e acessá-la.
Por fim, com o ‘pensamento’ da modernidade, desenvolvemos a capacidade de ter o domínio
sobre as coisas e sobre os outros, mas não mais sobre nós mesmos.
Contudo, o que estes filósofos supracitados nos mostram é que, como aponta Foucault em
Hermenêutica do sujeito (2010), o que se visa com (e em) o trabalho filosófico trata-se
fundamentalmente de uma questão ética: “Constituir uma ética do eu, (...) talvez seja uma tarefa
urgente, fundamental, politicamente indispensável, se for verdade afinal de contas de que não há
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338
outro ponto de resistência ao poder político senão na relação de si para consigo [grifo nosso]” (p.225). Ou seja,
faz-se necessário realçar o movimento que se deve fazer sobre si mesmo quando das práticas,
quando do uso da linguagem, no qual a constituição do sujeito ético possa emergir da sua
condição subjetiva enquanto consequência de sua relação com a verdade, bem como de sua
relação com as práticas – em um movimento onde ao imergirmo-nos nelas, ao mesmo tempo elas
(com suas verdades imanentes) nos invadem transitando sobre a subjetividade, atravessando-a e
transfigurando-a.
A filosofia então está desafiada, ou melhor dizendo, uma prática wittgensteiniana e a forma
como se a concebe impõe aos que se propõem a este ‘jogo’ -professor e filósofo- um novo modo
de vê-la, de usá-la. Aí, nesta prática, ‘pensar a própria relação’, o exercício que se deve fazer de si
na atividade é mais que fundamental, torna-se uma necessidade. Há no filosofar a exigência de
uma relação há muito adormecida: a relação de si para consigo, mas que denote ‘trabalho’. A este
desafio imposto, poder-se-ia dizer então que a função da filosofia, denotando atividade, está
relacionada a este papel de “constituição de uma ética do ‘eu’”, demandada por Foucault. Nesta
perspectiva, com Wittgenstein a filosofia é transformada e esta transformação desafia a própria
filosofia, principalmente quando se a tem por prática educativa.
Do trabalho sobre si-mesmo na filosofia
Segundo Cometti (1996), a ideia de um trabalho sobre si-mesmo, tal como ela se exprime
na citação acima, não é estranha à ideia de uma “maneira de ver”, e está relacionada basicamente
com as preocupações que conduzem Wittgenstein em suas reflexões sobre a “fisionomia” nos
últimos escritos, e sobretudo à visão sinótica (exposição da visão como um todo). No entanto, para
compreender a função sistemática do “trabalho sobre si-mesmo” em Wittgenstein, faz-se
necessário tomar por referência também o Tractatus (2001). Aí Wittgenstein delineia a relação
existente entre a linguagem e o mundo. Conforme o Tractatus, pode-se somente “falar” daquilo
que se encontra no mundo, e os fatos que concernem à nossa relação para com o mundo enquanto
totalidade, a exemplo das questões éticas, pode apenas ser “mostrado”. É justamente neste ponto
que aflora em Wittgenstein a ideia da filosofia enquanto “trabalho sobre si mesmo”.
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A distinção entre “dizer” e “mostrar” é uma distinção que somente pode ser mostrada ao
sujeito. Esta evidência é o que procura mostrar a metáfora bem conhecida da escada, que deve
ser jogada fora após seu uso (WITTGENSTEIN, 2001: 6.54). Para o Wittgenstein do Tractatus,
podemos adquirir uma visão total do mundo, a ‘visão “mística”’, mas ela requer a vontade e a
coragem de subir a escada. As argumentações do Tractatus, portanto, somente podem mostrar ao
sujeito a via, e é ele mesmo que tem de percorrê-la. Em outras palavras, demanda-se do leitor a
participação ativa no processo. Sem ela (a via), as argumentações ficam necessariamente
incompletas. Assim, pode-se dizer que o Tractatus ocupa-se do problema do acesso à verdade
condicionando-a a uma transformação do sujeito: é um trabalho do sujeito sobre si-mesmo, no
modo em que se vê as coisas e sobre o que se espera delas. O trabalho de esclarecimento traz
consigo outro ponto importante, qual seja: fixar os limites da linguagem, principal objetivo do
Tractatus, quer dizer também determinar o espaço onde a linguagem não pode mais nos ajudar (a
vida como um todo, como um corpo que age). Aí, opera-se o deslocamento de atenção do sujeito
filosofante com relação a si-mesmo, visto que uma tal filosofia demanda que a linguagem seja ao
mesmo tempo uma imagem fiel do mundo e o princípio de projeção que torna o si-mesmo
significativo.
Já nos últimos escritos, muito próximo à concepção de Hadot63, com sua crítica a
“linguagem privada”, Wittgenstein enfatiza que todo “trabalho sobre si-mesmo” é um trabalho
sobre a linguagem e, por consequência, sobre um bem comum64. É isso, o uso, o que faz com que
se pertença a uma “forma de vida”, bem como a partir do qual se é capacitado a participar
ativamente do “jogo de linguagem”. Sem isso, como afirma James C. Edwards (1985) há no
indivíduo uma desapropriação de suas próprias experiências.
Do desafio ético-pedagógico de uma prática
Na concepção deste filósofo, no que se refere ao cuidado de si, o mais importante deste processo não residia no
enfoque dado à prática de si, em si-mesma, mas no sentimento de superação de si devido ao pertencimento a um
todo: “pertencer ao todo da comunidade humana (...)” (2001, p.221).
64 Este é o ponto de aproximação a Pierre Hadot. E importante ainda destacar nesta questão é que a linguagem não
é um objeto cuja essência é ser um instrumental humano. Por este termo Wittgenstein quer demarcar os modos de
manifestação da vida e de suas práticas, modos de viver, nos (e com os) quais o sujeito tem sua relação: por imersão
ou por marginalização.
63
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340
Quanto à segunda questão levantada no início, acerca das implicações e da forma pela qual
a ideia de “trabalho sobre si-mesmo” traduz-se em desafio à filosofia, particularmente aos
envolvidos nesta prática, pode-se afirmar que ela se resume a uma dimensão ético-pedagógica –
fato que a aproxima em muito à concepção de “exercícios espirituais”
65
de Pierre Hadot -,
segundo a qual o que deve ser destacado é o trabalho que se exerce sobre si mesmo, sobre o
modo em que se vê e se vive em detrimento de uma atividade estritamente exterior-funcional à
qual geralmente se resume o ensino de filosofia. Este desafio demanda, então, à prática filosófica
novas posturas aos que a ela se propõem (professor, aluno, e filósofo) às quais, por sua vez,
implicam em dois movimentos necessários: a) pedagógico, uma nova didática e um novo método,
ou seja, uma nova forma de conceber e praticar filosofia; e b) ético, deve-se ter um novo olhar
sobre o aspecto da ‘formação’, ao movimento do sujeito sobre si mesmo, na forma como se põe
em relação com a filosofia. É sobre estes dois movimentos que iremos nos deter a partir de
então. E para tal empreita, a escrita e leitura são peças fundamentais.
Lendo Wittgenstein pelo ‘olhar hadotiano’, percebe-se alguns elementos dos “exercícios
espirituais” desde sua primeira obra. Mas no que se refere à segunda, conforme Hadot (2001,
p.103), a obra Investigações filosóficas (1996) de Wittgenstein deve ser considerada uma obra
remarcável, porque ela não é um tratado sistemático66, como as obras filosóficas a partir da
modernidade a exemplo do Tractatus, e portanto não deve ser lida sob esta perspectiva. Há em
Investigações toda uma terapêutica que a distinguiria do viés sistemático da modernidade e que
poderia ser resumido, sob a ótica do ‘exercício espiritual’, como uma espécie de diálogo: uma
composição de muitos pequenos diálogos que são frequentemente retomados, porque a cada
momento deve-se ultrapassar a ‘fascinação’ que o uso da linguagem imprime sobre nós, operando
assim a verdadeira terapêutica com vistas à mudança de vida. E como esses diálogos são
originariamente resultados de um exercício sobre si mesmo feito pelo próprio Wittgenstein, agora
Para Hadot, os exercícios espirituais “querem realizar uma transformação da visão e uma metamorfose do ser (...). Não se trata
de um código de boa conduta, mas de uma maneira de ser no sentido mais forte do termo”; “A denominação de exercícios espirituais é
então finalmente a melhor, porque ela marca bem que se trata de exercícios que compromete todo o espírito” (2002, p. 77). Ou seja, os
exercícios espirituais estão sempre ligados à transformação de si; para conseguir chegar a um estilo de vida filosófico,
precisa-se continuamente se transformar.
66 Aos sedentos por uma obra sistematizadora, explicativa, composta por argumentos bem concatenados, entrar em
contato com o texto de Wittgenstein é ‘desesperador’. Não há respostas, mas muitas questões e muitas perspectivas
sobre o mesmo ponto. Como resultado, se não se põe à proposta do exercício, em movimentos que nos conduz
dialogicamente da obviedade à obscuridade da vida humana, e vice-versa, mudando assim a perspectiva ou aberto a
perspectivas outras; a desistência de uma continuidade da leitura do texto wittgensteiniano é algo quase como certo.
Um dos pontos que deflagra este conflito, do ‘olhar tradicional’ perante à proposta ético-pedagógica
wittgensteiniana, é que se tem a sensação de nunca visualizar ‘com segurança’ onde se chegará com o seu texto.
65
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341
que publicados são também uma operação que visa a mudança dos interlocutores, aos quais cabe
mudarem-se a si mesmos pelo processo de leitura, cada um à sua medida. No Tractatus, como
mencionamos, já havia este desafio ao exercício filosófico. O percurso ético-pedagógico ali
arquiteturado compõe-se de sete principais aforismos que estão lado-a-lado ocupando o espaço
total do que se pode dizer. O leitor deve ir captando e aprendendo gradativamente ao mesmo
tempo pela totalidade o sentido que a imagem tractatiana quer mostrar. Neste processo, o
‘misticismo’ e a metáfora da escada tractatianos tornam-se as vias alternativas para obter o que a
linguagem por si só não pode dar. Destarte, a presença da metáfora da escada teria como papel
mostrar o desdobramento do processo a ser percorrido pelo ‘sujeito’: I) é preciso se assegurar do
conteúdo da linguagem, qual seja o de esclarecer o que as palavras podem dizer: II) é preciso
esclarecer nossa relação para com a linguagem.
Quanto às Investigações filosóficas, Wittgenstein as empreende, sob a forma de exercícios
práticos, a fim de forçar o leitor a se libertar de sua tendência natural, como ele diz, de fixar o
conhecido em uma imagem alienante e assim perder seu lugar no mundo. Por isso o estilo
desenvolvido é o autointerrogativo: “(...) os meus escritos são conversas privadas comigo
mesmo” (WITTGENSTEIN, 2000, p. 114). Por consequência, a tessitura de seus últimos
escritos é uma conversação que arrasta o leitor a explorar o que podemos dizer sobre nós
mesmos. Suas questões incessantes, seus erros deliberados, suas fantasias imaginativas, suas
ilusões provocantes, etc., impulsionam o leitor a aceitar alguma coisa como admissível até que o
trabalho sobre o texto faça nascer suspeitas sobre a sua procedência histórica: “O que eu quero
ensinar é: como passar de um absurdo não evidente para um absurdo evidente”
(WITTGENSTEIN, 1996: §464). Por isso, é exigido que a filosofia tome a vida por questão,
voltando-se para a linguagem em seu uso ordinário. Por outro lado, usar a linguagem como a
filosofia tradicional o faz, desconectada da vida ordinária e presa a questões metafísicas, é
ultrapassar o limite de uso da linguagem filosófica. Logo, a lição básica do desafio imposto por
Wittgenstein é aceitar a vida pelo que ela é, em sua limitação e em seu enraizamento. E ao
filosofar, a direção a ser tomada, bem como o seu próprio objeto, é a própria vida tomada como
o “real” da filosofia, não para explica-la mas tão somente ressignificá-la.
Importante também destacar a intenção didático-pedagógica dos escritos wittgensteinianos,
segundo a qual o que se visa é a mudança do interlocutor quando realizada tão somente pelo
próprio leitor. A este respeito, como que um conselho a filósofos e professores, Wittgenstein
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observa: “Deixa ao leitor tudo o que ele pode fazer sozinho” (WITTGENSTEIN, 2000, p.114);
colocando-se como exemplo: “Quase todos os meus escritos são conversas privadas comigo
mesmo. Coisas que a mim próprio digo face a face” (idem). E, ainda: “Eu não devia ser mais do
que um espelho em que o meu leitor pudesse ver o seu próprio pensamento com todas as suas
disformidades para que, assim auxiliado, o pudesse pôr em ordem” (idem, p.35). Deste modo,
quando o leitor toma os seus escritos sua direção é nada mais nada menos do que para si mesmo,
pois obrigatoriamente o leitor se põe em questão no ato da leitura. Seus escritos tomam então a
forma de ‘exercício espiritual’, pois o leitor como interlocutor, ao pôr-se no movimento acaba
por realizar o exercício que Wittgenstein fez: “É importante para mim [e este que lê] ir modificando
a minha postura [grifo e acrescento nosso] ao filosofar, não permanecer muito tempo sobre a mesma
perna, para não ficar perro” (idem, p. 48).
Sua visada ético-pedagógica consistiria, portanto, em criar um estilo de escrita que
permitisse aos outros descobrir e reconhecer o poder da mitologia em seu próprio pensamento,
porque como ele diz em seu Prefácio de Investigações filosóficas: “Com meu escrito não pretendo
poupar aos outros o pensar. Porém, se for possível, incitar alguém aos próprios pensamentos”
(p.12). Por isso que o melhor método, o que resta à filosofia pós-Wittgenstein, ao professor e
filósofo e aconselhado pelo próprio filósofo é: “Quem hoje em dia ensina filosofia não seleciona
o alimento para o seu aluno com o objetivo de lhe adular o gosto, mas para o modificar [grifo nosso]”
(WITTGENSTEIN, 2000, p.35). Eis a importância da filosofia no que se refere à sua
‘educabilidade’. Faz-se necessário, portanto, uma ‘nova’ atitude em relação ao filosofar, em
relação à compreensão de onde se situa e se deve situar a filosofia, e ao que se deve visar com ela.
Referências Bibliográficas:
COMETTI, Jean-Pierre. Philosopher avec Wittgenstein. Paris: Presses Universitaires de France, 1996.
EDWARDS, James C. Ethics whitout philosophy: Wittgenstein and the moral life. Florida: USF, 1995.
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
HADOT, Pierre. La philosophie comme manière de vivre. Paris: Éd. Albin Michel, 2001.
___________. Exercices spirituels et philosophie antique. Paris: Éd. Albin Michel S.A., 2002.
___________. Cultura e valor. Trad. Jorge Mendes. Lisboa: Ed.70, 1995.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
343
___________. Investigações Filosóficas. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
___________. Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz H. L. Santos. São Paulo: EDUSP, 2001.
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A RELEVÂNCIA DA NOVIDADE E DA ALEGRIA PARA A ECONOMIA,
RELIGIÃO E POLÍTICA
Josete Rockenbach
[email protected]
RESUMO: A novidade vinculada à alegria se sobressai porque atrai, estabelece e mantém as
relações humanas em diferentes dimensões. Para a economia, religião e política a ‘novidade’
proporciona a alegria, e, apresenta-se de diferentes formas. Respectivamentea‘inovação’, a ‘Boa
Nova’ e a ‘iniciativa’são relevantes para promover as relaçõeshumanase a maneira como as
atividades serão realizadas, e são evocadas como razões para o crescimento e desenvolvimentoem
níveislocal eglobal.
Palavras-chave: Alegria; economia; religião; política; novidade
A ‘novidade’ se revela o motor que move as pessoas e estabelece a maneira como irão se
relacionar e realizar as suas atividades no mundo. Para a economia, religião e política a
‘novidade’está associada à alegria. Neste caso, a alegria contribui por ser uma emoção que agrega
as pessoas em torno daquilo que acreditam ser um bem real ou imaginário. A importância
atribuída à novidade -épor ser ela o quecertificao desfrute daalegriaa cada indivíduo. Equivale a
dizer que, a novidade ao se realizar, ou, a sua possibilidade de se tornar real causa a alegria.
Para compreender como a novidade associada à alegria apareceem diferentes domíniosdas
atividades humanas, apresento: sob o tema ‘Sociedade Aquisitiva’a abordagem econômica, de
acordo coma Teoria do desenvolvimento econômico de Schumpeter;sob o tema ‘Comunidade
Missionaria’na perspectiva religiosa - Exortação Apostólica do Papa Francisco, 2013;e, sob o tema
‘República Democrática’ sobre o aspecto dapolíticade acordo comos textos deArendt -A condição
humana ea Vida do Espírito.
1
Sociedade aquisitiva
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A Sociedade Aquisitiva67é aquela que tem comoprincípio único a aquisição de bens, sejam eles
de qualquer natureza. O que se busca éo poder de comprapela esfera produtiva e consumidora. Para
aumentar o poder de compra é necessário que hajacrescimento edesenvolvimento econômico, o
que épossível com inovações.O crescimento acontece com o aumento de pessoas incluídas na
sociedade aquisitiva, diga-se que éo aumento de pessoas com poder de compra para adquirir os
produtos, para atender as necessidades humanas, de acordo com o que é oferecido pela esfera
produtiva. O desenvolvimento acontece com a descontinuidade, a quebra do ciclo econômico,
com o surgimento de novas combinações para serem adquiridas pela esfera consumidora. Se há
desenvolvimento ocorre o aumento do poder de compra, e isso garante a aquisição de coisas e
serviços.Essa crença de que o crescimento e desenvolvimento trarão a inclusão e a possibilidade de
aquisição de coisasresultando em bem-estar individualse espalha, e as pessoas são convertidas
para essa crença, sustentadas pela Lei de Mercado.
O Bem para o homem na sociedade aquisitiva está sempre ligadoà inovação, a qual
estávinculada ao critério da lei do mínimo esforço (físico e intelectual) e do máximo
conforto,condição essa que proporcionaráa alegria. Isso é importante para que o processo se
sustente. A necessidade de novidade é criada pela esfera produtiva e absorvida pela
esferaconsumidora. Neste caso,a espontaneidade é algo supérfluo, enquanto a necessidade:
[...] nascem [sic] da esfera da vida industrial e comercial, não na esfera das
necessidades dos consumidores de produtos finais. [...] desprezamos qualquer
espontaneidade das necessidades dos consumidores que possa existir de fato, e
admitiremos que os gostos são“dados”. (SCHUMPETER, 1997, p.75). [...]
restringi-las às necessidades tais que sejam capazes de ser satisfeitas pelo
consumo de bens. (SCHUMPETER, 1997, p.97).
E o autor conclui que é da esfera produtiva, especialmente do empresário, a iniciativa da
mudança de comportamento dos consumidores, para o sucesso danova combinação.
[...] entretanto, é o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os
consumidores são educados por ele, se necessário, são por assim dizer,
ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro
daquelas que tinham o hábito de usar. (SCHUMPETER, 1997, p.76).
67SCHUMPETER,
1997, p. 98.
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Se considerar uma comunidade de homens com necessidades diferentes, na sociedade
aquisitiva isso não é válido,pois as diferenças são suprimidas pela necessidade implantada pela
esfera produtiva. Então, a liberdadevalorizada é a escolha do que vai ser comprado, restrito ao
que é oferecido pela esfera produtiva.Explora os desejos humanos, tem fé na tecnologia que vai
atender a todas suas necessidades.Há a confiança de que tudo pode ser adquirido -conforto,
juventude, felicidade, saúde, justiça, etc.-, e,alegria é para todo o povo, uma vida nova com
melhoria das condições, e o melhor de tudo, semmuito esforço.
Os olhos estãosempre voltados para o futuro, pois crescimento e desenvolvimento são
palavras que se fixam em uma possibilidade futura. É algo que ainda não se realizou, está para ser
realizado, em um futuro que nunca chega. O crescimento e o desenvolvimento
econômicodãoagarantia de que algo melhor vai acontecer, neste caso diz-se que a nova
combinação permite isso, mas ao se tornar real já há outra possiblidade de ser mais alegre na
próxima inovação, e assim segue o processo econômico, ‘nada’ pode ser diferente disso para a
Sociedade Aquisitiva.
2
Comunidade missionária
A Comunidade Missionaria‘aceita’ comunicar a todos os homens a Boa Nova, cujo núcleo
fundamental é o ‘bem’ de acordo com o Reino de Deus. A Boa Nova indica o único caminho para o
Reino de Deus. Não se refere a uma ideia de bem, mas, a realização do bem na sua forma concreta.
Vivenciar enquanto povo a: Justiça social, dignidade para todos os homens, convivência fraterna,
unidade na diversidade, verdadeira liberdade, paz no mundo. E, tal realidade há de chegar a
‘todos’ os homens. Aceitar é tera certeza de que a proposta de Deus, a Boa Nova,é uma realidade
possível ao seu povo. Acreditar nessa promessa e cumprir a Lei é um ato de profunda fé no amor
de seu Senhor. Consta na Lei do Senhor: “vos ameis uns aos outros como Eu vos amei”
(Jo15,12).Convida ao crescimento no amor, e uma convocação a acender e amadurecer na
caridade. Deus e seu povo têm um compromisso, e neste pacto a alegria brota, cresce e se
expande no coração do crente. O que Ele – Deus - promete ao anunciar a Boa Nova é
transformar a tristeza em alegria. Como o sentimento de tristeza vivenciado por uma pessoa faz
com que ao encontrar a ternura e o amor do Pai produza no sujeito uma alegria com intensidade
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superior, e que jamais irá se perder. O autorinsiste que esta alegriapermanece no coração após
desfrutar tal emoção.
[...] Ele promete aos discípulos: “Vos haveis de estar tristes, mas vossa tristeza
ha de converter-se em alegria” (Jo16,20) [...]“Eu hei-dever-vos de novo! Então,
o vosso coração há de alegrar-se e ninguém poderá tirar a vossa alegria.”
(Jo16,22)(FRANCISCO, 2013,p.6/i.5). A alegria do Evangelho enche o coração
e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar
por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento.
Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. (FRANCISCO, 2013,p.3/i.1).
[...] “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele
exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança, grita de
alegria por tua causa.” (Zc3,17) (FRANCISCO, 2013,p.5/i. 4). [...]. “Não te
prives da felicidade presente” (Sir14,11.14). Quanta ternura paterna se
vislumbra por detrás destas palavras! (FRANCISCO, 2013,p.6/ i. 4)
A liberdade somente é real e se conquista quando aceita ser povo de Deus e é nesta
condição que se usufrui dela. Pois, a liberdade funda-se na caridade, e, é neste aspecto que nada
pode impedir suas ações. Afinal, não há na Lei nada que impeça a caridade entre os homens.
Realizando o bem aos outros estará livre, somente o mal é limitado.
É uma alegria que engloba múltiplos aspectos da vida humana. Não é somente comidao
sonho para os homens do futuro, mas dignidade e a possibilidade de explorar os vários dons que os
homens receberam do seu Pai. Para issofaz-se necessário reforçar esse compromisso da
comunidade missionária de levar a Boa Nova - o reino de Deus - a todo o povo.
A alegria da conversão, que é aceitar a proposta de Deus, a Boa Nova, tem um efeito
profundo. Aos que aceitaram a proposta de Deus, assumem uma vida de acordo com o
Evangelho, ao mesmo tempo, como guardiões do bem e da beleza que há nas Palavras, e
indicandoo caminho para o bem que todos desejam.
3
República democrática
A República Democrática parte do principio de que cada homem é único. Cada homem que
vem ao mundo é um novo homem,um ser que é singular. Esse novo homem ao agir pode iniciar
algo imprevisível no mundo que é comum a todos os humanos. Isto é a garantiada
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novidade.Comenta Arendt68 que as atividades humanas,em relação aos que existiram e existem,
são para assegurar aos recém-chegados o novo homem, a liberdade para iniciar suas ações no
mundo comum. A atenção é para a ação política que é de resguardar esse ‘bem’ precioso às novas
gerações.
O novo homem ao aparecer no mundo comum nasce com a liberdade, pois não são copias
idênticas: não há um modelo de homem que se repita; e,não háum comportamento idêntico a
todoscomo acontece com outras espécies animais. O novo homem, ao se apropriar das coisas
comuns aos homens pelas percepções e iniciar suas ações, faz da novidade sua realidade.
[...] O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o
inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por
sua vez, só é possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada
nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é
singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém. Se a
ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é a efetivação da
condição humana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é
a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como distinto e
singular entre iguais. (ARENDT, 2004, p. 191).
A natalidade está vinculada à realidade dos homens,na qual se concentram as suas ações e é
um assunto público.Cada homem na sua singularidade faz a avaliação da realidade do mundo, e
estabelece o que quereinicia suas ações para que isso seja mantido para os que estão próximos e as
futuras gerações. Ao recusar inicia ações para que algo novo seja real a todos, com a mesma razão
– manter a liberdade de iniciar algo novo. E, isso acontece quando estão próximas umas as
outras, na esfera da aparência, conversando sobre os assuntos humanos – integridade, dignidade,
justiça, virtude, etc. -, avaliando e iniciando ações para que o mundo comum aos homens perdure
com liberdade.
A alegria de ser livre, de iniciar algo novo, é uma alegria distinta daquela que se tem quando
se está livre da dor, do desejo e da tristeza. A alegria de iniciar não estácondicionada à satisfação
das necessidades vitais e dominada pelo desejo ou apetite. Pode-se dizer que estaalegria é uma
sensação da abundância de vida.
A alegria, ao que parece, só pode ser experimentada se estivermos inteiramente
libertos de dor e desejo [...] A alegria vem da abundância, e é verdade que toda a
68ARENDT,2004,
p. 17.
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alegria é uma espécie de luxo; ela domina-nos, e só podemos ceder a ela depois
de terem sido satisfeitas as necessidades da vida. (ARENDT, 2000, p. 186).[...]
Por isso a verdadeira meta da Vontade é a abundância: << Com as palavras
‘liberdade da vontade’ queremos dizer esta sensação de um excedente de força
>>, e a sensação é mais do que simples ilusão da consciência porque
corresponde à superabundância da própria vida.(ARENDT, 2000, p. 186).
A alegria que toma conta da pessoa ao iniciar algo é uma sensação distinta, que se traduz
em um sentimento de "superabundância de vida". É a alegria de ousar e ter a coragem de iniciar
algo. E, ao iniciar experimenta a vida com uma intensidade que supera a mera manutenção da
vida. Ao tomar a iniciativa na esfera pública, em ummundoque é permanente,épara garantir aos
recém-chegados um lugar para usufruir da liberdade de iniciar algo.
Conclusão
“[...]o que une os homens, tanto como amigos privados quanto cidadãos públicos,é‘encontrar alegria nas
mesmas coisas.’”69
O que essa investigação buscoufoi identificar quais aspectos são importantes para se
estabelecer o vínculo entre as pessoas e a composição de um agrupamento humano seja local ou
global.Centramos a atenção nos domínios da economia, religião e política e o que se destacou foi
a alegria e a novidade.Arelevância desses aspectos está em fundamentar a maneira como as
relações humanas acontecem.A novidade e a alegria estão em estreita conexão, esão exploradas
de diferentes modos: pela sociedade aquisitiva no consumo de novas combinações, inovações;
pelacomunidade missionária com a Boa Nova, proposta de um novo reino no qual a justiça e a
dignidade humana é realizada; pelarepública democráticacom o novo homem, e apossibilidade de
iniciar algo novo no mundo. Oque se quer ao centrar as ações humanas na novidadeéencontrar
nas mesmas coisas a alegria, e emconsequência se estabelecera união entre as pessoas para
conquistar este estado de ânimo. Sendo assim, aemoção da alegriasustentaesta reunião de humanos
com a crença de que a novidade,seja ela real ou imaginária,é um “bem” para os homens.
69ARISTÓTELES,
p. 1157b-1158a apud POTKAY, 2010,p.252-253.
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Diante disso surgem as questões:A novidade desconectada da alegria se mantém como
elemento norteador das relações e das atividades humanas?Mas, se esse algo novo não
proporcionar a alegria, o que acontece?
Sea emoção da alegriaé experimentadanoencontro com aquilo que se considera o ‘Bem’,a falta de
alegria seria um indicativo queanovidade não atende ao que sejulgaum Bem pelos homens?E,
poderíamos dizer que o que se procura-é a alegria, e encontrar algo novo é um meio, mas não o
fim?O que a falta de alegria pode provocar?
Para concluir, a pergunta de Potkay (2010):Com que coisas nós devemos nos alegrar?
Referências Bibliográficas:
ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo; Posfácio de Celso Lafer. 10.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
___________. A vida do espírito – vol. II: Querer. Trad. João C.S. Duarte. Lisboa: Instituo Piaget,
2000.
FRANCISCO, Santo Padre. Exortação apostólica EVANGELII GAUDIUM, ao episcopado, ao clero,
às pessoas consagradas e aos fieis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual. Vaticano: Tipografia
vaticana,nov. 2013.
POTKAY, Adam. A história da alegria: Da Bíblia ao Romantismo tardio. Trad. Eduardo Henrik
Aubert. São Paulo: Globo, 2010.
SHUMPETER, JosefhAlois. Teoria do desenvolvimento econômico. Trad. Maria Silvia Possas. São
Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.
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O ASPECTO REPRESENTATIVO DA IDEIA EM DESCARTES
Juliana Abuzaglo Elias Martins
Bolsista CAPES
[email protected]
Orientador: Profª. Ethel Rocha
RESUMO: Nosso trabalho tem como objetivo apresentar a definição do termo Ideia que
Descartes formula na Terceira de suas Seis Meditações Metafísicas. A exposição do que venha a
ser uma ideia, ocorre no parágrafo 6 da referida Meditação. Lá, o filósofo nos apresenta uma
definição direta e objetiva do que vem a ser uma ideia. Podemos ler nessa passagem: “Entre meus
pensamentos, alguns são como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente o nome de idéia...”. Nosso
trabalho visa expor de modo geral essa definição de ideia com o intuito último de para entender
melhor a teoria do conhecimento de Descartes, uma vez que se trata de um conceito chave em
sua filosofia.
Palavras-chave: Ideia; representação; conhecimento; razão
Na definição de ideia que Descartes apresenta na 3ª meditação, ele diz que a imagem é
“como uma imagem”. Esta definição comporta seu aspecto representativo. Na realidade, o
aspecto representativo da ideia diz respeito ao seu conteúdo. O conteúdo da ideia é aquilo que
seria representativo nela. Os elementos e características que formam o caráter representativo da
ideia, são na realidade, sua realidade objetiva como veremos a seguir.
No parágrafo 6 da terceira meditação70, o pensador moderno nos mostra existirem dois
gêneros de pensamento que seriam característicos da substância pensante: o primeiro ele
apresenta e define diretamente como sendo idéia. O segundo ele identifica como sendo outros
distintos da ideia. Grosso modo, pode-se entender que a ideia compreende ao ato mental de
apresentar algum conteúdo em nosso intelecto, ou simplesmente, representar. Desta maneira,
quando tenho uma ideia, eu estou tendo uma representação em meu pensamento. Quando eu
70
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 3ª ed., 1983. (Col. Os Pensadores).
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tenho uma idéia, sempre que isto ocorre, algum conteúdo está se fazendo presente em minha
mente.
É importante entendermos esta noção básica de ideia pois ela está presente no segundo
gênero de pensamento mencionado por Descartes. Como vimos além da ideia, ele admite existir
outro gênero de pensamento que caracteriza a substancia pensante. Este seria então formado por
uma ideia juntamente com algum ato mental. Por ato mental, devemos entender alguma ação do
pensamento. Cito Descartes para explicar melhor: “Outros, além disso (da ideia), têm algumas outras
formas: como, no momento em que eu quero, que eu temo, que eu afirmo ou que nego” 71. Os verbos que
percebemos na passagem acima, querer, temer, afirmar e negar, seriam então alguns exemplos de
algumas das ações mentais que somando-se a ideia, compõem outros gêneros de pensamento aos qual o filósofo determina por vontades, afecções e juízos.
Neste cenário, temos então dois gêneros de pensamento: de um lado, a ideia e de outro,
vontades, afecções e juízos. Enquanto que nestes, o intelecto assume necessariamente alguma
determinada atitude (mental) em relação ao conteúdo exibido pela ideia, nesta, não tomamos
nenhuma atitude além da apresentação de um conteúdo ao nosso espírito, à nossa mente. Nesse
sentido, a representação, ou a ideia, é considerada o ato mental mais simples, pois se encontra
envolvida em todos os demais. Já o contrário, não é verdade; podemos ter uma idéia sem
necessariamente ter alguma atitude mental em relação a ela. Posso ter uma ideia sem
necessariamente afirmá-la, negá-la ou temê-la, apenas exibindo um determinado conteúdo em
meu espírito. Enquanto que para ter qualquer outro ato mental – que não uma representação pressupõe-se a sua presença. Para afirmar, para negar, para lembrar, para odiar, etc., precisa-se
fazer presente na mente algum objeto, algum conteúdo, em última instância precisa-se de uma
ideia.
Daí, podemos concluir a respeito da substância pensante que; ela possui atributos, modos,
e estes correspondem aos atos mentais próprios de nossa mente que podem ser denominados ou
ideias, ou juízos ou vontades72.
Idem. p.101 (grifo nosso).
Para esclarecer tal afirmação, vale a pena determo-nos aqui brevemente a respeito de algumas noções da ontologia
cartesiana. Esta pode ser considerada, um tanto quanto restrita e econômica, na medida em que diz que tudo que
podemos afirmar ser, ou bem é uma substância, ou bem é um modo desta substância. Seriam três as substâncias:
uma infinita, Deus, e duas finitas, a pensante e a corpórea. A definição do que venha a ser propriamente uma
substancia está no artigo 51 dos Princípios : “ Por “substância” não podemos entender senão a coisa que existe de tal
maneira que não precise de nenhuma outra para existir. E de certo, só há uma única substância que se pode entender
como absolutamente independente de qualquer outra, a saber, Deus.” É por ser substância que nesse sentido Deus
71
72
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353
Ainda durante a exposição do que venha a ser uma ideia, na mesma passagem, Descartes
então apresenta a definição clássica da mesma. Podemos ler: “Entre meus pensamentos, alguns são
como as imagens das coisas, e só àqueles convém propriamente o nome de idéia...” 73.
Nos parágrafos seguintes, Descartes estabelece um exame de como a tradição investiga as
ideias a partir de suas possíveis origens. No parágrafo 15º, a discussão acerca da teoria da
representação é retomada. A ideia é problematizada principalmente a partir de dois aspectos que
lhe seriam constituintes: a realidade formal e a realidade objetiva. Tal é a importância deles que
alguns dos temas e assuntos que se seguem no texto em diante como o aspecto representativo, a
veracidade, e a possibilidade de falsidade das ideias e o princípio de causalidade se darão no
entorno destes dois conceitos.
Por realidade formal devemos compreender aquilo que alguma coisa é enquanto ato. Todas
as coisas que são atualmente o são de determinado modo e este, seria então a sua realidade
formal. Desta forma, cada ato mental, cada atributo do pensamento, possui uma realidade formal
única, que corresponderá ao seu próprio ato característico. A realidade formal do ato mental de
duvidar, por exemplo, seria hesitar diante do conteúdo apresentado ao espírito. No que tange às
idéias, sua a realidade formal é simplesmente o ato de apresentar um determinado conteúdo o
espírito, ou seja, o próprio ato da representação.
Levando-se em consideração este aspecto formal, as idéias são consideradas iguais entre si,
pois não importa se tenho ideia de uma pedra ou de um cavalo, o ato em questão que lhes é
intrínseco, é sempre o mesmo, a saber, apresentar determinado conteúdo no intelecto. Diz o
filósofo, no parágrafo 15 “... caso essas idéias sejam tomadas somente na medida em que são certas formas de
pensar, não reconheço nenhuma diferença ou desigualdade...”.74
Além de podermos inferir a igualdade das ideias, este mesmo aspecto nos permite afirmar
outra qualidade a respeito das idéias: elas são sempre verdadeiras. Isto porque,
independe de todo o resto para existir, ao passo que todo o resto de coisas irá depender dele de algum modo para
existir. Seja unicamente ou duplamente. Apesar de afirmar aqui que somente Deus pode ser considerado uma
substância ele admite logo após, no artigo 52, que corpo e mente (substâncias corpórea e pensante respectivamente)
na medida em que dependem única e exclusivamente de Deus para existir podem igualmente serem denominadas de
substância. Já os modos ou atributos, dependem duplamente; por um lado de Deus, da substancia infinita e, por
outro, também da própria substância da qual eles são modos. Numa possível hierarquia ontológica, três seriam então
os níveis: no primeiro patamar está a substancia infinita, logo abaixo a substancia finita pensante e corpórea e mais
abaixo, os modos destas. O pensamento, enquanto substancia, possui então modos que correspondem aos atos
mentais do próprio pensamento. Uma ideia, um juízo, uma volição, são atos mentais, são portanto atributos, modos
do pensamento.
73 DESCARTES,R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 3ed.,1983.(Col. Os Pensadores). p101.
74Id. Ibidem p.103.
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independentemente de qualquer que seja o conteúdo exibido por uma idéia, do que venha a ser
(re) apresentado em nossa mente pela ideia, este ato, (de reapresentar (ter idéia)) é sempre um ato
positivo, atual. Algo verdadeiramente, atualmente e positivamente se faz presente na e para, nossa
consciência. Em outras palavras, as ideias, enquanto atos são imediatamente percebidas por nós.
É nesse sentido que afirmamos as mesmas serem “verdadeiras”.
Já a realidade objetiva, equivale ao conteúdo da ideia. Trata-se do conteúdo que se faz
presente em nosso entendimento pelo ato da própria representação à consciência, ou seja, o
objeto da própria idéia existente objetivamente e positivamente na e para a consciência. O objeto
em questão da ideia, ou seja, esta realidade objetiva, não implica em um objeto extenso, no
mundo físico, no mundo externo. O domínio objetivo aqui em questão é meramente intelectual,
mental.
O principio da realidade formal, foi verificado, demarca um princípio de igualdade entre as
próprias idéias, na medida em que todas, se consideradas sob a perspectiva de serem somente
atos, correspondem a um mesmo ato: o ato de apresentar um conteúdo a mente. Mas e agora? O
que será possível afirmarmos da realidade objetiva? Enquanto princípio, esta noção que envolve
o ato mental da representação, condicionará as ideias como sendo iguais ou Diferentes? Falsas ou
verdadeiras?
Em relação à primeira dupla de qualidades, parece-nos óbvio a conclusão de que as ideias
são diferentes umas das outras. Se o ato de apresentar é sempre o mesmo nas ideias, o conteúdo,
a realidade objetiva precisa ser distinto um do outro, pois se assim não o fosse, todos nós
pensaríamos uma única ideia, uma ideia de uma mesma coisa. Em outras palavras, a realidade
objetiva parece ser o princípio que distingue as ideias entre si. O que nos permite pensar coisas
diferentes apesar de termos o mesmo ato mental. Através dela, conteúdos distintos são
apresentados à nossa mente. Diz Descartes: “... considerando-as (as ideias) como imagens, dentre as quais
algumas representam uma coisa e as outras uma outra, é evidente que elas são bastantes diferentes entre si”75.
Na passagem acima ainda que não fale diretamente sobre a realidade objetiva, parece-nos
claro que ao afirmar que as coisas representadas pelas ideias variam que ele está tratando delas
enquanto seu objeto. Ademais, cumpre ressaltar, a presença da menção à definição imagética da
ideia, anteriormente aqui tratada. O que implica podermos supor, que nesta primeira definição
não só a realidade objetiva já estava de algum modo presente, mas que também há, no mínimo,
75
Pag. 103
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355
uma estreita relação entre o caráter representativo da ideia – que está presente nesta definição – e
a realidade objetiva, ou, o conteúdo, objeto da ideia.
Isto ratifica a nosso ver nossa observação inicial de que o caráter representativo diz
respeito ao conteúdo da ideia, a realidade objetiva. Diante do que exposto, podemos afirmar da
definição de ser “como as imagens”:
A) A imagem em questão referida pelo filósofo não necessariamente é uma
imagem figurativa. Não se trata de uma analogia com qualquer tipo de representação
pictórica. A representação aqui em jogo é mental antes de tudo, podendo desse modo
termos ideias constituintes de imagens não figurativas.
B) O algo a que a imagem se refere, não necessariamente possui uma existência
atual no mundo. Contrariando novamente o senso comum que além de pensar na ideia
como algo figurativo, normalmente pensa na imagem como imagem de algo que é,
Descartes defenderá a possibilidade de nós termos a imagem de coisas que não
necessariamente são no mundo. Logo, eu posso ter idéia de uma coisa que não se apresenta
atualmente no mundo. O fato de me aparecer um determinado conteúdo na mente não
implica que este conteúdo possui alguma contraparte existente no mundo externo. Apenas,
como dito acima, que ele remete a alguma coisa distinta e independente da mente, ou do
pensamento.
C) Ser como uma imagem salienta o aspecto representativo e referencial da idéia,
pois uma imagem é sempre imagem de alguma coisa, ou seja, ela visa algo fora dela mesma,
ela remete a algo diferente de si própria. Portanto uma re-apresentação de algo. No caso
aqui tratado da ideia poderíamos falar até numa dupla referência, pois além da imagem que,
em si, naturalmente, já se refere a algo, o “como” usado por Descartes para caracterizar a
ideia, pode muito bem indicar que não se trata de uma imagem, mas de algo que se
assemelha a ela. Em outras palavras, teríamos uma referência a algo que por si só já faz
referência a outro algo. A escolha dos termos usados pra definir a imagem parece assim
denotar um peso em dobro a esse aspecto de remeter, de fazer referência da ideia.
D) A semelhança que a ideia propõe tendo em vista principalmente A e B não é
uma semelhança literal. É simplesmente o fato de fazer uma referência. Não entras em
questão se é uma semelhança igual ou desigual, mas algo que parece denotar e estabelecer
uma relação entre duas instâncias.
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Para Descartes tudo que pode existir - seja no nosso pensamento, seja no mundo físico pode ser definido como real, e tudo que é real pode existir. Logo, coisas reais são coisas que
podem existir. Podemos ter tanto representações de coisas existentes no mundo físico, quanto de
coisas existentes somente em nosso entendimento.
Agora, cumpre afirmar que uma representação para ser considerada verdadeira não
necessariamente necessita ser de coisas existentes atualmente no mundo físico, mas simplesmente
de coisas que podem existir no mundo, porém existindo apenas positivamente em nossa mente.
Elas são representações verdadeiras das coisas, sendo simplesmente “como se” fosse uma imagem,
mas não sendo efetivamente uma. Além disso, tal imagem mesmo que não figurativa, ainda deve
ser considerada imagem por conta de seu caráter representativo, de se referir a algo. É necessário
ter esse algo, ter uma coisa, a ser referido. Assim, elas são representações verdadeiras de coisas,
na medida em que apresentam um conteúdo como distinto da idéia e, por isso mesmo, como se
fosse algo.
Verificamos deste modo que nesta simples definição de idéia, encontra-se essencialmente
aquilo que lhe caracteriza, seu aspecto representativo e o fato de algo estar presente no espírito,
no intelecto. A idéia possui um objeto, mas este não é um corpo extenso, físico e atual como o
termo objeto pode equivocadamente remeter. O objeto da ideia é seu conteúdo, um conteúdo
que se apresenta ao intelecto, uma coisa existindo objetivamente no espírito76. Uma coisa que
representa!
Referências Bibliográficas:
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 3ª ed., 1983. (Col. Os
Pensadores).
76
Entendemos aqui espírito como sinônimo de intelecto e alma.
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O PODER CONSTITUINTE DA MULTIDÃO EM ESPINOSA
Juliane Cristina Helanski Cardoso
Vania Sandeleia Vaz da Silva
[email protected]
RESUMO: Michael Hardt e Antonio Negri recuperam o conceito de multidão a partir da obra
de Bento Espinosa, para pensar a constituição de um novo sujeito político adaptado às condições
pós-modernas de vida e trabalho. Embora a multidão que vislumbram ainda não exista em todas
as suas determinações concretas ou em toda a sua positividade, possui a característica fundamental
de ser formada pela multiplicidade de todas as diferenças singulares das pessoas que possuem em
comum o poder constituinte.
Palavras-chave: Multidão; Espinosa; Poder Constituinte.
Michael Hardt e Antonio Negri, no iconoclasta Multidão: guerra e democracia na era do Império,
publicado em 2004 – como sequência do angustiante Império, publicado em 2000; que anos depois
foi completado pelo desconcertante Commonwealth, publicado em 2009, e ainda sem tradução para
o português – partem da Anomalia Selvagem espinosana, para afirmar a importância do poder
constituinte da multidão, ainda que essa multidão não possua uma existência real, ou empiricamente
verificável. Robert Musil (1880-1942) no caleidoscópico O homem sem qualidades conceitua utopia
de um modo belo, interessante e muito apropriado, quando escreve que:
Vão objetar que isso é utopia! Certamente é. Utopias significam mais ou menos
que possibilidades; o fato de a possibilidade não ser realidade significa que as
circunstâncias com as quais se entrelaça atualmente a impedem de se tornar
real, caso contrário ela seria apenas uma impossibilidade; se a soltarmos dessas
amarras, e permitirmos que se desenvolva, surgirá a utopia. É semelhante ao que
acontece quando o pesquisador vê a mudança de um elemento num fenômeno complexo, e
tira disso suas conclusões; utopia é a experiência na qual se observa a possível
modificação de um elemento, e os efeitos que isso causa no fenômeno complexo que
chamamos vida (MUSIL, 2006, p. 274, grifos nossos).
