30 PSICOTERAPIA NA VELHICE Cláudio Laks Eizirik & Flávio Kapczinski INTRODUÇÃO A preocupação com o desenvolvimento de técnicas apropriadas para o atendimento psicoterápico de velhos tem acompanhado o crescimento da população desta faixa etária, verificado em termos mundiais. As pessoas de 60 anos, ou mais, que representavam 8,4% da população mundial em 1970 passarão a representar 9,3% no ano 2000. Em números absolutos, isto significa, respectivamente, 304 milhões e 581 milhões de pessoas respectiva- mente (Eizirik, 1980). No Brasil, o número atual de pessoas com mais de 65 anos está em tomo de 7 milhões, 4,5% da população. No ano 2000 o percentual de idosos no país passará a 8% e a população brasileira nesta faixa etária será a sétima do mundo (IBGE, 1988). Até recentemente, o interesse pelos problemas mentais e emocionais da velhice era centrado quase que exclusivamente no segmento mais debilitado da população de velhos, levando a uma imagem estereotipada do idoso. Esta imagem corresponde a um individuo fraco e decrépito, com defeitos de memória e incapaz de autodeterminar-se (Kahana, 1980). Este estereótipo é incorreto e revela o pouco conhecimento acumulado sobre o envelhecimento normal. Na verdade, menos de 5% das pessoas acima de 65 anos perdem a capacidade de se determinar, necessitando cuidados dos familiares ou de instituições. Por outro lado, a única alteração claramente estabelecida no funcionamento do sistema nervoso central de idosos saudáveis é a lentificação dos processos perceptivos, e este declínio não ocorre de maneira unifor420 Psicotera pias 1 421 me de indivíduo para indivíduo. Desta forma, verifica-se que 95% da população de idosos não corresponde à imagem que freqüentemente lhes é atribuida. Entretanto, estes 95% da população, como qualquer outro grupo profissional, não estão necessariamente saudáveis, e devem ser estudados dentro de um amplo espectro de saúde e doença (Berezin, 1972). Esta imagem estereotipada da velhice, contudo, perpassa a evolução das técnicas psicoterápicas desde o seu surgimento. A visão de Freud acerca da psicoterapia no velho reflete-se no seguinte parágrafo. “A idade dos pacientes tem assim essa grande importáncia no determinar sua adequação ao tratamento psicanalítico, que, por um lado, perto ou acima dos 50 anos a elasticidade dos processos mentais dos quais depende o tratamento via de regra se acha ausente (...)“ (Freud, v.7, p.274). Curiosamente, Freud desenvolveu estas considerações quando se encontrava com quase 50 anos de idade, no início de um período em que se mostrou com os processos mentais extremamente elásticos e criativos. O comentário de Freud se torna ainda mats curioso quando se observa algumas das obras literárias que forneceram insights aos fenômenos psicodinâmicos, ou trabalhos que deram a validação artística das suas novas idéias. Em uma discussão com Ernest Jones, Freud descreveu Edtpo Rei como a maior obra-prima de todos os tempos. O que Freud parece não ter levado em consideração foi o fato de que Sófocles encontrava-se com 71 anos quando escreveu esta peça. Também a Ernest Jones, Freud referiu-se à obra Os irmãos Karamazov como à maior romance já escrito. Novamente, Freud parece não ter considerado o fato de que Dostoievsky aproximava-se dos 60 anos quando concluiu esta obra, tendo morrido no ano seguinte. Teria Freud considerado casual o fato de que os dois ensaios literários mais agudos sobre o complexo de Edipo foram realizados por autores acima dos sessenta anos? Cerca de 15 anos após Freud ter realizado o seu comentário sobre a psicoterapia do idoso, Karl Abrabam publicou um artigo sobre a aplicabilidade do tratamento analítico em idosos. Contrário às idéias de Freud, apresentava-se mais otimista com relação ao tratamento de idosos. Comentava que a idade da neurose, em termos de prognóstico, é mais importante do que a idade do paciente (Abraham, 1949). Atualmente