Construções com DAR + sintagma nominal

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Construções com DAR + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a
alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples
Giselle Aparecida Toledo Esteves
2008
CONSTRUÇÕES COM DAR + SINTAGMA NOMINAL:
A GRAMATICALIZAÇÃO DESSE VERBO E A ALTERNÂNCIA ENTRE
PERÍFRASES VERBO-NOMINAIS E PREDICADORES SIMPLES
Giselle Aparecida Toledo Esteves
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requisito para a obtenção do Título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Profa. Doutora Marcia dos Santos
Machado Vieira.
Rio de Janeiro
Julho de 2008
Construções com dar + sintagma nominal: a gramaticalização desse verbo e a
alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples
Giselle Aparecida Toledo Esteves
Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Examinada por:
_____________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ
_____________________________________________________________________
Professora Doutora Mariangela Rios de Oliveira – UFF
_____________________________________________________________________
Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ
_____________________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ, Suplente
_____________________________________________________________________
Professor Doutor Mário Eduardo Toscano Martelotta – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Julho de 2008
Esteves, Giselle Aparecida Toledo.
Construções com dar + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a
alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples./ Giselle Aparecida
Toledo Esteves. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2008.
xxiii, 334f.:il.; 31cm.
Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 309-313.
1. Sociofuncionalismo 2. Gramaticalização de dar 3. Alternância entre construções
dar + SN e predicadores simples equivalentes 4. Contribuições para o ensino de Português.
I. Machado Vieira, Marcia dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. Título.
Mãe
Dedico este trabalho àquela enviada por DEUS para ensinar-me a
amar, a lutar pelos meus sonhos e a transformar adversidades em
bênçãos.
Sua eterna Zelinha.
AGRADECIMENTOS
A Deus, a Jesus e à Nossa Senhora Aparecida, por sempre me darem paz, força e
segurança, por tantas bênçãos alcançadas e tanta coragem para continuar lutando por novos
sonhos.
À minha mãe Cida, pela dedicação incondicional e cumplicidade em todos os momentos
da minha vida e ao meu pai Mario, pelo incentivo, pela torcida “tricolor” (é claro!) e por
nossas “idas e vindas”.
À vovó “Goinha”, pelo colinho fofinho e pelas orações.
Ao meu tio Waldir, que sempre apostou no meu sucesso, ainda que, algumas vezes, nem
eu mesma acreditasse.
A Jorginho, pelo apoio, pelas gargalhadas e pela “namoramizade” compartilhada
durante todos os momentos empolgantes e preocupantes dessa trajetória.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo
estímulo à permanência no mundo da pesquisa, com as bolsas de Iniciação Científica (do
Programa PIBIC/UFRJ) e de Mestrado.
Aos meus professores de Ensino Médio Ronaldo Prestes e Márcia Salazar, não somente
pelas animadas aulas de Português, mas, principalmente, por terem sido os únicos professores,
naquela época, que incentivaram meu Vestibular para o curso de Letras.
Às Professoras de Inglês Norma Joseph, que tanto me apoiou, levando palavras de fé
quando estava indecisa a prestar o concurso para o ingresso no Mestrado, e Silvia Becher,
também pelo carinho, pelo apoio e por ser um exemplo de mestre que quero seguir.
À Professora Silvia Rodrigues Vieira, pelas aulas-show, pela generosidade e pelo
carinho com os quais sempre me tratou.
À Professora Silvia Figueiredo Brandão, por ter me acolhido com tanta simpatia na
primeira vez que entrei na sala de pesquisa.
Às Professoras Célia Regina dos Santos Lopes e Mariangela Rios de Oliveira por terem,
tão gentilmente, aceitado participar da banca examinadora.
À Professora Eliete Figueira Batista da Silveira, pelo carinho e torcida.
Aos Professores das disciplinas do Mestrado João Antônio de Moraes, Violeta Virginia
Rodrigues, Mario Eduardo Toscano Martelotta, Maria Luiza Braga, Vera Lucia Paredes
Pereira da Silva, e Maria da Conceição Paiva. Em especial, às Professoras Dinah Maria
Insensee Callou, por agüentar uma aluna tão ansiosa, Maria Maura Cezario, pelas riquíssimas
orientações sobre o trabalho de final de curso e pelo incentivo, ainda na época de graduação,
às apresentações das Jornadas de Iniciação Científica, Leonor Werneck dos Santos, pelas
importantes considerações sobre o ensino de Português e pelo incentivo ao desenvolvimento
de um trabalho neste campo, e Maria Eugênia Lamoglia Duarte, pela simpatia de sempre.
À minha super-amiga Elaine Marques Thomé Viegas, por formar comigo a dupla
dinâmica “as super-ansiosas”, por compartilhar muitas gargalhadas e, principalmente,
preocupações praticamente diárias por e-mails, por horas ao telefone e por MSN.
À Joana Mendes de Oliveira por ter sido tão companheira e por termos vivido tantos
momentos de vitórias e receios durante o período de Iniciação Científica, e por, apesar da
distância, continuar torcendo e me apoiando.
À Carla da Silva Nunes, à Luciana Leitão da Silva e à Simone Sant’Anna, pela amizade
desde a graduação, por sonhos compartilhados e pelos “segredinhos” trocados.
À Leila Vasti da Paz, pela amizade e pelas importantes mensagens de fé que me passa.
À Lílian Alves Jandir, pela amizade construída durante a Iniciação Científica.
À Natália Gilvaz Pontes, pelas longas conversas, pelas gargalhadas e piadinhas e,
principalmente, por suas palavras acalentadoras!
A Vinícius Maciel de Oliveira, por, em tão pouco tempo, ter se tornado tão amigo, por
ter sempre uma palavra de apoio, por estar sempre disposto a me ouvir ao telefone, mesmo à
meia-noite.
À Ana Paula Klem, à Renata Gouvêa Cordeiro, à Cristina Marcia Monteiro de Lima
Correa e à Alessandra de Paula Santos, por terem tido tanto empenho em me ajudar em horas
“metodologicamente” difíceis.
A Thiago Giammattey Machado Ricardo e à Maíra Silva de Paiva, pelo alto-astral nos
eventos e pela elaboração, em conjunto, de diversos trabalhos de Iniciação Científica.
À Maria de Fátima Vieira e à Daniely Cassimiro de Oliveira Santos, pela companhia nas
viagens e torcida nas apresentações.
A Rodrigo Campos Ribeiro, por ter se tornado meu “personal presentation” e me dado
tantas dicas interessantes e à Adriana Rodrigues, pelos pensamentos positivos.
A Rafael Braga, pela amizade cultivada há 14 aninhos, repleta de longas conversas!!!
À Daniele de Jesus Siqueira, por, há 18 anos, ser minha “maninha” de todas as horas.
A Carlos Filipe Colicigno, sempre divertido, por me apoiar desde a época do Vestibular.
A meus ex-alunos e amigos Carlos Alberto Polônio, pelo apoio e confiança, Alexandre
Adão, pela homenagem inesquecível e emocionante, e Débora Dias, pelos conselhos
“perigosos” e “radicais”.
A todos os informantes que colaboraram com o preenchimento das pesquisas de opinião,
especialmente àqueles que participaram das entrevistas/gravações.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À professora Marcia dos Santos Machado Vieira, por ter aberto as
portas da pesquisa para mim, pela paciência com uma orientanda tão
“meticulosa” e “preocupada”, pela confiança em mim depositada,
pelas valiosas orientações, pelo apoio nas horas mais difíceis dessa
trajetória e por compartilhar a felicidade da concretização desse
sonho.
No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus.
(Novo Testamento, João 1:1)
Parte desta pesquisa foi desenvolvida com
financiamento do CNPq (09/2006 – 07/2008)
SINOPSE
Análise, à luz de pressupostos funcionalistas, da
polifuncionalidade/gramaticalização
de
dar
em
construções dar+SN e investigação, sob orientações
sociofuncionalistas, da alternância entre algumas dessas
construções e verbos plenos de sentido equivalente (dar
saltos/saltar, dar parabéns/parabenizar), com base no
comportamento lingüístico e em atitudes de usuários do
Português.
RESUMO
CONSTRUÇÕES COM DAR + SINTAGMA NOMINAL:
A GRAMATICALIZAÇÃO DESSE VERBO E A ALTERNÂNCIA ENTRE PERÍFRASES
VERBO-NOMINAIS E PREDICADORES SIMPLES
Giselle Aparecida Toledo Esteves
Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
A presente dissertação enfoca o uso das construções dar+SN em Português. Uma análise
ainda que superficial do uso da língua, em diversos contextos interacionais, já indica a
polifuncionalidade de dar. No entanto, esse tema, geralmente, não é tratado em gramáticas e
dicionários, cujos autores consideram dar apenas, nessas construções, como verbo principal
(Eu dei uma boneca à menina). Logo, faz-se necessária a observação do comportamento
sintático-semântico desse item, para que se descubram diferentes categorias gramaticais as
quais pode vir a pertencer. Ademais, tenciona-se demonstrar resultados do estudo de
alternância entre perífrases com verbo-suporte dar (dar abraço/ dar saltos) e verbos
predicadores cognatos (abraçar/ saltar).
O estudo de gramaticalização (HEINE et alii, 1991 & HOPPER, 1991) abarcou dados
do Português Brasileiro e do Português Europeu, enquanto, para o de alternância (DIK, 1997;
LABOV, 1973; LAVANDERA, 1985), recorreu-se aos corpora apenas do Português
Brasileiro. Os resultados do primeiro demonstraram que existe um continuum de
gramaticalização que abarca as seguintes categorias de dar: verbo predicador pleno, verbo
predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte. A segunda pesquisa
permitiu a depreensão de aspectos, tais como “presença de nuances semânticas” e “diferença
entre o número de sílabas”, que favorecem o uso de dar + SN no lugar de um verbo pleno.
A reflexão sobre o ensino de Português também é alvo de interesse desta dissertação.
Portanto, desenvolveram-se orientações e algumas atividades que auxiliem a abordagem de
questões acerca da polifuncionalidade de dar e do emprego de construções dar + SN (PCN,
1998 e MENDONÇA, 2006).
Palavras-chave: (socio)funcionalismo, gramaticalização, alternância, verbo-suporte.
Rio de Janeiro
Julho de 2008
ABSTRACT
EXPRESSIONS WITH GIVE (DAR) + NOUN PHRASE (SINTAGMA NOMINAL):
THE GRAMMATICALIZATION OF THIS VERB AND THE ALTERNANCE BETWEEN
COMPLEX AND SIMPLE PREDICATES
Giselle Aparecida Toledo Esteves
Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.
This dissertation focuses on the use of give + NP constructions in Portuguese. A
superficial analysis of the Portuguese language use indicates the polifunctionality of “give”
when applied in different contexts. Nevertheless, such a theme generally does not appear in
grammars and dictionaries where authors regard give as a predicator verb (I gave a doll to a
girl.). Thus, it becomes necessary to find out different categories to which give can belong by
analyzing the syntactic-semantic behavior of this verb. In addition, another aim of this
research is to show the results of the alternance process that occurs between constructions that
are headed by the support verb give (give a hug/ give an example) and equivalent cognate
verbs (to hug/ to exemplify).
The corpora used in this dissertation are formed by Brazilian and European Portuguese.
The results show that there is a continuum of grammaticalization (HEINE et alii, 1991 &
HOPPER, 1991) which is composed by the following categories: full predicator, non-full
predicator, full predicator-support verb and support verb. Also, the results related to the
study of alternance (DIK, 1997; LABOV, 1973; LAVANDERA, 1985) present some aspects,
such as “difference between numbers of syllables” and “the existence of semantic nuances”,
which favor the use of give + NP instead of a simple predicator.
Dealing with issues about teaching Portuguese is also a goal. For this reason, some
activities that involve the use of give + NP constructions were developed in this dissertation.
They were based on PCN (1998) and Mendonça (2006).
Key words: functionalism, grammaticalization, sociolinguistics, alternance, support verb.
Rio de Janeiro
Julho de 2008
SUMÁRIO
ÍNDICE DE QUADROS, FIGURAS E TABELAS...........................................................
17
ABREVIATURAS E CONVENÇÕES................................................................................
23
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................
24
1.1 Tema.................................................................................................................................
24
1.2 Objetivos ........................................................................................................................
25
1.3 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com amostras de comportamentos
lingüísticos.............................................................................................................................
27
1.4 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com testes de atitude ....................................
30
1.5 Estrutura da dissertação................................................................................................
30
2. A DESCRIÇÃO DO VERBO DAR E DE CONSTRUÇÕES COM VERBOSSUPORTE..............................................................................................................................
31
2.1 Em algumas obras de orientação tradicional ou descritiva........................................
31
2.2 Em alguns dicionários....................................................................................................
38
2.3 Em estudos lingüísticos ..................................................................................................
43
3. REFERENCIAL TEÓRICO...........................................................................................
54
3.1 Funcionalismo: pressupostos básicos ...........................................................................
54
3.1.1 Teoria da Gramática Funcional (orientação holandesa) .........................................
56
3.1.1.1 Formação de predicadores.......................................................................................
63
3.1.1.2 Relações funcionais...................................................................................................
65
3.1.2 O fenômeno de gramaticalização................................................................................
71
3.2 Sociofuncionalismo: a conjugação de duas abordagens..............................................
87
3.3 Fundamentos para a pesquisa com testes de atitude...................................................
92
3.4 Fundamentos para uma abordagem de construções DAR+SN no ensino de
Português...............................................................................................................................
94
4. ENFOQUE METODOLÓGICO.....................................................................................
97
4.1. Procedimentos para a análise das amostras de dados................................................
97
4.2 Procedimentos para a aplicação dos testes de atitude.................................................
102
5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS...................................................................
106
5.1 Análise do fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbosuporte....................................................................................................................................
106
5.1.1 Uma cadeia de gramaticalização................................................................................
107
5.1.2 Distribuição geral dos dados.......................................................................................
127
5.1.3 Distribuição dos dados por variedades nacionais....................................................
127
5.1.4 Distribuição dos dados do século XX ao XXI..........................................................
129
5.1.5 Distribuição dos dados por modalidade expressiva..................................................
134
5.1.6 Distribuição dos dados por gêneros textuais.............................................................
136
5.1.6.1 Anúncios, editoriais e notícias do século XX..........................................................
136
5.1.6.2 Artigos de opinião, editoriais e notícias do século XXI.........................................
137
5.1.7 Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos.........
140
5.1.8 Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação
(narrativas, dissertações e provas)......................................................................................
142
5.1.9 Comparação da produtividade das categorias funcionais de dar em textos
passíveis de avaliação e em textos não avaliados na escola...............................................
144
5.1.10 Distribuição dos dados por tipo de vocabulário......................................................
145
5.1.11 Natureza semântica das categorias investigadas.....................................................
148
5.1.11.1 Acepções depreendidas de certos usos de dar na categoria de verbo
predicador não pleno.............................................................................................................
148
5.1.11.2 Noções veiculadas pela categoria [-gramatical] verbo predicador a verbosuporte e [+gramatical] de verbo-suporte............................................................................
150
5.1.12 Aspectos que podem afastar dar da categoria lexical (de verbo predicador) e o
aproximar da categoria gramatical (de verbo-suporte) e que podem interferir nos
níveis de integração entre o verbo e o sintagma nominal das perífrases em que dar já
se apresenta com algum grau de gramaticalização............................................................
154
5.1.12.1 Natureza do sintagma nominal ligado a dar.........................................................
154
5.1.12.2 Caracterização semântica do sintagma nominal..................................................
157
5.1.12.3 Funções semânticas do sintagma nominal............................................................
162
5.1.12.4 Mobilidade do elemento não-verbal......................................................................
166
5.1.12.5 Configuração sintática da perífrase......................................................................
171
5.1.12.6 Possibilidade de permuta de dar por outros itens verbais..................................
177
5.1.12.7 Possibilidade de substituição do SN em predicadores complexos cujo verbo
já apresenta algum grau de gramaticalização....................................................................
181
5.1.12.8 Possibilidade de substituição do predicador complexo dar+SN por outro
verbo de sentido equivalente................................................................................................
183
5.1.13 Níveis de integração das estruturas em que o verbo apresenta algum grau de
gramaticalização...................................................................................................................
186
5.2 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo
predicador a verbo-suporte....................................................................................................
201
5.2.1 Objetivo dos testes.......................................................................................................
201
5.2.2 Configuração dos testes e análise dos resultados obtidos.........................................
201
5.3 Análise dos dados referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com
verbo-suporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente.....................................
226
5.3.1 As variáveis investigadas.............................................................................................
226
5.3.2 Os resultados da análise..............................................................................................
232
5.3.2.1 Atuação da variável presença de nuance semântica..............................................
234
5.3.2.2 Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e
o da perífrase..........................................................................................................................
237
5.3.2.3 Atuação da variável tipos de textos.........................................................................
239
5.3.2.4 Atuação da variável tempo verbal...........................................................................
244
5.3.2.5 Atuação da variável graus de escolaridade.............................................................
248
5.3.2.6 Atuação da variável modalidade expressiva............................................................
253
5.3.2.7 Atuação da variável faixa etária..............................................................................
255
5.3.2.8 Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos.................................................
258
5.3.2.9 Considerações gerais...............................................................................................
260
5.4 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com
verbo-suporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente.....................................
262
5.4.1 Objetivo dos testes.......................................................................................................
262
5.4.2 Configuração dos testes de atitude.............................................................................
262
5.4.3 Análise dos resultados obtidos....................................................................................
263
5.4.4 Considerações gerais sobre os resultados dos testes de atitude...............................
291
6. CONSTRUÇÕES DAR+SN NO ENSINO DE PORTUGUÊS......................................
293
6.1 A abordagem de construções dar+SN em alguns materiais didáticos........................
293
6.2 Possíveis abordagens das construções dar+SN em aulas de Português.....................
299
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
304
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................
309
ANEXOS................................................................................................................................
314
ÍNDICE DE QUADROS, FIGURAS E TABELAS
QUADROS
Quadro 1: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete
(HOUAISS, 2001)
39
Quadro 2: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete
(BORBA, 1990)
41
Quadro 3: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete
(CALDAS AULETE, 1925)
42
Quadro 4: Formação da estrutura subjacente de cláusula
60
Quadro 5: Tipo de estados de coisas
66
Quadro 6: Parâmetros [± dinâmico], [± controle], e [± télico] no estado de coisas da
predicação
67
Quadro 7: Relação entre estados de coisas da predicação e parâmetros semânticos
68
Quadro 8: Funções semânticas nucleares
69
Quadro 9: Hierarquia das funções semânticas atribuídas às funções sintáticas sujeito e
objeto.
70
Quadro 10: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro para estudo da
gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
98
Quadro 11: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Europeu para estudo da
gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
99
Quadro 12: Corpus do Português Brasileiro e do Português Europeu para estudo da
gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
99
Quadro 13: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro (ESCRITO) para
estudo da alternância entre construções dar+SN e verbos predicadores cognatos de sentido
equivalente.
101
Quadro 14: Fontes da coleta de dados em acervo do Português Brasileiro (ORAL) para
estudo da alternância entre construções dar+SN e verbos predicadores cognatos de sentido
equivalente.
101
Quadro 15: Corpus do Português Brasileiro para estudo da alternância entre construções
dar+ SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente.
101
Quadro 16: Normas para transcrição das entrevistas
103
Quadro 17: Escolaridade dos informantes
104
Quadro 18: Acepções de dar como verbo predicador não-pleno identificadas no corpus
148
Quadro 19: Presença das acepções de dar como verbo predicador não pleno do corpus nos
dicionários consultados
149
Quadro 20: Variáveis controladas na pesquisa
226
Quadro 21: Ordem decrescente de seleção de variáveis
260
Quadro 22: Alguns contextos discursivos que apresentam dar em diferentes categorias
funcionais.
301
Quadro 23: Alguns contextos discursivos e questões relacionadas às implicações da
substituição do verbo dar (como verbo predicador a verbo-suporte) por outro item verbal.
301
FIGURAS
Figura 1: O conjunto lexical de GIVE (DAR) (ALLAN, 1998:6)
49
Figura 2: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997: 8-9, v.1)
57
Figura 3: Possíveis relações derivativas entre categorias de predicadores, segundo (DIK,
1997:196, v.1)
64
Figura 4: A estrutura de cadeias de gramaticalização (HEINE et alii, 1991:16)
73
Figura 5: Um cenário de gramaticalização como meio de resolução de um problema (HEINE
et alii, 1991:29)
78
Figura 6: Uma rede conceptual de gramaticalização (HEINE et alii, 1991:99)
81
Figura 7: Macroestrutura conceptual da gramaticalização (HEINE et alii, 1991:108)
82
Figura 8: O modelo metonímico-metafórico
83
Figura 9: Cadeia de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
110
Figura 10: Cadeia de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) com
alguns exemplos do corpus
126
Figura 11: Valores semânticos encontrados no continuum de gramaticalização de dar: de
verbo predicador a verbo suporte a verbo-suporte
153
TABELAS
Tabela 1: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus).
126
Tabela 2: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus) por
variedades nacionais
127
Tabela 3: Produtividade das categorias funcionais de dar em notícias e em editoriais dos
séculos XX e XXI pertencentes ao Português Brasileiro e ao Português Europeu
128
Tabela 4: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria
funcional dos séculos XX e XXI em função de variedades nacionais distintas.
129
Tabela 5: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos jornalísticos (anúncios,
editoriais, notícias e artigos de opinião) de PB e PE dos séculos XX e XXI.
130
Tabela 6: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX (somente
corpus escrito – anúncios, editoriais e notícias).
130
Tabela 7: Distribuição dos dados (notícias, editoriais e anúncios) por cada categoria
funcional no século XX
131
Tabela 8: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX e XXI
(somente editoriais e notícias).
132
Tabela 9: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria
funcional de dar ao longo dos períodos do século XX e no período inicial do século XXI
133
Tabela 10: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas
(dados extraídos do corpora oral e escrito de PB e PE – VARPORT século XX).
134
Tabela 11: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada
modalidade expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB e PE – VARPORT
século XX).
135
Tabela 12: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas
(dados extraídos do corpora oral e escrito de PB – Discurso e Gramática).
135
Tabela 13: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada
modalidade expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB– Discurso e
Gramática).
136
Tabela 14: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos
(anúncios, editoriais e notícias) do século XX (PB e PE).
136
Tabela 15: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos
(artigos de opinião, editoriais e notícias) do século XXI (PB e PE).
137
Tabela 16: Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos do
projeto D&G (narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e relatos de opinião)
140
Tabela 17: Produtividade das categorias funcionais de dar (relação entre tipos de textos do
projeto D&G e modalidades expressivas).
141
Tabela 18: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação
(redações e provas)
142
Tabela 19: Produtividade das categorias funcionais de dar em narrativas que são objetos de
avaliação formal em confronto com narrativas que não foram compostas com esse fim.
144
Tabela 20: Produtividade das categorias funcionais de dar em função do tipo de vocabulário.
146
Tabela 21: Noções veiculadas por dar nas categorias de verbo-suporte e de verbo predicador
a verbo-suporte
152
Tabela 22: Natureza predicante ou não do SN relacionada às categorias funcionais de dar
156
Tabela 23: Natureza predicante ou não do SN relacionada aos valores expressos pelas
categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
156
Tabela 24: Caracterização semântica do SN relacionada às categorias funcionais de dar
160
Tabela 25: Caracterização semântica do SN relacionada aos valores expressos pelas
categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
161
Tabela 26: Função e traços do elemento não-verbal relacionados às categorias funcionais de
dar
164
Tabela 27: Função e traços do elemento não-verbal relacionados aos valores expressos pelas
categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
165
Tabela 28: Mobilidade do elemento não-verbal relacionada às categorias funcionais de dar
168
Tabela 29: Configuração sintática do SN relacionada às categorias funcionais de dar
169
Tabela 30: Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada às categorias
funcionais de dar
173
Tabela 31: Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos
pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
175
Tabela 32: Possibilidade de substituição do verbo em predicadores complexos cujo dar já
apresenta algum grau de gramaticalização
178
Tabela 33: Possibilidade de substituição do verbo relacionada aos valores expressos pelas
categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
179
Tabela 34: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal em predicadores complexos
cujo dar já apresenta algum grau de gramaticalização.
181
Tabela 35: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal relacionada aos valores
expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
182
Tabela 36: Possibilidade de substituição de dar + SN por outro verbo de sentido equivalente
relacionada às categorias de dar que já apresenta algum grau de gramaticalização.
184
Tabela 37: Possibilidade de substituição do predicador complexo dar+SN por outro verbo de
sentido equivalente relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a
verbo-suporte e verbo-suporte
185
Tabela 38: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DAR SHOW.
202
Tabela 39: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DAR UMA FAXINA.
202
Tabela 40: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DÁ UMAS PORRADA
202
Tabela 41: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DEU BOLA
203
Tabela 42: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DEU BOLA
203
Tabela 43: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DEU UM PULO
204
Tabela 44: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DER MOLE
204
Tabela 45: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DANDO CURTO
204
Tabela 46: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DÁ ÊNFASE
205
Tabela 47: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DAR VAZÃO
206
Tabela 48: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na
estrutura DEU CONTA
209
Tabela 49: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na
estrutura DER MOLE
210
Tabela 50: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na
estrutura DÁ UM ATAQUE
211
Tabela 51: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na
estrutura DÁ TRÉGUA
211
Tabela 52: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na
estrutura DÁ GOSTO
212
Tabela 53: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em
DEI UM GOL
215
Tabela 54: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em
DAR UMA SURRA
215
Tabela 55: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em
DAR UM ESCÂNDALO
216
Tabela 56: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN
“aulas” em DÃO AULAS
221
Tabela 57: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “uma
prensa” em DAR UMA PRENSA
Tabela 58: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “voz”
em DAR VOZ
221
Tabela 59: Número de dados e índices de input e significância encontrados em todas as
rodadas
233
Tabela 60: Índices de input encontrados no nível zero e no nível selecionado nas rodadas
234
Tabela 61: Atuação da variável presença de nuance semântica
234
Tabela 62: Pesos relativos da variável presença de nuance semântica em relação a perífrases
dar + SN em cada uma das rodadas (dados com e sem nuance semântica)
235
Tabela 63: Tabulação cruzada entre presença de nuance semântica e configuração sintática
das perífrases
236
Tabela 64: Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o
da perífrase
237
Tabela 65: Pesos relativos da variável diferença entre o número de sílabas do verbo
predicador e o da perífrase em todas as rodadas
238
Tabela 66: Atuação da variável tipos de texto
239
Tabela 67: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral (dados de com e sem
nuance semântica) e na rodada D&G (dados de com e sem nuance semântica)
240
Tabela 68: Tabulação cruzada entre tipos de texto (D&G) e presença de nuance semântica
241
Tabela 69: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral (dados com e sem
nuance semântica) e na rodada com a amostra de “textos jornalísticos” (dados com e sem
nuance semântica)
242
Tabela 70: Tabulação cruzada entre tipos de texto (textos jornalísticos) e presença de nuance
semântica
243
Tabela 71: Atuação da variável tempo verbal
244
Tabela 72: Pesos relativos da variável tempo verbal nas rodadas gerais, nas rodadas com a
amostra de “textos jornalísticos” e na rodada com a amostra de “textos para avaliação”
(dados sem nuance semântica)
245
Tabela 73: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo
predicador e da perífrase e tempo verbal (apenas textos jornalísticos)
247
Tabela 74: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo
predicador e da perífrase e tempo verbal (apenas textos para avaliação)
247
Tabela 75: Atuação da variável graus de escolaridade
248
Tabela 76: Pesos relativos da variável graus de escolaridade nas rodadas gerais e nas
rodadas D&G
249
Tabela 77: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuances
semânticas (apenas dados da amostra D&G)
250
Tabela 78: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e modalidade expressiva (apenas
dados da amostra D&G)
251
Tabela 79: Atuação da variável graus de escolaridade (apenas dados da amostra de textos
para avaliação)
252
Tabela 80: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuance semântica
(apenas dados da amostra de textos para avaliação)
253
222
Tabela 81: Atuação da variável modalidade expressiva
253
Tabela 82: Tabulação cruzada entre modalidade expressiva e presença de nuance semântica
(apenas dados da amostra D&G)
254
Tabela 83: Atuação da variável faixa etária
255
Tabela 84: Pesos relativos da variável faixa etária nas rodadas gerais e nas rodadas D&G
255
Tabela 85: Tabulação cruzada entre faixa etária e presença de nuance semântica (apenas
dados da amostra D&G)
257
Tabela 86: Tabulação cruzada entre faixa etária e modalidade expressiva (apenas dados da
amostra D&G)
257
Tabela 87: Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos
258
Tabela 88: Tabulação cruzada entre fontes dos textos jornalísticos e presença de nuance
semântica
259
Tabela 89: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções
PREOCUPANDO MUITO e DANDO MUITA PREOCUPAÇÃO
264
Tabela 90: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESCULACHA e
DÁ UM ESCULACHO
266
Tabela 91: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR
e DAR PARABÉNS
268
Tabela 92: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ENTRISTECIA e
DAVA MUITA TRISTEZA
270
Tabela 93: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções GOLEEI e DEU
UM GOL
272
Tabela 94: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções REZEI UM
POUQUINHO e DEI UMA REZADINHA
274
Tabela 95: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AJUDAR e DAR
UMA AJUDAZINHA
276
Tabela 96: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções EDUCAR BEM
e DAR UMA BOA EDUCAÇÃO
278
Tabela 97: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESFAQUEOU e
DEU ALGUMAS FACADAS
280
Tabela 98: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESTAPEOU e
DEU UNS TAPAS
282
Tabela 99: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ATIRAR e DAR
TIROS
282
Tabela 100: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções
AMEDRONTAR e DAR MEDO
284
Tabela 101: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções
PARABENIZAR e DAR PARABÉNS
286
ABREVIATURAS E CONVENÇÕES
D Æ Documentador
E.F. Æ Ensino Fundamental
E.M. Æ Ensino Médio
E.S. Æ Ensino Superior
Faixa A Æ Faixa etária entre 18 e 25 anos
Faixa B Æ Faixa etária entre 26 e 35 anos
I Æ Informante
Inq. Æ Inquérito
Inf. Æ Informante
Ind. Æ Indicativo
Nível 1 Æ Semi-alfabetizados
Nivel 3 Æ Escolarizados (Ensino superior)
NURC Æ Projeto Norma Lingüística Urbana Culta
Oco Æ Ocorrência
PB Æ Português do Brasil
PE Æ Português europeu
PR Æ Peso relativo
Pres. Æ Presente
Pret. Perf. Æ Pretérito perfeito
Pret. Imp. Æ Pretérito imperfeito
SN (SNs) Æ Sintagma(s) nominal (is)
SPrep Æ Sintagma preposicional
X1 Æ Argumento 1
X2 Æ Argumento 2
C1 Æ Predicação nuclear
C2 Æ Predicação central
C3 Æ Predicação estendida
C4 Æ Proposição
C5 Æ Ato de fala
f Æ Estado de coisas da predicação
[V] Æ Verbo
[VN] Æ Predicação verbo-nominal
σ2 Æ Satélite de nível 2
σ1 Æ Satélite de nível 1
π2 Æ Operador de segundo nível
VARPORT Æ Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português
1. INTRODUÇÃO
1.1 Tema
O verbo dar é geralmente tratado apenas como predicador 1 na maioria dos dicionários e
das gramáticas normativas da língua portuguesa, ou seja, um elemento que, além de possuir
comportamento lexical na estruturação do enunciado, é o único responsável pela atribuição de
papel temático aos argumentos, como em:
(Ex.:1) (...) sua amasia deu-lhe um chá. [PB escrito, notícia, E-B-91-Jn-004]
Contudo, uma análise ainda que superficial do uso de dar em diversos contextos
interacionais indicará a polifuncionalidade desse verbo no Português, especialmente em
construções dar + SN. Normalmente, os poucos textos didáticos que mencionam o
comportamento gramatical de dar (como verbo-suporte) consideram-no apenas “sem
conteúdo semântico” (NICOLA, 2006:146) e nem sempre apresentam tratamento que articule
a teoria a respeito dessa categoria verbal com seu emprego em diversos contextos de
interação. Ademais, as gramáticas que abordam esse tema (MATEUS et alii, 2003 e MOURA
NEVES, 2000) têm circulação restrita (geralmente, apenas em cursos de Graduação em
Letras) e, apesar de conterem mais informações do que os compêndios didáticos, ainda
carecem de descrições mais específicas sobre o processo de gramaticalização de verbos (no
continuum de predicador a verbo-suporte), particularmente de dar, e sobre motivações
semântico-discursivas que levam os falantes a empregar predicadores complexos com esse
verbo. Logo, é necessária a descrição do comportamento sintático-semântico desse item
verbal, com a conseqüente depreensão das diferentes categorias gramaticais às quais ele se
relaciona e dos diferentes contextos discursivos que favorecem seu uso na estruturação de
predicadores complexos.
A presente dissertação enfoca as construções dar + SN em Português, com o aporte da
teoria funcionalista para fundamentar a investigação do comportamento de dar nesse tipo de
construção (DIK, 1997) e do fenômeno de gramaticalização (HEINE et alii, 1991; HOPPER,
1991) de verbo predicador a verbo-suporte. Com o intuito de aprofundar a descrição das
construções com verbo-suporte, desenvolve-se, com base em pressupostos sociofuncionalistas
(DIK,
1997;
WEINREICH,
LABOV
e
HERZOG,
1968;
LABOV,
1972;
LAVANDERA,1985), um estudo acerca da alternância entre perífrases com verbo-suporte
1
Nesta dissertação, emprega-se o termo predicador para indicar formas verbais plenas (predicadores simples) e
construções com verbo (semi-)gramatical (predicadores complexos) que têm função de projetar argumento(s) e
atribuir-lhe(s) papel temático.
25
dar (dar abraço, dar saltos) e verbos predicadores cognatos aos SNs das construções
(abraçar, saltar). Esses estudos pautam-se em materiais que revelam o comportamento
lingüístico de usuários do Português na organização de seus discursos orais ou escritos e/ou
suas atitudes/percepções em relação a opções verbais, formas de estruturação lingüística.
Recorrendo-se a esses materiais, desenvolvem-se, então, reflexões e análises que
buscam lidar, basicamente, com os seguintes problemas: (1) em que condições (em termos de
uso e percepção), com que configuração semântica e morfossintática e com que gradação se
processa a gramaticalização de dar nas construções em análise? e (2) quais são as motivações
e/ou restrições e as avaliações subjetivas da alternância entre predicadores complexos com
verbo-suporte dar e predicadores simples?
A reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa é alvo de interesse desta dissertação, no
que tange às questões acerca da polifuncionalidade de dar em construções dar + SN e do
emprego de perífrases com verbo-suporte. Objetiva-se, portanto, demonstrar como esses
temas são abordados em textos didáticos e desenvolver uma proposta de tratamento para o
assunto em sala de aula que seja coerente com uma abordagem sociofuncionalista. Levam-se
em conta, portanto, as considerações sobre o processo de ensino-aprendizagem apresentadas
pelos PCN de Língua Portuguesa (1998), a importância da corrente funcionalista da
linguagem para o ensino do Português, tratada por Oliveira e Cezario (2007), além da
concepção de “análise lingüística” proposta por Mendonça (2006).
1.2 Objetivos
Os objetivos gerais desta dissertação são:
z
investigar a natureza categorial do verbo dar, analisando sua trajetória de verbo
predicador pleno a verbo-suporte;
z
depreender os condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos que levam à possibilidade
de alternância entre perífrases dar + SN e verbo pleno de sentido equivalente (cognato ao
SN);
z
verificar se há diferenças dialetais na caracterização de predicadores complexos com
verbo-suporte dar entre as variedades européia e brasileira da língua portuguesa; e
z
oferecer contribuição para descrições sobre categorização e comportamento verbal em
livros/materiais didáticos.
26
Levando-se em conta os dois principais fenômenos investigados, os objetivos
específicos distribuem-se conforme se apresenta a seguir.
(1) Na investigação do processo de gramaticalização de dar (de verbo predicador a
verbo-suporte), tenciona-se:
(i) definir os marcos predicativos do predicador dar e dos predicadores complexos com
verbo-suporte dar que estão entre as construções dar + SN dos corpora analisados;
(ii) investigar parâmetros estruturais e semânticos que influenciam na integração entre o
verbo dar e o SN, observando alguns aspectos, tais como a presença ou a ausência, na
configuração do SN, de elementos com caráter determinante, a posição do SN em relação ao
verbo-suporte e a natureza semântica do SN;
(iii) apresentar uma cadeia de gramaticalização que evidencie o continuum das categorias
funcionais de dar encontradas nos corpora;
(iv) determinar os graus de integração entre o verbo dar e o SN presentes nas estruturas dos
corpora;
(v) utilizar, como material de análise, testes de atitude, no intuito de checar alguns aspectos
que podem influenciar a gramaticalização de dar; e
(vi) propor uma abordagem para o ensino das categorias detectadas no continuum de
gramaticalização, buscando-se destacar a multifuncionalidade de dar em construções dar+SN.
(2) Na investigação do fenômeno de alternância entre predicadores complexos dar +
SN e formas verbais simples “correspondentes” (cognatas aos SNs encontrados nas
perífrases), almeja-se:
(i) checar a possibilidade de alternância entre predicadores complexos com dar e formas
verbais simples “correspondentes”;
(ii) explicitar a relação entre a possibilidade de alternância entre perífrases com verbosuporte dar + SN e verbos plenos e os possíveis condicionamentos extralingüísticos, como o
grau de escolaridade e a faixa etária dos falantes;
27
(iii) formular e aplicar testes de atitude para, entre outros intuitos, ajudar (a) a solucionar
casos de dúvida quanto à análise da possibilidade de comutação entre as perífrases com dar +
SN e verbos plenos equivalentes e (b) a detectar efeitos semântico-discursivos alcançados pelo
emprego dessas construções perifrásticas; e
(iv) encaminhar proposta de tratamento, nas aulas de Português, da alternância entre
construções dar + SN e verbos plenos equivalentes e, principalmente, das implicações de
natureza pragmático-discursiva envolvidas no emprego dessas formas.
1.3 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com amostras de comportamentos
lingüísticos
Com relação ao fenômeno de gramaticalização de dar – de verbo predicador a verbosuporte –, a pesquisa desenvolve-se a partir de hipóteses quanto à distribuição dos dados, à
natureza categorial de dar, a características que afastam esse item da categoria lexical (de
verbo predicador) e o aproximam da categoria com caráter gramatical (de verbo-suporte) e a
aspectos estruturais e semânticos que interferem nos diferentes graus de integração entre
verbo-suporte e elemento não-verbal quando estes formam um predicador complexo.
„
Quanto à distribuição dos dados,
(i) crê-se que, tanto na variedade brasileira quanto na variedade européia da língua
portuguesa, as freqüências das categorias funcionais de dar serão bastante semelhantes, pois
se assume que o fenômeno de gramaticalização se dá de maneira regular no sistema;
(ii) calcula-se que a freqüência de ocorrência (“token frequency”) de construções com verbosuporte dar aumente ao longo do século XX, haja vista o pressuposto de que, quanto mais
gramatical é a categoria de um item, maior é sua produtividade na língua;
(iii) espera-se que, tanto na fala quanto na escrita, a produtividade do verbo-suporte dar seja
maior em relação à de outras categorias nessa trajetória.
„
Quanto à natureza categorial de dar,
(v) por participar de construções de comportamento sintático-semântico regular, o verbo dar
pode ser funcionalmente categorizado em um continuum de gramaticalização, cujos extremos
são as categorias de verbo predicador pleno e verbo-suporte.
28
„ Quanto às características que afastam dar da categoria lexical (de verbo predicador) e o
aproximam da categoria semi-gramatical (de verbo-suporte),
(v) acredita-se que haja uma configuração morfossintática prototípica para as construções com
verbo-suporte – provavelmente, o elemento não-verbal ocorrerá, em maior número de casos,
posposto ao verbo-suporte (“dar cabo”) e não anteposto a este (“bênçãos sejam dadas”), já
que, quanto mais gramatical for o verbo, maior será sua integração com o SN que o
acompanha.
„
Quanto aos aspectos estruturais e semânticos que interferem nos diferentes graus de
integração entre verbo-suporte dar e o elemento não-verbal ao formarem um predicador
complexo,
(vi) cogita-se que, entre as características que fazem com que o grau de integração entre
verbo-suporte dar e elemento não-verbal seja maior, esteja o fato de este se apresentar,
tipicamente, com valor [+abstrato], com configuração de caráter [-determinado], com função
[-referencial] a entidades do mundo biossocial e com traço [+quantificação universal] nos
elementos integrantes da classe dos SNs (“dar origem”);
(vii) é possível que a presença de modificadores qualificativos na estruturação de predicador
complexo com verbo-suporte dar seja a configuração que pese mais significativamente para
diminuir o grau de integração entre o verbo-suporte e o SN (“dando importantes
contribuições”); diferentemente, os predicadores complexos em que se percebem os maiores
graus de integração não devem apresentar elementos intervenientes na configuração de seus
SNs; quando isso ocorrer, os elementos intervenientes serão, provavelmente, de natureza
[-determinante], como modificadores intensificadores e artigos indefinidos ou definidos
genéricos (“dar os parabéns”; “dar muita tranqüilidade”);
(viii) acredita-se que a possibilidade de substituição do verbo-suporte dar por um outro verbo
(quase) sinônimo, sem alteração (significativa) do sentido da estrutura compósita,
provavelmente colabora para a diminuição do grau de integração entre os componentes da
perífrase verbo-nominal com dar (dá segurança – passa segurança);
(ix) supõe-se que a possibilidade de substituição do elemento não-verbal da construção com
dar por outro (quase) sinônimo, sem alteração (significativa) do sentido da estrutura
compósita provavelmente contribui para a diminuição do grau de integração entre os
componentes da perífrase (dá ajuda – dá apoio).
29
Com relação ao fenômeno de alternância entre predicadores complexos dar + SN e
formas verbais simples “correspondentes” (cognatas aos SNs encontrados nas perífrases), a
pesquisa desenvolve-se a partir das seguintes hipóteses:
(i) Supõe-se que não se pode considerar que todos os predicadores complexos e predicadores
simples (cognatos aos SNs das perífrases) apresentam o “mesmo significado básico”, visto
que há expressões (como “dá impressão”) que não apresentam o mesmo significado básico da
forma verbal simples cognata ao nome (“imprimir”).
(ii) Provavelmente, haverá diferença em termos de freqüência/probabilidade de uso (ou
percepção de uso) de perífrases com verbo-suporte em função de modalidade expressiva (fala
ou escrita) e de grau de formalidade: os níveis de produtividade de perífrases com dar + SN
serão maiores na fala e em contextos informais/coloquiais, enquanto a maior produtividade
dos verbos simples equivalentes aparecerá na escrita e em situações às quais se atribui algum
grau de formalidade.
(iii) Contextos discursivos em que há maior preocupação em demonstrar riqueza vocabular
não propiciarão o recurso de construções com verbo-suporte dar; diferentemente, em
contextos em que os falantes estão menos tensos, não demonstrarão preocupação dessa
natureza.
(iv) Crê-se que o falante recorra a estrutura (predicadores complexos com dar ou verbos
plenos) que apresente menor extensão silábica.