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Falemos das amarras. As teorias da soberania elaboradas por Thomas Hobbes (1588-1679)
no seu Leviatã; John Locke (1632-1704) nos seus Dois Tratados sobre o Governo; e, Jean Jacques
Rousseau (1712-1778) no seu Contrato Social; para ficarmos apenas nos principais autores e obras
consultados pelos cientistas políticos, não fizeram mais do que justificar as amarras, quer dizer
fundamentar teórica e filosoficamente a obediência. O jusnaturalismo e o contratualismo trataram
de “fixar a legitimidade do poder” de modo a embasar teoricamente a soberania, e, assim,
permitiram fundamentar a obediência e conseguiram ocultar “o problema da dominação e da
sujeição”, tal como explica Michel Foucault (1926-1984) na sua aula sobre Soberania e Disciplina,
ministrada em 14 de Janeiro de 1976 no curso do Collège de France:
[...] nas sociedades ocidentais, desde a Idade Média, a elaboração do
pensamento jurídico se fez essencialmente em torno do poder real. É a pedido
do poder real, em seu proveito e para servir-lhe de instrumento ou justificação
que o edifício jurídico das nossas sociedades foi elaborado. [...] O personagem
central de todo edifício jurídico ocidental é o rei, é essencialmente do rei, dos
seus direitos, do seu poder e de seus limites eventuais, que se trata na
organização geral do sistema jurídico ocidental (FOUCAULT, 1979, p. 180181).
Não surpreende que Bento Espinosa (1632-1677) esteja ausente dos currículos de Ciência
Política quando os contratualistas estão presentes; sua perspectiva não é a do “rei” mas a da
“multidão”. A conclusão mais imediata da leitura de seu Tratado Político é que a multidão é de
meter medo a menos que esteja com medo – ideia politicamente perigosa e subversiva, que
aparece literalmente no Escólio da Proposição 54, da Parte IV, da sua Ética, como nos lembra
Antonio Negri, no livro A anomalia selvagem: poder e potência em Spinoza, publicado originalmente em
italiano em 1981. O caso é que a teoria política espinosana salienta o tempo todo que o poder
constituinte jamais deixa de pertencer à multidão, embora este sujeito político difícil de delimitar nem
sempre reconheça essa atribuição inalienável. Mesmo quando explica o funcionamento da
monarquia, que de acordo com as teorias clássicas sobre as formas de governo, corresponde à
concentração do poder nas mãos do monarca, ou ao governo de um, Espinosa conclui, na seção
31, do capítulo VII, do inacabado Tratado Político que “o povo pode conservar sob um rei uma
ampla liberdade, desde que o poder do rei tenha por medida o próprio poder do povo e não
tenha outra proteção senão o povo” (ESPINOSA, 2004, p. 484).
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Povo foi a palavra usada para traduzir multitudinem e multitudinis, o que quer dizer que
Espinosa optava por variações mais próximas de multitudo. Isso significa que a despeito do que
tantos disseram sobre o poder absoluto do governante – seja um, poucos ou muitos – existe um
limite intransponível ao exercício do poder: a proporcionalidade entre o poder do governante
soberano e o poder dos governados, em outras palavras, o poder da multidão. Tal conclusão
decorre da concepção de poder de Espinosa que aplica-se aos três gêneros de governo civil –
monarquia, aristocracia e democracia – pois em todos os casos o direito natural é igual à potência,
o que quer dizer que tanto os governantes quanto os governados tem direito de fazer tudo aquilo
que tiverem poder para realizar, nas suas palavras.
Isto ver-se-á mais claramente se considerarmos que, dizendo que cada um pode estatuir
sobre um negócio que é da sua competência e decidir como quiser, este poder que temos em
vista deve medir-se, não somente pelo poder do agente, mas também pelas facilidades que
oferece o paciente. Se, por exemplo, digo que tenho o direito de fazer desta mesa o que quiser, tal
não significa que esta mesa pode voar. Assim, também, apesar de dizermos que os homens
dependem, não de si mesmos, mas da cidade, não entenderemos por isso que os homens possam
perder a sua natureza e revestir-se de outra (ESPINOSA, 2004, p. 456-457).
Então, ao contrário do que afirmavam os contratualistas “a política não cria nem elimina os
conflitos, como não transforma a natureza humana passional” já que a instituição do campo
político apenas permite lidar com os conflitos e com as paixões humanas de maneira nova; assim,
a “diferença entre os regimes políticos decorre de sua capacidade ou incapacidade para satisfazer
ao desejo que todos os homens têm de governar e de não serem governados” (Chauí, 2006, p.
136). Portanto, se as pessoas permanecem com a mesma natureza depois de instituída a sociedade
política e isso independe do regime político, podemos concluir que mais importante do que
entender como funciona cada forma de governo é compreender o que é a multidão.
Ao explicitar o inalienável poder constituinte da multidão Espinosa compõe, ao lado de
Maquiavel (a ética da virtú do povo em armas) e Marx (o trabalho vivo), a via maldita da
metafísica política, como define Antonio Negri: a anomalia selvagem, o subversivo por excelência; e as
singularidades da multitudo são traduzidas na parceria com Michael Hardt na figura mística do
judaísmo: o Golem, a carne monstruosa; um deus vivo democrático, no qual a potência da multidão é
definida por diferentes graus de cupiditas – desejo – constitutivas, aquilo que Espinosa chamaria de
paixão constituinte da multitudo. Compreender a subversão espinosana e em que medida seu
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pensamento é rebelde a partir da discrepância do caráter constituinte da multidão significa afirmar
que o poder constituinte nunca se torna constituído de uma vez por todas: a multidão tem o
poder de reinstituir constantemente a política (NEGRI, 1993; HARDT e NEGRI, 2004).
Hardt e Negri (2004) utilizam o conceito de “multidão” em dois sentidos diferentes que
remetem a diferentes temporalidades. Primeiro, a multidão de Espinosa, sub specie aeternitatis: a
multidão do ponto de vista da eternidade, que, como explicava o filósofo, poderia, “através da
razão e das paixões, na complexa interação das forças históricas” criar “uma liberdade que ele
chama de absoluta”, pois, “ao longo de toda a história, os seres humanos têm recusado a
autoridade e o comando, manifestado a irredutível diferença da singularidade e buscado a
liberdade em inúmeras revoltas e revoluções” sendo que, portanto, “essa liberdade não é dada
pela natureza, naturalmente; ela só se manifesta mediante a constante superação de obstáculos e
limites”, pois trata-se de uma multidão que sempre age no presente – um presente perpétuo –
porque desenvolveu historicamente “a faculdade de liberdade e a propensão para recusar a
autoridade”, e, nesse sentido, “essa primeira multidão é ontológica, e não poderíamos conceber
nosso ser social sem ela” (HARDT e NEGRI, 2004, p. 285).
No segundo sentido, trata-se da multidão histórica, ou melhor, a não-ainda multidão que
nunca existiu até hoje. As análises de Hardt e Negri visam demonstrar que atualmente existem
condições culturais, jurídicas, econômicas e políticas que tornam possível essa multidão, mas ela só
existirá por meio de um projeto político. Será concebível um sujeito político com as
características da multidão? Diferente de povo, massa, classe, a multidão é múltipla; composta de
inúmeras diferenças internas que nunca poderão ser reduzidas a uma unidade ou identidade
única, já que estamos falando de diferentes culturas, raças, etnias, gêneros e orientações sexuais;
diferentes formas de trabalho; diferentes formas de viver; diferentes visões de mundo; e
diferentes desejos; pois, em resumo “a multidão é uma multiplicidade de todas essas diferenças
singulares” (HARDT e NEGRI, 2004, p. 12).
Poderíamos dizer que Hardt e Negri viram a mudança de um elemento num fenômeno complexo e
tiraram disso conclusões? No Império perceberam a erosão da soberania nacional; no Multidão,
desenvolveram a tese partilhada por Michel Foucault e Gilles Deleuze de que a resistência, que
chamam de biopolítica para contrapor ao biopoder do Império, vem primeiro; no Commonwealth,
conferem seriedade a tese espinosana do amor (não sensual, nem familiar, nem exclusivista, mas o
amor no sentido ético e político). A multidão é “a portadora do trabalho vivo que é fonte de toda
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riqueza, que constitui o mundo social e o próprio capital tal como ele se apresenta hoje no
Império” pois “só a multidão cria, constitui, é inteira positividade” o que quer dizer que “só ela é
dotada de um poder constituinte”; portanto, “a multidão é o conceito que permite designar a
práxis coletiva, mas a efetivação prática desse conceito não se dá senão pela práxis”
(SANTIAGO, 2014). Cabe lembrar que:
Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e
espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as
quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A
tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime os
cérebros dos vivos. E justamente quando parecem estar empenhados a
transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto,
exatamente nessas épocas de crise revolucionária eles conjuram temerosamente
a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas
palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar, com essa venerável
roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas
da história mundial. [...] Do mesmo modo, uma pessoa que acabou de aprender
uma língua nova costuma retraduzi-la o tempo todo para sua língua materna;
ela, porém, só conseguirá apropriar-se do espírito da nova língua e só será
capaz de expressar-se livremente com a ajuda dela quando passar a se mover
em seu âmbito sem reminiscências do passado e quando, em seu uso, esquecer
a sua língua nativa (MARX, 2011, p. 25-26).
A multidão não é composta apenas pelos homens, nem apenas pelos trabalhadores, nem
apenas pelos ocidentais, mas por todos aqueles e aquelas que são de algum modo, explorados
pelo capital e que lutam pela construção de um mundo comum, todas as pessoas que, como
aparece em Foucault constituem “um conjunto de resistências que engendram uma capacidade de
liberação absoluta, longe de qualquer finalismo que não seja expressão da própria vida e da sua
reprodução”, ou seja, os seres nos quais “libera-se a vida, que se opõe a tudo que a encerra e
aprisiona” (NEGRI, 2002, p. 45).
Para tanto valerá o esforço de pagar um copeque em algum sebo pela Ética de Espinosa...
Bastará ler algumas páginas para que a magia aconteça, tal como ocorreu como o homem de Kiev de
Bernard Malamud, citado por Deleuze: “[...] continuei como se um vento forte me impulsionasse
pelas costas. Não compreendi tudo, como lhe falei, mas quando tocamos em tais ideias é como se
segurássemos uma vassoura de feiticeira. Eu não era mais o mesmo homem” (2002, p. 144). Não
é à toa que Espinosa é o filósofo do coração de tantos homens e tantas mulheres:
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Escritores, poetas, músicos, cineastas e também pintores, inclusive leitores
ocasionais podem se tornar espinosistas mas do que filósofos de profissão. É
uma questão de concepção prática do “plano”. Não é que se seja espinosista
sem sabê-lo. Mas, bem antes, há um curioso privilégio de Espinosa, algo que só
ele parece ter alcançado. É um filósofo que dispõe de um extraordinário
aparelho conceitual, extremamente avançado, sistemático e sábio; e contudo ele
é, no nível mais alto, o objeto de um encontro imediato e sem preparação, tal
que um não-filósofo, ou ainda alguém despojado de qualquer cultura, pode
receber dele uma súbita iluminação, “um raio”. É como se a gente se
descobrisse espinosista, a gente chega no meio de Espinosa, é arrastado, levado
ao sistema ou a composição. Quando Nietzsche escreve: “Estou surpreendido,
encantado... quase não conhecia Espinosa; se acabo de sentir necessidade dele é
o efeito de um ato instintivo...”, ele não fala apenas como filósofo, e sobretudo
não, talvez, na qualidade de filósofo (DELEUZE, 2002, p. 134).
Referências Bibliográficas:
CHAUI, Marilena. Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.
ESPINOSA, Bento. Tratado Político. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
___________. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2012.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record. 2001.
___________. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro: Record, 2005.
___________. Commonwealth. Massachusetts: The belknap press of Harvard University Press,
2009.
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A LEGITIMIDADE DO DIREITO EM FACE DA LEGITIMIDADE DA
LEGALIDADE EM HABERMAS
Kátia R. Salomão 77
Cezar Augusto Lazzarotto78
RESUMO: Longe de exaurir toda a temática do problema da falta de legitimidade do direito, o
presente estudo visa demonstrar como seria possível a construção de um direito legítimo, uma
vez que, a ideia de direito engendrada na modernidade, está atrelada a legalidade ante o
surgimento do estado de direito. Sem se desfazer dessa, a luz da teoria habermasiana da
legalidade, é que se pretende demonstrar que seria possível a construção da legitimidade do
direito, por meio de discursos críticos incumbidos de rediscutir o conteúdo ético-social da
própria lei. Através dos desdobramentos sobre o direito em Habermas, buscou-se albergar os
motivos que o levaram a repensar as bases do legalismo, ou seja, do direito. Assim, se optou em
demonstrar como Habermas acredita ser possível recuperar a legitimidade jurídica, ou
(re)construir um direito legítimo, uma vez que os discursos existente na comunidade jurídica,
respeitem a própria racionalidade procedimental.
Palavras-chave: Legitimidade do direito; legalidade; discurso racional
Introdução
Por que respeitamos à lei (positiva)? Seria por temor às suas sanções? Ou seria pelo simples
fato de que a nossa razão imperativa nos diz aquilo que é certo de tal forma que agiríamos ou
saberíamos agir de acordo com os ditames legais? Pois, em uma sociedade complexa, ou seja, ante
todas as pluralidades de valores e costumes existentes no bojo social, bem como, em face da
multiplicidade de poderes que nela se instauram e controlam a vida do homem (seu modo de agir
Mestre em filosofia pela UNESP. Professora de Filosofia e Hermenêutica da UNIVEL— União Educacional de
Cascavel. Esse artigo é fruto das discussões do grupo de pesquisa, Habermas: direitos fundamentais e emancipação social,
coordenado pela Ms. Kátia R. Salomão.
78 Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Cascavel- UNIVEL e participante do grupo
de estudos: Habermas: direitos fundamentais e emancipação social.
77
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364
e de pensar), como poderia a legitimidade do direito encontrar seu fundamento em uma lei geral
e abstrata guiada por um princípio universal da razão pura?
Todas essas questões parecem preocupar Jurgen Habermas fazendo-lhe refletir sobre elas,
uma vez que, para ele algumas das principais respostas que foram construídas ao longo da
história, são demasiadamente insuficientes para explicar os fenômenos sociais, ante as estruturas
complexas das sociedades contemporâneas. Poder-se-ia dizer que as sociedades são complexas,
na medida em que os mecanismos de poder nelas existentes começaram a se instaurar por todos
os setores e instituições que integram sua estrutura, e por tanto sua base, o que fará Habermas
repensar a legitimidade dos dispositivos daí decorrentes, dentre os quais o direito, que estaria
cumprindo com a função estratégica de “administrar a vida” em prol da manutenção do status quo.
É nesse contexto que Habermas buscará (re)interpretar as bases do direito moderno, ou
seja, do legalismo jurídico. Daí que se faz necessário, “olhar o velho com os olhos do novo” 79,
pois não seria mais possível repensar os fundamentos que conferem legitimidade ao direito
compreendido em sua legalidade, na forma tradicional da teoria contratualista, que ainda em Kant
encontra seu fundamento último na liberdade assentada no princípio do imperativo categórico.
Neste sentido, poderíamos dizer que Habermas tentará reconstruir as bases do legalismo
moderno, e consequentemente do Estado de direito, de tal forma que indubitavelmente fará uso
da teoria clássica da filosofia política, ou seja, Habermas tenta (re)formular uma concepção de
direito alicerçada na legalidade em contraponto as teorias contratualistas de Hobbes, Rousseau e
Kant, sem no entanto, desfazer-se delas.
A partir daí, Jurgen Habermas fará uma leitura crítica da democracia e do estado moderno,
tentando encontrar em qual posição o direito se encontra na atual conjectura histórica, e
principalmente, qual a função que o mesmo desempenha na era moderna para só então buscar
sua real função. Deste modo, ao identificar que o direito, a legalidade, carece de legitimidade, pois
que, o poder ilegítimo que emerge do sistema se (con)funde à ele, Habermas propõe um método
diferente de se produzir a própria legalidade, em que teríamos necessariamente um processo
racional que respeita sua própria moralidade (não convencional), capaz de garantir a atuação dos
cidadãos receptores da norma e ao mesmo tempo seu legisladores, em uma esfera pública
eminentemente crítica.
79
In: STRECK, Lênio Luiz. Compreender Direito: Desvelando as obviedades do discurso jurídico.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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Isto por que, a reconstrução habermasiana do direito moderno implica em um resgate da
teoria do Estado de direito fundada nos direito subjetivos (principalmente na liberdade), sob um
viés eminentemente empírico, factual, em que fatos e valores dialeticamente convergem entre si,
para a partir de então se tornarem norma jurídica. Assim sendo, aquilo que conferiria legitimidade
a lei, seria a perpetua revisão do seus fundamentos, ou seja, a discussão contínua da própria
legalidade por meio da crítica discursiva, uma vez que, a lei não mais poderia ser compreendida
como algo acabado, inerte aos efeitos do tempo e do espaço. Por isso, para Habermas qualquer
concepção de legalidade que ignore as possibilidades de mudanças e adequações do legalismo as
condições historicamente construídas, autorizaria a tomada do direito por um poder ilegítimo
imantado de uma legalidade ilegal: a racionalidade desses discursos foi fomentada artificialmente,
através dos imperativos do sistema de onde emana a razão estratégica/instrumental, com o foco
de avultar sua real intenção.
Habermas tentará salvar a teoria clássica contratualista e o positivismo, daí decorrente, dos
paradigmas da modernidade em face de uma sociedade em crise. O antídoto para essa poluição
da jurisdição pela racionalidade do sistema, ora para o filosofo alemão, estaria conectada a teoria
da razão comunicativa que emana da interação dos atores civis, capazes de emitir discursos
legitimadores, críticos e dialéticos.
1. Habermas e a legalidade legítima em Kant
Prima face, Habermas pretende demonstrar qual é o conceito de legalidade e de direito kantiano
que se encontra suspenso na teoria dos direitos subjetivos, do mesmo modo que a teoria
contratualista esta alicerçada nestes direitos, como uma resposta ao modelo de estado moderno
de direito desenvolvido por Hobbes (FG, 2012, v. I, p. 48). Nesse sentido, a forma de estado
moderno almejado por Thomas Hobbes, suprimia os direitos subjetivos do homem, porquanto a
sua própria liberdade, no âmago de garantir a paz e a ordem por meio do Estado em Leviatã.
Assim, a teoria kantiana do ‘uso da razão’ autônoma representaria o reverso, isto é, uma crítica ao
autoritarismo do estado absoluto.
Desse modo, para Habermas (2012), em Kant a validade da norma jurídica reside nas tensões
internas entre coerção e liberdade, estatuídas no direito em si. Por isso, o direito fomentado pósISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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contrato social se legítima na medida em que se reveste da potencialidade de usar a coerção de
modo legítimo, opondo-se ao abuso das liberdades individuais: pode-se afirmar que essa é a
pretensão intrínseca e legítima do direito, ou seja, a possibilidade de através do direito positivo se
estabelecer regras coercitivas que possibilitem uma lei geral para a liberdade dos entes. Portanto,
segundo Habermas (2012) Kant busca um fundamento imperativo para o direito, que encontra
subterfúgio na ideia última de imperativo categórico, já que:
As teorias contratualistas – inclusive as de cunho idealista eram demasiadamente
abstratas. Elas não tinham conseguido justificar os pressupostos sociais de seu
individualismo possessivo. Além disso, elas recusaram-se a reconhecer que a
justiça prometida pelas instituições fundamentais do direito privado (contrato e
propriedade) e pelos direitos público-subjetivos de se defender contra o estado
burocrático, implicava em contrapartida uma ideia de economia em pequena
escala. Ao mesmo tempo, as teorias contratuais – aprioristas ou não – eram por
demais concretistas. Elas não tinham conseguido discutir suficientemente a
mobilização das condições vitais e subestimado a pressão da adaptação oriunda
do crescimento capitalista e da modernização em geral (FG, 2011, v.II, p.241).
Diante de tal critica justifica-se a necessidade da pretensão kantiana em possibilitar, sob seu
escopo teórico, uma busca pela legitimidade do direito, a partir da coercibilidade da norma ante o
imperativo categórico, quando se admite que “Regras do direito estatuem condições do uso da
coerção sob as quais o arbítrio de uma pessoa pode ser ligado ao arbítrio de outra, segundo uma
lei geral da liberdade”. (FG, grifo nosso, 2012, v. I, p. 49).
(...) Kant parte da autonomia moral das pessoas regidas pelo imperativo
categórico da qual obtém o princípio do direito como uma versão do princípio
liberal que garante a proteção das liberdades subjetivas de ação, por isso, ele
afirma que os direitos privados concernentes à propriedade privada podem ser
fundamentados a partir do único direito inato à liberdade que o homem possui já
no estado de natureza, os quais devem somente ser institucionalizados através do
contrato originário, embora ele não entenda que isto constitui uma limitação da
vontade soberana do povo porque pensa que o povo reunido jamais legislaria
contra os seus direitos fundamentais (DURÃO, 2006, p.106).
A lei geral da liberdade seria desse modo, o próprio imperativo categórico. Assim o direito,
per si, estaria autorizado a usar de seu poder de coerção. Todavia, caso tenha-se em mente a ideia
de que existe uma liberdade natural que fundamenta o pacto social, sendo a partir do momento
que o homem passou a viver em sociedade, na qual autoriza o controle de suas liberdades pelo
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estado, que precisa indubitavelmente de normas ou do direito positivo, com o foco em reger eu
quero, eu posso e eu devo no convívio interativo das vontades subjetivas de cada cidadão:
conclui-se então que há um denominador comum na liberdade, (neste caso, o imperativo
categórico kantiano que diz a todo o homem o que é certo), que autoriza per si o poder
coercitivo do direito, e que limita a própria conduta ética, e a escolha correta a fazer pelos direitos
fundamentais (FG, 2012).
A coercibilidade se legitimaria pelo simples fato de que todo o homem é guiado por leis
imperativas, sendo que a própria legalidade estaria imantada deste mesmo imperativo que não
outro senão o categórico, que autorizaria a aplicação de uma sanção à quem infringisse a lei
(norma jurídica). Nesta linha, Habermas conclui que o conceito kantiano de legalidade refere-se
às normas do direito que “(...) são, ao mesmo tempo e sob aspectos diferentes, leis da coerção e
leis da liberdade” (FG, 2012, v. I, p.49).
Portanto, seriam coerção e liberdade dois componentes da efetividade do direito na
concepção kantiana de validade e legitimidade, em que por mais pareçam a um olhar desatento
elementos indissociáveis, em Kant são complementares. O imperativo do dever é o instrumento
utilizado pelo mestre de Königsberg, no sentido de limitar a vontade e impor o dever como regra
sui generis para o comportamento humano, e simultaneamente, é o que reveste o direito e sua
condição legítima de existência coercitiva, onde todos se submetem ao mesmo por estarem
associados numa sociável coletividade, ampliando de tal modo à liberdade a todos os entes.
2. Legalidade e sua facticidade
Em que pese às anotações anteriores em relação a Kant, podemos dizer que Habermas não
se desfaz totalmente daquelas lições, mas que pelo contrário, as reinterpreta sob outro enfoque.
O cerne da proposta habermasiana almeja albergar (dentre outros pontos), a problemática entre a
facticidade e validade do direito: essa alteração ocorre precisamente porque em FG o direito tem
a ver com uma legitimidade que agora depende dos destinatários do próprio direito.
Nessa problemática, Habermas (2012) corrobora com o ideário kantiano de que a coerção e
a liberdade integram o direito, com a ressalva de que a validade da legalidade não se esgota tão
somente sob estas duas características, vez que, Habermas acredita que a validade do direito e a
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facticidade estão interligadas. Assim o que irá diferenciar a concepção de legalidade para
Habermas da concepção kantiana de legalidade, é justamente a possibilidade da dimensão da
validade ser suscetível à críticas, ou seja, a legalidade não teria seu fundamento no mundo
abstrato da metafísica tradicional kantiana, mas sim, em contornos empíricos, em face a
facticidade existente na norma, que possibilitaria sua permanente transformação através do
processo critico discursivo. Com isso, Habermas tenta dar uma conotação eminentemente
prática, empírica, ôntica, e acima de tudo, dialética à validade do direito, e consequentemente ao
direito em sua amplitude, adversamente de Kant que ao separar e o mundo do “ser”, do “dever
ser”, buscará um fundamento de validade no direito em si, compreendido a partir de um
mandamento categorial emergente da razão pura: ai reside o sentido inovador do entrelaçamento
de validade e facticidade para Habermas.
Embora a concepção de coercibilidade em si mesma, por assim dizer, desenvolvida por
Kant na medida em que o mesmo deposita suas expectativas na coesão do dever e da norma
assentada no dever, em Habermas a própria legalidade está umbilicalmente ligada a facticidade.
Para Habermas a validade do direito só faria sentido, desde que respeitada a sua concepção
empírica de direito, compreendido na esfera da legalidade e consequentemente da validade
legítima do mesmo.
Em um sentido muito próximo ao das tensões entre facticidade e validade do direito que
Habermas desenvolve, e talvez de forma mais simples, não raramente Lênio Luiz Streck (2013)
adverte que a linguagem é meio de possibilidade para se conhecer o mundo, desvelá-lo, pois que,
em suas lições entre as palavras e as coisas existe uma dupla dimensão, ao ponto de que o sujeito
hermeticamente ao tentar descobrir o mundo, deve percorrer o trajeto que se desdobra entre a
“realidade da ficção, à ficção da realidade”. Ou seja, poder-se-ia concluir que há mundo no texto
e texto no mundo, ao passo que o próprio mundo seria a convergência entre ambas as
dimensões. Ora pois, nesse sentido, parece que Habermas tenta chamar a atenção para a distância
que existente entre a facticidade dos fatos e a facticidade da norma jurídica que se impõe e regula
os fatos existente na sociedade que reclamam por um controle normativo.
Logo, se não perdemos de vista esse binômio que parece se complementar, seria muito
mais clara a ideia de como poderia uma norma conter em si, a facticidade necessária para se
adequar ao caso concreto, ou seja, poderíamos entender o porquê toda norma tem a característica
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de ser genérica, vez que nesse sentido, Habermas no seu desiderato de compreender o direito em
Kant, nos presta valioso argumento,
Ao contrário da validade convencional dos usos e costumes, o direito
normatizado não se apoia sobre a facticidade de formas de vida
consuetudinárias e tradicionais, e sim sobre a facticidade artificial de ameaça de
sanções definidas conforme o direito e que podem ser impostas pelo tribunal.
(FG, 2012, v. I, p. 50).
Complementando o raciocínio alhures, é a facticidade artificial contida na norma, que confere
a possibilidade de coercibilidade do poder normativo80, vez que a norma não seria uma absoluta
construção metafísica sem fundamento empírico. Essa concepção de legalidade em Habermas
fica mais clara quando afirma que:
A positividade do direito significa que, ao se criar conscientemente uma
estrutura de normas, surge um fragmento da realidade social produzida
artificialmente, a qual só existe até segunda ordem, por que ela pode ser
modificada ou colocada fora de ação em qualquer um de seus componentes
singulares. (FG, 2012, v. I, p. 60).
Habermas fomenta que a norma, a legalidade, é uma construção abstrata e geral, mas que
devido seu caráter eminentemente factual, uma vez que inclinada a reger a vida em sociedade,
pode ser revestida de validade, pois “(...) o sentido desta validade do direito somente se explica
através da referência simultânea à sua validade social ou fática (Geltunge) e à sua validade ou
legitimidade (Gultigkeit)” (FG, 2012, v. I, p. 50).
Nesse ínterim, Habermas afirma que se faz necessário uma justiça eticamente guiada por
um processo de diferenciação de normas e valores, ou entre respectivamente, legalidade e
legitimidade. Todavia, a concordância da regra do discurso está arraigada a ideia da liberdade e
igualdade entre a totalidade de seres humanos. O princípio da democracia ocidental atribui aos
cidadãos à condição da unanimidade diante da justiça e indica um princípio participativo de todos
aqueles dotados da posição de seres racionalmente morais. Com efeito, Habermas deposita suas
Logo, seria possível buscar fundamentos para sua validade e legitimidade, vez que aqui Habermas não se desfaz do
conceito de legalidade do direito de Kant, mas tenta refazê-lo, pois para Kant, normas de direito são ao mesmo
tempo leis da coerção e da liberdade. Portanto, em Kant se uma norma não é coercitiva ela não pode ser válida, pois
não cumpriria com a sua função de correção categórica moral, sendo que é justamente esta característica do
pensamento kantiano, que Habermas irá tentar repensar sob outro viés, o que será demonstrado mais adiante.
80
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crenças na concepção de democracia deliberativa, onde, toda normatização legal somente atinge a
validade e a facticidade quando se torna legítima e reconhecida pelos participantes da sociedade.
Habermas afirma que “(...) o sentido desta validade do direito somente se explica através da
referência simultânea à sua validade social ou fática (...)”, complementando que “A validade social
de normas do direito é determinada pelo grau em que consegue se impor, ou seja, pela sua
possível aceitação fática no círculo dos membros do direito” (FG, 2012, v. I, p. 50).
Nesse ponto é crucial perceber que Habermas está propondo que a legalidade pode ser
válida quando se complementam a sua validade fática e sua legitimidade. Dito de outro modo,
para uma norma ser aplicável a comunidade jurídica, ela deve ser faticamente legítima e por isso
reconhecida discursivamente. Nessa ceara levanta-se a questão sobre como é possível à
legitimidade do sistema jurídico (do direito) por meio da legalidade?
3. A legalidade: Habermas em busca da legitimidade
Segundo Habermas (2012) a legitimidade da legalidade não se perfaz por meio de sua potesta
coercitiva, sendo que para ele, pouco importa o poder de sanção da lei para que a mesma seja
legitima. O direito fora fomentado no decurso de princípios universais e discursivos: o próprio
contrato poderia ser entendido através da teoria habermasiana, como o momento no qual seres
falantes através de uma vontade geral (rousseauniana), ou um ato interativo comum na esfera
pública deliberativa, conferem legitimidade aos próprios princípios universais, que de tal situação
são erigidos e que a partir dela norteiam o direito deontologicamente.
Assim, seria a legitimidade jurídica um fato que não se desprende ora apenas de uma
condição formal, ora através somente de um discurso prático normativo tangível à legalidade e à
positivação do direito. O reconhecimento das normas legais necessariamente ocorre porque
argumentativamente é constituída uma linha norteadora assentada na moralidade dos discursos
práticos legais dos quais são deduzidos argumentos para a sustentação da legitimidade da lei. O
ordenamento jurídico tem que estar baseado em princípios fundamentais da dimensão moral. Os
discursos requerem ora proferir ora questionar ora negar a legitimidade do direito, já que são
dependentes de conteúdos deontológicos compartilhados pelos indivíduos que compõe a
sociedade. Portanto, o direito corrobora com as condições normativas para que o fluxo
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comunicacional opere na direção de orientar o plano legal, com o propósito de conferir a esse
mesmo a legitimidade desejada (FG, 2011).
Por isso, afirma-se veementemente que Habermas nocauteia a perspectiva de que a lei só é
legitima se for coercitiva. O curioso é que a validade jurídica significa apenas que está garantida,
de um lado, a legalidade do comportamento em geral, no sentido de uma obediência à norma, a
qual pode, em certas circunstâncias, ser imposta por meio de sanções e, de outro lado, a
legitimidade da própria regra, que torna possível em qualquer momento uma obediência à norma
por respeito à lei. Habermas ainda afirma que: “Esta análise do modo de validade do direito
obrigatório traz consequências para a normatização jurídica, pois revela que o direito positivo tem
que legitimar-se”. (FG, 2012, v. I, p. 52).
Assim, é que Habermas (2012) propõe que a legalidade só pode ser legítima no momento
em que os sujeitos deixem de ser meros espectadores de seus direitos que ficam à deriva da
atividade estatal, para que possam gozar dos mesmos, e passem a atuar ativamente em uma esfera
pública para de forma crítica e reivindicá-los, e mesmo, (re)construí-los.
Portanto, o sistema torna-se autorreflexivo, por ter a participação dos afetados que
promovem a autocorreção e o saneamento dos problemas e crises. Pois, a ideia de uma sociedade
justa implica a ideia de emancipação e de dignidade humana e, para que todos tenham acesso a
essas condições de justiças sociais, todos irremediavelmente devem ter sua integridade e liberdade
garantidas no caráter universalista do direito, que só é realizável com a condição de promover
discursos publicamente, isto é, o cidadão somente tem sua dignidade afetada positivamente
quando o mesmo a constrói. Nesse aspecto é que Habermas irá fomentar sua crítica à estrutura
daquilo que ele chama de ‘paradigma jurídico liberal’, pois no seu sentir o equivoco presente na
construção do paradigma jurídico liberal consiste em reduzir a justiça a uma distribuição igual de
direitos, isto é, em assimilar direitos a bens que podem ser possuídos e distribuídos. No entanto,
os direitos não são bens coletivos consumíveis comunitariamente, pois só podemos “gozá-los”
exercitando-os. (FG, 2011, v. II. p.159).
Daí o sentido de Habermas afirmar que “No sistema jurídico, o processo de legislação
constitui, pois, o lugar propriamente dito da integração social” (FG, 2012, v. I, p. 52.). O mesmo
não está a fazer anuência ao processo legislativo convencional por óbvio, mais sim em uma forma
de legislar completamente nova, em que o sujeito que é o receptor da norma, passa ao mesmo
tempo a ser seu legislador, já que a influencia diretamente. Tais influências são ressoadas no
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plano da esfera pública81 que deve deliberar e pensar possibilidades de problemáticas concretas,
mesmo que discursivamente.
Por este motivo é que Habermas não se desfaz por assim dizer das teorias contratualistas
de Rousseau e Kant:
(...) por isso que o conceito do direito moderno – que intensifica e, ao mesmo
tempo, operacionaliza a tensão entre facticidade e validade na área do
comportamento – absorve o pensamento democrático, desenvolvido por Kant
e Rousseau, segundo o qual a pretensão de legitimidade de uma ordem jurídica
construída com direitos subjetivos só pode ser resgatada através da força
socialmente integradora da vontade unida e coincidente de todos os cidadãos
livres e iguais. (FG, 2012, v. I, p 53).
Poder-se-ia dizer que esta é uma concepção da democracia pensada sob bases que visão
reconstruir de forma crítica a perspectiva do que significa vontade geral, buscando a real vontade
de todos, até então resignificada por argumentos dogmáticos e conservadores, que de forma
retórica pretendem resguardar os interesses de uma minoria burguesa82, interesse estes, que
Tem-se, de acordo com o modelo de uma racionalidade guiada pela comunicação entre entes no mundo, seja o
sistema ou o mundo da vida, não mais de uma natureza puramente instrumental como nos frankfurtianos da
primeira geração, ou uma natureza concretamente materialista como em Marx e nos marxistas. A herança do
marxismo é um mundo da vida produzido na práxis cotidiana, no qual está presente a característica instrumental ou
estratégica, além da racionalidade comunicativa. Nesse sentido, o mundo da vida reproduz-se naturalmente mediante
as ações orientadas para o entendimento recíproco, que está direcionada inicialmente a objetivos instrumentais, com
os quais os falantes movem-se no mundo. As ações instrumentais estão entrelaçadas com as comunicativas, ao passo
que se torna observável na execução dos planos dos outros participantes da interação, mediante definições
identificáveis entre as pretensões de validade em processos de entendimento recíproco. Assim, a teoria da ação
comunicativa considera que a reprodução simbólica do mundo da vida é retroativa e internamente acoplada com sua
reprodução material. O mundo da vida reproduz-se pela linguagem que funciona como um mediador da interação
entre os seres racionais. Promove a ação orientada para o entendimento recíproco unido aos processos materiais da
vida, ou seja, em vista de ações estratégicas entrelaçadas com a racionalidade comunicativa. Apresenta, dessa forma, a
execução de planos dos participantes do discurso, em que o outro da razão intervém na ação racional ou na ação
direcionada a objetivos. Para tanto, segundo Habermas, qualquer argumento quando ainda não atingiu um consenso
fático, encontra no mundo da vida um contra argumento, sendo isso um movimento inerente à racionalidade
comunicativa, cujos critérios são estabelecidos pelo conjunto de regras às quais se conformam os agentes
comunicativamente competentes. A competência comunicativa nada mais é que o domínio das regras para levantar e
sustentar diferentes tipos de pretensões de validade, o que pressupõe que diz respeito tanto ao aspecto cognitivo
(domínio das regras de gerações formais, lógicas – Piaget), quanto ao linguístico (a competência linguística de
Chomsky, isto é, o domínio das regras para produzir gramaticalmente sentenças bem formadas), e ao aspecto
interativo (a capacidade de dominar regras relativas às formas de interação sempre mais complexas – Kohlberg).
82 Neste sentido impõe-se a visão de Marx quanto à legalidade, como sendo um instrumento apto a garantir o
sucesso da classe burguesa. (Villey, 2008). Mesmo por que segundo Villey (2008, p.171): “(...) Locke confessava que o
contrato social era estabelecido em benefício dos proprietários”.
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falsamente era ou são interpretados como a vontade geral83. Neste sentido, Habermas parece dar
uma resposta àqueles que veem na legalidade um mero instrumento de dominação de classe, ou
do poder instrumental e estratégico da razão, como, a saber, na teorização de Roberto Lyra Filho,
segundo quem:
A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante,
pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob
o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos
meios de produção. (Lyra Filho, 1997, p.8).
Nessa esteira Habermas pretende que:
Na medida em que os direitos de comunicação e de participação política são
constitutivos para um processo de legislação eficiente do ponto de vista de
legitimação, esse direitos subjetivos não podem ser tidos como os de sujeitos
jurídicos privados isolados: eles têm que ser apreendidos no enfoque de
participantes orientados pelo entendimento, que se encontram numa prática
intersubjetiva de entendimento (FG, v. I, 2012, p. 53).
A lei não emanaria propriamente do Estado sem qualquer questionamento,
problematização ou conflitos dialéticos discursivos, como no entendimento de Lyra Filho, e
tantos outros inundados pela visão do materialismo histórico, da [des]razão niilista, dos discursos
dos pós-modernos e dos pensadores frankfurtianos como Adorno e Horkheimer. Segundo
Habermas a legalidade não ocorreria ao seu bel prazer largada aos azares do arbítrio de quem à
cria, mas necessariamente a positividade resultaria de uma vontade legítima em face da malgrada
“(...) autolegislação presumivelmente racional de cidadãos politicamente autônomos” (FG, v. I,
2012, p. 54).
Habermas (2012) adverte que em Kant o princípio da democracia era carente de uma de
uma participação política consensual dos cidadãos. O mesmo princípio da liberdade invocado
pelos revolucionários burgueses da Revolução Francesa para se chegar ao poder, agora é
reinterpretado por Habermas, sob um viés emancipatório social, que pode encontrar
sustentabilidade na legalidade racionalmente e moralmente desenvolvida que respeite seu próprio
processo de formação em uma esfera pública ativa, que faz jus de seus direitos fundamentais no
Daí que Engels sedimenta severa crítica a democracia que tem por escopo a teoria do contrato social no sentido de
que (...) o moderno Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo capital”. (2009,
p.212).
83
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seio de um Estado Constitucional. Nesse mesmo aspecto, Habermas sustenta que: “A liberdade
comunicativa dos cidadãos pode, como vimos, assumir na prática da autodeterminação
organizada, uma forma medida através de instituições e processos jurídicos, porém não pode ser
substituída inteiramente por um direito coercitivo (FG, 2012, v. I, p. 54).
Deste modo, Habermas propõe uma legitimidade à legalidade adversa daquela imposta
através do poder coercitivo do direito, que é pouco exposta às críticas, e não raras vezes,
encontra justamente por isso, sua legitimidade em um poder simbólico84. Assim, Habermas
oferece uma resposta ao poder ilegítimo imposto de fora dos mecanismos do direito, ao passo,
que segundo Habermas (2011 v.II, p. 61.): “No Estado de direito a prática da autolegislação dos
cidadãos assume uma figura diferenciada institucionalmente”, por que:
Sociedades modernas são interligadas não somente através de valores, normas e
processo de entendimento, mas também sistematicamente, através de mercados
e do poder administrativo. Dinheiro e poder administrativo constituem
mecanismos da integração social, formadores de sistema, que coordenam as
ações de forma objetiva, como que por trás das costas dos participantes da
interação, portanto não necessariamente através de sua consciência intencional
ou comunicativa. A “mão invisível” do mercado constitui, desde a época de
Adam Smith, o exemplo clássico para esse tipo de argumentação (FG, 2012, v.I,
p. 61).
Essa problemática emerge segundo Habermas (2011) no momento que a potencialidade da
mobilização comunicativa de argumentos racionais, é controlada de forma estratégica para ser
inacessível aos cidadãos, gerando normas e valores autoritários que permanecerão imunes ao
processo de problematização e discussão para que se alcance o entendimento sobre os mesmos.
Portanto, Habermas arremata que:
(...) a legitimidade pode ser obtida através da legalidade, na medida em que os
processos para a produção de normas jurídicas são racionais no sentido de uma
Neste sentido Campello em célebre artigo faz as seguintes observações: “(...) IHERING: [...] a preponderância do
poder inclina-se para o lado do direito, e a sociedade pode ser designada, por consequência, como o mecanismo de
autorregulação da força conforme o direito.” E mais adiante em analise aos argumentos de Pierre Bourdieu no
sentido de que este poder se legitimaria justamente pela falta de questionamento, quanto sua legitimidade e conteúdo.
Assim segundo Bourdieu, “O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de
a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da
competência das palavras”. Arrematando Campello que “(...) os conteúdos do Direito são controlados pelo próprio
estado, ao limitar o campo de debates, os atores deste debate e a duração do debate, com a apresentação, de uma
‘certeza’ pelo Estado-Juiz.” (Grifo Nosso). CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. O Poder Simbólico do
Direito: Uma Introdução ao Estudo do Direito pela Obra de Pierre Bourdieu.
84
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razão prático-moral procedimental. A legitimidade da legalidade resulta do
entrelaçamento entre processos jurídicos e uma argumentação moral que
obedece à sua própria racionalidade procedimental (2011, v. II, p. 203).
Ora, o que Habermas pretende é uma legalidade que deve ser exposta a um processo crítico
quanto suas normas e valores, que possa ser examinada por seus receptores em uma esfera
pública, pois só assim seria possível falar em uma legalidade legítima, uma vez que segundo
Habermas (2012, v. I, p. 62): “Com muita frequência o direito confere aparência de legitimidade
ao poder ilegítimo”. O enfoque habermasiano não despreza que o sistema conta com anomias e
crises estratégicas e instrumentais que bloqueiam e impossibilitam o reconhecimento e
legitimidade dos conteúdos normativos. Com isto, pode-se dizer que Habermas pretende superar
os paradigmas do direito a partir de uma compreensão procedimentalista do fenômeno jurídico
em que:
No estado de direito delineado pela teoria do discurso, a soberania do povo (...) se retira
para os círculos de comunicação de foros e corporações, de certa forma destituídos de sujeito.
Somente nessa forma anônima, o seu poder comunicativamente diluído pode ligar o poder
administrativo do aparelho estatal à vontade dos cidadãos (FG, 2012, v. I, p. 173).
4. A formação legítima do direito ante a compreensão procedimental do fenômeno
jurídico: Habermas contra a legalidade ilegítima
O que parece perturbar Habermas é a forma como o moderno sistema de direitos se
apresenta ante uma sociedade que se estrutura de forma complexa. Complexa, pois, o Estado do
bem estar social, não pode (ou não pôde) dar conta na atual conjectura histórica, de cumprir com
seu fim último de garantir uma ‘vida boa’ aos cidadãos, devido à vasta gama de exigências sociais
e políticas que lhe foi imposta, e em face sua própria estrutura que se volta para tal fim. Um dos
efeitos indesejáveis de tal sorte é a redução da soberania estatal, onde a razão instrumental é
utilizada pelas grandes corporações motivando a deliberação política, do próprio Estado, em
benefício a finalidades obscuras e estratégicas do sistema. Assim, o poder público contamina-se
pela racionalidade que emana do mercado, em que as responsabilidades típicas do estado mínimo,
não conseguem atingir o público, contudo realizam o reverso: atingem o privado, que irá
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culminar na fragilidade da lei parlamentar, bem como no crepúsculo pelo qual passa o princípio
da separação dos poderes, é justamente a tomada do Estado pelo sistema85.
O pivô da atual crítica ao direito, num Estado sobrecarregado com tarefas qualitativamente
novas e quantitativamente maiores, resume-se a dois pontos: a lei parlamentar perde de cada vez
mais seu efeito impositivo e o princípio da separação dos poderes corre perigo (FG, 2011, v.II, p.
173).
Nesse aspecto, Habermas coaduna com Dworkin em relação ao alerta das decisões
pautadas em princípios da política, contaminada pela racionalidade meios e fins, em menosprezo
pela realização dos direitos fundamentais do cidadão. Segundo Dworkin, a justiça “é uma questão
de direito individual, não, isoladamente, uma questão de bem público" (DWORKIN, 2009, p.
39). Desta feita, Habermas está preocupado com o fato de que o poder ilegítimo por intermédio
do discurso se institucionaliza, e administra as formas de vida, podendo, inclusive, agir de acordo
com o direito. Isto ocorreria ante uma “administração da vida” que por derradeiro, se apossa ou
se adequa ao direito, revestindo-lhe de ilegitimidade.
Nessa mesma vertente as considerações de Zizek (2008, p.119) esclarecem que para
Habermas, “(...) seria o projeto moderno de liberdade (política) uma falsa aparência cuja ‘verdade’
é corporificada por sujeitos que perderam até o último vestígio de autonomia por estarem
imersos no ‘mundo administrado’ do capitalismo recente (...).”. Ainda para Habermas (2012, v. I,
p.201): “O modo como nós nos apropriamos das tradições e formas de vida nas quais nascemos
e como as continuamos seletivamente decide sobre quem nós somos e queremos ser enquanto
cidadãos”. Em face de tal problemática, da tomada de poder do Estado pelo sistema (dinheiro e a
administração), adverte que a lógica do discurso não pode ser reduzida aos procedimentos
institucionalizados no Estado constitucional.