são vários os autores que acreditam no beneficio da psicoterapia de orientação analítica para pacientes idosos. Pollock é um deles, e acredita que a idade avançada, por si sõ, não exclui um tratamento psicanalítico. Afirma que a meta de um tratamento é fazer com que mais pessoas possam ter um presente e futuro mais criativos e vivam uma vida satisfatória. Isto pode ocorrer em indivíduos que estejam na maturidade, na juventude ou na velhice (Pollock, 1987). Verifica-se, portanto, que a teorização e a prática relativas à psicoterapia do idoso têm-se mostrado em constante evolução, especialmente nos últimos anos, impulsionada pelo crescimento da população de velhos. Neste 422 / Aristides V. Cordioli capítulo serão abordados alguns dos princípios gerais da psicoterapia na velhice e as técnicas mais freqüentemente utilizadas. TEMAS COMUNS NA PSICOTERAPIA DO VELHO Perdas As vivências básicas e dinamicamente significativas no processo de envelhecimento são as perdas. Muitos acreditam que uma das tarefas evolutivas principais no individuo em processo de envelhecimento seja encontrar reparação para as perdas biopsicossociais inevitáveis, associadas com este estágio do ciclo de vida. Algumas das perdas mais freqüentes nesta faixa etária são a da saúde—física, a diminuição das capacidades, a perda de companhia (sentimento de solidão) e a perda do cônjuge. A perda do trabalho, declínio do padrão de vida e diminuição das responsabilidades também são sentidos por alguns pacientes como perdas importantes (Eizirik, 1980). Para muitas pessoas idosas, é o efeito cumulativo de perdas repetidas, antes que se tenha passado tempo suficiente para o luto e sua resolução, que é tão devastador. Outra característica das perdas nesta faixa etária é a de que, ao contrário das etapas evolutivas precedentes, quando as perdas principais se referem a objetos externos, na velhice elas tendem a centrar-se no próprio indivíduo. Trechos de entrevistas com velhos ilustram a maneira com que se apresenta a temática das perdas: a perda da saúde física, segundo um homem aposentado, “dá uma sensação de angústia, porque a gente tenta fazer as coisas e não consegue, o corpo não ajuda mais”. Um homem institucionalizado, referindo-se à sua situação, relata que “tem dias em que fico pensando no meu estado de agora, não sirvo mais para nada, eu que gostava tanto do serviço e agora não posso mais fazer”. A perda das capacidades é aludida por uma senhora aposentada: “Estou ficando que é um pesseguinho passado, miudinha, não tenho coragem de fazer grandes coisas”. Aqui temos, através da comparação com a fruta passada, uma representação plástica da perda de capacidades do ego, traduzida pela diminuição das habilidades operacionais. O sentimento de solidão, resultante da perda de companhia, foi assim descrito por uma paciente: “Sinto este vácuo por dentro. Me sinto só, porque não tenho ninguém de minha família, embora não me falte nada de materiaF’. Quanto ao sentimento decorrente da perda do cônjuge, disse um homem aposentado: “Parece que ela levou a minha alegria de viver, deixou minha vida empobrecida”. E uma mulher que se afastara do trabalho desde a morte do marido: “Perdi minha iniciativa; sem ele me sinto pela metade, não sei fazer as coisas direito”. Estas frases expressam o sentido da perda Psicotera pias / 423 conforme mencionou Freud (v. 14, p.2’7’7), ao dizer que “a pessoa sabe a quem perdeu, mas não o que perdeu com ele”. Utilizando o conceito kleiniano de identificação projetiva, pode-se compreender que ambos os entrevistados referiam-se ao fato de terem partes suas a alegria de — viver, a iniciativa colocadas projetivamente nos cônjuges, com quem se identificavam. Morrendo estes, perderam tais partes, ficando provisoriamente empobrecidos. A perda é vivida como a retirada de um pedaço, deixando um vazio, “um vácuo interno” (Eizirik, 1980). Do ponto de vista da psicologia