(v) Quanto ao nível de escolaridade, acredita-se que, quanto maior o nível de instrução, maior
também será a escolha por verbos plenos. Imagina-se que os alunos são aconselhados a
substituir expressões com dar+SN por predicadores simples para demonstrar riqueza
vocabular em seus textos e, com sucessivas recomendações a esse respeito na escola, passam
a ficar atentos a isso.
(vi) Quanto à faixa etária, provavelmente, quanto menos idade tiver o falante, maior será o
emprego de construções dar+SN em relação aos verbos plenos, já que seu arcabouço
vocabular é menos diversificado e a pressão normativa da escola no que tange a seleção
lexical também é menor.
30
1.4 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com testes de atitude
„ Com relação aos testes de atitude que se referem à integração de construções dar+SN nas
quais o verbo já demonstre algum grau de lexicalização, postulou-se a seguinte hipótese geral:
(i) os informantes, ao analisarem estruturas com maior grau de integração entre dar+SN,
provavelmente optarão pela impossibilidade de anteposição do SN, de inserção de elementos
de caráter mais determinante na configuração de SNs incorporados e de substituição do verbo
ou do SN das perífrases.
„
Com relação aos testes relacionados à alternância entre predicadores complexos com dar e
verbos plenos (cognatos aos SNs das perífrases), acredita-se que, em geral,
(ii) os informantes, ao analisarem estruturas que pertençam a situações de registro informal
e/ou à fala, optarão, possivelmente, pelo emprego de predicadores complexos com dar. Além
disso, é provável que os falantes se manifestem quanto à diferença de sentido entre algumas
formas apresentadas.
1.5 Estrutura da dissertação
Após esta introdução, há sete capítulos. No capítulo 2, desenvolve-se uma descrição
sobre o verbo dar com base em gramáticas e dicionários da língua portuguesa e uma reflexão
crítica acerca de aspectos da literatura lingüística que aborda construções com verbo-suporte.
No capítulo 3, expõe-se a fundamentação teórica que norteia a pesquisa, tecem-se
considerações sobre o enfoque funcionalista adotado no estudo da trajetória de
gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) e mais detalhes sobre como a
conjugação das teorias da Gramática Funcional e da Sociolingüística (Sociofuncionalismo)
colabora para fundamentar o estudo da alternância entre construções com dar + SN e verbos
predicadores (cognatos aos SNs das perífrases) de sentido equivalente (dar amor = amar, dar
resposta = responder). O capítulo 4 é dedicado à metodologia de pesquisa e contém
informações a respeito dos corpora utilizados e dos procedimentos para aplicação dos testes
de atitudes, bem como das etapas da investigação. O capítulo 5 concentra a análise e a
interpretação dos materiais relativos ao comportamento lingüístico e às atitudes dos falantes.
Em seguida, destacam-se, no capítulo 6, contribuições da pesquisa para o ensino de Língua
Portuguesa. Por fim, no capítulo 7, encontram-se as considerações finais relativas ao estudo
desenvolvido, seguido pelo capítulo 8, em que são expostas as referências bibliográficas
fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa.
31
2. A DESCRIÇÃO DO VERBO DAR E DE CONSTRUÇÕES COM VERBOS-SUPORTE
2.1 Em algumas obras de orientação tradicional ou descritiva
O conceito de verbo nas obras pesquisadas 2 difere em função do grau de
aprofundamento do assunto no enfoque dado a aspectos semânticos ou sintáticos que
constituem essa categoria. Em Bechara (1999), encontra-se uma definição para verbo
(“unidade de significado categorial que se caracteriza por um molde pelo qual organiza o falar
seu significado lexical” 3 ) que, talvez, ficaria mais clara se, com o auxílio de exemplos,
houvesse a explicação do que se entende por um “significado categorial” e por um
“significado lexical”. O gramático menciona a existência de verbos que possuem significado
amplo e vago, considerando-os ou verbos de cópula ou verbos auxiliares que acompanham
formas nominais de infinitivo, gerúndio ou particípio e formam com estes locuções verbais.
Além disso, expõe as seguintes categorias que existem de acordo com o tipo de flexão dos
verbos: regulares, irregulares, anômalos, defectivos e abundantes. Dar não aparece em
qualquer consideração do autor quanto a verbo, o que faz com que o leitor, tendo em vista as
definições de categorias tratadas nessa obra, considere-o como “irregular” quanto à flexão,
somente como “verbo” em construções com dar + SN/SPrep (por exemplo: dar um lápis –
entregar um lápis, dar origem – originar, dar medo – causar medo ou amedrontar, e dar em
cima – paquerar) e como “auxiliar”, quanto à função, em estruturas do tipo dar de beber, dar
para comprar. Apesar de o autor não ter exposto exemplos com o verbo dar ao demonstrar
algumas aplicações dos verbos auxiliares, acredita-se que, em construções do tipo dar de
beber, esse item verbal possa ser considerado um “auxiliar acurativo” que indica “início de
futuro” e cuja característica é “determinar com mais rigor os aspectos do momento da ação
verbal que não se acham bem definidos na visão geral de tempo presente, passado e futuro” 4 .
Diferentemente, em expressões do tipo dar para comprar, dar seria classificado como
“auxiliar modal” que indica possibilidade e cuja característica é “determinar com mais rigor o
modo como se realiza ou se deixa de realizar a ação verbal” 5 .
2
As obras consultadas foram: as brasileiras Bechara (1999), Borba (1996), Cunha & Cintra (2001), Neves
(2000) e Rocha Lima (1992); e a portuguesa Mateus et alii (2003).
3
Bechara (1999:129)
4
Ibidem, p. 231
5
Ibidem, p. 231
32
Quanto às características do verbo pertencente a um predicado nominal, Bechara (1999)
menciona que esse signo léxico passa por esvaziamento semântico, esvaziamento que se
cumpre com o auxílio de um nome (substantivo ou adjetivo). Além disso, esse tipo de
predicado apresenta a particularidade de concordar o predicativo em gênero e número com o
sujeito, como em: “as meninas são belas”. Comenta que o signo lingüístico que aparece na
função de núcleo costuma ser um nome – substantivo ou adjetivo – e apresenta como
exemplos apenas de estruturas com verbos de ligação. Apesar de adotar essa ótica, não aborda
outras estruturas às quais se podem associar propriedades semelhantes – por exemplo, dar
solução (solucionar), dar tiro (atirar) e dar saltos (saltar) –, que também poderiam ser
vinculadas à definição dada, se, com base nesta, se levasse em conta que tais verbos também
são semanticamente esvaziados, ainda que não completamente 6 , e que o nome adjacente é o
centro semântico do predicador complexo (verbo-nominal).
Rocha Lima (1992:122) utiliza, inicialmente, o critério semântico para a definição de
verbo: “expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres”. Comenta que é “a
parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais”; não fornece,
contudo, exemplos para fundamentar essa explicação, o que pode deixar o leitor um tanto
confuso ao analisar frases como, por exemplo, “Adoro sapatinhos”, em que é possível
perceber a presença de mais acidentes gramaticais de forma no substantivo “sapatinhos”,
devido ao acréscimo do sufixo “inho” e do morfema “s” do que no verbo “adorar”, composto
apenas da desinência número-pessoal “o”. Ao continuar sua explicação, o autor comenta que
o papel dos acidentes gramaticais é fazer com que o verbo exprima cinco idéias: modo,
tempo, número, pessoa e voz.
Assim como em Bechara (1999), em Rocha Lima (1992) há explicações sobre predicado
nominal, aquele cujo núcleo é um nome (substantivo, adjetivo ou pronome). Este gramático
acrescenta a noção de predicado verbo-nominal ou misto: aquele que tem dois núcleos, um
expresso por um verbo intransitivo ou transitivo e o outro indicado por um nome, chamado
também de predicativo, como nos exemplos “O trem chegou atrasado” e “A Bahia elegeu Rui
Barbosa senador”.
6
Machado Vieira (2004:93) esclarece que o verbo de ligação também não deve ser considerado totalmente
esvaziado de significado, pois “contribui para a significação da estrutura perifrástica, uma vez que a permuta de
um operador semi-gramatical por outro altera o significado da expressão, conforme mostram os exemplos
(permanência, em SER, versus transitoriedade, em ESTAR, da propriedade atribuída; o caráter permansivo
decorrente do uso de CONTINUAR; o matiz de hesitação/aparência (“modalização”) da predicação em virtude
da opção por PARECER)”.
33
Rocha Lima (1992:250) rotula de “conglomerados” as construções formadas por verbo
+ objeto direto que “equivalem muitas vezes a verbos simples: ter medo a (= temer), ter amor
a (= amar), fazer guerra a (= guerrear), pôr freio a (= refrear), etc”. Logo, apesar de
considerar a existência de verbo transitivo ou intransitivo em um predicado verbo-nominal, e
não apenas o verbo de ligação, não trata devidamente a existência de predicadores complexos
formados por verbo + elemento nominal, em que este, apesar de não ser um predicativo do
sujeito, partilha com o verbo a função de núcleo da predicação, como em “A menina deu
telefonemas para a mãe” ou em “Todos têm medo da violência”.
O verbo é “uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um
acontecimento representado no tempo”, de acordo com Cunha & Cintra (2001:379). Tal
definição pauta-se no aspecto morfológico e, principalmente, no aspecto semântico. Nem
sempre é possível generalizá-la para todos os casos de frase verbal, pois em orações do tipo
“Eu sou brasileira”, não pode ser considerado algo “que se passa”, um “acontecimento
representado no tempo”, mas apenas um estado. Os autores também recorrem ao aspecto
sintático ao afirmar que o verbo possui “função obrigatória de predicado” 7 e esclarecem que
nem todo núcleo de predicado é verbo, pois adjetivos e substantivos também podem
desempenhar essa função.
Ao tratar de predicação verbo-nominal, os autores, em geral, ignoram a função de
núcleo do elemento nominal em construções perifrásticas cujos nomes não são predicativos
do sujeito, mas auxiliam o verbo a selecionar argumentos (dar tiros, por exemplo). Por
conseguinte, definem apenas três tipos de verbos quanto à função: (i) verbo principal – “um
verbo de significação plena, nuclear de uma oração” 8 , (ii) verbos de ligação – “servem (sic)
para estabelecer a união entre duas palavras ou expressões de caráter nominal (...) um elo
entre este (o sujeito) e o predicativo” 9 , e (iii) verbo auxiliar – “desprovido total ou
parcialmente da acepção própria, se junta a formas nominais de um verbo principal,
constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos especiais.” 10 . Logo, o
verbo dar nas construções do tipo dar socos teria de ser classificado como “verbo principal” e
nas expressões do tipo dar de cantar ou dar para viver como “verbo auxiliar”. Neste caso, o
fato de os autores não considerarem graus de auxiliaridade verbal conduziu à classificação de
7
Cunha & Cintra (2001:379)
8
Ibidem, p.387
9
Ibidem, p.133
10
Cunha & Cintra (2001:387)
34
dar, em tais complexos, como verbo auxiliar (à semelhança do que ocorre com ter e haver em
estruturas de tempo composto) e não como verbo semi-auxiliar, com base em parâmetros
abordados, por exemplo, por Machado Vieira (2004).
Neves (2000) denomina predicados 11 as palavras da língua que designam propriedades
ou relações. Afirma que o predicado “se aplica a certo número de termos que se referem à
entidades, produzindo uma predicação que designa um estado de coisas, ou seja, uma
codificação lingüística que o falante faz da situação” 12 . A autora afirma ainda que a estrutura
da predicação pode transferir-se “também para o nível interno da oração, em torno de nomes
que têm força predicativa, como, por exemplo, remessa, que constitui um predicado ao qual
se podem aplicar, por sua vez, os termos Poder Executivo, texto e Congresso Nacional, como
em remessa do texto ao Congressso Nacional pelo Poder Executivo. 13
Ao afirmar que verbos, em geral, “constituem os predicados das orações”, a abordagem
de Neves (2000:25) assemelha-se à de Cunha & Cintra (2001). Quanto à transitividade verbal,
a autora destaca as seguintes classes principais de verbos: (i) verbos cujo objeto sofre
mudança no seu estado; (ii) verbos cujo objeto não é um paciente afetado; (iii) verbos que
possuem um complemento não-preposicionado (objeto direto) e um complemento
preposicionado, (iv) verbos que têm complementos oracionais e (v) verbos-suporte. Considera
os verbos-suporte “verbos de significado bastante esvaziado que formam, com seu
complemento (objeto direto), um significado global, geralmente correspondente ao que tem
um outro verbo na língua” 14 . Utiliza, em seus exemplos, as seguintes construções com dar:
“dar um grito”, “dar um riso”, “dar um beijinho”, “dar um chute” e “dar uma investida”.
Menciona que os verbos das construções com verbos-suporte podem funcionar como verbos
plenos quando apresentam uma alta carga de significação e possuem como complemento um
sintagma nominal referencial, como nos exemplos: “A molecada dava o grito de alerta (...)”
(= emitir o grito), “Eu não lhe dera a cacetada pelas costas” e “(...) Matatu deu-lhe uma
facada no peito”. Não se compreende muito bem o motivo pelo qual a autora considerou os
dois últimos exemplos (dar a cacetada e dar uma facada) como “verbo pleno”. A autora não
11
O termo predicado usado pela autora (com acepção semelhante à de “predicador” apresentada neste estudo)
tem significado distinto do normalmente usado por gramáticas normativas que explicam esse conceito afirmando
que há três tipos básicos de predicados: verbal, nominal e verbo-nominal. Por exemplo, em Rocha Lima
(1992:238): “o predicado verbal, que exprime um fato, um acontecimento, ou uma ação, tem por núcleo o verbo,
acompanhado, ou não, de outros elementos.”.
12
Neves (2000:23)
13
Ibidem, p. 24
14
Ibidem, p. 53
35
demonstra a “alta carga de significação” desse verbo nos contextos apresentados.
Diferentemente, acredita-se que, nessas construções, o verbo dar está esvaziado
semanticamente (perdeu a noção primária de transferência de algo concreto), age sobre o
elemento nominal, conferindo-lhe função predicante e com ele formando um todo
significativo, ou seja, possui as características de verbo-suporte.
A autora também salienta a existência de “outros tipos de construções com verbo
semanticamente esvaziado + objeto que podem manter relações de paráfrase com os verbos
simples, mas que não constituem verbos-suporte por serem expressões fixas,
cristalizadas” 15 , como: faz parte, faz idéia, faz questão, faz sucesso. Tal observação pode ser
passível de questionamentos, visto que não são informados os critérios com base nos quais a
autora se pautou para decidir se uma expressão é cristalizada ou não. Inclusive, a autora
utiliza o exemplo “Eu também faço parte do fã-clube do Giovane.” 16 para ilustrar uma
construção com verbo-suporte que gera um significado não-idêntico ao da construção com
verbo pleno (participar), ou seja, vale-se de uma mesma estrutura como exemplo ora de
construção cristalizada, ora de construção com verbo-suporte. Por isso, talvez seja necessário
rever a noção de expressão fixa e, conseqüentemente, a aplicação do conceito de verbosuporte para tais estruturas. Neves (2002) já propõe um continuum de estruturas verbo +
objeto cujos extremos seriam expressões cristalizadas, sem qualquer liberdade sintática entre
seus constituintes e verbos plenos + nomes complementos, totalmente livres e com formação
pouco previsível. As construções no entremeio desse continuum são as de verbo-suporte, que,
segundo a autora, são compostas de um verbo com determinada natureza semântica básica e
de um sintagma nominal que, além de configurar o sentido do todo, determina os papéis
temáticos da predicação. No intuito de distinguir as construções com verbo-suporte das
construções cristalizadas/lexicalizadas, a autora enfoca, por meio de testes, a possibilidade de
substituição dos componentes da estrutura, da própria construção e a possibilidade de
mobilidade do SN, entre outros fatores. No entanto, Basílio et alii (2003:146) concluem que
esses testes servem, na verdade, para detectar o nível de coesão entre os elementos de uma
expressão e que há certas construções “não completamente cristalizadas” que são menos
flexíveis.
15
Neves (2002:54)
16
Ibidem, p. 60
36
Duarte (2003) classifica os verbos quanto ao papel que desempenham, baseando-se nas
propriedades de seleção categorial de cada item lexical verbal. Entre as categorias verbais
descritas, enfoca os verbos plenos e verbos leves (ou verbos-suporte).
Ao tratar dos verbos plenos, a autora utiliza um aspecto semântico, denominando-os
núcleos semânticos da oração, ou seja, “núcleos lexicais plenos, caracterizados por
determinadas propriedades de seleção semântica (número de argumentos e respectivo papel
temático) e sintática (categoria de cada argumento e relação gramatical que assume na
oração)” 17 . Ilustra essa categoria com o seguinte enunciado com verbo dar: “O João deu um
livro ao Pedro”. A autora procura distinguir de forma clara os verbos “plenos” dos verbos
“leves”. Afirma que estes “sofrem um processo de esvaziamento lexical – gramaticalização –
que permite que o centro semântico da frase se desloque para expressão nominal” 18 que o
acompanha. Acrescenta, ainda, que a grelha argumental que o verbo tem como verbo pleno
permanece, o que mostra que o esvaziamento lexical não é completo. Demonstra alguns
exemplos em que o verbo leve é trivalente e a expressão nominal e a expressão
preposicionada podem ser cliticizáveis: O João deu-lhe uma contribuição decisiva ao debate
Æ Foi [uma contribuição decisiva ao debate] que João deu. Quanto à visão da autora de
considerar o elemento nominal que acompanha o verbo-suporte um objeto não parece
coerente, já que, diferentemente de um objeto direto prototípico, auxilia o verbo na atribuição
dos papéis temáticos e é o núcleo semântico do predicador complexo do qual faz parte. Por
isso, na verdade, pode ser considerado um pseudo-objeto (MACHADO VIEIRA, 2001).
A autora somente trata de construções com verbo leve dar que apresentam uma situação
eventiva do tipo transferencial, desconsiderando construções como dar pulos e dar baixa, que
apresentam valor genérico de atividade, sem reter valor de transferência.
Borba (1996:75) considera verbos plenos aqueles que “semanticamente têm significação
lexical e sintaticamente ocupam o núcleo do predicado num sintagma verbal”. Acrescenta que
um estudo mais abrangente sobre os verbos deve levar em conta os funcionais, os modais e os
substitutos. Insere, no conjunto de verbos funcionais, os auxiliares e os verbos-suporte. Estes
são considerados funcionais por serem suportes de categorias gramaticais, como modo,
tempo, pessoa, número e aspecto. Menciona também que são verbos que, ao se tornarem
“vazios de sua significação léxica, compõem sintagmas verbais complexos introduzindo
17
Duarte (2003:296)
18
Ibidem, p. 312
37
predicados nominais cujo núcleo é um nome/adjetivo” 19 . Além disso, afirma que há verbossuporte que se associam a um sujeito causativo e são, por isso, chamados de verbos-suporte
causativos. Exemplifica este tipo com a seguinte oração: “Tempestades dão medo
(= amedrontam)”. Logo após, afirma que os causativos são causar, seus equivalentes
(ocasionar, acarretar, etc) e também dar, fazer, pôr diante de nomes abstratos que designam
sensações que se ligam a alguma causa (“Aquela caratonha causava (dava, metia, fazia) medo
(pavor, espanto, repulsa)” e “Certas músicas dão alegria (tristeza, angústia, entusiasmo)”.
Observando construções com verbo dar causativo, é possível depreender duas análises
um tanto distintas. A primeira, da mesma forma que Borba (1996), seria considerá-lo um
verbo-suporte, por, além de ser esvaziado de significado e de estar seguido de um elemento
nominal que é núcleo da predicação, ter papel de verbalizar este elemento, fazendo com que
seja formado um todo significativo. A segunda interpretação levaria a considerar que o
significado de dar causativo não está esvaziado, já que possui a acepção de “causar”. É,
portanto, uma extensão de sentido do verbo predicador pleno dar (único núcleo da predicação
com valor transferencial) e, por isso, poderia ser considerado um “verbo predicador nãopleno”, categoria que será detalhada no capítulo 5. Conclui-se que a possibilidade da dupla
interpretação sinaliza a necessidade de se perceber que, no processo de categorização verbal,
se deve pressupor a existência de categorias híbridas que flutuam num continuum cujos
extremos são verbo pleno e verbo-suporte.
Percebeu-se, nesta seção, que as gramáticas de orientação tradicional/prescritiva
consultadas encaminham descrições semelhantes em virtude de não considerarem outra
categoria para o verbo dar que não seja a de verbo principal nas estruturas dar + SN. Apenas
obras de orientação teórico-descritiva já apresentam a categoria verbo-suporte, apesar de se
pautarem em observações ainda superficiais em alguns aspectos, que geram novos
questionamentos.
Ademais, ressalta-se que a maioria das gramáticas que tratam verbos predicadores como
“plenos” engloba nesta categoria não só os verbos que podem, de fato, ser chamados de
predicadores plenos: “Eu dei minha casa” (verbo predicador pleno – valor transferencial),
mas também aqueles que, apesar de poderem apresentar a mesma grelha argumental do verbo
predicador pleno, são uma extensão de sentido deste, como nos exemplos: “Deu/Deram cinco
horas da tarde e eu ainda estava na fila do supermercado” (verbo predicador não-pleno –
19
Borba (1996:78)
38
acepção: bater) e “Temos de dar algum jeito de pagar as dívidas” (verbo predicador nãopleno – acepção: arrumar).
2.2 Em alguns dicionários
Na análise de como alguns dicionários 20 da língua portuguesa lidam com a
categorização de dar, observa-se que apenas duas obras brasileiras, Houaiss (2001) e Borba
(1990), citam o fato de dar poder pertencer à categoria de verbo-suporte. As demais obras
somente apresentam dar como um elemento da categoria mais geral de “verbo”. Sendo assim,
nesta seção não se levam em conta diferenças do comportamento léxico-gramatical de desse
item em exemplos do tipo “dar o lápis” (≈ entregar o lápis), “dar vantagem” (≈ gerar
vantagem), “dar amor” (≈ fornecer amor/amar) e “dar pulos” ( ≈ pular).
É comum, nas obras analisadas, a exposição de expressões lexicalizadas em subentradas. Constatou-se, no entanto, que não há um consenso em relação ao que se concebe
como expressão idiomática, pois há construções dar + SN tratadas em qualquer obra como
idiomáticas e há outras que, a depender do dicionário, ora são consideradas acepções do verbo
predicador dar, ora são interpretadas como estabilizadas idiomaticamente.
Em Houaiss (2001:910), encontram-se, no verbete dar, alguns esclarecimentos de
natureza gramatical. Inicialmente, o autor afirma que esse verbo, em algumas acepções,
funciona como verbo pleno, “com seu próprio significado (p. ex., dá um documento a um
funcionário = passá-lo às suas mãos)”. Logo após, explica que tal item também pode ser
considerado verbo-suporte, “constituindo, com o substantivo (que na gramática tradicional é
seu objeto direto), um todo semântico (p.ex., dar um abraço = abraçar)”. Ainda menciona que,
por sua importância, diversas outras acepções de dar usadas como verbo-suporte estão
registradas no corpo do verbete.
A partir da tabela abaixo, é possível tecer algumas considerações sobre como Houaiss
(2001) organiza algumas construções dar + SN no verbete.
20
As obras pesquisadas foram: os dicionários brasileiros Borba (1990), Fernandes (1998), Freire (1954),
Michaelis (1998) e Houaiss (2001); e os dicionários portugueses Caldas Aulete (1925) e Bivar (1948).
39
O autor apresenta diversas construções com verbo-suporte ao longo de acepções com
dar (cf. expressões em itálico), o que está de acordo com o que afirma na parte que se destina
aos comentários sobre gramática.
As construções destacadas em negrito podem ser consideradas totalmente lexicalizadas,
pois não é possível compreender seu sentido pelo conhecimento do significado literal do
verbo e do SN que as compõem. Nota-se que há uma incoerência na opção pela exposição
dessas expressões no corpo do verbete, como se fossem acepções de dar, pois, na verdade,
devido à idiomaticidade que as caracteriza, tais expressões deveriam ser alocadas em subentradas após as demais acepções dos itens, assim como outras perífrases lexicalizadas: dar
duro e dar-se mal. Observa-se também que as expressões sublinhadas do quadro não são
totalmente lexicalizadas 21 , pois um de seus componentes (no caso, o verbo dar) preserva,
ainda que metaforicamente, o seu significado original (dar – noção de transferência),
enquanto o outro (sintagma nominal) apresenta significado opaco, ou seja, diferente do literal.
Acepções e exemplos de DAR – Houaiss (2001)
2.2 bit. Aceitar pôr (algo) à disposição ou ao alcance
de; oferecer, conceder
“deu-lhe sua palavra”
“deu trela a uma vizinha”
2.3 bit. E pron. sacrificar livremente ou totalmente (a si “dava seu sangue por aquele
mesmo, ou o seu tempo, atividade, energia, ou
projeto”
atenção) por; entregar(-se) esp. por algo de grande
“dava vida por uma causa”
importância ou transcendência”
2.6 t.d.bit. transmitir, comunicar, participar, informar, “d. parte à polícia”
notificar, fornecer, expor.
“d. instruções a criados”
“d. conhecimento à diretoria”
3.6 t.d efetuar, executar, praticar (um movimento
corporal)
“d. um pulo”, “d. um passo em
falso”, “d. um impulso com os pés”,
“dá um sorriso”
3.17 bit. Conceder como direito ou privilégio
“d. ouvidos a uma intriga”
3.18 t.d.bit.dar expressão a, manifestar, expressar
“gosta de d. opiniões”, “d. palpites”,
“não nos deu nenhum conselho”
3.24 bit. Indicar (o que fazer) a (alguém)
“d. ordens aos criados”
Quadro 1: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete
(HOUAISS, 2001)
21
No presente estudo, optou-se também por denominar “semi-lexicalizada” esse tipo de expressão.
40
Borba (1990) distribui as acepções de dar 22 , semanticamente, em cinco tipos,
apresentando a configuração sintática e semântica (número e tipos de argumentos)
correspondente a cada acepção: (i) ação-processo (doar, ministrar, ceder + nome concreto: dei
a ele esse rifle.) (ii) processo (tornar: daria um bom padre), (iii) ação (emitir: dar um palpite),
(iv) estado (ter boas relações: eu me dou bem com todos); e (v) verbalizador (dar agasalho:
agasalhar). Logo após a apresentação de todas as acepções de dar, o autor expõe, em uma
sub-entrada, expressões idiomáticas.
Para o presente estudo, destaca-se o tipo “verbalizador” que, segundo Borba (1990),
pode ser: (i) de ação ou ação processo (dar grito = gritar, dar agasalho = agasalhar, dar
notícias = noticiar) e (ii) causativo (dar pena, dar impressão, dar nojo, expressões cujo verbo
pode ser substituído por causar 23 ). Nota-se que o autor expõe somente expressões com o
verbo-suporte dar que apresentam um predicador cognato equivalente, como “dar grito –
gritar” e “dar mostra – mostrar”.
Pelo quadro 2, é possível constatar que a escolha da estrutura “dava felicidade” para
exemplificar uma acepção de verbo predicador é incoerente, já que poderia ser considerada
um caso típico do que o autor denominou “verbo-suporte causativo” (dava felicidade =
causava felicidade). Já as estruturas em itálico e sublinhadas são passíveis de dupla
interpretação (dar beijo – beijar e transmitir/passar um beijo; dar notícia – noticiar e
transmitir/passar a notícia; dar um palpite – fornecer um palpite e palpitar) e, por isso, o
lexicógrafo teve de escolher entre mantê-las como exemplos de construções com verbo
predicador ou considerá-las verbo-suporte. Acredita-se que o autor deveria ter optado por
considerar dar, nas três estruturas, como um tipo apenas (preferencialmente, como verbosuporte); no entanto, não se compreende o motivo da definição de “dar notícia” como
exemplo de construção em que dar é verbalizador (verbo-suporte) e “dar beijo” e “dar
palpite” como estruturas em que o verbo é predicador.
Quanto às expressões idiomáticas, foram encontradas expressões semi-lexicalizadas (cf.
expressões sublinhadas no quadro a seguir). Nelas, o verbo dar indica noção transferencial,
ainda que metafórica. As demais construções idiomáticas com dar apresentaram-se totalmente
lexicalizadas; ou seja, não é possível depreender o sentido da expressão pela soma dos
significados literais dos componentes que as formam (cf. expressões em negrito).
22
Consideram-se apenas as acepções de dar que podem ser apresentadas em estruturas do tipo dar + SN.
23
Cf. comentários acerca de Borba (1996) na seção anterior.
41
Não se compreende o motivo pelo qual Houaiss (2000) e Borba (1990), ao definirem
verbo-suporte, não consideram essa categoria como componente de expressões idiomáticas.
Questiona-se essa posição devido ao fato de o verbo, nessas construções, já apresentar algum
grau de esvaziamento semântico, ser suporte de categorias gramaticais como modo, tempo,
número e pessoa, além de compartilhar com o SN a função de projetar papéis temáticos aos
argumentos do predicador complexo que constituem.
Acepções
I. Indica ação-processo
Exemplos
aquilo me dava felicidade”
1.2 Com dois complementos um expresso por nome
abstrato e outro, destinatário, da forma a + nome
humano, significa
1.2.3 proporcionar, permitir
1.5 Com dois complementos: um expresso por
nome não-animado e outro da forma em + nome
animado, significa aplicar
Nunca dera um beijo
III. Indica ação
O arquiteto ia dar um palpite
2. Com sujeito agente expresso por nome humano e
2.1 Com complemento expresso por nome abstrato,
significa emitir, enunciar
53. Dar parte = denunciar algum crime ou delito
cometido por, queixar-se
Depois vão dar parte contra mim.
70. Dar voz: ordenar
Os comandantes davam voz de olhar
à esquerda.
15. Dar bode: provocar confusão, causar problemas Isso vai dar bode!
13. Dar baixa: terminar serviço militar, despedir-se Eram soldados que acabavam de dar
dele ou ser despedido
baixa
Quadro 2: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete
(BORBA, 1990)
O dicionário português Caldas Aulete (1925) expõe a seguinte observação sobre o
comportamento de dar :
(Obs.) O verbo dar junto com alguns nomes tem um emprego muito geral em
substituição dos verbos derivados desses nomes ou de que esses nomes derivam;
assim: dar benção, abençoar; dar um passeio, passear; (...) dar saltos, saltar; dar
feitiço, enfeitiçar; dar batalha, batalhar; etc.; e, por analogia com outros nomes que
não (grifo nosso) têm verbo cognato, como dar um nó, atar; dar passos, andar (...)
dar a vida, dar baixa, dar sorte, dar cabo (...) (pág.: 940)
42
Entende-se que, ao afirmar que o verbo dar apresenta “emprego muito geral”, o autor
demonstra perceber o esvaziamento semântico de dar, seu caráter instrumental tanto em
construções que possuem equivalente cognato ao SN das expressões quanto naquelas que não
apresentam equivalente cognato e que são lexicalizadas. Logo, apesar de ter sido lançado no
início do século XX, essa interpretação está de acordo com a tese de que podem ser
considerados como verbos-suporte (“de emprego muito geral”) aqueles pertencentes a
construções lexicalizadas dar + SN.
O quadro abaixo ilustra construções com verbo-suporte dar não lexicalizadas (cf.
expressões em itálico), semi-lexicalizadas (cf. expressão sublinhadas) e totalmente
lexicalizadas (cf. expressões em negrito) encontradas no corpo do verbete em Caldas Aulete
(1925).
Acepções
Expressões com verbo-suporte dar
Comunicar, participar
Dar uma notícia
Impor, ditar, prescrever
Aceitou-as dessa vez por cortesia, mas dando
ordem que fossem entregues ao feitor.
Mostrar, executar para ser presenciado.
Dar mostra ou mostras, demonstrar
Fazer saber, anunciar, noticiar
E lhe ordenou que viesse dar-lhe parte da
chegada de Margarida. (Corvo)
Facultar, deixar livre, abrir
Dar passagem, dar lugar
Quadro 3: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete
(CALDAS AULETE, 1925)
Em Bivar (1948), destaca-se o fato de a expressão dar nome encontrar-se na subentrada destinada a expressões idiomáticas, o que se considera uma incoerência, visto que é
possível depreender o que significa por seus componentes (dar = fornecer; nome = título). O
verbo dar, nessa construção, pode ser considerado como verbo-suporte (nomear) ou como
verbo predicador (= fornecer/atribuir nome/título). Como o autor não menciona a categoria de
verbo-suporte, o mais coerente seria alocar a construção no corpo do verbete. A construção
semi-lexicalizada dar fim (acabar, liquidar) também aparece nessa sub-entrada. Entende-se
que o SN desta expressão preserva seu significado literal, auxiliando a compreensão do
sentido da perífrase, enquanto o verbo-suporte dar está completamente esvaziado de
significado. Não foram detectadas, no verbete, expressões totalmente lexicalizadas.
Observa-se que, em Fernandes (1998), Michaelis (1998) e Freire (1954), a construção
“dar liberdade” é considerada expressão idiomática. No entanto, não há grau algum de
lexicalização nessa estrutura, uma vez que o significado da unidade verbo-nominal pode ser
43
depreendido de ambos constituintes. Ademais, tais lexicógrafos consideram como expressões
idiomáticas tanto construções com grau intermediário de lexicalização (dar parte – denunciar
e dar salto – saltar) quanto perífrases em que o grau de lexicalização é maior (dar conta e dar
cabo).
2.3 Em estudos lingüísticos
Lapa (1973:62-63), no capítulo destinado à fraseologia, trata de algumas construções
com ter, demonstrando que, na oração “Esse homem tem fortuna”, “ter fortuna” pode ser
considerado uma locução fraseológica que corresponde a “ser rico”. O verbo ter, ainda que
metaforicamente, conserva o significado de possuir; além disso, não há qualquer distinção
entre significado de fortuna e a acepção de riqueza. Portanto, ambos elementos não perderam
sua independência por completo. Diferentemente, no exemplo “Tem cuidado, não vás lá!”,
apesar de cuidado preservar seu significado básico, o verbo ter já varia de sentido, o que é
comprovado com a possibilidade de substituição por “tomar”. Considera, portanto, que a
coesão entre verbo e SN é absoluta e, por isso, a construção pode ser denominada unidade
fraseológica.
Acerca do verbo dar, o autor ressalta seu papel importante na formação de locuções e
observa que, “a maior parte das vezes, um verbo simples pode substituir-se por um grupo
fraseológico portador do mesmo significado” e que “o verbo dar presta-se sobretudo a isso
(acreditar = dar crédito; combater = dar combate)” (LAPA, 1973:66). Ressalta, ainda, que
outros nomes podem acompanhar o verbo dar, formando uma série perifrástica (dar pontos =
coser; dar esperanças = prometer; dar indícios = revelar; dar às pernas = correr, etc.).
Quanto aos efeitos do emprego de formas perifrásticas, o autor destaca, no trecho
abaixo, algumas funções discursivas alcançadas por seu uso:
... esta constituição de formas perifrásticas tem duplo valor: permite variar o estilo,
evitando repetições, e adoça ainda a crueza de certos verbos simples. A perífrase
vale como uma espécie de eufemismo: (...) dar crédito atenua um pouco a idéia de
acreditar. (LAPA, 1973:65, grifo nosso)
Ademais, Lapa (1973:66) enfatiza a relação entre mudança da configuração sintática e
alteração de sentido. Seguem abaixo alguns exemplos que o autor menciona com dar:
44
Dar motivo = ter como conseqüência (1)
≠
Dar por motivo = dar como causa (2)
1. Isso deu motivo a que ele o pusesse fora de casa.
2. Faltou, dando por motivo a sua pouca saúde.
Acerca dos exemplos (1) “Vê se dás o lugar a teu irmão” e (2) “O caso deu lugar a que
desconfiassem dele”, o autor apenas menciona sobre a coesão das construções – a segunda,
sem artigo, é a mais coesa. Acrescenta-se à observação do autor o fato de a ausência do artigo
implicar outro significado, visto que, no exemplo (1), a acepção de dar pode ser semelhante à
de “ceder”, em um contexto comunicativo em que um irmão deixe o outro sentar em seu
lugar, enquanto, no exemplo (2), “lugar” pode ser substituído por “motivo/razão” para a
desconfiança de alguém.
Percebe-se, portanto, que, apesar de Lapa (1973) não usar o termo verbo-suporte e de
não fazer uma análise sintática acurada, tece importantes observações acerca do
comportamento dessas construções, principalmente, por já enfatizar alguns efeitos de seu uso.
Portela (2004) investiga a variação existente entre formas perifrásticas com verbossuporte dar, fazer e ter (dar medo, fazer pesquisa, ter orgulho) e verbos plenos cognatos
(temer, pesquisar, orgulhar-se) em dados orais de falantes cultos e não-escolarizados. Alguns
dos principais resultados encontrados referem-se ao grau de escolaridade, ao grau de
formalidade da situação comunicativa, à influência dos elementos intervenientes nas
perífrases, e aos resultados de testes de atitude.
Nesse estudo, não se confirmou a hipótese de que o falante culto tenderia a usar menos
perífrases do que os falantes não-escolarizados. Portela (2004:94) concluiu, portanto, que o
principal motivo desse resultado é o fato de o fenômeno “não possuir caráter estigmatizante”.
Quanto ao grau de formalidade, a autora demonstra que a opção por perífrases em
elocuções formais ocorre com menos freqüência do que o uso de verbos plenos
correspondentes (dados pertencentes à década de 70). Defende que tal resultado se deve à
relação assimétrica entre os participantes do discurso formal.
Acerca do “peso” dos elementos intervenientes, os resultados obtidos demonstram que,
nas perífrases, a ausência de elementos intervenientes (fazer confusão, dar opinião, ter
preocupação) e a presença de artigo indefinido (fazer uma análise, dar um beijo, ter um
encontro), de artigo definido (fazer a cobrança, dar a definição, ter o controle) e de outros
elementos (advérbios e adjetivos) estão em ordem decrescente na escala de condições que
favorecem perífrases em lugar de verbos plenos. A partir desse resultado, a autora produz uma
45
escala de afastamento de sentido entre verbos plenos e perífrases. Tal escala abarca as
seguintes estruturas que serão apresentadas na ordem de maior para menor nível de
semelhança com os verbos plenos cognatos: (i) verbo suporte + nome (fazer pesquisa/ dar
ajuda/ ter importância); (ii) verbo-suporte + artigo indefinido + nome (fazer uma pesquisa/
dar uma ajuda/ ter uma importância); (iii) verbo-suporte + artigo definido/pronome
demonstrativo + nome (fazer a pesquisa/ dar a ajuda/ ter essa importância); (iv) verbosuporte + pronome indefinido + nome (fazer muitas pesquisas/ dar pouca ajuda/ ter tanta
importância), (v) verbo-suporte + artigo indefinido + nome + adjetivo (formador de
advérbio) (fazer uma pesquisa rápida/ dar uma ajuda ostensiva/ ter uma importância
verdadeira), (vi) verbo-suporte + artigo indefinido + adjetivo (não formador de advérbio) +
nome (fazer uma pesquisa chata/ dar uma boa ajuda/ ter uma importância grandiosa), e (vii)
construções de significado não-idêntico (fazer a janta/ deu confiança/ ter dúvida).
Portela (2004) também desenvolveu um tipo de teste de atitude em que explicitou uma
situação (um discurso em um congresso) e requisitou aos informantes (alunos da graduação)
que demonstrassem suas opiniões acerca do emprego das estruturas perifrásticas e dos verbos
plenos equivalentes (dar início/iniciar; ter interesse/interessar; e fazer pesquisa/pesquisar). A
autora constatou três tipos de respostas: (i) a favor dos verbos plenos (devido ao seu maior
grau de formalidade e objetividade, adequado à situação comunicativa de discurso); (ii) a
favor das perífrases (devido ao fato de serem mais usuais e corriqueiras, adequadas para
atingir uma grande quantidade de pessoas); e (iii) a favor das duas formas alternantes (as duas
apresentam o mesmo significado).
Gomes (2005) trata, a partir de pressupostos teóricos da Gramática Gerativa, de
construções com os verbos-suporte (ou verbos leves, como o autor os denomina) ter, dar e
fazer. Pretende demonstrar em seu artigo que os “verbos leves são semanticamente vazios,
privados de recursos de predicação e tem (sic) a possibilidade de atribuir papéis temáticos a
seus argumentos.” (GOMES, 2005:35). No entanto, chama a atenção a seguinte afirmação
feita na explicação da seção “Os verbos leves em português” (p.38): “Como os verbos leves
não têm uma estrutura argumental, eles não podem atribuir papel temático.”. Em um primeiro
momento, devido a tais incoerências, não se sabe muito bem o que o autor pretende defender,
mas, no decorrer de seu texto, fica mais claro que o autor não acredita que o verbo leve exerça
qualquer papel na projeção de argumentos:
(...) são chamados semanticamente vazios, que, em geral, se associam a um
elemento nominal, responsável pelo significado principal da sentença. Tal estrutura
pode ser considerada um composto verbal intransitivo. (GOMES, 2005:37)
46
A seguir, eis alguns exemplos com verbo dar presentes no artigo:
(1) Roberto deu um beijo na mãe.
(2) Humberto deu uma paulada no bandido.
(3) Nataniel deu um boot no computador.
(4) Esmeralda deu um presente ao marido.
(5) Elza deu a vassoura ao Murilo.
(6) Ricardo deu uma varrida na casa.
Segundo Gomes (2005:38), nos exemplos (4) e (5), dar é o núcleo da predicação e, por
isso, atua como verbo lexical regular, análise compartilhada pela que se propõe nesta
dissertação. Acerca do exemplo (1), afirma “é o SN beijo que exige e dá uma interpretação ao
SN mãe”; e completa alegando que o mesmo ocorre com o exemplo (6). Conclui-se, portanto,
que “varrida” exige e dá uma interpretação ao SN a casa. As características dos exemplos (2)
e (3) não são comentadas no artigo.
Não se compreende como “beijo”, um SN não predicante (diferentemente de, por
exemplo, necessidade (de algo); sugestão (de algo)), “exige e dá uma interpretação ao SN
mãe”. Diferentemente, compreende-se que, em dar um beijo na mãe, o verbo dar não se
apresenta totalmente esvaziado de significado, pois a noção de transferência, ainda que
metafórica, existe. Ademais, funciona como um verbalizador do SN (ou seja, possui papel
semelhante ao do morfema -r em beijar), o que faz com que a estrutura se torne um
predicador complexo, e, sendo assim, dar partilha com o SN (beijo) a função de projetar
argumentos e atribuir-lhes papel temático (ou seja, não é somente o SN “beijo” que “exige” o
argumento “mãe”). Além disso, o SN passa a ser o núcleo semântico da perífrase. Quanto ao
exemplo deu uma varrida, o verbo dar apresenta-se totalmente esvaziado de significado e, por
isso, indica a noção de ação do predicador complexo. Compartilha a função de núcleo
sintático da predicação com o SN (varrida) e este se torna o seu núcleo semântico.