Partindo dessa problemática, Habermas irá ver no princípio do discurso uma provável saída
desse paradigma, vez que, Habermas (2011) crê que com a guinada analítica da linguagem86 a partir
Quanto ao conceito de sistema, Freitag adverte que “Trata-se, neste caso, de dois subsistemas da sociedade que
desenvolvem certos mecanismos autorreguladores: o dinheiro e o poder (...)”. (FREITAG, 1995, p. 15 grifo do autor).
86 Neste ponto, Habermas se refere a superação entre a relação sujeito e objeto que não mais pode ser sustentada,
vez que o que existe em verdade é uma relação entre sujeito-sujeito, que de forma intersubjetivamente constroem o
real. Assim Habermas afirma que “As ideias passam a ser concebidas como incorporadas na linguagem, de tal modo
que a facticidade dos signos e expressões linguísticas que surgem no mundo, liga-se inteiramente com a idealidade da
universalidade do significado e da validade em termos de verdade.” (FG, 2012, v.I, p.55). Nesse sentido, ver também
STRECK, Lênio Luiz. Compreender Direito desvelando as obviedades do discurso jurídico.
85
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das teorias de Frege e Peirce, seria possível romper com o paradigma da deslegitimidade do
direito a partir de uma compreensão procedimentalista do fenômeno jurídico.
Desse viés, Habermas (2011) afirma que o princípio do discurso tem a incumbência de
garantir um consenso não-coercitivo (adversamente da lei compreendida em sua forma
convencional), por meio de procedimentos que garantam a imparcialidade no momento
deliberativo do entendimento sob determinada norma jurídica.
Portanto, para Habermas (2011), a partir de um procedimento democrático com caráter
discursivo voltado ao entendimento para a formação da vontade em uma esfera pública política,
seria possível fundamentar a legitimidade do direito. Pois adversamente da do discurso moral, o
discurso jurídico possuiria segundo Habermas (2012) uma aptidão para deliberar sobre as
vontades particulares de cada cidadão em concomitância com sua vontade geral, servindo
segundo Habermas como uma ferramenta mediadora. Nesse sentido, com A Crise de Legitimação
no Capitalismo Tardio, Habermas (1999) procura demonstrar que questões práticas podem ser
tratadas discursivamente, sendo possível observá-las empiricamente, para propor uma avaliação
da relação entre sistema e legalidade voltada para a juridificação e legitimação87.
Com isso, se materializa a necessidade de conceber o direito ora como um mediador das
temáticas que são problematizadas discursivamente, ora como um tradutor da linguagem
sistêmica, que desdobra-se nesse movimento contínuo mantenedor da troca de conteúdos entre
as esferas sociais. Essa alteração ocorre precisamente porque em FG o direito tem a ver com uma
legitimidade que agora depende dos destinatários do próprio direito. Em que pese a aparente
discrepância entre vontade geral e particular, se ressalta que Habermas não interpreta esse ponto
sob uma ótica de contradição indissolúvel, mas ao reverso, ele compreende que aquilo que for
deliberado como sendo de interesse de uma vontade geral, deve necessariamente albergar todas
as possibilidades de escolhas frente à pluralidade de vontades emanadas dos membros da
comunidade jurídica. Assim sendo, Habermas versa que:
Se a negociação de compromissos decorrer conforme procedimentos que
garantem a todos os interesses iguais chances de participação nas negociações e
na influenciação recíproca, bem como na concretização de todos os interesses
envolvidos, pode-se alimentar a suposição plausível de que os pactos a que se
chegou são conforme a equidade. (FG, 2012, v. I, p. 208).
87
Habermas, 1999, p.93-94 e 149.
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Este método seria segundo Habermas (2011), o que melhor se adaptaria a uma sociedade
complexa, que devido a sua pluralidade de interesses e valores, clama por um procedimento que
respeite sua racionalidade ético-social capaz de garantir a participação política de todos os
cidadãos e fazer frente ao poder ilegítimo que se reveste de forma jurídica por meio da legalidade.
Em última análise, o método procedimentalista do direito almejaria:
(...) impedir, em última instancia, que um poder ilegítimo se torne independente
e coloque em risco a liberdade, não em temos outra coisa a não ser uma esfera
pública desconfiada, móvel, desperta e informada, que exerça influência no
complexo parlamentar e insiste nas condições da gênese do direito legítimo.
(FG, 2011, v. II, p. 185).
Data máxima vênia, poderíamos arrematar que Habermas tenta salvar o Estado de direito e
própria democracia de sua falta de legitimidade, no âmago de reconstruir de forma crítica as bases
de um direito à mercê do poder ilegítimo.
Conclusão
A forma como se buscou compreender o direito subjetivo, ou seja, a liberdade, que
encontra seu ponto máximo na teoria kantiana do livre arbítrio, se tornou no decurso da história
insuficiente para fundamentar o direito e garantir-lhe a legitimidade. Uma vez que julgarmos que
aonde está a sociedade está o direito, (ubi jus, ibi societas), por derradeiro que todas as complicações
que afetam a sociedade indubitavelmente irão afetar o direito. Assim é que o modelo tradicional
de estado de direito emergente da revolução francesa, tem seu fundamento nos direitos naturais,
subjetivos, do homem, a exemplo da liberdade.Ora pois, Kant comete grave equívoco ao separar
o mundo do ser do dever ser, o mundo dos fatos do mundo das normas, pois o direito como no
dizer de Villey (2008), é um fenômeno essencialmente dialético que está em permanente
transformação.
Ademais, Habermas tenta demostrar essa característica do direito, que se torna essencial
para uma compreensão do fenômeno jurídico na era moderna, pois em sociedades complexas
não é possível fazer uma leitura da legalidade e por consequente do direito, sob uma ótica
exclusivamente metafísica. A razão, a lei moral, não gere a si mesma, pelo contrário, ambas estão
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submersas a facticidade do mundo: facticidade que a partir da vidada linguística é concebida
discursivamente na interação dos falantes.
Assim, uma vez que revestida a norma de conteúdo fático, a sua instrumentalização passa a
ser possível. No entanto, o conceito de racionalidade em Habermas abandona a premissa da
axiologia, aderindo à condição dialógica: a racionalidade da lei pode ser tanto
instrumental/estratégica quanto assentada na razão comunicativa, sendo que com base nesta
última, seria possível a construção legítima do direito. Legítima, pois o direito não raras as vezes
tem conferido falsa legitimidade a leis, pelo contrário, essa “leis” muitas vezes são conflitantes
com o sistema de direitos a ponto de infringi-los.
Ora, uma vez que o legalismo surgiu na história com o desiderato foco em garantir os
direitos fundamentais do cidadão contra os arbítrios do ‘estado Leviatã’, não faz sentido que a lei
seja usada pelo sistema (administração e poder) de modo a lesar gravemente esses mesmos
direitos. Em um Estado que se titula democrático de direito, a lei não pode ser uma faca de dois
gumes para o cidadão hipossuficiente em relação ao estado e o sistema. Eis aí o a razão da
existência do estado: garantir, proteger e efetivar os direitos fundamentais em face dos paradigmas
sociais.
Nesse aspecto, fica claro que para Habermas o direito cumpre com uma dupla função na
modernidade: de um lado, serve de instrumento para quem detêm o monopólio do poder, que
usa de seu poder coercitivo e de sua consensualidade (não sou obrigado a fazer nada que a lei não
mande, ou deixar de fazer o que ela me autoriza) para garantir a ordem social estabelecida,
enquanto que de outro lado, a legalidade tem o fim último de frear os arbítrios do estado para
proteger, e materializar o próprio direito. Eis o paradigma do direito.
Desta feita, é que as formas de racionalidades existentes nas sociedades passam a ser as
peças chave para fundamentar a legitimidade do direito, pois se tivermos em mente que o fim do
mesmo reside na manutenção do status quo, então devemos pugnar pelo uso da razão instrumental
para tal, vez que sua dimensão é desprovida de críticas, logo imune a processos dialéticos que
eclodem em transformações, mas se do contrário, julgarmos que o fim do direito é garantir e “dar
vida” as palavras insculpidas na constituição de um Estado Democrático de Direito, então o
mesmo deve necessariamente ser guiado por uma racionalidade comunicativamente e
discursivamente amoldada, que permite a permanente transformação do direito em uma esfera
pública, por processos discursivos críticos emitidos pelos destinatários finais da lei: o povo.
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380
Referências Bibliográficas:
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ethic@, Florianópolis, v.5, n. 1, p. 103-120, Jun, 2006. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br.
Acesso em: 13 de jun., 2012.
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
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FREITAG, Bárbara. Habermas e a Teoria da Modernidade. Cad. CRH., Salvador, n. 22. p. 138-163,
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LYRA FILHO, Roberto. O Que é Direto. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997.
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Abril/2014.
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382
O ENSINO DE FILOSOFIA E O ATO DE FILOSOFAR SEGUNDO
MARTIN HEIDEGGER
Katyana Martins Weyh
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
RESUMO: A presente comunicação se empenha em compreender como a filosofia de Martin
Heidegger (1889-1976) torna pensável o ensino de filosofia na atualidade. Sabemos que este
filósofo alemão é vinculado à escola da fenomenologia e, com base nessa, desenvolve uma análise
da realidade humana com nome de analítica existencial. É exatamente a luz desta análise que
pretendemos investigar como Heidegger interpretaria o ato de ensinar filosofia. A questão que
nos propomos investigar vai ao encontro da ideia de Heidegger segundo a qual o ser-aí já se
encontra na filosofia e que é de sua essência que enquanto existimos filosofamos. Ponderamos
que, a partir de algumas indicações dadas pelo próprio Heidegger, em textos diversos, possamos
investigar também em que medida a fenomenologia heideggeriana se relaciona com o ensino da
filosofia e do ato de filosofar. Assim, julgamos poder sustentar a hipótese de que – mesmo que
Heidegger não seja considerado um “teórico da educação” – suas contribuições são importantes e
influentes na intersecção entre a filosofia e a educação, bem como ao ensino da primeira.
Palavras-chave: Heidegger; educação; filosofia contemporânea; fenomenologia
Martin Heidegger é reputado como um dos mais reconhecidos filósofos da
contemporaneidade, além de ter contribuído consideravelmente como professor na Universidade
pública de Freiburg, na Alemanha. Sua carreira como docente começou em 1919, antes da
publicação de sua obra mais renomada, a saber: Ser e Tempo. Segundo Hannah Arendt, Heidegger
marcou o ensino e o estudo da filosofia de sua época, uma vez que orientou seus seguidores a
uma nova forma de pensar, através da derrocada da metafísica, onde enfatizava que o
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pensamento deve ocupar-se de problemas como o do sentido do ser, que estava preso à história
da filosofia de maneira inveterada. (ARENDT, 2001)
No período em que se ocupou da profissão de professor, Heidegger tinha o intuito de
mostrar aos seus discentes que deveriam conhecer minimamente os traços principais da filosofia,
para que pudessem ter um conhecimento historiográfico do pensamento até então. Ele
reconhecia que “seria um grande equívoco pensar que sempre poderíamos conformar a filosofia a
partir de uma recusa completa da tradição filosófica” (HEIDEGGER, 2008, p.5). No entanto,
um conhecimento historiográfico não é o suficiente quando tratamos de filosofia, pois o objetivo
principal desta disciplina é ocupar-se dos problemas intrínsecos ao âmbito filosófico. Devido a
isso, cabe aqui dizer que “Heidegger nunca pensa “sobre” algo, ele pensa algo.” (ARENDT,
2001, p. 133).
Assim, notamos que Heidegger tem por objetivo reunir estes aspectos para que seja
possível o ensino da filosofia. Através da tradição filosófica, o ser-aí compreende de forma
panorâmica e em traços principais, os filósofos e a história da filosofia, o que contribui para um
conhecimento historiográfico, porém, não é apenas a história que contribui para o ensino de
filosofia. Há a necessidade de um caráter sistemático, que é capaz de revelar os traços mais
importantes que devem ser destacados no âmbito histórico, para que seja possível verificar como
as disciplinas são coordenadas entre si e como formam um sistema. Portanto, para que seja
possível o ensino de filosofia, é necessário que se tenha um aspecto historiográfico e sistemático,
e que esses dois aspectos se complementem de forma harmoniosa (HEIDEGGER, 2008). Além
disso, o fato de nos atermos à tradição filosófica é necessário para que tenhamos uma précompreensão da filosofia, esta que já nos é necessária e essencial.
Sendo assim, Heidegger
acredita que todo ser-aí humano tem em si a possibilidade do filosofar,
e que embora isso não se dê naturalmente, apenas o ser-aí tem essa possibilidade, uma vez que
somente o homem tem consciência de mundo e copreensão de ser. É assim que podemos
entender em que medida a filosofia pertence a nós, tanto quanto nós pertencemos a ela:
Mesmo que não saibamos expressamente nada sobre filosofia, já estamos
na filosofia porque a filosofia está em nós e nos pertence; e, em verdade,
no sentido de que já sempre filosofamos. Filosofamos mesmo quando
não sabemos nada sobre isso, mesmo que não “façamos filosofia”.
(HEIDEGGER, 2008, p. 3)
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À vista disso, podemos compreender que o fato de uma pertencer a outra e vice-versa, se
dá, pois a ideia que o filósofo sustenta é de que enquanto existimos, filosofamos, e que o ato de
filosofar não se dá de forma intermitente, mas sim, de forma constante e necessária. Entretanto,
o que Heidegger nos mostra é que o filosofar é uma possibilidade de todo homem, o que não
significa que todo ser-aí tem em si um caráter filosófico. O homem possui a condição de
possibilidade para o filosofar, porém, é uma escolha de cada ser-aí, aceitar ou não o exercer do
ato filosófico.
Heidegger especifica essa ideia através de sua analítica existencial88, onde descreve o
homem como um ente privilegiado ontologicamente, como sendo capaz de filosofar, - diferente
de todos os demais entes - que estão apenas no domínio ôntico. Devido a isso, Heidegger afirma
que nem os animais, nem Deus pode filosofar, apenas o homem, isso porque a filosofia é uma
possibilidade de um ente finito que compreende ser. (HEIDEGGER, 2008).
É nesse sentido, que a fenomenologia heideggeriana e mais especificamente a analítica
existencial vão de encontro com a ideia do filósofo a respeito de um possível ensino de filosofia e
do exercer do ato filosófico. Heidegger acredita que o homem, por ser esse ente privilegiado tem
a possibilidade de compreender ser, compreender mundo e compreender os problemas
filosóficos. Cabe apenas ao homem, que é este ente que abre mundo e que tem consciência, a
possibilidade do filosofar e mesmo que não exista uma escolha a fim de colocar em movimento a
filosofia, ela já se encontra em cada ser-aí, de forma “adormecida”.
No entanto, devemos entender de que forma essa filosofia reside no ser-aí e de que
maneira ela acontece, pois assim podemos compreender o percurso do ato de filosofar. Para
Heidegger, todo ser-aí tem a possibilidade de filosofar, porém, para que seja possível colocar o
filosofar em movimento, o ser-aí precisa de uma introdução à filosofia, a fim de libertar essa
filosofia que se encontra adormecida no nosso ser. O filósofo quer dizer com isto, que para
colocar a filosofia em curso, ou seja, deixar que o movimento do filosofar aconteça em nós,
precisamos, antes de tudo, acolher a liberdade daquilo que deve se tornar algo livre em nosso seraí. Mas de que forma realizar tal tarefa? Heidegger responde:
Para elaborar e desenvolver uma ontologia fenomenológica, Heidegger indica uma condição necessária para a
recolocação da pergunta pelo sentido do ser, esta condição: uma análise do ente que pode compreender e questionar
ser.
88
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Não podemos ser de modo algum transpostos para o estado do filosofar por
meio de um truque qualquer, uma técnica ou um passe de mágica. A filosofia
deve tornar-se livre em nós, ela deve tornar-se a necessidade interna de nossa
essência mais própria, de modo a conferir a essa essência a sua dignidade mais
peculiar. No entanto, é preciso que venhamos a acolher em nossa liberdade
aquilo que deve se tornar livre em nós dessa maneira: nós mesmos precisamos
tomar e despertar livremente o filosofar em nós. (HEIDEGGER, 2008, p. 5)
Desse modo, entende-se que enquanto a filosofia não se encontra livre em nós, não há, de
fato, o movimento filosófico, o que faz Heidegger investigar de que maneira se dá o essa ação.
Embora o ser-aí esteja aberto para a possibilidade do filosofar, e que acolha enquanto uma
escolha este movimento, há a necessidade de um modo de pôr o filosofar em curso, de forma
que a filosofia aconteça em cada ser-aí. É neste ponto, que o autor coloca a importância de uma
“introdução à filosofia”. Porém, há de se tomar cuidado com relação ao termo introdução, uma
vez que, o filósofo não tem pretensão alguma de mostrar que há a necessidade de conduzir o seraí para dentro do âmbito filosófico, visto que nenhum ente privilegiado ontologicamente
encontra-se fora dele. Isso implica que, quando Heidegger faz menção ao termo introdução à
filosofia, quer mostrar que o ser-aí carece desse meio para colocar o filosofar em curso, ou seja,
deixar o movimento do filosofar acontecer em nós.
Todavia, para que seja possível o filosofar, não basta uma introdução, mas também, uma
atenção à história da filosofia em geral. Aqui Heidegger enfatiza que neste período inicial do
ensino de filosofia, o que deve ser levado em conta são “os contornos mais salientes” da tradição
história, e não os “problemas intrínsecos ao âmbito filosófico” (HEIDEGGER, 2008). Desta
forma, é notória a visão do filósofo sobre a importância da tradição filosófica, uma vez que, não é
possível filosofar a partir de uma recusa total da historicidade. Além disso, Heidegger mostra que
o ensinar é mais difícil do que aprender. Isso acontece, não porque o mestre professor tem que
estar a disposição dos aprendizes e ter domínio de um maior conhecimento para assim poder
passar o conteúdo filosófico, mas sim porque o mestre é incumbido da tarefa de ensinar o
aprendiz a “deixar aprender”. Isso nos mostra que o mestre professor tem o encargo de ensinar o
aluno a aprender nada mais do que o aprender. Contudo, Heidegger acredita que mesmo que o
professor tenha uma tarefa mais difícil que o aluno, o mestre aprende mais do que o seu próprio
aprendiz (QUÉ SIGNIFICA PENSAR? p. 20).
Dessa forma, é possível perceber além de mostrar que a partir da abertura e compreensão
de mundo, o ser-aí tem a possibilidade do filosofar, o filósofo deixa explícito como se dá esse ato
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e o que é necessário para despertar a filosofia, que em nós se encontra “adormecida”. Além disso,
podemos compreender a posição do filósofo também com relação ao momento do ato de
filosofar, como ele acontece e por quê. A partir de uma correspondência de Hannah Arendt à
Martin Heidegger em setembro de 1969, quando ele havia completado oitenta anos, podemos ter
ideia de como o professor Martin tinha alcançado sucesso. Porém, para ele esse fato não era
relevante, uma vez que deixa evidente sua ideia a respeito da distinção entre ser mestre e ser um
docente afamado. O filósofo recusa a ideia de que o professor deve ter uma influência autoritária,
muito pelo contrário, Heidegger acredita que ser mestre é algo sublime, uma vez que o mestre
deve ser capaz de ser humilde e ter uma relação autêntica com seus aprendizes.
Sendo assim, o papel do professor é necessário para que exista uma introdução à filosofia,
porém, todo ser-aí que aceita a liberdade de colocar seu filosofar em curso, carece de uma
condição indispensável para este movimento:
Originariamente é o próprio espanto que produz e propaga o silêncio, e é por
causa do silêncio que o resguardo contra todo o ruído, também contra o ruído
da própria voz, torna-se condição indispensável de que um pensamento possa
se desdobrar a partir do espanto. (ARENDT, 2001, p. 137)
Essa condição indispensável para o movimento do filosofar se dá de forma individual e
silenciosa após o espanto. Após aceitar a filosofia e deixar-se aprender, de forma a unir uma
introdução historiográfica a uma introdução sistemática, o ser-aí está colocando o filosofar em
curso, de modo que coloca em movimento o ato do filosofar.
Assim sendo, é notória a contribuição de Heidegger para a educação, principalmente
quando falamos em “ensino de filosofia e ato de filosofar”, pois mesmo que ele não seja
considerado um teórico da educação, suas contribuições como docente e pensador da filosofia,
são de suma importância para a compreensão do papel do professor, da introdução à filosofia e
do modo como o filosofar é posto em curso. Portanto, a principal meta deste trabalho foi
compreender como a filosofia de Heidegger pensa a questão do ensino de filosofia e do ato de
filosofar. Além disso, buscamos entender em que medida a análise da realidade humana,
embasada na fenomenologia, contribui para colocar o filosofar em curso. Com isso, nosso artigo
se justifica em sua relevância por conter, em seu tema, questões importantes no âmbito da
educação que são discutidos na atualidade e que se mostram como temáticas interessantes a se
pensar no curso de Licenciatura em Filosofia.
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Referências Bibliográficas:
ARENDT, Hannah. Hannah Arendt - Martin Heidegger: correspondência 1925/1975. Rio de Janeiro:
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___________. Introdução à Metafísica. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro,
1987.
___________. Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo – finitude – solidão. Rio de Janeiro:
Foreuse Universitária, 2003.
___________. Qué significa pensar? Trad. Haraldo Kahnemann. Buenos Aires: Nova, s/d.
___________. Ser e tempo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.
KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Heidegger & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2008.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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A INTUIÇÃO INTELECTUAL EM SCHELLING:
A TENTATIVA DE MEDIAÇÃO ENTRE O DOGMATISMO E O CRITICISMO
Kayenne Cristine Ferigotti Santos Vosgerau
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
Programa de Estudos Tutorados – PET, Filosofia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Manuel Moreira da Silva
RESUMO: Trata-se de uma explicitação da intuição intelectual tal como exposta na oitava carta,
das Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795) de Schelling. Tematiza-se em que
medida a concepção inicial da intuição intelectual em Schelling se mostra enquanto uma tentativa
de mediação do dogmatismo e do criticismo, na medida em que estes são os dois modos
possíveis do conhecimento do Absoluto tematizados nas Cartas. Para isso, Schelling retoma a
Doutrina da Ciência de 1794 e confronta-a com a Ética de Espinosa precisamente no que diz
respeito à intuição intelectual. A questão que daí emerge se apresenta, pois, a Schelling no âmbito
de certa complementaridade dos dois modos da intuição, isso enquanto cada um deles, para o
filósofo, exprime um aspecto determinado da estrutura mesma do Absoluto.
Palavras-chave: Intuição intelectual; Schelling; dogmatismo; criticismo; Cartas filosóficas
Para Schelling neste momento inicial de sua produção filosófica o Absoluto não é senão a
unidade originária de sujeito e objeto, pois quanto à estrutura da intuição intelectual do Absoluto
esta significa aqui os dois modos de intuição, tanto a intuição de si mesmo, tal como apresentara
Fichte em sua Doutrina-da-Ciência de 1794, quanto à chamada intuição objetivada – termo utilizado
por Schelling para referir-se à concepção espinosana da intuição intelectual da substância ou de
Deus, presente na Ética; nesse sentido, a noção de intuição intelectual nas Cartas é apresentada
enquanto tentativa de unificação do dogmatismo por um lado e do criticismo por outro, sendo
esses os dois possíveis do conhecimento do Absoluto.
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Sobre a influência de Fichte na filosofia do jovem Schelling esta é fundamental, devido à
óbvia referencia a este. Mas, se Schelling interpretasse a intuição intelectual apenas pela intuição
de si mesmo, afirmando que esta seria a base da intuição intelectual do Absoluto, a qual
constituiria o ponto de partida da passagem do finito para o infinito, deveria afirma-se também,
que a intuição objetivada mostrar-se-ia como um certo desdobramento da intuição de si mesmo,
que não obstante não se elevou à consciência de si mesma. Schelling, até certo ponto
reconhecesse que, para Fichte, só pode haver objeto de uma intuição intelectual do eu enquanto
este é consciente-de-si, caso em que nunca pode-se abstrair de nossa autoconsciência, que não é,
por sua vez, nada mais que a intuição de si mesmo, sendo esta mesma a base da intuição
intelectual do Absoluto pelo fato de possuir a mesma estrutura desta. Porém, pretende-se mostrar
aqui que não está em jogo apenas a primazia da intuição de si mesmo em relação à intuição
objetivada, quanto à intuição intelectual do Absoluto. Na medida em que, Schelling entende esses
dois modos de intuição como complementares, ou seja, a concepção de intuição presente na
oitava das Cartas Filosóficas não se restringe apenas intuição de si mesmo; pois, tem também como
referência uma outra tradição filosófica. Como aponta Durner (apud PUENTE, 1997, p.30): “as
declarações de Schelling sobre a ‘intuição intelectual’ são primeiramente proferidas em um
espírito totalmente fichteano, entretanto o conceito implica, já em seus primeiros textos,
momentos constituintes de um sentido e alcance que ultrapassam os do conceito sugerido por
Fichte e provêm de outra tradição intelectual”, a saber, do sistema espinosano. Desse modo é que
podemos interpretar a intuição intelectual enquanto tentativa de mediação do criticismo, exposto
por Fichte e do dogmatismo, tematizado em Espinosa.
Em carta a Hegel, Schelling conta que havia se tornado espinosista (SCHELLING, 2011, p.
307)89, através da obra Sobre a doutrina de Espinosa, de Jacobi. Para Espinosa “todos os
conhecimentos adequados, isto é, imediatos, são, segundo Espinosa, intuições de atributos
divinos90”. Ou seja, em várias passagens da Ética, por exemplo, Livro V, prop. 25, 27 e 36,
mostra-se que só é possível o conhecimento de Deus, através do terceiro gênero de
conhecimento, o conhecimento intuitivo. Com efeito, Schelling interpretara tal modo de intuição
como uma intuição objetivada, pois o conhecimento não parte de um Eu absoluto, o qual fez
Ver em Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Correspondências. Trad. Hugo Ochoa Disselkoen; Raúl Gutiérrez. Colombia:
Centro Editorial, Facultad de Ciencias Humanas, 2011.
90 Nota de Rubens Rodrigues Torres Filho, p. 197. In: FICHTE, J. G. SCHELLING, J. v. Escritos Filosóficos. São
Paulo: Abril Cultural, 1973.
89
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Fichte, e sim de um Objeto absoluto, neste caso de Deus, em sentido espinosano. Levando em
consideração que a intuição intelectual em Schelling visa comprovar que há um ponto no qual o
próprio Absoluto e o conhecimento do Absoluto sejam um, na medida em que este é o mais
nobre tipo de conhecimento, pois não é senão pela própria intuição intelectual que conhecemos o
Absoluto. Schelling ainda salienta que:
Essa intuição intelectual se introduz, então, quando deixamos de ser objetos
para nós mesmos e quando, retirado a si mesmo, o eu que intuí é idêntico ao
intuído. Nesse momento da intuição, desaparecem para nós tempo e duração:
não somos nós que estamos perdidos no tempo, mas o tempo – ou antes, não
ele, mas a pura eternidade absoluta – que está em nós. Não somos nós que
estamos perdidos na intuição do mundo objetivo, mas é este que está perdido
em nossa intuição (SCHELLING, 1978, p. 198).
Mostra-se a influência fichteana no desenvolver das Cartas na medida em que há a intuição
de um eu [Selbst] que intuí a si mesmo e ao fazer isso deve-se considerar que o Absoluto não é um
mero objeto. Não obstante, mostra-se a influência espinosana na medida em que essa intuição é
dada sob a forma pura da eternidade, pois, nela dissolve-se tempo e duração. A forma de
eternidade pura é a forma da intuição intelectual e esta não se submete a nenhuma duração,
sendo diferente do tempo que impregna coisas efetivas e caracterizadas como relativas e
transitórias. Esse é o único modo em que é possível o retorno à essência, à liberdade e à bemaventurança absoluta. Quanto à concepção schellinguiana de intuição intelectual apresenta-se que
enquanto Fichte compreende o fundamento do conhecimento partindo do Eu absoluto, que é a
unidade do sujeito e o objeto, a qual, por conseguinte, é o eu infinito, que se opõe ao eu finito,
Schelling vai além ao afirmar que o eu finito já está no eu infinito, isto é, no Eu Absoluto.
Portanto, em um dos aspectos do Absoluto, o Eu que intui a si mesmo, enquanto unidade do
finito e do infinito, ou, do subjetivo e do objetivo, seria o Eu incondicionado.
Segundo Schelling, quanto à intuição, Espinosa objetivou a intuição de si mesmo, ou seja,
tomou a intuição intelectual enquanto intuição intelectual objetivada, na medida em que:
Enquanto intuía em si o intelectual, o Absoluto não era mais, para ele, um
objeto. Isso era uma experiência que permitia duas interpretações: ou ele se
havia tornado idêntico ao Absoluto, ou o Absoluto a ele. Neste último caso a
intuição intelectual era intuição de si mesmo; no primeiro, intuição de um
objeto absoluto. Espinosa preferiu esta última. Acreditou que ele mesmo era
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idêntico ao objeto absoluto e que estava perdido em sua infinitude
(SCHELLING, 1973, p. 198).
O primeiro modo de interpretação, no qual o sujeito identifica-se com o absoluto é a
intuição de si mesmo em sentido fichteano. O segundo modo, no qual é o absoluto, enquanto
objeto, se identifica com o sujeito é a intuição objetivada, em sentido espinosano, ou seja,
“acreditou que ele mesmo era idêntico ao objeto absoluto e que estava perdido em sua infinitude
(SCHELLING, 1973, p. 198). Com efeito, para Espinosa, o homem tem que repetir de modo
finito a mesma estrutura que possui a substância infinita, conforme Ética, Livro II, prop. 48: “a
alma humana tem um conhecimento adequado da essência eterna e infinita de Deus” e, tudo
existe em Deus; pois nada pode ser conhecido sem Ele, na medida em que, todas as ideias
existentes no intelecto humano existem igualmente no intelecto divino. Esse conhecimento é
intuitivo, conforme Ética, Livro V, demonstração 25. Quanto à intuição de Espinosa, Schelling
afirma “este, quando se torna sistema, não provém de nada outro do que da intuição intelectual
objetivada, de se tomar a intuição de si mesmo pela intuição de um objeto fora se si, a intuição
intelectual do mundo interior pela intuição do mundo suprassensível fora de si” (SCHELLING,
1973, p. 199).
Entretanto, é certo que Schelling, pela influência de Fichte, em um primeiro momento,
atentando à concepção de intuição de si mesmo, critica Espinosa pelo fato dele ter objetivado a
própria intuição de si mesmo. “Não era ele que havia desaparecido na intuição do Absoluto, mas
inversamente, para ele tudo aquilo que se chama objetivo desaparecera nessa intuição de si
mesmo. Mas aquele pensamento – de estar dissolvido no objeto absoluto” (ibidem) era suportável
para ele. Espinosa acreditava que ele se dissolvia na intuição, chegando ao conhecimento de
Deus, pelo terceiro gênero. Esse dogmatismo, definido também como delírio místico91. Mas,
mesmo assim, há de se considerar a objetivação, na medida em que Schelling entende que ambas
se complementam enquanto são a estrutura da intuição intelectual do Absoluto. Quanto à
complementaridade do dogmatismo e do criticismo, o filósofo salienta que:
Creio que justamente aquela passagem do infinito ao finito é o problema
de toda filosofia, não somente de um sistema isolado, e mesmo que a
solução de Espinosa é a única possível, mas a interpretação que ela teve
91Schelling
afirma que: “Acredito, ao falar do princípio moral do dogmatismo, encontrar-me no centro de todo o
delírio possível” (1973, p. 197).
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de receber através de seu sistema só pode pertencer à este, e que um
outro sistema poderia reservar para ela uma outra interpretação
(SCHELLING, 1973, p. 195).
A intuição intelectual é a via de acesso ao Absoluto, o qual pode ser concebido levando em
consideração duas interpretações, a saber, de Espinosa e de Fichte, ou mãos propriamente,
considerando a intuição de si mesmo e a intuição objetivada na medida em que se complementam
entre si a fim de resolver o problema fundamental da passagem do infinito ao finito. Tais
interpretações da própria intuição intelectual abarcam o mesmo problema, sendo esse o ponto
comum de ambas92. O que difere-se em cada sistema, como exposto, é apenas o modo de
interpretação desta.
A intuição objetivada tem a mesma estrutura da intuição de si mesmo, pois ambas são o
próprio Absoluto. Diferentemente da intuição objetivada, o que desaparece na intuição de si
mesmo é tudo aquilo que se designa como objetivo. E ainda, ao dissolver tudo o que há de
objetivo enquanto intui-se a si mesmo, o Eu que intuí não pode se anular, e isso por não haver
mais a limitação objetiva e por ser totalmente um pensamento sem objetividade alguma é
totalmente no Absoluto. Na intuição objetivada ou na intuição de si, ha identidade do eu e o
objeto, é uma ação de ser no Absoluto, retornando à sua essência – liberdade e bem aventurança.
Assim, no retorno ao Absoluto, e em sua unificação, referindo-se à intuição de si mesmo, aquele
que intui, intui a si mesmo e assim, o objeto absoluto dissolve-se nessa intuição. Não obstante,
nessa passagem ao Incondicionado, toda a passividade – que se encontra no mundo objetivo –
cessa na ilimitada atividade perfeita da divindade e este é o momento mais alto, mais sublime,
mais elevado do ser, pois o mundo se dissolve na intuição, o que significa, na anulação, ao fim e a
cabo, que ao dissolver tudo o que há de objetivo enquanto intui-se a si mesmo, o eu que intui não
se anula nesta dissolução, e isso por não haver mais a limitação objetiva; e por ser totalmente um
pensamento sem objetividade alguma é totalmente no Absoluto. Quanto à intuição objetivada,
ela é um desdobramento da intuição de si mesmo, pois não é senão a objetivação desta.
Mostra-se nas Cartas a tentativa de Schelling de relacionar o Eu absoluto de Fichte, o qual é
o princípio da infinitude subjetiva, com a substância, objeto absoluto de Espinosa, que é o
“O fundamento que me leva a afirmar que esses dois sistemas inteiramente opostos entre si, o dogmatismo e o
criticismo, são igualmente possíveis, e que ambos subsistirão um ao lado do outro enquanto todos os seres finitos
não tiverem atingido o mesmo grau de liberdade é (...) que ambos têm o mesmo problema” (SCHELLING, 1973, p.
191).
92
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princípio da infinitude objetiva. Contudo, o Absoluto de Schelling, estruturado sobre a filosofia
de Espinosa, não pode ser definido por um conceito, pois enquanto uno e infinito, causa de si e
causa imanente de tudo, não pode afirmar-se a si próprio senão em um ato de intuição intelectual.
Levando em consideração os modos da intuição, do ponto de vista do processo cognitivo, a
intuição de si não é a primeira que ocorre, é a intuição objetivada a primeira, enquanto é o sujeito
que se dissolve na objetivação e não o mundo objetivo. Contudo, é o sujeito que intui, há uma
intuição de si mesmo, sendo que, ao fim e a cabo, ambas se complementam, isto é, a intuição
objetivada pressupõe a intuição de si mesmo, porém, não se tem acesso à intuição de si sem a
intuição objetivada. Isso é o que constitui, em suma, os dois momentos da intuição.
Tal tentativa de tematização da mediação, implica reconhecer já nas Cartas certos elementos
fundamentais que possibilitarão a unidade do Dogmatismo e do Criticismo mediante a
instauração da auto-intuição do próprio Sujeito-Objeto Absoluto como via de acesso ao
Absoluto em textos sobre a filosofia da natureza. O fato de Schelling fazer uma Ética a la Espinosa
como mostra o projeto das Cartas, constitui-se pelo fato de que, seu objetivo não era os mesmos
que os de Fichte, isto é, não queria provar apenas a existência do Eu pela intuição. Sua própria
concepção de intuição intelectual já constitui-se como ponto de chegada, isto é, como
fundamento enquanto intuição intelectual, pois, mediante sua estrutura, é a própria unificação do
sujeito objeto no Absoluto. Pois, Schelling mesmo em pleno período fichteano busca uma saída
que de razão ao real conteúdo do saber. Diante disso, nesse momento inicial de sua produção
filosófica, Schelling vai além daqui exposto na Doutrina da Ciência de Fichte, complementando-a
com a doutrina de Espinosa, no que tange à intuição intelectual.
Referências Bibliográficas:
ESPINOSA, B. Ética/ Pensamentos metafísicos. Trad. Marilena de Souza Chauí ... [et al. 3.ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1993 (Col. Os Pensadores)..
Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Correspondências. Trad. Hugo Ochoa Disselkoen; Raúl Gutiérrez.
Colombia: Centro Editorial, Facultad de Ciencias Humanas, 2011.
PUENTE, F. As concepções antropológicas de Schelling. São Paulo: Loyola, 1997.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
394
SCHELLING, J. Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e o criticismo / História da Filosofia Moderna. In:
FICHTE, J. G. SCHELLING, J. v. Escritos Filosóficos. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São
Paulo: Abril Cultural, 1973.
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O MESTRE ANDARILHO EM NIETZSCHE
Kelly Scherer
Bolsista UFSC/CAPES – DS
[email protected]
Orientador: Profª. Lúcia Hardt
RESUMO: Neste artigo, apresenta-se a dimensão estética do olhar de um dos primeiros escritos
de Nietzsche, a conferência “Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino”. Se a maioria de suas
obras parece se tratar de uma provocação aos valores filosóficos e morais, nesse escrito, que se
encontra inacabado, ele enfrenta as labirínticas instituições de ensino com sua maior arma: a
cultura clássica dos gregos. E é a partir da figura de mestre que nos revela a ideia reguladora da
educação ou da formação dos estabelecimentos de ensino, elementos que nos permitem discutir
sua estética “pessoal”, desde sua percepção da cultura a seu olhar incisivo sobre os aspectos
geradores do espírito alemão (Geist).
Palavras-chave: Zaratustra, mestre andarilho, labirinto, autossupressão, moral
Investigar conceitos ou temas da filosofia nietzschiana é desviar-se de formulações fixas.
Ou melhor, é desorientar-se, considerando o número de interpretações, paradoxos e discussões
que culminam em teses diversas e investidas contra a filosofia do autor. Além disso, pretender
interpretar seus conceitos é como lançar-se no labirinto93 do rei Minos94. Logo, faz-se necessário
distinguir esses ensinamentos e o que, efetivamente, vemos, quando adentramos nesse
emaranhado de ideias presente nas obras de Nietzsche. Esses ensinamentos, por sua vez, nem
sempre se dão em um estilo teórico-conceitual, pois em Assim falou Zaratustra, Nietzsche
apresenta uma escrita mais pictórica, que nos permite imprimir, ou mesmo criar com suas
Construção que compreende um conjunto de corredores entrecruzados, salas e caminhos sem saída, localizada nas
ruínas do Palácio de Creta. Foi construído por Dédalo, sob as ordens de Minos.
94 Filho de Júpiter e Europa. Sucedeu Astério, seu pai adotivo, no trono de Creta.
93
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metáforas e linguagem poética, um cenário, um recorte imagético, pois que, em sua escrita, há
cores, paisagens, melodias, um cenário completo para que seus tantos personagens atuem.
Assim, o trabalho sugere uma imagem, já que, ao mencionar a entrada no labirinto do
pensamento de Nietzsche, seus filosofemas e estilo de escrita, pretende-se também suscitar o
cenário arquitetônico do labirinto como o espaço em que os corpos andam e são direcionados
conforme os modelos de “verdade” que orientam a humanidade. Já a ideia de desorientação
descrita acima sugere, neste caso, pensarmos o “jogo” de linguagem provocado pelo autor e a
inversão dos valores que ele realiza ao propor diversos paradigmas com base em sua filosofia.
Deste modo, os valores da sociedade, configurados por tantos caminhos em que os humanos são
convocados a percorrer — e o que chamamos de uma orientação à cultura — são invertidos pelo
filósofo, causando no leitor a velha vertigem do exercício do pensar. Portanto, o labirinto-espaço
percorrido pelos viventes é o lugar da exigência de perspectivas, mas Nietzsche, ao desdobrar
certos conceitos, dando-lhes novos sentidos ou abrindo espaço ao novo, rebate a orientação
vigente, tornando o espaço “temporariamente desorientado” para, enfim, deixar que novas
perspectivas possam surgir e guiar suas leituras, ou então, guiar os valores que regem nosso
espaço labiríntico (mundo).
Segundo Stegmaier, que define a orientação como sendo “a orientação é sempre primeiro.
Ela precede todo o pensar e agir”, isso congregaria a questão do tempo. Já a orientação tem a ver
com a “medida em que a orientação tem a ver com novas situações, ela tem sempre algo a ver
com o tempo” (STEGMAIER, p. 305). Assim, podemos ver o labirinto como esse espaço onde
os humanos são orientados e desorientados pelos fios do pensamento, de valores e crenças.
Nietzsche, como filho de seu tempo, foi impelido a pensar conforme os valores de verdade
de sua época, sendo envolto por seus mestres e heróis, orientado por modelagens ou contornos
de sua cultura. E, a meu ver, são esses “mestres” que formam ou conduzem o que chamamos de
humano, pois acabam criando, a partir das verdades vividas pelo mestre, valores exemplares que
tecem o querer e o agir; são eles os responsáveis pela condução de uma ética no mundo, ética
sempre modelada pelo exemplo do herói, guia ou líder que impulsiona o drama existencial
fazendo valer desse mesmo impulso a ação legítima ou a veracidade do mestre. A exemplo dos
guias da antiguidade, podemos citar os muitos heróis e suas batalhas políticas ou mesmo
trajetórias como a de Édipo, rei de Tebas95, os quais se tornaram, com suas histórias, exemplos de
95
Ver mito do Édipo Rei.
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conduta ou perspectiva de mundo. No entanto, Nietzsche tornou-se para os séculos XX e XXI
uma espécie de mestre, de profeta, produzindo um abalo sísmico no pensamento moderno, o que
talvez não sirva de orientação, mas certamente desorienta ao implodir e explodir dogmas e
conceitos vigentes.
Deleuze, ao sondar esses caminhos e modelos de verdades através do labirinto em
“Mistério de Ariadne segundo Nietzsche”, oferece uma interpretação interessante da vertigem
provocada pela célebre narrativa poética do filósofo alemão. Nesse artigo, ele relaciona um dos
personagens de Assim falou Zaratustra, chamado, entre outros nomes, de “homem superior”, o
qual parece representar também o niilismo, à versão do labirinto do antigo mito grego. Nesse
texto, o labirinto e o fio condutor do herói Teseu são um disfarce à moral:
O homem superior invoca o conhecimento: ele pretende explorar o labirinto ou
a floresta do conhecimento. Mas o conhecimento é só disfarce da moralidade; o
fio no labirinto é o fio moral. A moral, por sua vez, é um labirinto: disfarce do
ideal ascético e religioso (DELEUZE, 2006, p. 9).
Partindo dessa visão Deleuze/Nietzsche, percebe-se, desde o labirinto de Minos, outro
ângulo da história sobre a versão do herói grego, ou seja, Teseu ansioso por justiça. E é aqui que
se observa um disfarce daquilo que significa ser o homem superior para Nietzsche:
O homem sublime ou superior vence os monstros, expõe os enigmas, porém
ignora o enigma e o monstro que ele próprio é. Ignora que afirmar não é
carregar, atrelar-se, assumir o que é, mas, ao contrário, desatrelar, livrar,
descarregar o que vive (Idem).
Então, o objetivo do herói (“homem superior”) não se reduz a matar monstros
encarcerados em seus labirintos. Talvez o homem “sublime” seja mais uma máscara, e sua
coragem, um refúgio. No texto, Deleuze afirma que o Minotauro preso no labirinto é o impulso
da vida afirmativa, que o liberta, e que isso não é moral. Ou seja, é pulsão da natureza
dionisíaca96. E o fio de Ariadne97? A força reativa que odeia o impulso, odeia, por sua vez,
Assim como o apolíneo, o dionisíaco é uma noção que aparece desde o começo da obra de Nietzsche, com O
nascimento da tragédia. A “pulsão da natureza” é também a fonte das artes não plásticas e, sobretudo, da música.
97 Filha de Minos e Pasífae. Apaixonou-se por Teseu quando este foi a Creta para lutar contra o Minotauro.
Entregou ao herói ateniense um novelo de fio que lhe possibilitou sair do labirinto. Para escapar da cólera de Minos,
Ariadne acompanhou Teseu em sua fuga, mas este a abandonou na ilha de Naxos, um dos locais favoritos de Baco.
Impressionado com a beleza da jovem, o deus esposou-a, levando-a dali.
96
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Dioniso, para desdobrar-se e logo afirmá-lo. Esse odiar de Ariadne, isto é, o fio que conduziu
Teseu, o homem “sublime”, deu-lhe técnicas para matar o impulso e sair do labirinto. No
entanto, Teseu abandonou Ariadne e ela entendeu. Foi em vão sua afirmação de amor ao
conhecimento e sua recusa ao impulso.
Ariadne compreende sua decepção: Teseu nem sequer era um verdadeiro grego, mas antes
uma espécie de alemão – mesmo que o termo não existisse ainda – quando se pensava que se ia
encontrar um grego. Mas Ariadne compreende sua decepção num momento em que já deixou de
preocupar-se: Dioniso, que é um verdadeiro grego, se aproxima; a Alma torna-se ativa, ao mesmo
tempo em que o Espírito revela a verdadeira natureza da afirmação. A canção de Ariadne adquire
então todo o seu sentido: transmutação de Ariadne diante da aproximação de Dioniso, sendo
Ariadne a anima que agora corresponde ao Espírito que diz sim. Dioniso acrescenta uma última
estrofe à canção de Ariadne, que se torna ditirambo (Idem, p.12).
Contudo, ainda segundo Deleuze, o labirinto deveria ser uma espécie de purificação, e
quem o habitasse seria renovado pelo espírito do impulso à vida. “O labirinto já não é
arquitetônico, tornou-se sonoro e musical” (Idem, p.13).