do sef a magnitude das reações de uma pessoa idosa a uma perda, depende, em algum grau, da quantidade de investimento narcísico na função ou objeto perdido. Por exemplo, para pessoas idosas cujas realizações intelectuais eram responsáveis por muito de seu orgulho e auto-estima, as lembranças de falha na memória podem provocar raiva e depressão. Kohut cita o exemplo da pessoa em processo de envelhecimento que, devido ao dano cerebral, é incapaz de resolver problemas simples. Ela torna-se enfurecida pelo fato de que não tem controle sobre os seus próprios processos de pensamento, sobre uma função que as pessoas consideram como mais intimamente suas, isto é, como parte do self(Kohut, 1978). — Manutenção da auto-estima Um outro tema comum nesta faixa etária é a tentativa do velho de manter a sua auto-estima, integridade do ego e um senso de propósito na vida, em uma fase caracterizada por recursos do ego decrescentes, aumento das incertezas e pela investida violenta de traumas narcisicos. Estes referemse aos acontecimentos que corroem a auto-estima, a confiança e a auto- imagem positiva. De um ponto de vista sociológico, acredita-se que pessoas que perdem a auto-estima na velhice, fazem-no porque: a) as alterações fisicas se tornam tão pronunciadas que a pessoa é forçada a aceitar uma autoimagem menos desejada: b) a auto-estima dependia demasiadamente de papéis sociais ou profissionais; e) ocorreu uma perda do controle sobre a própria vida e o ambiente: d) persistem problemas com a regulação da auto-estima ligados às etapas anteriores do ciclo vital que não foram superadas com sucesso (Lazarus, 1989). Em resposta à ameaça de diminuição da auto-estima, a regressão dentro do self pode servir a funções adaptativas através da preservação da autoestima e evitação de sentimentos de vazio e depressão. A tendência de pessoas mais velhas a reminiscências sobre o passado pode servir não apenas para afastar a depressão e preservar uma sensação de continuidade com o 424 / Aristides V. Cordioli passado, mas também para lembrar-lhes de um tempo em que elas se sentiam dignas, cheias de vida e competentes. CARACTERÍSTICAS DA PSICOTERAPIA NO VELHO Várias modalidades psicoterápicas têm sido reconhecidas, não somente como necessárias e úteis, mas como métodos práticos e factiveis. Dentro do espectro das psicoterapias estarão aquelas com o objetivo de fornecer apoio, até as modalidades dirigidas ao irisight, inclusive a psicanálise (Segal, 1958). O tipo de terapia a ser utilizado no idoso é determinado pela condição clínica do paciente e a disponibilidade de diferentes tipos de abordagem terapêutica. A rigidez como uma barreira Por muito tempo, o estereótipo da rigidez na velhice serviu como uma barreira ao uso da psicoterapia no velho. Entretanto, a noção de rigidez, atualmente melhor entendida, mostra que um jovem com um caráter rígido será rígido também na velhice, e a flexibilidade do caráter na juventude se estenderá até a velhice. Isto é, a rigidez caracterológica está muito mais associada à estrutura da personalidade do que ao fator idade. A visão do velho como incapaz de realizar mudanças intrapsiquicas na direção de uma melhor adaptação e de uma condição de vida criativa está mais ligada a preconceitos e juízos de valor acerca da velhice do que ao conhecimento do funcionamento psíquico nesta faixa etária (Berezin, 1972). A transferência e a contratransferência Uma fonte comum de dificuldades na psicoterapia com velhos é o fato de que os sinais fisicos de envelhecimento e a proximidade da morte podem produzir o distanciamento do terapeuta, preocupado com o seu próprio futuro. A evidência das limitações fisicas do paciente pode servir como uma forma de confrontação do terapeuta com seu próprio medo do envelhecimento e da morte. Este confronto pode ser suficientemente doloroso para que o terapeuta se abstenha de um contato mais próximo com o paciente. Além