Quanto às construções idiomáticas com o verbo dar, o autor afirma que
têm uma estrutura diferente dos verbos leves, sendo, portanto, pouco produtivas na
língua, com muitas restrições em suas composições. A significação não se dá
simplesmente pela união de significado dos termos. Na verdade, elas não têm nada
a ver com o sentido das palavras envolvidas. (GOMES, 2005:38)
47
Com base nos exemplos (1) não dar a mínima, (2) dar em nada, (3) dar com os burros
n’água, e (4) dar pano pra manga, o estudioso conclui: “o verbo dar nas construções do tipo
leve exercem uma função distinta de dar nas expressões idiomáticas.” (p.38). Logo, o autor
compreende que as construções idiomáticas são diferentes daquelas compostas por verbos
leves devido ao fato de os elementos dessas construções apresentarem sentido distinto do
literal. No entanto, tal característica não impede que o verbo dar funcione como verbosuporte, nem que o SN (seja qual for) seja o núcleo semântico da predicação, ainda que tenha
seu sentido modificado. Ou seja, em construções idiomáticas, dar apresenta-se com
esvaziamento lexical e partilha, com o SN, a função de projetar argumentos e atribuir-lhes
papel temático, enquanto o SN passa a ser o componente semântico principal da perífrase.
Além disso, sobre a observação de que essas estruturas “não têm nada a ver com o sentido das
palavras envolvidas”, estudos como o de Esteves et alii (2006) demonstram que há graus
distintos de lexicalização de estruturas com verbos-suporte ter, dar e passar. No estudo,
constatou-se que o parâmetro “grau de congelamento semântico dos componentes dos
predicados complexos” indica que as estruturas são semi-lexicalizadas quando apenas um de
seus componentes apresenta sentido idiossincrático (passar a frente, dar crédito, ter uma
vida), enquanto podem ser consideradas lexicalizados os predicadores complexos que
possuem ambos elementos com sentido distinto do literal (dar conta, dar baixa).
Ao final da seção, Gomes (2005) afirma que o verbo dar tem três usos distintos: (i) uso
idiomático; (ii) verbo leve; e (iii) verbo lexical regular.
Allan (1998) apresenta um estudo sobre verbos delexicais (delexical verbs) e os graus de
dessemantização. O autor comenta que o termo verbos delexicais refere-se
a um pequeno grupo de verbos transitivos comuns que têm como seu objeto um
substantivo que também pode ser usado como um verbo (...) As estruturas
delexicais são parte de um sistema que permite diferentes conceptualizações de
uma situação dada. (ALLAN, 1998: 1)
O autor parte da hipótese de outro estudo (STEIN, 1991 apud ALLAN, 1998), que
rejeita a idéia de que os verbos delexicais give (dar), have (ter) e take (tomar) são ‘meros
conectivos’ ou ‘verbos leves’. Logo, o objetivo do autor é “especificar em que medida o
significado central desses verbos é ‘enfraquecido’ ou ‘erodido’ (ALLAN, 1998:1). Para tanto,
o autor isolou os significados distintos de cada verbo para tentar determinar seu grau de
dessemantização. O resultado geral de sua análise permitiu concluir que cada verbo delexical
traz seu próprio significado para a construção em que ocorre. Além disso, percebeu que
48
make (fazer) e, em menor extensão, give (dar) e have (ter) retêm tipicamente a
maior parte de seu significado pleno, enquanto take (tomar) é desprovido, muitas
vezes quase que completamente, de seu significado pleno. (ALLAN, 1998:1)
Para investigar sua hipótese, o autor adota o que denomina de “fuzzy set” –
graficamente, separa as acepções dos verbos em conjuntos de forma que seja possível detectar
as acepções mais próximas e as mais afastadas do sentido básico do termo. No caso do verbo
dar, o autor define seu significado intuitivo ou pleno (intuitive meaning) como o
transferencial. Nesse tipo de construção, dois participantes, ambos, em geral, humanos estão
envolvidos e um deles entrega um objeto concreto para o outro, que, por isso, desempenha o
papel de destinatário. Comenta, inclusive, que, para a Gramática dos Casos (FILLMORE,
1968; HALLIDAY, 1985), o sujeito é considerado um “ator”, o destinatário (ou objeto
indireto) é o “beneficiário” e o objeto ou coisa dada é a “meta”. Com o afastamento gradual
deste significado central, o processo é metaforicamente estendido para cobrir conceitos
abstratos e nem há necessidade de envolver um “beneficiário”, já que o verbo pode funcionar
como monovalente e não bitransitivo.
Para criar os graus de dessemantização, o autor adotou um teste de substituição do
verbo. Quanto mais o verbo substituído estiver próximo do significado intuitivo (pleno) de
dar, será alocado mais ao centro da elipse. Os dados que usou para a pesquisa foram:
(1) deu um lugar (gave a major place)
designar (assign)
(3) deu uma lista de palavras admissíveis... (gave a list of admissible
wordings)
prover (provide)
(4) deu um total de 771 casos (gave a total of 771 cases)
produzir (yield)
(5) deu a resposta (gave an answer)
(10) dá vantagem (give a lead)
(20) dá uma palestra (give a lecture)
(21) dá um grito suprimido (give a stifled scream)
(26) deu mais uma volta na roda... (has given a futher turn to the
wheel)
emitir/ proferir (utter)
tomar (take)
apresenta (present)
emitir/ proferir
involuntariamente (utter)
fazer (do)
(30) dá a descrição (gives a description)
oferecer (offers)
(31) dá um fato extraordinário (gives a tedious and turgid
portentousness)
acrescentar (add)
(32) dando um período de exposição (giving a period of exposure)
permitir (allow)
(36) dando uma diferença acentuada de luminosidade (giving a sharp
change of brightness)
produzir/ gerar (yield)
49
(37) dando uma aparência (giving an appearance)
produzir/ gerar (yield)
Figura 1: O conjunto lexical de GIVE (DAR) (ALLAN, 1998:6)
10- tomar
20-apresentar
30- oferecer
1-fazer
32- permitir
3- prover
5- emitir
4/36/37
produzir
31- adicionar
21-emitir involuntariamente
26-fazer
A figura anterior demonstra que os exemplos 3 (deu uma lista de palavras) e 5 (daruma
resposta) encontram-se mais próximos do significado pleno de dar. O autor justifica que “dar
uma resposta” pertence a essa posição, pois “uma resposta existe, ainda que transitoriamente,
em tempo e espaço” (ALLAN, 1998:6). Na presente dissertação, compreende-se que (3) pode
veicular o significado básico, se for possível considerar uma situação na qual um papel
contendo a lista de palavras tenha sido entregue a alguém. O exemplo (5), por sua vez,
realmente, está um pouco mais afastado do valor prototípico de dar, pois se trata de uma
transferência metafórica e não de algo concreto.
Destaca-se a visão do autor acerca dos exemplos 20 (dá uma palestra) e 21 (dá um
grito suprimido), que estão mais afastados do significado central devido à análise dos termos
com papel de “meta” – “uma palestra” e “um grito”, respectivamente. Segundo o autor, o
afastamento ocorre porque existe a possibilidade de apresentar uma palestra ou emitir um
grito que ninguém veja ou ouça, ou seja, que não haja destinatários e, portanto, a transferência
50
não ocorre. No entanto, quando se planeja uma tarefa como uma apresentação ou se emite um
grito, pressupõe-se que alguém escute, há um destinatário virtual para o falante, ou até é o
falante mesmo que passa a desempenhar papel de emissor e destinatário. Logo, acredita-se
que, nesses casos, há uma transferência, ainda que metafórica.
O autor afirma que a razão pela qual a acepção “produzir” (4/36/37) está entre uma das
mais afastadas do significado central se relaciona ao traço [-volição] pertencente às estruturas
semelhantes à estrutura “gerar um total/ uma diferença/ uma aparência”, pois, nesses casos, a
interpretação depende do “beneficiário”.
No exemplo 26, dar volta na roda significa fazer a ação de girar a roda e não há sentido
transferencial algum, pois “após a ação, é possível argumentar que a roda se encontra em uma
nova posição, mas isto é muito diferente de possuir uma volta” (ALLAN, 1998:7). Neste caso,
o verbo dar pertence à posição/extensão mais afastada do conjunto e configura um verbo leve
prototípico (totalmente esvaziado de significado).
Baron & Herslund (1998) tecem considerações acerca de construções com verbosuporte e formação de predicadores no quadro da Gramática Funcional de orientação
holandesa. Iniciam seu artigo com a definição de verbo-suporte: “verbos que, sem um
significado específico ou característico, se combinam ou não com um substantivo deverbal e
podem ou não apresentar um determinante” (BARON & HERSLUND, 1998:99). Além disso,
defendem que o papel do verbo é reduzido à expressão do tempo e do modo.
O estudo demonstra que a configuração [V + O] ocorre quando o objeto se apresenta
como “argumento fundamental” e determina o exato sentido do verbo. Além disso,
diferenciam-se dois tipos de objeto – o afetado (affected) e o causado (effected). O primeiro
possui um referente que existe independentemente da ação verbal. É afetado, modificado ou
destruído pela ação verbal, mas nunca criado por ela: ‘comprar uma casa’ (buy a house),
‘comer uma maçã’ (eat an apple). O segundo, por sua vez, possui um referente que somente
se apresenta como oriundo (como o efeito) de uma ação verbal. Não pode existir, portanto,
independente da ação, como ‘escrever uma carta’ (write a letter) ou ‘construir uma casa’
(build a house). Segundo os autores, a distinção entre esses tipos de objeto em construções
com verbos-suporte geralmente não é considerada e convenciona-se dizer que essas estruturas
possuem um objeto causado/efetuado. Além disso, afirmam que, do ponto de vista sintático, é
possível considerar que tais estruturas são formadas pela combinação de “verbo + objeto” que
corresponde, no nível semântico, a um único predicador.
51
Acerca do significado dos verbos-suporte, os autores comentam ainda:
(...) verbos-suporte têm um significado muito geral e “esvaziado”: o objeto que
denota resultado da atividade que consiste na criação de algo, de forma que o que
é deixado para o verbo expressar é a idéia geral de criação, esta “criação” é
diferente a depender da função do objeto (...) (BARON & HERSLUND,
1998:103)
Para distinguir predicadores verbo-nominais de construções com “verbo + objeto”, os
autores sugerem testes de clivagem e topicalização. A hipótese que defendem é a de que,
devido à natureza afetada do objeto, os predicadores verbo-nominais respondem
positivamente aos testes, enquanto o mesmo não ocorre com as construções “verbo + objeto”.
Para fundamentar tal hipótese, utilizaram os exemplos “Gustavo fez um desenho de Judite”
(fez um desenho – predicador verbo-nominal) e “Gustavo copiou um desenho de Judite”
(copiou o desenho – construção “verbo + objeto”) 24 . O primeiro, em inglês, permite a
clivagem e a topicalização, enquanto o segundo, apesar de permitir um tipo de clivagem, não
permite topicalização.
Os autores tratam também das propriedades sintáticas do predicador verbo-nominal,
como a seleção de preposição por alguns SNs (exemplo: fazer exigência de algo). Alegam
que, nesses casos, os predicadores verbo-nominais configuram construções de transição entre
verbos simples e complexos.
Por fim, os autores enfatizam a importância do predicador verbo-nominal:
(...) vai além dos limites do sintagma verbal, na medida em que constitui um tipo de
formação de predicador que interage crucialmente com a formação de sintagmas
nominais complexos e compostos. Como tal, predicadores verbo-nominais
constituem um importante fenômeno na região entre a sintaxe verbal e nominal (...)
(BARON & HERSUND, 1998:114)
Saraiva (2001) é outra pesquisadora que se dedica à descrição da construção com verbos
leves e enfoca a questão da incorporação nominal. A noção geral de incorporação nominal é a
de que “(...) uma palavra semanticamente independente vem para ‘dentro’ de outra” (BAKER
apud SARAIVA, 2001). No entanto, em português, não há uma incorporação morfológica
propriamente dita, mas um elo de integração tão forte entre nomes e verbos que faz com que
tais nomes possam ser considerados incorporados ao item verbal que acompanham e
denominados, portanto, de objetos incorporados ou, ainda, de pseudo-objetos.
24
Gustav has made a drawing of Judith. e Gustav has copied a drawing of Judith. Decidiu-se não expor os testes
de clivagem e topicalização com estes exemplos, pois nem sempre se apresentam como em Português.
52
Segundo a autora, os traços semânticos dos objetos incorporados podem ser: (i)
identificabilidade [+ indentificável], (ii) quantificação universal [+ universal], e (iii)
focalidade [- foco nos membros integrantes da classe que representa].
O traço [± indentificável] (ou [± I]) é usado para expor o fato de o constituinte nominal
da perífrase se referir ou não “a uma entidade particular dentre as demais da classe
considerada” (SARAIVA, 2001:18). O traço [+ indentificável] ocorre, por exemplo, quando
um SN objeto aparece antecedido por pronome (dar este lápis, dar algumas canetas).
Diferentemente, o traço [- indentificável] ocorre quando o SN incorporado ao verbo não
destaca uma ou mais entidades específicas dentre as demais de um conjunto (dar alimentos,
dar respostas), mas considera o grupo de entidades como um todo.
A quantificação universal, representada pelo traço [+ U], pode ser atribuída aos SNs
incorporados que representam qualquer elemento da classe das entidades às quais se referem.
Por exemplo, em “Deus deu filhos às mulheres 25 ”, “filhos” cobrem toda extensão de sua
classe, enquanto em “João deu cinco filhos homens à esposa”, há um recorte na extensão da
classe representada por “filhos”, uma noção de partitividade, o que demonstra que o SN é um
objeto propriamente dito e não incorporado.
O traço [+ foco nos membros integrantes da classe], representado por [+M], está
presente quando se focalizam as entidades representadas pelo SN, principalmente quando se
referem a uma parte do conjunto em que as entidades se inserem (dar cinco filhos). No caso
das construções com objeto incorporado, diferentemente, o foco será direcionado às ações que
as construções veiculam e não aos SNs (dar pulos, dar sugestões), o que torna essas estruturas
possuidoras do traço [-M]. Isto ocorre devido à integração entre verbo e SN ser tão forte que
faz com que esses componentes, juntos, formem “um todo semanticamente coeso, a traduzir
uma idéia unitária” (SARAIVA, 5001:21). Por isso, a autora sugere o termo incorporação
como o vínculo existente entre o sentido do nome e o sentido do verbo “de tal modo a
construírem ambos uma unidade semântica” (SARAIVA, 2001:21).
Quanto à função discursiva, a autora afirma que os objetos incorporados possuem
função classificatória 26 em relação ao verbo com o qual se combinam e, por isso, podem
expressar:
25
A expressão “dar filhos” estaria inserida em um contexto em que pudesse designar a ação genérica de
“engravidar”.
26
Esta função é típica dos SNs marcados pelo traço [-M].
53
a) uma seqüência de atividades executadas por um dos participantes principais;
[como em uma narrativa, por exemplo 27 : Ele fazia compras fazia depilação fazia
unhas [...], que são ações de um personagem. O foco não está no SN (compra), mas
nas atividades às quais essas construções se referem]
b) ocupação/atividades habituais que caracterizam os personagens principais; [como
em: Ela é uma professora ótima, passa revisões, faz exercícios, escreve bilhetes...]
c) atividades/processos rotineiros em dadas situações (SARAIVA, 2001:24) [como
em: Para conseguir um bom cargo, você deve apresentar currículo, fazer provas,
fazer entrevistas...]
27
Os exemplos expostos foram criados com base nos exemplos que a autora apresenta em seu estudo.
54
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Visto que se concebe a língua como sistema diversificado usado para a interação
comunicativa, a investigação sobre as construções dar + SN foi feita ora à luz da teoria
funcionalista, ora com base na articulação entre pressupostos fundamentais das teorias
funcionalista e sociolingüística (Sociofuncionalismo).
Com base em Heine et alii (1991), descreve-se a cadeia de gramaticalização referente à
trajetória de dar (de verbo-predicador a verbo-suporte) e, com base nos parâmetros de
Hopper (1991) e em considerações de Heine et alii (1991), pesquisa-se o comportamento
sintático-semântico das categorias funcionais pertencentes a essa cadeia. Bybee (2003)
também contribui para investigação sobre a relevância do papel da freqüência no processo de
gramaticalização desse item verbal. Ademais, recorre-se à Teoria da Gramática Funcional de
Dik (1997) para fundamentar a descrição dos estados de coisas expressos pelas ocorrências de
dar em estruturas dar + SN detectadas nos corpora.
Com o arcabouço teórico sociofuncionalista, investiga-se a alternância (LABOV, 1972
e LAVANDERA, 1985) entre perífrases com dar + SN (dar pulo, dar tiros) e verbos plenos
cognatos aos SNs das perífrases (pular, atirar). Logo, enfoca-se não somente a investigação
de questões propostas por Weinreich, Labov e Herzog (1968), relacionadas aos
condicionamentos (extra e intralingüísticos) do fenômeno variável, a seu percurso/estatuto
(em tempo aparente) e à influência da avaliação subjetiva do falante nesse fenômeno, mas
também a pesquisa de aspectos pragmático-discursivos envolvidos nessa alternância.
A seção da dissertação dedicada a considerações sobre o ensino das construções com
dar + SN e da polifuncionalidade de dar nessas construções fundamenta-se em pressupostos
de ensino-aprendizagem apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa (1998), nas concepções de “análise lingüística” desenvolvida em Mendonça
(2006) e em considerações de Oliveira e Cezario (2007) sobre a aplicação de princípios
funcionalistas no ensino do Português.
3.1 Funcionalismo: pressupostos básicos
Nesta seção, expõem-se os pressupostos básicos relativos à visão funcionalista de
linguagem, levando-se em conta alguns aspectos que os diferenciam de orientações
formalistas.
55
Os funcionalistas concebem a língua como sistema de comunicação, têm como objetivo
principal investigar a função das formas lingüísticas no ato comunicativo, enquanto os
formalistas buscam analisar a estrutura lingüística dando ênfase à forma lingüística. Adota-se,
no presente estudo, a concepção de função como “propósito ou contexto” (NICHOLS,
1984:100). Nessa ótica, a língua encontra-se a serviço de um propósito de comunicação e
reflete o contexto interacional: assim sendo, as expressões lingüísticas usadas podem indicar,
por exemplo, a relação social entre os participantes.
Algumas das questões sobre as quais as duas linhas de pesquisa divergem são: a
arbitrariedade do signo lingüístico, a divisão entre diacronia e sincronia, e a distinção entre
langue e parole.
A arbitrariedade do signo lingüístico consiste na idéia de que um conceito (significado)
é aplicado a um significante (uma imagem acústica), sem que haja qualquer tipo de
motivação. Essa visão é compreensível quando se analisa a língua fora de seu contexto de uso,
à maneira formalista. No entanto, um trabalho de cunho funcionalista, como o presente
estudo, leva em consideração que, em diversas situações comunicativas, para criar novos
vocábulos para um determinado referente, os usuários da língua, em geral, lançam mão do
conteúdo de que já dispõem, resultando na produção de itens provenientes de motivações que
podem ser de natureza semântica, morfológica ou fonética 28 . Os funcionalistas chamam de
iconicidade a não-arbitrariedade do signo na sintaxe, defendendo a possibilidade de uma
estrutura assimilar novos usos e novas funções, mesmo que apresente a mesma forma ou o
mesmo comportamento morfossintático.
Outra visão com a qual os funcionalistas não concordam é a impossibilidade de
interação entre estudos diacrônicos e sincrônicos de um mesmo fenômeno, aspecto defendido
por seguidores de Saussure. Segundo essa visão, unir pesquisas de cunho sincrônico àquelas
de natureza diacrônica é um procedimento incompatível, pois o trabalho sincrônico não teria,
na maioria das vezes, relação com o diacrônico. Os funcionalistas refutam a dicotomia
“sincronia x diacronia”, pois defendem a articulação entre a investigação histórica de
fenômenos lingüísticos e os resultados de pesquisas sincrônicas. Tal combinação culmina
num enfoque “pancrônico” do objeto de estudo e é encarada como mais uma alternativa (além
dos trabalhos somente de natureza sincrônica ou diacrônica) em estudos funcionalistas, pois
28
Em alguns casos, as motivações da aplicação de um signo lingüístico não podem ser detectadas, devido à
distância entre o signo e a sua origem.
56
faz com que se atinja maior compreensão dos fenômenos lingüísticos investigados ao
considerar o estado sincrônico resultado do desenvolvimento lingüístico do passado.
A visão funcionalista também desconsidera a dicotomia “langue x parole”, propagada
pelos estruturalistas, segundo a qual se deveria apenas priorizar o estudo da langue, enfocando
a língua em si mesma (o sistema) em detrimento da fala (parole). Diferentemente, os
funcionalistas defendem que a fala, em transformação constante, é responsável por gerar o
sistema lingüístico. Desse modo, dá-se grande relevo ao papel do “espaço” no qual a fala se
desenvolve – o discurso – que abarca um conjunto de situações comunicativas guiadas por
diferentes contextos sociais. Além disso, a noção de gramática, entendida como uma série de
regularidades da língua, não pode ser desvinculada dessa noção de discurso, já que as regras
são geradas tanto por motivações relativas a fatores cognitivos, quanto, principalmente, por
pressão de uso. O sistema, portanto, deve ser estudado dentro de um quadro de regras,
princípios e estratégias que se desenvolvem em função da comunicação.
3.1.1 Teoria da Gramática Funcional (orientação holandesa)
A Teoria da Gramática Funcional de Dik (1997) busca explicitar como interlocutores de
uma língua natural obtêm sucesso na comunicação através do uso de expressões lingüísticas.
Logo, é uma teoria preocupada com a organização gramatical das línguas naturais.
Em um paradigma funcional, a língua é um instrumento de interação social usada com a
intenção de estabelecer relações comunicativas. Uma língua natural é considerada, então,
parte integrante da competência comunicativa de seu usuário. Assim sendo, a comunicação
não está restrita à transmissão e à recepção de informações factuais, mas ocorre quando,
através da interação verbal (interação social por meio da linguagem), há mudanças na
informação pragmática (um conjunto de conhecimentos, crenças, preconceitos e sentimentos)
dos interlocutores.
Considera-se a interação verbal uma forma de atividade estruturada e cooperativa. É
estruturada (mais do que aleatória, ao acaso) por ser governada por regras, normas e
convenções. É cooperativa no sentido óbvio de que necessita de, pelo menos, dois
participantes 29 para atingir seus objetivos. Estes usam “instrumentos”, as expressões
29
Naturalmente, há situações que apresentam somente um indivíduo (situações de monólogo, por exemplo). Na
verdade, entende-se que, nesses casos, sempre há um destinatário, haja vista a possibilidade de uma pessoa
desempenhar, a um só tempo, os dois papéis – falante/emissor e destinatário. (cf. DIK, 1997 v.1, p.10)
57
lingüísticas, cujo sistema de construção é de natureza funcional. Por essa teoria, pretende-se
justamente descrever as regras de formação das expressões lingüísticas (perífrases com dar),
os princípios e as estratégias que governam o uso natural comunicativo.
O modelo de interação verbal representado por Dik (1997) é o seguinte:
Emissor concebe:
Intenção
-----antecipa----->
<------reconstrói---
Destinatário constrói:
Interpretação
expressão lingüística
Informação pragmática do
emissor (PE)
Informação pragmática
do destinatário (PD)
Figura 2: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1)
Pelo modelo de Dik (1997), é possível perceber que emissor e destinatário dispõem de
uma quantidade de informação pragmática 30 . Ao dizer algo para o destinatário, o emissor
tenta modificar a PD. Para tanto, deve formular uma intenção comunicativa, um plano mental
que inclua a modificação que deseja operar no destinatário. Então, o emissor tentará antecipar
a interpretação que o destinatário dará à sua expressão lingüística, no intuito de reconstruí-la
da forma mais adequada possível para atingir seu objetivo 31 .
O destinatário, por outro lado, interpreta a expressão lingüística e, então, busca
reconstruir a intenção comunicativa do emissor. Essa interpretação pode fazer com que o
destinatário modifique sua informação pragmática, o que corresponde à intenção do emissor.
Se o destinatário não chegar a uma interpretação que combine com essa intenção, terá havido
um mal entendido entre eles. Os papéis de emissor e destinatário sempre alternam quando os
turnos mudam. Vale ressaltar, ainda, que a relação entre a intenção do emissor e a
30
A informação pragmática pode estruturar-se de três formas: (i) informação geral – de longa duração em relação
ao mundo, suas características naturais e culturais e de outros mundos possíveis e imaginários; (ii) informação
situacional – informação proveniente do que os participantes percebem ou experimentam na situação na qual a
interação ocorre; e (iii) informação contextual – informação proveniente das expressões lingüísticas que são
trocadas antes e depois de um determinado ponto na interação verbal (cf. DIK, 1997: 10).
31
Visto que os participantes têm uma teoria sobre a informação pragmática do outro, eles podem também
imaginar o que é compartilhado e o que não é entre as suas informações pragmáticas e a dos outros. Esta
estimativa é importantíssima para o sucesso da interação verbal. Uma estratégia bastante comum é o emissor
começar a imaginar a informação compartilhada e, a partir dela, passar a estimar a não-compartilhada no intuito
de lhe acrescentar partes da informação pragmática do destinatário ou substituí-la por essas partes. Esta
estratégia foi chamada de “Given-New Contract” (Contrato dado-novo) no trabalho psicolingüístico de ClarkClark (DIK, 1997:11 v.1).
58
interpretação do destinatário nunca é estabelecida, mas sim mediada pela expressão
lingüística. Esta é dotada de uma “escala de explicitude”, ou seja, uma intenção comunicativa
é codificada de maneira relativamente explícita quando há pouca diferença entre a intenção e
o conteúdo semântico da expressão e de maneira relativamente implícita quando há grande
diferença entre a intenção e o conteúdo semântico. Pode-se dizer que, em geral, a interação
verbal é relativamente implícita e que fica a cargo do destinatário a interpretação, que se dá
em função da reconstrução da intenção comunicativa do emissor.
Segundo Dik (1997), o trabalho de desenvolver a apresentação de uma gramática
funcional é bastante desafiador, já que é necessário lidar com as expressões lingüísticas no
contexto de uso e decompor sua complexidade até chegar aos blocos básicos de sua
construção. Os predicadores constituem o bloco de construção mais básico do nível
morfossemântico (em oposição ao fonológico) da organização lingüística. Alguns
pressupostos importantes relacionados à formação de predicadores e considerados para um
modelo de gramática funcional são:
- Todos os itens lexicais da língua são analisados como predicadores.
- Categorias e subcategorias dos predicadores são diferenciadas de acordo com suas
propriedades formais e funcionais. Há, em muitas línguas, pelo menos, os
predicadores verbais (V), adjetivais (A), e nominais (N), além de vários subtipos
dessas categorias.
- Todos os predicadores são semanticamente interpretados como designadores de
propriedades e relações. (...)
- Todos os predicadores básicos são listados no léxico. O léxico contém, então, o
conjunto de predicadores básicos da língua.
- Predicadores não são considerados como elementos isolados para serem inseridos
em estruturas geradas independentemente; eles são considerados como parte de
estruturas chamadas predicate frames (marcos predicativos).
- Cada marco predicativo básico no léxico é associado a um número de significados
postulados, através dos quais o predicador é semanticamente relacionado a outros
predicadores na língua.
- Os predicadores derivados consistirão em marcos predicativos derivados.
- Os marcos predicativos não possuem qualquer ordem linear. A ordem na qual são
apresentados (predicadores primeiro e posições de argumentos depois) é puramente
convencional. [...]
(DIK,1997:59 e 61, v.1)
Outros pressupostos relevantes para um modelo de gramática funcional tratam das estruturas
dos termos:
-Todas as expressões lingüísticas que podem ser usadas para se referirem a algo no
mundo são consideradas termos.
- Os termos variam desde itens simples, como pronomes e nomes próprios, até
sintagmas nominais complexos (noun phrases)
59
- Os termos podem ser usados para se referir a entidades de ordem maior como
estado de coisas (a defesa do inimigo), fatos possíveis (que João vendeu um carro)
ou atos de fala (a pergunta de João sobre o que ele deve fazer). Esses termos
freqüentemente irão conter predicações encaixadas, proposições encaixadas ou atos
de fala encaixados.
(DIK,1997:61, v.1)
Para o autor, cada oração deve ser descrita em função de uma estrutura subjacente da
cláusula (underlying clause structure), exposta por expressões lingüísticas advindas de um
sistema de regras de expressão (expression rules), que determinam a forma, a prosódia, e a
ordem dos constituintes da estrutura profunda. O esquema a seguir demonstra isto:
Estrutura Subjacente da Cláusula
Regras de Expressão
Expressões Lingüísticas
60
A estrutura subjacente da cláusula é complexa e abstrata. Nela, encontram-se diversas
camadas de organização formal e semântica, como é possível perceber no próximo quadro:
Camadas 32
Exemplos
Cláusula
Decl π4 [Poss π3 [Pres π2 [Prog π1
“ato de fala” (“speech act”)
[E]
[escrever (João) (uma carta)
(cuidadosamente)σ1](na biblioteca) σ2] (até onde eu
sei)σ3 (francamente) σ4]
[E]: Francamente, até onde eu sei, João deve estar escrevendo
uma carta cuidadosamente na biblioteca.
Proposição
[Poss π3[Pres π2[Prog π1
“fato possível” (“possible
fact”) [X]
[escrever (João) (uma carta)]
(cuidadosamente) σ1] (na biblioteca) σ2] (até onde eu sei) σ3]
[X]: Até onde eu sei, João deve estar escrevendo uma carta
cuidadosamente na biblioteca.
Predicação Estendida
Estado de coisas localizado
e qualificado (“located,
qualified state of affairs”)
Past π2[escrever (João) (uma carta)] (cuidadosamente)σ1] (na
biblioteca) σ2]
[e]: João escrevia cuidadosamente uma carta na biblioteca.
Predicação Central
Prog π1[escrevendo (John) (uma carta)] (cuidadosamente)σ1
Estado de coisas qualificado
[e]: João está escrevendo uma carta cuidadosamente.
Predicação nuclear
Estado de coisas [e]
Predicação [f]
(“propriedade”, “relação”)
+ Argumentos (Termos)
[e]: João escrever uma carta.
Predicador: escrever
Argumentos: João e uma carta
Quadro 4: Formação da estrutura subjacente de cláusula
De baixo para cima, na primeira camada, há os elementos básicos para a construção de
um modelo de cláusula subjacente: um predicador e termos vinculados a ele, em função de
sua seleção argumental. Os predicadores designam propriedades e relações, enquanto os
termos podem ser usados para se referirem a entidades. Na segunda camada, o predicador está
vinculado a dois argumentos: ele designa uma relação de dois lugares, entre duas entidades no
papel de um “escritor” e de “alguma coisa escrita”, e, portanto, é necessariamente aplicado a
dois termos: “João” e “uma carta”. Logo, quando o predicador projeta um conjunto de termos
apropriados, o resultado é uma predicação nuclear (nuclear predication). Essa predicação
32
Os tipos de entidades designadas pelas camadas da estrutura de cláusula subjacente estão apresentados entre
colchetes, sob forma de variáveis.
61
designa o estados de coisas – “a concepção de algo pertencente a algum mundo” (DIK,
1997:51, v.1). Se for possível haver um mundo em que exista uma pessoa chamada João e que
escreva uma carta, então é possível afirmar que [e] descreve corretamente um estado de coisas
no mundo. De fato, o estado de coisas não necessariamente existe ou é real para ser designado
pela predicação, pois pode ser uma criação mental do emissor e do destinatário.
As próximas camadas do modelo de organização formal e semântica da cláusula são
construídas a partir da predicação nuclear, com a inserção de operadores “π” (operators) e
satélites “σ” (satelites).
Operadores constituem distinções que são gramaticalmente
expressas numa língua e satélites são as modificações lexicalmente expressas. Os satélites
coincidem muitas vezes com “modificadores adverbiais e proposicionais”. Eles dão mais
informações sobre a natureza do estado de coisas da predicação nuclear.
No exemplo da terceira camada, observa-se o operador de nível 1 (π1) “contínuo,
progressivo”, representado pela forma verbal no gerúndio e o satélite (σ1) “cuidadosamente”,
um advérbio de modo 33 . Ambos unidos aos termos e ao predicador formam a predicação
central (core predication).
No exemplo da quarta camada, o estado de coisas qualificado expresso na predicação
central pode ser localizado no tempo e no espaço, pelo operador de nível 2, que indica tempo
passado (π2), e pelo satélite de nível 2 (σ2) “na biblioteca” 34 . A adição desses tipos de
operadores e satélites faz com que a predicação se torne uma predicação estendida (extended
predication), ou seja, um estado de coisas localizado e classificado.
Até então, o estado de coisas que o falante deseja comunicar já está descrito,
qualificado e situado. No entanto, o falante ainda pode decidir por especificar a atitude que
tem a respeito do estado de coisas, o que pode ser feito com operadores proposicionais 35 de
33
Os operadores de nível 1 (π1) indicam sobre a qualidade do estado de coisas – um processo contínuo ou
acabado, por exemplo. Já os satélites de nível 1 (σ1) dão informações opcionais e adicionais pertencentes às
características de atitude do estado de coisas
34
Os operadores de nível 2 (π2) representam meios gramaticais pelos quais os estados de coisas podem ser
localizados em relação ao tempo, espaço e cognição. Deixam a estrutura interna do estado de coisas intacta, mas
a colocam em relação às diferentes dimensões mencionadas. Por exemplo, um operador de tempo verbal no
passado coloca o estado de coisas no intervalo precedendo o momento de fala. Os satélites de nível 2 (σ2)
representam o meio lexical pelo qual o estado de coisas pode ser localizado. Então, um satélite como “ontem”
localiza o estado de coisas no intervalo de tempo (o dia do momento de fala) e o satélite “África” localiza o
estado de coisas nesse continente.
35
Proposição: “algo sobre o que as pessoas podem dizer que acreditam, conhecem ou acham; podem ser razões
de surpresa ou de dúvida; podem ser mencionadas, negadas, rejeitadas, e lembradas; além de poderem ser falsas
ou verdadeiras”. (DIK, 1997:52)
62
nível 3 (π3) e com os satélites proposicionais de nível 3 (σ3) 36 . Ambos designam atitudes
subjetivas ou avaliações por parte do falante. No exemplo apresentado, “π3” é o operador
proposicional que indica que o falante julga possível (Poss) que o estado de coisas ocorra e
está representado por “deve”. O satélite σ3, que especifica algo acerca da qualidade de
informação que o falante transmite, é representado por “até onde eu sei”. Formou-se, portanto,
uma proposição, designando um fato possível de acordo com o ponto de vista do falante.
Para fazer uma análise completa da organização da cláusula, é necessário que se inclua
a natureza do ato de fala ou a força ilocucionária da estrutura como um todo. Percebe-se que,
no exemplo da quarta camada, a proposição apresentada é declarativa. Sua força ilocucionária
é sinalizada mais por meio gramatical do que por meio lexical, ou seja, somente é possível
perceber que é uma afirmação e não uma pergunta devido à entonação. As forças
ilocucionárias são detectadas pelos operadores ilocucionários de quarto nível (π4) 37 . Este deve
modificar e especificar o valor ilocucionário da construção como um todo, podendo a
construção ser denominada de cláusula (clause). A palavra “francamente” desempenha o
papel de “π4” no exemplo da última camada.
36
Os operadores de nível 3 (π3) capturam, por meio gramatical, o que o falante quer expor sobre sua avaliação
pessoal ou atitude em relação ao conteúdo da proposição. Isso inclui modalidades “subjetivas”, sua crença ou
descrença sobre o conteúdo, se espera ou deseja que a proposição se torne verdadeira ou a origem de onde
conseguiu a informação da proposição. Já os satélites de nível 3 capturam, por meio lexical, o que o falante quer
expor sobre sua avaliação pessoal ou atitude em relação ao conteúdo da proposição. Por exemplo, “na minha
opinião”, que restringe o valor que o falante deseja atribuir ao conteúdo da proposição.
37
Os operadores de nível 4 (π4) especificam a força ilocucionária básica da oração (tal como: Decl(arativa),
Imp(erativa), etc.) ou modificações de valores básicos. Já os satélites de nível 4 especificam como o falante
deseja que o ato de fala seja entendido pelo interlocutor.]
63
Uma estrutura completa de cláusula pode ser representada pelo seguinte esquema (DIK,
1997:67, v.1) 38 :
[π4 Ei : [π3 Xi : [π2 ei : [π1 [predicador [Tipo de predicador] argumentos] σ1 ] σ2 ] σ3 ] σ4 ]
[..................predicação nuclear............]
[.......................predicação central...................]
[................................predicação estendida........................]
[.................................................proposição.............................................]
[................................................................cláusula.......................................................]
Naturalmente, nem todas as orações apresentam estruturação tão complexa quanto à do
modelo anterior, pois muitos operadores e satélites podem ser omitidos. Quando isso ocorre,
as posições vazias podem ser marcadas por “∅”. No presente estudo, identificaram-se
construções com dar + SN pertencentes às predicações do tipo nuclear, central e estendida.
3.1.1.1 Formação de predicadores
Um predicador – seja básico, seja derivado por regras de formação – nunca é um item
isolado, sempre existe por fazer parte de um marco predicativo (predicate frame), que não
somente define a sua forma, mas também o tipo de sua valência (quantitativa e qualitativa).
Os usuários da língua, para formar predicadores, lançam mão de regras de formação,
processo que envolve a seleção de um marco predicativo que dará origem a uma estrutura
derivada (derived predicate frame) como output. Um esquema que representa um marco
predicativo contém as seguintes informações: (i) a forma do predicador; (ii) seu tipo; e (iii)
sua valência. O autor apresenta o seguinte exemplo (1997, v.1, p.59):
(fi:dar) [V] (xi: <animado>(x1))Agente (x2)Meta (x3: <animado> (x3))Destinatário
Acima, portanto, aparecem: (i) a variável “fi”, simbolizando a propriedade ou relação
designada pelo predicador, (ii) a forma do predicador (“dar”), (iii) o tipo do predicador (V verbal), (iv) a valência qualitativa (funções semânticas dos argumentos, além de suas
38
Dik (1997:86 e 87) menciona algumas características que diferenciam argumentos e satélites. Os argumentos
são termos exigidos por algum predicador para formar uma predicação nuclear completa, são essenciais para a
integridade do estado de coisas designado pelo marco predicativo (predicate frame), referem-se ao predicador e
têm posição mais central na oração; enquanto os satélites não são constituintes exigidos pelo predicador,
referem-se à predicação nuclear (nível 1), à predicação central (nível 2), à proposição (nível 3) ou à cláusula
(nível 4) e têm posição periférica na oração.
64
restrições de seleção – animacidade (animado), por exemplo), e (v) a valência quantitativa (x1,
x2 e x3) – 3 posições argumentais.
Os tipos de predicadores podem ser representados pelas seguintes categorias básicas: V
(verbo – o predicador núcleo), N (substantivo) e A (adjetivo). Dik (1997) afirma que essas
categorias, em línguas que as distinguem, a depender do contexto, podem ter seus empregos
primários convertidos para usos derivados (por exemplo, o emprego primário de um verbo –
função predicante – pode passar ao emprego derivado de um substantivo – função de designar
entidades), como demonstra a figura a seguir:
V: função predicativa/predicante (= verbo predicador)
N: núcleo
A: função atributiva
(função de designar entidades)
Figura 3: Possíveis relações derivativas entre categorias de predicadores (DIK, 1997:196, v.1)
Logo, em um predicador complexo com verbo-suporte, o SN, que fora desse contexto é
caracterizado pelo papel primário de designar entidades, partilha a função predicante com o
verbo ao qual se vincula e passa a ser um item menos referencial.
A valência qualitativa refere-se às funções semânticas e às regras de seleção dos
argumentos. As funções semânticas demonstram os papéis dos argumentos no estado de
coisas designado pela predicação (agente, meta, receptor, paciente, entre outros.). As
restrições de seleção informam sobre o tipo semântico dos termos que podem ser usados na
posição de argumentos. De fato, quando um usuário da língua utiliza expressões lingüísticas
para se comunicar, ele não conhece apenas a combinação entre formas e significados, mas
realmente possui a capacidade de aventar as possibilidades combinatórias que podem
pertencer a um determinado marco predicativo. Essas possibilidades – as restrições de seleção
– são determinadas por fatores semânticos relacionados aos predicadores envolvidos, aos
termos com os quais os predicadores se vinculam, e ao conhecimento de mundo dos
participantes da situação comunicativa em que as predicações ocorrem. Logo, segundo Dik, a
gramática não pode restringir a produção de expressões “aparentemente” agramaticais (por
exemplo: João estava comendo um copo de cerveja), pois estas podem ocorrer para preencher
65
propósitos comunicativos. Por isso, tais construções geram a necessidade de criação de
estratégias especiais de interpretação. O sentido metafórico, portanto, pode ocorrer quando há
diferenças entre as restrições de seleção e as propriedades intrínsecas do(s) termo(s)
escolhido(s) para preenchimento da(s) posição(ões) argumental(is).
A valência quantitativa consiste no número de argumentos com os quais um predicador
se vincula (x1, x2...xn). Há predicadores de zero lugar (ou monovalente), de dois lugares (ou
bivalente), de três lugares (ou trivalente), ou, ainda, de quatro 39 . É possível que um usuário da
língua modifique a valência do predicador por dois processos: (i) extensão de valência e (ii)
redução de valência. O primeiro ocorre quando, por exemplo, um predicador intransitivo
torna-se transitivo, enquanto o segundo se desenvolve quando a valência do input do
predicador é reduzida para, pelo menos, um argumento. Há vários tipos de regras de formação
em que predicadores reduzem a valência. As mais importantes são: (i) incorporação; (ii)
redução do primeiro argumento e (iii) redução do segundo argumento. É a incorporação 40 o
tipo de redução de valência que interessa ao estudo de estruturas com dar + SN. Segundo Dik
(1997), algumas propriedades da incorporação são: (i) o output da predicação é geralmente
intransitivo (fazer compras e dar medo são construções que podem ser usadas de forma
intransitiva); (ii) a incorporação nominal é não-referencial (em tenho de dar conta do
trabalho, conta não possui referente no mundo biossocial), e (iii) o resultado da incorporação
é um verbo complexo com uma interpretação genérica (o governo deve dar empregos a todos
assemelha-se ao sentido de o governo deve empregar a todos – não se especifica a
qualidade/natureza dos empregos).
3.1.1.2 Relações funcionais
Dik (1997:25, v.1) diferencia funções de categorias. Estas apresentam as propriedades
intrínsecas de seus termos, enquanto aquelas demonstram relações entre o termo e a
construção em que ocorre. Além disso, afirma que uma mesma categoria pode ocorrer em
diferentes funções e a mesma função pode ser atribuída para constituintes de diferentes
categorias.
39
Há autores que divergem quanto ao número de argumentos possíveis em uma predicação e limitam a projeção
a 3 argumentos.
40
Na seção 2, mais detalhes sobre Saraiva (2001), estudo que fundamentou investigações acerca do SN
incorporado nas estruturas dar + SN do corpus.
66
As expressões lingüísticas formam redes complexas caracterizadas por relações
funcionais que operam em diferentes níveis.
O autor expõe níveis de relações funcionais (DIK 1997:26 v.1):
(i) Funções semânticas (agente, meta, receptor, etc.): especificam os papéis que os
referentes ligados aos termos desempenham no estado de coisas (state of affairs)
designado pela predicação em que esses termos ocorrem.
(ii) Funções sintáticas (sujeito e objeto): especificam a perspectiva segundo a qual o
estado de coisas é apresentado na expressão lingüística.