Enquanto na versão grega o herói necessita matar o impulso para vencer e sair do labirinto,
a sugestão de Deleuze é deixarmos pousar “leve” no fundo do labirinto o impulso e deter o
heroísmo tenso, esse querer da perfeição, de uma humanidade que alcançou com a morte do
“instinto” seu acabamento. Pois, como alertou Nietzsche, “o homem superior pretende levar a
humanidade à perfeição, ao acabamento” (Idem, p. 8).
O texto de Deleuze traz uma visão do modelo de humanidade que se queria atingir em um
determinado momento histórico da Grécia Antiga: a moral que exige de seus heróis o
aniquilamento dos impulsos; o modelo do herói preparado para defender e matar em nome da
polis. Teseu é a encarnação desse modelo, ele figura o peso da gravidade, da seriedade, do herói
como exemplo do mestre, pois se sacrifica em nome da cidade, servindo como orientador por ter
sido aquele que encontrou a saída do labirinto. O herói e o homem superior em Nietzsche
representariam, em Zaratustra, essa maestria que carrega o fardo de orientar ou servir de exemplo
ao mundo, pois ambos têm a missão de transmitir a verdade, ou então, ser essa veracidade dos
fios que ordena tal mundo. O personagem de Zaratustra, por vezes, parece suscitar a mesma
energia, pois pressente que é necessário doar aos humanos uma dádiva, quer perecer em sua
missão de anunciar o Além-do-homem.
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Mas a ideia do mestre, do herói e de outras figuras análogas em seus escritos não é
novidade, já que em suas conferências de juventude buscou ressaltar a importância do mestre
como aquele que pudesse levar à juventude o conhecimento autêntico. Esse mestre, no entanto,
não saíra do nada, ele é exemplar, especialmente porque a Alemanha de Nietzsche era marcada,
por parte de alguns poetas, pelo entusiasmo, pelas odes à cultura clássica grega, e mais
precisamente, em Nietzsche, pelo retorno ao mundo arcaico da Grécia. Portanto, para assentar
uma cultura autêntica, para a criação de mestres geniais que pudessem servir de exemplo, não
apenas para o presente, mas que fossem o legado de uma grande civilização, era necessário o
modelo de uma autêntica civilização, como a Grécia Antiga.
A figura do mestre como exemplo ou autoridade, modelo ou purificação do espírito alemão
(Geist) é, então, esse gênio capaz de absorver o melhor de seu passado e criar para seu povo uma
literatura rica e original. Há uma interpretação ilustrativa do professor Viesenteiner98 intitulada
“Aprender a ver, aprender a pensar, aprender a falar e escrever: condições integrantes do
conceito de Bildung no Crepúsculo dos Ídolos de Nietzsche”. Neste artigo, ele discute as
consequências ou os declínios que comprometeram a cultura alemã ao não cultivar esse espírito.
Assim, ele também esclarece outro ponto que não pode ser deixado de lado, ou seja, o
tema da Bildung, termo que é uma referência ao processo do cultivo desse espírito alemão (Geist).
O capítulo ‘O que os alemães estão perdendo’ foi escrito em três
horizontes teóricos bem claros, apesar da composição em 7 aforismos: a)
os aforismos 1 e 2 nos quais Nietzsche elabora o diagnóstico do declínio
da Bildung alemão, cuja formulação se desenvolve a partir de um dos
conceitos-chave desse capítulo, vale dizer, a palavra ‘espírito’ (Geist) que,
como veremos, tem uma ampla envergadura semântica estreita ligação
com a noção de Bildung; b) os aforismos de 3 a 5 onde se encontra a
estrita crítica nietzschiana da relação entre Bildung e política,
especialmente no que se refere à mudança no ‘pathos’ sobre as ‘coisas do
espírito’ e a perda da imprescindível ‘jovialidade’ à cultura, incluindo aí
também as considerações sobre ‘todo o sistema de educação superior na
Alemanha’ e seus ‘educadores’; e, por fim, c) os aforismos 6 e 7 em que
Nietzsche mostra novamente sua maneira ‘afirmativa’ de ser e indica as
‘três tarefas em razão das quais se precisa de educadores’, quais sejam,
‘tem de se aprender a ver, aprender a pensar, aprender a falar e escrever’,
de modo que a ‘meta em todas as três é uma cultura
nobre’(VIESENTEINER, 2011).
Doutor em filosofia pela UNICAMP e professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR. É
membro do GIRN (Groupe International de Recherches sur Nietzsche) pela Universidade de Greifswald/Alemanha.
98
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400
Entretanto, ao propor a leitura dos clássicos como um dever ao ginásio, isso não seria
economizar tarefa, já que, além de ler, é preciso saber ler, falar e escrever. E para ensinar e educar
é necessário, antes, educar os educadores. “Educar os educadores! Mas os primeiros deviam
educar-se a si mesmos! E, é para eles que escrevo” (NIETZSCHE, 2012, p. 7). Nietzsche inicia
uma de suas conferências provocando os educadores a instruir-se, cultivar-se, antes de ensinar a
leitura e, depois, a escrita aos seus alunos; eis o tratamento que, a exemplo de mestre, deveria ser
exigido. Em outras palavras, o mestre cultivado, mencionado pelo autor, é aquele que leu e
aprendeu com os clássicos da antiguidade.
Mas o que é ou quem é o mestre nos primeiros escritos do jovem Nietzsche? Não seria
aquele capaz de levar a juventude a emancipar-se? E para que ele pudesse realizar tal
empreendimento não seria o mestre um ancião capaz de servir de exemplo não apenas ao jovem,
mas a toda uma cultura? São questões sobre as quais, de fato, Nietzsche se preocupava
seriamente enquanto professor na Basileia, não apenas com as questões do presente, mas também
com futuro e o problema degenerativo que se instalava nas instituições de ensino alemãs de seu
tempo.
Assim, a primeira Conferência, em Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino, inicia com
a reflexão acerca de um problema que se tornava cada vez mais perturbador à época: a perda do
espírito alemão (Geist), quando os estabelecimentos de ensino eram os responsáveis pela
instrução e emancipação dos jovens. Nietzsche, nessa conferência, utiliza-se de uma narrativa
envolvendo o problema do conhecimento filosófico a partir de um diálogo ou experiência sobre
um velho mestre e seu discípulo, em meio a um lugar calmo e bucólico, mas carregado de uma
atmosfera reflexiva e, como veremos também, explosiva. Logo, ele, o personagem descrito por
Nietzsche, avisa a quem está dedicando esta reflexão:
De fato, tenho plena consciência do lugar em que agora aconselho a refletir e a
meditar a respeito deste diálogo, quer dizer, está cidade que, com o espírito de
uma elevação incomparável, procura fazer progredir a formação da educação de
seus cidadãos, numa escala que só pode ter algo de humilhante para os estados
mais importantes: assim, certamente não estou errado quando suponho que lá
onde se faz mais neste domínio se deve também pensar mais. É justamente a
tais ouvintes que poderei me fazer compreender quando contar o diálogo a qual
me refiro (NIETZSCHE, 2012, p. 57).
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Nietzsche definiu a história que se propôs a contar na Conferência como sendo uma
“inocente experiência”. A história proporciona não somente a visão do estudante do ginásio da
época: alegre, impetuoso, sonhador, despreocupado; características próprias de uma juventude
“estranha ao tempo”, mas seu estilo ilustra também uma forma bem singular, isto é, o jogo de
figuras antagônicas na relação mestre e discípulo. Um exemplo disso é o encontro dos jovens e
suas pistolas afoitas diante do velho tranquilo e seguro de sua sabedoria, mestre-filósofo que
acabaria mostrando o caminho solitário da floresta e do pensamento.
Segundo Nietzsche, o mestre deve ser emancipado, pois ele compreende a importância dos
“clássicos”, podendo semear sobre o jovem uma linguagem apropriada ou menos viciada,
barbarizada pela leitura jornalística ou de romances da moda. O mestre terá de ser aquele que leva
o mais importante para uma cultura, isto é, o ensinamento da leitura adequada aos alunos do
ginásio. Por isso, é o sábio que ousou refletir profundamente e que reconhece nos clássicos uma
cultura valiosa; é mestre porque é maduro e já se cultivou, tendo aprendido a refletir, não
necessitando mais dos disparos, barulhos frenéticos de pistolas disputando precipitadamente
características da juventude. Mas, do que se trata esse amadurecimento do mestre filosófico? Por
que ele é apto ao ensinamento dos jovens?
Nietzsche narra a história de modo harmoniosamente belo, dando ênfase ao encontro entre
o filósofo, um discípulo e os estudantes (incluso Nietzsche, um jovem estudante). Os jovens, que
estavam em um passeio para recordar velhos momentos do ginásio e desfrutar de uma vivência
prazerosa entre os amigos em um lugar de retorno em boas passagens, decidem fazer algo que
gostavam muito: tiro de pistola, uma moda juvenil à época. No entanto, são interrompidos pela
fala de um velho que os olhava seriamente exigindo que parassem com aquela vilania sem
sentido, já que aquele era um lugar de contemplação, meditação, pensamento.
Nossos tiros de pistola, repetido pelo eco, tinha nesta solidão um efeito muito
mais impressionante; logo dado o segundo tiro do pentagrama, me senti agarrar
violentamente pelo braço e vi ao mesmo tempo em que meu amigo tinha sido
surpreendido da mesma maneira enquanto recarregava sua arma. Eu me voltei
bruscamente e vi o rosto irritado de um velho, e o mesmo tempo sentia que um
cão robusto pulava sobre minhas costas (NIETZSCHE, 2012, p. 62).
Verificar-se-á duas posturas distintas que também podem ser interpretadas como o trajeto
que se faz do pensamento menos sutil, bruto, ao pensamento mais sutil, que é o pensamento
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filosófico, ou seja, o caminho da ascese ao pensamento mais profundo evocado pelo mestre e seu
discípulo. É esse caminho em que, por um lado, está o impulso juvenil, a impossibilidade para a
reflexão filosófica, que se torna essencial à emancipação do indivíduo. Por outro lado, está o
velho filósofo que surgiu como uma fatalidade aos planos e alegrias dos jovens que pensavam
estar cientes de seu futuro, pois ele evoca o pensamento mais profundo deles, indagando sobre
os disparos e os alardes. Com uma só palavra, eles se sentem reprimidos pela ousadia do pedido,
gerando certo conflito de ideias e opiniões acerca das vontades contrárias que foram postas em
discussão:
A esta fala grosseira, ainda que verdadeira, respondemos com irritação,
cortando constantemente a palavra um do outro: ‘Em primeiro lugar, você
comete um erro sobre o fato principal: não estamos aqui para nos bater, mas
para fazer exercícios de tiro com a pistola. Em segundo lugar, você parece
ignorar totalmente como se realiza um duelo: acredita você que iríamos nos
enfrentar numa total solidão, como dois bandidos de estrada, sem padrinhos,
sem médicos etc.? Em terceiro lugar, enfim, temos – cada um de nós – nosso
ponto de vista sobre a questão do duelo e não queremos nos deixar surpreender
nem assustar com lições como as suas (Idem, p. 63).
A imagem do filósofo que alcançou sua maestria surge como uma caricatura da
representação filosófica, ou seja, a caminhada do mestre é envolta de ações como: o silêncio, a
meditação, o olhar a distância sem pressa no andar, que equivale ao sentido do preparo à
ascensão do filosofar. O tema do caminho do mestre se dá desde os disparos ao filosofar e
demonstra, por um lado, o velho filósofo e seu discípulo, e por outro, o impulso vigoroso dos
estudantes ginasiais. Deste modo, a narrativa evocaria, com a presença da figura do velho
filósofo, a ruptura entre o pensamento apressado versus o silêncio e a meditação, modos
intrínsecos de quem alcançou certo gosto pelo pensar.
Segundo a perspectiva nietzschiana sobre o ensino, o mestre é o responsável pelo (cultivo)
dos jovens, porque é ele quem saberá conduzir os impulsos ainda inflamados pela juventude e
suas pistolas explosivas. E, sobretudo, podemos ver na experiência das pistolas e na ousadia dos
jovens uma alusão ao pensamento apressado e/ou irrefletido deles, enquanto alunos. Por isso que
o aluno (discípulo) deve, antes de ter uma mera posição ou opinião dos fatos, seguir
rigorosamente os passos do mestre, aprender com os clássicos para, futuramente, emancipar-se,
ou constituir seu próprio pensamento (autenticidade). E com isso, Nietzsche nos convida a
refletir sobre o tema da liberdade dos jovens estudantes que tinham tudo para esbanjar essa
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autonomia. Mas essa autonomia ainda não era emancipatória, não que tivessem que agir
passivamente ou tornar-se reprimidos, pois isso, de fato, causaria mais horror ao pensar. Na
verdade, Nietzsche quer valorizar ou sugerir a importância do exercício contínuo e vagaroso,
oscilante dos pensamentos, que vai dos disparos ao exercício contínuo até o refinamento tanto da
linguagem adequada quanto do estilo de escrita que o gênio em potencial adquire ao seguir o
exemplo de seus mestres:
Enquanto caminhávamos meu amigo expunha francamente seus pensamentos
ao filósofo: Como tinha ele temido que hoje, pela primeira vez, o filósofo o
impedisse de filosofar. O velho se pôs a rir: ‘Como? Vocês temem que o
filósofo a impeça de filosofar’? (Idem, p. 67).
Cabe à juventude, que não se propõe a seguir o exemplo do mestre, viver sob o desperdício
de uma geração que mal lê, fala, escreve ou pensa. Com isso, Nietzsche estaria denunciando a
barbárie causada pelos estabelecimentos de ensino, com seus conceitos e professores, que
ignoraram, por exemplo, a autonomia, uma liberdade que deve ser uma trajetória, um caminhar
junto ao exemplo do mestre. Ao invés disso, deixaram-se levar pela expansão do mercado,
enquanto deveriam exercitar, nos alunos, a leitura dos clássicos, fazendo-os compreender,
absorver e reproduzir de modo loquaz. Mas o que se vê nesses estabelecimentos de ensino são
alunos comparando-se a um Schiller ou Goethe, sem as condições literárias necessárias para
compor como um gênio.
O fato é que, para Nietzsche, esses estabelecimentos, na Alemanha, não estavam
preocupados em formar homens para a cultura99, pois lhes faltava o mais importante: o fato de
não ensinar o princípio da cultura, isto é, o exercício da leitura através dos grandes clássicos e a
importância do exemplo do mestre. E é por isso que o filósofo e o artista compõem um pequeno
número de homens raros, por terem recebido um ensino mais sutil, um aprendizado mais lento,
* Deve-se distinguir a cultura (Cultur) da civilização (Civilisation) e lembrar que, em sentido amplo, o conceito
nietzschiano de cultura corresponde ao que o uso francês designaria antes pelo termo “civilisation”. A cultura não
visa à formação intelectual nem ao saber, mas engloba o campo constituído pelo conjunto das atividades humanas e
de suas produções: moral, religião, arte, filosofia, estrutura política e social, etc. Abarca, portanto, a série de
interpretações que caracteriza uma determinada comunidade humana, num estágio preciso da história.
** Nos primeiros anos de sua reflexão, Nietzsche se debruça particularmente sobre o problema da unidade e da
harmonia dessas interpretações: “A cultura é, sobretudo, a unidade de estilo artístico que atravessa todas as
manifestações da vida de um povo. Mas o fato de saber muito e ter aprendido muito não é nem um instrumento
necessário nem um sinal de cultura e, se necessário, combina perfeitamente com seu contrário, a barbárie, ou seja,
com a ausência de estilo ou com a mistura caótica de todos os estilos” (Considerações extemporâneas I, “David
Strauss: o confessor e o escritor”.
99
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embora mais rigoroso, diferente da “precipitação” (rapidez) ou da “grosseria” (linguagem
jornalística), em que o estado colocou à disposição uma série de estabelecimentos de ensino. Daí
a crítica, inclusive, ao erudito, homem de saber intelectual (especialista) que, com seus métodos,
não garante esse princípio de cultura:
Assim, me pareceu que se tratava de distinguir duas orientações principais: duas
correntes aparentemente opostas, ambas nefastas nos seus efeitos, mas unidas
enfim nos seus resultados, dominam atualmente os estabelecimentos de ensino:
a tendência à extensão, a ampliação máxima da cultura, e a tendência à redução,
ao enfraquecimento da própria cultura. A cultura, por diversas razões, deve ser
estendida a círculos casa vez mais amplos, eis o que exige uma tendência. A
outra, ao contrário, exige que a cultura abandone as suas ambições mais
elevadas, mais nobres, mais sublimes, e que se ponha humildemente a serviço
não importa de que forma de vida, do estado, por exemplo (Idem, p. 72).
A crítica aos estabelecimentos de ensino talvez não visasse a alguma transformação “em
quadros e horários”, conforme escrevera Nietzsche, ou a uma revolução, uma vez que parece não
haver fórmulas. No entanto, o que nos interessa é a provocação que sua reflexão quer apontar,
isto é, ao denunciar certo exagero por parte da ampliação e/ou extensão dos estabelecimentos de
ensino, que levariam à massificação do ensino. Portanto, ele supunha que, com a ampliação do
ensino, a cultura estaria perdendo o mais importante, isto é, o cultivo100 de si.
Segundo a perspectiva de Nietzsche, o principal espaço para se propor o cultivo à
formação cultural é o ginásio; é no preparatório onde os alunos discutem o que irão assumir
diante da cultura. Que cargos estão dispostos, serão técnicos ou especialistas? Se apenas bons
especialistas, o filósofo logo avisa: o erudito é um “operário de fábrica que durante toda a sua
vida, não faz senão fabricar certo parafuso ou certo cabo para uma ferramenta ou máquina”
(“Crítica aos eruditos”, op.cit, p. 75). E assim discorre porque a produção desses eruditos está
atrelada à ciência, e para ele, o homem de ciência também é uma redução da cultura, por estar a
serviço do Estado.
O homem de ciência enquanto tal não tem absolutamente palavra; ao
contrário, esta trama de cola viscosa que se infiltra agora nas ciências, o
jornalismo, acredita aí cumprir sua tarefa, que ele realiza de acordo com sua
Cultivar, em contrapartida, não possui relação com essas técnicas de erradicação de potência: significa, para
Nietzsche, favorecer o surgimento e a conservação de um tipo específico de homem, com características pulsionais
precisas, ou melhor, lutar contra as grandes variações de um indivíduo para o outro. Esse trabalho pode ser realizado
simultaneamente em várias direções numa mesma cultura, como mostra o exemplo de Nietzsche. Continuar etc.]
100
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natureza própria, quer dizer, como o seu nome indica, como uma tarefa de
jornalista (Idem, p. 76).
Nietzsche também se posiciona contra a linguagem utilizada nos estabelecimentos que
objetivam exercitar o mínimo de leituras adequadas. Acredita-se que, por detrás dessa linguagem
“grosseira”, a linguagem disseminada pelo jornalismo é o vilão que toma o lugar do “gênio”.
Declara também que essa “pseudocultura” é uma perversão porque, no momento em que um
aluno toma para si tais leituras, está sendo inserido e iniciado à barbárie, ou à “pseudocultura”:
“A leitura de um jornal, um romance da moda, ou um desses livros doutos, cujo estilo já traz
consigo os brasões repugnantes da barbárie cultivada que está em curso hoje em dia” (Idem,
p.79). Provocativo, aponta a pedagogia como sendo a responsável por essa barbarizarão do
ensino, já que ela deveria ser orientada por mãos sutis, sábias (um mestre filósofo?),
caracterizando a pedagogia de sua época como uma “brincadeira de roda infantil”.
Assim, Nietzsche acusaria os estabelecimentos e os próprios membros do ensino como
responsáveis pela grosseria da língua alemã. Falta, segundo ele, a seriedade no ensino da língua e
no trato com o ginásio. Sobre o diálogo, proposta experimental de Nietzsche, entre o “filósofo e
seu discípulo”, há um momento sublime em que ele apresenta o filósofo como o homem-docultivo e da vivência, capaz de conduzir a juventude à criação do gênio:
Eu tenho, disse o Filósofo, uma opinião tão elevada quanto a tua a respeito da
importância do ginásio: todas as outras instituições devem medir-se pelo
objetivo cultural que é visada pelo ginásio, pois elas sofrem com os desvios de
sua tendência, e assim serão também purificadas e renovadas com sua
purificação e renovação (Idem, p. 80).
Percebe-se, nessa passagem, uma grande esperança depositada na formação (cultivo) do
ginásio. Por isso, a preocupação com a língua, de como e por quem ela é conduzida, de modo
que, para ensiná-la apropriadamente, isso caberia ao mestre emancipado. A língua é uma das
tarefas que os alunos deveriam se apropriar com afinco, para depois se arrogar qualquer
pretensão, autonomia do pensar e escrever. No entanto, não é exatamente isso que se exige nos
estabelecimentos de ensino, e que Nietzsche pontualmente critica. Deste modo, lemos o seguinte:
O próprio mestre deveria logo mostrar, ao analisar a nossa clássica linha por
linha, com que cuidado e com que rigor é preciso fazer cada exame, quando se
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tem no coração um verdadeiro sentimento artístico e diante dos olhos a
compreensão total do que escreve (Idem, p. 82).
O ensino formal, onde se aprende a ler e a escrever, é a prática à qual os professores
deveriam mais se deter, mas que não ocorre em tais instituições de ensino. Ao contrário, os
alunos do ginásio são estimulados a uma autonomia que não possuem, pelo fato de não estarem
aptos à “verdadeira escrita”. Isso porque, no lugar de utilizarem como princípio a instrução
formal da língua, os professores utilizam apenas a forma histórica:
Em vez desta instrução puramente prática, por intermédio da qual o mestre
deve habituar seus alunos a uma severa educação de si no domínio da língua,
encontramos em todo lugar a tendência de lidar com a língua materna através
da erudição histórica: quer dizer, se usa dela como se fosse uma língua morta e
como se não houvesse nenhuma obrigação em relação ao presente e o futuro
desta língua (Idem, p. 82).
A tarefa maior de um mestre é, justamente, de não ensinar essa prática histórica, e sim,
reprimi-la: “Ora, a nossa língua materna é um domínio no qual o aluno deve aprender a operar”
(Idem, p. 84). Ao invés de ensinar a escrever, a fim de cultivar, ao menos, certa obediência aos
clássicos, de Goethe a Schiller, os alunos são encorajados a escrever a ponto de se comparar ou
mesmo superar os autores de grande prestígio. O autor diz: “um riso que provoca cólera no gênio
Alemão e do qual se envergonhará uma posteridade melhor” (Idem). Além disso, há também o
estímulo para que os alunos escrevam sobre si, antes mesmo de terem entendido os clássicos:
Basta apenas imaginar o que passa nesta idade tão jovem, quando se exige do
aluno a produção de um semelhante trabalho. Esta é sua primeira produção
original; as forças que ainda não se desenvolveram tendem pela primeira vez a
uma cristalização; o sentimento embriagador da autonomia reveste estas
produções com um encanto primitivo, admirável, que jamais retornará (Idem,
p. 85).
Nietzsche é contra essa “falsa-autonomia” que os professores exigem de seus alunos e
acredita que é preciso refrear essa “originalidade medíocre”, pois não há aí tal maturidade, para
isso, falta-lhes ainda ler os clássicos. Portanto, antes desse exercício exaustivo, todo o restante é o
resultado de uma escrita de barbárie, longe, de fato, de uma escrita autônoma ou original. A esse
falso ensino há uma recomendação que pode vir a restaurá-lo ou purificá-lo como, por exemplo,
uma cultura de poetas e sujeitos de pensamento autêntico, artistas e afins:
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Em relação à língua, mais do que em qualquer outro lugar, observa-se que nada
restou da influência do modelo clássico: e esta única constatação me permite
ver naquilo que é chamado de ‘cultura clássica’, que deveria sair do nosso
ginásio, algo de muito duvidoso e equívoco. De fato, bastaria dar uma olhada a
este modelo, para constatar a imensa seriedade com a qual os Gregos e os
Romanos consideravam a tratavam a língua desde a adolescência (Idem, p. 87).
E é pelo fato de se rebelar contra essa “livre personalidade” do aluno que os professores
cometem a barbárie (educação linguística), longe de propiciar uma formação à cultura ou ao
espírito alemão (Geist), já que é através do bom uso da língua materna que se pode dar início a
uma cultura própria. Talvez a resposta nos apareça na Terceira Conferência em que, para demonstrar
seriedade quanto à questão das instituições de ensino de sua época, Nietzsche a inicia retratando
o filósofo e seu companheiro em um silêncio profundo. Aqui, o “sombrio” é parte da
dramatização, em que a importância do filósofo-mestre é reforçada pela caricatura figurativa do
homem (mestre).
E mesmo que de “boa vontade” de algum modo o homem da ciência viesse para iluminar
esse “momento” e o peso sobre seus corações, nada mais importaria. É nesse instante que
percebemos como Nietzsche abala, como nos faz refletir acerca de muitas ideias engessadas no
mundo, desde o passado, passando pelo presente e também “nosso” futuro, sobretudo porque
faz refletir sobre a condição dos processos de individuação:
Uma renovação e uma purificação verdadeiras do ginásio só poderão vir de uma
renovação e de uma purificação do espírito Alemão que sejam profundas e poderosas.
Misterioso e difícil de compreender é o liame que junta verdadeiramente o ‘ser’
profundo da Alemanha e o gênio Grego. Mas, enquanto a necessidade mais nobre do
verdadeiro gênio alemão não procurar a mão deste gênio Grego como apoio firme no
fluxo da barbárie, enquanto o espírito alemão não expressar aquela nostalgia
angustiante pelos Gregos, enquanto a perspectiva da pátria Grega, penosamente
atingida, fonte de deleite para Goethe e para Schiller, não tiverem tornado o lugar de
peregrinação dos homens melhores e mais dotados, neste caso, o ginásio proporá para
si na cultura clássica um objetivo incoerente, que flutua ao sabor dos ventos: e pelo
menos não se deve censurar aqueles que desejam introduzir nos ginásio, ainda que com
espírito tão limitado, o cientificismo e erudição, para ter diante dos olhos um objetivo
real, sólido e ao mesmo tempo ideal, e salvar seus alunos das seduções deste brilhante
fantasma que se faz chamar agora de ‘cultura’ e ‘educação’. (Idem, p. 101).
A questão do aumento dos estabelecimentos de ensino é retomada junto com outro fator
importante, o ensino superior, pois nele se encontra a relação com o aumento das unidades de
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ensino. Observa-se que, conforme se ampliam, há também uma maior demanda de professores
sem nenhuma vocação à pedagogia, isto é, gera-se um empecilho para a construção da cultura:
Estas pessoas estão sem dúvida exageradamente distanciadas das coisas pedagógicas e acham que
a riqueza aparentemente dos nossos ginásios e de mestres, que só consiste no número, poderia,
não sei por que leis e regras, ser transformado numa verdadeira riqueza, numa ubertas ingenii, ser
sem que, por outro lado, este número fosse reduzido (Idem, p. 103).
Por isso, na medida em que cresce o número de instituições de ensino superior, há um número
maior de alunos, e com isso, menor seleção. Segundo Nietzsche: “a imensa maioria dos mestres
se encontra, nestes estabelecimentos, no seu ambiente próprio porque seus dons se encontram
em uma relação harmônica com o baixo nível e com a mediocridade dos seus alunos de ensino”
(Idem, p. 104).
São essas as vozes que continuam a surgir, isto é, os novos estabelecimentos de ensino. Nessas
instâncias, o surgimento do gênio é um processo complicado, pois, a fim de que ele possa
emergir, a língua materna (cultura de um povo) é abafada pelo aumento estrondoso desses
mesmos espaços.
Particularmente, ao debater o tema e refletir acerca da posição do mestre como um fator
fundamental para o cultivo do jovem estudante e sua relação com a cultura, lembrei-me de um
escritor, espécie de mestre-poeta devido ao seu estilo marcante, Paulo Leminski. Ele nos fornece
um verso perfeito para responder a esse pensamento subterrâneo de Nietzsche, quando adverte:
“Repara bem no que não digo” (2010, p. 74). O verso nos faz pensar na relação entre o poema e
o “futuro dos nossos estabelecimentos” de ensino, visto que o filósofo alemão propõe um mestre
cauteloso, meditativo, fadado a uma verdade: a verdade de que o pensar é um exercício sutil e que
deve ser tomado com cuidado e delicadeza. Ele certamente aborda algo que era pouco
comentado, isto é, a importância do cultivo dos alunos no ginásio, de modo a fortificar a cultura
e o espírito alemão. Deste modo, o ginásio é o lugar de preparar a terra, enquanto o mestre
aquele que deve semear e sacrificar-se pela terra.
Após a unificação da Alemanha, houve uma expansão da cultura por meio dos
estabelecimentos de ensino, ocorrendo uma disseminação do conhecimento que não levava em
conta a totalidade de uma cultura, ignorando que o pensar é fruto de uma liberdade que leva
tempo, que brota profundamente, lentamente. Suspeitar e analisar qualquer coisa de modo
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apressado leva uma cultura à decadência e à banalização do pensar, o qual necessita forma,
conteúdo, estilo e tempo para fazer nascer uma (originalidade) ou o gênio de um tempo.
A arte de saber ler e escrever. Uma educação que busca esse gênio e, também, a poesia.
Enfim, Nietzsche é professor de Filologia, mas, como bem sabemos, é um entusiasta da filosofia,
amante do helenismo, fonte inesgotável de formas e expressões artísticas. Se os estabelecimentos
de ensino perderam ou estão perdendo o sentido da língua materna, ou então, ignorando o viés
das grandes obras, Nietzsche vê no retorno aos clássicos uma renovação, uma purificação, na
busca de alcançar o que ele chamou de espírito alemão.
Referências Bibliográficas:
Dicionário de Mitologia. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
DELEUZE, Gilles. O mistério de Ariadne segundo Nietzsche. Cadernos Nietzsche, São
Paulo, n. 20, 2006, pp. 07-17.
___________. Obras incompletas. 2ª Ed. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho;
posfácio de Antônio Cândido de Mello e Souza. São Paulo: Victor Civita Ed., 1978.
MACHADO, R. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
VIESENTEINER, Jorge Luiz. “Aprender a Ver”. Aprender a Pensar, Aprender a Falar e
Escrever: condições do conceito de Bildung no Crepúsculo dos Ídolos de Nietzsche. Artigo no
prelo, disponibilizado em Palestra/UFSC-2011. [Links].
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Vocabulário de Nietzsche/Patrick. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Editora
WMF/Martins Fontes, 2011.
STEGMAIER, Werner. As linhas fundamentais do pensamento de Nietzsche. Petrópolis: Vozes,
2013.
Escritos sobre Educação, Friedrich Nietzsche, Rio de janeiro: Puc- Rio; SP: Ed. Loyola,2012.
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MAQUIAVEL: A LIBERDADE COMO EQUILÍBRIO DOS HUMORES
ANTAGÔNICOS
Lairton Moacir Winter
UTFPR/UFPR
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Maria Isabel Limongi/Prof. Dr. José Luiz Ames
RESUMO: O objetivo desta comunicação consiste em analisar a relação que Maquiavel
estabelece entre o conflito de grandes e povo com a liberdade política. A hipótese central é a de
que a liberdade somente pode ser alcançada mediante um ponto de equilíbrio entre os humores
em conflito. A lei republicana, nascida do permanente confronto dos desejos antagônicos,
subverte o caráter negativo dos humores de grandes e povo e canaliza sua força para a vida
política. A fim de esclarecer isso, partimos da definição das características dos agentes em
conflito, de acordo com as quais o desejo dos grandes se confunde com um desejo de poder,
enquanto o desejo do povo se associa à liberdade. A liberdade, porém, como à primeira vista
parece significar, não reside no desejo popular, mas entre os dois desejos antagônicos, isto é, num
equilíbrio tenso. Para Maquiavel, a verdadeira liberdade política somente é possível com a
manutenção deste frágil equilíbrio nos modos de desejar de grandes e povo.
Palavras-chave: Maquiavel; conflito; equilíbrio dos humores; liberdade
É sabido que Maquiavel elogia os conflitos de grandes e povo em função de seu resultado
positivo para a vida da cidade por produzirem leis capazes de fazerem livre o corpo político.
Contudo, o que determina, no pensamento do secretário florentino, o caráter salutar dos
conflitos de grandes e povo? Qual a dinâmica dos conflitos que permite a Maquiavel afirmá-los
como positivos à liberdade política? A hipótese que possivelmente responde ao problema reside
na ideia de equilíbrio, ainda que momentâneo, dos desejos de grandes e povo, isto é, na
manutenção da diferença dos modos de desejar dos dois humores. Esclarecer isso é o intento
desta comunicação.
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De acordo com Maquiavel, o conflito político resulta do antagonismo no modo de desejar
de grandes e povo: enquanto o desejo do povo é um desejo de liberdade, o desejo dos grandes é
um desejo de dominação. Para o florentino, o conflito desses dois atores sociais é o fundamento
da política. Fugindo de modelos ideais abstratos Maquiavel sustenta que a política é fruto da ação
dos homens no tempo, segundo a qual a solução que se dá ao conflito de desejos determina ou a
liberdade ou a corrupção do corpo político. Compreender a dinâmica desses conflitos parece ser
fundamental para impedir a degenerescência da cidade pela corrupção através de uma ação
política que possa opor a ela o regime da liberdade. Para isso, o florentino sublinha que os “os
conflitos devem expressar-se através de mecanismos legais, sob a pena de destruírem o tecido
social” (BIGNOTTO, 1991, p.95).
Ao afirmar a tese segundo a qual os conflitos são positivos para o corpo político porque
produzem liberdade, Maquiavel atesta que isto somente é verdade quando os conflitos mantêm o
frágil equilíbrio dos humores antagônicos. De acordo com este modelo do conflito político, a
liberdade é resultado da diferença originária dos desejos de grandes e povo, isto é, da
desigualdade nos modos de desejar de ambos os humores. É disso que fala Maquiavel na História
de Florença (III, 1) quando afirma que “em Roma, a igualdade entre os cidadãos levou à
grandíssima desigualdade”. Se esta diferença se mantiver, ou seja, se o desejo dos grandes for
sempre um desejo de domínio, e o desejo do povo um desejo de liberdade, os efeitos dos
conflitos serão sempre positivos.
O modelo paradigmático do qual parte Maquiavel para afirmar a existência de conflitos
saudáveis ao corpo político são os tumultos entre a nobreza e a plebe que assolaram a república
romana e a mantiveram livre e poderosa por mais de quatro séculos. Encontramos nos Discursos
(I, 4) a sua descrição: “direi que quem condena os tumultos entre os nobres e a plebe parece
censurar as coisas que foram a causa primeira da liberdade de Roma e considerar mais as assuadas
e a grita que de tais tumultos nasciam do que os bons efeitos que eles geravam”. Os bons
conflitos são, pois, aqueles que produzem bons efeitos. E os bons efeitos são, para Maquiavel, as
leis que favorecem a liberdade pública. A liberdade deve ser pensada, está claro, a partir da ação
humana.
Ao refletir sobre a história romana, Maquiavel parece estar propenso a afirmar que os
conflitos podem ser de fato produtivos. O autor reconhece que pode existir uma fisiologia dos
conflitos, claramente expressa no título do quarto capítulo do primeiro livro dos Discursos: “a
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desunião entre plebe e senado tornou livre e poderosa a república romana”. Frente a isso, parece prudente
compreender melhor que coisa o conflito, a desunião, pode produzir. Assim, quais efeitos podem
ser resultado de um conflito como aquele que tomou lugar em Roma por tanto tempo? A reposta
de Maquiavel, nos Discursos (I, 4), é enfática: os conflitos entre a plebe e o senado deram origem
“a leis e ordenações benéficas à liberdade pública”. Por ordenações pode-se entender as
magistraturas – como no caso romano, o cargo de tribuno da plebe – e organizações do tipo
constitucional. Além das ordenações, os conflitos em Roma originaram leis, que por se tratarem
de acordos, ainda que provisórios, entre dois humores distintos – o senado e a plebe - tratava-se
de leis ordinárias. Exatamente por esta razão Maquiavel critica aqueles que condenam sem
ponderar os tumultos entre a plebe e o senado porque “todas as leis que se fazem em favor da
liberdade nascem da desunião deles” (Discursos, I, 4).
É fato, portanto, para Maquiavel, que há razões suficientes para se elogiar os conflitos
porque foram eles os responsáveis por produzir leis e ordenações capazes de manter a liberdade
em Roma. A liberdade é o resultado das leis e das ordenações nascidas dos tumultos. “E quando
tais ordenações são bem observadas, as cidades vivem livres por muito tempo; quando não o são,
logo se arruínam” (Discursos, I, 24).
Todavia, para o secretário florentino as ordenações e as leis não devem ser consideradas
um fim em si mesmo, mas um resultado, uma conquista de um momento logicamente
precedente, precisamente aquele das desuniões e dos conflitos. Portanto, as leis e as ordenações
são diretamente proporcionais aos conflitos: variando estes, variam os efeitos. Porém, isto não
parece poder ser afirmado para as ordenações e as leis de todas as repúblicas. Seguramente, vale
para Roma, mas não vale, por exemplo, para Esparta que, de acordo com os Discursos, recebeu o
seu corpo de leis inteiramente de Licurgo.
Seguindo o exemplo romano, Maquiavel demonstra a importância do papel do povo na
criação de um regime livre: “quando o povo queria obter uma lei, ou fazia alguma das coisas
acima citadas [gritos, tumultos, a plebe toda a sair da cidade] ou se negava a arrolar seu nome para
ir à guerra, de tal modo que, para aplacá-lo, era preciso satisfazê-lo em alguma coisa” (Discursos, I,
4). Ora, estas manifestações do povo, que se opunha ao senado romano, representando o próprio
movimento do conflito, produziam leis e ordenações benéficas a todo o corpo político. Não
pode espantar, portanto, que quando o florentino se interroga em seguida sobre o problema
“onde se deposita com mais segurança a guarda da liberdade: no povo ou nos grandes” (Discursos
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I, 5), onde deve ser colocado um poder de última instância em condições de defender a liberdade,
frente à alternativa ou no povo ou nos grandes, a sua resposta seja então unívoca e privilegia a
solução romana que, ao seu juízo, colocava a guarda da liberdade no povo. “É ele [o povo] que,
com efeito, luta contra o desejo de dominação dos grandes para afirmar seu próprio desejo e
fazendo isso, faz nascer leis favoráveis à liberdade” (GAILLE-NIKODIMOV, 2004, p.59). O
povo é melhor guardião da liberdade, pois não reivindica uma parte das magistraturas para
dominar, e porque a expressão do desejo popular coloca em movimento um processo de
construção de uma legislação que introduz a igualdade na distribuição das magistraturas e nos
aspectos privados da existência.
A avaliação positiva que Maquiavel faz das desuniões e dos conflitos tem sugerido muitas
vezes uma clara ruptura em relação a algumas representações compartilhadas pelas tradições do
pensamento político antigo e medieval. Sustentar a tese de que os conflitos produzem bons
efeitos significa, acima de tudo, tomar à distância a ideia clássica da concórdia (do grego,
homonoia), recorrente em toda a reflexão política grega, ideia desenvolvida com maior ênfase tanto
em Aristóteles quanto em Políbio. Significa, ainda, contrapor-se conscientemente à ideia de ‘ordem
e concórdia’ (do latim, “concordia ordinum”) de Cícero, com sua posição política defensora dos
princípios aristocráticos. Do mesmo modo, a tese maquiaveliana dos conflitos como produtores
de bons efeitos representa um nítido rompimento também com as elaborações mais próximas a
ele. Referimo-nos, em primeiro lugar, à cultura pré-humanística e humanística de matriz retórica
que dava grande relevo ao ideal da paz e da concórdia. E, em segundo, à tradição política
florentina, a quem Maquiavel está diretamente ligado, que havia destacado a convicção de que as
facções e os partidos constituíam uma ameaça mortal à liberdade da cidade e que, portanto, toda
discórdia deveria ser descrita como facciosa. As posições de Maquiavel se afastam com
determinação desta tese da paz e da concórdia, assim como tomam à distância as posições filovenezianas difundidas por muitos pensadores do humanismo cívico que, no conjunto, formavam
o ideal político a ser seguido pelas repúblicas italianas. O secretário florentino, ao avaliar
positivamente os conflitos e as discórdias e, mais em geral, ao preferir o modelo romano ao
veneziano, defende claramente uma posição filo-popular e anti-aristocrática. É, neste sentido, um
ponto de vista radicalmente novo não apenas por sustentar os efeitos positivos dos conflitos, mas
ao depositar no povo o papel destacado na criação de um regime da liberdade.
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Por esta razão, a tese maquiaveliana dos conflitos como fonte de liberdade parece residir
no desejo do povo. Isto não quer dizer que o povo seja o depositário do bom desejo, mas que a
liberdade política depende sempre do modo de desejar do povo. Em outras palavras: o que
determina ou a liberdade ou a corrupção do corpo político é a maneira pela qual o povo expressa
seu desejo. Se o povo desejar apenas não ser dominado, seu desejo engendra a liberdade; se,
porém, seu desejo se converter em desejo de domínio, seu desejo engendra a tirania e,
consequentemente, a corrupção e a ruína da liberdade. Nesta perspectiva, Maquiavel é enfático:
os bons conflitos são aqueles que mantêm o frágil equilíbrio dos desejos antagônicos de grandes
e povo.
Retomando os efeitos positivos dos conflitos ocorridos em Roma, só podemos chegar a uma
conclusão: os conflitos foram positivos naquela cidade por tanto tempo porque se manteve inalterada a
correlação de forças dos dois humores antagônicos. Dito de outro modo: foi a manutenção do equilíbrio
das forças políticas e, consequentemente, a manutenção da desigualdade originária entre os desejos de
grandes e povo, que permitiu aos conflitos produzirem a liberdade em Roma.
Retornemos aos Discursos (I, 4). Neste capítulo Maquiavel sublinha que “dos Tarquínios aos
Gracos [...] os tumultos de Roma raras vezes redundaram em exílio e raríssimas vezes em sangue”. Esta
característica dos tumultos é uma questão central do pensamento do florentino que, além desta passagem
dos Discursos, a coloca em destaque em outro momento com afirmação semelhante. Assim, ainda no
mesmo capítulo, o autor sustenta que “quem examinar bem o resultado [dos tumultos] não descobrirá que
eles deram origem a exílios ou violências em desfavor do bem comum, mas sim a leis e ordenações
benéficas à liberdade pública”. Os conflitos, as discórdias, por não fazerem recurso à violência privada,
conduziram Roma à liberdade por cerca de quatrocentos anos. Os conflitos produziram liberdade e não
violência armada ou exclusão dos cidadãos da vida política. Os conflitos criaram em Roma uma forma de
manifestação que não levou nenhum sujeito, fosse individual ou coletivo, a ser excluído da vida cidadã.
Na História de Florença (III, 1), Maquiavel retoma o argumento: “porque as inimizades havidas em
Roma, no princípio, entre o povo e os nobres eram definidas por disputas, enquanto as de Florença o
eram por combates; as de Roma terminavam com leis, enquanto as de Florença terminavam com o exílio e
com a morte de muitos cidadãos”. Diferentemente do que ocorrera em Roma, os conflitos praticados em
Florença apresentam formas diversas. Analisando os tumultos ocorridos nas duas cidades, Maquiavel
coloca em relevo seu conhecido raciocínio opositivo: em Roma o conflito se pratica disputando; em
Florença, combatendo. Existe um crivo pelo qual o conflito permanece produtivo na vida política e se
organiza como se fosse quase uma disputa e não degenera em guerra civil. É o caso de Roma. Porém, em
Florença os conflitos redundaram em violência, assassinatos e exílios dos seus cidadãos.
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A disputa é sadia e positiva porque não altera o equilíbrio dos humores. Diferentemente dos
combates, que invariavelmente degeneram em violência, em que o opositor é sempre um rival e visto
como inimigo e, por esta razão, deve ser eliminado para ocupar-lhe sua posição, a disputa evoca discussão,
divergência, que se resolve pela via do acordo, ainda que provisório. Novamente o exemplo romano é
crucial. Para a solução dos confrontos entre a plebe e o senado, Roma criou as assembleias e o cargo de
tribuno da plebe “porque, além de concederem a parte que cabia ao povo na administração, tais tribunos
foram constituídos para guardar a liberdade” (Discursos, I, 4). Em outras palavras, segundo Adverse
(2007, p.40), a agitação popular em Roma obrigou os grandes a reconhecer a plebe como sujeito político.
A criação dos tribunos da plebe foi a resposta institucional para atender à demanda do povo.
Se os conflitos ocorridos em Roma entre grandes e povo confirmam a tese de Maquiavel de que os
tumultos podem ser produtores de liberdade, resta compreender como isto foi possível. De acordo com o
texto dos Discursos, Roma permaneceu livre enquanto o desejo popular, representado pelos tribunos da
plebe, não se alterou. Mas porque o desejo do povo se manteve idêntico ao seu desejo originário? A
resposta do florentino é a de que o desejo de não ser dominado do povo – manifestado nos tumultos, na
oposição ao senado romano, nas manifestações públicas, na negação do seu nome no alistamento para a
guerra - significava não um desejo de poder, de dominação, mas tão somente um desejo de não ser
dominado pelos grandes. Quando o povo alcançava seu objetivo, fosse uma lei, fosse uma ordenação
favorável à liberdade, o conflito se normalizava, até novo movimento de oposição aos grandes, fruto da
necessidade do povo de manter-se livre da dominação. Assim, de acordo com Gaille-Nikodimov, a lei
resultante dos conflitos toma lugar central na narrativa maquiaveliana: “a fim de satisfazer seu desejo de
não ser dominado, o povo busca, com efeito, obter uma representação institucional e leis que garantam
seu estatuto e sua proteção em relação à ambição dos grandes. Com efeito, a lei submete os grandes e
limita, até mesmo impede, sua dominação” (GAILLE-NIKODIMOV, 2004, p.56).
