Pettis, Michael. “Mudanças demográficas e economia”. São Paulo: Valor Econômico, 07 de abril de 2003. JEL: J Mudanças demográficas e economia Michael Pettis Com os investidores e economistas obcecados com a guerra no Iraque, as taxas de juros nos Estados Unidos, doenças chinesas misteriosas, gastos dos consumidores nos EUA etc, pode parecer um pouco estranho pensar sobre tendências demográficas de longo prazo. Elas levam anos, mesmo décadas, até seu impacto ser notado, e há tantas coisas imediatas com as quais se preocupar. Durante o ano passado, no entanto, em uma tentativa de tentar entender a exata dimensão da gravidade que a crise das aposentadorias no mundo poderá atingir (extremamente grave), estive lendo o que os especialistas em população estão prevendo para as próximas décadas. Os números são fascinantes e suas conseqüências político-econômicas são quase inconcebíveis. A primeira coisa que mais chama a atenção é o impacto das baixas taxas de fertilidade em alguns dos maiores países do mundo. Durante os próximos 50 anos, espera-se que a população da Europa diminua de cerca de 320 milhões de habitantes para 240 milhões de habitantes. A população do Japão deverá declinar de 130 milhões para 110 milhões. A da Rússia deverá cair de 145 milhões para 100 milhões. E a população da China, atualmente somando 1,2 bilhão, deverá se reduzir para 1,1 bilhão ou menos. Os Estados Unidos, por outro lado, deverão testemunhar um crescimento em sua população, de cerca de 270 milhões para 370 milhões. Isto se explica porque a população dos EUA é jovem em média, possui uma taxa de fertilidade mais elevada e é regenerada pela imigração, particularmente procedente da América Latina e Ásia. Uma das conseqüências mais importantes da fertilidade decrescente será o custo ascendente dos cuidados com os aposentados. Atualmente, no mundo desenvolvido, existem 30 aposentados para cada 100 trabalhadores. Nos próximos 30 anos este número deverá mais do que dobrar, chegando a 70. Poderá atingir 100 no Japão e em certas partes da Europa. Não está claro como o peso da aposentadoria afetará as economias desenvolvidas. Uma das possibilidades é que muitos jovens competentes e educados na Europa e no Japão se recusem a ceder uma parcela tão significativa do que produzem para os cidadãos aposentados. Derrubarão o sistema de seguridade social ou emigrarão? Europa e Japão serão forçados a superar sua arraigada repugnância pela imigração? Mesmo supondo que essas pessoas permaneçam em casa, as implicações econômicas são impressionantes. Hoje os EUA têm uma população menor do que a Europa, porém, por possuírem um PIB per capita mais elevado, sua economia como um todo é ligeiramente maior. Nos próximos 50 anos sua dianteira em renda per capita deverá aumentar notadamente, ao passo que sua população se tornará 50% maior do que a européia. Isto significa que a economia dos EUA poderá ofuscar a européia em muito, ainda em nossas vidas. A divergência é ainda maior no caso do Japão, cuja economia também deverá se retrair em relação à dos EUA e cuja população está envelhecendo rapidamente. Isto indica que o mundo, já muito dependente da economia dos EUA, deverá ficar ainda mais dependente no futuro. Parece seguro afirmar que pelo menos parte do poder econômico que a Europa e o Japão perderão se deslocará para o mundo em desenvolvimento, particularmente para os países muçulmanos, cujas populações estão crescendo explosivamente - por exemplo, o Irã se expandirá de 65 milhões de habitantes para 105 milhões de habitantes. Estima-se que o Iêmen, cuja população inferior a 20 milhões de habitantes a torna menor do que um quarto do tamanho da Alemanha, aumentará para 85 milhões nos próximos 50 anos, tornando-a mais populosa do que a Alemanha (80 milhões). A China e a Rússia também deverão esticar um pouco a corda, mas talvez nem tanto. Provavelmente poderemos esperar uma expansão continuada na China, mas a China ainda é um país pobre - o único país pobre com os problemas demográficos dos ricos. Não existe nenhum precedente na história que nos permita prever qual será o desfecho. Com respeito à Rússia, sua população decrescente se tornará menor do que a do Irã em 50 anos. É difícil fazer previsões, pois as mudanças deste século serão inéditas e muitas coisas podem derrubar as nossas suposições. Parece claro, no entanto, que, assim como alguns eventos recentes se assemelharam a terremotos - o colapso da União Soviética, a abertura da China, a expansão do poderio dos EUA, a unificação da Europa - estes também serão ofuscados pelo efeito provocado pelas mudanças populacionais nas próximas décadas.