(iii) Funções pragmáticas (tema, tópico, foco, etc.): especificam o status
informacional dos constituintes num conjunto comunicativo mais amplo em que
ocorrem (ou seja, em relação à informação pragmática do emissor e do destinatário
no momento do uso)
Tais funções determinam aspectos cruciais relacionados ao conteúdo e à forma das
expressões lingüísticas, pois especificam propriedades semânticas e formais dessas
expressões.
As funções semânticas estão relacionadas ao tipo de estado de coisas que as
predicações designam. São eles: situação (estado ou posição) e evento (processo – dinamismo
ou mudança e ação – atividade ou finalização). O autor apresenta os seguintes exemplos
(DIK, 1997:114, v.1):
a. Posição: João manteve seu dinheiro numa meia velha.
SITUAÇÃO b. Estado: O dinheiro de João está numa meia velha.
c. Dinamismo: O relógio estava batendo.
EVENTO
(Processo)
d. Mudança: A maçã caiu da árvore.
e. Atividade: João estava lendo um livro.
EVENTO
(ação)
f. Realização (Accomplishment): João correu a maratona em três
horas.
Quadro 5: Tipos de estados de coisas
Para que seja possível identificá-los, é necessário checar a existência dos seguintes
parâmetros semânticos: [±dinâmico], [± télico], e [±controle]. Dik (1997) também menciona
os parâmetros [±momentâneo] 41 e
[± experiência] 42 . No entanto, segundo o autor, o
41
Parâmetro [+momentâneo] (ou pontual) Æ eventos sem duração, seu início e fim coincidem no mesmo ponto
final, ou seja, ocupam apenas um ponto no tempo.
Parâmetro [-momentâneo] Æ eventos que ocupam certo período de tempo, ou seja, há distinção entre os
períodos/pontos inicial e final do evento.
67
parâmetro [± experiência] não tem impacto significativo na organização das línguas naturais
e, por isso, não deve ser reconhecido como relevante para a distinção dos estados de coisas; e
o parâmetro [±momentâneo] é considerado secundário em relação aos demais.
A fim de esclarecer o papel dos parâmetros [± dinâmico], [± controle], e [± télico] no
estado de coisas da predicação, apresenta-se o seguinte quadro (cf. DIK, 1997:105-119):
PARÂMETRO
S
Definição
Exemplos
[-dinâmico]: o evento não envolve qualquer mudança; A substância estava
ou seja, as entidades envolvidas permanecem as
vermelha. / João estava
mesmas em todos os pontos do intervalo de tempo em sentado na cadeira de seu
que dura o estado de coisas, que pode ser denominado pai.
“situação”.
[± dinâmico]
[± controle]
[+dinâmico]: o evento envolve necessariamente algum
tipo de dinamismo interno; este dinamismo consiste
num padrão de mudanças ao longo da duração do
estado de coisas ou numa mudança entre o ponto
inicial e final do estado de coisas, que pode ser
classificado como “evento” ou “ação”.
A substância está
avermelhando.
João abriu a porta.
[+controle]: este parâmetro define-se em referência ao João abriu a porta.
primeiro argumento da predicação; ocorre quando esse João estava sentado no
argumento representa a força que determina a
jardim.
existência do estado de coisas.
[-controle]: refere-se ao primeiro argumento da
predicação; ocorre quando este não determina a
existência do estado de coisas.
[± télico]
O relógio está batendo.
A substância ficou
vermelha. / A árvore
caiu.
[+ télico]: ocorre quando o estado de coisas atinge um João estava pintando um
ponto final.
retrato. (há uma hora
atrás)
[- télico]: não é possível reconhecer um ponto final.
João estava pintando.
(um hábito)
Quadro 6: Parâmetros [± dinâmico], [± controle], e [± télico] no estado de coisas da predicação.
Um teste para distinguir entre [± momentâneo] é checar se o evento combina com verbos aspectuais, que
sinalizam o começo, a continuação ou o final do evento. Exemplos: (a) Eles começaram/continuaram/terminaram
de pintar o retrato (então, pintar = [-mom]) ≠ (b) Eles *começaram/continuaram/terminaram de alcançar o
cume. (então, alcançar = [+mom])
Em alguns casos [+mom] combina-se com verbos aspectuais: (c) As bombas terminaram de explodir. (Bombas,
no plural, levam algum tempo para terminar de explodir).
42
Uma experiência é um estado de coisas que algum ser animado percebe, sente, quer ou experimenta (DIK:
1997:115, v.1). Exemplo: João não acreditou na história. [+exp].
68
A relação entre os estados de coisas e os parâmetros semânticos é demonstrada a
seguir
43
(DIK, 1997: 115, v.1):
Tipos de estados de coisas
Situação
[dinâmico]
[controle]
[télico]
-
Estado
-
-
Posição
-
+
Evento
+
Processo
+
-
Dinamismo
+
-
-
Mudança
+
-
+
+
+
Atividade
+
+
-
Realização
+
+
+
Ação
(accomplishment)
Quadro 7: Relação entre estados de coisas da predicação e parâmetros semânticos
Denominam-se funções semânticas nucleares (nuclear semantic functions) aquelas
pertencentes aos argumentos da predicação nuclear. É possível perceber a distribuição das
funções semânticas em predicadores de até três lugares com o seguinte esquema (DIK, 1997:
120, v.1):
43
[1]
[2a]
[2b]
Agente
Posicionador
Força
Paciente [Exp]
Zero [Exp]
Meta [Exp]
Receptor [Exp]
Localização
Direção
Origem/Fonte
Referência
Possibilidade de leitura dos parâmetros: “Em um tipo de estado de coisas “Situação”, “Estado” e “Posição”
terão sempre o traço [-dinâmico] e serão diferenciados pelo traço controle ([-controle] > estado; e [+controle] >
posição). O parâmetro [± télico] não é levado em conta para a distinção desse estado de coisas.
69
Segue abaixo a discriminação das funções semânticas nucleares mencionadas até então:
Funções
semânticas
NUCLEARES
Agente
Posicionador
Força
DEFINIÇÃO
EXEMPLOS
Entidade que controla uma ação
(atividade ou fato completado)
João estava lendo um livro.
Entidade que controla uma posição
João manteve seu dinheiro na
sua meia velha.
Entidade não controladora que instiga um O terremoto moveu a rocha.
processo (dinamismo ou mudança)
Entidade que passa por um processo
A rocha se moveu.
Entidade primariamente envolvida num
estado
A xícara estava na mesa.
Entidade afetada pela operação de um
controlador (agente/posicionador) ou
força
João beijou Mary.
Receptor ou
destinatário
Entidade que recebe algo por
transferência
João acenou para a multidão.
Localização
O lugar onde algo é localizado
João aterrissou em Marte.
Direção
Entidade para a qual algo se move
João viajou para Londres.
Origem
Entidade da qual algo se move (de
Brasília)
João saltou da mesa.
Processado
Zero (Ø)
Meta
Referência
O segundo ou o terceiro termo de uma
O menino lembra o pai.
relação em referência ao qual a predicação
se estabelece
Quadro 8: Funções semânticas nucleares
Dik (1997:120, v.1) faz as seguintes observações acerca do esquema que demonstra a
relação entre lugares da predicação e funções semânticas:
(a) Nos marcos predicativos nucleares nunca há mais de um exemplo de uma dada
função semântica.
(b) Em todos os marcos predicativos, o primeiro argumento tem uma das funções
de [1].
(c) Em marcos predicativos de dois lugares, o segundo argumento tem uma das
funções de [2a] ou [2b].
(d) Em marcos predicativos de três lugares, o segundo argumento tem alguma
função de [2a], e o terceiro argumento uma das funções de [2b].
(e) Estados de coisas [-dinâmicos] são incompatíveis com funções semânticas que
pressupõem movimento (Direção e Origem).
70
O autor comenta a possibilidade de inversão entre os segundo e terceiro argumentos de
uma predicação de três lugares, fato relacionado à questão da perspectiva. Para tanto, recorre
a exemplos com verbo dar. Demonstra que a concepção natural (“icônica”) é aquela em que o
objeto se dirige a um destinatário, como em: “O homem deu um livro para o menino”. No
entanto, a mudança do marco predicativo básico (basic predicate frame) ocorre na
configuração da expressão lingüística em virtude da proeminência que se deseja atribuir ao
receptor: “O homem deu ao menino um livro.”.
Quanto às funções semânticas que podem ser atribuídas às funções sintáticas de sujeito
e de objeto, Dik (1997:266, v.1) apresenta a seguinte hierarquia:
Sujeito
Objeto
Agente
Meta
>
>
+
Destinatário
Beneficiário
Instrumento
Localização
Tempo
>
>
>
>
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
Quadro 9: Hierarquia das funções semânticas atribuídas às funções sintáticas sujeito e objeto
Percebe-se que as funções semânticas centrais, mais comuns, se localizam à esquerda e
as mais periféricas, à direita. É possível desenvolver uma hierarquia de funções semânticas
em relação às funções sintáticas, de modo que se possam prever quais combinações de sujeito
e de objeto podem ocorrer em uma língua. Por exemplo, em Inglês, segundo o autor, o quadro
não estaria totalmente preenchido em relação às funções semânticas referentes ao sujeito, pois
somente seria possível encontrar, com essa função sintática, as funções semânticas de agente,
meta e receptor. Em Português, algumas funções semânticas expostas no quadro (agente,
meta, instrumento, localização e tempo) podem ser exercidas, a depender do contexto, pelo
termo com função sintática de sujeito 44 .
As funções pragmáticas especificam o status informacional dos constituintes do marco
predicativo em relação a um conjunto comunicativo mais amplo no qual aqueles estão
inseridos, ou seja, em relação àquilo que o emissor presume ser a informação pragmática do
44
Eis alguns exemplos: (i) sujeito agente (O pai deu um carro à filha.); (ii) sujeito meta (Um carro foi-lhe dado
pelo pai.); (iii) sujeito instrumento (A chave abriu a porta.); (iv) localização (O Rio tem muitas praias.); (v)
tempo (Três horas passam rapidamente.).
71
destinatário. Podem ser relacionadas à topicalidade (topicality) ou à focalidade (focality),
pertencentes ao domínio interno de cláusula (intra-clausal pragmatic functions) 45 .
A topicalidade refere-se ao status das entidades sobre as quais a informação é dada ou
requisitada no discurso. A focalidade, por sua vez, refere-se ao conteúdo informacional mais
importante ou saliente de toda a informação do evento comunicativo. São manejadas de
acordo com o efeito que o emissor deseja causar na informação pragmática do destinatário e
de acordo com o desenrolar futuro do discurso. Dik (1997), para esclarecer a diferença entre
as duas, usa a metáfora de uma cena de teatro como representação de uma situação
comunicativa. Os participantes da cena constituiriam a topicalidade, enquanto a ação seria
representada pela focalidade. Essas duas dimensões da organização discursiva podem
sobrepor-se, e alguns elementos tópicos podem vir a ser considerados focais (novos) para a
comunicação.
A informação focal de uma expressão lingüística é aquela considerada, pelo emissor,
essencial para ser integrada à informação pragmática do destinatário. Geralmente, essa
informação é nova para o destinatário, mas nem sempre isto ocorre; pode também já pertencer
a seu conhecimento. Neste caso, o emissor a torna foco por desejar ressaltá-la de forma
especial.
Segundo Dik (1997:313, v.1), em geral, um elemento que se torna tópico ou foco pode
passar por alguns “tratamentos especiais”, tais como: (i) receber uma nova forma, (ii) receber
uma marcação para sinalizar sua função pragmática, (iii) passar a ter uma posição especial na
oração, (iv) passar a ter um contorno prosódico diferente, e (v) gerar a seleção de uma
construção de tipo especial.
3.1.2 O fenômeno de gramaticalização
O fenômeno de gramaticalização (HEINE et alii, 1991) é considerado um processo de
transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou de itens gramaticais a
itens ainda mais gramaticais 46 . As formas lingüísticas somente passam por essa mudança
45
Qualquer língua natural pode conter também funções pragmáticas pertencentes ao domínio externo de
cláusula. DIK (1997:311 v.1) apresenta alguns exemplos, tais como: (i) um introdutor de fala (Bem, daremos
início à seção.), (ii) um tema (Chocolate, eu adoro comer bombons!) e (iii) um vocativo (João, venha pegar seu
presente.).
46
Outras obras, como Hopper e Traugott (1993:4), compartilham da mesma visão de “gramaticalização”: quando
uma palavra de conteúdo (content word) assume características gramaticais de uma palavra funcional (function
word), a forma é conhecida como “gramaticalizada”.
72
categorial, adquirindo novos usos e funções, em decorrência de necessidades encontradas em
vários contextos discursivos; ou seja, é a comunicação a principal motivação do processo 47 .
Portanto, sua análise dá-se com base na visão funcionalista de linguagem, levando em conta a
não-arbitrariedade dos signos lingüísticos, os participantes da situação comunicativa e suas
intenções ao utilizarem esses signos.
Para uma explicação mais completa do comportamento das formas lingüísticas que
passam pelo processo de gramaticalização, uma análise pancrônica dos dados é bastante
adequada, uma vez que não só propicia informações sobre suas extensões de uso/sentido em
um determinado período no tempo (sincrônico), mas também procura justificar a existência e
o desenrolar desse processo, pela investigação, com base no confronto de manifestações
lingüísticas ao longo de períodos de tempo, da trajetória que leva formas lingüísticas a
desenvolver tais extensões.
O surgimento de categorias (mais) gramaticais é unidirecional 48 (parâmetro da
unidirecionalidade – unidirectionality), ou seja, somente é possível a transformação de itens
menos gramaticais em itens mais gramaticais, mas o contrário não ocorre. Desse modo, as
formas lingüísticas de sentido mais concreto/lexical (facilmente acessíveis e delineáveis)
passam a expressar conceitos mais abstratos/gramaticais e não vice-versa.
Heine et alii (1991) ressaltam a seguinte frase de Givón: “A morfologia de hoje é a
sintaxe de ontem”. Este lingüista defendeu que, no processo de gramaticalização, estruturas
do discurso se desenvolvem em estruturas sintáticas fechadas (discurso > sintaxe >
morfologia > morfofonemas > zero). Os autores parafrasearam a frase de Givón ao criarem a
seguinte sentença: “A sintaxe de hoje é o discurso pragmático de amanhã”, referindo-se aos
itens lexicais que poderão transformar-se em itens gramaticais e adquirir novas funções
discursivas.
O termo cadeia de gramaticalização (grammaticalization chain) é usado por Heine et
alii (1991) ao mencionarem o que acontece no percurso de um lexema para uma forma
47
Hopper e Traugott (1993:66) comentam que (...) o processo de gramaticalização (e a mudança lingüística em
geral) é motivado pelas interações entre falantes e ouvintes, além de estratégias comunicativas (...).
48
Esta dissertação, ao tratar da unidirecionalidade, baseia-se em Haspelmath (2002). Segundo o autor, “a
unidirecionalidade na gramaticalização é a restrição mais importante na mudança morfossintática” e “a maioria
dos casos de “desgramaticalização” que são apresentados na literatura não constituem um movimento reverso à
gramaticalização (ou a “antigramaticalização”), mas outra coisa qualquer.”. (Ibidem, p.17). Em seu artigo, o
autor apresenta casos raros de desgramaticalização (o oposto à gramaticalização que apresenta
unidirecionalidade) e afirma que “A generalização básica continua intocável, visto que ninguém demonstra que a
desgramamaticalização é tão comum quanto a gramaticalização” (Ibidem, p.23).
73
gramatical (por exemplo, a natureza do processo que leva um verbo ou auxiliar a se
transformar em um morfema). Nesse processo de transição sempre ocorre a superposição
(overlaping) – um estágio no qual a forma fonte e a forma alvo coexistem como variantes 49 .
Isso demonstra que o encadeamento conceptual precede o encadeamento morfossintático 50 .
Ademais, os itens, para passarem de sua forma mais lexical (ou ± gramatical) para sua forma
mais gramatical, em um dado momento da trajetória, acabam compartilhando características
semânticas e/ou morfossintáticas desses dois extremos, produzindo formas que “flutuam” no
continuum de gramaticalização, formas de natureza híbrida 51 , o que faz com que esse
processo também se caracterize por ocorrer através de um continuum (“Gramaticalização é
um continuum evolucional” (HEINE et alii, 1991:16)) 52 .
DOMÍNIO I
A
B
DOMÍNIO II
...
Y
Z
Figura 4: A estrutura de cadeias de gramaticalização (HEINE et alii, 1991:16)
49
cf. pág.:85 – princípio de estratificação (layring)
50
cf. pág.: 84 – parâmetro assimetria entre forma e significado (form and meaning asymetry)
51
cf. pág. 85 – princípio de persistência (persistence)
52
Na seção 5, encontra-se uma cadeia de gramaticalização desenvolvida com base nas categorias funcionais de
dar encontradas no corpus.
74
As principais características do diagrama são:
(i)
as categorias são definidas em função de suas semelhanças em relação às categorias
localizadas nos extremos da cadeia 53 (sentidos A e Z do diagrama 54 ). São denominadas, por
isso, categorias de semelhança familiar 55 (family resemblance categories).
(ii) qualquer sentido encontrado na cadeia pode ser definido em relação aos seus extremos:
quanto mais perto estiver do sentido de A, menos gramaticalizada será a forma; e quanto mais
próxima de Z, mais gramaticalizado tornar-se-á o elemento.
(iii) diferentes sentidos também podem ser definidos em relação a outros: uma forma que está
à esquerda é menos gramaticalizada do que outra à direita. Quanto mais perto essas formas
estiverem uma da outra, menor será a diferença entre os níveis de gramaticalização aos quais
pertencem e, portanto, mais semelhança terão em seus significados. Portanto, B é menos
gramaticalizado do que Y, já que está à sua esquerda.
(iv) quanto mais distantes entre si forem os dois sentidos ao longo da cadeia, maior a
probabilidade de pertencerem a domínios cognitivos diferentes. Logo, A e B pertencem a um
domínio diferente daquele no qual Y e Z estão inseridos.
Heine et alii (1991:225) ainda comentam que as cadeias de gramaticalização são
semelhantes a categorias radiais e esclarecem esse termo com o seguinte trecho que
exemplifica o que ocorre com as preposições:
Para cada preposição, reconhecemos um sentido central ou prototípico. O sentido
prototípico, em vez de ser altamente geral, possui uma configuração muito
específica. A polissemia ocorre quando a preposição é usada em um sentido que é
aproximado, mas distinto do exemplo prototípico. (...) Os vários sentidos da palavra,
então, irradiam do protótipo central, como aros de uma roda. Sentidos periféricos
podem ter algo em relação a outros ou em relação ao central (...) (TAYLOR,
1988:301 apud HEINE, 1991)
Cada exemplo de gramaticalização pode ser visto, então, como a violação do princípio
“uma função, uma forma” (one function, one form principle). A polissemia, portanto, é uma
53
Uma explicação mais detalhada do processo de categorização encontra-se na abordagem de Taylor (1995),
apresentada mais adiante nesta seção.
54
55
Essas categorias pertencem a estágios de gramaticalização diferentes, já que Z é a forma gramaticalizada de A.
HEINE et alii (1991:227) afirmam que as cadeias de gramaticalização possuem todas as características das
categorias de semelhança familiar. A noção de “semelhança familiar” advém do fato de que cada item da cadeia
de gramaticalização, na verdade, é composto de elementos comuns a outro(s) item(s), consistindo em um
conjunto de itens de forma AB, BC, CD, DE.
75
característica das cadeias de gramaticalização e constitui um dos resultados típicos deste
fenômeno.
De acordo com Taylor (1995), o processo de categorização lingüística é uma atividade
cognitiva fundamental. A língua, por ser uma criação da cognição humana e um instrumento a
seu serviço, reflete, em sua estrutura e funcionamento, uma das mais importantes habilidades,
a de categorizar.
As entidades são categorizadas com base em seus atributos. Estes são propriedades de
entidades do mundo real facilmente acessíveis aos usuários da língua. Não são
necessariamente relacionados às propriedades intrínsecas do objeto/termo, mas ao papel que o
objeto/termo desempenha em uma cultura particular. Além disso, nenhum único atributo é
essencial para definir determinada categoria, mas um conjunto de determinados atributos
torna uma categoria prototípica, ou seja, uma categoria de nível básico, cujos membros, os
protótipos, geralmente possuem alto nível de freqüência e são mais salientes cognitiva e
lingüisticamente do que os demais. Em outras palavras, é possível encontrar membros de uma
categoria que possuem alguns atributos compartilhados e haver categorias cujos membros não
possuem determinado atributo em comum. Por isso, para distingui-las, é necessário enfocar os
protótipos, já que, quanto mais próximo do protótipo, mais central é o status da entidade na
categoria. Portanto, é possível afirmar que categorizar implica encontrar similaridade na
diversidade, o que lida com conceitos psicológicos bastante complexos, graduais e subjetivos.
Algumas características importantes de uma categoria prototípica são: (i) o fato de seus
membros centrais compartilharem um grande número de atributos e (ii) o fato de as categorias
prototípicas permitirem associações às entidades que compartilham poucos atributos com os
membros mais centrais, o que faz com que elas tenham flexibilidade. Além disso, uma
categoria prototípica:
(a) maximiza o número de atributos compartilhados pelos membros da categoria; e
(b) minimiza o número de atributos compartilhados com os membros de outras
categorias. (ROSCH, 1975c apud TAYLOR, 1995:51)
Taylor (1995:196) ressalta o papel do critério semântico para a categorização
gramatical:
Os critérios semânticos certamente desempenham um papel em qualquer definição
de classe de palavras (...). Isso não significa afirmar que todos os membros de uma
categoria gramatical necessariamente partilham um conteúdo semântico comum.
(Mas nem todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente
partilham as mesmas propriedades sintáticas). (...) As categorias gramaticais
possuem uma estrutura prototípica, com membros centrais partilhando uma gama de
76
atributos semânticos e sintáticos. O fato de um item não exibir alguns desses
atributos não impossibilita a associação.
Pode-se perceber, portanto, que a observação do comportamento semântico das
entidades é um dos aspectos necessários para a delimitação das categorias. No processo de
categorização, levam-se em conta as diferenças entre monossemia e polissemia, entre
homonímia e polissemia e entre metáfora e metonímia.
Um item lexical monossêmico possui um significado único, enquanto o polissêmico
possui dois ou mais significados inter-relacionados associados à sua forma lingüística. Em
geral, pertencem a domínios distintos e não necessariamente à mesma categoria sintática.
Assim como os limites entre monossemia e polissemia são tênues, a fronteira entre
homonímia e polissemia é complexa para se delinear. A homonímia ocorre quando uma
mesma forma lingüística possui significados não-relacionados e pertencem a categorias
sintáticas distintas. Geralmente, origina-se pelo afastamento dos significados de uma palavra
polissêmica o qual os torna não-relacionados e pelo fato de algumas palavras distintas
fonológica e semanticamente, com o passar do tempo, tornarem-se idênticas fonologicamente
devido a mudanças fonéticas. Os significados de um item polissêmico, por sua vez,
configuram uma rede complexa de usos relacionados que gera, por extensão de significados,
as chamadas categorias de semelhança familiar (family resemblance categories). Estas
categorias são estruturadas analogamente a categorias radiais; ou seja, a partir do item com
significado central da categoria, ocorrem metáforas que produzem outros itens com
significados periféricos (cf. TAYLOR, 1988:301 apud HEINE, 1991). O item central é o
membro com o qual todos os outros estão relacionados e o grau de centralidade de um
membro está relacionado com sua produtividade; quanto mais produtivo, mais próximo do
centro.
Para atribuir conceitos para os quais não há qualquer designação prévia ou para os quais
novas designações são necessárias, os falantes, além de inventar signos arbitrariamente, fazer
empréstimos lexicais de outras línguas ou criar expressões com o recurso da onomatopéia,
utilizam, com bastante freqüência, duas estratégias: (i) compõem novas expressões a partir de
formas gramaticais e lexicais já existentes, enriquecendo o inventário lexical da língua e (ii)
estendem o uso de formas já existentes para a expressão de novos conceitos, o que inclui um
processo de analogia que aplica (separadamente ou não) as noções de transferência,
metonímia ou metáfora. Esta estratégia serve não só à introdução de novos lexemas, mas
também configura um meio primário de criar expressões gramaticais.
77
Segundo Taylor (1995), a metonímia é tradicionalmente uma figura de linguagem pela
qual o nome de uma entidade “e1” é usado para se referir a outra entidade “e2” que está
contígua a “e1”. Tal mecanismo somente é possível pela função de referência (referring
function) que permite que o nome do produtor se refira ao produto ou que a parte se refira ao
todo. Além disso, qualquer manifestação da função de referência necessita ser sancionada por
um conjunto de conhecimentos e crenças pressupostos culturalmente. Dessa forma, a
metonímia somente acontece quando há possibilidade de conexão entre entidades que coocorrem em uma dada estrutura conceptual. O autor, então, com uma visão mais ampla desse
conceito, afirma que as entidades participantes não são necessariamente contíguas no sentido
espacial, nem que a metonímia é um ato restrito de referência. Essa nova perspectiva,
considera a metonímia o mais fundamental processo de extensão de significado,
possivelmente mais básico até mesmo do que a metáfora. Esta, por sua vez, é considerada o
meio pelo qual as áreas da experiência mais abstratas e inteligíveis podem ser
conceptualizadas de forma mais concreta e familiar. É, portanto, motivada pela busca por
entendimento de um determinado domínio cognitivo através dos componentes de outro
domínio cognitivo, que pode ser associado ao primeiro.
A fim de prover mais detalhes sobre o processo de gramaticalização, Heine et alii
(1991:29) citam três aspectos básicos de sua ocorrência que podem diferenciá-lo de outros
fenômenos semelhantes:
1. (...) os conceitos de formação e de designação de vocábulos são diferentes, no
processo de gramaticalização o primeiro precede o segundo; 2. (...) o uso de um
dado termo lingüístico para um conceito novo envolve um processo de transferência
conceptual pelo qual dois conceitos diferentes são metaforicamente equiparados e o
termo usado para um deles, denominado conceito fonte, é estendido para se referir a
outro, denominado conceito alvo; 3. (...) o processo de transferência conceptual
caracteriza-se por ser um ato criativo.
A figura seguinte apresenta o modo como o processo de transferência conceptual se
relaciona com a estrutura lingüística. Percebe-se a necessidade de representar uma dada
função gramatical (Função 1), pertencente ao discurso, através de uma forma lexical. Esta
assimila um status gramatical (Forma Gramaticalizada 1). Em seguida, pode surgir ainda
outra função mais abstrata (Função 2), que será desempenhada pela forma gramaticalizada 1.
Esta, por sua vez, com o avanço do processo de gramaticalização, passará à forma
gramaticalizada 2.
78
Significado Lexical
Forma Lexical
Função 1
Forma
Gramaticalizada 1
Função 2
Forma
Gramaticalizada 2
Figura 5: Um cenário de gramaticalização como meio de resolução de um problema
(HEINE et alii, 1991:29)
A transferência conceptual, à qual o autor se refere na citação, promove a interação
entre dois domínios envolvidos, em geral um domínio fonte (concreto, tipicamente lexical) e
um domínio alvo (abstrato, gramatical). Os autores denominam criatividade a capacidade de
realizar essas transições, de caráter unidirecional. Além disso, afirmam: “Criatividade requer
que os falantes manipulem contextos e conceitos de uma forma que seja inteligível e adotada
pela comunidade de fala” (HEINE et alii, 1991:93). Tal consideração corrobora a constatação
de que o desenvolvimento de estruturas gramaticais é motivado por necessidades
comunicativas ou pela presença de conteúdos cognitivos para os quais não há qualquer
designação lingüística adequada.
No processo de cognição, a formação de estruturas gramaticais pressupõe a presença de
estruturas cognitivas conhecidas como “conceitos básicos” (source concepts), cujo papel é
servir de fonte ou de input para gramaticalização. Lingüisticamente, tais estruturas são
tratadas como lexemas. Referem-se, em geral, a algumas das experiências humanas mais
básicas (indicam tipicamente estado físico, comportamento) e são usadas na exposição do
pensamento humano e em situações de comunicação. Verbos que demonstram estado físico,
como sentar, levantar e deitar, e verbos auxiliares 56 são freqüentes e fontes muito comuns de
gramaticalização. São, portanto, considerados conceitos básicos. No entanto, Heine et alii
(1991) esclarecem que as categorias do nível subordinado (verbos usados em subordinação)
raramente designam tais conceitos.
A abstração metafórica 57 (metaphorical abstraction), que faz parte do processo de
transferência conceptual, revela o modo como os usuários da língua entendem o mundo e o
56
Heine et alii apresentam os seguintes itens como exemplos de verbos auxiliares: ter (have), ser, estar (be), dar
(give), e fazer (make).
57
Entende-se que a metáfora (HOPPER e TRAGOTT, 1993:77) envolve “a transferência do significado básico,
concreto, para um mais abstrato. Os processos metafóricos são processos de inferência que passam por fronteiras
conceptuais e (...) tipicamente são representados por “mapeamentos” e “saltos associativos”, de um domínio para
o outro”. Além disso, a transferência metafórica “envolve a especificação de uma coisa mais complexa em
termos de outra que não está presente no contexto (cf. p. 87)”.
79
conceituam, já que relaciona dois domínios (um concreto e outro abstrato) da experiência
humana. Há, portanto, uma relação entre referencialidade e abstração no discurso. Os objetos
que se referem a algo, que designam algum ser no mundo biossocial são menos abstratos do
que aqueles que possuem baixo grau de referencialidade. Lingüisticamente, há dois tipos
principais de abstração metafórica: (i) a abstração que preserva a estrutura (structurepreserving abstraction), que não afeta o status categorial das entidades envolvidas, e (ii) a
abstração que muda a estrutura (structure-changing abstraction), que leva a alguma
transformação lingüística de um tipo de constituinte para outro.
Tanto a metáfora quanto a metonímia são aspectos complementares necessários ao
processo de gramaticalização. Segundo Heine et alii (1991:48), “a metáfora (...) é interpretada
como uma estratégia cognitiva que nos ajuda a entender, mas não explicar a gramaticalização
ou o comportamento gramatical”. Segundo Hopper e Traugott (1993:87), a mudança
metonímica “envolve a especificação de um significado em termos de outro que está presente
no contexto”. Além disso:
[...] enquanto a metáfora é usada primariamente para resolver o problema de
representação, a metonímia e lexicalização de significados conversacionais são
usados para resolver problemas relacionados à expressão de atitudes do falante (...) a
inferência metonímica e a metafórica são complementares, não se excluem
mutuamente, são processos do nível pragmático que resultam de duplos mecanismos
de reanálise, ligada ao processo cognitivo de metonímia, e de analogia, ligada ao
processo cognitivo da metáfora.
Heine et alii (1991) esclarecem que os tipos de metáforas aplicadas na formação do
léxico não são as mesmas usadas na produção de categorias gramaticais. Somente as
metáforas experimentais (experimential metaphores) são envolvidas na gramaticalização, pois
se verificam na transferência de um significado mais concreto para um mais abstrato, em uma
trajetória unidirecional, o que nem sempre ocorre no desenvolvimento do léxico. Mencionam,
ainda, a existência de dois tipos de metáforas – a criativa (creative) e a emergente (emerging),
que se diferenciam em suas origens. A primeira ocorre quando uma nova expressão é formada
e contém uma predicação falsa, envolvendo a violação de regras semânticas (por exemplo, um
átomo é um sistema solar 58 – metáfora, segundo Heine et alii (1991), criada por Rutherford e
Nichols Bohr, no âmbito da física). Por outro lado, a segunda, observada no processo de
gramaticalização, não forma novas expressões, mas se constrói com base em predicações já
existentes que são, por sua vez, introduzidas em novos contextos e aplicadas a novas
situações, gerando extensões de significado (por exemplo, a expressão dar sermão em O
58
Holfman (1982:8) apud Heine et alii (1991:60)
80
professor deu um sermão na turma, em que sermão apresenta uma extensão do significado
básico de discurso religioso para repreensão.). Dessa forma, as metáforas emergentes são
motivadas pragmaticamente.
A seguinte escala de graus de abstração metafórica foi elaborada por Heine et alii
(1991: 48):
PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE
As categorias da escala representam entidades prototípicas. Cada uma inclui uma
variedade de conceitos de natureza perceptual ou lingüística e pode ser vista como a
representação de um domínio de conceptualização importante para estruturar experiência. A
relação entre elas é metafórica por natureza; ou seja, cada uma delas pode servir para
conceituar outra categoria à sua direita, e, portanto, a escala segue da categoria mais concreta
(pessoa) para a mais abstrata (qualidade). Vale ressaltar que a mudança de uma categoria para
outra não se dá de forma automática; pelo contrário, tal processo é gradual, dá-se em um
continuum. Esses domínios conceituais distintos relacionam-se por meio de compreensão
metonímica, gerando entidades intermediárias que poderão ser identificadas em diferentes
contextos. Segundo os autores, a metonímia ocorre por manipulação pragmático-discursiva
em que os conceitos se sujeitam a fatos contextuais para que sejam (re)interpretados. Este
processo é tratado como “reinterpretação induzida pelo contexto” (context-induced
reinterpretation). A representação abaixo refere-se à estrutura em comum dos componentes
metonímicos e metafóricos da gramaticalização:
A Æ A, B Æ B (cf. p. 74)
É possível perceber que, na transição da entidade conceitual A para B, há um estágio
intermediário (A, B), em que tais domínios coexistem lado a lado. A ocorrência desse estágio
intermediário é responsável, na estrutura da língua, por alguns tipos de ambigüidades ou por
variação livre. Em suma, a transferência metafórica de um domínio a outro não envolve
mudança de sentido, apenas extensão, enquanto, na atividade metonímica, ocorre uma
“ressemantização” na qual o sentido fonte perde certas propriedades e o sentido alvo assimila
outras.
Retoma-se, então, a importância dessas duas atividades cognitivas:
(...) ambas metáfora e metonímia são parte e parcela de um mesmo processo,
gramaticalização, embora no caso de uma função gramatical particular uma delas
pode ser mais proeminente do que a outra. (HEINE et alii, 1991: 74)
81
Os autores propõem, inicialmente, o seguinte diagrama que revela uma rede conceitual
de gramaticalização (Heine et alii, 1991: 99):
A
C
B
D
E
F
Figura 6: Uma rede conceptual de gramaticalização
As letras B, C, D, E e F devem ser interpretadas como unidades lingüísticas que passam
pelo processo de gramaticalização e são derivadas da letra fonte A. Antes de dar
prosseguimento à interpretação do esquema, algumas de suas características principais são
apresentadas:
a) A rede de gramaticalização pode ser descrita por um modelo de divergência que
pode ser graficamente exposto em forma de diagrama arbóreo.
b) Vários sentidos são conectados uns com os outros por meio de linhas de
mudanças conceptuais (conceptual shifts).
c) Esta mudança é unidirecional e procede do sentido “mais concreto”, no topo,
para os “mais abstratos”, na base.
d) O item A, mais alto do topo, é tipicamente, mas não obrigatoriamente, uma
unidade lexical. (HEINE et alii, 1991:98)
A rede de gramaticalização proposta tem seu processo iniciado com uma expressão A,
cujo sentido focal/central (focal/core sense) 59 pode gerar um conjunto de implicaturas,
sentidos que dependem do contexto. Cada uma dessas implicaturas desenvolve-se em um
outro sentido, e o próximo item desenvolvido adquire seu próprio conjunto de implicaturas.
De acordo com tal perspectiva, o item B deve ser considerado como uma implicatura de A, o
que ocorre sucessivamente com os demais itens.
Heine et alii (1991) chegaram à conclusão de que o processo de gramaticalização
envolve uma “macroestrutura”, de natureza psicológica, e uma “microestrutura”, de natureza
pragmática. A primeira abarca domínios cognitivos e as relações existentes entre eles (como
“similaridade” e “analogia”), e a metáfora é a estratégia principal para interligar esses
domínios de forma discreta. A segunda, por outro lado, refere-se ao contexto e à sua
59
O termo focal ou central refere-se ao sentido mais primário, denotativo, o mais freqüente da expressão
lingüística. Por isso, é, em geral, o primeiro usado por falantes nativos nas traduções e apresenta poucas
restrições contextuais. (cf. p. 100)
82
manipulação, que gera uma reinterpretação induzida pelo contexto (context-induced
interpretation), pela qual as implicaturas conversacionais são transformadas em sentidos
“focais”, um processo de natureza metonímica que ocorre por extensão conceptual gradual.
Para ilustrar melhor o processo de gramaticalização no nível da macroestrutura, os
autores criaram outro diagrama, pois passaram a alegar que o esquema anterior, apesar de
levar em conta a divergência de sentidos, não considera a atividade de convergência
cognitiva, através da qual os conceitos poderiam fundir-se (“(...) os conceitos não somente se
dividem, mas também se fundem” (Heine et alii, 1991:108)). Neste esquema, o significado de
uma entidade gramatical não é determinado apenas por seu sentido focal, mas também por
outros sentidos não focais; por isso, as letras maiúsculas representam os sentidos focais,
enquanto as minúsculas os sentidos não focais. Observa-se também a presença de um domínio
(aBc) que perpassa o caminho da transferência de uma entidade conceptual (xAb) a outra
(bCd), demonstrando que níveis intermediários do processo podem coexistir com os domínios
fonte e alvo, menos e mais gramaticalizados, respectivamente:
xYz
xAb
aBc
bCd
yXa
bDc
Figura 7: Macroestrutura conceptual da gramaticalização (Heine et alii, 1991:108)
83
A microestrutura e a macroestrutura representam, portanto, duas forças envolvidas no
processo de gramaticalização e podem ser ilustradas com o seguinte esquema (HEINE et alii,
1991:114):
X
xa
→
A
ab
→
bc
→
C
Domínio II
Domínio I
→ reinterpretação
contextualmente induzida
(metonímia)
B
transferência metafórica
Figura 8: O modelo metonímico-metafórico
O diagrama anterior revela que, através da reinterpretação contextualmente induzida,
desenvolvem-se domínios intermediários (xa, ab, e bc) que não mais coexistem à medida que
as extensões de sentido do domínio-fonte são completamente formadas.
Hopper & Traugott (1993:6) também afirmam que, do ponto de vista da mudança, as
formas não mudam abruptamente de uma categoria para outra, mas passam por uma série de
transições graduais. Comentam, então, o conceito de cline (trajetória), “uma trajetória natural
pela qual as formas evoluem (...)”.Apresentam uma trajetória de gramaticalização (cline of
grammaticality) do seguinte tipo:
Item lexical (content item) > palavra gramatical (grammatical word) > clítico (clitic) > afixo
(inflectional affix)
O componente mais à esquerda da trajetória descrita anteriormente é de natureza lexical
e move-se em direção a estágios que o tornarão um elemento mais sintático (palavra
gramatical, clítico) e, finalmente, morfológico (afixo). Cada item à direita é mais claramente
gramatical e menos lexical do que o da esquerda.
Eis alguns parâmetros (cf. Heine et alii, 1991:212) que podem servir como guia para
caracterizar o desenvolvimento do processo de gramaticalização em uma forma lingüística:
84
(i) a manipulação conceitual (conceptual manipulation) — ocorre a alteração do significado
da forma-fonte;
(ii) a dessemantização (dessemanticization) — refere-se à perda de conteúdo semântico que
ocorre no item gramaticalizado;
(iii) a assimetria entre forma e significado (the form and meaning asymetry) — a forma fonte
nem sempre desaparece após o surgimento das formas gramaticalizadas, o que leva,
sincronicamente, ao desenvolvimento da polissemia do termo, já que uma forma terá um
significado mais lexical ou menos gramatical e, outro(s) mais gramatical(is), infringindo o
princípio de iconicidade (cf. 3.1). Este parâmetro é correlato a outro, ao de extensão, que
ocorre quando o item gramaticalizado adquire novos significados, se generaliza, ao ser
inserido em novos contextos;
(iv) a decategorização (decategorialization) — os itens gramaticalizados passam pela
transferência categorial, deixando de ser modificados por processos morfossintáticos da
categoria de origem 60 ;
(v) a perda de autonomia (loss of autonomy) — as formas, após decategorização, perdem sua
autonomia morfossintática e começam a ficar dependentes de outras palavras vizinhas;
(vi) a erosão (erosion) — ocorre a perda de material fonético e morfossintático, o que gera
redução da forma e dependência em relação às formas vizinhas (uma das causas da perda de
autonomia); e
(vii) recategorização (recategorialization) — restaura-se a iconicidade entre forma e
significado, já que as formas híbridas adquirem função específica.
Um mecanismo que é conseqüência da manipulação conceptual e que freqüentemente
ocorre no processo de gramaticalização é a reanálise (reanalysis). Heine et alii (1991)
interpretam este termo como “reformulação sintático-semântica” (“syntatic/semantic
reformulation”, termo, segundo os autores, usado por Langacker (1977:79)). Essa
reformulação é de natureza interna e constitui uma mudança de fronteiras em que uma forma
lingüística passa por perda de fronteiras e criação de outras. 61 O tipo mais recorrente de
60
61
Cf. princípio de Hopper (1991) também conhecido por “decategorização” (de-categorization).
Um exemplo de reanálise em inglês ocorre na passagem do “be going (to...)” indicando intenção ([I am going
to[marry Bill]] – (Eu irei (≅ tenho a intenção de) [casar] com Bill), para o auxiliar de futuro “be going to” ([I am going to
marry Bill]) – ( Eu [irei casar] com Bill (≅ação futura)). Os colchetes demonstram as mudanças ocorridas quanto às
fronteiras das estruturas devido a esse processo.
85
reanálise, segundo Hopper & Traugott (1993), é a fusão de duas ou mais formas (entre
palavras ou entre morfemas e palavras). Deve-se ressaltar, contudo, que nem todos os casos
de reanálise resultam do processo de gramaticalização; ou seja, nem todas as novas formas
são conseqüência da passagem de um item lexical a um item mais gramatical.
Heine et alii (1991) ainda resumem alguns fatos que ocorrem com formas lingüísticas e
que são diretamente proporcionais ao avanço do processo de gramaticalização: (i) a perda de
complexidade semântica, (ii) a perda de significado pragmático e o ganho de significado
sintático, (iii) a redução do número de membros pertencentes ao mesmo paradigma
morfossintático, (iv) a posição cada vez mais fixa na oração, já que sua variabilidade sintática
diminui, (v) o uso obrigatório em certos contextos e agramatical em outros, (vi) a
possibilidade maior de união, de natureza semântica, morfossintática e fonológica, com outras
unidades, e (vii) a perda em substância fonética.