do medo da morte e do envelhecimento, alguns autores como Lewis (1982), chamam a atenção para os aspectos ligados aos “sonhos de vida”. O sonho de vida, que corresponde àquelas aspirações heróicas que o individuo traça para si, tem uma importância fundamental na orientação da vida de muitas pessoas. A psicoterapia com idosos cujas aspirações heróicas falharam, parcial ou totalmente, pode produzir no terapeuta ansiedade ligaPsicoterapias / 425 da ao medo de que suas próprias aspirações venham a falhar, dificultando o trabalho dentro da realidade do paciente (Lewis e Johansen, 1982). O trabalho com velhos pode evocar sentimentos ligados ao envelhecimento e morte dos pais do terapeuta. Quando não estão bem resolvidos, podem ser ativados conflitos do próprio terapeuta. Quando o processo é entendido pelo terapeuta, pode esforçar-se para lidar com a situação de maneira eficaz. Entretanto, se ocorre sem que o terapeuta se dê conta, a tendência é o distanciamento na relação terapêutica. Discussões sobre sexualidade e experiências sexuais especificas podem produzir sentimentos evitativos, por reativarem a conflitiva edípica do terapeuta. Isto pode levar o terapeuta a encarar o velho como um ser assexuado, incapaz de desenvolver uma transferência erótica, e dificultar o entendimento desses aspectos do paciente (Gurian, 1986). A idade avançada e a limitação nos anos de vida do paciente podem produzir também o medo da perda no terapeuta, dificultando o investimento afetivo no paciente idoso. Uma outra situação freqüente é a de que estes pacientes despertem no terapeuta sentimentos dependentes e infantilizados, que nunca estarão de todo ausentes independentemente do nível de sua maturidade. Já o velho pode identificar a figura do terapeuta com a de um filho, fenômeno conhecido como transferência reversa. Por outro lado, o aumento na dependência muitas vezes predispõe o velho a visualizar o terapeuta como uma figura paterna ou materna. Isto freqüentemente se choca com uma idéia preconcebida do terapeuta, que esperaria ser visto como filho pelo paciente mais velho (Lewis, 1982). Entretanto, a transferência é, por definição, inconsciente e a realidade cronológica é secundária na sua determinação, que é atemporal e regida pela fantasia (Berenzin, 1972). Na situação da transferência reversa, o terapeuta, visto pelo paciente como filho, pode ser acionado pelo velho para ocupar o lugar do filho que ele sente tê-lo abandonado ou negligenciado. A conduta manifesta, usualmente de cordialidade ou indulgência, como se estivesse tratando com um filho, pode dar lugar a reações transferenciais negativas, sob a forma de queixas, acusações e recriminações. E importante atentar ao fato de que estas manifestações em geral não são diretas, mas predominantemente aludidas, deslocadas para outros objetos da vida atual ou do passado do paciente. Além disso, os velhos, conforme destacado, podem estabelecer uma relação transferencial infantil, em que o terapeuta representa o pai ou mãe, mas também relações transferenciais de outras etapas da vida, como a adolescência ou a idade adulta, e aí o terapeuta representa o reviver de conflitos e desejos com irmãos, cônjuge, etc. Como em qualquer outra psicoterapia, mas nesta com a complexidade decorrente do acúmulo de experiências e vivências afetivas, o terapeuta deve 426 / Aristides V. Cordioli estar permanentemente atento para a sucessão de papéis que pode representar no mundo interno da paciente. Definindo os objetivos As pessoas idosas variam muito quanto à qualidade e quantidade dos seus recursos externos e internos. Alguns mostram-se intelectualmente alertas e disponíveis afetivamente. Outros apresentam uma indiscutível constrição de suas capacidades. Alguns velhos permanecem com um grande número de opções abertas para si; outros, por uma série de fatores econômicos, fisicos e sociais, perdem total ou parcialmente a capacidade