É, portanto, na manutenção da diferença, da desigualdade no modo de desejar de grandes e povo
que reside o aspecto positivo dos conflitos. É disso que fala Maquiavel em Discursos (I, 4) quando afirma
que “em Roma, a igualdade entre os cidadãos levou à grandíssima desigualdade”. Porém, como se
manifestou em Roma esta desigualdade? Para respondê-lo retornemos aos Discursos (I, 4): “não se pode
dizer que tais tumultos sejam nocivos, nem que tal república fosse dividida, se em tanto tempo, em razão
de suas diferenças, não mandou para o exílio mais que oito ou dez cidadãos” (grifo nosso). Os tumultos
são saudáveis e produzem liberdade porque os desejos de grandes e povo são diferentes.
Por fim, é no capítulo 1 do livro três da História de Florença que encontramos a confirmação da
tese da manutenção da desigualdade originária dos desejos de grandes e povo como fundamento da ideia
de que os conflitos podem ser fator de liberdade. De acordo com o texto, Maquiavel ensina que os efeitos
positivos dos conflitos se devem aos fins a que se propõe um povo. Assim, a liberdade foi efeito dos
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confrontos entre grandes e povo “porque o povo de Roma desejava gozar as supremas honras ao lado dos
nobres” (grifo nosso), e não sobre ou como os nobres. Desejar com e não como, ou sobre, é a chave para
entender porque os conflitos em Roma produziram bons efeitos. Ao desejar dividir com os nobres as
supremas honras, o povo mantinha seu desejo originário de não ser dominado, portanto, diferente do
desejo dos grandes, que continuava sendo um desejo de dominação. É o equilíbrio dos humores do qual
fala Maquiavel, pois os dois desejos não se equiparam, mas, ao contrário, se mantém desiguais. Se, ao
contrário, o desejo do povo se igualasse ao desejo dos grandes, os efeitos dos conflitos seriam negativos,
pois corromperiam o corpo político.
Referências Bibliográficas:
ADVERSE, Helton. Maquiavel, a república e o desejo de liberdade. Trans/form/ação. São Paulo,
v.30, n.2, p.33-52, nov. 2007.
BIGNOTTO, Newton. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1991.
GAILLE-NIKODIMOV, Marie. Conflit civil et liberté: La politique machiavélienne entre histoire et
médiecine. Paris: Honoré Champion, 2004.
MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução MF. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
___________. História de Florença. Tradução MF. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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UM ESBOÇO PARA UMA A IMANÊNCIA ABSOLUTA E UMA ÉTICA VITALISTA:
DELEUZE ENTRE SPINOZA E NIETZSCHE
Leandro Nunes
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CAPES/CNPq
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Ester Maria Dreher Heuser
RESUMO: O presente trabalho objetiva pensar e problematizar o que denominamos como uma
ética vitalista que desdobra-se na imanência absoluta a partir da filosofia de Gilles Deleuze, mais
precisamente, a partir das ressonâncias provenientes de seus encontros com as filosofias de
Nietzsche e Spinoza, os quais ele denomina de “filósofos da imanência”. Para tal intento,
trabalharemos com conceitos centrais da obra deleuziana concernentes ao problema de uma ética
imanente, tais como: imanência, multiplicidade, encontros, diferença, linhas de fuga, devir, vida.
Também trabalharemos com a interpretação deleuziana dos conceitos de vontade de potência e
de corpo na filosofia de Nietzsche e o conceito de corpo e o problema da expressão na filosofia
de Spinoza; sempre procurando evidenciar sua importância e seus desdobramentos para se pensar
uma ética no plano imanente a partir da própria obra deleuziana.
Palavras-chave: Ética. Imanência. Vitalista.
Spinoza e uma imanência imanente a si mesma
O plano de imanência para Deleuze é a própria definição do campo transcendental e das
imagens do pensamento elaborada em suas obras anteriores a O que é a filosofia? (1992);
entendendo o transcendental como sendo “o domínio próprio da filosofia na sua determinação
como irredutível ao mesmo tempo à empiricidade e a toda transcendência” (DIAS, 2001, p. 178).
Desse modo, o plano de imanência, segundo o autor, não seria um plano transcendente ou
sensível do ser, mas um campo das condições imanentes pelo qual a realidade se constitui, pois,
“é quando a imanência já não é imanente à outra coisa que não a si mesma que se pode falar de
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um plano de imanência” (DELEUZE, 1995, p. 4). Em suma, o verdadeiro plano de imanência,
isto é, a filosofia plenamente efetuada, só é possível quando a imanência é tomada em si mesma e
não como atributo de algo, ou seja, trata-se de uma imanência imanente a si mesma e livre de
qualquer laço que a torne dependente de “algo”.
Tal plano de imanência, que atribui a imanência a si mesmo, segundo Deleuze, foi
problematizado apenas uma vez na história da filosofia, sendo Spinoza o responsável por traçálo. Esta incomparável operação do spinozismo consiste no seguinte: “libertar a imanência de toda
a transcendência. Subtraí-la a todas as formas do transcendente, e a todas as recriações em si da
transcendência, afirmar a imanência como auto-consistente” (DIAS, 2001, p. 180), isso porque,
para Deleuze, na filosofia de Spinoza a imanência não advém da substância, uma vez que, não é
imanente à mesma.
A substância e os modos é que são na imanência, e esta que é em si mesma,
devolvida a si, pertencente exclusiva de si. Se tudo se diz da substância, é
porque a substância é o nome spinozista do plano de imanência, o continuum
intensivo dos atributos, quer dizer, a produtividade ontológica infinita,
infinitamente positiva, que se exprime através dos dois poderes do plano, poder
de ser e poder de pensar, extensão e pensamento. Por isso seria o spinozismo,
para Deleuze, a mais pura das filosofias, e Spinoza o príncipe dos filósofos,
porque o único que teria experimentado até ao infinito, até os movimentos
próprios do infinito, a vertigem da imanência. O único, em resumo, que teria
acendido a uma pura percepção imanente, sem recair no transcendente, sem
restituir a ilusão da transcendência [...] (DIAS, 2001, p. 180).
Assim, é a partir da influência spinozista que Deleuze pensa a imanência absoluta: pensar
“o que não pode ser pensado e que, no entanto, tem que ser pensado, como o impensável do
pensamento, e que é o que o pensamento pensa, o que ele não pode se não pensar” (Idem, p.
180). Desse modo, é preciso salientar que nesse plano de imanência há apenas singularidades e
acontecimentos. Entendendo que, tais acontecimentos, são como o próprio plano, isto é, são
apenas virtualidades. Assim sendo, toda a realidade em ato representa a atualização de formas
possíveis.
O acontecimento imanente atualiza-se num estado de coisas e num estado
vivido que fazem com que aconteça. O próprio plano de imanência atualiza-se
num Objeto e num Sujeito aos quais se atribui. Mas, por pouco separáveis que
sejam da sua atualização, o plano de imanência é ele próprio virtual, tal como os
elementos que o povoam são virtualidades. Os acontecimentos ou
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singularidades dão ao plano toda a sua virtualidade, como o plano de imanência
dá aos acontecimentos virtuais uma plena realidade. Ao acontecimento,
considerado como não-atualizado (indefinido), não falta nada. Basta pô-lo em
relação com os seus concomitantes: um campo transcendental, um plano de
imanência, uma vida, singularidades. Uma ferida incarna-se ou atualiza-se num
estado de coisas e num vivido; mas é ela mesma um puro virtual sobre o plano
de imanência que nos impele numa vida. A minha ferida existia antes de mim...
Não uma transcendência da ferida como atualidade superior, mas a sua
imanência como virtualidade sempre no seio de um meio (campo ou plano)
(DELEUZE, 1995, p. 4).
Assim, os acontecimentos e virtualidades constituintes do plano de imanência, segundo
Deleuze, são o campo de potencialidades de toda a realidade; e, por conseguinte, o ser passa a ser
entendido como o poder do novo, como criação pura; de maneira que, por tal razão, a pura
imanência é definida por Deleuze como uma vida e nada mais. Uma vida como imanência da
imanência, pois, “não é a imanência que é imanente à vida, é pelo contrário, a vida que é
imanência plena, melhor, é uma vida que exprime a imanência que é, não em outra coisa, mas em
si mesma” (DIAS, 2001, p. 182-183). Em epítome, trata-se de “imanar” a vida, ou seja, de
restituir o poder da criação ao homem.
O que significa: uma vida é imanente a si mesma, é poder imanente coexistente
com a vida individual mas não determinável por ela, não contido nela, antes
afirmando-se por si, de si. A vida como auto-referente, em vez de referível aos
sujeitos, de atributo de viventes ou fundamento da atribuição de subjetividades:
é isso a vida como imanência, ou a imanência como uma vida. Não é pois a
vida que se reduz ao vivido, à apropriação individual e subjetiva, nem é a
imanência que se apresenta como imanente ao fluxo do vivido [...] é a vida
individual e a subjetividade humana que são expressões de uma vida
absolutamente imanente e de uma consciência imediata impessoal coextensiva
ao plano de imanência (DIAS, 2001, p. 183).
Desse modo, a vida do indivíduo é definida pelos acidentes vividos, sejam eles interiores ou
exteriores, isto é, pela subjetividade e objetividade do que acontece. No entanto, uma vida é
constituída apenas por virtualidades, ou seja, de acontecimentos não atualizados, “de
singularidades pré-individuais que coexistem com os acidentes da vida individual correspondente,
mas que se distinguem deles e que definem a imanência, o plano de imanência, dessa vida
individualizada” (Idem, p. 183-184). Assim sendo, são os acontecimentos vividos que acabam
individualizando a vida do sujeito, compondo de forma sucessiva os momentos de sua vida, o
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que lhe confere uma história e uma determinação ética. Entretanto, os acontecimentos virtuais
dessa vida imanente, não formam uma história, mas um devir.
Em tese, trata-se de saber retirar possibilidades positivas de todas as situações e
contingências vividas, isto é, de ser digno do que acontece.
Deleuze propõe assim um conceito de vida como vida indefinida, anônima, nua, destacada
de todas as determinações empíricas, do que faz dela uma vida pessoal ou individual. Mas o
inindividual ou o impessoal, a neutralização de toda a definibilidade empírica, não equivale em
Deleuze à queda na indiferenciação. Corresponde ao invés à emancipação das diferenças, [...] na
forma de singularidades como pulsações pré-individuais e pré-pessoais, de acontecimentos
virtuais, reais, mas não atuais (Idem, p. 185).
Assim, pode-se afirmar que a filosofia deleuziana é guiada por uma preocupação
fundamental, qual seja: de criar as condições de possibilidade do novo, de garantir as condições
objetivas da produção subjetiva de novidade. Daí decorre as distinções virtualidade/possibilidade,
devir/história, como também, um plano de imanência absoluto, o conceito entendido como
acontecimento e não como essência. Isso porque o plano de imanência é pensado como criação,
já que, a vida, é tratada por Deleuze, como força criadora e toda criação como criação de vida, de
saídas para a vida. De modo que, a imanência plena, absoluta, é entendida como o “invivível que,
no entanto, é o que se vive, o que define uma vida, e o impensável que é, todavia, o que se pensa,
o que não se pode deixar de pensar” (Idem, p. 186). Pois, a vida entendida como imanência da
imanência, retira-se de suas determinações tradicionais e restitui para si o poder ontológico
absoluto, poder este, imanente da criação.
Nietzsche e a interpretação deleuziana da vontade de potência
Nesse sentido, com Nietzsche, Deleuze trabalha com o conceito de vontade de potência,
entendido por ele como aquilo que faz uma disparação intensiva que independe de sua
consciência. Sendo que, sua vontade consciente depende dessa vontade de potência; ou seja, o
indivíduo não pensa só a partir daquilo que domina, que tem controle; ele pensa a partir do
contato com aquilo que já foi recomeçado, isto é, o indivíduo pensa com aquilo que não mereceu
cuidado na tradição filosófica.
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Isso acontece pelo fato de que para Deleuze a consciência torna-se pequena frente às
forças que atravessam o corpo. Uma vez que, a vontade de potência tem a ver com intensidade,
com corpo. Nesse sentido, segundo Deleuze, Nietzsche entendia a vontade de potência como
sendo um princípio intensivo, isto é, como princípio de intensidade pura.
Não obstante, a vontade de potência, segundo Deleuze, não se trata de um querer viver,
pois, não é uma vontade que deseja a potência ou que deseja dominar.
Com efeito, uma tal interpretação apresentaria dois inconvenientes. Se a
vontade de potência significasse querer a potência, ela, evidentemente, dependeria
dos valores estabelecidos, honrarias, dinheiro, poder social, pois esses valores
determinam a atribuição e a recognição da potência como objeto de desejo e de
vontade. E a vontade que quisesse uma tal potência somente a obteria
lançando-se numa luta ou num combate. Ademais, perguntemos: quem quer a
potência dessa maneira? quem deseja dominar? Precisamente aqueles que
Nietzsche chama de escravos, de fracos. Querer a potência é a imagem que os
impotentes constroem para si da vontade de potência (DELEUZE, 2005, p.
149 [grifos do autor]).
Deleuze afirma que a vontade de potência em seu mais elevado grau, ou seja, em sua forma
intensa ou intensiva, “não consiste em cobiçar e nem mesmo em tomar, mas em dar e em criar”
(Idem, p. 149). Em síntese, a potência não é aquilo que a vontade deseja, pelo contrário, é quem
quer na vontade. Isso porque a vontade de potência, segundo Deleuze, é “afirmação, afirmação
da diferença, jogo, prazer e dom, criação da distância. Mas, de baixo para o alto, tudo se inverte, a
afirmação se reflete em negação, a diferença em oposição; somente as coisas em baixo têm
inicialmente necessidade de se opor ao que não seja elas próprias” (Idem, p. 149-150).
O corpo como multiplicidade
É possível afirmar que o encontro provocado por Deleuze com Nietzsche e Spinoza está
intimamente relacionado com o corpo. É nesse sentido que em Nietzsche, segundo uma leitura
deleuziana, entende-se o corpo como sendo uma estrutura social “de impulsos e afetos que lutam
incessantemente para aumentar sua potência, subjugando outros conjuntos afetivos. A seu ver,
mesmo a alma deve ser remetida a este registro, já que não se distingue substancialmente do corpo”
(MOREIRA, 2011, p. 142). Conquanto que, em Spinoza, Deleuze trabalha com o conceito de corpo
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entendido como “uma estrutura complexa composta de outros corpos, e a mente como “ideia do
corpo” e “ideia da ideia do corpo”. Mente e corpo definidos como modos finitos dos atributos de
uma única substância, Deus” (Idem, p. 142). Sendo que, estes modos podem atingir variados graus de
potência segundo como as contingências apresentam-se.
Na ética de Spinoza, o corpo é apresentado como uma coisa singular, uma espécie de indivíduo
complexo; já que, é composto por outros corpos que tencionam para uma mesma ação; “se vários
indivíduos contribuem para uma única ação, de maneira tal que sejam todos, em conjunto, a
causa de um único efeito, considero-os todos, sob este aspecto, como uma única coisa singular”
(SPINOZA 15, EII Def. 7, 2011). Em suma, trata-se de um composto singular no qual o conjunto
das partes é a única causa de efeito e, por conseguinte, há um equilíbrio “interno na proporção de
movimento e repouso das partes que o compõe, já que sua conservação depende desta
proporcionalidade” (MOREIRA, 2011, p. 143). Não obstante, a mente é definida por Spinoza
como um paralelismo “ideia do corpo” e “ideia da ideia do corpo”, ou seja, “ela é consciência das
afecções do corpo, das alterações pelas quais ele passa para conservar seu equilíbrio, além de ser
consciência de si mesma” (Idem, p. 143).
Todavia, é preciso demarcar que não se trata de uma relação de causa e efeito entre mente e
corpo, uma vez que, o corpo não é capaz de determinar que a mente comece a pensar e nem a
mente pode determinar que corpo se coloque em movimento ou em repouso; “há uma
“simultaneidade” (ou paralelismo) do que ocorre em ambos, de modo que a ordem ou
encadeamento do que ocorre no corpo é simultânea à ordem do que ocorre na mente, não
significando com isto que haja uma relação causal aí posta” (Idem, p. 143).
Trata-se de um esforço simultâneo do corpo e da mente para a preservação. Seria algo
como uma potência de persistência: “assim, na medida em que o corpo se esforça para conservar
a proporção de movimento e repouso de seus constituintes, a mente também procura perseverar
em seu ser, através das ideias que produz” (Idem, p. 144). Disso, pode-se afirmar que Spinoza
assegura que todos os indivíduos são dotados de uma potência de agir; e, a partir de sua interação
com o mundo encontram-se coisas que aumentam ou diminuem sua potência de agir.
Não obstante, assim como em Spinoza, em Nietzsche, o corpo é também entendido e definido
como uma multiplicidade. No entanto, para filósofo alemão, segundo Deleuze, trata-se de uma
multiplicidade hierárquica e que está em constante luta por potência e não por conservação como em
Spinoza.
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Uma ética vitalista
Em epítome, como posto até aqui, pode-se afirmar que o encontro de Deleuze com as
filosofias de Nietzsche e de Spinoza ressoa uma ética vitalista, uma ética imanente. Uma ética que
trata da criação de modos de vida, de linhas de fuga. Já que essa ética pensada a partir de Deleuze
objetiva levar ao máximo a crítica da razão para que se possa evitar qualquer fragmento de
transcendência, isto é, levar a razão até o ponto que ela não dependa de nenhuma substância
transcendente. Isso porque uma ética vitalista na imanência absoluta não possui um fim último,
pois é livre de qualquer compromisso com algo que lhe seja externo e, por consequência, “a ação
esta aberta ao devir, à criação que, por sua vez, forma a razão prática ao invés de serem produto
de um “descobrimento da verdade” dos primeiros princípios” (BORGES, 2013, p. 105).
Referências Bibliográficas:
BORGES, Charles Irapuan Ferreira. Deleuze, ética e imanência. 2013. Dissertação de mestrado
apresentada ao programa de Mestrado em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. PUC, Porto alegre – RS.
___________. L'immanence: une vie. Philosophie, n.º47, Paris: Minuit, Setembro 1995.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. Tradução Bento Prado Jr e Alberto
Alonso Muñoz . Rio de Janeiro: 34, 1992.
DIAS, Souza. “Partir, evadir-se, traçar uma linha”: Deleuze e a literatura. Porto Alegre: Educação, 2007.
___________. A Última Fórmula de Deleuze. In. A criação no cruzamento entre arte e filosofia.
Lisboa: Grácio Editor, 2001.
MOREIRA, Adriana Belmonte. Nietzsche e Espinosa: Fundamentos para uma terapêutica dos
afetos; in. Cadernos Espinosanos XXIV. São Paulo, 2011.
SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad. Tomaz Tadeu; 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2011.
ZAOUI, Pierre. La “Grande Identité” Nietzsche-Spinoza. In. Philosophie n° 47, spécial Deleuze,
éditions de Minuit, Paris, 2000.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
424
APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO ROUSSEAUNIANO
DE AMOR-PRÓPRIO
Luana Aparecida de Oliveira
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Jean-Jacques Rousseau, em sua obra Emílio ou da educação, dividida em cinco livros, aborda a
educação natural e social a partir do processo educativo de Emílio, aluno fictício. Em relação à
educação social de Emílio, diz-se que se inicia somente na fase adulta, já que é o tornar-se adulto
é indício do ingresso na vida em sociedade; antes disso, o corpo e os sentidos não estariam aptos
para o “segundo nascimento”, termo empregado por Rousseau para indicar a educação social. Nesta,
serão ensinados os valores morais e a melhor forma de usar a razão, tendo em vista o
desenvolvimento da capacidade de dominar-se moralmente. O sucesso da educação social implica
na condição da educação natural ser bem sucedida, pois a estrutura cognitiva e moral do
educando dependem do seu desenvolvimento sensório-motor. A educação natural, chamada
também de educação negativa, abrange desde o nascimento até a idade de 12 anos (segunda
infância). Segundo Dalbosco:
A ênfase do processo pedagógico dessa fase recai sobre o fortalecimento do
corpo e o refinamento dos sentidos e, portanto, deve ser uma educação
orientada pelo convívio do educando com as coisas. Trata-se mais de uma
educação guiada pelas coisas do que discursiva, baseada na razão
(DALBOSCO, 2011b, p. 32).
De outro lado, a educação social que é uma educação moral, visa o preparo para o exercício
da autonomia, isto é, a promoção da independência do educando para que ele tenha condições de
viver em sociedade, de modo que possa desenvolver noções de bem e de mal para agir de forma
coerente na comunidade política, “[...] pois isso lhe daria então credencial para criticar os aspectos
corruptos e viciados das relações humanas e da ordem social mais ampla” (DALBOSCO, 2011b,
p. 36). Para Rousseau a base da República deve ser orientada pela ordem moral, no entanto a
formação moral do educando, quando torna-se social, é abalada substancialmente
investidas do amor-próprio .
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pelas
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Além do Emílio ou da Educação, Rousseau também trata dos conceitos de amor-de-si e de
amor-próprio no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Por meio
destes conceitos, o filósofo genebrino busca explicar hipoteticamente a origem da natureza
humana e de seu processo de socialização, assim como entender as razões que levam o homem à
corrupção. Mas o que significam estes conceitos e quais são suas implicações na moral e na
sociabilidade do homem?
Para Rousseau ambos são sentimentos que constituem a condição humana, quando criança,
o indivíduo possui as características do homem natural que é dominado pelo amor-de-si,
sentimento que já nasce com o ser humano. Apesar de sua bondade natural, o amor-de-si tem
como característica a neutralidade no sentido moral. Já na fase adulta quando ingressar na
sociedade, o sentimento do amor-próprio é que irá fazer parte do processo formativo do
indivíduo. Desta forma, o amor-próprio é construído por meio dos contatos externos, ou seja,
não nasce com o ser humano e sim se desenvolve nas relações sociais, ou em outros termos no
processo civilizatório. No entanto, estes dois sentimentos possuem diferenças mais acentuadas:
O amor de si, que só a nós mesmos considera, fica contente quando nossas
verdadeiras necessidades são satisfeitas, mas o amor-próprio, que se compara,
nunca está contente e nem poderia estar, pois esse sentimento, preferindo-nos
aos outros, também exige que os outros prefiram-nos a eles, o que é impossível.
Eis como as paixões doces e afetuosas nascem do amor-de-si, e como as
paixões odientas e irascíveis nascem do amor-próprio. (ROUSSEAU, 1999b, p.
275).
Portanto, conforme esclarece o genebrino, no amor-próprio a preferência é sempre por nós
mesmos e os demais ficam em segundo plano, de modo que o privilégio deve ser direcionado
para si e não para o outro; devido a isto, é que a bondade natural pertence ao amor-de-si e o
egoísmo calculado ao amor-próprio. Rousseau explica que o amor-de-si é a “[...] paixão primitiva,
inata, anterior a qualquer outra e da qual todas as outras não são, em certo sentido, senão
modificações” (ROUSSEAU, 1999b, p. 273). Muitas destas modificações são nocivas ao homem,
pois mudam sua própria natureza e o torna irascível.
O amor-de-si, sentimento inato à condição humana, conduz o homem à necessidade de
autoconservação, isto é, de cuidar de seu corpo e de pensar em meios de sua própria subsistência.
Em meio ao amor-de-si e ao amor-próprio há a piedade natural, enquanto o amor-de-si diz
respeito à conservação do indivíduo, por meio da piedade natural o homem preserva a sua
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espécie, pois consegue se colocar no lugar do seu semelhante que sofre e assim se solidarizar com
o mesmo, seja da mesma espécie ou simplesmente um ser vivo sensiente. Rousseau escreve no
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens que a piedade natural:
[...] é um sentimento natural que, moderando em cada indivíduo a atividade do
amor de si mesmo, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. É ela
que nos leva a socorrer, sem refletir, aqueles que vemos sofrer; é ela que no
estado de natureza, substitui leis, costumes e virtude, com a vantagem de
ninguém ficar tentado a desobedecer-lhe a doce voz [...] (ROUSSEAU, 1999a,
p. 192)
A piedade se encontra entre o amor-de-si e o amor-próprio e no estado de natureza está
enquanto potência, mas para se desenvolver plenamente precisa do contato com os demais. Ela
se dá antes da reflexão e quanto mais afetada e oprimida pelo amor-próprio mais enfraquece e
cede lugar às paixões humanas. O amor-próprio enquanto o sentimento do ser social, ao
contrário do amor-de-si que desperta a necessidade de autoconservação; está relacionado com as
necessidades artificiais e por isso dificilmente o homem conseguirá contentar seus desejos, visto
que está constantemente criando novas e falsas necessidades. Além do mais, para a realização de
suas necessidades poderá sacrificar as dos outros, já que não é possível que todos ao mesmo
tempo satisfaçam seus desejos, desta forma, estando os interesses concorrendo um com o outro e
havendo este embate de desejos, surgem então as disputas e as inimizades.
O amor-próprio é a morada das paixões prejudiciais que levam o homem à má inclinação,
quando em contato com o mundo social o ser comete erros devido a essas más paixões, assim
aos poucos seu estado original, ou seja, sua natureza isenta de vícios se modifica. Para Dalbosco:
[...] tal sentimento projeta o homem social para uma condição corrupta e
perversa [...] trata-se de um amor profundamente egoísta, voltado para si
mesmo, que coloca o homem particular no centro de tudo e de todos
(DALBOSCO, 2011b, p. 38).
As paixões que Rousseau denomina como repugnantes, tais como a inveja e a cobiça se
originam do amor-próprio, por isso diferente do amor-de-si este sentimento não é moralmente
neutro. Ele também contém em si o desejo de se sobressair em relação aos outros, em querer ser
superior aos demais para assim obter reconhecimento, aliás, o amor-de-si se transforma em
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amor-próprio justamente quando o homem começa a se comparar com os outros. É a partir
desta comparação que surge o desejo de estar sempre em primeiro lugar. Por isso:
Em relação ao Contrato Social, o modelo republicado governado por uma
vontade geral deve ser capaz de assegurar, tanto jurídico, como político e
moralmente, aos seus membros, uma forma substancial de reconhecimento
social que limite a aspiração do homem de querer alcançar obsessivamente uma
posição superior em relação aos outros homens. (DALBOSCO, 2011a, p. 20).
Esta ambição leva a uma constante disputa de uns contra os outros, pois não há quem
aceite estar numa posição inferior, disto decorre, como por exemplo, a insensibilidade diante do
sofrimento dos demais. Desta forma, em última instância, os efeitos deste sentimento pode
conduzir à destruição das relações sociais. Por isso a necessidade de limitar o desejo em querer
uma posição superior aos demais, todavia, será isto possível de ser realizado? Se esta limitação for
possível então o amor-próprio é capaz de ser normativo no que se refere à formação do caráter
do ser humano.
A partir da compreensão do conceito rousseauniano de amor-próprio que deriva o ser
social, é possível pensar que a socialização é em si mesma corrupta? Ou em outras palavras, a
sociabilidade leva necessariamente a uma sociedade corrompida? Se a formação moral depende
da socialização do homem, e se esta se constitui e se desenvolve de forma egoísta, então o ser já
está predeterminado à perversão moral e não há nada o que se fazer para mudar seu “destino”?
Mesmo sendo o amor-próprio o nascedouro das paixões, não há como transformar ou
superar o amor-próprio em amor-de-si e as paixões em moralidade de forma positiva? Não há
consenso entre os intérpretes de Rousseau no que se refere a estas questões, muitos se
posicionam de forma a destacar apenas o aspecto negativo do amor-próprio, isto é, seu lado
destrutivo. Assim, nesta perspectiva, entendendo-o unicamente enquanto lugar onde nascem as
paixões, a sociabilidade estaria determinada ao fracasso moral. Já outros comentadores pensam
ser possível uma “[...] educação do amor-próprio por meio do retorno do amor-de-si e do
sentimento de piedade a ele associado.” (DALBOSCO, 2011a, p. 16). Outros ainda preferem a
teoria de que o amor-próprio possui uma ambiguidade e que devido a isto há como educar este
sentimento.
A interpretação de que o amor-próprio é ambíguo compreende que este sentimento não
está voltado somente para o mal, mas também para o bem, ou seja, ele pode ser destrutivo assim
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como pode possuir caráter construtivo. Esta perspectiva parece ser a mais viável, mais coerente,
pois ao contrário, se dado enfoque apenas para seu lado negativo, todos os indivíduos estariam
absolutamente condenados à depravação moral de maneira irreversível. Também não é plausível
a ideia de educar o amor-próprio somente com o auxílio da piedade natural, é necessário que a
razão fundamente a piedade natural.
Diferente da conotação apenas negativa, o amor-próprio não é fixo, ele possui plasticidade
e por isso é capaz de promover aperfeiçoamento do ser humano. A capacidade de mudança é
própria deste sentimento, desta forma, assim como ele possui condições de produzir o mal,
também tem condições de “curar” o mal produzido. Em Rousseau o processo de socialização do
ser humano necessita comportar a dimensão e o significado social do conceito rousseauniano de
perfectibilidade, que é um dos atributos especificamente humano responsável pela degeneração
ou aperfeiçoamento do homem em sociedade. Uma espécie de flexibilidade em se adaptar a
situações diversas, assim como a aptidão a se auto-aperfeiçoar por meio dos aprendizados das
experiências que a vida social incita.
[...] há outra qualidade muito específica que os distingue, e sobre a qual não ode
haver contestação: a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade essa que, com a
ajuda das circunstancias, desenvolve sucessivamente todas as outras, e reside,
entre nós, tanto na espécie quanto no indivíduo [...] - enquanto o bicho, que
nada adquiriu e tampouco tem algo a perder, continua com seu instinto – o
homem, tornando a perder pela velhice ou por outros acidente tudo o que sua
perfectibilidade o fizera adquirir, recai assim mais baixo que o próprio bicho?
(ROUSSEAU, 1999a, p. 173-174).
Por meio da perfectibilidade o homem transforma o mundo à sua volta e também se
transforma. Assim, é possível que pela da perfectibilidade o amor-próprio assuma uma direção
construtiva para o ser humano. Outro atributo necessário para a sociabilidade é a
autoconservação, enquanto sentimento primário no homem e no animal, que se manifesta como
um instinto natural de preservação e de proteção da própria vida. Neste ponto, para que o amorpróprio seja reeducado com o objetivo de auxiliar o ser humano de forma construtiva, é
importante que o “colocar-se na perspectiva do outro” seja de modo positivo, isto é, não egoísta.
Por isso é essencial que a piedade natural esteja aliada à perfectibilidade humana, para então
considerar o ponto de vista e o sofrimento do outro, conforme esclarece Rousseau:
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Para tornar-se sensível e piedosa, é preciso que a criança saiba que existem seres
semelhantes a ela que sofrem o que ela sofreu, que sentem as dores que ela
sentiu e outras que deve ter ideia de que também poderá sofrer. De fato, como
nos deixaremos comover pela piedade, a não ser saindo de nós mesmos e
identificando-nos com o animal que sofre e deixando, por assim dizer, nosso
ser para assumir o seu? (ROUSSEAU, 1999b, p. 289).
O amor-próprio possui a capacidade da razão reflexiva, com esta capacidade e segundo o
Emílio também por meio da contribuição da ação pedagógica do educador, pode-se refletir sobre
seu próprio sentimento egoísta e, assim, agir com certa elevação moral na alteridade diante do
outro. Portanto, o amor-próprio pode ir além de si e se transformar em virtude, conforme
Rousseau: “Estendemos o amor-próprio aos outros seres, transformá-los-emos em virtude, e não
existe coração de homem em que essa virtude não tenha raiz.” (ROUSSEAU, 1999b, p. 335).
Dalbosco explica que o amor-próprio pode conseguir uma elevação virtuosa, pois “[...] a
passagem do amor-de-si para o amor-próprio não significa o desaparecimento por completo do
amor-de-si” (DALBOSCO, 2009, p. 16). O amor-próprio possui um caráter aporético, pois ele
não é puro egoísmo, corrupção e maldade, visto que este sentimento não elimina por completo
sua relação com o amor-de-si. A sociabilidade e a elevação da moral em seu aspecto positivo não
significam a anulação do amor-próprio em favor do amor-de-si, isto é, a primazia de um sobre o
outro, é possível sim, uma tensão dialética entre um e outro. Para tal, cabe ao homem domar e
educar suas paixões, mesmo que para isso viva em um constante confronto consigo.
Referências Bibliográficas
DALBOSCO, Claudio A. Aspiração por reconhecimento e educação do amor próprio em Jean-jaques
Rousseau. Revista Educação e Pesquisa. V 37,Nº 3 set/dez. São Paulo. 2011a. p 481 - 496.
___________. Crítica à cultura, sociabilidade moral e amour de l’ ordre em Rousseau. Revista Contexto &
Educação. Ano 24. Nº 82 Jul/Dez. Ijuí: Editora Unijuí, 2009. p 13-33.
___________. (org). Filosofia e educação no Emílio de Rousseau: o papel do educador como
governante. Campinas: Alínea, 2011b.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
430
ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos entre a desigualdade entre os homens :
precedido de discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado
Galvão. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes. 1999a.
___________. Emílio ou da educação. Tradução Roberto Leal. 2º Edição. São Paulo: Martins
Fontes, 1999b.
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431
DA CONCEPÇÃO DE VERDADE NA ONTOLOGIA FUNDAMENTAL DE
HEIDEGGER
Luana Borges Giacomini
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CNPq
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
RESUMO: O conceito de verdade, na ontologia fundamental de Martin Heidegger é o tema do
presente trabalho. Para tanto, a apresentação de alguns de seus principais pressupostos, conceitos
e argumentos serão apontados. A investigação será pautada, basicamente, em como Heidegger
compreende o conceito originário de verdade em Ser e tempo; bem como em que termos se
constitui a crítica do autor à compreensão tradicional (metafísica) de verdade. Muitas das críticas
feitas pelo filósofo ao conceito tradicional de verdade, dizem respeito a uma interpretação que
toma a verdade de modo reificado, ou seja, como uma coisa (res) dotada de propriedades
verificáveis. Para Heidegger, tal reificação é algo que se mostra apenas a partir de um
determinado comportamento do ser-aí (ente que pode compreender o sentido do ser e perguntar
pelo mesmo, além de indagar sobre outros pontos que deste derivam, como por exemplo: o
conceito de verdade).
Palavras-chave: Verdade; ontologia; Heidegger
O tema da verdade abordado por nós nesta pesquisa, por estar de algum modo implicado à
noção de ser, provoca um fecundo e crucial diálogo da ontologia fundamental de Heidegger com
a tradição metafísica. No interior deste projeto filosófico original, Heidegger aposta na
fenomenologia como meio de garantir a recolocação da pergunta pelo ser. Para este filósofo,
entretanto, a questão ontológica é abordada diferentemente da tradição, isso porque Heidegger
não desenvolve uma nova teoria sobre a essência do ser, não examina supostas propriedades de
um ser tratado objetivamente, tampouco transige com modelos teóricos usados pela metafísica
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para desse tratar. “A ontologia fundamental irá dissolver fundações ontológicas e revelar que
nossa existência não tem nenhuma base senão ela mesma” (RÉE, 2000, p.18). O que está em
questão, na ontologia fundamental de Ser e tempo é o sentido de ser. Contudo, esta investigação é
possível ao ser-aí (e é o que o caracteriza) pelo fato de possuir uma pré-compreensão de ser.
Devido a isso, o ser não o é totalmente velado. É importante grifar que o ser-aí, enquanto figura
central na recolocação da pergunta pelo sentido do ser, não constitui uma espécie de sujeito.
Segundo o filósofo, não se trata de uma entidade transcendental possuidora de propriedades ou
atributos subjetivos. O ente que compreende o ser é marcado pelo caráter ontológico de poderser e se autodeterminar na relação com os outros entes manifestos no horizonte compreensivo
que seu mundo constitui. Devido a isso, as possibilidades de ser do ser-aí estão sempre em jogo e
este só é o ente que é na medida em que existe no mundo.
O ser-aí compreende ser antes de lidar com as coisas, e isto, justifica seu privilégio
ontológico. O traço da pré-compreensão de ser é o que o diferencia dos demais entes. O animal,
por exemplo, não lida com seu ser, ou seja, é pobre de mundo. “Ele tem menos. Menos o quê?
Algo que lhe é acessível, algo com o que ele pode lidar enquanto animal, pelo que ele pode ser
afetado enquanto animal, com o que ele pode se encontrar em ligação enquanto vivente”
(HEIDEGGER, 2003, p.224). Contudo, deve-se enfatizar, que a “pobreza de mundo” do animal,
não implica em sua inferioridade perante o ser-aí, mas tão somente em sua impossibilidade de
poder se colocar a questão do ser:.
Todo e qualquer animal, toda e qualquer espécie animal é tão plena quanto
outra. Por tudo o que foi dito, torna-se evidente, desde o princípio, o discurso
da pobreza de mundo e da formação de mundo não deve ser tomado no
sentido de uma ordem de valores depreciativa. (HEIDEGGER, 2003, p. 225).
O comportamento aludido por Heidegger é aquele que presume o ser-aí distanciado dos
entes que o cercam. Tal comportamento toma tanto os entes quanto o próprio ser-aí, como
existências dadas e independentes de qualquer circunstancialidade, criando, então, uma espécie de
“hipóstase”.
Na história da filosofia, a maioria das tentativas de dizer o ser já sempre o tomaram como
conceito mais universal. Afirmar que o conceito de ser é o mais universal, não clarifica nada
acerca do mesmo, ao contrário, obscurece. Heidegger afirma que a questão do ser pode ter tido
alguma relevância em Platão e Aristóteles, mas desde tal época, a questão tem sido deixada de
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lado. Como o filósofo evidencia, isto ocorre justamente por se tornar um conceito universal,
como Jonathan Rée afirma: decaiu em “luminosa auto-evidência”.
supõe-se que o ser deve ser o mais universal de todos os conceitos, dado que
designa o que todas as coisas têm em comum. Em segundo lugar, assume-se
que o ser é vago e indefinível, pois como algo tão geral poderia ter alguma
característica distintiva? O terceiro pressuposto é o de que todos nós já
entendemos o que é o ser, sem ter sequer de pensar sobre ele – afinal, qualquer
criança sabe usar o verbo “ser”, e o que mais, além disso, poderia estar
envolvido em uma compreensão do significado de ser? (RÈE, 2000, p. 12)
Edmund Husserl já havia observado o comportamento hipostasiante em seu livro
intitulado: Investigações lógicas (1990). Nele, a fenomenologia toma as coisas do mundo como
fenômenos, ou seja, em seu acontecimento. Deste modo, a existência dessas coisas não é
independente, como afirmariam as ciências que compartilham do naturalismo, tanto idealista ou
racionalista. “Para Husserl, há de se aprender os fenômenos tal como percebidos pelos seus
dados imediatos à consciência”. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p.15).
Heidegger, leitor das investigações de Husserl, preserva em suas pesquisas o achado
fenomenológico que a intencionalidade constitui. Intencionalidade diz respeito a estrutura que
está de base:
é aquilo que caracteriza a consciência, e que justifica designar todo o fluxo de
vivido como fluxo de consciência. Tal estrutura permanece vigente no principal projeto filosófico
heideggeriano. No interior da ontologia fundamental, o ser-no-mundo resguarda a
intencionalidade na medida em que este ser-aí transcende ao mundo no qual os entes se mostram
de muitos modos.
Observemos que, para a fenomenologia, a essência não é algo para além do objeto, não se
trata de uma ideia que habita uma dimensão ulterior. A transcendência aqui não é o transportar-se
para uma instância supra-sensível, metafísica, mas o ato da consciência sem perceber o que há de
mais objetivo e imediato no fenômeno. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p. 17)
Na síntese heideggeriana da fenomenologia, ao invés de tomá-la por uma ciência dos
fenômenos, como Husserl afirmava, Heidegger a pensa como um método de investigação,
“porque um método se aplica sempre à resolução de problemas, somente após disso teríamos
uma disciplina, também a fenomenologia só poderia pretender esse status diante de uma
problemática” (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p.18).
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Assegurando as cabidas diferenças frente a Husserl, Heidegger observa uma tendência à
hipostasia, nos comportamentos do ser-no-mundo cotidiano, a qual Heidegger caracteriza como
um traço existencial do ser-aí. Com isso, é necessário enfatizar que a tendência hipostasiante não
é observada apenas na existência cotidiana do ser-aí, mas também, pode ser encontrada nas
manifestações singulares do mesmo, como é o caso do pensamento filosófico. Nas palavras de
Heidegger, Descartes, por exemplo:
não retira o modo de ser dos entes intramundanos deles mesmos. Com base
numa ideia de ser, velada em sua origem e não demonstrada em sua
legitimidade (ser=constância do ser simplesmente dado), ele prescreve ao
mundo o seu ser próprio”. (HEIDEGGER, 2012, p.148)
Apresentada a hipostasia, e esboçando o aporte fenomenológico que não apenas a detecta,
mas que também a qualifica, torna-se possível indicar que o conceito de verdade, tal como na
maioria das vezes compreendido no âmbito filosófico tradicional, ou seja, como adequação (neste
caso a verdade pensada como a concordância de uma proposição de um sujeito sobre um estado
de coisas verificável) também sofre influência das compreensões hipostasiadas da consciência, as
quais se consolidam e se perpetuam na maneira com a qual são historicamente legadas.
Podemos dizer que um dos projetos essenciais de Ser e tempo, se refere à hermenêutica da
facticidade. A facticidade determina quem somos, diz respeito ao modo como já nos colocamos
no mundo de fato. O homem lançado no mundo, já conta com o mundo que existe antes dele,
ou seja, já conta com um modo, com uma facticidade. Até mesmo a tradição filosófica conta com
uma facticidade específica.
O esforço heideggeriano consiste em mostrar que na noção tradicional de verdade ainda
permanece encoberto o horizonte fenomenal (intencional) do ser-no-mundo. Deste modo, a
facticidade do ser-no-mundo, uma vez insuficientemente tematizada, deixa de revelar o horizonte
fenomenal no qual a verdade se configura a este ente sempre como acontecimentos de verdade
em circunstâncias fáticas específicas. Do contrário, o conceito passa a ser interpretado, como
uma propriedade de entes tomados como subsistentes por si só e independentes do ser-nomundo.
No livro intitulado Introdução à filosofia, especificamente no §12, Heidegger fala da
necessidade de “elucidar a diversidade da verdade do ente nela manifesto se caracterizarmos mais
proximamente os diversos modos de ser do ente e demonstrarmos como, por meio desses
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diversos modos, é a cada vez exigido um modo próprio da verdade” (HEIDEGGER, 2009,
p.87). O comportamento hipostasiante da metafísica tradicional, tende a interpretar a si e os
demais entes como dotados de propriedades (substancialidade, realidade...) e, podemos
acrescentar agora, no que concerne ao conceito de verdade, a mesma “mecânica” se aplica. Isso
quer dizer que a verdade deixa de se mostrar em seu fenômeno originário, aberto em sua
possibilidade no horizonte intencional do ser-aí, para reduzir-se a uma relação de
correspondência, a saber: a concordância de um sujeito que efetua proposições acerca de um
estado de coisas verificável. Neste caso, a verdade como tradicionalmente compreendida, é o
juízo adequado entre dois tipos de coisas (uma res cogitans e uma res extensa). Segundo
Heidegger, esta formulação já pode ser encontrada nas leituras tradicionais de Aristóteles. Para
essas, o pai da lógica entende que a verdade seria a ligação lógico-judicativa entre os elementos
aludidos.
Heidegger compreende que a metafisica tradicional, em suas diversas tentativas de
determinação da verdade fundamental e todos os entes, incorre na ingenuidade hermenêutica de
ao lançar-se neste empreendimento, tomando critérios ônticos para determinar uma instância
ontológico-fundamental. O lugar originário da verdade, não é a adequação da proposição à coisa,
pois qualquer proposição veritativa não pode prescindir de ser descobridora do que seja a
verdade; dito de outro modo, qualquer discurso (logos) que acerca do verdadeiro e que se
trasponha para a forma conceitual de verdade de dá “originalmente em seu horizonte
intencional”, (HEIDEGGER, 2012, p.31) não podendo deixar de levar em conta o âmbito
compreensivo no qual esta verdade é descoberta: o horizonte compreensivo do ser-no-mundo.
Afinal, ser-verdadeiro (verdade) diz ser-descobridor e este, por sua vez, é um modo de ser do seraí.
Referências Bibliográficas:
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback; posfácio de Emmanuel
Carneiro Leão. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
___________. Os conceitos fundamentais da metafísica. Trad. Marco Antônio Casanova. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
436
___________. Introdução à filosofia. Trad. Marco Antonio Casanova 2.ed. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2009.
KAHLMEYER-MERTENS. Roberto S. Heidegger & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2008.
RÉE, Jonathan. Heidegger – História e verdade em Ser e tempo. Trad. José Oscar de Almeida Marques,
Karen Volobuef. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
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A TEORIA QUEER E A PRODUÇÃO DE UM CORPO SEM ÓRGÃOS.
Lucas Henrique Nunes Batista
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista Fundação Araucária.
[email protected]
Orientador: Profª. Drª. Ester Maria Dreher Heuser.
RESUMO: O seguinte trabalho tem como proposta abordar elementos da Teoria Queer e, em
conjunto, trabalhar o conceito de corpo sem órgãos de Deleuze e Guattari fazendo uma relação
entre eles. Também se tem a intenção de explicitar o que estes dois autores têm a dizer sobre a
Teoria Queer trabalhada no pós-estruturalismo francês. Primeiramente se fará uso da
interpretação da autora Guacira Lopes Louro para melhor entender o que essa teoria tem a dizer,
desde que esta orienta-se pelo pós-estruturalismo e usa de filósofos como Deleuze e Guatarri
para elaborar seus estudos nessa área. A Teoria Queer está preocupada em discutir as novas
formas de identidades, sexuais e de gênero, bem como teorizar formas de viver o próprio corpo.