Hopper (1991), à semelhança de Heine et alii (1991), já havia desenvolvido cinco
princípios aplicados ao processo de gramaticalização, que contribuem bastante para detectar
os primeiros estágios desse fenômeno:
(i)
estratificação (layring) — em um mesmo domínio funcional, novas formas podem
emergir e coexistir com as antigas, que não param necessariamente de ser produzidas;
(ii) divergência (divergence) — a forma gramaticalizada pode preservar sua forma lexical de
origem, apesar de, dependendo do contexto, vir a pertencer a diferentes categorias (mais ou
menos gramaticais); pode-se vinculá-lo ao princípio de extensão descrito por HEINE et alii
(1991);
(iii) especialização (specialization) — a forma gramaticalizada sofre um estreitamento de
suas funções, ou seja, passa a ter um número reduzido de funções, em comparação com a
quantidade de funções da forma lexical de origem;
(iv) persistência (persistence) — a forma gramaticalizada, assim que o processo ocorre,
carrega traços de seu significado original, fato que gera a formação de estruturas híbridas, que
compartilham características da forma-fonte e da forma-alvo, no enfoque de Heine et alii
(1991);
(v) decategorização (de-categorization) —
a forma gramaticalizada tende a perder ou
neutralizar os marcadores morfológicos e os privilégios sintáticos característicos da categoria
de origem e assumir características das categorias de destino (cf. HEINE et alii, 1991:213)
86
Outro aspecto que pode interferir no processo de gramaticalização é o papel da
freqüência das entidades pertencentes às categorias do continuum. O trabalho desenvolvido
por Bybee e Pagliuca (1985), segundo o qual há uma relação entre freqüência de uso e
gramaticalização, também é mencionado por Heine et alii (1991). Aqueles autores também
ressaltam a extensão metafórica como uma característica subjacente à gramaticalização, já
que as formas gramaticalizadas “servem para expressar funções gramaticais que em si
mesmas são necessariamente abstratas” (BYBEE e PAGLIUCA 1985:72 apud HEINE et alii,
1991). Em Bybee (2003), o autor afirma que a freqüência não é apenas resultado da
gramaticalização, pois pode ser considerada motivadora do processo. Através do uso, há
enfraquecimento semântico (bleaching) ou generalização dos itens que passam pelo processo
de gramaticalização. Estes passam a ter significados mais gerais e abstratos, o que gera o
aumento de freqüência de tais elementos. Considera-se o hábito como o mecanismo que está
por trás do esvaziamento semântico: “um estímulo perde seu impacto se ocorre muito
freqüentemente” (BYBEE, 2003:605).
A ênfase dada ao papel da freqüência é tanta que o autor elabora um novo ponto de
vista sobre a gramaticalização – “um processo pelo qual uma seqüência de palavras ou
morfemas freqüentemente usados se tornam automáticos como uma única unidade de
processamento” (BYBEE, 2003:603). Afirma que a freqüência é responsável por:
(i) levar ao enfraquecimento da força semântica pelo hábito: com o hábito o
organismo pára de responder o estímulo repetido da mesma forma;
(ii) interferir na redução e na fusão fonológica com a repetição, condicionadas pelo
uso da construção em sentenças contendo informação velha ou de fundo;
(iii) condicionar uma autonomia maior para a construção, ou seja, seus componentes
individuais perdem ou enfraquecem suas associações com outros usos dos mesmos
itens;
(iv) gerar a perda de transparência semântica que, por sua vez, leva ao uso da
construção em novos contextos, com novas associações, estabelecendo mudança
semântica;
(v) fazer com que o sintagma freqüente e autônomo passe a ser mais “penetrado”
(entrenched) na língua, preservando características morfossintáticas antigas.
(BYBEE, 2003:604)
Segundo o autor, é possível investigar dois tipos de freqüência: a de ocorrência (token
frequency) e a de tipo (type frequency). A primeira refere-se à produtividade da unidade,
geralmente palavra ou morfema no texto (por exemplo, a quantidade de dar ao pertencer a
diferentes categorias), enquanto a segunda indica a quantidade de um tipo de estrutura em
87
particular (por exemplo, o tipo, predicante ou não predicante, do SN que se vincula ao verbo
nas construções dar + SN).
Para concluir a presente seção, apresentam-se, nas palavras de Travaglia (2003:321),
duas justificativas que levam à pesquisa sobre gramaticalização de verbos:
1ª: é preciso saber que nem todos os verbos têm os valores, usos e funções próprios
da classe dos verbos e dos itens lexicais;
2ª: em conseqüência, a atenção aos verbos gramaticais e em processo de
gramaticalização e a pesquisa sobre os mesmos é muito importante, quando se quer
realizar estudos sobre o funcionamento textual-discursivo dos verbos, pois,
certamente, tais verbos têm papéis bastante diversos daqueles verbos que chamamos
de lexicais.
3.2 Sociofuncionalismo: a conjugação de duas abordagens
A Sociolingüística Variacionista é mais uma vertente de estudos lingüísticos que
concebe a língua como meio pelo qual seus usuários mantêm relações sociais, interacionais.
Esta concepção de língua e a importância de analisá-la em um contexto de interação
consistem no principal ponto de interseção entre Sociolingüística e Funcionalismo, o qual
permite a realização de estudos que se fundamentem na conjugação de pressupostos das duas
abordagens. Tavares (2003:98) afirma que o sociofuncionalismo “toma a variação lingüística
do ponto de vista da função discursiva e a explica com base em princípios funcionais”.
Trata-se aqui de aspectos dessas teorias que são considerados para a concretização de
um estudo de caráter sociofuncionalista sobre a alternância entre perífrases com verbo-suporte
dar (dar telefonema/ dar pulos) e verbos predicadores cognatos aos SNs das construções
(telefonar/ pular).
Um dos pilares da Sociolingüística é o axioma da heterogeneidade, segundo o qual a
principal característica da língua é a variação, passível de ser estudada e sistematizada. A
crença na heterogeneidade da língua como um aspecto natural pode ser constatada no seguinte
trecho:
(...) a heterogeneidade não é apenas comum, é o resultado natural de fatores
lingüísticos básicos. Alegamos que é a ausência de alternância de registro e de
sistemas de comunicação multi-estratificados que seria disfuncional. (WEINREICH,
LABOV e HERZOG, 1968:101)
As formas lingüísticas que se alternam em um mesmo contexto (estão em variação) são
denominadas variantes. Para a Sociolingüística, o emprego de uma determinada forma em
detrimento de outra ocorre devido a regras variáveis, ou seja, a condicionamentos de cunho
88
extralingüístico
e
de
cunho
intralingüístico
(fatores
fonológicos,
semânticos,
morfossintáticos). Mollica (2003:11) comenta o papel da teoria:
Cabe à Sociolingüística diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou negativo
sobre a emergência dos usos lingüísticos alternativos e prever seu comportamento
regular e sistemático.
Acerca da interpretação dos falantes, Labov (1972:251) faz o seguinte comentário:
Os falantes não aceitam prontamente o fato de que duas expressões, na verdade,
“significam o mesmo” e há uma tendência forte de lhes atribuir significados
diferentes. Se um determinado grupo de falantes usa uma variante particular, então
os valores sociais atribuídos àquele grupo serão transferidos àquela variante
lingüística.
Infere-se, então, que as variantes empregadas mais freqüentemente por usuários de
classes sócio-econômicas mais altas, que controlam o poder político, tendem a ser
consideradas como formadoras da variedade lingüística de prestígio. Tal situação pode gerar o
estigma e o preconceito em relação às variantes menos prestigiadas e a seus usuários. No
entanto, de acordo com uma teoria de cunho sociofuncionalista, quaisquer línguas e
variedades de uma língua são complexas e eficientes, possibilitando que seus usuários
alcancem as funções semântico-pragmáticas que desejam.
Lavandera (1985) questiona o fato de Labov (1972:207) assumir como questionamento
fundamental da Sociolingüística “por que alguém diz algo?”. Segundo a autora, tal indagação
implica necessariamente explicações funcionalistas, já que as intenções do falante constituem
motivações de natureza pragmático-discursiva que podem se aliar a condicionamentos sociais
e lingüísticos na produção das expressões lingüísticas. Logo, em um estudo de natureza
sociofuncionalista, além de se considerar a importância de fatores sociais e lingüísticos,
associa-se o emprego das formas alternantes às motivações de ordem discursiva, relacionadas
à intenção do falante no momento da produção.
Outro aspecto questionado pela autora é o conceito de “valor de verdade” das variantes.
O debate a respeito da pertinência dessa premissa passou a ocorrer com o surgimento de
estudos variacionistas que ultrapassavam o nível fonológico. Para Labov (1972:271), as
variantes devem “dizer a mesma coisa”, o que significa que “são idênticas em relação ao valor
referencial ou valor de verdade, mas opostas em relação a seu significado social e/ou
estilístico.” No entanto, Lavandera (1985) argumenta que há uma diferença entre variantes
fonológicas e não-fonológicas. As primeiras demonstram significado social e estilístico e não
possuem, necessariamente, significado referencial (ou equivalência semântica), enquanto as
89
não-fonológicas possuem significado referencial próprio, mas não são “totalmente
condicionadas por fatores extralingüísticos, já que refletem uma opção funcional da parte do
falante, dirigida a servir seus propósitos comunicativos” (LAVANDERA,1985:14). Por isso, a
autora propõe “enfraquecer a condição de que o significado seja o mesmo para todas as
formas alternantes e substituí-la por uma condição de compatibilidade funcional (grifo
nosso)” (LAVANDERA, 1985:45). Para fundamentar sua proposta, a autora menciona
Weiner e Labov (1977), um estudo acerca das passivas em inglês que não apresentou
relevância de condicionamentos extralingüísticos e que, inclusive, revelou como um dos
grupos de fatores relevantes o status informacional, de natureza funcional.
A abordagem sociofuncionalista que se deseja apresentar acerca do fenômeno de
alternância considera as construções dar + SN e os verbos predicadores de sentido
equivalente formas alternantes (e não variantes no sentido estrito). Sendo assim, os fatores
pragmático-discursivos dessa alternância constituem o foco principal de investigação desse
estudo. Para tanto, são utilizados dois tipos de materiais na investigação desse fenômeno: (i)
amostras de dados orais e escritos do Português Brasileiro e (ii) testes de atitude. Com o
primeiro, é possível observar o comportamento “variável” dos falantes e detectar
condicionamentos lingüísticos, sociais e discursivos relativos a esse comportamento,
enquanto, com o segundo, é viável investigar mais detalhadamente a natureza dos
condicionamentos discursivos, as características dos contextos interacionais que fazem o
falante recorrer ao emprego de predicadores complexos com dar ou de predicadores simples
cognatos, bem como as avaliações subjetivas que os usuários atribuem às alternativas em
estudo.
As hipóteses acerca da relevância dos condicionamentos de um fenômeno de
alternância podem ser operacionalizadas em forma de grupos de fatores (ou variáveis
independentes), pois permitem a visão conjunta e mais abrangente dos aspectos que o
influenciam. Os estudos sociolingüísticos, bem como os funcionalistas, consideram
importante o papel da freqüência na checagem de suas hipóteses. Além disso, as pesquisas
variacionistas dão destaque ao valor do peso relativo, uma medida obtida pela interação entre
todos os grupos de fatores e que indica o “peso” ou relevância de cada fator da variável
independente para a produção de uma das variantes.
A variação pode ser classificada em quatro tipos básicos : (i) geográfica ou diatópica –
em função das localidades de origem e/ou moradia distintas dos falantes; (ii) social ou
diastrática – em função da identidade sociocultural dos falantes e da organização
90
socioeconômica à qual pertencem (exemplos: classe social, idade, escolaridade e sexo); (iii)
variação estilística – em função do grau de consciência e/ou reflexão dos usuários da língua
sobre sua fala ou escrita; e (iv) variação diacrônica (ou histórica) – em função de períodos de
tempo ou de gerações de falantes que convivem num mesmo período.
Segundo Labov (1994), para detectar os diferentes estágios em que as formas
alternantes se encontram, foram desenvolvidos métodos de investigação que relacionam
tempo e faixa etária, quais sejam: (i) estudo em tempo aparente e (ii) estudo em tempo real.
Com o estudo em tempo aparente, é possível observar como a alternância ocorre por vários
grupos etários em um determinado período de tempo. Trabalha-se, em geral, com a hipótese
de que a forma alternante inovadora é mais produtiva na fala dos jovens do que na fala de
usuários de faixa etária intermediária e na fala dos idosos. A confirmação dessa hipótese
nesse padrão linear indica que o fenômeno constitui um caso de mudança em progresso – uma
forma está suplantando outra; esta, por sua vez, continua a ocorrer apenas em poucos
contextos. A configuração de um padrão curvilinear, em que usuários da faixa intermediária
tendem a empregar, mais ou menos produtivamente, variante diferente daquela pela qual
optam usuários que se encontram nas faixas dos extremos (a dos mais jovens e a dos mais
idosos), sinaliza uma situação de variação estável – as formas alternantes permanecem ao
longo das gerações. O estudo em tempo real, em que se toma a perspectiva diacrônica da
variação em sentido estrito, pode ser feito de duas maneiras: (i) pela a análise de textos do
passado que registrem as formas alternantes e que possibilitem a comparação do
comportamento dessas formas com o verificado em registros mais recentes e (ii) pela análise
do comportamento da comunidade (mesmos indivíduos recontactados ou não; neste caso,
constitui-se uma amostra complementar) em duas épocas distintas que se distanciam em um
determinado lapso de tempo (vinte anos, no caso da amostra NURC-RJ, por exemplo). Esse
estudo poderá mostrar as seuguintes possibilidades: variação estável, mudança em progresso,
gradação etária – variação restrita à uma determinada faixa etária, mudança completa – uma
das formas que um dia se encontrava em variação não mais é usada. Este tipo de mudança
pode ser classificada como “mudança vinda de baixo” – abaixo do nível de consciência do
falante e “mudanças vinda de cima” – induzidas pela classe dominante.
Labov (1994) comenta certas dificuldades que devem ser levadas em conta nos dois
estudos. O de tempo aparente requer a conjugação da análise de outros condicionamentos,
como por exemplo os graus de escolaridade e o nível profissional dos informantes, para
checar se é a variável faixa etária por si só que influencia a alternância/variação (ou algum
91
tipo de mudança). Ademais, distribuições por faixas etárias podem não representar mudança
completa na comunidade, mas apenas um padrão característico de determinada faixa que se
repete em cada geração (gradação etária). Nos estudos de comportamento lingüístico em
tempo real que pressupõe recontacto (gravações) com os mesmos indivíduos de uma
determinada comunidade após um período de tempo considerável (estudo de painel), há a
dificuldade de se encontrarem os informantes, principalmente os mais velhos. O autor alega
que a forma mais adequada de reconstruir uma cronologia de vários estágios de mudança é
fazer a correlação entre estudos em tempo aparente e em tempo real.
Os estudos em tempo aparente e em tempo real levaram Weinreich, Labov e Herzog
(1968:188) a constatarem que “nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura
lingüística envolve mudança, mas toda mudança envolve variabilidade e heterogeneidade”.
Sobre os princípios empíricos para a teoria da mudança, os autores destacam cinco problemas
que o pesquisador deve enfrentar: (i) o dos fatores condicionantes; (ii) o do encaixamento;
(iii) o da transição; (iv) o da avaliação; e (v) o da implementação.
O problema dos fatores condicionantes decorre da necessidade de se buscarem aspectos
que favorecem ou restringem as mudanças e, conseqüentemente, de se identificarem as
mudanças possíveis.
Para investigar uma mudança encaixada no sistema lingüístico, consideram-se dois
tipos de encaixamento – um que ocorre na estrutura lingüística e outro que ocorre na estrutura
social. Quanto ao primeiro, os autores comentam que há um conjunto de variáveis no sistema
que o modifica de forma gradual. O controle da variação é feito pelos falantes que regulam a
produtividade das variantes dessas variáveis. Quando alguma dessas variantes deixa de existir,
por exemplo, esse fato pode gerar uma modificação no sistema lingüístico (a necessidade de
atribuição de diferentes funções para formas já existentes), caracterizando o encaixamento. As
variantes lingüísticas não estão igualmente encaixadas na estrutura social, fato que também
interfere no encaixamento lingüístico, no modo como a mudança ocorrerá, se de baixo para
cima ou se de cima para baixo. Para os autores, é papel do pesquisador determinar “o grau de
correlação social que existe e mostrar como ela pesa sobre o sistema lingüístico abstrato”
(p.123). Inclusive, afirmam que “nos estágios iniciais e finais de uma mudança pode haver
muito pouca correlação com fatores sociais” (p.123).
Ao lidar com o problema de transição, investiga-se o percurso através do qual cada
mudança se realiza.
92
Procura-se determinar em que medida a avaliação subjetiva pode interferir no processo
de mudança ao lidar com o problema de avaliação.
O problema de implementação refere-se à investigação dos motivos pelos quais uma
dada mudança ocorre em um momento e em um lugar determinado, e não em outro momento
e/ou em outro lugar.
Trabalha-se, em certa medida, com os quatro primeiros problemas citados na
investigação do fenômeno de alternância entre predicadores complexos com dar e
predicadores simples. Por se tratar de uma pesquisa de natureza sociofuncionalista, a análise
leva em conta não só a co-atuação entre variáveis sociais (como faixa etária e graus de
escolaridade) e lingüísticas (como configuração sintática do SN e diferença entre o número
de sílabas do verbo predicador e o da perífrase), mas também a relação destas com uma
variável discursiva (presença de nuances semânticas). A observação do fenômeno variável
em foco pauta-se em um estudo do comportamento lingüístico em tempo aparente, devido à
natureza dos corpora com os quais se conta – textos orais produzidos por falantes de
diferentes faixas etárias e textos escritos pertencentes às décadas de 1990 e de 2000. Ademais,
com o objetivo de buscar a avaliação dos usuários da língua sobre o emprego das formas
alternantes e, por conseguinte, poder investir na investigação dos condicionamentos
funcionais (semântico-discursivos) envolvidos no fenômeno estudado, testes de atitude são
realizados.
3.3 Fundamentos para a pesquisa com testes de atitude
Cada emprego lingüístico é passível não só de avaliação social, mas também de
avaliação individual. Pode ter ou adquirir uma significação social que atua, no nível da
consciência do usuário, na organização de seus discursos. Assim sendo, o processo de
configuração lingüístico-discursiva passa pelo plano das percepções e reações, mais ou menos
conscientes, dos usuários de uma língua.
Em linhas gerais, concebe-se atitude lingüística como um estado mental de
predisposição em relação a formas/estruturas lingüísticas em um sistema, que lhes pode ser
favorável, desfavorável ou, ainda, neutro, que pode ser relativamente estável e que pode ter
origem em comportamentos coletivos. Uma atitude pode desencadear ou soterrar certas
condutas lingüísticas, a depender do contexto sociolingüístico.
93
Esta pesquisa assume, de certo modo, uma inclinação no sentido de uma concepção
mentalista de atitude lingüística: a partir de estímulos, certas formas de comportamento
lingüístico são geradas como respostas com base nesses estados mentais, em certos valores;
estes não podem ser observados diretamente, mas têm de ser inferidos; soma-se a isso o fato
de nem sempre percepções acarretarem valorações, mas estas se baseiam em percepções.
Entende-se que a possibilidade de predizer a conduta lingüística dos falantes é viabilizada
também pelo conhecimento de suas impressões, seus valores, suas expectativas e suas
preferências em relação a certas construções lingüísticas. Logo, as atitudes lingüísticas
funcionam como pontes entre estas percepções e/ou avaliações subjetivas e aqueles
comportamentos efetivamente observados nas organizações discursivas orais e escritas.
Ao tratar de métodos de investigação das atitudes/percepções que os falantes têm sobre
usos de sua própria língua, FASOLD 62 (1987) classifica-os em diretos e indiretos. Os
primeiros abarcam técnicas, como questionários ou entrevistas, pelas quais os usuários da
língua reconhecem aspectos do fenômeno lingüístico em investigação. O uso de métodos
indiretos, por sua vez, faz com que o pesquisador recorra a estratégias nas técnicas que
seleciona para que o informante não saiba que suas atitudes lingüísticas estão sendo
investigadas.
O autor ainda ressalta a possibilidade da aplicação de questionários abertos ou
fechados. Entende-se por “questionários abertos” os que incluem questões que levem o
informante a apresentar sua opinião livremente, sem quaisquer restrições. Estes, segundo o
autor, são difíceis para avaliar e pontuar. Diferentemente, os “questionários fechados”
apresentam formatos que requerem respostas do tipo “sim/não” e/ou “múltipla escolha”, ou
seja, questões mais objetivas e que, conseqüentemente, tornam mais fácil o trabalho de lidar
com os resultados e mensurá-los.
Tarallo (1990) também descreve dois tipos de testes de atitude: os de percepção e os de
produção. Por meio dos testes de percepção, o informante manifesta sua opinião quanto à
aceitabilidade ou não de certas estruturas. Os testes de produção levam o informante a aplicar
o fenômeno em estudo em um determinado contexto (por exemplo, atividades de completar
lacunas ou correlacionar alternativas). O autor atenta para o fato de que é bastante apropriado,
durante a elaboração dos testes, evitar que o informante reconheça sua organização, pois isto
pode influenciar suas respostas.
62
O autor apresenta, em sua obra, investigações sobre o que os falantes achavam de diversas variedades
lingüísticas e não somente da língua em si.
94
Quanto à validade das respostas de um teste de opinião/atitude, Labov (1972) menciona
que algumas vezes é explícita a discrepância entre as avaliações subjetivas e o uso real dos
fenômenos lingüísticos investigados. Tal fato denomina de “prestígio encoberto”, visto que,
“quando questionados se algumas formas pertencem a sua própria fala, suas respostas
refletem a forma que acreditam ter prestígio ou é a “correta”, e não a forma que realmente
usam” (LABOV, 1972:209). Logo, o pesquisador deve tentar minimizar os efeitos do
prestígio encoberto ao usar estratégias que façam com que os informantes se sintam à vontade
para responder o que realmente pensam sobre o uso de sua própria língua. Acredita-se que
uma dessas estratégias é a contextualização das estruturas que se investigam quanto ao tipo de
situação comunicativa em que estão inseridas, no intuito de deixar claro seu grau de
formalidade e, conseqüentemente, o tipo de relação (próxima ou afastada) existente entre os
participantes da interação. Dessa forma, crê-se que os informantes estariam mais à vontade
para responder ao uso de estruturas em contextos informais como elas realmente ocorrem.
Acrescenta-se a tal estratégia a possibilidade de o pesquisador enfatizar para o informante que
o objetivo do questionário ou da entrevista não é avaliá-lo, considerando suas respostas
“certas” ou “erradas”, mas apenas conhecer sua opinião como usuário da língua sobre o uso
de determinada variante em um determinado contexto discursivo.
Labov (1972:214), para fundamentar a questão do prestígio encoberto, acrescenta que
“falantes que têm contato extenso com a forma superordenada 63 não mais possuem intuições
claras de seu vernáculo disponível para investigação”. Levando em conta tal observação,
deseja-se aplicar os testes a falantes de distintos níveis de escolaridade. Dessa forma, será
possível checar se é atribuído algum juízo de valor às estruturas lingüísticas investigadas nos
testes.
3.4 Fundamentos para uma abordagem de construções DAR+SN no ensino de Português
Acredita-se que refletir sobre o ensino de Língua Portuguesa pressupõe buscar respostas
para, pelo menos, duas perguntas: (i) que tipo de aluno se deseja formar? e (ii) com qual
concepção de língua é necessário trabalhar? Essas questões relacionam-se totalmente, pois se
compreende que o objetivo do professor de Português é colaborar para a formação de
cidadãos “participativos, reflexivos e autônomos” (PCN: 1998); e, para tanto, esse
profissional necessita construir com seus alunos a noção de língua como atividade social, já
63
O autor esclarece que os termos ‘superordenado’ e ‘subordinado’ equivalem a ‘de prestígio’ e ‘estigmatizado’.
95
que os falantes a usam não só para interagirem entre si, trocando informações ou expressando
sentimentos, mas também para agirem uns sobre os outros.
O ensino tradicional de língua portuguesa enfoca o estudo da gramática normativa.
Logo, geralmente saber português significa, nessa abordagem, conhecer regras (e muitas
exceções) da norma padrão. No entanto, crê-se que o estudo isolado 64 de fenômenos
lingüísticos desconsidera totalmente a necessidade de formar alunos com competência
discursiva, ou seja, aptos para usar a língua em diferentes contextos situacionais e para
produzir diferentes significados. Fundamentar o ensino na abordagem sociofuncionalista da
língua, diferentemente, leva em conta, para a análise de expressões lingüísticas, aspectos de
natureza lingüística, social (tais como características dos participantes, faixa etária, grau de
escolaridade e papéis sociais que desempenham) e discursivo-pragmática (como as intenções
comunicativas dos participantes). Para tanto, é necessário deslocar o enfoque do ensino “de
gramática” para o ensino “de análise lingüística”. Sobre este termo, Mendonça (2006:204) e
Geraldi (1997 c:74) manifestam-se, respectivamente:
(...) surge como alternativa complementar às práticas de leitura e produção de texto,
dado que possibilitaria a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais e textualdiscursivos que perpassam os usos lingüísticos, seja no momento de ler/escutar, de
produzir textos ou de refletir sobre esses mesmos usos da língua.
O uso da expressão “análise lingüística” não se deve ao mero gosto por novas
terminologias. A análise lingüística inclui tanto trabalho sobre as questões
tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto (...)
Essencialmente, a prática de análise lingüística não poderá limitar-se à higienização
do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a
‘correções’. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus
objetivos junto aos leitores a que se destina.
O trabalho com textos em sala de aula, portanto, não deve servir como “pretexto” para
a transmissão de conteúdos gramaticais descontextualizados. Os trechos abaixo demonstram
questões a serem consideradas nessa perspectiva:
Ao trabalhar com determinado texto em sala de aula, é preciso que se levem em
conta os fatores sociais envolvidos em sua produção, circulação e recepção, as
motivações pragmáticas que o tornam uma manifestação sócio-histórica, as
64
Perini (2002:31) faz a seguinte consideração sobre o ensino de habilidades intelectuais: “(...) é justamente
neste setor que o estudo de gramática pode dar sua contribuição mais relevante; (...) O estudante brasileiro (e,
muitas vezes, também o professor) é tipicamente dependente, submisso à autoridade acadêmica, convencido de
que a verdade se encontra, pronta e acabada, nos livros e na cabeça das sumidades. Daí, em parte a perniciosa
idéia de que educação é antes de tudo transmissão de conhecimento – quando deveria ser em primeiro lugar
procura de conhecimento e desenvolvimento de habilidades.”
96
relações intertextuais, o diálogo que trava com outras expressões verbais
circundantes na comunidade lingüística, enfim todas as instâncias envolvidas nessa
produção verbal. (...) ao tratar, por exemplo, de um conto de fadas, de uma fábula,
de uma carta pessoal (...), é preciso que o professor leve em conta não apenas a
materialidade lingüística dessas expressões, mas considere também as condições
que ensejaram sua produção, os fatores pragmáticos aí envolvidos e que
acabaram por configurar esses materiais lingüística e socialmente, dando-lhes
identidade e funcionalidade. (OLIVEIRA e CEZARIO, 2007:91, grifo nosso)
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática,
composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele
gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada
como objeto de ensino. (PCN, 1998:10, grifo nosso)
(...) o texto deixa de ser entendido como algo isolado e que, sozinho, porta suas
verdades; deixa de ser lido como forma isolada do espaço e do tempo e passa a ser
compreendido como manifestação e elemento de construção de uma realidade.
(CASTILHO, 2004:11, grifo nosso)
Oliveira e Cezario (2007) demonstram ainda aspectos da contribuição da teoria
funcionalista da linguagem para o ensino do Português. Entre outros fatores, as autoras
destacam que a análise gramatical deve servir para a compreensão dos sentidos do texto.
Explicam que, tanto para o Funcionalismo quanto para aqueles que seguem as orientações dos
PCN, as atividades com textos devem articular “usos mais rotineiros ou gramaticais, e
expressões mais criativas ou discursivas” (p.93). Sendo assim, o tratamento tradicional de
classes gramaticais como categorias estanques não é adequado, pois “é preciso considerar
essas classes em seu continuum” (p.94). Em sala de aula, portanto, acredita-se ser possível
enfocar não só as características prototípicas dos elementos de categorias distintas, mas
também os traços comuns a esses elementos no intuito de levar os alunos à compreensão do
processo de transferência categorial.
97
4. ENFOQUE METODOLÓGICO
4.1. Procedimentos para a análise das amostras de dados
Inicialmente, recorreu-se a acervos de textos orais do Português Brasileiro e do
Português Europeu para proceder à coleta de dados. Devido à orientação funcionalista do
estudo de gramaticalização e sociofuncionalista do estudo de alternância, a constituição das
amostras teve como base a reprodução de trechos que expusessem o contexto discursivo nos
quais os dados sob interesse estavam inseridos.
Trabalhar com entrevistas e/ou depoimentos orais acarreta lidar, ainda que
indiretamente, com o “paradoxo do observador” (LABOV, 1972), pois, para conseguir
registrar a fala mais natural possível, os pesquisadores que estiveram à frente da constituição
desses corpora procederam a uma observação sistemática, já que os informantes sabiam que
estavam sendo gravados. A inclusão, no presente estudo, de dados provenientes de textos
escritos (jornalísticos, narrativas e relatos de opinião), de certa maneira, torna-se um meio de
fazer com que a pesquisa se baseie em materiais que, em sua criação, não sofreram qualquer
interferência de um documentador e não foram produzidos com o fim de compor um corpus
para pesquisa. Labov (1972:209) comenta a questão:
(...) O problema não é sem solução: devemos também descobrir maneiras de
complementar as entrevistas informais com outros dados (grifo nosso), ou mudar a
estrutura da situação da entrevista de uma forma ou de outra.
Apesar de a fala no registro informal (menos monitorada) ser, geralmente, considerada
como mais adequada para a verificação de fenômenos lingüísticos fundamentada no uso da
língua, estudos como o de Schiffrin (1994) demonstram que algumas diferenças sintáticas e
semânticas são sensíveis aos tipos de texto 65 nos quais se inserem, sendo possível encontrar
funções discursivas distintas a depender desses tipos. Essa é mais uma razão pela qual esta
pesquisa conta com corpora diversos.
Amaral (2002), ao refletir sobre maneiras para minimizar o paradoxo, alega que, em
textos nos quais o discurso reportado predomina, há trechos com maior naturalidade nos
momentos em que o informante apresenta menor monitoramento de sua fala. Isso ocorre
65
Para a autora, o termo tipos de textos refere-se ao modo de organização textual, já que, em seu estudo, trabalha
com narrativas e descrições. Recorreu-se a gêneros/tipos textuais distintos (crônicas, editoriais, notícias e artigos
de opinião) por se acreditar que esses textos nem sempre apresentam o mesmo modo de organização
predominante (uns são narrativos, outros argumentativos), o que pode implicar o emprego, segundo a autora, de
funções discursivas distintas.
98
porque, normalmente, o falante está envolvido emocionalmente com o que relata66 . Por isso,
para complementar a amostra de dados com um corpus predominantemente narrativo,
decidiu-se recorrer a depoimentos (orais e escritos) da amostra do Projeto Discurso e
Gramática 67 .
Foram coletadas todas as ocorrências encontradas com dar + SN para o estudo do
fenômeno de gramaticalização de dar. Os quadros a seguir demonstram as fontes e o número
dos textos pesquisados, bem como o número de dados encontrados.
Fontes da coleta de dados
P
O
R
T
U
G
U
Ê
S
B
R
A
S
I
L
E
I
R
O
Inquéritos do Projeto NURC/VARPORT
Subcorpus Inquéritos do Projeto APERJ/VARPORT
oral
Depoimentos da amostra do Projeto
Discurso e Gramática.
Textos jornalísticos do 2001-2007
Projeto VARPORT e da 1976-2000
Biblioteca Nacional do 1951-1975
Rio de Janeiro
1926-1950
e do site
1901-1925
http://www.indekx.com
Subcorpus
escrito
Depoimentos da amostra do Projeto
Discurso e Gramática.
Textos escolares sob avaliação
(narrações, dissertações e provas)
N° de textos
pesquisados
41
37
279
N° de dados
coletados
78
54
152
120
75
75
107
98
122
37
26
23
38
249
58
177
84
Quadro 10: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro para estudo da
gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
66
Amaral (2002:67) constatou que o monitoramento ocorre com menos freqüência em trechos “de fala nãoplanejada (background), isto é, que não fazia parte da estrutura original da narrativa (...) e em trechos associados
ao envolvimento emocional do falante”, enquanto se apresenta com mais freqüência “em eventos de transição, de
preparação nos trechos em que não há envolvimento emocional e seguem a estrutura temporal dos eventos de
acordo como foram registrados na memória, o que lhe confere o status de fala planejada (foreground)”.
67
Esse projeto desenvolve-se na UFRJ, sob a coordenação do Professor Doutor Mário Eduardo Toscano
Martelotta.
99
Fontes da coleta de dados
P
O
R
T
U
G
U
Ê
S
E
U
R
O
P
E
U
Subcorpus
oral
Inquéritos do Projeto CRPC/ VARPORT
(ensino superior)
Inquéritos do Projeto CRPC/VARPORT
(semi-alfabetizados)
2001-2007
Textos jornalísticos 1976-2000
do Projeto VARPORT
1951-1975
e
Subcorpus da Biblioteca Nacional
de Lisboa e do site 1926-1950
escrito
http://www.indekx.com
1901-1925
N° de textos
pesquisados
33
N° de
dados
coletados
46
38
42
120
131
63
13
59
7
64
10
76
18
Quadro 11: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Europeu para estudo da
gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
Amostra total (oral e escrita)
PB e PE
N° de textos pesquisados
1711
N° de dados coletados
939
Quadro 12: Corpus do Português Brasileiro e do Português Europeu para estudo da gramaticalização
de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
A análise dos dados coletados ocorreu com base na observação: (i) das categorias às
quais cada ocorrência de dar pertence, o que permitiu a depreensão de um continuum de
gramaticalização (cf. seção 5.1) e (ii) dos aspectos que influenciam o fenômeno, propriedades
relacionadas à semântica e à morfossintaxe das construções e freqüência de uso.
Para o estudo da alternância entre perífrases dar + SN (dar notícia, dar pulos) e verbos
plenos (noticiar, pular), decidiu-se trabalhar apenas com dados do Português Brasileiro. Para
constituir uma amostra do PB, recorreu-se, inicialmente, a acervos de gêneros escritos
diferentes (cf. quadro 13) que pudessem ensejar construções textuais com graus de
formalidade distintos e com diversidade de recursos lingüísticos/vocabulares. Finalizada essa
etapa de coleta, interessou checar o fenômeno quanto à diferença entre modalidades
expressivas. Para tanto, complementou-se o corpus até então obtido com dados eliciados de
100
depoimentos (narrativas e relatos de opinião) orais da amostra do projeto D&G, o que
facultou investir naquele interesse de investigação.
No estudo de alternância, nem todas as construções dar + SN encontradas foram
coletadas: consideraram-se, no tratamento socionfuncionalista, apenas aquelas com vínculo
semântico e morfológico com um verbo predicador simples, à exceção de perífrases dar uma
X- ada (dar uma passeada, dar uma pedalada). Segundo Scher (2006:6), as nominalizações
X- ada, em estruturas dar uma X- ada, derivam de um verbo e exprimem eventualidades que
podem apresentar um efeito de diminutivização que as torna breve, como em “O João deu
uma martelada na parede.” (equivalente a “O João martelou a parede” = martelou apenas uma
vez). Quando esse efeito não ocorre, como em “O João deu uma martelada no ladrão”, não há
um verbo cognato que seja equivalente, ou seja, o segundo exemplo não corresponde a “João
martelou o ladrão”, pois “deu uma martelada no ladrão” denota um evento singular “de atingir
alguém ou alguma coisa com um objeto específico, um martelo” (SCHER, 2006:8). Será
realmente que não é possível compreender o segundo exemplo como equivalente à “O João
martelou o ladrão” e como expressão diminutivizada?
Há determinados tipos de construções dar uma X-ada (dar uma olhada, dar uma lida,
dar uma nadada) com alta produtividade no corpus; no entanto, é alta a ocorrência de muitos
verbos plenos cujos equivalentes do tipo dar uma X-ada são raros (dar uma comunicada, dar
uma imaginada, dar uma remediada, dar uma pisada). Considerar, então, todos os tipos de
predicadores simples que pudessem apresentar uma perífrase “dar uma X-ada” acarretaria um
aumento significativo desses verbos plenos, o que poderia enviesar a análise. Optou-se, assim,
por excluir, da análise sociofuncionalista aqui empreendida, dados que estivessem associados
a esse tipo de estruturação (dar uma lavada/lavar, dar uma nadada/nadar, dar uma
cantada/cantar, dar uma enxugada/enxugar), pois merecem tratamento específico.
As fontes, os números dos textos pesquisados e o número de dados encontrados
constam nos quadros a seguir:
101
Fontes da coleta de dados
N° de textos N° de dados
pesquisados coletados
P
Textos
Notícias
O
jornalísticos da
R
amostra do Projeto
T
PEUL/UFRJ
Editoriais
U
(Projeto de Estudo
G
dos Usos
U
Lingüísticos)
Crônicas
Ê
Subcorpus
S
escrito
B
Artigos de opinião
R
A
S
Depoimentos da amostra do Projeto
I
Discurso e Gramática.
L
E
I
Textos escolares sob avaliação
R
(narrações, dissertações e provas)
O
100
123
100
331
75
210
100
406
279
315
118
230
Quadro 13: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro (ESCRITO) para estudo da
alternância entre construções dar + SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente.
+
PB
Subcorpus
oral
Depoimentos da amostra do
Projeto Discurso e
Gramática
279
226
Quadro 14: Fontes da coleta de dados em acervo do Português Brasileiro (ORAL) para estudo da
alternância entre construções dar + SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente.
Amostra total (oral e escrita)
N° de textos pesquisados
N° de dados
coletados
1841
PB
1051
Quadro 15: Corpus do Português Brasileiro para estudo da alternância entre construções dar + SN e
verbos predicadores cognatos de sentido equivalente.
Utilizou-se, para o tratamento estatístico dos dados de alternância, o programa
Goldvarb (2001). Para tanto, todas as ocorrências obtidas nos corpora foram codificadas, ou
seja, cada dado obteve códigos que representam o seu comportamento em função da variável
dependente e das variáveis independentes estabelecidas. Dessa forma, foi possível abrir o
arquivo de dados codificados no programa executável que, por sua vez, possui as seguintes
funções básicas: (i) criar um arquivo de especificação das variáveis dependentes e
independentes; (ii) detectar algum erro de codificação, com base no arquivo de especificação
e gerar arquivos corrigidos após mudança feita pelo pesquisador; (iii) produzir arquivos de
102
células em função de arquivos de condições 68 organizados pelo pesquisador; (iv) criar um
arquivo que demonstre a relação entre as variáveis independentes e a variável dependente; (v)
desenvolver um arquivo que represente a tabulação cruzada de pares de variáveis
independentes (cruzamento de variáveis); e (vi) gerar pesos relativos. Os arquivos referentes
às funções (iv) e (v) apresentam estatisticamente a produtividade das variantes da variável
dependente em relação a cada um dos fatores constitutivos das variáveis independentes. Ao
gerar pesos relativos, o programa demonstra o “peso” de cada fator de cada variável
independente (acima de .55 e/ou mais próximo de 1.0 é considerado relevante) para o
emprego de uma das variantes da variável dependente (denominada fator default ou valor de
aplicação), no confronto com todos os demais fatores e, nos níveis de análise de mais de um
grupo de fatores, na ponderação da co-atuação dessa variável independente com outra(s). O
programa também informa o nível de input do valor de aplicação e de significância estatística
da análise das variáveis e das rodadas multivariacionais 69 (neste estudo, binária). O input
“representa o nível geral de uso” (GUY, 2007) do fator default, ou seja, da variante em foco
na análise. Para ser considerado alto, deve estar próximo de 1. A significância estatística das
rodadas selecionadas como as “melhores”, por conterem grupos de fatores mais significativos,
e das variáveis deve ser, preferencialmente, 0.000 e chegar, no máximo, a 0.05, o que
significa haver 95% de confiabilidade dos resultados, ou seja, de chance de as variáveis
independentes selecionadas na rodada influenciarem, de fato, o emprego do fator default. O
nível de significância das variáveis extraído do primeiro nível de análise (nivel 1) do
programa, que apresenta também os valores dos pesos relativos dos fatores, indica o
comportamento isolado de cada variável independente.
4.2 Procedimentos para a aplicação dos testes de atitude
A aplicação de testes de atitude pressupôs uma reflexão inicial sobre os seguintes
tópicos: (i) os tipos de testes – a definição de método e técnicas; (ii) a caracterização dos
68
Os arquivos de condições podem ser criados se o pesquisador não desejar ler alguma variável independente ou
atribuir a mesma leitura para mais de um código de determinada variável independente. Por exemplo, em uma
variável que seja “tempo verbal”, é possível ler pretérito imperfeito e pretérito perfeito somente como “pretérito”
se, por meio do arquivo de condições, o pesquisador trocar o código I (de imperfeito) por P (de perfeito); ou seja,
ambos terão a mesma representação e serão contabilizados percentualmente como se fizessem parte de um
mesmo tipo de tempo verbal (fator).
69
Para a análise dos dados pertencentes a corpora distintos, decidiu-se promover, além de rodadas que
consideram todos os dados, rodadas específicas (apenas com dados de determinado corpus; por exemplo: rodada
específica D&G – somente dados extraídos de depoimentos orais e escritos da amostra de dados D&G). Mais
detalhes sobre os procedimentos com todas as análises multivariadas constam da seção 5.3.2.
103
informantes mais indicados para o estudo; (iii) o modo de abordar os informantes; e (iv) o
modo de exposição dos resultados na dissertação.
Quanto aos tipos de testes, optou-se pelo método direto: o informante sabe que a
pesquisa deseja conhecer como ele percebe ou emprega certas expressões lingüísticas (opções
de predicação) e as justificativas que o levam a fazer isso de uma determinada forma e não de
outra 70 . Cada teste é composto por questionários de natureza fechada e aberta, pois se decidiu
mesclar perguntas objetivas (de sim/não, como, por exemplo, “dar pancadas apresenta o
mesmo significado de espancar?” ou múltipla escolha, com respostas relacionadas a um
repertório de alternativas) com perguntas que suscitem a exposição “livre” de motivações em
relação ao emprego das construções contidas nos testes (por exemplo, “por que as opções
verbais são diferentes/não devem ser usadas nesse contexto?”).
Com o intuito de requisitar as justificativas relativas às escolhas dos falantes para,
principalmente, facilitar a depreensão de fatores pragmático-discursivos que podem
influenciar o uso das estruturas analisadas, recorreu-se à técnica de entrevista gravada em um
dos testes relacionado à alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores
simples. Compreende-se que a aplicação dessa técnica pressupõe que o pesquisador deve
tentar neutralizar a influência exercida por sua própria presença ou pela presença de
equipamentos para que se reduza a atenção devotada à fala e, conseqüentemente, o tom de
formalidade dado ao contexto sócio-comunicativo das entrevistas, no intuito de fazer bom uso
de “maus dados”. As normas seguidas para a realização da transcrição das falas dos
informantes encontram-se no quadro 16.
Ocorrências
Indicação da fala do documentador
Indicação da fala do informante
Hipótese do que se ouviu
Não houve compreensão da fala
Entonação
Interrogação, exclamação
Qualquer pausa
Comentários descritivos
Sinais
D:
I:
[hipótese]
[ ] Colchetes em branco
maiúsculas
?, !
...
(minúsculas)
Exemplificação
D: Você acha?
I: eu escolhi...
Você vê [que] coisa curiosa
Você vê [ ] coisa curiosa
EU sinto que eu gosto
Quer ver? Nossa!
Eu quero dizer que...