para realizar mudanças. Tendo em vista esta gama de variações individuais, é recomendável que o terapeuta se mantenha alerta para as diferentes maneiras possíveis de abordagem ao paciente idoso. As psicoterapias podem alternativamente dirigir-se para dois objetivos. Pode-se dirgirforco teraiio para mudanças estruturaisny1yi- mentos futuros eiiitegrayão das funções do ego, superego, self e outios éõiiienes da personalidade. Uma outra linha de ação pode centrar-se na funcionamento do paciente. Caso esses objetivos sejam atingidos, mesmo que em parte, ocorre uma melhora no funcionamento do paciente, havendo um aumento na auto-estima e senso de dignidade. Para a realização deste objetivo terapêutico é necessário que o paciente apresente recursos internos suficientes (Yesavage, 1982). No caso do paciente idoso, faz-se necessária uma apreciação realística dos recursos que o mesmo dispõe e da propriedade dos objetivos. Yesavage salienta que o objetivo da psicoterapia no idoso não é o de tornar o paciente “a pessoa melhor ajustada do cemitério”. Com essa recomendação satirizada, o autor salienta a importância de que se procure delimitar com precisão os objetivos do tratamento com o velho. Objetivos muito extensos e pouco precisos tendem a despertar no terapeuta sentimentos de ansiedade, ressentimento, compaixão excessiva, desesperança ou frustração, prejudicando a aliança terapêutica. A definição dos objetivos deve ser, portanto, realística e operativa. Uma tal reorganização da personalidade dificilmente será tentada. Yesavage (1982) sugere alguns dos objetivos que podem ser atingidos na psicoterapia com idosos: a) alivio sintomático: b) adaptação para alterações na situação de vida; c) aceitação de uma situação de maior dependência; d) desenvolvimento da capacidade de falar sobre si próprio e seus problemas: e) alivio de sentimentos de insegurança; Psicotera pias / 427 1) melhora na auto-estima; g) aumento na capacidade para utilizar os recursos da comunidade. Kahana (1980) salienta que os objetivos da psicoterapia irão variar de acordo com o quadro clínico do paciente. Os idosos mais debilitados, com problemas cerebrais orgânicos severos ou doença clínica grave, necessitarão de uma abordagem dirigida às pessoas que vêm sofrendo e à depressão decorrente. Os velhos que não apresentam deterioração em seu funcionamento buscam na terapia, em geral, mudanças estruturais, restituição do nível de funcionamento anterior ou apoio. O grupo intermediário de idosos, que apresenta certo grau de deterioração, não incapacitante, tem como objetivo fundamental a restituição ao funcionamento anterior. A prevenção de problemas futuros é um dos objetivos fundamentais neste grupo. As situações de crise Freqüentemente, o atendimento psiquiátrico de um paciente idoso envolve uma situação de emergência. E as emergências psiquiátricas, em qualquer idade, requer envoMment considerável com os membros da família do paciente, emprego de tempo ao telefone e pressões por auxílio imediato. Os princípios fundamentais de salvaguarda da vida e do funcionamento da pessoa, que orientam a psiquiatria geriátrica, têm algumas implicações que são trazidas à tona em situações de crise. Por um lado, situações emergenciais como confusão mental, agitação ansiospSiseãgdãoiiÍ. portamento suicida demandam intervenção rápida e vigorosa, incluindo a hospitalização. Ao mesmo tempo, a diminuição da capacidade de adaptação, baixa tolerância a afetos dolorosos e propensão à depressão mostrada pelos velhos, especialmente os mais debilitados, exigem que a intervenção altere o mínimo possível a vida familiar do paciente. As tentativas de suicidio requerem, usualmente, medidas radicais para proteção da vida, especialmente no caso do homem. Estados confusionais usualmente requerem uma investigação médica criteriosa em hospital. Este também é o caso da maioria das psicoses agudas. Por outro lado, o atendimento ambulatorial sempre que possivel é a primeira escolha. Para viabilizar o atendimento é útil que se mobilize parentes próximos em que o paciente confie, e a comunicação com o paciente deve ser feita de modo inteligível e objetivo (Kahana, 1980). 