Segundo Louro, existem muitas formas de fazer-se mulher ou homem, e várias possibilidades de
viver prazeres em desejos corporais, porém estas práticas são previamente estabelecidas,
anunciadas e promovidas socialmente como formas desviantes de comportamento e vistas como
uma anormalidade. O que acaba por determinar os indivíduos “anormais” como seres abjetos,
pois a sociedade ainda está pautada numa visão heteronormativa que centra as relações humanas
num binarismo Homem-Mulher. Os escritos de Gilles Deleuze e Felix Guattari abordam a
questão da sexualidade, gênero e corpo como devir e como processo. A partir de O anti-Édipo e
Mil Plâtos, Louro percebe forças para tratar da “queerização”, na medida em que percebe os
filósofos criticarem a noção de “normalidade” e o comportamento imposto sobre os modos de
vida existentes numa sociedade pautada pela heteronormatividade e pelo capitalismo, sendo assim
burguesamente institucionalizada. Com este pano de fundo, se abordará o conceito de Corpo sem
Órgãos e um possível diálogo com a Teoria Queer.
Palavras-chave: Teoria Queer; corpo sem órgãos; Deleuze; Guattari
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O corpo sem órgãos (CsO) é um conceito desenvolvido por Deuleuze e Guattari a partir
de um poema de Artaud, é desenvolvido nas obras o Anti–Édipo e Mil Plâtos, o corpo sem órgãos
faz parte de um tipo de vida nômade, segundo eles, é a maneira de pensar com o corpo; o corpo
sem órgãos está a caminho quando o corpo se cansou do funcionamento determinado dos
próprios órgãos e quer assim licenciá-los, porém isso não quer dizer que o corpo seja contrário
aos órgãos. Este conceito não se opõe aos órgãos propriamente ditos, mas a ideia de um
organismo, que faz com que cada parte do corpo seja inserida dentro de um contexto,
organizando-o, codificando-o e, assim, determinando-lhe uma função para desempenhar, fazendo
com que o corpo se feche para outros modos de individuação e para novas experimentações.
Quando se começa a desencadear seu devir para a experimentação do corpo sem órgãos,
significa que há uma inconformidade do corpo diante do organismo, ou seja, é o mesmo que
dizer que o corpo se cansou dos órgãos e quer liberta-los, pois segundo os autores : “O corpo é o
corpo” (1996, p.21), ou seja, ele é corpo sem precisar de um organismo, é independente desse
organismo, ou seja, dessa organização que fizeram dele. Vejamos uma citação de Deleuze e
Guattari sobre isso:
O organismo não é corpo, o CsO, mas um estrato sobre CsO, quer dizer
um fenômeno de acumulação, de coagulação, de sedimentação que lhe
impõe formas, funções, ligações, organizações dominantes e
hierarquizadas, transcendências organizadas para extrair um trabalho útil
(DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.21).
Quando dependemos do organismo, estamos presos a padrões estabelecidos pela e na
sociedade, ficamos vulneráveis a censuras, repressões, regras, interpretações e automatismos. O
CsO não reprime os impulsos, mas sim pertence a uma conexão de desejos, é a existência
enquanto criação contínua, o que torna o CsO não apenas um corpo, mas sim um corpo
constituinte. O mesmo tenta superar a padronização e o utilitarismo que fizeram do corpo e, por
consequência, de certa maneira fugir da estratificação, mas não a descartando por completo,
segundo os autores, como veremos adiante, é preciso guardar um pouco dos estratos que nos
perpassam, ou seja, um tanto de organização é importante.
Em suma, a intenção é desprender o corpo das amarras que o tornam um organismo e
impedem que intensidades e novas sensações passem por ele, porém, Deleuze e Guatarri afirmam
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439
que, quando se pretende desencadear essa experimentação, é preciso ter prudência, ela que fará
toda a diferença nesse processo para que se tenha sucesso nas experimentações com o corpo.
Não digo sabedoria, mas prudência como dose, como regra imanente à
experimentação: injeções de prudência. Muitos são derrotados nessa batalha.
Será tão triste e perigoso não mais suportar os olhos pra ver, os pulmões para
respirar, a boca para engolir, a língua para falar, o cérebro para pensar, o ânus e
a laringe, a cabeça e as pernas? Por que não caminhar com a cabeça, cantar o
sinus, ver com a pele, respirar com o ventre, Coisas Simples, Entidade, Corpo
Pleno, Viagem Imóvel, Anorexia, Visão cutânea, Yoga, Krishna, Love,
Experimentação (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 11).
Criar um corpo sem órgãos, desarticular um organismo, é uma experimentação que tende
ao inacabado e visa abrir o corpo para novas conexões; sua intenção é que se possa passar pelo
corpo novas intensidades, mas claro, como ressaltam os autores, com uma dose de prudência
para que isso não leve à loucura ou até mesmo à morte. O CsO tende a novos devires,
libertando-se do que ele foi institucionalizado para ser, que projeta uma finalidade para cada parte
do nosso corpo e assim o transforma num organismo. A intenção de um CsO é permitir que o
corpo possa se libertar entendendo que quando ele se fecha para a lógica de uma finalidade o
mesmo deixa de experimentar suas múltiplas possibilidades.
O corpo tem que se libertar da estratificação que o bloqueia ou o rebaixa, Deleuze e
Guattari consideram três grandes estratos que estão relacionados a nós, quer dizer, aqueles que
nos prendem mais diretamente: o organismo, a significância e a subjetivação. A superfície de
organismo, o ângulo de significância e de interpretação, o ponto de subjetivação ou de sujeição,
fazem com que o sujeito seja organizado em um organismo que articulará o seu corpo – senão
for dentro dessa lógica, você será um depravado. Você será significante e significado, intérprete e
interpretado, senão será desviante. Fazendo então com que nos tornemos sujeitos e, como tais,
algo fixado, sem movimento de transformação, sujeitos de enunciação rebatidos sobre um sujeito
de enunciado. Importante destacar que, criar um CsO não é o mesmo que matar a si mesmo, mas
abrir o corpo a conexões que supõem agenciamentos, circuitos, conjunções, superposições e
limiares, passagens e distribuições de intensidades, territórios e desterritorializações medidas à
maneira de um agrimensor. A intenção é liberar a consciência do sujeito para fazer dela um meio
de exploração, arrancar o inconsciente da significância (do valor que o sujeito dá ao objeto), e da
interpretação para fazer dele uma verdadeira produção, porém, isso não é de total segurança nem
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440
mais nem menos difícil do que arrancar o corpo do que o torna um organismo. Vale ainda
reafirmar o que Deleuze e Guattari dizem a todo momento sobre o valor da prudência nessa
produção: “A prudência é a arte comum dos três; e se acontece que se tangencie a morte ao se
desfazer do organismo, tangencie-se o falso, o ilusório, o alucinatório, a morte psíquica ao se
furtar à significância e á sujeição” (DELEUZE; GUATTARI, p.22).
Segundo os autores, é necessário guardar o suficiente do organismo para que ele se
recomponha, ou seja, não é necessário se desfazer completamente da interpretação e da
significação, segundo eles, é necessário preserva-las inclusive para opô-las a seu próprio sistema,
quando as circunstâncias o exigirem, quando as coisas, as pessoas, inclusive as situações, nos
obrigarem. Também pequenas doses de subjetividade são necessárias para que se conserve o
suficiente do organismo e para que, assim, se possa responder a realidade dominante. Por isso
que a prudência entra como fator inteiramente necessário para esta produção, pois, por mais que
se tente fugir do organismo e da estratificação, ainda assim se fará uso delas, para que se possa
responder à realidade e não correr o risco de trilhar o caminho da morte. O que se torna claro
nessa afirmação dos autores:
Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem
prudência e vocês mesmos se matarão, encravados num buraco negro, ou
mesmo envolvidos numa catástrofe, ao invés de traçar o plano. O pior não é
permanecer estratificado – organizado significado, sujeitado –, mas precipitar os
estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais
pesados do que nunca. Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre
um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um
lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga
possíveis, vivencia-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar
segmento por segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno
pedaço de uma nova terra (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 24).
Criar um corpo sem órgãos para si mesmo é, antes de tudo, descontruir o corpo tal como
as segmentaridades em que nos constituímos nos organizaram, com o intuito de construir
outro/s novos corpo/s e não destruí-lo. Segundo Deleuze e Guattari o CsO é um exercício, uma
experimentação inevitável já feita no momento em que você a empreende, não ainda efetuada se
você não a começou. Porém isso não é tranquilizador, pois sendo o CsO uma experimentação, se
está exposto a falhas como as apontadas pelos filósofos, as quais podem conduzir até a morte.
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441
O CsO joga com o desejo e o não-desejo, ele não é uma noção, um conceito – ainda que
façamos um esforço de definí-lo, mas antes de tudo é uma prática, ou melhor um conjunto de
práticas. Nele nunca se chega, não se pode chegar, ele não tem um ciclo, não tem começo, nem
tem um fim, ele é puro devir. O corpo sem órgãos é uma disposição perante ao inacabado, onde
não há limites, o limite é imposto pelo próprio sujeito, e as consequências afetam diretamente a
ele/ela; implica em usar a subjetividade como uma base para que assim se possa preservar a si
mesmo, sem ter que exclui-la completamente, para que possam criar novas singularidades que
transpõem padrões e regras. Para a filosofia de Deleuze e Guattari, na ideia de um CsO está
contida a de um corpo livre de interpretação e juízos morais previamente determinados. Em
poucas palavras, por meio do CsO, os filósofos podem pensar a criação de um corpo aberto a
novas experimentações e novas formas de subjetivação. Este conceito será uma importante
ferramenta para a Teoria Queer a fim de problematizar as questões de gênero e sexualidade.
Pelos estudos de Guacira Lopes, professora e pesquisadora brasileira e teórica Queer,
conseguimos perceber esse fluxo quando ela pensa o corpo e os usos que dele podem ser feitos;
contudo, essa alteração, esse devir não são levados em conta apenas quando se trata de
sexualidade e gênero, como se dependesse exclusivamente da mudança de sexualidade para outra,
ou de um gênero a outro, mas sim na forma de vivencia-los, na sua postura política, ética e moral.
Em um fragmento do livro Corpo Educado-Pedagogias da Sexualidade, organizado por Guacira Lopes,
a autora trata da questão da identidade sexual e de gênero como algo que não é dado por
natureza, e muito menos como algo que seja inerente ao ser humano, essas formas de
comportamento estão baseadas numa normatividade da sociedade, numa visão heteronormativa.
Segundo ela, muitos consideram que a sexualidade é algo que todos nós, mulheres e homens,
possuímos "naturalmente".
Aceitando essa ideia, fica sem sentido argumentar a respeito de sua dimensão social e
política ou a respeito de seu caráter construído. A sexualidade seria algo "dado" pela natureza,
inerente ao ser humano. Tal concepção usualmente se ancora no corpo e na suposição de que
todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma. No entanto, podemos entender
que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções...
Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente
"natural" nesse terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza.
Através de processos culturais, definimos o que é — ou não — natural; produzimos e
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442
transformamos a natureza e a biologia e, conseqüentemente, as tornamos históricas. Os corpos
ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é
feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura.
As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são
sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto,
compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma
sociedade (LOURO, 2010, p.8-9).
Pode-se notar que relações de gênero e sexualidade, comportamentos, formas de
expressão, maneiras de sentir prazer, são codificadas no seio de nossa sociedade e, assim,
recebem valores morais baseados na visão heteronormativa, tornando os indivíduos que praticam
relações diversas, seres desviantes das relações normativas imposta pela sociedade, como
humanos taxados de “anormais”, de abjetos. Porém, Lobo defende que cada indivíduo tem uma
maneira de viver seu próprio corpo, de se experimentar, de sentir prazer; que cada sujeito cria seu
próprio modo de vida, alguns vinculados e outros desvinculados do padrão que é imposto pela
sociedade. Ou seja, impor um gênero e uma sexualidade antes mesmo que os indivíduos tenham
consciência de seu próprio corpo é tentar fechá-lo em uma norma imposta, impedi-lo de novas
experimentações; o que torna o sujeito que se desvia dessa normatividade social um transgressor.
Visto por esse viés, fica claro que o conceito, ou melhor, a experimentação do CsO, proposta por
Deleuze e Guattari, tem relação com a concepção de corpo da autora bem como com os “seres
estranhos” que são “objetos” de análise da Teoria Queer, pois eles são desvios dos padrões
impostos pela/na sociedade e pela/na cultura, assim como aqueles que desencadeiam
movimentos de libertação das estratificações para viverem novos fluxos e criarem para si outras
identidades que fujam do que é comumente convencional.
Ainda que a Teoria Queer tenha se desenvolvido marcadamente nos EUA a partir do final
dos anos 80 e que críticos americanos credenciem a si o fato de terem a inventado, o cerne da
temática já havia sido debatido desde 1968. No caso de Deleuze e Guattari, isso se deu na medida
em que exploraram a desestabilização de um “si mesmo” e do que hoje chamamos de
"sexualidades não-normativas". Filosoficamente é, especialmente, nos escritos de Deleuze e
Guattari que a questão da sexualidade e da identidade de gênero como “queer”, ou seja, como
devir e como um processo de diferir-se da diferença, é levantado. Podemos notar que nos
escritos dos autores do Anti-Édipo, tanto a sexualidade quanto os debates em torno das questões
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443
de gênero são abordadas como um devir, um processo de transformação e de fluxos contínuos
em busca de novas conexões; foram esses estudos que possibilitaram aos filósofos construírem,
em 1980, no Mil Platôs, a complexa noção de CsO, como foi visto antes.
Desde o Anti-Édipo até Mil Platôs (DELEUZE; GUATTARI, 1977, 1987), a queerização é
discutida e realizada no contexto de ataque do filósofo à “normalidade” e aos comportamentos
impostos em uma sociedade capitalista e burguesamente institucionalizada. É nesse aspecto que
a Teoria Queer se relaciona com o conceito de CsO, primeiro por ter essa concepção de
experimentação e de novos afetos, e de fugir da normalidade previamente estabelecida pela
sociedade. Ambos visam criar novas formas de vida e experimentação, e encontrar maneiras de se
livrar dos julgamentos vigentes na sociedade. Ainda há muito a se pesquisar para que esta ideia de
experimentação do CsO fique mais clara para nós e seja abordada mais profundamente em
pesquisas futuras; mas consideramos ser possível afirmar que tanto a filosofia de Deleuze e
Guattari, quanto os estudos relacionados a Teoria Queer afirmam a potência que há no desvio, na
quebra com o que é considerado normal cultural e historicamente na sociedade, bem como
mostram que, com prudência, o desvio da heteronormatividade imposta e da codificação dos
corpos como meras máquinas que desempenham funções úteis a um determinado tipo de
organização visa somente à utilidade e faz com que deixemo-nos de experimentar novas formas
de vida e novos mundos possíveis.
Referências Bibliográficas:
DELEUZE, G; GUATARRI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora
34, 1996.
LOURO, G. L.(Org.). O corpo educado. Pedagogias da sexualidade. 3 ed. Belo Horizonte: Autentica
Editora, 2010.
Conley VA.Trinta e seis mil formas de amor: A queerização de Deleuze e Guattari. Trajetória Queer:
Deleuze e a Teoria Queer. (Nigianni C).; 2009.
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444
RACIONALIDADE CRÍTICA E RACIONALIDADE TECNOLÓGICA:
CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A TECNOLOGIA NA SOCIEDADE
CAPITALISTA A PARTIR DO PENSAMENTO DE MARCUSE
Luís Fernando Jacques
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Bolsista CAPES/Fundação Araucária
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. José Luiz Ames
RESUMO: Este artigo apresenta, a partir do pensamento de Marcuse, algumas reflexões sobre a
tecnologia no contexto da sociedade capitalista e suas implicações para as relações sociais de
produção. As relações sociais de produção mecanizadas perpetuam o controle social exercido
pela classe dominante, no que se configura enquanto 'tecnocracia': uma espécie de autoritarismo
científico da tecnologia. Nesse contexto, a extração de mais-valia relativa e a racionalidade
tecnológica desempenham um papel destacado no processo da produção, como forma velada de
encobrir, no interior do ambiente de trabalho, relações sociais de dominação do capital. Em
contrapartida, precisamos construir uma nova racionalidade crítica que liberte o homem do
processo de mecanização da vida, apontando para a superação do capital em prol da efetivação
do reino da necessidade e da liberdade de fato.
Palavras-chave: Tecnologia; tecnocracia; mais-valia relativa; racionalidade crítica e racionalidade
tecnológica; relações sociais de produção.
O filósofo Herbert Marcuse (1898-1979) em um de seus artigos intitulado Algumas
implicações sociais da tecnologia moderna101, expõe um conjunto de interessantes reflexões sobre a
relação entre a tecnologia no contexto da sociedade capitalista e suas implicações com as relações
sociais de produção, sem perder do horizonte da crítica, a relação entre a tecnologia e o fascismo,
Tecnologia, guerra e fascismo. Coletânea de artigos de Herbert Marcuse. Edição de Douglas Keller; tradução de Maria
Cristina Vidal Borba; revisão de tradução Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.
101
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445
mais especificamente sobre o uso da técnica durante o período histórico na Alemanha marcado
pela ascensão do nazismo (nacional-socialismo alemão).102
A tecnologia é vista por Marcuse antes de qualquer coisa, enquanto processo social de
produção que não se resume somente ao conjunto de dispositivos e instrumentos técnicos que
auxiliam a atividade humana, mas para além desta visão parcial e fetichizada da realidade social, a
tecnologia é “uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma das
manifestações do pensamento e dos padrões de comportamento dominante, um instrumento de
controle e dominação” (MARCUSE, 1999, p. 73). A tecnologia enquanto conceito abstrato e
progressista, desprovido de determinações sociais e históricas, pode tanto promover a liberdade
humana gerada pela abundância produtiva – o fim do trabalho árduo – ou a escravização humana
pelo autoritarismo técnico e científico. Marcuse denomina como tecnocracia este autoritarismo
científico da tecnologia, que reflete a correlação de forças das relações sociais de dominação e
opressão, que foram exemplificadas historicamente pelo uso científico-ideológico da técnica pelos
nazistas durante o período que dominaram a Alemanha. Este período histórico foi destacado pela
“economia altamente racionalizada e mecanizada, com a máxima eficiência de produção”
(MARCUSE, 1999, p. 74) que acabou por perpetuar a escassez e o sistema opressor ideológicototalitário.
Estes são momentos históricos marcantes, que exemplificam uma das facetes do
totalitarismo tecnológico, em outras palavras, sobre como o terror pode ser não só sustentado
pela força física bruta, mas pode ser difundido de maneira sutil e velado por meio da manipulação
da tecnologia, gerada pelo aperfeiçoamento do modo de produção burguês-capitalista.
A intensificação do trabalho, a propaganda, o treinamento de jovens e
operários, a organização da burocracia governamental, industrial e partidária –
que juntos constituem os implementos diários do terror – seguem as diretrizes
da maior eficiência tecnológica. Essa tecnocracia terrorista não pode ser
atribuída aos requisitos excepcionais da “economia de guerra”; a economia de
guerra é, antes, o estado normal do ordenamento nacional-socialista do
processo social e econômico, e a tecnologia é um dos principais estímulos desse
ordenamento (MARCUSE, 1999, p. 74).
Período histórico compreendido entre os anos de 1933 até 1945, na qual o partido nazista controlou a Alemanha.
Um dos ideais do partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães (Partido Nazista) expressos em seu programa
proclamado em 1920 que são o antiparlamentarismo, o antissemitismo/antijudaísmo, o anticomunismo, o
totalitarismo, entre outros.
102
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446
Uma das questões de consequências ideológicas que nos deparamos por meio da análise
marcusiana se dá no interior do processo de aperfeiçoamento tecnológico, na qual surgem novas
concepções e padrões de racionalidade e de individualidade que transcendem a esfera da
produção, e acabam por influenciar e determinar a base material e espiritual do pensamento da
sociedade civil. Não são somente ideias que partem do aperfeiçoamento da maquinaria e da
extração de mais-valia relativa no interior da esfera produtiva, mas que se tornam ideias
autorreferentes que determinam por elas mesmas o próprio processo de produção. A extração de
mais-valia relativa desempenha um papel destacado neste processo de evolução tecnológica no
modo de produção, pois a partir de Marx podemos perceber que esta é mais-valia mais sutil e
velada no interior do ambiente de trabalho. O trabalhador acaba por se tornar sutilmente um
apêndice103 da máquina, podendo ser substituído a qualquer momento pelos administradores do
processo de produção. É a partir do investimento em mais tecnologia e ciência pelo capitalista,
que ele consegue reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção das mercadorias,
embora, sem que com isso, altere os salários e as condições reais de trabalho do proletariado. Nas
palavras de Marx:
Chamamos mais-valia relativa absoluta a mais-valia produzida pelo simples
prolongamento da jornada de trabalho, e a mais-valia relativa a mais-valia que
provém ao contrário da abreviação do tempo de trabalho necessário e do
correspondente da grandeza relativa das dez partes da qual é composta a
jornada (MARX, 1963, p. 852, tradução nossa).
Dentro desse processo intenso de mudanças do sistema de produção mecanizado, novos
valores individualistas e concepções de mundo vão sendo criados para perpetuar o controle social
através da ideologia dominante. O princípio do individualismo acaba por colocar o próprio
indivíduo contra a sociedade civil, pois torna gradativamente os interesses imediatos dos
indivíduos contrários ao sistema de regras sociais vigentes, guiados pela tecnocracia e pelo modo
de produção burguês.
Segundo Marcuse, é por causa das imposições tecnocráticas desse modelo de produção que
ocorre a perda da espontaneidade e das potencialidades subjetivas dos trabalhadores, culminando
na transferência da espontaneidade subjetiva dos indivíduos para uma personalidade objetiva
Taylor, o fundador do modo de produção taylorista (processo de produção em série, baseado na divisão social do
trabalho), denomina “gentilmente” o trabalhador que opera as máquinas de gorila amestrado.
103
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447
encarnada na maquinaria de fábrica. Desse modo, podemos afirmar que o capitalismo barra toda
a potencialidade crítica das novas invenções científicas, pois subordina a subjetividade criativa
dos indivíduos ao processo de produção. A ciência e a tecnologia tornam-se submissas aos
ditamos do capital; todas as invenções104 e descobertas inseridas no modo de produção capitalista,
ou são arquivadas ou subsumidas dentro do próprio sistema, assim que tais ameacem interferir
nas taxas de lucratividade do mercado. Por isso, todo protesto contra a padronização do
comportamento dos trabalhadores pela tecnocracia é conceituada como insensata e excêntrica.
“[...] o aparato o qual o indivíduo deve ajustar-se e adaptar-se é tão racional que o protesto e a
libertação individual parecem, além de inúteis, absolutamente irracionais” (MARCUSE, 1999, p.
82). Neste sentido, todas as potencialidades de manifestação do pensamento crítico e autônomo
são interrompidas pela “[...] padronização do pensamento sob o controle da racionalidade
tecnológica” (MARCUSE, 1999, p. 85).
Ser bem-sucedido dentro desse sistema social é sinônimo de adaptação aos ditames da
tecnologia burguesa; não existe espaço para a autonomia e para criticidade. As relações sociais
tornam-se cada vez mais mediadas pelo processo da máquina. A máquina é idolatrada deixando
de ser apenas matéria, para torna-se algo semelhante ao homem. O homem se torna máquina e a
máquina torna-se homem, pois cada vez mais, a eficiência da razão tecnológica torna-se eficiência
lucrativa, racionalização vira sinônimo de padronização. Conforme Marcuse, a padronização do
sistema de produção e consumo capitalista, cavou um túmulo para a razão.
A ideia da eficiência submissa ilustra perfeitamente a estrutura da racionalidade
tecnológica. A racionalidade está se transformando de força crítica em força de
ajuste e submissão. A autonomia da razão perde seu sentido na mesma medida
em que os pensamentos, sentimentos e ações do homem são moldados pelas
exigências técnicas do aparato que ele mesmo criou (MARCUSE, 1999, p. 84).
Esse processo que denominamos de mecanização da vida, não se restringe somente ao
ambiente de trabalho, mas afeta e condiciona também o tempo livre e a esfera do lazer dos
trabalhadores. A ordem tecnológica da divisão social do trabalho influencia e condiciona a ordem
social e os espaços de socialização dos indivíduos. Os padrões de comportamento cada vez mais
mecanizados influenciam as relações humanas, tanto de dentro para fora como de fora para
Somente numa sociedade verdadeiramente emancipada a ciência e a tecnologia poderão libertar-se e efetivarem-se
enquanto tal, em outras palavras, a ciência e a tecnologia estarão a serviço da humanidade e não mais a serviço do
capital.
104
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448
dentro; a imposição constante das regras da eficiência competitiva aos trabalhadores é tão
avassaladora que, cada indivíduo torna-se um déspota de si mesmo e dos outros no ambiente de
trabalho. O trabalhador acaba por realizar um processo de “autoconcorrência de si mesmo”,
tanto individualmente como socialmente, exigindo cada vez mais de si e dos outros; se não
cumpre as metas ou atende as expectativas da eficiência competitiva e tecnocrática, pensa que o
problema reside nele e não culpa do sistema de produção competitivo e opressor.
Marcuse aponta uma série de fatores que contribuíram ao processo de despotencialização
do pensamento crítico em contrapartida ao avanço do pensamento conduzido pela racionalidade
tecnológica. “Os homens, seguindo sua própria razão, seguem aqueles que fazem uso lucrativo da
razão” (MARCUSE, 1999, p. 86).105 Marcuse também aponta que algumas importantes
organizações de oposição ao sistema contribuíram no processo de despotencialização do
pensamento crítico ao se incorporarem no aparato ideológico da racionalidade tecnológica. A
“Federação americana do trabalho (AFL)” afirmava em 1940 que era uma organização comercial
de interesse privado que tinha como missão “manter os preços altos e a oferta baixa, bem de
acordo com a moda habitual de gerenciamento de outros interesses particulares” (VEBLEN apud
MARCUSE, 1999, p. 87).106 Portanto os valores de verdade e concepções de mundo das
organizações sociais, modificam-se na medida em que vão se enquadrando às regras da
racionalidade tecnológica. Herbert Marcuse também afirma que nesse processo de incorporação
dos grupos de oposição ao pensamento burguês vigente, tais organizações “foram se
transformando em partidos de massa e suas lideranças em burocracias de massa” (MARCUSE,
1999, p. 88). Neste sentido, existem diferenças entre o conceito de massa e de indivíduo.
Certamente uma multidão é um conjunto de indivíduos unidos pelos mesmos interesses, porém,
a multidão une indivíduos “atomizados” buscando por meio da legitimidade da multidão,
satisfazer seus interesses individualistas e competitivos. Segundo Marcuse, a especialização e a
metodologia de testes vocacionais empregados pela psicologia burguesa atendem a lógica da
racionalidade tecnológica, ao individualizar cada vez mais as pessoas no processo produtivo
mecanizado e nos espaços coletivos.
Nesta citação percebemos uma crítica indireta ao conceito do uso público da razão de Kant em seu conhecido
texto “Resposta a pergunta: o que é esclarecimento?”, na qual Kant deposita a responsabilidade da falta de
esclarecimento como consequência da preguiça e covardia dos homens. Kant também restringe o uso público da
razão apenas pela escrita e pelo uso de pessoas alfabetizadas. Em outras palavras, o trabalhador analfabeto ou
semianalfabeto que trabalha na fábrica, não teria o direito de manifestar seu descontentamento frente à ideologia
dominante e a imposição da racionalidade tecnológica.
106 Citação de Marcuse do artigo de Veblen intitulado The engineers and the price system, Nem York, 1940, p. 88.
105
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449
Sob outro aspecto, parecia até que o processo tecnológico iria erradicar o problema da
escassez na contemporaneidade, contudo, não somente não conseguiu resolver tal problema,
como intensificou a filosofia do individualismo na sociedade civil. Mesmo segundo Marx, as
massas não são “bucha de canhão” da liberdade. O proletariado não é uma mera multidão, mas
uma classe107 bem definida pelo seu papel fundamental que desempenha no processo produtivo.
Neste sentido, em contraposição a influência da racionalidade tecnológica aos moldes
do sistema capitalista, se faz necessário construir uma nova racionalidade crítica, que liberte o
homem desse processo de mecanização da vida; uma racionalidade crítica enquanto “prérequisito para sua função libertadora” (MARCUSE, 1999, p. 91). Para que então, o progresso
tecnológico atinja seu objetivo emancipador de acabar com a escassez e com as desigualdades
sociais, por meio de um processo gradual e revolucionário de abolição da filosofia do
individualismo e da competitividade. Por meio destas condições, a humanidade terá a
possibilidade de superar/transcender o reino das necessidades artificiais e da liberdade fictícia,
rumo ao reino da necessidade e da liberdade de fato. Encerramos este artigo com as palavras de
Marcuse:
[...] cada um poderia pensar e agir por si, falar sua própria língua, ter suas
próprias emoções e seguir suas próprias paixões. Já sem estar preso à eficiência
competitiva, o eu poderia crescer no reino da satisfação. [...] “Pertenceriam” a
ele mais do que nunca e esta propriedade não seria infamante, pois não teria de
se defender contra uma sociedade hostil (MARCUSE, 1999, p. 103).
Referências Bibliográficas:
MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. Coletânea de artigos de Herbert Marcuse. Edição
de Douglas Keller; Trad. Maria Cristina Vidal Borba; revisão de tradução Isabel Maria Loureiro.
São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel: Crítica da filosofia do direito de Hegel - Introdução,
1843. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. 2ed. São Paulo: Boitempo, 2010.
___________. Le Capital: livre premier. Oeuvres Economie I. Trad. Joseph Ray. Paris: Gallimard,
1963.
Nas palavras de Marx: “Onde se encontra, então, a possibilidade positiva de emancipação alemã? Eis a nossa
resposta: na formação de uma classe com grilhões radicais, de uma classe da sociedade civil que não seja uma classe
da sociedade civil, de um estamento que seja a dissolução de todos os estamentos, [...] Tal dissolução da sociedade,
como um estamento particular, é o proletariado” (MARX, 2010, p. 156).
107
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450
O ESPAÇO DESCRITO PELA FENOMENOLOGIA DE HEIDEGGER
Maria Lucivane de Oliveira Morais
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
Pós-Graduanda Segunda Licenciatura (PARFOR)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Resumo: O tema da presente comunicação se refere ao espaço tratado a partir do paradigma
fenomenológico proposto por Martin Heidegger na obra Ser e Tempo onde a espacialidade é
pensada a partir do ser-aí. A fenomenologia pode ser descrita como um método de investigação
que, nesse caso, tem como principal objeto de interesse o sentido do ser estudado por meio de
uma analítica existencial capaz de apontar para a singularidade que permeia o existir humano.
Além disso, a análise da realidade, do espaço e a forma como os fenômenos se mostram são
preocupações constantes na obra de Heidegger que os descreve a partir de um enfoque
ontológico capaz de ilustrar a questão do ser-no-mundo. A aplicação do método fenomenológico
permite definir o conceito de espaço e suas características originárias bem como o papel que a
dimensão espacial desempenha sobre a existência que é única em cada lugar ou espaço vivido.
Dessa forma, objetivo geral proposto nessa comunicação visa: descrever sucintamente como o
espaço é tratado na fenomenologia de Heidegger. A metodologia de pesquisa empregada nesse
processo fundamentou-se em análises bibliográficas que permitiram a consulta de obras cujos
autores se dedicaram ao estudo da fenomenologia Heidegger.
Palavras-chave: Fenomenologia; Heidegger; espaço; ser-no-mundo
Introdução:
Em Ser e Tempo são notadas várias passagens em que Martín Heidegger se dedica a
compreender o espaço e o lugar como conceitos distintos, entretanto, inseparáveis a partir de
concepções ontológicas e da analítica existencial.
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O objetivo geral proposto nessa comunicação se fundamenta na necessidade descrever
sucintamente como o espaço, termo amplamente utilizado por outras ciências, como, por
exemplo, a Geografia, é tratado na fenomenologia de Heidegger assumindo um sentido diverso,
afastado do olhar meramente técnico ou do resultado da apropriação do homem em razão de
suas necessidades.
A análise fenomenológica do espaço permite perceber sua vinculação com o conceito de
lugar no qual o ser-aí existe, se compreende, desenvolve sua linguagem, habita, estabelece
relações, age, cria possibilidades, se vincula, dá sentido a sua existência permite a manifestação
dos entes e seus desdobramentos dando origem a novos lugares não homogêneos.
As considerações apresentados nessa comunicação resultam de meus primeiros esforços
para tentar compreender as reflexões de Heidegger sobre o espaço - que se mostram amplas,
complexas e atemporais. Como resultado disso, verifica-se que a obra escrita em 1927 contribui
significantemente, para que nas primeiras décadas do século XXI, o espaço ainda possa ser
repensado bem como os lugares que dele resultam agregando sentidos distintos e únicos a
existência do ser-aí que se abre para o mundo.
1. Fundamentação teórica
1.1 Analítica existencial e a fenomenologia de Heidegger
Ao longo de sua produção acadêmica Martin Heidegger dedicou-se a realizar uma
investigação sobre o sentido do ser e da existência humana a partir de um novo redirecionamento
da fenomenologia, enquanto método de investigação, anteriormente elaborada por Edmund
Husserl.
Para Heidegger, a fenomenologia, interpretada com grande clareza em sua obra Ser e Tempo
(1927), constitui-se em um método de investigação108 marcado pela dicotomia entre consciência e
fenômeno (aquilo que se mostra em si mesmo, se deixa em evidência, acontece, vem à luz)
A fenomenologia é um método de investigação, pois se aplica à resolução de problemas cuja questão mais
fundamental é a questão do ser. (Kahlmeyer-Mertens, 2008, p. 19).
108
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misturando-se a aspectos psicológicos e realísticos onde os atos conscientes estão sempre cientes
do fenômeno e os fenômenos permeados pela consciência enquanto se mostram.
A tarefa que, desde seu início, na escola de Husserl, permeia a fenomenologia concentra-se
na compreensão do fenômeno tal como ele aparece no mundo. Para isso, é preciso contar com a
consciência fenomenológica que é sempre intencional ao transcender para além de si mesma
estando voltada para algo ou alguma coisa, sendo dinâmica, ativa e em movimento atribuindo
significados e sentidos ao mundo.
A fenomenologia se efetiva por meio da redução fenomenológica, método que pressupõe a
suspensão de quaisquer juízos sobre os fenômenos para que sejam compreendidos tal como se
mostram. Em relação a isto, Kahlmeyer-Mertens (2008, p. 16) afirma:
Ao suspender as idiossincrasias, os conceitos dados pela ciência, as
pressuposições do senso comum e os preconceitos arraigados à cultura, a
fenomenologia passa a não mais estudar as faculdades transcendentais de um
sujeito que trava suas relações representativas com seus objetos em um mundo
exterior, e sim a estudar uma consciência para a qual, os fenômenos ocorrem.
A consciência transcende intencionalmente sobre os fenômenos confrontando seu modo
de ser, contemplando o que neles há de mais essencial ao mesmo tempo em que supera
concepções oriundas da metafísica antiga (KAHLMEYER-MERTENS, 2008), permitindo o ser
seja visto liberado de seus encobrimentos (NUNES, 2010).
Corroborando com tais discussões, Nunes (2010) afirma que na concepção de Heidegger a
fenomenologia pode ser definida como:
[...] ciência da consciência, [...], como um permitir ver o fenômeno, aquilo que
se mostra por si mesmo uma vez liberado de seus encobrimentos. E aquilo que
assim se mostra é o ser do ente focalizado, uma vez na fenomenologia
reinterpretada, a intencionalidade não é mais, como foi para Husserl, a
propriedade fundamental da consciência, mas a direção para o ser
compreendido, isto para o ser pré descoberto de que a consciência é o ponto de
abertura. (p.11).
Assim, a fenomenologia buscará desvincular completamente a “ontologia das motivações
teológicas e do privado axiológico da ciência” para reelaborar uma nova concepção sobre a forma
como ser-no-mundo integra e constrói o espaço (NUNES, 2010, p.11). O método de análise
utilizado tem na intencionalidade o caminho necessário para compreender o ser cuja consciência
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é ponto de abertura na medida em que o ente põe em jogo sua própria essência por meio da
investigação da autenticidade ou pela inautenticidade, sobre o prisma da temporalidade.
Como exemplo disso, pode-se citar o espaço que permeia a obra de Heidegger se
constituindo em um dos fatores que permitem responder ao sentido do ser enquanto habita e
constrói lugares. Heidegger, ao ampliar suas análises fenomenológicas sobre o ser-no-mundo,
possibilita a construção de um campo fecundo de discussões que apontam para o homem, o
modo como existe e promove mudanças.
Para isso, a analítica existencial põe em suspensão os preceitos contidos nos conhecimentos
dos fenômenos, pensando o sentido do ser e a singularidade de seu existir considerando sua
finitude, vivência e experiências que lhe permite conhecer a si próprio.
Corroborando com estas discussões em torno do espaço pensado de forma ontológica,
foram tecidas as breves considerações seguintes que discorrem sobre o modo como o ser-aí
habita e espacializa novos lugares.
4
O espaço na fenomenologia de Heidegger
A compreensão sobre a forma como o homem cria significados no mundo, suas relações e
circunstâncias, fazem emergir o conceito de “Dasein”, que pode ser traduzido pela Língua
Portuguesa como “ser-aí” (termo que, em determinados contextos, possui equivalência a “ser-nomundo”). Para Saramago (2008, p.29):
[...] o Dasein representa o existir em cada caso particular, no aí, no “estar
sendo” de cada um. Assim, o existir fático determina um modo de
compreensão da existência que já se dá no interior e a partir de si mesma, de tal
forma que nunca pode ser contemplada “de fora” como um objeto perante o
sujeito.
O ser-aí experimenta a si mesmo na medida em que sujeito e objeto interpenetram-se em
um mesmo fenômeno, fato que diz respeito à espacialidade do Dasein que se compreende como
possibilidade, contribui para a configuração de lugares que ele espacializa e desperta os sentidos
de pertencimento específicos a cada ser. (SARAMAGO, 2008).
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A relação que pauta o desenvolvimento da consciência em relação a um fenômeno permite
a criação de um espaço específico, onde o homem e sua existência são submetidos em nível
ontológico sendo pensados por meio da analítica existencial.
Para Stein (2004, p.213-214):
A analítica existencial nos permite pensar o ser humano a partir da
compreensão, enquanto esta possui uma estrutura a priori. Mas esse a priori
não se separa da existência. Ele é a existência enquanto transcendência. Assim
como se afirma que há categorias na metafísica (em Aristóteles, Santo Tomás e
Suarez), que são as possibilidades de nosso acesso às coisas e ao ser humano
como coisa, assim também os existenciais são os modos de ser do Dasein e
então do ser humano, a partir dos quais se constitui o mundo e a relação com
as coisas no mundo.
O ser-aí torna possível compreender a estrutura fundamental própria do existir humano e
de sua atuação no mundo a partir de um viés ontológico. Será a analítica existencial a responsável
por compreender as estruturas que concretizam o sentido do existir humano no mundo, logo seraí e mundo109, complementam-se. (BRASIL, 2005).
Nesse sentido, a pergunta pelo sentido do ser e também sob a existência humana, marcam
uma análise fundamental quando o modo do ser é tomado como fenômeno determinado pela
investigação fenomenológica. Portanto, “o ser do homem é um ser-aí, entendendo esse modo de
ser como sua essência” (KAHLMEYER-MERTENS, 2008. p.20). O ser-aí existe e se lança no
mundo compreensivamente, cumprindo propósitos e delineando relações sociais cujo âmbito é
espacial.
Saramago (2008) alerta para existência de um laço indissolúvel entre o mundo e o ser-aí,
termo que designa tanto o ser do mundo quanto a vida humana, assim, a expressão ser-nomundo designa a unidade entre mundo e vida humana na palavra existência, que nos remete a sua
espacialidade.
Para Heidegger (2002, p.126), o espaço reflete a essência do ser-aí não lhe sendo exterior e,
nem uma vivência interior, sendo na base física em que ocorre uma separação entre o ser e o
ente, por isso, define:
A palavra do antigo alto-alemão usada para dizer construir, "buan", significa
habitar. Diz: permanecer, morar. O significado próprio do verbo bauen
A compreensão de espaço na obra de Heidegger perpassa obrigatóriamente pelo conceito de mundo. (BRASIL,
2005).
109
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(construir), a saber, habitar, perdeu-se. Um vestígio encontra-se resguardado
ainda na palavra "Nachbar", vizinho. O Nachbar (vizinho) é o "Nachgebur", o
"Nachgebauer", aquele que habita a proximidade. Os verbos buri, büren,
beuren, beuron significam todos eles o habitar, as estâncias e circunstâncias do
habitar. Sem dúvida, a antiga palavra buan não diz apenas que construir é
propriamente habitar, mas também nos acena como devemos pensar o habitar
que aí se nomeia. Quando se fala em habitar, representa-se costumeiramente
um comportamento que o homem cumpre e realiza em meio a vários outros
modos de comportamento.
Em virtude de sua racionalidade, domínio de técnicas e recursos materiais, será nesse
espaço que o homem construirá lugares em que possa habitar, agindo sobre a natureza atendendo
as exigências de seu existir e, que se espacializam em âmbitos distintos. Na media em que habita,
o homem “espacializa” distintos lugares, compreende sua natureza. Entretanto, Heidegger alerta
que a mero habitar em diversos lugares pode afastar o homem de sua essência, seja pelas coisas
construídas ou pelos artefatos que o cercam (SARAMAGO, 20082).
Cabe mencionar que “[...] Heidegger compreendia como sendo a relação original entre
lugar e espaço, ou seja, a relação na qual os espaços são concedidos por lugares [...] Dasein e
mundo formam-se mutuamente [...]” (SARAMAGO, 2008, p.67). Apenas com sua ocupação
cotidiana o ser-aí terá acesso ao espaço promovendo mudanças.
Portanto, o conceito de espaço vincula-se de forma ontológica com o lugar e a construção
de lugares no mundo. O espaço, para Heidegger vai muito além de uma mera base física, das
definições trazidas por ciências como a Geografia e de seu funcionalismo, devendo ser pensado a
partir da temporalidade do ser-aí, o habitar, a produção de novos lugares e a sensação de
pertencimento. Serão vários lugares que permitirão a construção do espaço - os termos se
diferenciam, entretanto, não podem ser dissociados.
Nas palavras de Heidegger (2009, p.166):
O espaço nem está no sujeito nem no mundo está no espaço. Ao contrário, o
espaço está no mundo à medida em que o ser-no-mundo constitutivo da
presença já sempre descobriu um espaço. O espaço não se encontra no sujeito
nem o sujeito considera o mundo “como se” estivesse num espaço. É o
“sujeito” entendido ontológicamente, a presença, que é espacial em sentido
originário. Porque a presença nesse sentido é espacial, o espaço se apresenta
como a priori. Este termo não indica a pertinência prévia a um sujeito que de
saída seria destituído de mundo e se projetaria de si um espaço. A priori
significa aqui precedência do encontro com o espaço (como região) em cada
encontro do que está no mundo circundante.
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O Espaço é um modo de o Ser-aí experimentar o mundo. De modo cotidiano, ou seja, na
decadência própria ao dia a dia, o ser-aí interpreta o fenômeno do espaço como espaço físico. De
modo fenomenológico, o espaço é um existencial do Ser-aí. Trata-se da espacialidade
(räumlichkeit) dele. No aí do mundo, espaço é sempre espaço de jogo e nunca um espaço
previamente dado. (KAHLMEYER-MERTENS, 2008).
Para Heidegger, o habitar do ser-no-mundo se constrói em um espaço único e dinâmico
marcado pela proximidade direcionada. (FOLTZ, 2000), portanto, não há sujeito sem mundo
tampouco homem sem “ser-aí” (Dasein), este, que coexiste em um mundo compartilhado por
outros seres-aí em meio aos entes que se mostram. (OLIVEIRA, 2010)
Os fenômenos que se manifestam nesse espaço não devem ser analisados de forma
desvinculada da consciência, para que as considerações alcançadas não se resumam apenas ao
esforço interpretativo do modo de ser, do cotidiano e da conduta que caracterizam um plano
contemplativo do espaço que habitam.
Corroborando com estas discussões, Nunes (2010, p.16) afirma que o “Dasein compreende
esses nexos referenciais, cujo todo é dotado de significação – um entrelaçamento de significações,
do qual é inseparável o mundo circundante, cujo âmbito é espacial [...]
Na obra Ser e tempo de Heidegger (2013, p.110) os entes estão “dentro do mundo”,
portanto, para descrevê-lo seria necessário:
[...] elencar tudo o que se dá no mundo: casas, árvores, homens, montes,
estrelas. Podemos relatar a “configuração” desses entes e contar o que neles e
com eles ocorre. Mas é evidente que tudo isso permanecerá um “ofício” préfenomenológico que, do ponto de vista fenomenológico, não pode ser
relevante. A descrição fica presa aos entes, é ôntica. O que, porém se procura é
o ser. Em sentido fenomenológico determinou-se a estrutura formal do
fenômeno como o que mostra enquanto ser e estrutura do ser. Descrever
fenomenológicamente o “mundo” significa: mostrar e fixar numa categoria
conceitual o ser dos entes que simplesmente se dão dentro do mundo. Os entes
dentro do mundo são as casa, as coisas naturais e as coisas “dotadas de valor”.
[...]
Heidegger propõe-se a descrever fenomenologicamente o “mundo” mostrando a existência
de uma categoria conceitual sobre o ser dos entes e a forma como se dão nesse espaço (dividemse entre coisas naturais e coisas dotadas de valor). A análise relativa à natureza de um ente deve
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estar fundamentada sobre aspectos ontológicos que permitem entender como os fenômenos se
mostram no mundo bem como a essência do ser-no-mundo.