(risos)
Quadro 16: Normas para transcrição das entrevistas
70
Na verdade, os testes de atitude sobre o fenômeno de gramaticalização são usados apenas para detectar como
os falantes empregam as perífrases com dar+SN em função de alguns parâmetros sintático-semânticos (tais
como, possibilidade de inserção de elementos entre o verbo e o SN e possibilidade de mobilidade do SN). Nos
testes sobre a alternância entre predicadores complexos com dar e verbos plenos cognatos, são necessárias não
somente as opiniões dos informantes sobre como se expressariam em determinada situação comunicativa, mas
também as justificativas para seu comportamento (cf. seções 5.2 e 5.4 para mais detalhes sobre os objetivos,
hipóteses e resultados dos testes de atitude).
104
No cabeçalho de cada teste, há um espaço para que as pessoas que respondem à
pesquisa informem seu grau de escolaridade e idade. Com base em Labov (1972:214),
entende-se que uma forma de minimizar o “prestígio encoberto” é a aplicação de testes de
atitude para informantes de diferentes graus de escolaridade e não somente para os mais
escolarizados, pois estes se envolvem mais freqüentemente em contextos comunicativos
submetidos a pressão normativa ou a expectativas quanto ao uso de padrão culto e formal e,
em virtude disso, podem responder de acordo com o que crêem que seja o mais apropriado do
ponto de vista de uma orientação prescritiva e não em função do que efetivamente utilizam ou
julgam viável utilizar na organização discursiva.
Escolaridade dos informantes
Ensino Fundamental
Ensino Médio
N° de
informantes
70
70
Ensino Superior
70
Professores de Português
15
Total:
225
Quadro 17: Escolaridade dos informantes
Ao abordar os informantes para a realização dos testes, foi-lhes dito que o material que
receberiam tinha como objetivo conhecer suas opiniões acerca das estruturas marcadas nos
textos, que não havia respostas certas ou erradas e que não necessitariam identificar-se 71 .
Decidiu-se denominar os testes de “pesquisa de opinião”, para evitar que os informantes se
sentissem inibidos por acreditarem que estariam sendo avaliados de acordo com um teste
propriamente dito. Buscou-se minimizar, com isso, o efeito do “prestígio encoberto” (cf.
seção 3.3).
Ao fim de cada teste, os informantes podiam, se quisessem, fazer comentários mais
genéricos acerca das estruturas lingüísticas destacadas e colaborar com sugestões e/ou
reclamações 72 .
Com o intuito de demonstrar os resultados de forma didática na dissertação, expõe-se, em
tabelas, os resultados percentuais em relação ao emprego das estruturas submetidas à análise.
71
Antes do início de cada teste há a seguinte mensagem para os informantes: “ATENÇÃO: Não existe certo ou
errado aqui. Nosso objetivo é descobrir as opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.”.
72
Para que os informantes se sentissem bastante à vontade em seus comentários, lançou-se mão de um tom
agradável, descontraído: “MATE A NOSSA CURIOSIDADE: (a) O que achou sobre as estruturas marcadas na
pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? (b) Você teve alguma dificuldade em preencher o
formulário? Deixe sua sugestão e/ou reclamação.”.
105
Em seguida, tecem-se comentários mais detalhados acerca das hipóteses e dos resultados e
apresentam-se, para fundamentar a análise, alguns exemplos das opiniões dos informantes
(transcrições, no caso das entrevistas orais, e comentários, no caso do teste com professores
de Português).
106
5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
5.1 Análise do fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
Da análise de predicações com dar + SN consideradas nas amostras de PB e PE,
depreende-se que esse item verbal é polissêmico, visto que, além de seu valor semântico
básico de transferência de uma meta a um destinatário, ocorre com diferentes nuances de
sentido – vinculadas, com maior ou menor transparência, àquele valor – e assume, mais ou
menos nitidamente, comportamento de verbo-suporte a depender do SN com que se relaciona
e do grau de integração que tem com este.
5.1.1 Uma cadeia de gramaticalização
A análise das ocorrências de dar + SN possibilitou detectar diferentes categorias às
quais dar pode vir a pertencer e que formam uma cadeia de gramaticalização. São elas: verbo
predicador pleno, verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbosuporte.
O verbo predicador pleno dar é “autônomo” por ser o único núcleo da predicação, ou
seja, é o responsável por projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático. Apresenta
comportamento lexical e, veiculando a noção de transferência, projeta três argumentos, um
dos quais tem a meta com o traço [+concreto].
(Ex.:2) aí minha irmã desmaiou dentro da loja... aí os vendedores deram um copo de água
com açúcar pra ela [PB oral, Discurso e Gramática, Oitava série, Relato de opinião, idade: 14 anos, inf.28]
(Ex.:3) É claro que não lhe íamos dar bonecas visto que ele era rapaz, talvez seja também
fruto de orientação. [PE oral, VARPORT, Oc-P-70-1f-004, faixa A, nível 3]
Outra categoria detectada no corpus é bastante semelhante à anterior, pois o verbo dar
permanece como verbo predicador, ou seja, o núcleo da predicação responsável por projetar
argumentos e atribuir-lhes papel temático. No entanto, semanticamente, diferencia-se do
verbo predicador pleno por já apresentar extensão de sentido e poder preservar ou não sua
grelha argumental. Por isso, denomina-se esta categoria verbo predicador não pleno.
(Ex.:4) Agora, um desprendedor automatico solta todos os cubos, de uma só vez, com um
simples toque dos dedos. Entretanto, este maravilhoso refrigerador não lhe dá apenas essa
vantagem. O espaço util nas suas 9 adaptações, as prateleiras corrédiças e ajustaveis, a
extraordinaria economia assegurada pelo Poupa-Corrente são razões que tornam o novo
107
Frigidaire Super-Efficaz digno da sua preferencia. Verifique a sua superioridade na exposição
mais proxima. [PB escrito, VARPORT, Anúncio, E-B-92-Ja-032, Correio da Manhã, 11/11/1937]
(dar ≅ fornecer/oferecer)
(Ex.:5) Qualquer tentativa para recomeçar o processo de ratificação do mesmo texto é uma
prova de força estéril que daria certamente maus resultados para a confiança entre os povos
que terá de presidir ao aprofundamento do espaço político da UE. [PE escrito, Diário de Notícias,
Artigo de Opinião, 03-04-07, Correio Perdido]
(dar ≅ gerar)
Detectou-se a categoria de verbo-suporte nas construções em que dar se apresenta
esvaziado semanticamente e passa a operar no SN, fazendo com que ambos partilhem a
função de projetar argumentos e a estes atribuir papel temático. O caráter instrumental do
verbo também é, entre outros aspectos (a serem detalhados em seção específica), notado pelo
fato de servir de suporte à manifestação das categorias de tempo, modo, aspecto, número e
pessoa quando está em sua forma finita, tal qual ocorre com verbos auxiliares73 . Por haver
dois elementos que colaboram para a predicação, essas estruturas são denominadas
predicadores complexos (nos termos de DIK, 1997), cujo núcleo semântico é o SN. Algumas
vezes, encontra-se na língua um verbo de valor equivalente (dar amor = amar; dar
seguimento = continuar) pelo qual essas estruturas podem ser substituídas.
(Ex.:6) Esse episodio foi o que iniciou a campanha libertadora das antigas colonias
hespanholas da America e o que deu origem ás varias nacionalidades fundadas nesta/ parte do
novo mundo. [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-JN-004, Jornal do Brasil, 09/07/1920 , República
Argentina]
(Ex.:7) (...) na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e...
e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu dei... eu dei um gol de cabeça... [PB oral,
D&G, CA infantil, Narrativa recontada, idade: 7 anos, inf. 83]
Verificou-se a existência de um conjunto de dados em que dar pode ser interpretado
como verbo predicador ou como verbo-suporte. Como o primeiro, dar é considerado o núcleo
73
Vale lembrar que um verbo auxiliar opera sobre uma forma verbal não-finita. Esta forma auxiliada pode ser
um predicador simples (acabei dando a sacola a ele), um predicador complexo (formado de verbo-suporte,
como em pude dar seguimento em tempo útil a uma parte do correio de leitores) ou até outro verbo auxiliar que,
numa locução verbal, opera sobre um predicador (vou ter escrito muitas páginas do meu livro no final do mês ou
aos
avós.).
infelizmente
voltou
a
ficar
dando
preocupação
108
sintático e semântico da predicação, podendo ser substituído por outro verbo predicador.
Como o segundo, dar apresenta-se esvaziado semanticamente e projeta argumentos
juntamente com o SN que o acompanha, fazendo parte de um predicador complexo que pode
ser substituído por um verbo de mesmo valor. Esses dados, portanto, constituem um domínio
intermediário entre verbo predicador e verbo-suporte.
(Ex.:8) O programa é feito por outro, mas nós é que estamos ali sempre a dar justificações ao
público(...) [PE oral, CRPC-PF, inq. 0633]
[≅ fornecer explicações; ≅ justificar-nos ]
(Ex.:9) (...) aquilo me dava assim uma tristeza de saber que ele ia ser esquecido...ia sair de
circulação...minha irmã ia casar com outro... [PB oral, NURC, inq. 261, faixa C, nível 3, pág.: 128]
[≅ causava tristeza; ≅ entristecia ]
O processo de gramaticalização é o responsável pela transferência categorial de dar. Na
verdade, o continuum de gramaticalização, ou seja, os domínios em que dar já apresenta
comportamento gramatical mais ou menos transparente, é estabelecido entre a categoria
híbrida de verbo predicador a verbo-suporte e a categoria de verbo-suporte. Com base na
aplicação de alguns parâmetros ou estágios de gramaticalização propostos por Heine et alii
(1991) e Hopper (1991), é possível desenvolver uma análise mais acurada das categorias
depreendidas do corpus:
a) divergência: o uso de dar em diferentes categorias, ou seja, uma mesma forma, de acordo
com o contexto, passa a pertencer à categoria mais lexical (de verbo predicador, pleno ou
não), à categoria gramatical (de verbo-suporte), e a uma categoria intermediária, léxicogramatical, em que o item revela comportamento híbrido (de verbo predicador a verbosuporte).
b) manipulação conceitual: o sentido transferencial da categoria fonte de dar (verbo
predicador pleno – João deu seu carrinho para o amigo) é modificado ao longo do processo
de gramaticalização (verbo predicador a verbo-suporte – A mãe dá amor aos filhos 74 ) e a sua
74
O verbo dar, em dá amor, pode ser interpretado como predicador simples (fornece/passa amor) ou como um
predicador complexo (ama).
109
forma mais gramaticalizada (verbo-suporte – Meu cachorro dá pulos como um canguru 75 )
chega a indicar uma noção geral de ação/atividade.
c) estratificação: novas formas coexistem com as antigas em um mesmo domínio funcional.
Percebe-se que o verbo-suporte dar e morfemas formadores de verbo (“-ar”, “-ear”, “-ejar”,
“-ficar”; sem ou com sufixo derivacional 76 ) são recursos do sistema para se constituírem
“unidades verbais” a partir de nomes (salto – dar salto/saltar, gol – dar golpe/golpear , festa –
dar festa/festejar, exemplo – dar exemplo/exemplificar).
d) persistência: o verbo dar, ao pertencer à categoria intermediária (léxico-gramatical) de
verbo predicador a verbo-suporte (dar amor), mantém características da sua forma fonte
(verbo predicador) sendo interpretado como núcleo da predicação e podendo expressar valor
transferencial. Simultaneamente, contrai características de sua forma alvo (verbo-suporte),
sendo considerado esvaziado de significado, devido ao valor transferencial ser de cunho
metafórico, e um dos elementos formadores de um predicador complexo ao unir-se com um
SN. O verbo-suporte, apesar de se diferenciar semanticamente da categoria de verbo
predicador, conserva a propriedade de interferir na seleção de argumentos (ainda que partilhe
essa função com o SN e este seja o principal responsável por esse papel) e pode veicular valor
transferencial (dar bananas) a depender do SN com o qual se une.
e) assimetria entre forma e significado: a forma fonte de verbo predicador dar (dar um lápis
= entregar um lápis) passa a veicular acepções distintas à medida que o processo de
gramaticalização avança (valores não plenos: dar problema = causar problema; dar duas
horas = bater duas horas), tornando-se um item polissêmico. O fato de uma determinada
forma ser empregada em um maior número de contextos gera o aumento de sua produtividade
e o seu esvaziamento semântico (dessemantização), podendo chegar à mudança categorial 77
(o caso do verbo predicador a verbo-suporte e o do verbo-suporte dar).
f) especialização: a categoria de verbo-suporte dar especializou-se nas funções de verbalizar
nomes e de focalizar a noção geral de atividade.
75
O verbo dar, em dá pulos, não apresenta sentido transferencial, indicando noção geral de ação/atividade.
76
As formações verbais podem conter simplesmente a seqüência constituída de vogal temática e sufixo de flexão
(cf. MATEUS et alii, 2003) ou, entre outras possibilidades, sufixos, como os latinos “EAR”, “EJAR” e “FICAR”
(ou “IFICAR”), de acordo com Rocha Lima (1992:208)
77
O termo “mudança categorial” considera a existência de características sintáticas distintas daquelas presentes
na forma fonte, como, por exemplo, o modo de seleção de argumentos.
110
g) decategorização: o verbo predicador dar, ao passar à categoria de verbo-suporte, deixa de
ser o núcleo semântico da predicação e não apresenta mais a propriedade de ser seu único
núcleo sintático, pois compartilha esta função com o SN que o acompanha e aquela é
desempenhada por este. Logo, alguns processos morfossintáticos da categoria de origem
modificam-se na categoria alvo, gramaticalizada.
h) perda de autonomia: dar (no papel de verbo-suporte) liga-se a um SN com o qual forma
um predicador complexo, cujos componentes mantêm maior ou menor integração; disso
resulta que a forma verbal, além de compartilhar a função de projetar argumentos com o SN,
deixa de ser o núcleo semântico da predicação, função exercida pelo SN.
A seguir, eis o esquema, fundamentado em Heine et alii (1991), que ilustra a cadeia de
gramaticalização de dar:
Verbo
PREDICADOR
Verbo
PREDICADOR
NÃO Pleno
PLENO
(transferência
metafórica)
Verbo
PREDICADOR
NÃO Pleno
(valores não
transferenciais)
Verbo
PREDICADOR
a
VerboSUPORTE
VerboSUPORTE
Figura 9: Cadeia de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte
Pode-se analisar essa cadeia com base no que Heine et alii (1991) denominam
macroestrutura e microestrutura (cf. seção 3.1.2). A primeira refere-se às relações
metafóricas, de analogia entre os domínios, e é claramente notada na passagem da categoria
de verbo predicador pleno para verbo predicador não pleno (com sentido transferencial). A
categoria de verbo predicador pleno, de natureza [+lexical], envolve a transferência de algo
concreto (ex.: O ladrão deu a arma ao policial), enquanto a segunda representa o início de
uma extensão semântica (metaforização) em que o objeto transferido passa a apresentar o
traço [+abstrato] (ex.: O vendedor deu muitas vantagens a seus clientes). A extensão
metafórica prossegue e origina outros usos não plenos de dar, nos quais a noção transferencial
é pouco nítida ou inexistente, e, portanto, o verbo passa a ser usado com sentidos semelhantes
ao de outros predicadores, tais como: gerar, causar, bater, atribuir, e outros. É nítida a
111
configuração da microestrutura a partir da passagem da categoria de verbo predicador não
pleno à categoria de verbo predicador a verbo-suporte e desta à categoria alvo de verbosuporte, pois o emprego de dar, em diferentes contextos pragmático-discursivos, acarreta uma
espécie de “ressemantização” ou “reanálise metonímica”, que faz com que o item passe pela
perda de algumas propriedades da categoria-fonte (verbo predicador) e pela assimilação de
algumas propriedades da categoria-alvo (verbo-suporte).
Um dos procedimentos analíticos que viabilizam aprofundar o conhecimento da
extensão semântica e/ou morfossintática desencadeada pelo processo de gramaticalização é
confrontar a configuração semântico-sintática do marco predicativo básico de predicações
com dar predicador com a de outras predicações mais ou menos afastadas dessa configuração
básica .
Com base em Dik (1997), expõem-se os marcos predicativos mais produtivos que
apareceram relacionados às categorias de dar identificadas no corpus. Para tanto, utilizaramse as seguintes informações numa sistematização que precede a explicação de todas as
predicações analisadas:
CONTEXTO [PREDICAÇÃO EM ANÁLISE]
MARCO PREDICATIVO:
C 78 : [Regra de formação dos predicados]
(f: núcleo da predicação) [estado de coisas, parâmetros] 79
As possibilidades combinatórias do predicado determinam a estrutura fundamental da
predicação nuclear e os constituintes que servem para expandi-la. Os marcos predicativos
expostos no esquema modelo mostram as seguintes informações: a forma do predicado, a
categoria sintática do predicado (verbal [V] ou verbo-nominal [VN]), a valência quantitativa
(n° de argumentos – x1, x2, x3, x4, etc.), as funções sintáticas dos argumentos (sujeito ou
objeto), o tipo e a quantidade de satélites presentes na predicação (se houver algum). Além
disso, expõem-se os estados de coisas que a predicação designa juntamente com os
78
A letra “C” encontra-se no sentido genérico de camada à qual a predicação pertence (cf. camadas da estrutura
subjacente de cláusula na seção 3.1.1). De acordo com Dik (1997), as camadas podem constituir-se de: uma
predicação nuclear (C1); uma predicação central (C2), uma predicação estendida (C3), uma proposição (C4) e um
ato de fala (C5). O uso da letra “C” para representá-las foi uma opção para facilitar a leitura dos esquemas, pois,
na verdade, Dik (1997) representa as três primeiras camadas como “[e]” e as duas últimas como “[X]” e “[E]”,
respectivamente. Além disso, a letra “f” precederá a informação sobre o estado de coisas da predicação, pois se
refere apenas à união do núcleo (verbal ou verbo-nominal) com os argumentos.
79
DIK, 1997, v.1, capítulo 4 (The nuclear predication), item 4.2.4 (Redundancy rules), página 86.
112
parâmetros que são usados para identificá-los. Apesar de não serem expostos na
sistematização, ao longo da análise, consideram-se ainda a valência qualitativa (funções
semânticas
dos
argumentos)
e
outros
parâmetros
de
transitividade,
tais
como
intencionalidade, agentividade, afetamento e individuação (HOPPER e THOMPSON, 1980).
No corpus, encontraram-se usos de dar como verbo predicador pleno 80 , cujas
predicações envolvem três e dois argumentos e exprimem a transferência ([+dinâmico]) de
uma entidade meta de um participante (emissor) a outro (destinatário). O emissor apresenta-se
com função semântica de agente por controlar ([+controle]), intencionalmente, a ação de
transferência. O termo meta é afetado, já que passa por uma mudança perceptível (da “posse”
de um participante para a de outro ou do “domínio” de um participante para o de outro). Além
disso, apresenta-se individuado, ou seja, em geral, com as seguintes propriedades: concreto,
singular, contável e referencial. Os parâmetros [+dinâmico] e [+controle] presentes nesses
tipos de predicação fazem com que o estado de coisas veiculado seja evento do tipo ação que
pode ser ainda classificado como atividade (ações em que não se conhece o ponto final –
parâmetro [-télico]) ou realização (ações que atingem o ponto final – parâmetro [+télico]). O
marco predicativo básico prototípico do verbo predicador pleno encontra-se em ambas as
predicações a seguir; na primeira, há 3 argumentos manifestados, enquanto, na segunda e na
terceira, há apenas dois 81 .
A. Assim que [eu dei o copo d’água para ela], ela resolveu contar tudo.
[PB escrito, D&G, 8ª série, Narrativa recontada, inf. 28]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:eu)agente (x2: o copo d’água)meta (x3: para ela)destinatário]
(f: dar) [V, ação (realização), +controle, +dinâmico, + télico]
Na predicação em análise, demonstra-se um estado de coisas do tipo ação (realização). É
possível notar algum tipo de dinamismo, pois há mudança na transferência de X2 (o copo
d’água) de X1 (eu) a X3 (ela) ([+dinâmico]) 82 . O argumento X1, então, apresenta função
80
Apenas são consideradas predicações em que o verbo dar se apresenta acompanhado de um SN; logo, não
foram analisadas predicações com apenas 1 argumento que não seja o SN.
81
Não foram encontradas no corpus predicações cujo argumento sujeito se apresenta inanimado e cujo o
argumento meta se apresenta animado e/ou humano. No entanto, sabe-se que predicações como “O governo dá
dinheiro aos pobres” e “Eu dei meu cachorro para minha tia” são perfeitamente aceitáveis e também apresentam
marco predicativo básico referente à predicação com verbo predicador pleno dar.
82
Para atestar a validade dessa análise, Dik (1997) sugere a possibilidade de inserção do satélite de velocidade
“rapidamente”: eu dei o copo d’água para ela rapidamente, o que ratifica o caráter [+dinâmico] da predicação.
113
sintática de sujeito e controla, intencionalmente, a ação designada pelo estado de coisas
([+controle]), o que faz com que tenha a função semântica de agente. O argumento X2, com
função sintática de objeto, é a entidade afetada pela transferência realizada pelo agente (sofre
deslocamento de X2 para X3) e, portanto, tem função semântica de meta, além de ser
considerado individuado, por ser concreto, singular, contável e referencial. O argumento X3
representa a entidade que recebe X2 e, portanto, é considerado semanticamente como
destinatário e sintaticamente como objeto.
O parâmetro [± télico] apresenta-se positivamente marcado ([+télico]), pois não se pode
ter a idéia de que a ação veiculada pelo estado de coisas da predicação é infinita; pelo
contrário, possui um tempo determinado por um operador de nível 2 (π2 = pretérito perfeito)
que indica que o estado de coisas ocorreu em um intervalo anterior ao momento de fala. A
presença desse operador faz com que essa predicação seja classificada como estendida.
B. O garoto então disse que se fosse vencido no jogo da velha [ele daria uma rosa], mas
se ele me vencesse eu teria que comprar uma rosa.
[PB escrito, D&G, 2° ano do E.M., Narrativa recontada, inf. 24]
MARCO PREDICATIVO:
C4: [dar [V] (x1:ele)agente (x2: uma rosa)meta]
(f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, - télico]
É possível atribuir o parâmetro [+dinâmico] para esta predicação devido ao fato de o
argumento X1 (ele) ser responsável ([+controle]) pela transferência intencional do argumento
X2 (uma rosa) para um argumento X3 que não está manifestado na predicação (pelo contexto,
identifica-se esse argumento – é outra pessoa, a que está relatando a narrativa). O argumento
X1 é sintaticamente classificado como sujeito e, semanticamente, como agente, enquanto X2
possui função sintática de objeto, apresenta função semântica de meta, pois, além de ser
individuado (concreto, singular, contável e referencial), é afetado pelo agente (sofre o
deslocamento/transferência). Devido aos parâmetros [+dinâmico] e [+controle], o estado de
coisas da predicação é uma ação. Ademais, é uma ação do tipo atividade, pois não é possível
reconhecer, na predicação, um ponto final do estado de coisas expresso, visto que o operador
de nível 2 (π2 = desinência modo-temporal “ria”) indica ação no do futuro do pretérito, o que
permite classificar a predicação como estendida.
114
C. [Deram droga ao meu filho] para experimentar, mas ele não fuma nem sequer tabaco.
[PE escrito, Correio da Manhã, Notícia, 25/08/07]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1: droga)meta (x2: ao meu filho)destinatário]
(f: dar) [V, ação (realização), +controle, +dinâmico, + télico]
A predicação C é estendida (C3). O operador de nível 2 (π2), representado pela
desinência número-pessoal “ram” do verbo, localiza a ação (realização) no tempo passado
([+télico)], configurando a ação do tipo realização. Esse operador também indica que o sujeito
dessa ação está indeterminado. Na verdade, pelo contexto, é possível afirmar que o argumento
sujeito é agente e que, intencionalmente, controla ([+controle]) a transferência ([+dinâmico])
da entidade meta (droga) para o destinatário (meu filho). O argumento X1, além de apresentar
função sintática de objeto, pode ser considerado afetado, por essa ação de mudança de posição
em direção a X2 (sintaticamente, outro objeto da predicação), e individuado, por ser concreto,
singular, contável e referencial.
Os próximos marcos predicativos referem-se às extensões de sentido de dar quando se
apresenta como verbo predicador não pleno. Optou-se por apresentá-los em ordem crescente
de dessemelhança em comparação ao marco predicativo básico (verbo predicador pleno).
EXTENSÕES DE
SENTIDO
PREDICAÇÕES
NÚMERO DE
ARGUMENTOS
ESTADO DE
COISAS
1.Fornecer
DeE
3
ação e processo
2.Atribuir
FeG
3 (F) e 2 (G)
ação e processo
3.Ensinar
H
2
ação
4.Produzir
I
2
processo
5.Causar
J
3
processo
6.Bater
K
1
processo
7.Ocorrer
L
1
processo
8.Ter
M
2
estado
O primeiro critério pertinente para a ordenação foi o grau de afastamento da extensão
de sentido do predicador não pleno em relação ao predicador pleno, que contém o marco
predicativo básico de dar. As construções cujo verbo veicula as extensões de sentido 1, 2, 3 e
4 ainda exprimem o valor de transferência, variando seu grau de abstração/metaforização, o
115
que faz com que, na cadeia de gramaticalização, se localizem mais próximas às predicações
que apresentam o marco predicativo básico de dar do que as que não expressam esse valor (5,
6, 7 e 8) 83 . O segundo parâmetro levado em consideração foi o tipo de estado de coisas
apresentado pela extensão semântica. “Ação”, “processo” e “estado” configuram a escala de
tipos de estados de coisas desde o mais próximo até o mais afastado, em relação ao estado de
coisas manifestado na configuração de dar como predicador pleno (ação). O último critério
levado em conta foi a valência quantitativa, o número de argumentos projetados pelo
predicador – quanto mais próximo de 3, mais semelhante ao marco predicativo básico do
predicador pleno. Ressalta-se que essa ordenação se realizou com base apenas em estruturas
do corpus e na configuração sintático-semântica que estas manifestam 84 .
A extensão de sentido fornecer está relacionada a dois tipos de estado de coisas que a
predicação com dar pode expressar: ação e processo.
D. Passando-se por vulto cultural, o candidato copiou e falou da enciclopédia gratuita
"online", e sem qualquer referência, artigos sobre Torga, Antonioni ou Bergman. [Pelo
menos, ele deu cultura ao povo].
[PE escrito, Expresso, Artigo de opinião, 03/09/07, Gente tola na estação tola]
MARCO PREDICATIVO:
C4: [dar [V] (x1:ele)agente (x2: cultura)meta (x3: ao povo)destinatário] (pelo menos)σ3]
(f: dar) [V, ação (realização), +controle, +dinâmico, +télico]
E. [O fato dá uma credibilidade especial ao governo], e o credencia a encaminhar ao
Congresso, com chances de êxito, propostas impossíveis de serem aprovados.
[PB escrito, O Globo, 16/01/03, Editorial, Todos iguais]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:o fato)força (x2: uma credibilidade especial)meta (x3: ao governo)destinatário]
(f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico]
Nos marcos predicativos D e E, ocorre uma transferência metafórica, devido à natureza
dos argumentos metas (X2) que é abstrata (cultura e credibilidade especial, respectivamente).
83
Cf. figura 10 ao final desta seção para checar a distribuição das predicações na cadeia de gramaticalização de
dar.
84
Isso significa que o leitor pode, com base nos exemplos expostos, lembrar de predicações distintas, nas quais o
verbo dar se associa à categoria em análise, mas que, por não aparecerem no corpus, não foram contempladas.
116
Esta propriedade colabora para tornar X2 não-individuado (são abstratos, incontáveis, nãoreferenciais, inanimados e comuns) e afetado, pois, ainda que metaforicamente, X2 é
passado/transmitido a X3 (semanticamente, um destinatário).
Uma diferença entre D e E é o fato de esta configurar uma predicação estendida (C3 –
localizada no tempo presente), enquanto aquela é uma proposição (C4), por conter o satélite
de nível 3 (σ3) que indica uma avaliação do falante que produziu a predicação – com o
emprego de pelo menos, o falante ressalta um aspecto positivo da ação do candidato. Os
estados de coisas das duas predicações distinguem-se, principalmente, porque, em D, a
transferência ([+dinâmico]) decorre da ação intencional ([+controle]) do argumento sujeito
agente (X1 – ele) para o argumento destinatário X3 (povo), enquanto, em E, X1 realiza a
transferência de forma não-intencional e, por isso, é classificado como força. Essa diferença
caracteriza o estado de coisas de C como ação e o de D como um processo. Quanto à
telicidade, em C, é possível, pelo operador de nível 2 (π2 – desinência verbal “u”), determinar
que houve um ponto final da ação no passado ([+télico]) e, por isso, considerar a ação uma
atividade. Diferentemente, em D, o tempo verbal encontra-se no presente e, por isso, não se
localiza o fim do processo ([-télico]), classificado como dinamismo.
A extensão de sentido atribuir também está relacionada a dois tipos de estado de coisas
que a predicação com dar pode expressar: ação e processo.
F. (...) os professores também são muitos legais... eu acho ela o máximo... muitas boas, elas
sempre manda as pesquisas... pra gente... a gente faz... [elas dão nota]...
[PB oral, D&G, 4ª Série do E.F, Relato de opinião, inf. 43]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:elas)agente (x2: nota)meta]
(f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, - télico]
G. [A Graúna dá vigor aos cabellos], torna-os abundantes, macios e sedosos como um
velludo. A Graúna, applicada no bigode, tem produzido os melhores resultados (...)
[PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio, 1° de maio de 1901, p.4]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:a Graúna)força (x2: vigor)meta (x3: aos cabelos)destinatário]
(f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico]
117
Em F, o argumento sujeito e agente (elas) transfere/passa ([+dinâmico]) o argumento
meta (nota) para um argumento destinatário, que não se manifesta na predicação, mas é
depreendido pelo contexto (as pesquisas dos alunos).
De forma semelhante, em G, a
utilização do argumento sujeito (Graúna) faz com que este atue ([+dinâmico]) sobre o
argumento destinatário (X3 = cabelos), transferindo-lhe/passando-lhe o argumento meta
(vigor). Essa transferência é considerada metafórica devido ao caráter não-individuado e
afetado dos argumentos meta (nota e vigor são termos abstratos, comuns, inanimados e nãoreferenciais que são passados/transmitidos aos argumentos destinatários). Entre F e G, há
diferença no papel semântico do argumento sujeito (X1). Na primeira predicação, X1 (elas) é
agente, pois controla ([+controle]), intencionalmente, o estado de coisas (ação), enquanto, na
segunda, X1 é força, pois não tem controle ([-controle]) sobre o estado de coisas (processo),
apesar de colaborar para sua realização. Por não ser possível determinar o ponto final da ação
(F) e do processo (G) presente em ambas as predicações, estas apresentam o traço ([-télico]),
que as subclassifica como atividade e dinamismo, respectivamente. Ademais, por serem
localizadas no tempo presente, ambas as predicações são consideradas como estendidas.
Apenas um tipo de estado de coisas – ação – foi manifestado no corpus com a acepção
do verbo dar como ensinar .
H.) I: minha irmã estuda num colégio particular e ela é mais pequena então [a professora
dela dá todas as matérias] e aí ... ela não conseguia fazer conta (...)
[PB oral, D&G, 4ª Série do E.F., Relato de opinião, idade: 9 anos, inf. 37]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1: a professora dela)agente (x2: todas as matérias)meta]
(f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, -télico]
Considera-se que a ação expressa pela predicação H constitui uma transferência
metafórica, pois o argumento sujeito X1 (a professora dela) é o responsável (agente) pela
“transferência/emissão” intencional ([+controle]) de “conteúdos” (todas as matérias –
argumento meta X2) para o argumento X3, que não está manifestado na predicação, mas que,
pelo contexto, pode ser considerado os alunos ou a irmã da informante. Semanticamente, o
argumento meta é afetado (ainda que metaforicamente, é passado/transmitido para um
destinatário – X3) e não-individuado (abstrato, não-referencial, inanimado e comum). Essa
transferência, ainda que metafórica, caracteriza o dinamismo ([+dinâmico]) da ação de
ensinar todas as matérias que, por não apresentar término (localizada no tempo presente –
predicação estendida), pode ser classificada como atividade ([-télico]).
118
Com a extensão de sentido produzir, a predicação com dar manifestou apenas um tipo
de estado de coisas no corpus: processo.
I.) [As vacas] aguentam-se perfeitamente em pé e [dão leite.] [PE escrito, VARPORT
[NOTÍCIA], E-P-95-Jn-012, Público, 15.03.1992]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:as vacas)força (x2: leite)meta]
(f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico]
Na predicação I, é possível notar algum tipo de dinamismo ([+dinâmico]) referente a
“dar leite”, visto que o argumento X1 (as vacas) produzem, por meio de seu metabolismo, X2
(uma substância – leite). Este é afetado, pois foi gerado a partir de um processo de produção,
e não-individuado (concreto, incontável, inanimado e comum). A função sintática de X1 é
sujeito, apresenta o traço [-controle], já que o ato de “dar leite” é consumado quando alguém
ou algo retira o líquido da vaca, pois esta não o elimina intencionalmente. Por ser responsável
pelo estado de coisas, apesar de não o controlar, tem função semântica de força. Ademais, os
parâmetros [+dinâmico] e [-controle] classificam a predicação como um processo. Considerase que, quando o argumento X2 (leite) é produzido, um argumento X3, que, nesta predicação,
não está manifestado (pode ser um animal, bezerro ou alguém, quem a ordenha), apresenta
papel semântico de destinatário, ou seja “recebe” X2 (leite), o que não deixa de configurar
uma transferência metafórica. O processo é considerado dinâmico, pois o parâmetro [± télico]
apresenta-se negativamente marcado ([-télico]), já que o estado de coisas da predicação não
possui tempo final determinado (localiza-se no presente do indicativo – predicação
estendida).
No corpus, com a extensão de sentido causar, a predicação com dar manifestou apenas
um tipo de estado de coisas: processo.
J. (...) a bermuda mesmo curta não aparece nada... só aparece a metade das pernas... e ela
não gosta disso não... [isso me dá um ódio]... [riso] só isso mesmo...
[PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Relato de opinião, idade: 15 anos, inf. 36]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:isso)força (x2: ódio)meta (x3: me)destinatário]
(f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico]
119
Quanto à predicação J, acredita-se que o argumento meta (ódio) é um sentimento, algo
gerado (portanto, há alguma modificação em X3 – [+dinâmico]) não intencionalmente ([controle]) no argumento objeto destinatário (X3 = me) em virtude da ocorrência de um fato
(X1 = isso, pronome demonstrativo que se refere ao fato de outra pessoa não gostar da
vestimenta do destinatário). Logo, não foi o fato que realizou uma transferência metafórica do
sentimento
(ódio);
na
verdade,
X2
é
também
considerado
afetado,
pois
foi
criado/desencadeado pela reação do argumento X1. Ademais, é não-individuado (abstrato,
incontável, não-referencial, inanimado e comum), além de ter função sintática de objeto. O
argumento X1, sujeito, é considerado força, por desencadear o processo de forma nãointencional. Este não tem seu término identificado ([-télico]) e, por isso, é subclassificado
como dinamismo. Ademais, a predicação é localizada no tempo presente, uma predicação
estendida.
Com as extensões de sentido bater e ocorrer, as predicações com dar expressaram, no
corpus, apenas um tipo de estado de coisas: processo.
K. Quando [deu a hora de nós irmos para a escola], minha mãe nos arrumou e nós fomos e
deixamos minha mãe em casa.
[PB escrito, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 16 anos, inf. 26]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1: a hora de nós irmos para a escola)processado]
(f: dar) [V, processo (mudança), -controle, +dinâmico, +télico]
L. (...) mas tem uns aí que sabe mexer no motor na parte elétrica né ... quando [dá algum
problemazinho].
[PB oral, APERJ, inq.169A, faixa A, nível 1]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:algum problemazinho)processado]
(f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, -télico]
Em K, dar apresenta valor temporal que permite a organização de predicações que,
muitos gramáticos (entre os quais, Rocha Lima, 1992: 400) 85 , têm por sujeito a indicação de
85
Tal configuração de predicação está de acordo com o parâmetro da relação de concordância para identificação
do constituinte sujeito, segundo o qual esse termo é aquele com o qual o verbo concorda. É interessante lembrar,
entretanto, que: (i) no Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0, há observação quanto ao emprego
de dar como equivalente de bater/soar “em exemplos de concordância por atração com objeto direto: deram
duas horas, vão dar duas horas”; e (ii) há estruturas (também citadas nas gramáticas) em que, com valor
120
horas ou de um horário específico e, em L, o verbo apresenta acepção de ocorrer. Essas
extensões de sentido fazem com que as predicações não sejam formadas por um argumento
que controle o estado de coisas ([-controle]). Além disso, possibilitam a configuração sintática
das predicações com dar + SN; no entanto, diferentemente dos demais exemplos analisados
até então, o SN nessa posição constitui o argumento sujeito da predicação (e não objeto) e,
por não controlar seu estado de coisas, pode ser considerado semanticamente como
processado (entidade envolvida em um processo). O estado de coisas em K é localizado no
tempo passado e, em L, no tempo presente; portanto, essas predicações são estendidas (C3). O
parâmetro [+dinâmico] que é determinado pelo fato de veicularem alguma mudança (há uma
mudança no horário em K e uma mudança na condição do carro ou de seu motor em L). O
estado de coisas em K é concluído ([+télico]), o que o subclassifica como “mudança”,
enquanto, em L, não se pode detectar seu término, sendo subclassificado como “dinamismo”.
A extensão de sentido ter/possuir ocorreu relacionada a apenas um tipo de estado de
coisas que a predicação com dar pode expressar: estado.
M. Não pode contar com a rede, com a rede [o robalo dá dez quilos]...sem a rede que é o
certo dá sete .
[PB oral, VARPORT, Op-B-90-2m-004, faixa B, nível 1]
MARCO PREDICATIVO:
C1: [dar [V] (x1:o robalo)zero (x2: dez quilos)zero]
(f: dar) [V, situação (estado), -controle, -dinâmico]
Na predicação M, o argumento X2 (dez quilos), funciona sintaticamente como um objeto
e semanticamente como uma característica de X1 (argumento sujeito – o robalo), o que
corrobora a análise de o estado de coisas não expressar dinamismo [-dinâmico]. O fato de o
argumento X1 não controlar o estado de coisas ([-controle]) faz com que a predicação possa
ser classificada como situação do tipo estado. O argumento X2 é considerado não-afetado e
temporal, dar organiza predicações que têm “a indicação de horas” com relação gramatical de objeto direto (O
relógio deu três horas). Esse tratamento dado a essa acepção de dar (“em que uma parte não combina com a
outra”) resulta e é revelador de aspectos/parâmetros envolvidos na cadeia de extensão de sentido/uso de dar:
persistência, assimetria entre forma e significado, por exemplo.
121
não-individuado (abstrato, não-referencial, inanimado e comum). Decidiu-se classificar
ambos os argumentos apresentados como zero, pois estão envolvidos em um estado 86 .
As construções dar + SN que foram vinculadas à categoria intermediária verbo
predicador a verbo-suporte dar podem ser interpretadas de duas maneiras: (i) como
componentes de predicações que apresentam predicador simples, seu núcleo sintático e
semântico, e SN que, com aquele, tem relação gramatical de objeto e (ii) como componentes
de predicações em que o SN é o núcleo semântico na especificação do evento e se alia ao
verbo dar que lhe confere o papel predicante e com o qual partilha a função de projetar
argumentos e atribuir-lhes papel temático. Hopper e Thompson (2001:32) mencionam que
predicações do segundo tipo podem ser consideradas “compostos V-O” (V-O compounds) e
devem apresentar, pelo menos, uma característica das seguintes: (i) ser uma construção
lexicalizada; (ii) não ter um “O” referencial; e (iii) ter um “V” “leve” semanticamente.
N. Agora e "apanhando quase toda a gente de surpresa", como escreveu o 'Público',
descobre-se que o novo Código de Processo Penal, à beira de ser votado na Assembleia,
proíbe e penaliza a divulgação de escutas telefónicas recolhidas em processo-crime,
excepto se já não estiverem em segredo de justiça e [os próprios escutados derem o seu
consentimento]. [PE escrito, Expresso, Artigo de opinião, 15/09/07, Escutas, telefonemas e fantasmas]
Primeira interpretação: PREDICAÇÃO COM 2 ARGUMENTOS
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1: os próprios escutados)agente (x2: o seu consentimento)meta]
(f: dar) [V, ação (atividade), + controle, +dinâmico, - télico]
Segunda interpretação: PREDICAÇÃO COM 1 ARGUMENTO
MARCO PREDICATIVO:
C1: [dar o seu consentimento [VN] (x1: os próprios escutados)agente]
(f: dar o seu consentimento) [VN, ação (atividade), + controle, +dinâmico, - télico]
Em ambos os marcos predicativos apresentados para a predicação N, X1 (os próprios
escutados) tem o papel semântico de agente e a função sintática de sujeito, além de controlar
intencionalmente ([+controle]) o estado de coisas expresso pela predicação. Este é
86
Na verdade, Dik (1997:20) não previu essa função semântica na posição de X2. Essa decisão foi tomada
porque considerar X2 como meta (previsto por DIK) implicaria que esse argumento fosse controlado por um
agente, posicionador ou força.
122
considerado ação do tipo atividade porque contém dinamismo ([+dinâmico)] e porque não é
possível detectar seu término (o verbo indica futuro hipotético – [-télico]). No caso da
primeira interpretação, esse dinamismo decorre do fato de o argumento X2 (o seu
consentimento – afetado) ser concedido/transferido para um argumento X3, destinatário que
não está manifestado na predicação (pelo contexto, é possível compreender que se trata de
qualquer pessoa que deseja divulgar escutas telefônicas). O dinamismo, na segunda
interpretação, consiste em o argumento X1 consentir/concordar com o fato expresso no
contexto (argumento X2 não manifestado). Logo, no primeiro marco predicativo, o SN o seu
consentimento é o segundo argumento e tem função de objeto projetado pelo verbo
predicador dar (núcleo sintático e semântico da predicação), enquanto, no segundo marco
predicativo, o SN o seu consentimento desempenha papel de núcleo semântico da predicação
e, com o verbo esvaziado de significado, projeta o argumento X1, formando um predicador
complexo. A leitura de dar + SN como um “composto V-O” (V-O compound) só foi possível
devido ao caráter não-individuado (abstrato, incontável, não-referencial e inanimado) do SN.
No entanto, o fato de o núcleo do SN vir acompanhado de um pronome (seu) demonstra que
os componentes dar e SN não estão tão integrados.
O. Ela disse que não tinha o dinheiro... aí ele disse que ia ajudar ela... ele tem pena
dela... aí ele disse que [sempre... ele dá jeito em tudo] e o importante era ter saúde
para conseguir arrumar o dinheiro, né? Conseguir trabalhar...