428 / Aristides V. Cordioli PSICOTERAPIAS ESPECÍFICAS Psicoterapia suportíva Esta abordagem deve ser utilizada em pacientes que mostram, dentro de uma gama de variações, os efeitos limitantes de patologias múltiplas, com diminuição das reservas funcionais dos sistemas orgânicos: manifestações de dano cerebral; restrição das atividades: dificuldade para manter-se sem o apoio direto da familia ou de uma instituição; dominância de um funcionamento pré-genital: ausência de estímulos externos, afetos e satisfação: reações de luto recorrentes. O objetivo é o reforço dos sistemas defensivos em decorrência de perdas repetidas de pessoas significativas. Essas pessoas estão biologicamente incapacitadas a adaptarem-se de maneira bem sucedida a certos tipos de novidades, e caso isso seja identificado, é de pouca utilidade para resolução de problemas ligados à aniedade e depressão inadequada. O foco da atenção do terapeuta é o desenvolvimento de uma maior tolerância para com a incapacitação e atenuação da mesma através da melhoria dos recursos ambientais. A função suportiva pode ser delegada a parentes ou amigos que se responsabilizarão pelas funções suportivas, como, por exemplo retomada das atividades sociais e ocupacionais, exercícios fisicos, reabilitação. Nestes casos o tratamento farmacológico freqüentemente é necessário. Enquanto em individuos jovens a tarefa principal é ajudá-los a adaptarse às dificuldades do ambiente, neste grupo de idosos o objetivo é adaptar o ambiente a eles. Entrevistas não-estruturadas e o uso da ambigüidade podem provocar ansiedade e desconfiança. Estratégias de apoio podem ser necessárias para maximizar a capacidade do paciente idoso de buscar a solução dos problemas pelos seus próprios meios. O terapeuta deve estar atento às limitações do paciente, sem deixar-se dominar por sentimentos de desvalorização das capacidades dos mesmos em realizar progressos. Uma outra técnica em psicoterapia de apoio é o estabelecimento de tarefas semanais envolvendo atividades e que são revisadas em sessões semanais ou quinzenais, com vistas a uma progressiva autonomia do paciente. O papel do terapeuta não é somente o de dirigir o curso da terapia, mas o de propiciar uma constante discussão do processo, diminuir o nível de ansiedade, promover uma sensação de entendimento mútuo, minimizar a dependência do paciente e diminuir a quantidade de material reprimido. Algumas técnicas educacionais diretas podem ser usadas, como a discussão realística da atitude cultural para com os velhos e a fisiologia do processo de envelhecimento. O agendamento das sessões deve ser flexível e o plano geral orientado para o decréscimo progressivo do número de sessões. A terapia não — Psicoterapias 1 429 necessita de uma terminação definitiva (Yesavage, 1982). A transferência positiva é estimulada, e a pessoa real do terapeuta desempenha um papel central. Psicoterapia de orientação analítica Esta abordagem é indicada aos pacientes que não se encontram em situações emergenciais ou de risco de vida ou em situações de regressão severa e que tenham alguma condição de irLsight. Problemas como a divergência entre as aspirações e a situação atual; perspectiva de aposentadoria; percepção da limitação do tempo e a realidade da morte; perdas ou alterações na situação de vida podem ser abordados com as técnicas de orientação analítica, em pacientes com quadros neuróticos ou transtornos de personalidade não excessivamente incapacitantes. Neste tipo de tratamento, padrões caracterológicos podem ser clarificados e o paciente pode ser, de maneira cautelosa, confrontado com os mesmos no sentido de uma posterior interpretação, obtenção