Diante do que se tem discutido, torna-se propício mencionar a ressalva que Saramago
(2008, p.49) efetiva no decorrer de seu livro:
Em suma, a idéia de espaço – sempre compreendida como a espacialidade do
mundo – está atrelada ao que há de mais imediato e utilitário na existência, ou
seja, aos objetos que a tornam “perceptível” como localidade familiar e
habitável, não podendo o espaço sequer ser concebido fora do fechamento da
referencialidade do mundo, de sua familiaridade e confiabilidade específicas.
Mostra-se apenas na forma de localidades que possibilitam a reunião de uma
multiplicidade de coisas, não podendo, ele próprio, ser descontextualizado ou
“isolado” por qualquer aproximação teórica sobre o risco de que se perda de
vista o seu sentido fundamental. A familiaridade mostra-se, nesse sentido, como
fundamento, ou condição, para a existência de uma totalidade referencial, e está
diretamente, implicada em inúmeras e importantes considerações sobre o
espaço ao longo da obra de Heidegger.
A familiaridade caracteriza a obviedade característica da realidade humana, delineado pelo
caráter de encontro, conhecimento co-mundano mediano, enraizado na cotidianidade e que só se
expande até o limite de ser-lhes suficiente, sendo notórios os sinais de ocupações humanas, até
mesmo naquilo que é estranho, não-familiar e que marca o mundo “dos-outros”. Heidegger se
mantém intrigado pela questão inerente a dicotomia entre o pertencimento a um lugar – o lugar
de origem – e a estranheza de se estar fora dele, onde o não habitual se abre para novas
interpretações do sentido do ser que se lança sobre o espaço. (SARAMAGO, 2008).
É necessário, portanto, que no âmbito da fenomenologia sejam buscados outros sentidos
não habituais para o entendimento do mundo e de sua espacialidade, para os motivos que
justificam a existência do ser em um dado lugar e que permitem sua habitação, uma vez que o
ser-aí está no mundo e tem consciência dele.
Para Heidegger (2002, p. 143):
O homem está superando as longitudes mais afastadas no menor espaço de
tempo. Está deixando para trás de si as maiores distâncias e pondo tudo diante
de si na menor distância. E, no entanto, a supressão apressada de todo
distanciamento não lhe traz proximidade. Proximidade não é pouca distância.
O que, na perspectiva da metragem, está perto de nós, no menor afastamento,
como na imagem do filme ou no som do rádio, pode estar longe de nós, numa
grande distância. E o que, do ponto de vista da metragem, se acha longe, numa
distância inconmensurável, pode-nos estar bem próximo. Pequeno
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distanciamento ainda não é proximidade, como um grande afastamento ainda
não é distância.
Diante de tal análise, Heidegger chama atenção para o fato de que não é a distância
geométrica utilizada para indicar a localização que determina o sentido do ser que se lança sobre
o espaço, aproximando ou afastando-o, uma vez que o “aqui” do ser aí envolve “estar junto de”.
Ao habitar o mundo o ser-aí espacializa o lugar e se relaciona com outros entes. Ser e ente
ocupam o mesmo espaço. O homem é mundano, tece relações com outros entes e, portanto, se
torna um ser-com-outro, permitindo que o ser-aí exista no mundo delimitando seu horizonte
existencial.
Enquanto pre-sença, o ser-aí projeta sua existência sobre o mundo, se espacializa, tece
relações, cria utensílios, agrega valores, cria possibilidades, estabelece uma teia relacional
denominada como cotidianidade mediana no qual são partilhados costumes, hábitos e cultura
intrínsecos ao ser-no-mundo que se abre como possibilidade. Procura reduzir as distâncias e
continuamente encontrar o sentido de seu ser.
O espaço permite ao homem se descobrir no mundo, pois:
[...] o espaço só pode ser concebido recorrendo-se ao mundo. Não se tem
acesso ao espaço, de modo exclusivo ou primordial, através da
desmundanização do mundo circundante. A espacialidade só pode ser
descoberta a partir do mundo e isso de tal maneira que o próprio espaço se
mostra também um constitutivo do mundo, de acordo com a espacialidade
essencial da presença, no que respeita à sua constituição fundamental de ser-nomundo (HEIDEGGER, 2013, p. 168)
Ao se projetar sobre o espaço, o homem descobre os traços fundamentais de sua
existência, se faz presença, ocupa um lugar, configura novos lugares e os espacializa – se abre
como possibilidade, permite o despertar dos sentidos de pertencimento e também de
permanência em lugares não homogêneos compartilhado por outros entes.
Heidegger (2002, p.150) busca compreender as especificidades que delineiam o conceito de
lugar levando em consideração seu aspecto temporal e espacial, que podem ser descritos da
seguinte maneira:
A proximidade direcionada ao utensílio significa que ele não ocupa uma
posição no espaço, meramente localizada em algum lugar [...] O local e a
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multiplicidade de locais não devem ser interpretados como o onde de
qualquer ser simplesmente dado de coisas. O lugar é sempre o ‘aqui’ e ‘ lá’
determinados a que pertence um instrumento. [...] A condição de
possibilidade da pertinência localizável de um todo instrumental reside no
para onde a que se remete a totalidade de locais de um contexto instrumental.
Ao estudar o espaço, Heidegger avalia que este se constrói atrelado a consciência humana,
adquirindo distintas especificidades segundo a temporalidade que o caracteriza e permite a
elaboração de significados específicos ao habitar que se mostra pleno de relações possibilitando
ao homem ser-(estar)-no-mundo.
Pereira (2010) afirma que o estudo fenomenológico do espaço evidencia fenômenos
construídos e que ultrapassam a mera espacialidade territorial na qual os homens estão inseridos,
entretanto, o ser-aí só existe porque partilha com outros o espaço, ao mesmo tempo em que o
homem só existe porque está no mundo. O espaço, portanto, emerge associado à concepção de
mundo representando o ser-aí e a existência dos entes.
Em linhas gerais e pautada em uma definição superficial é possível perceber que a
fenomenologia desenvolvida por Heidegger torna possível analisar os fenômenos que se mostram
no espaço, a existência de cada ser-aí, sua espacialização e, construção de sentidos na medida em
que suas experiências ultrapassam a mera base física do território que residem.
Portanto, o “homem está envolto de espaços vividos, está também envolto de outros
homens que possuem percebem outros espaços de maneira diferente. Perceber, além de significar
é dar valor”. (DUARTE; MATIAS, 2005, p.194). O ser-aí habita porque age e existe, dando
origem a novos lugares. Homem e espaço complementam-se diante de múltiplas possibilidades
abertas pela existência e pela possibilidade.
Conclusão
A busca pelo sentido do ser constitui-se na principal preocupação de Heidegger que se
utiliza da analítica existencial para descrever como os entes se manifestam no mundo dentro do
âmbito do ser-aí que partilha com outros o mesmo espaço, constrói lugares e se espacializa.
Dentro do espaço, são construídos diversos lugares, vinculados a concepções interiores e
exteriores do sujeito que o habita. A análise do espaço a partir da fenomenologia proposta por
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Heidegger permite repensar diversos conceitos inerentes ao ser-aí, o modo como os entes e os
fenômenos se mostram, o habitam, a construção do espaço que faz surgir diferentes lugares, a
mera dominação tecnológica de distintos espaços que afastam o homem do reconhecimento de
sua essência, dentre inúmeros outros aspectos. Este filósofo elabora críticas significativas para as
concepções vazias sobre o espaço e, que são comumente trazidas por ciências como a Geografia,
pela tecnologia entre outros estudos que o apontam apenas como uma base física.
O ser-aí é o único que consegue promover a espacialização do mundo. A partir de sua
existência efetiva diversas formas de ocupação, tece relações, define sua essência, dá sentido a seu
ser, compreende o mundo e lhe atribui significados.
No espaço, o ser-aí, constitui-se como pre-sença dando origem a lugares onde habita,
fazendo surgir à sensação de pertencimento e familiaridade cujas especificidades dependem da
temporalidade da qual emergem. Por meio do espaço o ser-aí experimenta o mundo e suas
significações, desenvolve sua consciência e convive com outros entes em locais não homogêneos.
Essas breves considerações tecidas sobre o espaço tratado por Heidegger deixam claro a
necessidade de ampliação dos estudos sobre essa temática, que constitui um campo fecundo de
discussões. Compreender o espaço e os lugares nele construídos implica em encontrar respostas
ao sentido do ser que se utiliza de diversas formas de ocupação dando origem a novos lugares.
Diante de tal contexto, disponho-me a ampliar meus estudos sobre tal temática que muito me
intriga e tem estimulado o desenvolvimento destas primeiras análises.
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Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio
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Concentração em Filosofia do Conhecimento e da Linguagem. Porto Alegre, 2005
DUARTE, Matusalém de Brito; MATIAS, Vandeir Robson da Silva. Reflexões sobre o espaço
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FOLTZ, Bruce V. Habitar a terra – Heidegger ética ambiental e a metafísica da natureza. Trad.
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JOHN RAWLS: PRINCÍPIOS MORAIS PARA A ESTRUTURA BÁSICA DE UMA
SOCIEDADE JUSTA
Marilda Pereira dos Santos
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
RESUMO: O presente trabalho pretende investigar como se apresentam, na obra do filósofo
John Rawls, Uma teoria da justiça, os princípios morais para a estrutura básica de uma sociedade
justa. O filósofo político promoveu uma justificação teórica legitimando um Estado justo,
promoveu uma experiência de pensamento, extraindo dela uma concepção de justiça que coloca
em prática os princípios de justiça escolhidos pelos indivíduos. No conjunto da apresentação,
pretendemos investigar qual é a relação da teoria da justiça com a formação moral dos indivíduos,
mostrando como John Rawls fundamenta os princípios gerais de justiça e como ele concilia os
dois princípios (defesa das liberdades com a garantia das igualdades). A proposta argumentativa
do pensador americano traz contribuições importantes através de um novo modelo de teoria da
justiça, evidenciando uma teoria da justiça como equidade.
Palavras-chave: Equidade; justiça; princípios
Rawls objetiva apresentar uma alternativa ao intuicionismo e principalmente ao utilitarismo
tradicional, este último tido como a teoria predominante no campo da filosofia moral moderna.
Segundo ele, grandes utilitaristas como Hume, Adam Smith, Bentham e Mill construíram
doutrinas morais destinadas apenas a dar suporte a suas ideias e propósitos no campo da teoria
social e da economia, sendo que seus críticos pecam por não apresentar um conceito moral que
possa se opor às suas formulações doutrinárias.
Para o autor, o modo como a sociedade está organizada e como os indivíduos agem nela,
reflete nas questões sociais de cada um. A desigualdade social pode ser considerada como uma
questão fundamental para Rawls, de tal modo que ela será a base para justificar a defesa de sua
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concepção de justiça: a justiça como equidade110 (justice as fairness). O autor está preocupado com
as políticas públicas e que rumo elas estão levando no contexto social de sua realidade, pretende
resolver os problemas das desigualdades sociais apresentadas no capitalismo, nesse sentido, o
autor busca aprofundar a concepção de justiça que está implícita no contratualismo apresentando
uma base moral mais apropriada para uma sociedade democrática liberal, e defende, através da
teoria da justiça como equidade, a importância do liberalismo político.
Os princípios de justiça111 serão estabelecidos a partir de um procedimento de construção,
satisfazendo um certo número de exigências razoáveis, isso quer dizer que representa as
limitações dos termos equitativos da cooperação social e remete ao justo, de forma que as
pessoas caracterizadas como agentes racionais definirão os princípios.
Rawls, em sua teoria da justiça como equidade, pretende justificar uma concepção de
justiça permitindo que todos os membros da sociedade compreendam porque as instituições e as
disposições básicas que compartilham são aceitáveis, fazendo com que todos possam aceitar os
argumentos reconhecidos publicamente como sendo válidos.
Nesta situação, ensina Rawls, é necessário que os indivíduos saibam quais são as
instituições sociais que são aceitáveis e coordenadas em um só sistema, de maneira que os
cidadãos as julguem justificadas. Por um lado, se faz a pergunta: como fazer com que as pessoas
entrem num acordo, ou reconheçam esse acordo a respeito de uma concepção de justiça que será
mais razoável para elas? Por outro lado, é importante que tenhamos em mente que nos
lembremos dois últimos séculos, considerando o desenvolvimento do pensamento democrático,
vemos que não existe concordância sobre o modo de organizar as instituições sociais básicas de
maneira que respeitem a liberdade e igualdade dos cidadãos, considerados como pessoas morais.
O problema de Rawls é tentar resolver um conflito fundamental quanto à forma justa que as
instituições básicas das democracias modernas deveriam ter.
É aqui que se dá uma ideia de chegar a uma concepção de justiça que possa ser colocado
em prática, a partir de uma vontade comum de chegar um acordo e que ele seja compartilhado e a
solução encontrada não esteja fundamentada no senso comum, segundo Rawls “[…] não no
110A
expressão é empregada para designar a doutrina contratualista e deontológica da justiça, seu traço essencial é a
afirmação da prioridade do justo sobre o bem e a definição pela eqüidade do processo de escolha dos princípios de
justiça (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.382).
111 Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja
compatível com um sistema similar de liberdades para outras pessoas. Segundo : as desigualdades sociais e
econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em
benefícios de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos (RAWLS, 2008, p. 73).
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sentido pejorativo, mas algo ligado a uma concepção da filosofia a partir de Bacon e Hobbes, o
saber dos indivíduos emanando da observação e da experiência” (RAWLS, 2000, p.382). Na
verdade, diz Rawls, a verdadeira tarefa consiste em descobrir e formular bases mais profundas
desse acordo que estejam ligadas ao bom senso.
A questão é que estamos à procura de argumentos razoáveis, chegando a um acordo
enraizado na nossa própria concepção, como também nossa relação com a sociedade, ou seja,
uma concepção moral fixada por uma ordem de objetos. Desse modo, é preciso elaborar uma
concepção de justiça que seja aceitável a todos, mesmo que isso implique em resolver dificuldades
teóricas, mas a tarefa social e prática continua sendo primordial, é importante que ela esteja de
acordo com nossa compreensão como sendo a concepção mais razoável.
O alerta que Rawls dá em uma teoria da justiça como equidade é tentar descobrir as ideias
fundamentais ocultas do bom senso e relativas à liberdade, à igualdade, à cooperação social e à
pessoa. Mas como essa concepção funciona? Bom, uma vez enunciada, a justiça como equidade
deve propor uma concepção satisfatória de nós mesmos e da nossa relação com a sociedade
vinculando aos princípios de justiça, sendo eles aplicáveis.
Explica Rawls, que há três concepções básicas na teoria da justiça como equidade, (1) a
ideia de sociedade bem ordenada, “[...] modelo do que é a sociedade democrática quando os
princípios de justiça nela operam e a unificam, princípios de justiça derivando de uma doutrina
que todos compartilham” (RAWS, 2000, p.382); (2) a ideia de pessoa moral, ou seja, “[…] os
membros da sociedade são conhecidos como pessoas morais que podem cooperar tendo em vista
a vantagem mútua, e não somente como indivíduos racionais que têm desejos e metas a
satisfazer” (RAWS, 2000, p.380).
O interesse de Rawls é destacar os aspectos essenciais da nossa concepção de nós mesmos
como pessoas morais e da nossa relação com a sociedade enquanto cidadãos livres e iguais. Essas
concepções descrevem alguns traços gerais que são característicos de uma sociedade,
considerando que os seus membros considerem publicamente a si próprios.
A propósito, uma última concepção é destacada: (3) a posição original. De acordo com
Rawls, ela “[…] é um procedimento figurativo que permite representar os interesses de cada um
de maneira tão eqüitativa que as decisões daí decorrentes serão elas próprias eqüitativas”
(RAWLS, 2000, p.380). A terceira concepção é utilizada por Rawls como papel mediador,
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465
servindo para vincular a concepção de pessoa moral aos princípios de justiça que caracterizam
suas relações entre cidadãos na concepção de sociedade bem ordenada.
Segundo Rawls, a posição original desempenha um modelo pelo qual os cidadãos de uma
sociedade bem ordenada, ou seja, pessoas morais, selecionam idealmente os princípios de justiça
aplicáveis à sua sociedade. Nesse caso, os limites impostos aos parceiros 112 em uma posição
original representam a liberdade e a igualdade que as pessoas morais devem possuir em tal
sociedade.
Os parceiros são sujeitos racionais autônomos e participantes de um processo de
construção, representam o aspecto da racionalidade que faz parte da concepção da pessoa moral
própria dos cidadãos de uma sociedade bem ordenada, sua autonomia racional, (segundo Rawls é
aquela dos parceiros na medida em que são agentes de um processo de construção),
diferentemente da autonomia completa exercida
pelos cidadãos na sociedade. Autonomia
completa é aquela dos cidadãos na vida cotidiana, que têm uma visão de si próprios, defendendo
e aplicando os princípios de justiça dos quais se puseram de acordo.
Desse modo, Rawls identifica traços de uma sociedade bem ordenada. Em primeiro lugar,
ela é de fato regida por uma concepção pública da justiça, é uma sociedade na qual cada um
aceita, e sabe que os demais também aceitam, os mesmos princípios de justiça e a estrutura básica
da sociedade respeita os princípios escolhidos, na medida em que os mesmos estão alicerçados
em crenças razoáveis.
Em segundo lugar, os membros da sociedade bem ordenada são pessoas morais, livres e
iguais, e consideram a si mesmos e aos outros como tais em suas relações políticas e sociais na
questão justiça, defendidas por Rawls como a liberdade, a igualdade e a pessoa moral.
Rawls ensina, através da primeira característica da sociedade bem ordenada, que os
membros dela são pessoas morais. A partir do momento que atingem a idade da razão, todos
possuem e reconhecem nos demais um senso de justiça e uma compreensão do que é uma
concepção de bem. Portanto, são considerados como iguais na medida em que se consideram uns
aos outros como detentores de um direito de determinar e avaliar de maneira ponderada os
princípios de justiça que devem reger a estrutura básica da sociedade. São livres na medida em
São os atores imaginários desse procedimento artificial que é a posição original e que são incumbidos de
escolher e justificar os princípios primeiros de justiça que representam de forma equitativa os interesses de todos os
membros da sociedade (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.379).
112
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466
que pensam ter direitos de intervir na elaboração de suas instituições comuns, capazes de revisar
e modificar os fins com base em argumento racionais e razoáveis.
Uma segunda característica da sociedade bem ordenada é a possibilidade de sua estabilidade
no que se refere ao senso de justiça, ou seja, o contexto da justiça que, segundo Rawls, foi
descrito por Hume como “[...] um conjunto das condições que obrigam as sociedades humanas a
estabelecer regras de justiça, condições objetivas de igualdade e de relativa escassez de recursos, e
as condições subjetivas constituídas pelo conflito de interesses” (RAWLS, 2000, p 375), tornando
a justiça necessária. Dado que a posição original situa as pessoas livres e iguais de maneira
equitativa umas em relação às outras, a concepção de justiça adotada, seja ela qual for, será
igualmente equitativa. Daí o nome, segundo Rawls, “teoria da justiça como equidade”.
Até aqui parece que Rawls consegue descrever como se dá a escolha dos princípios, no
entanto, o autor certifica que na posição original os parceiros ficarão privados de algumas
informações, na medida em que são colocados por trás do véu de ignorância113. É necessário
excluir todas as informações tais como seu lugar na sociedade, sua concepção de bem, e demais
informações particulares, para que ninguém tenha vantagem ou desvantagem, imperando a
equidade, no relacionamento entre outro indivíduos, comportando-se como justiça procedimental
pura, ou seja, não há critério independente para o resultado correto, existindo um procedimento
correto ou justo de modo que o resultado será também correto ou justo.
Para Rawls, as pessoas morais possuem uma concepção de bem, devido à nossa
racionalidade, e o senso da justiça, capaz de compreender e aplicar princípios de justiça. Há
também dois interesses superiores, diz Rawls,“[..] trata-se de interesses ligados a interesses de
primeira ordem e que nos impelem a efetivar a nossa personalidade moral” (RAWLS, 2000,
p.377).
Assim, dado que os parceiros representam pessoas morais, eles são movidos por esses
mesmos interesses que buscam garantir o desenvolvimento e o exercício das faculdades morais.
Nesse sentido, Rawls pressupõe que os parceiros representam pessoas morais desenvolvidas,
pessoas que possuem um sistema determinado de fins últimos, uma concepção particular de bem.
Dessa forma, essa concepção produz uma terceira motivação, um interesse que busca proteger e
Visando preservar a equidade na escolha dos princípios e não fazer que intervenham as contingências
naturais e sociais, “os parceiros ignoram certos tipos de fatos particulares […]. Entretanto eles conhecem todos os
fatos gerais que afetam a escolha dos princípios de justiça”. Por isso, a barganha e as relações de força não podem
intervir e a imparcialidade é constitutiva da justiça (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p.383).
113
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467
efetivar a sua concepção do bem da melhor forma, introduzindo dessa forma, os bens
primários114 que são enumerados em Uma teoria da justiça:
I – As liberdades básicas ( liberdades de pensamento e liberdade de consciência
etc.) são as instituições do contexto social necessárias para o desenvolvimento e
o exercício da capacidade de escolher, de revisar e de efetivar racionalmente
uma certa concepção do bem. Do mesmo modo, essas liberdades permitem o
desenvolvimento e o exercício do senso da justiça em condições sociais
caracterizadas pela liberdade.
II – A liberdade de movimento e a livre escolha de sua ocupação, num contexto
de oportunidades diversas, são necessárias para a consecução de fins últimos e
para a eficácia da nossa decisão de revisá-las e modificá-las se desejarmos.
III – Os poderes e as prerrogativas das funções e dos pontos de
responsabilidade são necessários para desenvolver as diversas capacidades
autônomas e sociais do eu (self).
IV – A renda e a riqueza, consideradas no sentido amplo, são meios
polivalentes (providos de um valor de troca) que permitem concretizar, direta
ou indiretamente, quase todos os nossos fins, sejam eles quais forem.
V – As bases sociais do respeito por si mesmo são constituídas pelos aspectos
das instituições básicas que são, em geral, essenciais para os indivíduos a fim de
que eles adquiram uma noção verdadeira de seu próprio valor enquanto
pessoas morais e para que sejam capazes de concretizar os seus interesses de
ordem mais elevada e de fazer progredirem os seus próprios fins com
entusiasmo e autoconfiança (RAWLS, 2000, p. 63).
Isso mostra que os bens primários são definidos quando se indaga qual o gênero de
condições sociais e de meios polivalentes que permitem aos seres humanos concretizar e exercer
suas faculdades morais, considerando as necessidades sociais e as circunstâncias da existência
humana na sociedade democrática. Ao que parece, é importante considerar que a concepção que
define as pessoas morais como tendo certos interesses superiores bem precisos condiciona a
definição dos bens primários no quadro das concepções, de modo que esses bens não devem ser
entendidos como meios gerais essenciais à concepção de quaisquer fins últimos.
Assim, observamos que como objeto a autonomia racional depende dos interesses que
mobilizam os parceiros e não somente pelo fato deles estarem ligados por algum princípio de
justiça autônoma e superior. Se os parceiros fossem movidos somente por impulsos de ordem
inferior como alimentação, bebida, teríamos que considerá-los como heterônomos, e não como
autônomos.
São definidos por Rawls como coisas que todo homem racional presumivelmente quer, não importa quais
sejam os seus outros desejos, são constituídos pelos direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza. (RAWLS,
John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.372).
114
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468
Portanto, na base do desejo pelos bens primários, segundo Rawls, encontram-se interesses
superiores da personalidade moral, e a necessidade de garantir nossa concepção de bem, os
parceiros nesse caso, asseguram e efetivam as condições necessárias para o exercício das
faculdades que os caracterizam enquanto pessoas morais. Espera-se que as pessoas se preocupem
com as suas liberdades e oportunidades a fim de efetivar essas faculdades, e ao renunciar a isso
elas carecem de respeito por si mesmas e demonstram fraqueza de caráter. Por isso, Rawls
propõe que os parceiros são mutuamente desinteressados115.
Não há dúvida de que, para Rawls, os parceiros, enquanto agentes racionais de um
processo de construção, são descritos na posição original como seres autônomos sob dois pontos
de vista. Em um primeiro momento, em suas deliberações eles não precisam aplicar nem seguir
princípios de justiça que seriam prévios e anteriores. Em segundo momento, são descritos como
não sendo mobilizados por seus interesses superiores, aqueles que têm por objetivo suas
faculdades morais, preocupados em efetivar seus fins últimos, determinados, ainda que
desconhecidos. Através de uma análise dos bens primários é que se define esse aspecto de
autonomia, concluindo assim a noção de autonomia racional aplicada aos parceiros considerados
como agentes de um processo de construção.
A tese de Rawls diz que na posição original é considerado razoável o resultado que é
expresso pelo conjunto dos cerceamentos aos quais estão submetidas as deliberações dos
parceiros (enquanto agentes racionais de um processo de construção). Portanto, a maneira de
representar o razoável na posição original conduz aos dois princípios de justiça e esses princípios,
na teoria da justiça como equidade, têm conteúdo razoável para a estrutura básica de uma
sociedade bem ordenada.
Referências Bibliográficas:
OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. 3ed. Trad. Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
___________.O Liberalismo Político. Trad. Álvaro de Vita. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
São conhecidos como pessoas que não têm interesses nos interesses das outras, eles ignoram a inveja, e é
assim que se exprime a sua racionalidade (RAWLS, John. Justiça e Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
p.376).
115
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469
___________.Justiça e democracia. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000
SILVA, Sidney Reinaldo da. Formação moral em Rawls. Campinas: Alínea, 2003.
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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STATUS ARTE NA FALSIFICAÇÃO DE OBRAS
Marlon José Alves dos Anjos:
Universidade Estadual Paulista – UNESP.
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Mauro Romagnolo
RESUMO: A falsificação de obras de arte é um assunto estigmatizado e pouco comentado.
Como tema assume riqueza por permitir contextualizar o conceito de arte, sua relação
sociocultural e econômica e, por fim, lançar luzes à figura do falsificador. A relevância da
falsificação manifesta-se ainda no atual número de obras de arte cuja procedência permanece uma
incógnita, nesse ponto cumpre informar que hodiernamente o valor da obra de arte deixa de
relacionar-se com o potencial de embevecimento e exaltação para assumir seu papel de acordo e
imposição do mercado. Sob um olhar crítico e racional a arte pode assumir sua forma de produto
de consumo e o falsificador como um reconstrutor da psique artística e da história cultural de um
povo. Nessa senda insere-se o presente trabalho cujo objetivo é propor reflexões a respeito do
mérito artístico na falsificação de obras de arte.
Palavras-chave: Falsificação; status arte; conceito arte; valor; filosofia da arte
A arte é noção sólida e privilegiada, possui também limites imprecisos. A questão que se
faz presente constitui em: como saber o que é ou não obra de arte? O que as define, quais
conceitos as sustentam e as alimentam? Afirmar que não temos definição para essas questões
torna-se hoje ambivalente116. A diplomacia ordena afirmar que não temos uma noção comum
116O
filosofo Arthur Danto demonstra com fôlego ao decorrer de alguns de seus livros celebres: A Transfiguração do
lugar- comum (1981), Após o Fim da arte (1997). Que hoje, após Wittgeinstein, podemos através de ferramentas da
filosofia da linguagem identificar a “essência” da arte, operando distante dos métodos narrativo e progressivo. Visto
de outra forma, a arte a partir dos anos 60 gerou questões abstratas que só poderiam ser respondidas pela filosofia,
não podendo mais ser explicadas pela historia ou a teoria da estética moderna. Danto afirma a mudança
paradigmática nas teorias da arte ao analisar o Brillo Box de Andy Warhol Danto. E, através da filosofia da linguagem
poder-se-ia formular respostas satisfatórias para a questão arte. tal afirmação pode ser consultado na Entrevista de
Danto
concedida
a
Manrica
Rotili
e
Sante
Scardillo.
Disponível
em:
https://www.youtube.com/watch?v=gW_QiTvWA20 acesso em: 10\06\2014.
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471
sobre o tema, que aborde toda a miscelânea de objetos artísticos, pode-se dizer, que todas as
épocas, cada uma a sua maneira, formulou respostas à esfinge.
Arte é um conceito polissêmico. Por meio de classificação sociocultural e econômica
inúmeros artefatos recebem o status de artístico. Nesse sentido todos estão de acordo com o status
arte atribuído a Mona Lisa de Leonardo Da Vinci (1452 – 1519), a nona Sinfonia de Beethoven
(1770 – 1827), as peças de W. Shakespeare (1564 – 1616), a Guernica de Picasso (1881 – 1973).
Cada um desses elementos representa a riqueza de seu período, representantes de estilos,
períodos e peculiaridades na história da arte. Cada elemento é amparado por conceitos, teorias e
demais definições do mundo da arte que legitimam tal mérito. Todos estão de acordo que os
itens citados acima são genuínos. Inobstante, enquanto a autenticidade não for posta em cheque.
“uma obra de arte é um artefato, de um tipo, criado para ser apresentado a um público da arte
(...). Um artista é uma pessoa que participa conscientemente na produção de
obras de arte. Um público é um conjunto de pessoas cujos membros têm
suficiente preparação para compreender um objecto que lhe é apresentado. O
mundo da arte é a totalidade de todos os sistemas do mundo da arte. (DICKIE,
2008, p. 144).
Essa forma de pensar impinge regras da receptação de um sistema particular que compõe a
instituição arte, ou se preferirem, o mundo da arte. Os artistas são considerados sujeitos que
exercem, isoladamente ou em grupo, atividades reconhecidas como artísticas, consumando-se
apenas no olhar do outro, ou seja, dependem da prática sociocultural que a instaura, fecundando
o fenômeno artístico, como um artefato criado com discernimento, por alguém, com o objetivo
de apresentá-lo ao público. Há uma relação em detrimento da estética, a instituição absorve o que
a interessa, a arte que lhe é compatível, destarte, visto desse modo, a exibição é o ato por meio do
qual alguém assume a responsabilidade e o poder de dizer o que é arte. O público deve estar
preparado em algum grau para compreender este objeto, que por sua vez deve estar enquadrado
nas regras de apresentação que compõem os sistemas particulares deste jogo.
Uma obra de arte não é uma entidade que tenha existência independente. Em essência o
status arte é um conjunto de relações que se sincretizam, criam conexões que são definidas tanto
por suas relações quanto por suas possibilidades de conectividade. Essas conexões são
ordenações distintas sendo que a ordem agrupa elementos que constroem uma noção de
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472
familiaridade. Nesse viés ordenar faz com que a obra possa relacionar-se consigo mesma e com o
mundo.
A ordem permeia a história da arte sendo perceptível sua presença nas definições de
períodos, gêneros, estilo, movimentos, manifestação, etc. Cada uma dessas demarcações carrega
em si julgamentos probos e réprobos em relação à obra, ao fazer artístico e, porque não dizer, o
que é entendido por arte. Cada período contou com pensadores que procuraram definir uma
visão particular sobre a arte, história, vida, morte, etc. Zietgeist117, expressão segunda a qual cada
período compreendeu o conceito de liberdade, criatividade, possibilidade, entre outras à sua
maneira e à sua efetividade. Partindo dessa premissa podemos constatar que a ordem e a
regularidade não podem abranger toda a miscelânea de objetos artísticos em seu período de
nascença, por este motivo observamos o sucesso das obras póstumas e o agenciamento dos
valores das mesmas.
Poder-se-ia-dizer que temos como herança os vínculos entre a história, conhecimento e
liberdade. Infelizmente estes elos foram desacreditados pelas múltiplas reinvenções de tradições,
imposições de identidades nacionais e explicações seculares da história que encobriam políticas
voltadas ao atendimento de interesses específicos, deste modo toda a história é um recorte
particular que agrupa familiaridade e acaba por gerar obstáculos a elementos singulares. Talvez
pela influência fria desses interesses a obra de Vincent Van Gogh (1853-1890) só teve seu talento
reconhecido uma década após a sua morte. Fato semelhante se deu com o compositor Franz
Schubert (1797-1828) cuja maioria de suas obras nunca foram executadas na vida do autor. Citese ainda Johann Sebastian Bach (1685-1750) e sua obra com mais de 1000 composições que só
seriam reconhecidas após a sua morte. Dentre os motivos para esse reconhecimento tardio há a
falta de divulgação, as fronteiras ideológicas e até atrito entre os costumes e as tradições de uma
dada época. Em todas essas historias a arte, seu reconhecimento e o tempo dos artistas
permaneceram dessincronizados.
O descompasso manifesto no reconhecimento póstumo corrobora a premissa de que a arte
opera com sistemas e conceitos estabelecidos, excluindo ou acolhendo determinados artefatos. É
Espírito da época ou espírito do tempo. Termo atribuído ao filósofo Georg Hegel, mas ele nunca realmente usou
a palavra. Em suas obras, tais como palestras sobre a filosofia da história , ele usa a frase der Geist seiner Zeit (o espírito de
seu tempo), por exemplo, "nenhum homem pode superar seu próprio tempo, para que o espírito de seu tempo
também é o seu próprio espírito " MAGEE, Glenn A Alexander, "Zeitgeist" , o dicionário de Hegel, Continuum
International Publishing Group, p. 262, (2011).
117
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473
perceptível que nem todas as obras de arte encontram seu valor adequado no momento em que
passam a existir. Nesse sentido é o legado de Wolfflin:
Até mesmo o talento mais original não pode prosseguir além de certos limites
que são fixados para ele pela data do seu nascimento. Nem tudo é possível em
todos os momentos, e certos pensamentos somente podem ser concebidos em
certos estágios de desenvolvimentos. (WOLFFLIN: 1950, p. IX)
O peso do contemporâneo pode massacrar um artista pois define os contornos da noção
de arte que assumem a feição de verdadeiros paradigmas e, como tal, somente o tempo e a
evolução e o passar do tempo podem alterar a visão particular sobre os artefatos, revalidando a
cultura material, abrindo espaço para novas leituras sobre os artefatos antecessores.
Para além desse peso, o status de Arte não é algo sólido e imutável bastando a ameaça de
falsificação para que a obra perca seu prestígio. Foi o que ocorreu no caso apontado por Andrey
Furlaneto na matéria da folha 07\05\2013 intitulada Sob Suspeita de Falsificação, Christie’s retira dez
obras brasileiras de leilão. Segundo o autor, bastaram apenas alguns telefonemas para instigar dúvidas
sobre a autenticidade das obras fazendo com que tais itens fossem retirados do catálogo de
venda. Abruptamente, símbolos tidos de importância nacional com lances iniciais na casa dos
trinta mil dólares, após os telefonemas os artefatos foram exonerados da possibilidade de venda e
de qualidades artísticas, evanescendo por completo o status arte.
Comumente obras que tenham a autenticidade questionada simplesmente são retiradas das
galerias, impossibilitadas de participar de qualquer amostra, desprovidas do valor que um dia as
institui. Somente esse fato propiciaria questionar o conceito de arte ou ainda o que havia na obra
que a tornava arte. Não é crível ser apenas a assinatura do artista ou o reconhecimento da critica.
Talvez a arte seja mais, talvez sejam todos os elementos carreados na obra, o deslumbre, a
inquietação, o estranhamento, sentimentos que não podem ser afastados pela simples
conveniência e suspeição.
Depurando o conceito de arte e despindo nosso olhar de preconceito poderemos, numa
releitura, vislumbrar a arte “essencial” e talvez, compreendermos que essa arte reside nas
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falsificações, elas também suportam o peso do julgamento, o mesmo problema de mérito ligado
ao reconhecimento118.
Essa depuração por óbvio, esbarra na reprobabilidade da conduta ilícita do falsário
entretanto, no presente trabalho esse elemento não será foco pois entende-se que a obra, quando
findada, aparta-se do seu criador passando a existir por si mesma no mundo. Não por outra razão
esse trabalho demanda uma isenção lógica pois se não pudermos ignorar a intenção do autor para
compreender a sua obra acabamos por influenciar o entendimento da mesma. Nesse sentido “ se
o mundo não se importava com a homossexualidade de Leonardo, a sífilis de Baudelaire, o fato
de Gauguin ter abandonado a esposa” (WYNNE, 2008, p. 80) porque deveriam se importar em
desvalorizar o ato de um falsário?
Se pudermos eliminar a ilicitude do falsário da equação e voltarmos a atenção para o valor
da arte, mais especificamente para a arte como atributo poderemos perceber que há a incidência
de uma preocupação/solução econômica e não artística. Disso decorre a suspeita de que, na
história da arte, a crítica e o mercado - num eterno condicionamento – acabaram por purificar os
sistemas da arte estabelecendo conceitos não artísticos a fim de conferir valor às obras.
Partindo dessa premissa os julgamentos e valores passados podem ser renovados a fim de
servirem de ferramenta para “real” compreensão da arte. Se não for assim, se não se primar pela
liberdade teórica e artística fortalecidas pela memória o paradigma termina sendo uma camisa de
força.
A maior aspiração da arte é revelar a natureza da obra, o discurso que permeia o trabalho e
o transcende, passando a existir quando o outro a reconhece e surge um consenso, que
convenciona seu valor artístico. É no olhar do outro que surge a afirmação que traduz algo em
verdadeiro ou falso, em relação à essência da arte e também daquilo que a cerca, caracteriza e a
distingue do restante.
Para Jonathon Keats a “essência” artística da falsificação reside na possibilidade que o
artefato possui em subverter o seu próprio papel, “arte legítima só consegue simular as violações
que falsificações cometem. Neste sentido, falsificações são mais reais que a arte que falsificam”.
(2013 p. 35)
Filha de Diego Rivera nega autenticidade de 1.200 obras atribuídas a Frida Kahlo. 09\06\2011. Disponível em:
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/efe/2011/06/09/ult1817u15004.jhtm acesso em: 22 maio 2014.
118
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As obras possuem um discurso fundante e um objetivo. Este, sem dúvidas, é o
reconhecimento. Nas falsificações o maior argumento é o engano, contudo, admite-se que seu
principal objetivo seja a “comercialização do engano”. Parte-se da premissa que argumentos
legitimados fazem uma obra tornar-se ícone na arte, onde estão inertes, diluídos entre a imagem e
a história, esperando serem revelados sem, contudo, perder os valores de arte. Nesse sentido a
obra que engana alcança a perfeição e se consuma. Logo, ambicionar despi-la desse mistério é um
paradoxo, conforme apontado por Humberto Pereira:
Mas quem engana a perfeição, justamente, não engana, pois o engano não pode
ser outra coisa senão uma falta. Se alguém realizar algo para enganar, não disser
que sua obra tem por artifício enganar e esse artifício não for descoberto, não
se pode dizer, sem o risco de se cair num absurdo, que houve o engano.
(PEREIRA, 2007, p. 02).
Por mais lógico que possa parecer, o argumento transcrito acima não encontra eco no meio
artístico. É fato que a falsificação encontra-se em campo ilícito e o falsificador é visto como mero
reprodutor ou copiador, despido de criatividade119, em detrimento do potencial artístico quase
meta artístico presente em suas obras, que vencem o tempo e prolongam o discurso dos grandes
mestres. Talvez, esse não reconhecimento decorre da torpeza do meio artístico, que se vale dos
falsificadores para enganar os incautos que vêem na Arte um mero investimento.
Para demonstrar a incoerência da Arte hermética em seus conceitos, tomemos como
exemplo o trabalho de um falsificador que sai do anonimato e torna-se um ícone da própria arte.
Ao ter revelado sua origem, rapidamente sua importância transmuta de parâmetro, passa então de
obra de arte para um trabalho de menor valor120.
Curioso e contraditório é o caso dos quadros dos Girassóis de “Van Gogh”. Em toda sua
vida o artista teria pintado quatorze Girassóis, dos quais, apenas cinco podem ser visitados
atualmente. Hoje se discute a possibilidade de algumas destas obras serem, em realidade,
falsificações. Alguns especialistas sugerem que seja falso, por exemplo, o quadro comprado pela
João Carlos Lopes dos Santos, marchand que trabalha arduamente para desmerecer e exonerar qualidades
artísticas a artefatos falsificados ou copiados. Disponível em: http://www.consultarte.com/scripts/apresentacao.asp
acesso em: 20 de out. 2013
120 Casa de leilão retira obras falsificadas: disponível em: http://institutovolpi.com.br/midia2.php acesso em:
11\07\2014 às 15:20
119
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companhia de seguros japonesa Yasuda121 que foi a leilão pela Christie’s de Londres. Um caso
como esse não poderia ser nada menos que polêmico. Contudo, houve a atribuição da suposta
falsificação a Claude Emilie Schuffenecker. Anos de pesquisa não foram suficientes para chegar a
uma conclusão comum sobre a autoria da pintura, visto que, dependendo do resultado, poderia
abalar os méritos e os valores atribuídos a tal obra e artista.
O caso de Hans Van Meegeren122, artista que confessou ter falsificado nove obras de
Vermeer, é deveras curioso. Esse pintor recriou uma das obras mais significativas, de notório
valor econômico, e ao desejar ter sua obra reconhecida como arte encontrou terrível dificuldade
para provar sua autoria.
Se Hans Van Meegeren não tivesse decidido confessar, evitando, assim, o envio de grandes
números de obras aos laboratórios, os quadros desse falsário imensamente talentoso ainda
estariam proporcionando prazer a incontáveis frequentadores de museus em todo mundo.
Embora tenha sido um “acidente histórico”, Hans foi obrigado a confessar, fazendo com que ele
tenha entrado para a história como um falsário, e, como os todos falsários, tenha recebido a
“morte cultural” – a censura.
No entanto, falsificou o quê? Apenas assinaturas? Os quadros de Vermeer que Hans
confessou ter falsificado não são autênticos? Ora, não carregam assinaturas dos mestres do
passado. O que garante, no final das contas, que a assinatura de Hans seja menos qualificada do
que a dos mestres que falsificou?
Como não reconhecer o gênio Meegeren e não colocá-lo lado a lado com os
grandes mestres da pintura holandesa do século XVII? Esse anacronismo causa
perplexidade, mas se é possível dizer quais são os critérios para afirmar quem
são os mestres da pintura na época de Rembrandt, a ausência de Meegeren é
uma falha gritante. (PEREIRA, 2007 p. 3).
121Conteúdo
disponível nos seguintes itens: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/10/31/ilustrada/11.html
acesso em: 22 Nov. 2013
http://www.artexpertswebsite.com/pages/artists/super_van_gogh_forgeries.php acesso em 22 nov. 2013
122 O livro, Eu Fui Vermeer, e enganei os nazistas, de Frank Wynne, remonta a história do falsário Hans Van Meegeren,
que reproduziu várias obras de Johannes Vermeer (1632-1675), além de outros artistas. Aborda a ascensão e queda
de um dos mais bem sucedidos falsários do século XX, que transmuta de colaborador do nazismo para herói
holandês. E, ao confessar que ao invés de ter vendido o tesouro holandês para o inimigo, Reichsmarschall Hermann
Goering o engano vendendo Vermeer falsos em troca de duas centenas de obras holandesas. Tal afirmação não foi
creditada pela crítica, nem pelo público. Hans, em um episódio teatral, pinta seu último Vermeer diante do júri.
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477
A mesma ambivalência da critica especializada, ao se utilizar de argumentos para afastá-lo
dos grandes mestres, seria consequentemente aproximá-lo de artistas conceituais. Argumentos
falhos, utilizados somente para afastá-los dos grandes mestres, seriam, por conseguinte,
ambivalentes, pois, os posicionariam ao lado de Duchamp (1887 – 1968) e Andy Warhol (1928 –
1987).
A falsificação é elemento indócil para colecionadores, conservadores, historiadores e o
mercado da arte. Pois se recusa a utilizar as temáticas atuais de produção artísticas ao representar
temas demasiadamente utilizados no passado ou por artistas antecessores, sendo rebelde,
também, por se utilizar do próprio sistema da arte para formalizar seu discurso e transferir a sua
crítica ao meio. Opera com o limiar dos julgamentos morais e éticos. E, por consequência, mina
as verdades dogmáticas que historiadores, colecionadores e o mercado da arte constroem tanto
apreço e, por fim, problematiza qualquer definição canônica a respeito da genuinidade,
autenticidade, balançando o “imaculado” status arte.
Referências Bibliográficas:
DANTO, Arthur. Brillo Box and so forth, ( jan. 2010) Project by: Manrica Rotili, Camera Ivan
Galietti. Editing. Andrea Marchegiani. Nova Iorque. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=gW_QiTvWA20 acesso em: 10\062014.
DICKIE, G. Definindo arte: intensão e extensão. Estética: fundamentos e questões de Filosofia da
Arte. KIVY, P. (Org.) 1ªEd. São Paulo, 2008.
___________. El circulo Del arte: uma teoría Del arte. Ed. Paidos, Espanha, 2005
___________. Introdução à estética. Ed. Bizâncio Lisboa, 2008
INWOOD, Michael. O dicionário de Hegel. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2011
PEREIRA, Humberto. A arte da falsificação. Ensaio, 2007. Disponível em:
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1519,1.shl Acesso em: 02 maio 2013.
SANTOS, João Carlos Lopes dos, Consultoria de arte. Disponível em:
http://www.consultarte.com/scripts/apresentacao.asp acesso em: 20 de out. 2013
STREETER, Michael. Van Gogh "falso" pode abalar mercado. 2007. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/10/31/ilustrada/11.html acesso em: 22 Nov. 2013
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478
VAN Gogh Forgeries and Fakes. Disponível em:
http://www.artexpertswebsite.com/pages/artists/super_van_gogh_forgeries.php acesso em: 22
Nov. 2013
WYNNE, Frank Eu Fui Vermeer, A lenda do falsário que enganou os nazistas. São Paulo Companhia
das letras, 2008
ISSN: 2176-2066 http: www.unioeste.br/filosofia
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DIALÉTICA NEGATIVA: DA INSUFICIÊNCIA À POSSIBILIDADE
Michele Borges Heldt
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Luft
Resumo: Mais do que uma crítica ao positivismo lógico e à compulsão ao sistema proveniente da
ontologização do ser, a dialética negativa de Theodor Adorno, tema do presente artigo, aponta
para o que ele chamou de insuficiência do conceito. Entrementes, isso não significa que Adorno
tenha defendido a validade de um pensamento desprovido de conteúdo objetivo. Antes disso, sua
obra propõe à filosofia o desenvolvimento acerca de uma consciência da possibilidade, visto que,
em Adorno, aquilo que o indivíduo deve ser é formado por aquilo que ele foi e também por
aquilo que ele poderia vir a ser.