[PB oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa recontada, idade: 18, inf. 24]
Primeira interpretação: PREDICAÇÃO COM 2 ARGUMENTOS
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar [V] (x1:ele)agente (x2:jeito)meta (x3: em tudo)] (sempre)σ2
(f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, -télico]
Segunda interpretação: PREDICAÇÃO COM 1 ARGUMENTO
MARCO PREDICATIVO:
C1: [dar jeito [VN] (x1: ele)agente (x2: em tudo)] (sempre)σ2
(f: dar jeito) [VN, ação (atividade), + controle, +dinâmico, - télico]
Na primeira e na segunda interpretação da predicação O, o argumento X1 (ele) é sujeito e
agente, além de ser o responsável por controlar intencionalmente ([+controle]) o estado de
coisas expresso pela predicação. Esta é considerada estendida (C3), pois está localizada no
123
tempo presente. Por não ser possível detectar seu término, já que apresenta um satélite de
nível 2 (σ2 = sempre), a telicidade é marcada negativamente [-télico], o que faz com que o
estado de coisas seja uma ação do tipo atividade. A primeira interpretação envolve um
dinamismo que consiste na criação de algo (um jeito/uma maneira) para encontrar uma
solução (fazer alguém virar palhaço...). Logo, diferentemente da predicação N, não se detecta
transferência metafórica. A segunda interpretação envolve um dinamismo devido ao fato de
X1 (ele) solucionar X2 (tudo). Logo, no primeiro marco predicativo, jeito e em tudo
representam o segundo e o terceiro argumentos, respectivamente. Ambos têm função de
objeto projetado pelo predicador dar. No segundo marco predicativo, a construção dá jeito é
considerada um “composto V-O” (V-O compound), pois o argumento X1 (ele) e o argumento
X2 (em tudo) são projetados tanto pelo verbo dar (com esvaziamento semântico) quanto pelo
SN jeito, pois esses elementos formam um predicador complexo, partilhando essa função.
O fato de, em N e em O, na primeira interpretação, dar se comportar como um
predicador não pleno (significado transferencial em N e não transferencial em O) faz com
que as predicações N e O possam ser consideradas exemplos de construções em que dar e SN
apresentam níveis intermediários de integração. Logo, na cadeia de gramaticalização,
localizam-se entre as construções cujo SN constitui um argumento projetado pelo verbo
(objeto sintático da predicação, sem qualquer grau de incorporação a esse item) e as
construções cujo SN está totalmente incorporado ao verbo, não havendo possibilidade de
modificar sua configuração sintática com a inserção e/ou substituição de elementos, por
exemplo (são as construções localizadas mais próximas à ponta da seta da figura 10).
As predicações com verbo-suporte do corpus apresentam o estado de coisas evento
(ação (atividade) e processo (mudança)). Na cadeia de gramaticalização de dar, alguns
marcos predicativos que se localizam no domínio da categoria de verbo-suporte dar estão
mais próximos da categoria de verbo predicador a verbo-suporte, enquanto outros se
encontram bastante afastados dela, pois pertencem a construções com verbo-suporte
prototípicas.
P. (...) [ele (...) deu banana à torcida]. Disse não estar nem aí. Desse jeito, ficará mesmo
sem lugar para estar. Seja aí, ali, ou acolá. [PB escrito, Extra, 23-03-04, Artigo de opinião, O bebê
de Rosemary]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar banana [VN] (x1:ele)agente (x2: à torcida)destinatário]
(f: dar banana) [VN, ação (realização), +controle, +dinâmico, +télico]
124
A predicação P apresenta um argumento X1 (ele) com função sintática de sujeito e
função semântica de agente, por controlar ([+controle]) o estado de coisas expresso, cujo
dinamismo é detectado pelo fato de dar bananas consistir em uma realização de um gesto
com as mãos, havendo movimentação/mudança no estado de X1. A presença dos parâmetros
[+dinâmico] e [+controle] faz com que o estado de coisas seja considerado uma ação que, por
se localizar em tempo passado (por isso, uma predicação estendida), marca a telicidade
positivamente ([+télico]). Pelo contexto situacional, percebe-se que o predicador complexo
retém algum grau de transferência, ainda que bastante metafórico, pois o ato de dar banana é,
nesse contexto, um gesto feito para ofender (em direção à) a torcida (X2) que o “recebe”,
apresentando função semântica de destinatário. Esse valor transferencial metafórico e o fato
de o estado de coisas expresso ser uma ação constituem características que colaboram para
que, em uma cadeia de gramaticalização de dar, essa predicação seja alocada como exemplo
de construção com verbo-suporte mais próxima à categoria híbrida de verbo predicador a
verbo-suporte. A leitura incorporada do SN ocorre em função de “banana” ser, nesse
contexto, um termo não-individuado (abstrato, inanimado e não-referencial). O grau de
incorporação do SN não é tão alto devido à possibilidade de inclusão, entre os componentes
desse predicador complexo, de elementos menos determinantes (ele deu muita banana à
torcida) e modificadores (ele deu uma banana bem grande à torcida 87 ). Ademais, o
significado de “banana” afasta-se bastante do significado básico de “tipo de fruta”, formando,
com o verbo, uma expressão (semi-)lexicalizada 88 , uma das características que Hopper e
Thompson (2001) atribuem para os “compostos V-O” (V-O compounds).
87
A inserção desse modificador na predicação baseou-se na seguinte frase produzida e divulgada na internet: “O
Governador deveria dar uma banana bem grande para essa corja que agora quer que o governo resolva a
incompetência
deles
com
o
dinheiro
do
contribuinte”.
(Fonte:
www.ecbahia.com.br/forum/forum_display.asp?messageNo=3&threadID=6222)
88
Esteves et alii (2006) consideram expressões semi-lexicalizadas aquelas cujo sentido de um dos componentes
pode ser recuperado. Considera-se dar bananas uma construção semi-lexicalizada, pois o verbo dar ainda retém
a noção transferencial, enquanto banana não apresenta seu significado básico de tipo de fruta.
125
Q. Se o PMDB quer conservar o poder, constata Ulysses, tem que se atravessar no
caminho dos demagogos, ou batê-los no seu próprio jogo. Montado na sua Constituiçãocidadã, o candidato [Ulysses dá conta de que cavalga um cavalo de vento]. Quem olhar
bem verá que ele não tem nada entre as pernas.
[PB escrito, BN - JB, Editorial, 23 de outubro de 1988, O Cavalo de Vento, p.11]
MARCO PREDICATIVO:
C3: [dar conta [VN] (x1: a gente)força (x2: de que cavalga um cavalo de vento)meta ]
(f: dar conta) [VN, processo (mudança), - controle, +dinâmico, + télico]
A predicação Q apresenta um estado de coisas [+dinâmico], pois dar conta implica uma
mudança do argumento sujeito (X1-Ulysses) que passa a perceber algo. X1 tem função
semântica de força por ser o responsável não-intencional ([-controle]) pelo estado de coisas.
Este, devido à combinação dos parâmetros [-controle] e [+dinâmico], configura-se como
processo e, por não ser possível detectar seu término (localizado no tempo presente –
predicação estendida), é subclassificado como “dinamismo”. Em Q, diferentemente da
predicação P (ele deu banana à torcida), não é possível detectar transferência de natureza
metafórica, pois, em dar conta (perceber), dar expressa noção geral de ação/atividade. Além
dessa diferença, nota-se que o grau de incorporação do SN em P é menor, devido à
possibilidade de inserção de elementos na construção, enquanto que, em Q, a incorporação é
mais alta, pois não há possibilidade de inserção, seja de elementos menos determinantes, seja
de elementos modificadores. Ademais, Q é uma expressão totalmente lexicalizada 89 e seu SN
é um elemento não-individuado (abstrato, não-referencial e inanimado), não-afetado e assume
função predicante ao se vincular ao verbo-suporte, (dar conta de algo), traços que colaboram
para que seja reconhecida como um “composto V-O” (V-O compounds). Na cadeia de
gramaticalização de dar, esse predicador complexo apresenta-se como construção com verbosuporte prototípica e, por isso, mais afastada, principalmente, daquelas cujo verbo pertence à
categoria lexical de verbo predicador (cf. figura 10).
Retoma-se, enfim, a cadeia de gramaticalização de dar, levando-se em conta a
distribuição dos exemplos pertencentes aos marcos predicativos analisados:
89
Considera-se dar conta totalmente lexicalizada, pois não é possível compreender seu sentido com base nos
significados básicos dos componentes (dar não apresenta transferência e conta não se refere a cálculo/operação
aritmética).
126
Figura 10: Cadeia de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) com alguns
exemplos do corpus
5.1.2 Distribuição geral dos dados
Na próxima tabela, constam os valores de todas as ocorrências encontradas nos corpora
– dados orais e escritos provenientes do Português Brasileiro e do Português Europeu nos
séculos XX e XXI.
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a verbo-suporte
Verbo-suporte
PB e PE
69/939
7%
196/939
21%
256/939
27%
418/939
45%
Tabela 1: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus).
Nas categorias em que o verbo ocorre como item lexical, a produtividade de uso é
menor (predicador pleno – 7% e predicador não pleno – 21%), enquanto na categoria em que
dar revela comportamento gramatical, a freqüência de uso é maior (verbo-suporte – 45%). Ao
assumir características que podem fazer com que esteja ora mais próximo da categoria de
verbo predicador, ora mais perto da categoria de verbo-suporte (dados classificados como de
verbo predicador a verbo suporte), sua freqüência de uso assemelha-se à de verbo predicador
127
não pleno (verbo predicador a verbo suporte – 27%) e é baixa em relação à da categoria de
verbo-suporte.
A distribuição geral dos dados está de acordo com a hipótese de que os itens com
comportamento gramatical transparente apresentam freqüência de ocorrência maior do que os
itens lexicais (BYBEE, 2003). Nos próximos resultados em que se investigam outros
contextos de uso, tais como variedades nacionais, modalidades expressivas, tipos textuais e
tempo real, obteve-se relativamente a mesma distribuição de ocorrências no que se refere,
principalmente, ao emprego de dar como verbo-suporte: são mais produtivos em diversos
recortes da amostra PB e PE analisada. Acredita-se, com base na hipótese relacionada à
freqüência de ocorrência, na gramaticalização desse item verbal. Naturalmente, considera-se
que, em certos recortes, a maior produtividade de determinada categoria funcional de dar
pode estar associada também a necessidades de comunicação que são melhor atendidas com
esse recurso.
5.1.3 Distribuição dos dados por variedades nacionais
Levando-se em consideração a amostra geral de dados, foi possível detectar os
seguintes percentuais quanto à distribuição de todas as ocorrências do corpus por variedades
nacionais:
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a verbo-suporte
Verbo-suporte
PB (séculos XX e XXI)
49/674
7%
131/674
19%
179/674
27%
315/674
47%
PE (séculos XX e XXI)
20/265
7%
65/265
25%
77/265
29%
103/265
39%
Tabela 2: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus) por variedades
nacionais
128
A próxima tabela (3) apresenta resultados referentes apenas a ocorrências pertencentes
aos gêneros textuais notícias e editoriais, pois são fontes de dados comuns tanto ao PB quanto
ao PE nos séculos XX e XXI 90 .
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a verbo-suporte
Verbo-suporte
PB (séculos XX e XXI)
4/153
3%
28/153
18%
40/153
26%
81/153
53%
PE (séculos XX e XXI)
4/99
4%
22/99
22%
33/99
33%
40/99
41%
Tabela 3: Produtividade das categorias funcionais de dar em notícias e em editoriais dos séculos XX e
XXI pertencentes ao Português Brasileiro e ao Português Europeu
As tabelas 2 e 3 demonstram a produtividade de dar distribuída pelas categorias
funcionais detectadas no corpus. No Português Brasileiro e no Português Europeu, a
produtividade das categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte é maior em
relação à das categorias lexicais (cf. percentuais em negrito das duas tabelas). Esse resultado
colabora para que se acredite na hipótese de que construções que apresentam dar com
comportamento gramatical são produzidas de forma automatizada, ou seja, como unidades
únicas de processamento e, por isso, bastante freqüentes.
Averiguando-se a distribuição dos dados de cada categoria funcional em estudo por
cada uma das duas variedades nacionais (cf. tabela 4), encontra-se o seguinte resultado: dos
121 dados em que dar é verbo-suporte, mais predicações com esse recurso na variedade
brasileira (67%); e, dos 73 casos em que dar apresenta comportamento híbrido de verbo
predicador a verbo-suporte, também um pouco mais de predicações no PB (55%). Entende-se
que tal resultado pode basear-se em duas explicações: (i) a possibilidade de o processo de
gramaticalização de dar se encontrar em estágio mais avançado no PB do que no PE; e (ii) a
possibilidade de razões discursivas (de expressar certas nuances de estados de coisas) terem
determinado a necessidade de se recorrer com mais freqüência a um emprego de dar e não a
outro e, em conseqüência, se organizarem mais predicações com uma dada categoria
funcional.
90
Excluíram-se, portanto, ocorrências extraídas de depoimentos (orais e escritos) da amostra D&G, textos
submetidos à avaliação (redações e provas) e os anúncios – fontes pertencentes apenas ao século XX –, além de
artigos de opinião – fonte pertencente apenas ao século XXI.
129
Quanto à produtividade de verbos predicadores, o maior percentual de dar na categoria
verbo predicador não pleno em PB (56% de 50 dados), em relação a PE (44%), pode
colaborar para favorecer o avanço da gramaticalização de dar naquela variedade nacional (cf.
percentuais em negrito referentes à produtividade das categorias em que dar revela
comportamento (semi-)gramatical de verbo predicador a verbo-suporte e de verbo-suporte).
Tal interpretação pauta-se na hipótese de que o emprego bastante produtivo de um item em
diferentes contextos e, portanto, com diferentes extensões de sentido (o verbo dar como
predicador não pleno) pode gerar esvaziamento semântico do elemento e a conseqüente
transferência categorial (a passagem de dar de uma categoria lexical de verbo predicador para
a categoria [-gramatical] de verbo predicador a verbo-suporte e para a categoria
[+gramatical] de verbo-suporte).
Oco/Total
Percentagem
(somente dados de textos jornalísticos escritos)
PB
(Séculos XX e XXI)
PE
Verbo
predicador
pleno
4/8
50%
4/8
50%
Verbo
Verbo predicador
predicador não a verbo-suporte
pleno
28/50
40/73
56%
55%
22/50
33/73
44%
45%
Verbosuporte
81/121
67%
40/121
33%
(Séculos XX e XXI)
Tabela 4: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional dos
séculos XX e XXI em função de variedades nacionais distintas.
5.1.4 Distribuição dos dados do século XX ao XXI
Para checar o comportamento do verbo dar no conjunto de predicações coletadas nos
séculos XX e XXI, provenientes de PB e PE, consideraram-se apenas dados escritos
provenientes de quatro gêneros jornalísticos (anúncios, editoriais, notícias e artigos de
opinião), já que não se dispõe de amostras de dados orais relativas a esse recorte temporal.
Conforme registrado na tabela 5, é mais significativa a produtividade de emprego de
dar nas categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte (28% de 425 dados) e
verbo-suporte (47%), principalmente nesta, que representa a categoria com comportamento
gramatical mais transparente e, por isso, tão freqüente.
130
Oco/Total
Percentagem
(PB e PE escrito - séculos XX e XXI)
Categorias funcionais de dar
1901-2007
Verbo predicador pleno
13/425
3%
94/425
22%
121/425
28%
197/425
47%
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a verbo
suporte
Verbo-suporte
Tabela 5: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos jornalísticos (anúncios, editoriais,
notícias e artigos de opinião) de PB e PE dos séculos XX e XXI.
Os resultados da próxima tabela explicitam a produtividade das categorias de dar em
função de cada período do século XX investigado. Consideraram-se apenas dados
provenientes de anúncios, editoriais e notícias, pois não foram coletados dados de artigos de
opinião desse século.
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar 1901-1925
2/56
Verbo predicador pleno
3%
18/56
Verbo predicador não pleno
32%
16/56
Verbo predicador a verbo
29%
suporte
20/56
Verbo-suporte
36%
1926-1950
1/33
3%
7/33
21%
10/33
30%
15/33
46%
1951-1975
2/33
6%
9/33
28%
8/33
24%
14/33
42%
1976-2000
2/49
4%
3/49
6%
14/49
29%
30/49
61%
Tabela 6: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX (somente corpus
escrito – anúncios, editoriais e notícias).
Com base nos resultados da tabela 6, é possível confirmar a hipótese de que o
percentual de freqüência da categoria mais gramatical de dar (verbo-suporte), semelhante ao
que ocorre na tabela 2, é maior do que o das demais categorias em todos os períodos
investigados (cf. percentuais em negrito). O esvaziamento lexical desse item faz,
provavelmente, com que seu uso seja automatizado na língua e, conseqüentemente, se torne
cada vez mais freqüente (cf. BYBEE, 2003). O fato de o verbo-suporte apresentar expressiva
produtividade em todos os períodos investigados também é indício de que não é um emprego
recente; não foi neste século que essa extensão de uso começou a se delinear, mas em
131
períodos anteriores. Estudos (como, por exemplo, o de CHACOTO, 1996) já atestam
construções com verbo-suporte antes do recorte temporal aqui examinado.
A tabela 7 demonstra a distribuição dos dados (anúncios, editoriais e notícias) sob outro
ponto de vista – por cada categoria funcional e sua relação com cada um dos quatro períodos
de tempo no século XX –, levando-se em conta a reunião das ocorrências de verbo predicador
(pleno e não pleno).
Oco/Total
Percentagem
Categorias
funcionais de dar
1901-1925
1926-1950
1951-1975
1976-2000
Verbo predicador
(pleno e não pleno)
20/44
45%
8/44
18%
11/44
25%
5/44
11%
Verbo predicador a
verbo-suporte
16/48
33%
10/48
21%
8/48
17%
14/48
29%
Verbo-suporte
20/79
25%
15/79
19%
14/79
18%
30/79
38%
Tabela 7: Distribuição dos dados (notícias, editoriais e anúncios) por cada categoria funcional no
século XX
Os resultados da última coluna corroboram a hipótese inicial de que, ao alcançar
estatuto gramatical, dar (como verbo-suporte) passa a ter, com o tempo, maior freqüência de
ocorrência – com 38% do 79 dados no último período do século XX –, em relação à que tinha
nos outros períodos do século (38% de verbo-suporte no último período contra 25%, 19% e
18% de ocorrência nos primeiro, segundo e terceiro períodos, respectivamente).
Em relação à diminuição da freqüência da categoria lexical de predicador (pleno e não
pleno) ao longo do século (dos 44 dados encontrados, apenas 5 correspondem ao período de
1976 a 2000; cerca de metade concentra-se no primeiro período (45%)), acredita-se que isso é
uma conseqüência do processo de gramaticalização, pois o aumento da freqüência da extensão
de uso de dar esvaziado semanticamente (como verbo-suporte) mostra-se inversamente
proporcional a seu emprego com diferentes noções de sentidos (como predicador pleno e,
principalmente, não pleno), o que explicaria a diminuição da produtividade dessa categoria no
último período (1976-2000) do século XX.
Para fazer uma comparação entre os usos de dar nos séculos XX e XXI, foram
considerados apenas dados oriundos dos gêneros notícia e editorial, excluindo-se os dados de
132
anúncios que são apenas do século XX e os dados de artigos de opinião que são apenas do
século XXI.
Oco/Total
Percentagem
Categorias
funcionais de dar 1901-1925
2/39
Verbo predicador
5%
pleno
11/39
Verbo predicador
28%
não pleno
12/39
Verbo predicador
31%
a verbo-suporte
14/39
Verbo-suporte
36%
1926-1950
1/24
4%
2/24
8%
9/24
38%
12/24
50%
1951-1975
0/22
—
6/22
27%
5/22
23%
11/22
50%
1976-2000
2/40
5%
1/40
2%
10/40
25%
27/40
68%
2001-2007
3/125
2%
30/125
24%
37/125
30%
55/125
44%
Tabela 8: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX e no XXI (somente
editoriais e notícias).
Pela análise da tabela 8, há um aumento do percentual das categorias com
comportamento gramatical (verbo predicador a verbo suporte e verbo-suporte) a cada
período, exceto no terceiro (1951-1975), em que há um percentual um pouco maior de verbo
predicador não pleno (27% de 22 dados) em relação ao da categoria verbo predicador a
verbo-suporte (23%). Na verdade, por essa diferença ser de apenas 4%, é possível considerar
a produtividade de ambas categorias bastante semelhantes. Esses resultados vão ao encontro
daqueles descritos na tabela 6, demonstrando que a retirada do tipo de texto anúncios não
interfere na análise. Ademais, o fato de o aumento da freqüência de categorias gramaticais
(verbo predicador a verbo suporte – 30%; verbo-suporte – 44%) também já ocorrer no século
XXI corrobora a hipótese de que esse processo de transferência categorial é gradual, ou seja,
tende a continuar.
A tabela 9 diferencia-se da anterior por explicitar a produtividade dos dados (extraídos
de notícias e editoriais) por cada categoria funcional ao longo dos períodos do século XX e do
primeiro período do século XXI.
133
Oco/Total
Percentagem
Categorias
funcionais de dar
1901-1925
1926-1950
1951-1975
1976-2000
2001-2007
Verbo
predicador
pleno
2/8
25%
1/8
12%
0/8
—
2/8
25%
3/8
38%
Verbo
predicador não
pleno
11/50
22%
2/50
4%
6/50
12%
1/50
2%
30/50
60%
Verbo
predicador a
verbo-suporte
12/73
16%
9/73
12%
5/73
7%
10/73
14%
37/73
51%
Verbo-suporte
14/119
12%
12/119
10%
11/119
9%
27/119
23%
55/119
46%
Tabela 9: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional de
dar ao longo dos períodos do século XX e do período inicial do século XXI.
Observando-se a produtividade de dar nas categorias gramaticais verbo predicador a
verbo-suporte (total de 73 dados) e verbo-suporte (total de 119 dados), nota-se que, no
primeiro, segundo e terceiro períodos do século XX, os índices percentuais são,
respectivamente, 12%, 10% e 9% de dados de verbo-suporte e 16%, 12% e 7% de dados na
categoria intermediária verbo predicador a verbo-suporte. A diferença entre aquela
distribuição por período e esta é bastante baixa (não chega a uma diferença de 10% por
período). No entanto, a incidência de dar nessas categorias aumenta no final do século XX a
partir do quarto período (1976-2000), e chega a ser bastante significativa no início do século
XXI (2001-2007), se comparada à que se registra no quarto período do século XX (19762000): 37% a mais para a categoria de verbo predicador a verbo suporte e 23% a mais para a
categoria de verbo-suporte. Tais resultados sinalizam, mais uma vez, o caráter gradual do
fenômeno, devido ao fato de a produtividade das categorias gramaticais ser cada vez mais alta
com o passar do tempo.
Ressalta-se, ainda, o crescimento da produtividade (60% de 50 dados) da categoria de
verbo predicador não pleno no século XXI (2001-2007) em relação a sua produtividade (2%)
no período anterior (1976-2000). Esse resultado indica que a possibilidade de emprego de dar
com diversas extensões de sentido aumentou no século XXI, fato que colabora para seu
esvaziamento lexical e, em conseqüência, para favorecer o aumento de produtividade do item
como verbo predicador a verbo-suporte (51%) e de verbo-suporte (46%).
134
5.1.5 Distribuição dos dados por modalidade expressiva
Para a investigação da produtividade das categorias funcionais encontradas no corpus
em função das modalidades expressivas em que foram produzidas, procedeu-se à análise dos
dados de PB e PE pertencentes ao último período do século XX (1976-2000), pois é a única
fase que apresenta ocorrências tanto de fala quanto de escrita provenientes da amostra de
dados do projeto VARPORT. Além disso, consideraram-se ocorrências provenientes da
amostra de dados do projeto Discurso e Gramática e, portanto, apenas do Português
Brasileiro.
Observando-se os resultados da tabela 10, que registra como se organizam as
predicações coletadas de textos orais e escritos pertencentes à amostra do projeto VARPORT,
percebe-se que, em 220 predicações com dar na fala, 43% apresentam construções com
verbo-suporte e que, em 171 predicações utilizadas na escrita, boa parte delas (46%) é
constituída de perífrases com verbo-suporte.
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Fala
17/220
8%
50/220
23%
59/220
26%
94/220
43%
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a verbo suporte
Verbo-suporte
Escrita
7/171
4%
37/171
22%
48/171
28%
79/171
46%
Tabela 10: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas (dados
extraídos de corpora orais e escritos de PB e PE – VARPORT, século XX).
Analisando-se essa relação entre modalidade expressiva e categorias funcionais de dar
de outro ângulo (cf. tabela 11) – agora com foco no conjunto de dados por cada categoria e na
sua distribuição por modalidade –, é possível evidenciar que o verbo dar é mais
freqüentemente utilizado na fala em qualquer das categorias estudadas – desde aquelas em
que
ainda
revela
comportamento
lexical
até
aquelas
em que
já
tem caráter
(semi-)gramatical. Pode-se notar também que é justamente nas categorias funcionais
(particularmente na de verbo-suporte) em que dar tem maior representatividade nas
predicações da amostra escrita (79 dados). Esse fato e ainda o comportamento descrito com
base na tabela 10 sinalizam que, por se apresentar como um recurso da gramática, dar passa a
ocorrer em diversos contextos e, ao que tudo indica, sem restrições quanto a modalidade
135
expressiva. Vale ressaltar que quaisquer restrições em que se pense quanto a isso certamente
não dirão respeito à possibilidade de estruturação de predicadores na base de um recurso
gramatical do tipo verbo-suporte; antes, à adequação de determinados predicadores verbonominais, assim como à de certos verbos simples.
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais Verbo predicador
Verbo
Verbo predicador
de dar
pleno
predicador não a verbo-suporte
pleno
17/24
50/87
59/107
Fala
71%
57%
55%
7/24
37/87
48/107
Escrita
29%
43%
45%
Verbosuporte
94/173
54%
79/173
46%
Tabela 11: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada modalidade
expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB e PE – VARPORT século XX).
Os resultados das tabelas 12 e 13, relativos aos usos de dar no que tange às
modalidades expressivas fala e escrita na amostra oriunda do acervo do projeto Discurso e
Gramática (narrativas e relatos de opinião), assemelham-se, respectivamente, aos das tabelas
10 e 11. A tabela 12 evidencia maior produtividade da categoria verbo-suporte em relação à
das outras categorias tanto na fala (49% dos 152 dados) quanto na escrita (47% dos 58 dados).
Os resultados da tabela 13 mostram que, na fala, se usam mais freqüentemente todas as
categorias detectadas no corpus, inclusive as categorias gramaticais verbo predicador a
verbo-suporte e verbo-suporte. Esperava-se que a freqüência dessas categorias seria
relativamente semelhante nas duas modalidades expressivas; no entanto, sua maior incidência
na fala revela que a expansão do fenômeno de gramaticalização ocorre particularmente nessa
modalidade.
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Verbo predicador não pleno
Verbo Predicador a Verbo Suporte
Verbo-suporte
Fala
20/152
13%
28/152
18%
31/152
20%
73/152
49%
Escrita
13/58
22%
6/58
10%
12/58
21%
27/58
47%
Tabela 12: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas (dados extraídos
do corpora oral e escrito de PB – Discurso e Gramática).
136
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais
de dar
Fala
Escrita
Verbo
predicador
pleno
20/33
60%
13/33
40%
Verbo
Verbo predicador
predicador não a verbo-suporte
pleno
28/34
31/43
82%
72%
6/34
12/43
18%
28%
Verbosuporte
73/120
61%
47/120
39%
Tabela 13: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada modalidade
expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB – Discurso e Gramática).
5.1.6 Distribuição dos dados por gêneros textuais
5.1.6.1 Anúncios, editoriais e notícias do século XX
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Verbo predicador não pleno
Verbo Predicador a Verbo-Suporte
Verbo-suporte
Anúncios
2/44
4%
17/44
39%
12/44
27%
13/44
30%
Oco/Total
Percentagem
Editoriais
0/57
13/57
23%
16/57
28%
28/57
49%
Notícias
6/71
8%
7/71
10%
20/71
29%
38/71
53%
Tabela 14: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos (anúncios,
editoriais e notícias) do século XX (PB e PE).
A tabela 14 mostra que, tanto em notícias como em editoriais, as categorias com caráter
(semi-)gramatical de dar (verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte) possuem maior
produtividade (cf. percentuais em negrito). Este resultado, no gênero textual notícia, já era
esperado em decorrência da hipótese de que, devido a sua principal característica de narrar
fato(s), os usuários da língua, ao produzirem esse texto, utilizam os recursos que julgam
necessários para expor conteúdos de forma clara, inclusive construções em que dar apresenta
comportamento gramatical (em um total de 71 dados, 53% – verbo-suporte e 29% – verbo
predicador a verbo-suporte). Os índices altos de verbo-suporte (49% de 57 dados) nos
editoriais não eram esperados, pois se imaginava que, devido à finalidade de
persuadir/convencer o leitor, haveria preocupação com as escolhas lingüísticas, com a
137
possibilidade até de certa sofisticação da linguagem 91 e, desse modo, os autores evitariam o
uso de estruturas com verbo-suporte, substituindo-as pelo uso de predicadores simples, com o
intuito até de mostrar riqueza vocabular.
Observa-se que é, no gênero textual anúncio, que dar ocorre mais vezes como
predicador não pleno (cf. percentual em itálico), apresentando comportamento um pouco
distinto do que revela em relação aos demais gêneros. Nele, a produtividade de verbo
predicador não pleno (39% de 44 dados de anúncios) chega a ser bastante semelhante à de
verbo-suporte (30%). Uma análise qualitativa das ocorrências indica que esse resultado se
deve, muito provavelmente, ao fato de os anunciantes optarem por textos curtos e,
conseqüentemente, se esquivarem de estruturas com verbo-suporte que podem ser substituídas
por um verbo pleno de menor extensão silábica, tais como: dar demissões por demitir; dar
saltos por saltar.
5.1.6.2 Artigos de opinião, editoriais e notícias do século XXI
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno
Verbo predicador não pleno
Verbo Predicador a Verbo-Suporte
Verbo-suporte
Artigos de
opinião
2/128
1%
27/128
22%
36/128
28%
63/128
49%
Oco/Total
Percentagem
Editoriais
Notícias
0/55
—
18/55
33%
17/55
31%
20/55
36%
3/70
4%
12/70
17%
20/70
29%
35/70
50%
Tabela 15: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos (artigos de
opinião, editoriais e notícias) do século XXI (PB e PE).
A tabela 15 revela que, também no século XXI, assim como no século XX (cf.
resultados da tabela 14), o gênero textual notícia apresenta mais ocorrências de verbo-suporte
(50% dos 70 dados de notícias) do que ocorrências das demais categorias funcionais de dar.
Semelhante resultado pode ser encontrado entre os dados oriundos de artigos de opinião: o
verbo que integra a maioria dos predicadores complexos pertence às categorias gramaticais de
verbo predicador a verbo-suporte (28%) e, principalmente, de verbo-suporte (49%). Uma
91
Crê-se que a preocupação com a linguagem e a tendência a evitar-se o uso de construções perifrásticas
(formadas por verbos recorrentes/comuns nos discursos) estejam relacionados a recomendações de caráter
normativo presentes em alguns manuais de redação e/ou textos didáticos. Para mais detalhes, cf. seção 6.1.
138
análise qualitativa desses casos revelou que muitas das estruturas carregam traços de
informalidade (cf. próximos exemplos). Supõe-se, portanto, que a natureza bastante pessoal
desse gênero faz com que os autores recorram a diversas formas perifrásticas para atingir as
nuances de sentido que não alcançariam se usassem apenas os verbos plenos equivalentes a
essas construções.
(Ex.:10) Para aliviar, a Ambev, a cervejaria brasileira responsável por aquela loira da praia
que é feita de malte, nos enche de orgulho nacionalista como primeira global brasileira que
vai dar porre no mundo. [PB escrito, Jornal do Brasil, 05/03/04, Artigo de opinião, 'Annus terribilis']
(Ex.:11) E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se
suspeitava: meu pâncreas estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio
infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo abaixo da crítica, uma vergonha. dei uma
rezadinha, encomendando minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer
era isso, interessante. [PB escrito, O Globo, Artigo de opinião, 03-11-02, “Voltando, sem muita convicção”]
(Ex.:12) (...) ele (...) deu banana à torcida. Disse não estar nem aí. Desse jeito, ficará mesmo
sem lugar para estar. Seja aí, ali, ou acolá. [PB escrito, Extra, 23/03/04, Artigo de opinião, O bebê de
Rosemary]
(Ex.:13) Quem continua dando show nas inscrições é Roberto Morgado Junior. Bebeto
realmente sabe preparar seus pensionistas como poucos. [PB escrito, Povo, Artigo de opinião,
29/05/03, Campeão segue disparando]
(Ex.:14) Já tenho por de mais a minha dose de cretinice inglesa. Acho que alguém devia dar
um murro na mesa e mandar a Silly Press para o esgoto de onde veio. Tresanda esta crónica a
xenofobia? Não, será exagerado, cheira apenas a anglofobia. Mas reconheçamos que não fui
eu que comecei... [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo de Opinião, 08-09-07, A depressão pós férias.]
Quanto às ocorrências de dar oriundas do gênero editorial, percebe-se que a
produtividade das categorias verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e
verbo-suporte é bastante semelhante (em um total de 55 dados, 33%, 31% e 36%,
respectivamente). Não se esperava que a freqüência das categorias gramaticais fosse tão
expressiva em comparação com a da categoria lexical, já que se acreditava que os autores
desse gênero tenderiam a optar mais freqüentemente por predicadores simples, no intuito de
demonstrar riqueza vocabular e, com isso, construir certa imagem social, o que faria o número
de perífrases diminuir. Uma análise mais acurada das ocorrências com verbo-suporte
demonstra que não é apropriado substituir a maioria dessas estruturas (55% das 20
139
ocorrências) por um verbo predicador, pois a permuta acarretaria um sentido um pouco
distinto do alcançado pela perífrase (cf. exemplos abaixo).
(Ex.:15) Ao impedir que drogas e armamentos cheguem às favelas, a polícia reduz a força dos
bandidos que aterrorizam a sociedade. Esta, aliás, tem um motivo a mais para ficar satisfeita:
sem dar sequer um tiro, agentes da Polícia Federal provaram que ações inteligentes, baseadas
em um trabalho minucioso de investigação, podem desarticular quadrilhas sem colocar em
risco a população. [PB escrito, Extra, 19/01/04, Editorial, Sem título]
(Ex.:16) O país vive uma expectativa otimista diante do novo ano que se aproxima. O
sentimento de que o Brasil caminhará para a frente não é aleatório: depois de um ano
extremamente difícil, a economia começa a
dar sinais importantes e consistentes de
recuperação. [PB escrito, Extra, 19/01/04, Editorial, Sem título]
(Ex.:17) Em reunião realizada ontem, em Brasília, a cúpula do PMDB fez uma avaliação do
andamento das negociações para participação do partido no primeiro escalão do Governo
federal. Lideranças partidárias negam que o PMDB esteja fazendo qualquer tipo de pressão
para dar mais rapidez à reforma ministerial. [PB escrito, O Globo, 13/01/04, Editorial, PMDB e a
reforma]
(Ex.:18) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho,
com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISP], mas a novidade esbarrou em algumas
dificuldades de ordem leais e acabou não deslanchando. [PB escrito, Povo, 22-01-04, Editorial,
Polícia unificada]
(Ex.:19) As drogas inventadas, o ano passado, se não acabam com muitas doenças que têm
sido o flagelo do género humano, dão-lhes valioso e eficaz combate. [PE escrito, VARPORT,
editorial E-P-93-JE-001, O Século, 05/01/1950, HORIZONTES, pág.: 1]
Acredita-se que o predicador complexo dar sequer um tiro é um pouco distinto de
atirar uma vez, pois o advérbio “sequer” (= nem) colabora para enfatizar o SN “um tiro”, que
nem ao menos um tiro foi disparado. Nos exemplos 16 e 19, as perífrases dar sinais
importantes e consistentes e dão-lhes valioso e eficaz combate permitem a adjetivação do SN
com a inclusão de modificadores, fato que, por si só, já colabora para conferir à alternativa da
perífrase nuance distinta da de verbo simples. Ao que parece, mesmo que se reestruturassem
esses enunciados com perífrases acompanhadas de advérbios correspondentes aos
modificadores que constituem os SNs que, vinculados ao verbo sinalizar e ao verbo
140
combater, possam expressar a mesma nuance de sentido (sinalizar ..?.. e consistentemente e
combater
?valiosamente e ?eficazmente..), não se obteriam formações com as mesmas
nuances de sentido. Da mesma forma, não se acredita que dar mais rapidez e agilizar mais
expressem exatamente o mesmo sentido, visto que a perífrase verbo-nominal, devido à
presença do intensificador “mais”, imprime ênfase à ação. Quanto à construção dado um
primeiro passo, o predicador simples que normalmente corresponde à expressão – iniciar –
não é adequado ao contexto (foi dado um primeiro passo≠ iniciado nesta direção).
5.1.7 Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a verbo-suporte
Verbo-suporte
Narrativa de
experiência
pessoal
13/81
16%
9/81
11%
10/81
22%
49/81
60%
Oco/Total
Percentagem
Narrativa
Recontada
Relato de
opinião
15/63
24%
6/63
10%
9/63
14%
33/63
52%
5/66
8%
19/66
29%
24/66
36%
18/66
27%
Tabela 16: Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos do projeto D&G
(narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e relatos de opinião).
A tabela 16 registra as freqüências com que se apresentam, no corpus, as categorias de
dar em função de distintos tipos de configuração de texto. A produtividade de dar como
verbo-suporte é maior do que nas demais categorias nas narrativas de ambos os tipos
(experiência pessoal – 60% de 81 dados; e recontada – 52% de 63 dados). Diferentemente, os
dados oriundos de relatos de opinião distribuem-se percentualmente de modo semelhante, em
um total de 66 dados, entre as categorias de verbo predicador não pleno (29%), predicador a
verbo-suporte (36%) e verbo-suporte (27%).
Para checar se esses resultados seriam, de alguma forma, definidos pelo fato de se
relacionarem a dados de fala e de escrita, decidiu-se desenvolver a análise que se apresenta na
próxima tabela (17).
Os percentuais de verbo-suporte são maiores, em relação aos das demais categorias, em
narrativas (de experiência pessoal e recontada) orais e escritas: 63% dos 53 dados de narrativa
de experiência pessoal na fala; 57% dos 28 dados de narrativa de experiência pessoal na
141
escrita; 55% dos 47 dados de narrativa de experiência recontada na fala; 44% dos 16 dados de
narrativa de experiência recontada na escrita. Novamente, são os dados retirados de relatos de
opinião que evidenciam resultados distintos dos apresentados pelas narrativas: tanto na
modalidade oral quanto na escrita, os índices percentuais mais expressivos não são os de
predicações com perífrases com verbo-suporte (27% – fala e 29% – escrita); nesse gênero, os
percentuais relevantes estão na categoria verbo predicador a verbo-suporte (35% dos 52
dados na fala; e 43% dos 14 dados na escrita) e na categoria verbo predicador não pleno
(31% na fala; e 21% na escrita). Por um lado, esses índices podem ser indícios de que o
processo de gramaticalização de dar não se apresenta tão avançado nesse tipo de texto em
comparação com o estágio em que se encontra em narrativas e/ou de que, para a exposição
dos estados de coisas existentes nesses relatos, os falantes tiveram de recorrer mais
freqüentemente a determinadas categorias funcionais de dar diferentes da de verbo-suporte. É
possível, por outro lado, que os baixos índices de verbo-suporte demonstrem que os
produtores do texto tenham preocupação com a linguagem que empregam, visto que, ao
emitirem opiniões, são alvos da atenção e da avaliação do leitor e, assim, se comprometem
mais com o conteúdo lingüístico do texto e, provavelmente, desejam evitar repetições e
demonstrar riqueza vocabular, optando, quando possível, por um verbo simples e não pelo
emprego de perífrases.
Categorias
funcionais de dar
Narrativa de
experiência pessoal
FALA ESCRITA
Oco/Total
Percentagem
Narrativa
Recontada
FALA ESCRITA
Relato
de opinião
FALA ESCRITA
Verbo predicador
não pleno
8/53
15%
6/53
11%
5/28
18%
3/28
11%
8/47
17%
6/47
13%
7/16
44%
0/16
—
4/52
7%
16/52
31%
1/14
7%
3/14
21%
Verbo predicador a
Verbo-suporte
6/53
11%
4/28
14%
7/47
15%
2/16
12%
18/52
35%
6/14
43%
Verbo-suporte
33/53
63%
16/28
57%
26/47
55%
7/16
44%
14/52
27%
4/14
29%
Verbo predicador
Tabela 17: Produtividade das categorias funcionais de dar (relação entre tipos de textos do projeto
D&G e modalidades expressivas).
142
5.1.8 Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação
(narrativas, dissertações e provas)
Categorias
funcionais de dar
Verbo predicador
pleno
Verbo predicador
não pleno
Verbo predicador a
verbo-suporte
Verbo-suporte
Narrativas
escolares 8ª
série
1/14
7%
0/14
—
5/14
35%
8/14
58%
Oco/Total
Percentagem
Dissertações
Dissertações
Provas de
escolares 8ª série escolares Ensino Graduação
Médio
4/17
1/33
0/19
3%
—
24%
4/17
8/33
6/19
24%
32%
24%
4/17
17/33
6/19
52%
32%
24%
5/17
7/33
7/19
36%
21%
28%
Tabela 18: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação (redações e
provas)
Há compêndios escolares e manuais de redação que sugerem que, ao elaborar um texto
passível de avaliação, os alunos devem evitar perífrases verbo-nominais, substituindo tais
construções por verbos predicadores simples de sentido equivalente, para que não incorram
em repetições e, com isso, demonstrem riqueza vocabular 92 . Logo, acreditava-se que, em
todos os textos passíveis de avaliação, as freqüências de uso de dar como verbo-suporte
seriam bastante baixas. No entanto, a tabela 18 evidencia que apenas dissertações escolares do
Ensino Médio apresentaram baixa produtividade de dar na categoria de verbo-suporte (21%
de 33 dados). Talvez, esse resultado seja explicado pelo fato de estar em evidência, nesse
período da vida estudantil, a pressão escolar para que os alunos respeitem a norma padrão em
seus textos, já que, para ingressar no ensino superior, necessitam responder bem a avaliações
que requerem textos coerentes e coesos, sem repetições exacerbadas e com riqueza vocabular
e de idéias.
Nas narrativas escolares da 8ª série, as construções com verbo-suporte aparecem com
mais freqüência (58% dos 14 dados). Tal resultado, provavelmente, deve-se ao fato de o tipo
de texto ser “narração”, que proporciona, em comparação com a dissertação, mais liberdade
para os autores utilizarem estruturas lingüísticas de natureza distinta (formais e informais,
pertencentes ao discurso direto ou indireto). Além disso, crê-se que o enfoque dado às aulas
desse período escolar não esteja tanto no desenvolvimento de textos perfeitamente adequados
92
Para mais detalhes sobre a posição de alguns textos didáticos, cf. seção 6.1.
143
àqueles requisitados em exames para ingresso no nível superior, não havendo tantas
recomendações quanto a restrições de uso de perífrases verbo-nominais, principalmente em
narrativas. As dissertações desse mesmo período (8ª série) apresentam os mesmos índices de
produtividade de dar nas categorias de predicador (pleno de 24% dos 17 dados; e não pleno
24% dos 17 dados) e verbo predicador a verbo-suporte (24%), e apenas 4% de diferença em
relação ao índice de produtividade de verbo-suporte (28%). Ao que parece, há diferença de
emprego das categorias de dar em função do modo de organização do discurso empregado
(narrativas e dissertações). Provavelmente, isso se relaciona ao caráter mais formal atribuído
ao texto dissertativo, o que faz com que seus autores tenham mais preocupação com a seleção
de expressões lingüísticas, evitando certas formas que podem gerar repetições em seu texto
(uso de verbos predicadores no lugar de perífrases verbo-nominais com dar, por exemplo: dar
possibilidade/ possibilitar, dar ajuda/ ajudar).