de insight sobre seus conflitos atuais. Para que isto ocorra, o paciente deve ser capaz de tolerar os resultados da depressão e perda da auto-estima decorrente. O paciente idoso estará mais propenso a aceitar o exame de seus conflitos caso sentir que através do tratamento poderá lançar mão de recursos emocionais novos liberados pelo processo de tratamento. Entretanto, deve ser considerado o curso emocional da revisão de problemas passados no paciente idoso. Será muito difícil para um paciente idoso, próximo à morte, olhar para o passado dando-se conta que sofreu até então de um neurose que limitou sua vida. Com relação a este tópico, no idoso, a integração das experiências passadas deve ser feita respeitando a maneira como foram vividas e não dentro da perspectiva de como deveriam ter sido vividas. Um dos objetivos é ajudar o paciente a “reconciliar-se consigo mesmo”, isto é, aceitar a vida vivida e as realizações conseguidas, sucessos, fracassos, como as que foram possíveis, sem aumentar sua culpa pelo que não pôde realizar ou pelos ideais de ego que não conseguiu atingir. Neste tipo de tratamento, devem ser observadas com atenção as manifestações transferenciais e contratransferenciais, que costumam seguir as direções indicadas anteriormente. Psicoterapia breve dinâmica Esta modalidade de tratamento encontra nesta faixa etária indicações freqüentes para sua aplicação. Muitos pacientes idosos procuram tratamento psicoterápico com problemas circunscritos, claramente definidos, que podem ser resolvidos dentro de um periodo breve de tempo, tais como um 430 / Aristides V. Cordioli distúrbio de ajustamento, uma reação de luto não resolvida ou um distúrbio de estresse póstraumático. A estipulação de um limite de tempo pode reforçar a confiança da paciente em sua capacidade de resolver seus problemas, diminuir seu medo da dependência e adaptar-se melhor à sua situação financeira. A expectativa do paciente com relação ao tratamento em geral é de ver reassegurada sua normalidade e restaurar sua auto-estima. Nesta modalidade de tratamento, a melhora sintomática é mais significativa que a obtenção de insight e autoconhecimento (Lazarus, 1987), embora possa se acompanhar de algum grau de insight intelectual. A atividade do terapeuta no estabelecimento e manutenção de um foco desempenha papel decisivo; podendo, além disso, utilizar recursos adicionais, como medicação, discussão realística da atual situação de vida, estabelecimento conjunto de tarefas a serem executadas pelo paciente e estímulo ao desempenho de ocupações. Terapia cognitiva A técnica de psicoterapia cognitiva desenvolvida por Beck (1979)* pode ser aplicada com sucesso nos idosos, respeitando algumas adaptações: a) aclimatar o paciente à terapia, apresentando a mesma como uma forma de aprender a ajustar-se melhor à velhice, explicando ao paciente o que a terapia pode e não pode fazer e encorajando a participação ativa; b) intensificar as capacidades de aprendizado, encorajando o registro de notas em um diário da terapia, usando exemplos relevantes à idade, entendendo as hesitações do paciente em seguir as sugestões terapêuticas; c) terminar a terapia gradualmente, antecipando problemas futuros, encorajando o uso das habilidades cognitivas recém apreendidas e deixando a porta aberta para um retomo futuro. Essa abordagem tem-se revelado eficaz especialmente em pacientes idosos cognitivamente prejudicados com sintomatologia depressiva de diferentes intensidades. A terapia cognitiva apóia mecanismos de defesa como a intelectualização e racionalização, encoraja a participação ativa do paciente e oferece uma abordagem eficaz para a depressão. Em termos comparativos, as terapias cognitiva, comportamental e psicodinâmica não apresentam diferenças significativas nos seus resultados em pacientes idosos ambulatoriais, sendo o nível de sucesso aproximadamente 70% (Lazarus, 1989). * Para