Palavras-chaves: dialética negativa, Adorno, insuficiência, possibilidade.
Para Adorno, primeiramente, a dialética deveria se libertar de seu caráter positivo e
sistemático, pois a necessidade filosófica de compreensão e sistematização do conhecimento
revelaria uma exigência de poder que faria com que a filosofia perdesse o seu real significado,
regredindo ao status de uma ciência particular.
Esse é o fundamento de sua dialética negativa, cujo desenvolvimento se dá, especialmente,
a partir do confronto com o sistema dialético hegeliano. Segundo Adorno, "dificilmente haverá
algum pensamento teórico de certo alento, que, sem haver 'armazenado' em si a filosofia
hegeliana, pode hoje fazer justiça à experiência da consciência." (ADORNO, 2009, p.27).
De acordo com Adorno, o verdadeiro interesse da filosofia deveria voltar-se justamente
para aquele âmbito que Hegel rejeitou, ou seja, o âmbito do não conceitual, do individual e do
particular. Em parte, Adorno compartilha com Hegel a ideia de que o conhecimento é
fundamentado a partir de conceitos, contudo, a forma como isso se dá, na dialética negativa, é
totalmente diversa.
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Enquanto que, para Hegel, a contradição seria a necessidade de existência de um outro para
a consciência, em Adorno, a contradição seria o indício da inverdade da identidade, onde a
aparência de identidade seria inerente ao próprio pensamento. Logo, a contradição não seria uma
necessidade à parte que deveria ser, nas palavras de Luft, “superada e guardada” (LUFT, 2001,
p.32) pela consciência, mas sim, parte constituinte da mesma. Ou seja, enquanto que, na dialética
hegeliana a contradição deve ser suprassumida, na dialética negativa ela deve ser assumida como
parte integrante da própria consciência.
Dessa forma, segundo Adorno, no sistema hegeliano a aparência e a verdade se
confundiriam, pois em Hegel a representação mais imediata é tida como um caminho rumo ao
conhecimento verdadeiro, enquanto que, para Adorno, o conhecimento fenomenal é apenas uma
aparência, onde o princípio da não contradição identificaria aquilo que é diferente sob a ótica do
pensamento da unidade, deturpando, desse modo, o próprio conhecimento.
O que é diferenciado aparece como divergente, dissonante, negativo, até o
momento em que a consciência, segundo a sua própria formação, se vê
impelida a impor unidade: até o momento em que ela passa a avaliar o que não
lhe é idêntico a partir de sua pretensão de totalidade. Isso é o que a dialética
apresenta à consciência como contraditório... A identidade e a contradição do
pensamento são fundidas uma à outra. A totalidade da contradição não é outra
coisa senão a não-verdade da identificação total, tal como ela se manifesta nessa
identificação. Contradição é não-identidade sob o encanto da lei que também
afeta o não-idêntico. No entanto, essa lei não é uma lei do pensamento. Ao
contrário, ela é uma lei real. Quem se submete à disciplina dialética, tem que
pagar sem qualquer questionamento um amargo sacrifício em termos da
multiplicidade qualitativa da experiência. (ADORNO, 2009, p.14).
A efetividade, que no sistema hegeliano seria fundamental para que a consciência se torne
certa de si mesma com base na razão e sua atuação, em Adorno, a consciência já conteria nela
mesma a equivocidade de um pensamento voltado para a unificação. Logo, a própria experiência
já seria previamente manipulada com base naquilo que o pensamento gostaria de conceber.
Essa constituição impositiva da realidade teria sido atribuída à relação “sujeito espírito”,
onde o espírito, enquanto universal absoluto, condicionaria os indivíduos, transformando a
necessidade de conceitualização em algo positivo.
Na medida em que se recusa ao pensamento, ele é o absoluto; na medida em
que, bem hegelianamente, ele não pode ser reduzido sem restos nem ao sujeito
nem ao objeto, ele está para além de sujeito e objeto, apesar de,
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independentemente deles, ele não ser de maneira alguma. A razão que não o
pode pensar é por fim ela mesma difamada, como se o pensamento se deixasse
de algum modo dissociar da razão (ADORNO, 2009, p.97).
Nesse sentido, enquanto que, em Hegel, o espírito é o universal onde a “consciência-de-si”
se efetiva, ou, dito de outro modo, são os conceitos experimentados, compartilhados e aceitos
por todos, em Adorno, o espírito seria aquilo que se forma a partir de um pensamento idealista
que não aceita nada que não esteja em consonância consigo mesmo, daí a necessidade de
sistematização.
Já o formato do sistema, seria adequado ao mundo que, de acordo com o seu conteúdo, se
adaptaria à hegemonia do pensamento, onde unidade e concordância seriam, ao mesmo tempo, a
idealização de um estado pacificado, que não seria mais contraditório mediante as coordenadas
do pensamento dominante (o espírito absoluto).
Assim, nessa lógica, produz-se não só uma burocracia para a sociedade, mas
também, uma sociedade para essa burocracia; não só se produz uma tecnocracia
para o povo, mas também se constrói um povo para essa tecnocracia; não só se
produz um objeto para o sujeito, mas também, segundo a frase de Marx à qual
hoje se podem dar prolongamentos novos e múltiplos, ‘se produz um sujeito
para o objeto’ (MORIN, 2002, p.69).
Precisamente aí entra a lei, que em Hegel representa o conceito e a experiência
universalizados, onde a consciência-de-si se faria em conformidade com a lei justamente em
decorrência dessa universalidade por ela assumida. Já em Adorno, a lei representa a ideologia
presente no espírito da sociedade vigente, e incitaria o pensamento à positividade. Contudo, a
positividade seria contrária ao pensamento, logo, necessitaria de alguma autoridade social para
acostumar os indivíduos a ela, uma vez que as formas de pensamento costumam querer ir além
daquilo que lhe é simplesmente dado. Na dialética negativa, é nesse contexto que a lei é
empregada, a saber, como mecanismo de controle social em prol do pensamento dominante.
Segundo Adorno, Hegel só pôde equilibrar essa tensão entre a inflexibilidade das leis
morais vigentes e a dinâmica do pensamento singular através da construção do princípio da
unidade do espírito absoluto. Desse modo, o princípio fundador dos sistemas teria de ser,
necessariamente, embasado na razão, pois assim ele não poderia ser limitado por nada que viesse
de fora do seu esquema, uma vez que, tudo aquilo que não se submete ao princípio da unidade,
teria a aparência de violação da lógica.
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Assim, a sistemática hegeliana teria sido introduzida a tal ponto na consciência dos
indivíduos, que teria se tornado ontologia. Daí a necessidade de desenvolvimento de um sistema
que fixasse a ideia de que, aquilo que é dado de forma imediata, representaria a verdade da “coisa
mesma”.
Enquanto que, em Hegel, a cultura representa o lugar onde a consciência-de-si alcançaria a
sua vigência, para Adorno, a cultura estaria intimamente ligada com essa ontologia que ele
chamou de “ontologia do estado falso”.
O ser-aí teria adquirido um sentido ontológico em Hegel graças à tese idealista do primado
do sujeito, onde ele teria se aproveitado do fato de que o não idêntico precisaria ser determinado
enquanto conceito e, com isso, o ser-aí teria sido transformado em identidade.
Na dialética hegeliana, o ser-aí representa o fenômeno, ou seja, aquilo que é dado de modo
mais imediato. A consciência se restringiria a esse concreto como sendo algo real, pois para ela, o
concreto representaria aquilo que, dentro da razão lógica, seria algo possível. Essa capacidade
significa distinguir algo daquilo que é desigual a si mesmo. Esse seria o momento qualitativo da
razão, na medida em que reconheceria a separação entre o igual e o desigual. Essa separação
levaria à máxima de que a consciência deve, levando em conta a diferença entre natureza e
afirmação, ajustar-se à natureza das coisas, e não simplesmente agir de acordo com a sua vontade.
Surgiria daí, o modo de comportamento espiritual marcado pelo perpétuo “retorno a”.
O absoluto teria se transformado em algo histórico-natural, a partir do qual a norma da
auto adaptação pôde ser implementada. Isso, aliado à compulsão ao sistema, que permite que os
indivíduos confiem em sua própria consciência e experiência e, somado ao medo daquilo que é
novo, teria feito com que a ontologia do estado falso se desenvolvesse de tal modo, que quase
mais nada escapasse a ela.
A grande filosofia foi acompanhada pelo zelo paranoico de não tolerar nada
senão ela mesma. O mais mínimo resto de não-identidade era suficiente para
desmentir a identidade, totalmente segundo o seu conceito. As excrescências
dos sistemas desde a glândula pineal de Descartes e os axiomas e definições de
Spinoza, nos quais já está injetado todo o racionalismo que ele extrai
posteriormente de maneira dedutiva, manifestam por meio de sua não-verdade
a não-verdade dos próprios sistemas, sua loucura (ADORNO, 2009, p.27).
A mediação que estaria contida na aparência da imediatidade do espírito, segundo Adorno,
se manifestaria com base no idealismo da unificação. Aí, a visão das essências se aproximaria da
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consciência alegórica. Assim, quanto mais socializado seria o mundo, e quanto mais
determinações universais seriam desenvolvidas, mais o estado de coisas singular tenderia a tornarse imediatamente universal.
A desumanização começa no ponto em que, graças ao distanciamento, os
objetos visados pela operação burocrática podem e são reduzidos a um
conjunto de medidas quantitativas… Reduzidos, como todos os outros objetos
de gerenciamento burocrático, a meros números desprovidos de qualidade, os
objetos humanos perdem sua identidade (BAUMAN, 1998, p.26).
Para Adorno, as doutrinas que fogem do sujeito para o cosmo, assim como a filosofia do
ser, seriam mais facilmente conciliáveis com essa limitação do espírito àquilo que é acessível às
suas experiências e com as chances de sucesso que essa limitação traz consigo, do que a menor
parcela de reflexão do indivíduo sobre si mesmo e sobre o seu aprisionamento social.
A cultura na qual o pensamento estaria envolvido faria com que o indivíduo perdesse o
hábito de se questionar acerca do sentido desse pensamento. E, quanto menos o sentido torna-se
evidente para os indivíduos, mais plenamente o funcionamento cultural o substituiria. Mediante o
peso da existência, os indivíduos sequer se perguntariam se o sentido que a cultura afirma é
realizado, e muito menos sobre a autenticidade desse sentido.
O culto do ser, contudo, ou ao menos a atração que essa palavra exerce por
meio de seu prestígio, vive do fato de que na própria realidade, tal como
outrora na teoria do conhecimento, os conceitos funcionais foram reprimindo
cada vez mais os conceitos substanciais. A sociedade transformou-se em
contexto funcional total, como antes era pensada pelo liberalismo; aquilo que é,
é relativo a um outro, irrelevante em si mesmo. O horror que isso provoca, a
consciência crepuscular de que o sujeito está perdendo sua substancialidade,
tudo isso predispõe para que se escute a asseveração, faz com que o ser,
equiparado de maneira desarticulada àquela substancialidade, sobreviva apesar
de tudo a essa estrutura funcional, sem que possa se perder. Todavia, aquilo que
o filosofar ontológico buscava como que despertar de maneira evocativa é
minado por processos reais, pela produção e reprodução da vida social
(ADORNO, 2009, p.63).
Nesse esquema, a tentativa de fuga do idealismo seria invalidada de modo automático e a
doutrina do ser seria reabsorvida em uma doutrina do pensamento que isentaria o ser de tudo
aquilo que seria outra coisa além do pensamento puro. Dessa forma, a formação do espírito da
cultura se tornaria proveniente das normas da sociedade vigente, onde o critério daquilo que é
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tomado como verdadeiro ou falso poderia ser facilmente manipulado em prol dos interesses da
classe dominante.
Em Adorno, a revitalização da ontologia a partir dessa intenção objetivista, se daria pelo
fato de os indivíduos terem se tornado demasiadamente idealistas, dissimulando, dessa forma, o
contexto funcional e objetivo da sociedade e amenizando, com isso, o sofrimento de seus
membros.
Assim, sendo o universal absoluto tratado como algo histórico-natural, a liberdade pôde,
finalmente, ser vinculada à consciência moral que, de acordo com Hegel, antes já seria parte da
própria consciência natural.
O fato de a liberdade permanecer em grande medida ideologia; o fato de as
pessoas serem impotentes diante do sistema e não conseguirem determinar suas
vidas e a vida do todo a partir de sua razão; sim, o fato de não poderem mais
nem mesmo pensar essa ideia sem sofrer adicionalmente, proscreve sua
conjuração para a figura contrária: elas preferem sardonicamente o que é pior à
aparência de algo melhor. As filosofias ligadas ao espírito do tempo trazem
consigo as suas contribuições para essa situação. Elas sentem já em ressonância
com a ordem alvorecente dos interesses mais poderosos, apesar de, como
Hitler, portarem o peso solitário do destino. O fato de se comportarem como
metafisicamente desabrigadas e como mantidas no nada provém de uma
ideologia apologética da ordem que provoca o desespero e que ameaça os
homens com a aniquilação física (ADORNO, 2009, p.83).
Nesse contexto, para Adorno, a liberdade somente seria possível mediante uma mudança
radical, através do abandono do idealismo em relação à forma de concepção da identidade entre o
sujeito e o objeto. A variabilidade seria essencial para a consciência nesse processo, pois ela seria
capaz de levar o indivíduo a um comportamento que vem do interior, que seria um modo de
comportamento livre, mas oriundo do processo dialético. “Ela não seria outra coisa senão a
experiência plena, não reduzida, no medium da reflexão conceitual”. (ADORNO, 2009, p.21).
O pensamento sem regulamentação possuiria uma afinidade com a dialética porque,
enquanto crítica ao sistema, remeteria a algo que estaria fora dele, onde a força que impulsiona o
movimento dialético seria justamente essa que iria contra o processo de sistematização. Dessa
forma, a reflexão se daria não sobre o concreto, mais sim, a partir dele. O cumprimento do dever,
que em Hegel subjuga totalmente o individual em prol do universal, em Adorno equivale ao
objetivo final de toda a dialética hegeliana, onde o esquematismo, aliado à ontologia do ser,
penetra até a camada mais profunda da consciência humana, com o propósito de torná-la cativa.
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Entretanto, a dialética negativa aponta para a existência de uma falha nesse sistema, que se
refere justamente àquele conceito que abrange o simplesmente não conceitual, ou seja, aquilo que
não se esgota no conceito. Para exemplificar, Adorno cita a música, que, assim como outros tipos
de arte, não seria absorvida já no primeiro instante, mas somente no seu decorrer compartilhado.
Por mais que a música seja ela mesma uma aparência enquanto totalidade, ela faria uma crítica à
aparência por meio dessa totalidade, como sendo a aparência do conteúdo presente em um
determinado tempo e momento. Nesse sentido, em consonância com Adorno, Jimenez faz o
seguinte comentário:
Paradoxalmente, a função social da arte reside então em sua ausência de
função. É diferenciando-se de maneira imanente da realidade, que as
obras de arte exprimem negativamente um estado outro daquele que é,
dizendo o que este deveria ser em uma sociedade liberada da barbárie
(JIMENEZ, 1977, p.138).
Para Adorno, a filosofia deveria abrir mão do consolo de acreditar que a verdade não é
passível de ser perdida. Uma filosofia que não pode sequer refletir acerca do não conceitual se
tornaria analítica e tautologia. Para ele, houve uma inversão do conceito de segurança, onde, o
que antes queria ultrapassar o dogmatismo por meio da certeza de si, teria se transformado em
um conhecimento engessado e inquestionável.
A tentativa da filosofia de não se desviar da negação, mas também de não se deixar abater
por ela, precisaria ser desenvolvida. Este é o ponto vital da dialética negativa, o desenvolvimento
de uma consciência acerca da insuficiência do conceito, ou, utilizando as palavras do próprio
Adorno, o desenvolvimento de uma consciência acerca daquilo que vai além-do-conceito. Daí a
sua afirmação de que a dialética precisaria ser caracterizada como um esforço elevado à
autoconsciência por se deixar tornar penetrável.
A crítica de Adorno não se dá contra a ciência, mas sim pelo fato de que, para a filosofia, a
expressão e o seu aperfeiçoamento lógico não deveriam ser possibilidades distintas. Ao contrário,
eles necessitariam um do outro, uma vez que a expressão seria liberada de sua contingência por
meio do pensamento, e esse, por sua vez, só se tornaria conclusivo enquanto algo expresso, ou
seja, somente por meio da apresentação. Nesse sentido, Gagnebin afirma que:
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Adorno não propõe um intuicionismo imediato nem um irracionalismo
ingênuo para escapar da lógica identificadora. Propõe, sim, na boa
tradição platônica, um demorar e um treinar na linguagem e na ratio, no
logos, para enxergar a sua insuficiência e indicar, talvez, o que seria seu
outro fundador (GAGNEBIN, 1997, p.120).
Assim, quando Adorno afirma que o que se torna problemático não é apenas a atividade,
mas o sentido da ciência, ele não está se referindo somente à sistematização em prol de alguma
ideologia, mas, mais do que isso, ele refere-se, principalmente, à insuficiência de tais processos
frente à complexidade e diversidade humana e, consequentemente, à necessidade filosófica de
desenvolvimento de uma consciência da possibilidade e de um olhar para aquilo que não se
esgota no conceito, para aquilo que, nas palavras de Adorno, vai “além do conceito”.
Referências Bibliográficas:
ADORNO, T.W. Dialética Negativa. (Trad: Marco Antônio Casanova) Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
___________. O mal-estar da pós-modernidade, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete Aulas sobre Linguagem, Memória e História. Rio de Janeiro: Imago,
1997.
JIMENES, Marc. Para Ler Adorno. Trad: Roberto Ventura. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977.
LUFT, Eduardo. As sementes da dúvida. São Paulo: Editora Mandarim, 2001.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência, Trad. Maria D Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória, 6
ed., Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.
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A EXIGÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA EM GABRIEL MARCEL
Nadimir Silveira de Quadros
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Claudinei Aparecido de Freiras da Silva
RESUMO: Segundo Gabriel Marcel, a exigência de transcendência convoca o homem a um
aprofundamento na sua própria existência pessoal, proporcionando a ele decidir por não ficar
numa atitude meramente espectadora, descomprometida e, portanto, teórica. A oposição entre
sujeito e objeto deve ser transcendida, assim como a arte dramatúrgica torna-se o referencial
desse movimento de transcendência pelo qual o personagem se lança no mistério do outro. A
fidelidade aparece como uma abertura ao transcendente, pois o contrário, no caso da traição,
conduz ao afastamento do mistério objetivando, pois, o outro.
Palavras-chave: Gabriel Marcel; transcendência; fidelidade; presença; mistério
Ainda do início da Primeira Guerra Mundial, Marcel já exercia uma busca sincera e
persistente sobre um outro mundo; mundo este transcendente, visto que
vivemos num
processo civilizatório objetivante e superficial. Tal mundo passa a ocupar o centro de atenção
do filósofo, posto como nova exigência ontológica. É em direção a essa perspectiva, por
exemplo, que Marcel sustenta na 3ª lição da primeira série da obra Mistério do Ser, a tese da
«exigência de transcendência», que, segundo suas próprias palavras, induzem o homem a um
aprofundamento na sua própria existência pessoal (MARCEL, 2002, p.45). Este homem que é
consciência
projetiva,
energética,
tensitiva,
originariamente
intencional
carece
fundamentalmente dessa busca de sentido para encontrar a sua plenitude, que constitui o
ponto mais importante de partida em direção ao outro. Escreve o filósofo:
Vamos agora perguntar-nos em que consiste precisamente a exigência da
transcendência. Parece-me que primeiro devemos situá-la em relação com a
vida tal e como é vivida e não mediante uma definição que a colocaria no éter
rarefeito do pensamento puro. (MARCEL, 2002, p. 46)
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Esta experiência de transcendência é irredutível a qualquer outra, pois está no cotidiano
do homem, encontrando-se, ainda, na sociedade em que está imerso, numa condição humana
radicalmente conflitiva. Os valores humanos encontram-se esfacelados. O que a exigência de
transcendência pressupõe é que, para além de um mundo cindido, há o reconhecimento
ontológico do mistério, da presença, em sentido pleno. Escreve o filósofo:
Deveríamos nos perguntar se a totalidade não será a plenitude representada ou
figurada, porém, também se não há na plenitude algo que não é figurável, que
não pode dar lugar a uma projeção. Não será precisamente a partir da
necessidade e plenitude que se explicitam as questões que nos ocupam nesta
lição? Uma plenitude que se oponha ao vazio interno de um mundo
funcionalizado, assim como a agonizante monotonia de uma sociedade na qual
os seres se apresentam cada vez mais como simples espécies e cada vez menos
discerníveis uns dos outros. (MARCEL, 2002, p. 232).
O homem não pode realizar a sua própria vida se decidir permanecer numa cômoda
atitude espectadora, descomprometida, apenas teórética. O homem é um ser participante.
Nesse ponto, o pensamento filosófico de Gabriel Marcel se elabora a partir de algumas
situações concretas bem como diante de determinadas descrições fenomenológicas, que
apresentam a presença do transcendente no coração da experiência vivida. Deve haver uma
experiência do transcendente como tal, como afirma, quando diz que, “transcendente” não
implica dizer o que transcende a experiência, senão, pelo contrário, que deve ser possível, deve-se
fazer uma experiência de transcendência enquanto tal” (MARCEL, 2002, p. 52).
O ponto de partida de uma filosofia autêntica, segundo o pensador francês, compreendida
como uma experiência transmutada em pensamento é o reconhecimento das afirmações
metafísicas em termos de experiência vivida, que adquirem a plenitude de seu significado. É
preciso chegar à convicção de que a exigência de transcendência não deve dar vazão à ideia de
superação de toda a experiência, pois além de toda experiência não há nada que se deixe ou se
queira pressentir. A exigência da transcendência se apresenta, se sente, antes de qualquer coisa,
como insatisfação:
A insatisfação implica a ausência de algo que, falando com propriedade, é
exterior a mim, ainda que eu possa assimilá-lo e, portanto, fazê-lo meu.
[...] Talvez precisamente porque o princípio não reside em mim, senão
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fora de mim; é como se outro chamado surgisse de mim mesmo, um
chamado que se dirige para dentro. (MARCEL, 2002, p. 49)
O sujeito torna-se um experimento de seu próprio sentimento de vazio, de insatisfação. A
sua originalidade não está somente em interrogar sobre a natureza das coisas, mas em
perguntar pela sua própria essência e, nesse sentido, está além de todas as respostas em que
podem desembocar esta pergunta. O homem somente poderá descobrir seu verdadeiro ser no
comprometimento e na participação.
A dramaturgia de Gabriel Marcel expressa muito bem essa questão da transcendência do
sujeito sobre o objeto. Os personagens que aparecem nos dramas não são marionetes
construídas conforme um plano abstrato do teatrólogo ou diretor. Pelo contrário, eles são
como uma composição musical e vivem numa situação que, por sua vez, como inteiramente
implicados ou transcendidos. Isso significa que o grande ator não apenas representa, uma vez
que a sua prática estaria objetivando o personagem. O ator vive, respira, se movimenta
corporalmente, olha e toda a sua atuação é pelo outro, porque está completamente no ser-com.
Sua empresa é movida pela satisfação de se colocar como outro. Escreve o autor:
Notemos, em primeiro lugar, que a exigência da transcendência se
apresenta, se sente, antes de qualquer coisa, como insatisfação. O
contrário não parece ser certo; não parece que tenhamos direito a dizer
que [mas, nem] toda insatisfação implica aspirar à transcendência. É
conveniente, creio, ser aqui tão concreto quanto se puder, quer dizer, que
dramatizemos, que imaginemos, o mais precisamente que sejamos
capazes, algum tipo de situação em que eu possa ver-me implicado.
(MARCEL, 2002, p. 47).
De certa forma, Marcel expressa a exigência de transcendência como uma arte que o ser
humano possui. A dramaturgia quando exercida em profundidade torna-se um referencial de
como o sujeito pode transcender toda objetivação. Justamente porque o personagem não
objetiva, mas vive o sujeito que atua, ele-próprio transcende toda objetivação do personagem
quando se joga no mistério do outro. Em um mundo em que a verdadeira vida está ausente de
sentido, em que, ainda, a falsidade e o egoísmo desterram a sociedade, Marcel mostra que
quem quiser se engajar ao mundo e quiser transcendê-lo precisa atuar com o outro.
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Podemos afirmar que para que o sujeito supere toda forma de objetivação são
necessárias a presença e a participação. Estas necessitam de fé, uma certeza que não pode ser
apenas movida pela razão, mas que se realize no mistério. No reconhecimento do outro se
transcende toda forma de objetivação.
Entre todos os temas que Marcel trabalha em sua obra, o tema da fidelidade é um dos
que aparecem em estado germinal, embora, no contexto da sua dramaturgia, se torne um dos
temas mais desenvolvidos. Quando o dramaturgo francês traz o tema da verdade, esta é graça e
fidelidade, que em último caso, implica o gesto de fidelidade ou de traição. Pela capacidade que o
homem tem de responder a uma delas é que se radica sua essencial liberdade. Uma escolha que
segundo Marcel, pode trair o momento presente:
Pelo fato de que toda fidelidade pode ser rechaçada ou desenraizada, a traição
mesma parece mudar de natureza: é ela quem pretende ser a verdadeira
fidelidade e trata, ao que nós designamos com este nome, de traição – traição
ao instante presente, ao eu real experimentado em cada instante. (MARCEL,
2003, p. 103).
O que seria uma traição do momento? Para o autor, a resposta parece estar numa
autenticidade de vida:
Imaginemos alguém que decidiu professar em uma ordem, fazer-se monge.
Porém nunca teve claras as condições sob as quais tomou tal decisão.
Encontra-se em vésperas de pronunciar os votos definitivos, de maneira que,
todavia, tem tempo de renunciar ao projeto. Seria, pois, indispensável que se
perguntasse se sua vocação é autêntica, se sente, verdadeiramente, que foi
chamado por Deus para servir-lhe. De fato, não se atreve a formular-se a
pergunta diretamente, pois teme a resposta. Na realidade, tomou esta decisão
por causa de decepções puramente terrenas, talvez porque uma mulher a quem
amava o enganou ou porque suspendeu um exame difícil ou talvez porque crê
vagamente que desta maneira obterá a consideração de uma família que o julga
incapaz de chegar a nada. (MARCEL, 2002, p. 67)
A fidelidade nos conduz ao mistério. A fidelidade é criadora de uma ordem nova e
misteriosa, que rompe os limites das palavras e do conhecer. Agora, como falar de fidelidade
frente a um mundo desnaturalizado, alienado e prostituído, em que a traição é constante e que
se encontra vazio de significação? Escreve Marcel:
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Não basta dizer que vivemos em um mundo no qual a traição é possível em
todo momento e sob todas as formas, traição de todos por todos e de cada um
por si mesmo. Repito: esta traição aparece na própria estrutura de nosso mundo
que nos encarece. Espetáculo da morte como convite perpétuo à negação. A
essência de nosso mundo é talvez traição. (MARCEL, 2003, p. 90).
Significa que a fidelidade somente se desvele na presença do tu, ou seja, que acontece no
seio de uma metafísica da liberdade, da comunhão e da participação. O homem, nessa
perspectiva, poderá experienciar a fidelidade pelo transcender do devir, do trágico mundo do
ter, do problemático, indo além da morte, da ausência e do tempo. Desta aproximação pode se afirmar que, além disso, há o desafio da ausência, onde triunfa, em última etapa, a morte.
Nesse sentido, a fidelidade em seu sentido metafísico nos aparece como o único meio para
triunfar sobre o tempo, caso, é claro, ela seja, de fato, criadora. Marcel expressa tal ideia quando
diz que “Amar a um ser é dizer: tu não morrerás”, significando, sobretudo, que há no outro, que
amo, como ser, algo que permite franquear o abismo do que ele chama indistintamente de a morte
(MARCEL, 2002, p. 249). Para Marcel, a fidelidade encontra-se ameaçada, principalmente
quando se pode perceber que “no mundo, sob a opressiva influência da técnica, desaparecem as
relações intersubjetivas. Com isso, a morte deixa de ser um mistério para converter-se em um
fato brutal, como a destruição de qualquer aparato” (MARCEL, 2002, p. 319).
A fidelidade transcende o tempo, ou seja, a fidelidade é a atualização da presença no tempo,
não sendo apenas o fato de uma manifestação exterior e muito menos se define objetivamente,
mas se faz no sentir que estás comigo.
A invasão da técnica, da mecanização e da burocracia contribuem para a progressiva
depreciação do mundo do mistério. Escreve o filósofo:
Não é incrível que possam encontrar-se homens dispostos a tomar a iniciativa
de começar uma guerra, quando, todavia não desapareceram as ruínas da
anterior, e quando os acontecimentos demonstraram de forma tão peremptória
que a guerra não compensa? [...] Tal erro em imaginar que o filósofo enquanto
tal não tem que preocupar-se do curso dos acontecimentos, visto que seu papel
consiste em legislar desde o intemporal e considerar os fatos contemporâneos
com a indiferença desdenhosa com que o passante olha a agitação de um
formigueiro. (MARCEL, 2002, p. 42-43).
Marcel alude a um novo realismo, transcendente às categorias meramente espaçotemporais, em que se destacam as realidades transubjetivas, interpessoais e supra individuais, do
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amor, da convivência, liberdade, esperança, fraternidade, etc., que apontam para âmbitos
inobjetivos da vida humana.
Nessa perspectiva, somente a restituição do sentido do mistério além do mundo do objeto,
do problemático e do mensurável é que constitui a etapa prévia para uma possível recuperação
do sentido dessa ordem de realidades entitativas e profundas, enquanto que superam o ca mpo
do verificável, sujeito às estreitas limitações espaçotemporais empíricas. Trata-se, em última
instância, de restaurar uma filosofia da liberdade frente às filosofias da necessidade e da
racionalidade científica. Avalia Marcel:
Poder-se-ia dizer simplesmente que este poder pressupõe uma estrutura
determinada, por demais inacabada, essencialmente inacabada, já que se edifica
sobre bases espaço-temporais. Esta estrutura desdobra amplamente a
consciência direta que o sujeito possa ter dela apesar de que, como mais tarde
veremos detalhadamente, não é nem pode ser monádica. (MARCEL, 2002, p.
70).
Marcel, frente à esperança que se apresenta nas possibilidades mundanas, descobre no
interior da temporalidade da existência humana a abertura constitutiva para a transcendência
como presença indefectível, ainda que inefável.
A análise fenomenológica do amor é que irá conduzir a uma “hiperfenomenologia”. O valor
transcendente da experiência do amor – assim como as experiências concretas da fidelidade e da
esperança – é fruto de um auto reconhecimento, em que o sujeito se faz consciente de sua
busca pelo infinito – exigência de transcendência – que implica sempre uma atitude de participação. A
presença do outro é uma chamada em que o eu tem necessidade de responder. Uma luz no horizonre
em que o eu dirige o olhar.
Referências Bibliográficas:
CARMONA, F. B. La filosofia de Gabriel Marcel. Madri: Encuentro. 1988.
MARCEL, G. Diário metafisico. Trad.Felix Del Hoyo. Madri: Guadarrama, 1964.
___________. Obras seletas de Gabriel Marcel (I): El mistério del ser. Madri: Biblioteca de Autores
Cristianos, 2002.
___________. Os homens contra o homem. Trad.Vieira de Almeida. Porto: Educação Nacional, 1953.
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___________. Prolegomenos para uma metafisica de la esperanza. Tradução de Ely Zanetti e Vicente P.
Quintero. Buenos Aires: Editorial Nova, 1954.
___________. Revolução da esperança. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
___________. Ser y tener. Trad. Ana Mará Sánchez. Madri: Caparrós, 2003.
___________. Um homem de Deus. Trad. Eduardo de Castro. Petrópolis (RJ): Vozes, 1964.
SILVA, C. A. F. (Org.). Encarnação e transcendência: Gabriel Marcel, 40 anos depois. Cascavel (PR):
Edunioeste, 2013.
ZILLES, U. Gabriel Marcel e o existencialismo. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
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O FIM DO MAIS LONGO ERRO:
NIETZSCHE E A FILOSOFIA DO MEIO DIA
Neomar Sandro Mignoni
UNIOESTE/CAPES
E-mail: [email protected]
Orientador: Prof. Dr. Wilson Antonio Frezzatti Junior
RESUMO: O presente estudo visa, frente as fases estabelecidas por Nietzsche em Como o ‘mundo
verdadeiro’ se tornou finalmente em fábula, investigar as sentenças finais do referido texto a fim de
explicitar alguns significados do meio-dia enquanto momento da mais curta sombra em que
chega ao fim o mais longo erro e a humanidade atinge seu apogeu. Por conta disso, pretende-se
reconstruir em linhas gerais as fases do texto enfatizando a ultima na qual o filósofo deixa à
mostra sua própria proposta filosófica frente à histórica dualidade de mundos. Tal perspectiva
pretende assim, encontrar fundamentos a partir dos quais toda a perspectiva ulterior do filósofo
se arquiteta e se desenvolve sob a figura de Zaratustra.
Palavras-chave: Nietzsche. Meio-dia. Mundo Verdadeiro.
“Meio-dia; momento da sombra mais breve; fim do longo erro; apogeu da humanidade;
incipit Zaratustra” (CI, IV), assim Nietzsche finaliza Como o ‘mundo verdadeiro’ se tornou finalmente em
fábula. Sentença essa que não apenas compreende o resultado da “história de um erro” como
também traz em seu bojo a perspectiva nietzschiana segundo a qual uma nova humanidade
deverá brotar a partir de uma filosofia autodenominada de transvaloração de todos os valores.
Compreendendo sua filosofia como um divisor de águas entre as “antigas e novas tábuas” o
referido texto aponta para a perspectiva da criação de novos valores. Nesse sentido, o que de fato
significa afirmar o Meio-dia enquanto momento da sombra mais curta em que chega ao fim o
mais longo erro e a humanidade atinge seu apogeu?
Como o ‘mundo verdadeiro’ se tornou fábula, é composto por seis fases que sintetizam aquilo a
que Nietzsche se refere como a “história de um erro”. Nele, ainda que essas etapas configurem-se
apenas como uma síntese do diagnóstico nietzschiano acerca da cultura ocidental, é possível
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obter informações essenciais no que diz respeito ao evento descrito pelas sentenças finais do
texto. É mediante tais informações que poderemos percorrer as noções nietzschianas em busca
de respostas aos problemas levantados. Além do mais, parece-nos prefigurar aqui uma
importante chave de leitura no que diz respeito à obra tardia do filósofo, sobretudo no tocante ao
seu audacioso e por que não ambicioso plano de uma transvaloração de todos os valores.
Na primeira fase, Nietzsche se refere ao pensamento de Platão. A existência de um mundo
verdadeiro, suprassensível é aqui postulada. Embora ela seja alcançável pelos sábios, ela ainda não
se tornou uma entidade meramente “ideal”, “platônica”. De acordo com Laura Laiseca (2001, p.
33) a afirmação “eu, Platão, sou a verdade”, não se encontra em nenhuma obra de Platão, antes
ela possui forte conotação evangélica, uma vez que alude diretamente à passagem do Evangelho
de João (14,6) quando Jesus refere-se como sendo o caminho, a verdade e a vida. No entender da
autora, tal ressonância não seria casual uma vez que situa Platão como ponte que conduz ao
cristianismo. No fundo o importante neste caso, não é a metafísica platônica em si mesma, mas
as intenções e os instintos pelos quais Platão é guiado. São elas que permitem um diagnóstico
adequado da filosofia platônica, não tanto acerca de seus postulados teóricos, mas antes das
consequências históricas imediatas desenvolvidas através do platonismo.
Na segunda fase, o mundo verdadeiro torna-se inalcançável por ora, porém é prometido ao
sábio, ao virtuoso, ao devoto, ao pecador que faz penitência. Começa aqui a ruptura entre o
mundo verdadeiro e o mundo aparente (devir). Com isso, este ultimo passa a ser desvalorizado. A
existência terrena passa a ser transitória, constitui-se de mera aparência de modo que passa-se a
prever a possibilidade de se alcançar, um dia, o mundo verdadeiro. À medida que a existência
humana acontece aqui, mas que tende para o além, o mundo verdadeiro torna-se então objeto de
promessa e de fé. Ele torna-se mais cativante, mais impalpável, torna-se um platonismo para o
povo, torna-se cristianismo (cf. VOLPI, 1999, p. 57).
O pensamento de Kant corresponde à terceira fase da história do niilismo-platonismo. Na
historia da filosofia Kant representa, aos olhos de Nietzsche, uma nova fase da crença no mundo
verdadeiro. Isso porque ele “busca restaurar novamente a crença em Deus pensado como o bem
supremo, combinado com uma justificação do sentido da vida através da ideia de uma ordem
moral do mundo” (LAISECA, 2001, p. 39). Nesse sentido o mundo verdadeiro, passa a ser
excluído do âmbito da experiência tornando-se indemonstrável nos limites da pura razão teórica.
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Contudo, é recuperado como postulado da razão prática impondo-se como imperativo ainda que
reduzido à uma pálida e “desbotada” hipótese (cf. VOLPI, 1999, p. 58).
No capítulo seguinte da história do niilismo-platonismo, Nietzsche refere-se à fase do
ceticismo e da incredulidade posterior a Kant e ao Idealismo. Esta também pode se denominada
segundo Volpi (1999, p. 58) como a fase do positivismo incipiente uma vez que “em decorrência
da destruição kantiana das certezas metafísicas desaparece a crença no mundo ideal e em sua
cognoscibilidade. Mas isso não significa que o niilismo-platonismo tenha sido já superado”. À
medida que o mundo verdadeiro torna-se incognoscível acerca do qual nada podemos saber,
torna-se a rigor impossível defendê-lo ou negá-lo. Por conta disso a importância moral-religiosa
que possuía enquanto postulado da razão prática se esvai.
Mediante esta perspectiva, nos dois últimos capítulos de sua síntese Nietzsche começa a
explicitar sua própria perspectiva filosófica. A partir do momento em que o mundo verdadeiro
perde seu valor ele começa a ser abolido ele torna-se inútil, supérfluo. Por isso é natural que
Nietzsche se refira a ele entre aspas, ou seja, ele deve ser suprimido posto entre aspas. É o
começo da fase do pensamento matinal, onde Nietzsche pensa aqui na própria obra de demolição
que com A Gaia Ciência alcançou seus primeiros resultados123. Ainda longe do meio dia a abolição
do mundo verdadeiro no entender de Franco Volpi, abre espaço para dois problemas: “que é do
lugar onde estava o ideal, que, abolido este ultimo, fica vazio agora? E que sentido tem o mundo
sensível depois de abolido o mundo ideal?” (VOLPI, 1999, p. 59). A resposta encontra-se na fase
seguinte dessa demolição em curso.
Em virtude disso a última fase da síntese do texto Como o ‘verdadeiro mundo’ acabou por se
tornar uma fábula inclui também a abolição do mundo aparente. Deste modo, Nietzsche não só
liberta o devir de seu caráter de aparência como também evita recair numa mera inversão do
platonismo. No fragmento póstumo 11[99] Novembro de 1887 – Março de 1888, Nietzsche cita
três momentos os quais parecem justificar essa tese: em primeiro lugar ocorre a tomada de
consciência de que o mundo não pode mais ser interpretado mediante as categorias da razão, fato
que efetiva o colapso dos valores cosmológicos; daqueles valores com os quais se incutia ao
mundo um valor. O mundo torna-se então desprovido de valor uma vez que o mundo verdadeiro
já não existe mais. Isso permite um segundo momento, momento este em que se investiga a
Cabe lembrar aqui que a morte de Deus, o evento que marca o colapso definitivo do mundo verdadeiro é
anunciada pela primeira vez no aforismo 125 de A Gaia Ciência.
123
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origem dessa crença. Dado que a origem da crença reside em nós, se ela se configura apenas
como uma aparência de perspectiva, diga-se fruto de uma mera necessidade humana, então ela
pode ser rescindida.
Com isso o mundo é libertado daquela avaliação efetuada via categorias racionais e,
portanto torna-se também liberto do ideal, da concepção de mundo verdadeiro. Isso faz com que
o terceiro momento venha à tona. Ou seja, quando as categorias são desvalorizadas torna-se
demonstrado sua inaplicabilidade ao todo de modo que já não constituem mais nenhum
fundamento para que o todo seja desvalorizado. Retomando as palavras do próprio filósofo:
“Abolimos o mundo verdadeiro: que restou? O aparente, talvez?... Não! Com o mundo verdadeiro
abolimos também o mundo aparente!” (CI, Como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente fábula).
Aqui se concretiza o fim do mais longo erro; aqui a humanidade atinge seu ponto mais alto; aqui
começa Zaratustra e aqui se dá o Meio-Dia como o instante da mais curta sombra.
A realidade do devir, o mundo agora liberto do jugo da aparência, constitui um livre jogo
de forças sendo pura e simplesmente vontade de potência. E enquanto vontade de potência
constitui o efetivar-se da força sem nenhuma causalidade. Seu efetivar-se emerge de seu constante
‘querer-vir-a-ser-mais-forte’. Tal configuração decorre de seu constante e inevitável conflito com
outras forças que lhe oferecem resistência na busca por mais potência. Tal conflito é sempre de
caráter agonístico advinda da pluralidade dos beligerantes. É mediante este efetivar-se enquanto
impulso de toda força que novas configurações são criadas. Desse modo, nenhum nomós pode ser
admitido à vontade de potência uma vez que seria absurdo que as forças fossem coagidas a
seguirem sempre um mesmo padrão no relacionamento entre si. Da mesma maneira seria
absurdo exigir dela um telos, uma vez que ao superar a si mesma não poderia ter em vista
nenhuma configuração específica das forças (cf. MARTON, 2000, p. 70).
Assim, o mundo revela-se como um pleno devir em que a cada mudança outra se segue de
modo que o mundo não teve um início e não terá fim. Diz o filósofo: “O mundo subsiste; não é
nada que vem a ser, nada que perece. Ou antes: vem a ser, perece, mas nunca começou a vir a ser
e nunca cessou de perecer, - conserva-se em ambos... Vive de si próprio: seus excrementos são
seu alimento” (14 [188] da primavera de 1888)124. Não houve um momento inicial porque não se
pode atribuir nenhuma intencionalidade à vontade de potência, da mesma forma que não haverá
Sobre isso vale conferir também os fragmentos póstumos 36[15] de Junho – Julho de 1885, 10 [138] do Outono
de 1887 e 10 [72] do mesmo período.
124
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nenhum instante final uma vez que ao mundo não se deve conferir nenhum caráter teleológico.
“Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de
potência – e nada além disso!” (38 [12] de Junho – Julho 1885). É assim que o filósofo estabelece
um de seus maiores pontos de ruptura com a tradição filosófica, pois como bem ressalta Scarlett
Marton, ao conceber o mundo e o homem enquanto pluralidade de forças, pura e simplesmente
vontade de potência, Nietzsche encontra-se “mais próximo da arché dos pré-socráticos que da
entelechéia de Aristóteles” (MARTON, 2000, p. 72).
É nesse contexto que nos deparamos com o evento maior do Meio-dia enquanto o ápice da
humanidade. Ora, se tanto o mundo quanto o homem constituem nada mais nada menos que
pura e simplesmente vontade de potência, e que devido às suas configurações inexiste qualquer
tipo de causalidade e fatos, tudo o que há não passa de mera interpretação. Assim, é somente
enquanto interpretante que se pode estar e vir a ser no mundo. A vontade de potência ao exercerse, constitui ao mesmo tempo o intérprete, o interpretante e a interpretação, razão pela qual se
torna absurda toda e qualquer tentativa de dualidade, dada a inexistência de um mundo
verdadeiro ou aparente. Tudo o que existe são interpretações, perspectivas provisórias destinadas
a afirmar e dominar o vir-a-ser. Desse modo, ao compreender que a progressão da ideia tornada
Verdade não passa de mera interpretação cujo valor encontra-se na obstrução e negação da vida,
sua total abolição permite novas interpretações cujos valores pautam-se pela afirmação da vida
enquanto livre jogo de forças.
Nesse sentido, o ápice da humanidade, o meio-dia enquanto momento da mais curta
sombra passa a ser aquela reconciliação do homem com a natureza, uma vez que marca o retorno
do homem à terra, em que novamente pode vivenciar o mundo enquanto vir-a-ser. Se o ideal
tornado verdade, o engendramento de um outro mundo é interpretado como negação e
distanciamento deste mundo, a filosofia do Meio-dia constitui aqui uma filosofia do vir-a-ser
enquanto livre jogo de forças. Ela não apenas encerra o resgate daquilo que fora considerado
como mera aparência, como sombra, que desde Platão fora alijadas do conhecimento, como
também se projeta para além delas superando toda e qualquer dicotomia.
Nesse sentido, é interessante notar que quando Nietzsche escreve o Andarilho e sua Sombra
(1879) ele ainda considera a sombra tão necessária tanto quanto a luz. Não é a toa que o
andarilho afirma que elas se dão amavelmente, não são rivais até porque quando a luz se vai a
sombra vai com ela. Razão pela qual pode o andarilho alegrar-se não somente por ouvir, mas
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também por vê-la: “Perceberás que eu amo a sombra assim como a luz. Para que haja beleza no
rosto, nitidez na fala, bondade e firmeza no caráter, a sombra é tão necessária quanto a luz”
(HHII, O andarilho e sua sombra, Introdução). Sombra e luz constituem assim os símbolos
significativos da filosofia da manhã. Reconhecer a sombra no mesmo grau de importância da luz
significa resgatar as sombras, a aparência negada por Platão, e trazê-la para junto da luz, do
verdadeiro conhecimento platônico, com a
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