maiores detalhes sobre esta técnica, ver o capitulo sobre Terapia comportamentalcognitiva”. Os aspectos positivos desta abordagem incluem: sua duração limitada, que reforça a possibilidade de um período relativamente curto; menor custo, pelo menor número de sessões: encorajamento da participação do paciente; abordagem eficaz dos problemas depressivos e potencial para integração com outras modalidades de tratamento. As deficiências potenciais da terapia cognitiva incluem sua aplicação restrita à depressão e a pacientes sem prejuízos muito severos e à possibilidade de produzir intelectualização excessiva (Lazarus, 1989). PERSPECTIVAS DA PSICOTERAPIA DO VELHO mudança em Pechansky (1980) salienta a importância do melhor entendimento da pessoa do velho para o desenvolvimento da psicoterapia a ser realizada com este paciente. Se nos capacitarmos a entender como o paciente se desenvolveu e a destacar suas capacidades criativas, amorosas, bem como suas possibilidades de estabelecer relações de objeto e tolerar as frustrações impostas pela vida, estaremos aptos a equacionar, adequadamente, os propósitos da psicoterapia. O melhor entendimento do envelhecimento normal sem dúvida é a base para os futuros desenvolvimentos da técnica psicoterápica nesta faixa etária. Até recentemente, a abordagem psicológica dos pacientes idosos tinha como paradigma único as perspectivas do desenvolvimento da personalidade e das funções cognitivas alcançadas em estudos com crianças ou adolescentes. Neste sentido, os desenvolvimentos trazidos pela psicologia do self ao entendimento do adulto de meia-idade e do velho têm sido de fundamental importância. Também as pesquisas sistemáticas do ciclo de vida humana têm fornecido subsídios para o melhor entendimento do envelhecimento. Dentro desta linha, autores como Baltes (1973) propõem que as mudanças ocorrem ao longo de todo o ciclo da vida humana, podendo ter muitos pontos de partida diferentes e muitos pontos de chegada, levando a várias direções ao mesmo tempo. Embora a visão tradicional, com base na biologia, retrate o desenvolvimento como seguindo em uma única direção, estudos detalhados do ciclo de vida têm demonstrado que muitas habilidades humanas aparecem somente na idade adulta e na velhice, como determinadas funções cognitivas ligadas à inteligência (Baltes, 1973). Além disso, conforme atesta o escritor 1. Bashevis Singer, “o amor do velho e da pessoa da meia-idade é um tema cada vez mais freqüente nos meus trabalhos de ficção. A literatura tem negligenciado o velho e suas emoções. Os novelistas nunca nos disseram que no a) b) c) d) e) Psicoterapias / 431 1 432 / Aristides V. Cordidi amor, como em outros assuntos, os jovens são apenas principiantes, e que arte de amar amadurece com a idade e a experiência” (1979, p.’7). Des forma, o ciclo evolutivo deixa de ser concebido como uma marcha linear pa o decinio. A superação destas concepções simplistas e errôneas acerca do env lhecimento é o substrato e, em grande medida, o objeto do desenvolvimen da psicoterapia na velhice. Referências bibliográficas ABRAHAM, K. The applicability of psychoanalitic treatment to patients at an advanced ar In: Selected papers of psychoanalysis. London: Hogarth Press. 1949. p. 312-317. BALTES, P. 8. (cd.). Lfe-span developmental psychology. Personahty and socialization. N York: Academic Press, 1973. BEREZIN. M. A. Psychodynamic considerations of aging and the aged: and querview. Americ JournalofPsychtatry,v. 128, n. 12, p. 33-41, 1972. EIZIRIK, C. L. A aposentadoria, a institucionalização e as perdas na velhice. Revista de quiatria do Rto Gro.nde do Sul, v. 2, n. 1, p. 6-15, 1980. FREUD, S. Luto e melancolia (1917). In: Edição Standard Brasiletra das Obras PsicológLc Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Irnago. 1974. v. 14. p. 271-291. FREUD. S. Sobre a psicoterapia. 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