O resultado encontrado nas provas de graduação é semelhante aos resultados
encontrados nas dissertações escolares da 8ª série: a produtividade de dar nas categorias de
verbo predicador não pleno (32% de 19 ocorrências), verbo predicador a verbo-suporte
(32%) e verbo-suporte (36%) é semelhante (4% apenas de diferença). Acredita-se que o fato
de alunos do ensino superior empregarem dar em diferentes categorias para produzir textos
formais (provas) demonstra também que o uso de construções com verbo-suporte não
apresenta, na prática, estigma, ainda que haja diversas recomendações em textos didáticos
contra seu emprego. Talvez, nesse tipo de texto, os estudantes apenas se preocupem em evitar
repetições e algumas construções de cunho informal, como “dar porrada e dar banana”, para
que não as empreguem no contexto discursivo inadequado. 93
93
Uma forma de avaliar se os falantes da língua associam as expressões com verbo-suporte é recorrer a testes de
atitudes, trabalho desenvolvido na seção 5.2.
144
5.1.9 Comparação da produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis
de avaliação e em textos não avaliados na escola
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais Narrativas do
Narrativas
de dar
projeto D&G –
escolares
8ª série escrita
8ª série
3/23
1/14
Verbo predicador
13%
7%
pleno
2/23
0/14
Verbo predicador não
9%
—
pleno
4/23
5/14
Verbo predicador a
17%
36%
Verbo-suporte
14/23
8/14
Verbo-suporte
61%
57%
Tabela 19: Produtividade das categorias funcionais de dar em narrativas que são objetos de avaliação formal em
confronto com narrativas que não foram compostas com esse fim.
As predicações coletadas tanto em narrativas escolares (materiais para avaliação formal
dos alunos) quanto nas narrativas do corpus D&G apresentam mais casos de predicadores
complexos, em que o item verbal dar pertence às categorias de verbo predicador a verbosuporte (36% de ocorrência nas 14 narrativas do primeiro tipo; 17% nas 23 narrativas do
corpus D&G) e, principalmente, de verbo-suporte (57%; 61%). O fato de o texto ser objeto de
avaliação formal não impede o emprego de dar nas categorias funcionais, o que indica que a
utilização de construções com verbo-suporte dar não apresenta estigma.
Em decorrência dos resultados expostos nas tabelas 18 e 19, é possível desenvolver
questionamentos acerca do papel de alguns compêndios escolares e manuais de redação
acerca do uso de construções com verbo-suporte em textos passíveis de avaliação. Procurarse-á discutir, na seção 6 (em que se delineiam contribuições do estudo para o ensino do
Português), a validade de algumas sugestões apresentadas por textos didáticos quanto ao uso
desses verbos.
5.1.10 Distribuição dos dados por tipo de vocabulário
Como se conta com a hipótese de que se costuma associar a construção com verbosuporte a contextos de informalidade, gírias, analisaram-se as amostras em função da natureza
do vocabulário usado: comum ou especial. Foram consideradas ocorrências pertencentes ao
vocabulário comum as expressões que não possuem qualquer nuance especial de sentido e ao
145
vocabulário especial aquelas que se confundem/vinculam com gírias e expressões idiomáticas,
ou seja, as que apresentam uma nuance de sentido parcial (exemplos 25 e 26) ou totalmente
(exemplos 23 e 24) distinta do significado literal da expressão.
Vocabulário Comum
(Ex.:20) (...) Um bello dia, adoecendo, sua/ amasia deu-lhe um chá, que dizia/ ser de folhas de
laranjeira(...) [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-Jn-004, Jornal do Brasil, 14/05/1902, Um crime]
(verbo predicador pleno)
(Ex.:21) Além de regularisar o trabalho intestinal, Feruto Irradiado Fleischmanm lhe dará
melhor disposição phyísica (...) [PB escrito, O Globo, anúncio, Uma Pelle da qual a Sra poderá se
orgulhar, 30/07/1934, pág.: 04] (verbo predicador não-pleno)
(Ex.:22) (...) um técnico que... justamente é aquele que... dá as instruções aos jogadores... [PB
oral, VARPORT, Oc-B-70-2m-001, faixa C, nível 3] (verbo predicador a verbo-suporte)
Vocabulário Especial
(Ex.:23) Era tudo uma imensa salada até que chegou a Brazilian Food. Botou um tempero
aqui, deu um toque ali e pronto: o maior sucesso. [Biblioteca Nacional – Jornal do Brasil, Anúncio, 23
de outubro de 1988, p.15] (verbo-suporte)
(Ex.:24) O MINÉRIO DO Brasil está aí dando sopa né... quer dizer... é um negócio... em
matéria de administração ... ridícula, né? [PB oral, NURC, inq. 355, faixa B, nível 3, pág.: 125] (verbosuporte)
(Ex.:25) (...) ele me empurou e mandou eu ficar ali mesmo, falou que se eu levanta-se ele me
daria um teco, não acreditando que ele estivesse com uma arma, levantei de novo, e ele me
empurrou com o canivete. [PB escrito, Discurso e Gramática, 8ª Série do Primeiro Grau, Narrativa de
experiência pessoal, idade: 15 anos, sexo: masculino, ano: 1993, informante 33] (verbo-suporte)
(Ex.:26) (...) dei uma topada naquele no gelo baiano que eles botaram ali... (PB oral, NURC,
inq.296) (verbo-suporte)
146
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno e Verbo
predicador não-pleno
Verbo predicador a verbo-suporte
Oco/Total
Percentagem
Vocabulário
Vocabulário
comum
especial
263/849
0/90
31%
—
255/849
0/90
30%
—
331/849
90/90
39%
100%
Tabela 20: Produtividade das categorias funcionais de dar em função do tipo de vocabulário.
Verbo-suporte
Os resultados da tabela 20 evidenciam que é bastante produtivo o emprego do verbo
dar tanto como verbo predicador (pleno ou não — 31%) quanto como verbo predicador a
verbo suporte (30%) e verbo suporte (39%) quando associado a vocabulário comum. No
entanto, as ocorrências que expressam alguma nuance especial de sentido apresentam dar
categoricamente como verbo-suporte (100%).
Muitas dessas construções são consideradas expressões idiomáticas, ou seja,
lexicalizadas, comportando-se como estruturas complexas formadas por verbos-suporte que,
ao assumirem certas propriedades semânticas e morfossintáticas, se cristalizam e passam a
integrar o inventário lexical da língua portuguesa (LEHMANN, 2002). Alguns autores, como
Neves (1999), rejeitam a opção de considerar o verbo dar nessas estruturas como verbosuporte, afirmando que tais construções devem ser analisadas separadamente por serem
expressões cristalizadas. No entanto, nesta pesquisa foram incluídas devido ao fato de se
entender que o item verbal realmente contém todas as características de verbo-suporte: nas
construções com algum grau de lexicalização, dar, em geral, revela esvaziamento lexical em
relação ao sentido primário de transferência e, em algumas construções, esse sentido é até
irrecuperável; conseqüentemente, passa a ter uma função mais instrumental na construção, já
que, além de carregar as categorias verbais de tempo, modo, número e aspecto, partilha a
função de projetar argumentos com o SN que o acompanha 94 . O fato de, pelo menos, um os
componentes das estruturas dar + SN apresentar sentido distinto do seu sentido primário, faz
com que possuam algum grau de lexicalização, como nos exemplos 25 e 26. No primeiro, dar
ainda carrega uma noção de transferência metafórica e o SN (um teco) possui seu significado
94
O mesmo não ocorre em estruturas como “quebra-galho” ou “bate-papo”, nas quais os verbos “quebrar” e
“bater” passam, juntamente com o nomes que lhes segue, à condição de substantivos, devido não só a
transformações semânticas, mas também a perdas morfológicas. Logo, essas estruturas devem ser tratadas
separadamente em um estudo que abarque construções como “quebrar um galho” e “bater um papo” —
predicadores complexos lexicalizados formados por verbo-suporte + SN.
147
básico alterado de “caixão de madeira” (HOUAISS, 2001) para “tiro”, enquanto, no segundo,
dar não mantém mais a noção de transferência e o SN (uma topada) tem seu sentido básico
preservado de “tropeço” (HOUAISS, 2001). Diferentemente, os maiores graus de
idiomaticidade estão presentes em construções em que ambos componentes do predicador
complexo (dar e SN) possuem seu sentido básico alterado. No exemplo 23, dar apresenta o
valor de transferência irrecuperável, ou seja, indica apenas a noção geral de ação/atividade e o
SN (um toque) não apresenta mais seu significado básico de “ação de tocar” (HOUAISS,
2001); assim, não é possível compreender a expressão pelo significado de uma das partes,
mas pelo significado do todo (“dar um toque” ≅ fazer algo especial/pôr componente especial
na receita). O exemplo 24 demonstra um nível de idiomaticidade também alto, já que, além de
dar não possuir mais a noção transferencial, não é possível recorrer ao significado do SN
(sopa) para interpretar o predicador complexo, ou seja, é a construção como um todo (dar
sopa) que possui o sentido de “estar disponível” 95 .
95
Esteves et alii (2006) demonstram parâmetros de lexicalização em construções com ter, dar e passar. Um dos
mais relevantes é o “grau de congelamento semântico dos componentes dos predicados complexos”, que trata do
nível de afastamento (ou aproximação) do sentido dos elementos dessas estruturas em relação a seu sentido
básico. As estruturas que possuem apenas um de seus elementos com sentido idiossincrático (como nos
exemplos 26 e 27) devem ser consideradas semi-lexicalizadas, enquanto aquelas em que ambos componentes
apresentam sentido idiossincrático (como nos exemplos 23 e 24) devem ser consideradas lexicalizadas.
148
5.1.11 Natureza semântica das categorias investigadas
5.1.11.1 Acepções depreendidas de certos usos de dar na categoria de verbo predicador
não pleno
Acepções
Oco/Total
Exemplos
%
68/196 (...) qualquer funcionário AQUI ... se eu achar que preciso mais
Oferecer/
dele ou quero lhe dar um cargo de maior responsabilidade eu
Fornecer/
35%
vou e aumento o salário do funcionário ... não há problema
Passar
(SN com traço [+
nenhum ... [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-1m-002, faixa C, nível 3]
abstrato])
Atribuir
34/196
17%
Ensinar
3/196
2%
Produzir
5/196
2%
A Pintura Real Progressiva dá a cor castanha ao cabello, a
barba e ao bigode brancos (...) [PB escrito, ANÚNCIO, E-B-91-Ja005, Correio da Manhã, 18/07/1901]
(porque aonde) que eu estudava... não era assim tão forte...
mas dava inglês... dá educação física... matemática (...) [PB oral,
Discurso e Gramática, 4ª Série do Primeiro Grau, Relato de opinião, idade:
9 anos, sexo: feminino, ano: 1993, informante 37]
(...) estava escutando a história... aí... eu passei pelo aí...
começou assim... a cobra tinha chifre... e... e... e estava com
asa... (...) o porco estava com orelha de elefante... aí o/ a... a
vaca dava qualquer leite... (...) [PB oral, D&G, CA infantil, Narrativa
recontada, idade: 06, inf. 91]
Causar/Gerar
59/196
30%
eu tenho um funcionário aqui que recebe o salário, daqui a
dois três dias, embora não seja um salário grande, [ ? ] corrida
de cavalo, ele tá, daqui a pouco, precisando de auxílio, porque
que não, não é por aí né, tem família tem que, ajudar os filhos,
isso dá muita dor de cabeça. [PB oral, VARPORT, Oc-B-9R-3m-002,
faixa C, nível 3]
Bater/Soar
3/196
2%
Ocorrer/
Aparecer
22/196
11%
Ter/Possuir
2/196
(SN com traço
1%
[+ abstrato])
Deu três horas e eu me arrumei e fui (...) [PB escrito, D&G, 8ª
Série, Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf. 33]
(...) mas tem uns aí que sabe mexer no motor na parte elétrica
né ... quando dá algum problemazinho (...) [PB oral, APERJ,
inq169A, faixa A, nível 1, pista 2, linha:2489]
é porque o peixe na no com o peixe é o seguinte quando chega
vai chegando agosto setembro outubro vai chegando essa época
é a época dele desovar então o peixe fica adoidado então você
pega uns peixe que dá uns 9 ou 10 quilo e aí fica doido, né?
Fica querendo mostrar a todo mundo... não é história de
pescador não... (riso) [PB oral, APERJ,N inq169A, faixa A, nível 1]
Quadro 18: Acepções de dar como verbo predicador não-pleno identificadas no corpus.
O verbo dar na categoria de predicador não pleno é empregado com diferentes
acepções. Acredita-se que as quatro primeiras acepções ainda retêm uma noção transferencial
149
metafórica, enquanto as demais não apresentam esse valor, diferenciando-se mais do verbo
predicador pleno dar.
O processo de expansão de sentido que caracteriza esse item verbal propicia que, em
alguns contextos, ele passe a se apresentar cada vez mais esvaziado semanticamente. Isso
favorece, em certos contextos, sua gramaticalização, ou seja, sua transferência da categoria de
verbo predicador não pleno para as categorias gramaticais de verbo predicador a verbosuporte e de verbo-suporte.
Averiguando-se se alguns dicionários brasileiros e portugueses 96 registram as acepções
detectadas no corpus (dar como verbo predicador não pleno), chegou-se ao seguinte quadro,
em que é possível visualizar quais das extensões de sentido são levadas em conta pelos
lexicógrafos com base na seguinte marcação: o sinal de adição “+” significa que a acepção
está no dicionário, enquanto o sinal de travessão “—” indica que não há a extensão de sentido
de dar no dicionário em questão:
Borba Fernandes
(1990)
(1998)
Oferecer/
Fornecer/
Passar
Atribuir
Ensinar
Produzir
Causar/Gerar
Bater/Soar
Ocorrer/
Aparecer
Ter/Possuir
Freire
(1954)
Michaelis
(1998)
Houaiss
(2001)
Caldas
Aulete
(1925)
Bivar
(1948)
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
—
—
+
+
+
+
+
—
—
—
—
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
—
—
—
—
—
—
+
+
+
—
+
—
—
—
—
—
—
—
—
—
Quadro 19: Presença das acepções de dar como verbo predicador não pleno do corpus nos dicionários
consultados
Destaca-se que a extensão de sentido fornecer é a única do quadro comum a todas as
obras. Provavelmente, isso ocorre devido à semelhança com o significado básico do verbo –
doar/ceder/transferir. Comparando-se isso com a freqüência dessa acepção no quadro 19,
observa-se que esse valor apresenta maior produtividade em relação às demais extensões de
96
Essas obras serviram, principalmente, para colaborar com a seção de revisão bibliográfica da dissertação. São
elas: os dicionários brasileiros Borba (1990), Fernandes (1998), Freire (1954), Michaelis (1998), e Houaiss
(2001) e os dicionários portugueses Caldas Aulete (1925) e Bivar (1948).
150
sentido (35% de 196 ocorrências de verbo predicador não pleno). Na maioria das obras
lexicográficas, há também as acepções atribuir, produzir e causar. Quanto ao resultado de sua
produtividade no corpus, pode-se considerar que o verbo dar com a extensão de sentido
causar apresenta um número significativo de ocorrências (30% de 196 dados de verbo
predicador não pleno), que é maior se comparado ao da acepção atribuir (17%) e,
principalmente, ao de produzir (2%). Apenas Borba (1990) considera a extensão de sentido
ensinar (Leila dá Português no Colégio Progresso.) e nenhum dos lexicógrafos apresenta a
acepção ter/possuir. Ademais, Freire (1954) e Fernandes (1998) separam as extensões
bater/soar 97 . Freire (1954), em “soar”, põe entre parênteses a seguinte observação: “falando
das horas de um relógio”. Fernandes (1998:179) ainda faz uma consideração acerca desse
emprego de dar: “Modernamente se prefere fazer este verbo impessoal, como haver e fazer:
‘Já deu dez horas.’. Ambas as construções, porém, são clássicas.” 98 . Quanto à acepção
ocorrer/aparecer, constam de mais da metade das obras e, à semelhança do que ocorre com
os dados do corpus, a maioria das obras apresenta exemplos em que dar está anteposto ao SN
sujeito, tais como: Deu-se ali um caso interessante (MICHAELIS, 1998:635), Deu-se comigo
este fato. (FREIRE, 1954:1695) e Deu-lhe um fato extraordinário (FERNANDES, 1998:179).
5.1.11.2 Noções veiculadas pela categoria [-gramatical] verbo predicador a verbo-suporte
e [+gramatical] de verbo-suporte
Eis alguns exemplos das noções detectadas no corpus:
a) Valores não transferenciais
(Ex.:27) (...) mas me dá uma raiva quando alguém fala um troço desse (...) [PB oral, NURC, inq.
158, faixa A, nível 3, pág.: 91] (dar – verbo predicador a verbo-suporte)
É possível realizar uma dupla interpretação do exemplo 27: dar raiva comporta-se tanto
como um predicador complexo – enraivece –, quanto como um predicador não pleno – causa
uma raiva (valor não transferencial).
(Ex.:28) (...) então tenho saído normalmente cinco e vinte e cinco ... cinco e vinte ... pra dar
tempo de fazer um lanche rápido [PB oral, NURC, inq.158, faixa A, nível 3, p.25] (dar – verbo
predicador a verbo-suporte)
97
Exemplos de Freire (1954): 31. Bater (horas) (tr.dir.): O relógio deu cinco horas, quando entramos. 32. Soar
(falando das horas de um relógio) (intr.): Deram nove horas na igreja do Loreto. Exemplos de Ferreira (1998):
Bater: Dava três horas o relógio. Spar: Deram nove horas na igreja de Loreto (R. Silva apud Aulete). Já tinha
dado oito horas, quando lá chegamos.
98
O autor indica a seguinte referência de onde retirou o comentário: O. Mota, Lições de português, 339.
151
A possibilidade da dupla interpretação do exemplo 28 consiste em considerar dar tempo
como predicador complexo – poder, ser viável – e como predicador não pleno –arrumar
tempo (valor não transferencial).
b) Transferência social ou psicológica
Este tipo de transferência ocorre quando é possível perceber, claramente ou não, que o
significado da construção dar + SN envolve/atinge, psicologicamente, o argumento objeto
projetado.
(Ex.:29) o governo, achava que o governo ela devia dar mais proteção às colônias de pesca
proteger as colônias. [PB oral, VARPORT[POPULAR], OP-B-90-2M-005, faixa B, nível 1] (verbo
predicador a verbo-suporte)
(Ex.:30) (...) é questão da gente também ter um pouco de boa vontade e dar um pouco de
crédito a esses meninos... (...) [PB oral, NURC, inq.296, ;faixa C, nível 3] (verbo-suporte)
Dar mais proteção envolve nitidamente as colônias de pesca, já que se refere à
possibilidade de serem mais protegidas. Essa nuance especial ocorre devido à intensificação
do SN. No exemplo com a predicação dar um pouco de crédito, a acepção de “acreditar” que
é veiculada atinge diretamente o núcleo do argumento objeto projetado pela construção
(“meninos”), que, a partir da realização da ação expressa, serão mais dignos de confiança.
c) Transferência discursiva
Este tipo de transferência pode ser considerada metafórica propriamente dita, já que o
SN que acompanha o verbo-suporte sempre se apresenta como um elemento [+abstrato].
(Ex.:31) Todos estes governadores nos dão notícias da fertilidade daquele solo e todos á uma
dizem ser na agricultura que estava a prosperidade e futuro da colônia. [PE escrito, VARPORT,
notícia, E-P-92-JN-001, Diário de Notícias, 07/01/1925, A produção do café do Timor , pág.:05] (verbo
predicador a verbo-suporte)
(Ex.:32) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de
um calombo da rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um
pulo... a minha mãe... deu um pulo também [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência
pessoal, idade: 14 anos, inf. 34] (verbo-suporte)
152
Ela falou que não ia sair... está eu recriminando ela... aí eu falei assim “não... não vou sair
com ele não... dando o maior show lá... não vou sair com ele não...” [PB oral, D&G, 2° ano,
Narrativa de experiência pessoal, idade: 18, inf.: 15] (verbo-suporte)
Diferentemente da transferência social e/ou psicológica, dão notícias e deu um pulo, nos
contextos apresentados, não apresentam acepções que atinjam, psicologicamente, outros
indivíduos, já que o primeiro se refere ao ato de informar, enquanto o segundo ao de
gritar/manifestar o susto ocasionado pela situação.
d) Valor genérico de ação
Quando o verbo dar apresenta essa noção, encontra-se bastante esvaziado
semanticamente, com o sentido de transferência irrecuperável. Por isso, contribui com uma
noção geral de atividade.
(Ex.:33) O show na casa de espetáculos na Barra é um reflexo da turnê Dueto, com a qual a
dupla rodou o Brasil em 1995 e que deu origem ao Grande encontro, juntando Geraldo, Zé,
Elba Ramalho e Alceu Valença. [PB escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 12/03/1999, Um dueto antológico,
p.15] (verbo-suporte)
(Ex.:34) durante oito dias eu fui dar banho a uma criança recém-nascida, que a mãe tinha
medo. E eu dizia: << mas como é que é possível tu teres medo duma coisa que é tua>> <<
mas tenho medo>>, dizia ela. [PE oral, CRPC-PF, inq. 0455, faixa A, nível 3, pág.:143.] (verbosuporte)
Oco/Total
Percentagem
Categorias
funcionais de
dar
Verbo
predicador a
verbo-suporte
Verbo-suporte
Valores não
transferenciais
34/34
100%
—
Valor genérico de
ação/atividade
Transferência
social ou
psicológica
135/176
77%
Transferência
discursiva
85/211
40%
0/251
—
41/176
23%
126/211
60%
251/251
100%
Tabela 21: Noções veiculadas por dar nas categorias de verbo-suporte e de verbo predicador a verbosuporte
Os resultados da tabela 21 mostram que o verbo-suporte dar, categoria resultante de
processo de gramaticalização, também veicula diferentes sentidos. Os valores não
transferenciais aparecem apenas em estruturas cujo item verbal dar pertence à categoria verbo
153
predicador a verbo-suporte (100% do total de 34 dados com esse valor). Também é nesta
categoria que se verifica a maior incidência da noção de transferência social ou psicológica
(77% de 176 dados com esse valor). Diferentemente, a transferência discursiva apresenta-se
com maior produtividade na categoria mais gramatical de verbo-suporte (60% de 211 dados
com esse valor), que, por sua vez, é a que serve à expressão do valor genérico de
ação/atividade (100% de 251 dados com esse valor).
O fato de os usos gramaticais de dar também revelarem expansão e/ou desgaste de
sentido (conforme descrito anteriormente) está relacionado ao processo de transferência
categorial gradual por que passa o item. A próxima figura ilustra a relação entre os valores
veiculados por dar e o continuum de gramaticalização em que ocorrências (semi-)gramaticais
desse item se situam. Ao assumir a categoria híbrida de verbo predicador a verbo-suporte,
dar pode estar mais à esquerda do continuum, o que o torna menos gramatical e com a
possibilidade de denotar valores transferenciais (cf. trecho verde da seta horizontal) ou pode
localizar-se mais à direita do continuum, expressando outras acepções (valores não
transferenciais) e aproximando-se da categoria de verbo-suporte (cf. trecho cor de abóbora da
seta). O domínio de verbo suporte – representado pelo trecho azul da seta horizontal, pode
conter: (i) estruturas que ainda veiculam valores transferenciais e, por isso, estão próximas
àquelas pertencentes à categoria de verbo predicador a verbo-suporte ou (ii) construções mais
à direita, que exprimem valor genérico de ação atividade. O conjunto de predicadores
complexos que expressam este valor e cujos componentes (verbo e SN) se encontram bastante
integrados, uma vez que não permitem a inserção de elementos na configuração do SN e/ou a
mobilidade do SN, localizam-se bem próximos da ponta da seta.
[−gramatical]
[+gramatical]
verbo predicador a verbo suporte
verbo-suporte
Valores não
Valores
transferenciais
transferenciais
Valor genérico
de atividade
Figura 11: Valores semânticos encontrados no continuum de gramaticalização de dar: de “verbo
predicador a verbo suporte” a “verbo-suporte”
154
5.1.12 Aspectos que podem afastar dar da categoria lexical (de verbo predicador) e o
aproximar da categoria gramatical (de verbo-suporte) e que podem interferir nos níveis
de integração entre o verbo e o sintagma nominal das perífrases em que dar já se
apresenta com algum grau de gramaticalização
Alguns aspectos intralingüísticos, relacionados à natureza semântica do SN da
construção e à sua configuração sintática, foram investigados com intuito de checar sua
influência sob o processo de gramaticalização do item verbal dar. Foram analisados: (i)
natureza (predicante ou não) do sintagma nominal, (ii) caracterização semântica do SN, (iii)
funções semânticas do SN, (iv) mobilidade do sintagma nominal, (v) configuração sintática da
perífrase, (vi) possibilidade de substituição do verbo por outro, (vii) possibilidade de
substituição do SN por outro, e (viii) possibilidade de substituição do predicador complexo
dar + SN por um verbo pleno de sentido equivalente 99 .
Quanto aos níveis de integração entre dar e o SN que o acompanha, supõe-se que: (i) as
perífrases cujos componentes apresentam níveis de integração mais altos constituem
construções em que dar veicula a noção geral de ação/atividade, há empregos desse item com
altíssimo grau de esvaziamento semântico; (ii) os predicadores complexos cujos componentes
revelam níveis intermediários de integração são construções em que dar veicula as noções de
transferência social ou psicológica e de transferência discursiva; (iii) por outro lado, as
construções com dar + SN cujos componentes apresentam graus mais fracos de integração
provavelmente são as que têm empregos de dar que veiculam noções não transferenciais. Para
atestar tais hipóteses e para definir os parâmetros mais relevantes que devam ser levados em
conta na elaboração dos graus de integração entre dar e o SN dos predicadores complexos do
corpus, os aspectos lingüísticos investigados foram relacionados aos valores veiculados por
dar quando já apresenta algum grau de gramaticalização (não transferenciais, transferenciais e
genérico de ação/atividade).
5.1.12.1 Natureza do sintagma nominal ligado a dar
Quanto à natureza do elemento ligado ao verbo dar, investigou-se se o SN é ou não um
nome predicante/deverbal, como demonstram os exemplos a seguir:
99
Para se checar a coerência dos resultados obtidos, os parâmetros que envolvem “possibilidade” (iv, v, vi e vii)
foram objeto de avaliação em materiais confeccionados com o intuito de captar as percepções e/ou atitudes de
usuários da língua quanto a essas estruturas.
155
a) Nome não-predicante (não projeta argumento interno)
(Ex.:35) Assim, imagino que os ricos pensarão que dar dinheiro a quem precisa é coisa de
desclassificados, arrivistas, exibicionistas da bondade. [PE escrito, Expresso, Artigo de Opinião,
23/07/07, O exemplo da casa do Gil] (dar - verbo predicador pleno)
(Ex.:36) Para que essas instituições progridam e dêem os esperados resultados, é necessario
que haja enthusiastas de louvavel idéa em cada uma das classes. [PB escrito, VARPORT, editorial,
EB-91-JE-003, O Fluminense, 12/01/1924, As Associações de Classes] (dar - verbo predicador não
pleno)
(Ex.:37) Ë hora de dar palpite e preparar o balão: com a estréia nesta Sexta, de Shakespeare
apaixonado, todos os concorrentes ao Oscar de melhor filme apagado estão em cartaz no rio.
[PB escrito, Jornal do Brasil, Editorial, 12/03/99, Seu voto vai para..., p.16] (dar - verbo predicador a
verbo- suporte)
(Ex.:38) Tanto sobre as "directas" como sobre o "directo", deu voz àquilo que pensa qualquer
pessoa sensata e sem mais interesse que o da razoabilidade nos debates em causa. [PE escrito,
Expresso, Artigo de Opinião, 23/07/07,As directas e o directo] (dar - verbo-suporte)
(Ex.:39) Terminado o jantar, o marido deu alguns passos na casa e na loja e depois foi deitar
se no quarto, sobre o tapete. Antes disso, escondera a arma carregada, entre os dous colchões.
Poucos instantes depois, sua mulher veiu Ter com elle ao quarto e deitou-se na cama, vestida.
[PE escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 11/9/1905, Drama de familia, p.2] (dar - verbo-suporte)
b) Nome predicante (predicado nominal ou nome que projeta uma estrutura argumental,
como, por exemplo, proteção – dar proteção, sugestão – dar sugestão, contribuição – dar
contribuição)
(Ex.:40) A TED é a maior organização de empregos e ensino comercial prático do País, dando
plena garantia de encaminhamento a emprego para seus alunos. [PB escrito, Diário de Notícias,
anúncio, Aprendizagem para escritório, 11/07/1963, pág.: 10] (dar - verbo predicador a verbo- suporte)
(Ex.:41) Terminada esta parte da festa, deu-se inicio à parte esportiva: corridas de velocidade,
resistencia e obstáculos (...) [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-Jn-023, Jornal do Brasil, 12/07/1920]
(dar - verbo-suporte)
156
Oco/Total
Percentagem
Categorias funcionais de dar SN não predicante
SN
predicante
265/891
0/48
Verbo predicador pleno e
—
Verbo predicador não pleno
30%
252/891
3/48
Verbo predicador a
28%
6%
verbo-suporte
374/891
45/48
Verbo-suporte
42%
94%
Tabela 22: Natureza predicante ou não do SN relacionada às categorias funcionais de dar
Os resultados da tabela 22 indicam que os nomes não predicantes (total de 891 dados)
podem ocorrer adjacentes às categorias de verbo predicador (pleno ou não – 30%), de verbo
predicador a verbo-suporte (28%) e de verbo-suporte (42%). No entanto, a maior freqüência
de nomes predicantes ocorre quando estão vinculados à categoria de verbo-suporte (94% de
48 dados), demonstrando que esse tipo de nome colabora significativamente para a
identificação de perífrases verbo-nominais e ajuda a evidenciar o caráter gramatical do verbo
em estruturas como essas. Com base em Bybee (2003), pode-se cogitar que a freqüência do
tipo do elemento incorporado ao verbo-suporte (type frequency) é um fator relevante para pôr
em evidência a gramaticalização de dar: o verbo-suporte alia-se, em comparação às demais
categorias funcionais, tipicamente a nomes predicantes, como também atestam outras
pesquisas.
Para checar a relação entre a natureza predicante ou não do SN e as extensões de
sentido de empregos (semi-)gramaticais de dar, observem-se os resultados expostos nesta
tabela:
Oco/Total
Percentagem
Transferência
Valor
Valor não
social
Transferência genérico
transferencial
ou
discursiva
de ação/
psicológica
atividade
SN não predicante
34/34
100%
167/176
95%
204/213
96%
221/251
88%
SN predicante
0/34
—
9/176
5%
9/213
4%
30/251
12%
Tabela 23: Natureza predicante ou não do SN relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo
predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
157
No corpus, há mais predicações com SNs não predicantes do que com os de caráter
predicante tanto em construções com elementos menos integrados (cujo verbo veicula valores
não transferenciais), quanto em construções de níveis intermediários de integração entre verbo
e SN (construções com valores transferenciais) e em estruturas mais integradas (cujo verbo
veicula o valor genérico de ação/atividade). Sendo assim, não é possível distinguir níveis de
integração entre estruturas cujo SN se apresenta como não predicante (a maioria das
ocorrências do corpus). Por isso, esse parâmetro de identificação de estruturas com verbosuporte não é, nesta análise, fonte tão relevante, como é em outras, para viabilizar a
delimitação das construções dar + SN do corpus aqui investigado numa escala de integração,
haja vista o fato de se tratar, em geral, de construções com nomes não predicantes. No
entanto, é possível afirmar que a maioria dos SNs de caráter predicante (62% do total de 48
SNs desse tipo) ocorre em estruturas mais integradas, com valor genérico de ação/atividade.
Logo, a natureza predicante do SN colabora, sobremaneira, para que esse elemento seja
reconhecido como bastante incorporado ao verbo-suporte; só que, no exame do corpus desta
pesquisa quanto à delimitação de graus de integração, não está em evidência.
5.1.12.2 Caracterização semântica do sintagma nominal
Uma outra forma de investigar a freqüência do tipo (BYBEE, 2003) de SNs que se
vinculam às categorias de dar encontradas no corpus é caracterizá-los semanticamente com
base na relação entre dos traços [±foco] e [± quantificação universal] descritos por Saraiva
(2001).
a) Traços [+foco] e [±quantificação universal] no SN
(Ex.:42) Nesse dia Flávio teria uma surpresa, ao chegar em casa se deparou com um enorme
bolo de aniversário, ele havia esquecido. Estava fazendo 12 anos e como havia saído mais
cedo, seu pai e sua mãe ainda estavam arrumando a casa. Já iria dar 12:00h., a hora em que
tinha nascido, quando seus pais lhe deram uma caixinha de madeira muito bonita, quase uma
antiguidade, só que não havia nada dentro. [PB escrito, 8ª série do E.F., Narração, CPII-EN-EF-8-F001]
(Ex.:43) Alguns amam os animais como seus próprios filhos, os vestem com roupas que
imitam as nossas, dão biscoito, passam perfume, até os beijam na boca. Tem gente que
considera o animal eu melhor amigo e confidente. [PB escrito, 3° ano do E.M., Dissertação, CPII-TEM-3-F-031]
158
Nos exemplos anteriores, há o traço [+foco] nas entidades representadas por caixinha e
biscoito, pois, além de serem objetos projetados pelo verbo predicador pleno, também
apresentam traço [-abstrato]. Além disso, no exemplo 42, o SN está acompanhado de
modificadores (de madeira, muito bonita), apresentando o traço [-quantificação universal], ou
seja, o SN, por estar especificado, não representa qualquer elemento de sua classe (não é
qualquer caixinha). Diferentemente, no exemplo 43, por não estar acompanhado de elementos
mais ou menos determinantes, o SN representa todas as entidades da classe à qual pertence
(biscoito de forma geral) e, por isso, contém o traço [+quantificação universal]. Decidiu-se
reunir esses dados, devido ao traço [+foco] que possuem em comum, representando-os
também com o traço [± quantificação universal], com o intuito de dar conta da possibilidade
de alguns revelarem [- quantificação universal] e outros [+ quantificação universal].
b) Traço [±foco] e [±quantificação universal] no SN
(Ex.:44) (...) O bom investimento na saúde dá resultados [PE escrito, Diário de Notícias, Editorial,
02-10-07, Título do editorial] (dar - verbo predicador não pleno)
(Ex.:45) A SMTU informou que o decreto-lei 2.1740 de julho de 2002 deu um prazo de um
ano para que os motoristas se adequassem às normas da lei 3.360 (...) [PB escrito, O Povo, 07-0104, Notícia, Lei para transporte alternativo dá polêmica] (dar - verbo predicador não pleno)
Os exemplos anteriores não podem ser classificados com o traço [+ foco] ou [-foco],
pois, por um lado, são abstratos (o que os caracterizariam como [-foco]) e, por outro, possuem
função
sintática
de
objeto
e
podem
ser
produzidos
com
elementos
modificadores/quantificadores que os especifiquem (características de elementos com traço
[+foco]). A esse tipo de dado, não previsto por Saraiva (2001), atribuíram-se os traços [±foco]
e [± quantificação universal]. Considera-se este pelo fato de o SN das predicações apresentar
ou não elementos modificadores/quantificadores. Quanto aos exemplos anteriores, apesar da
possibilidade de inserção de elementos na primeira construção (dá bons/ótimos/importantes
resultados), o SN não se apresenta modificado, enquanto, na segunda, há o modificador de um
ano ligado ao SN prazo. Ademais, resultados e prazos apresentam o traço [+abstrato].
c) Traço [+foco] na ação veiculada por dar + SN e [±quantificação universal] no SN
(Ex.:46) aí eu fui virar assim pra falar com ele... cadê? os garotos tinham sumido... me
deixaram lá sozinho... e aí não me lembrava ainda me deu um branco horrível mesmo. [PB
oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf.: 27] (dar - verbo-suporte)
159
(Ex.:47) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho
do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! [PB escrito, Extra, 10-01-04, Artigo de opinião,
Limpando o ninho] (dar - verbo-suporte)
(Ex.:48) Posto em fuga o agressor para o interior da cerca, perseguido pelo Zeferino e alguns
dos restantes, fechou-se em casa, sendo intimado pelo Zeferino a sair, a fim de dar conta do
seu feito. [PE escrito, VARPORT, notícia, E-P-91-JN-004, Diário de Notícias , 10/03/1905, Iluminação à luz
elétrica] (dar - verbo-suporte)
Saraiva (2001) considera que as construções que contêm o traço [+foco] na ação por
elas veiculada naturalmente expressam o traço [+quantificação universal]. Realmente,
construções, como a do exemplo 48 (dar conta), apresentam esse traço porque o SN não está
modificado/especificado e, principalmente, não há possibilidade de especificá-lo por meio de
inserção de elementos mais determinantes. No entanto, encontraram-se construções que,
apesar de revelarem o traço [+foco] na ação, apresentam o SN com algum grau de
especificação (com modificadores e/ou quantificadores) ou com a possibilidade de ser
especificado por esses elementos. Por isso, atribui-se ao SN dessas estruturas traço
[±quantificação universal]. Nos exemplos anteriores, os predicadores complexos dar um
branco horrível e dar uma faxina veiculam a noção geral de atividade/ação. No primeiro,
branco já está acompanhado de um modificador qualificativo (horrível), enquanto, no
segundo exemplo, há a possibilidade de inserção de elementos que especifiquem o SN (dar
uma
boa/verdadeira
faxina).
160
Oco/Total
Percentagem
Traço [+foco] e Traço [±foco] e Traço [+foco] na ação
[±quantificação [±quantificação veiculada por dar + SN
e
universal] no SN
universal]
[±quantificação
universal] no SN
Verbo predicador pleno
e Verbo predicador não
pleno
Verbo predicador a
verbo-suporte
Verbo-suporte
69/69
100%
0/69
—
0/69
—
196/619
32%
256/619
41%
167/619
27%
0/251
—
0/251
—
251/251
100%
Tabela 24: Caracterização semântica do SN relacionada às categorias funcionais de dar
Os sintagmas nominais que possuem traços [+foco] e [±quantificação universal] no SN
apresentaram-se, categoriacamente (em 100% dos 69 dados), vinculados à categoria lexical de
verbo predicador (pleno ou não), confirmando a hipótese de que esse tipo de configuração é
típica dos elementos considerados objetos/argumentos internos do verbo (dar), que pode
apresentar uma grelha argumental de até três argumentos. Diferentemente, percebe-se que os
SNs que possuem o traço [+foco] na ação veiculada por dar se ligam apenas à categoria mais
gramatical de verbo-suporte (100% dos 251 dados). O fato de esses SNs não apresentarem
traço [+foco] faz com que sejam reconhecidos como pseudo-termos/objetos e assim
considerados incorporados ao verbo.
A tabela também expõe o fato de que os SNs que possuem traços [±foco] e
[±quantificação universal] – total de 619 dados – podem acompanhar todas as categorias de
dar detectadas no corpus. A baixa produtividade (27%) desse tipo de SN vinculado à
categoria de verbo-suporte já era esperada, devido, principalmente, ao traço [+foco], que não
favorece a leitura incorporada do elemento nominal. Esperava-se que o maior número desse
tipo de SN estaria relacionado à categoria de verbo predicador (pleno ou não). No entanto, a
diferença de produtividade de SN com esse perfil (traços [±foco] e [±quantificação universal])
entre essa categoria e a categoria verbo predicador a verbo-suporte é baixa (diferença de
apenas 9%).
Para checar se a presente caracterização semântica do SN interfere no grau de
integração entre o verbo dar e o próprio SN, realizou-se o cruzamento desse aspecto com as
161
noções que podem ser veiculadas por dar quando este já se encontra no processo de
gramaticalização.
Oco/Total
Percentagem
Valor não Transferência Transferência Valor genérico
transferencial
Social ou
discursiva
de
Psicológica
ação/atividade
Traços [+foco] e
[±quantificação universal]
no SN
0/34
—
0/176
—
0/213
—
0/251
—
Traços [±foco] e
[±quantificação universal]
no SN
34/34
100%
176/176
100%
213/213
100%
0/251
—
0/34
—
0/176
—
0/213
—
251/251
100%
Traços [+foco] na ação
veiculada por dar + SN e
[±quantificação universal]
no SN
Tabela 25: Caracterização semântica do SN relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo
predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
Constata-se, pela tabela 25, que nenhuma das noções semânticas detectadas se associa a
construções em que são produtivos SNs caracterizados pelos traços [+foco] e [±quantificação
universal]. Tal resultado já era esperado, pois os SNs configurados dessa maneira, como
demonstrado na tabela 24, vinculam-se às categorias lexicais de dar (verbo predicador pleno
ou não pleno) e não às categorias que já revelam algum grau de gramaticalização e que, por
isso, denotam os valores apresentados.
Os percentuais em itálico da tabela 25 confirmam a hipótese de que o verbo dar, tanto
ao denotar valores não transferenciais quanto ao expressar valores transferenciais, se junta
categoricamente a SNs que possuem traços [±foco] e [±quantificação universal]. Tal fato
comprova que as construções com esse tipo de SN podem apresentar graus mais baixos de
integração entre o verbo e o SN (cf. exemplos 45 e 44). Logo, os traços [±foco] e
[±quantificação universal] não colaboram para delimitar os níveis de integração dos
componentes dos predicadores complexos. Diferentemente desse resultado, o traço [+foco] no
estado de coisas manifestado por dar + SN ocorre apenas em construções que veiculam noção
geral de ação/atividade e apresentam níveis intermediários de integração dar + SN (já que
nelas há o traço [-quantificação universal], devido à presença de elementos com caráter
determinante, como modificadores, ou à possibilidade de inseri-los – cf. exemplos 46 e 47)
quanto níveis mais altos de integração (nas construções em que ainda é possível inserir
162
elementos menos determinantes ou em predicadores complexos
em que não há essa
possibilidade – cf. exemplo 48).
5.1.12.3 Funções semânticas do sintagma nominal
Decidiu-se relacionar a função do SN ([±referencial 100 ]) aos traços semânticos
[±determinado] e [±abstrato] para compor esse parâmetro e, então, investigar mais detalhes
acerca do elemento que se vincula às categorias de dar. Alguns exemplos de SNs detectados
no corpus.
a) Função [+referencial] e traços [± determinado] e [-abstrato]
(Ex.:49) (...) minha mãe e eu perguntava o que tinha acontecido e ela não respondia ... só
sabia chorar... aí eu resolvi dar um copo d’água com açúcar pra ela... pra ver se acalmava...
aí ela tomou... [PB oral, Discurso e Gramática, Oitava série, Narrativa Recontada, idade: 14 anos, sexo:
masculino, ano: 1993, informante 28] (dar – verbo predicador pleno)
(Ex.:50) é a época dele desovar então o peixe fica adoidado ele dá muito peixe você pega
muito peixe então vem a época da enchente quando cresce antes dele desovar você ainda pega
muito peixe que ele fica anda pra aqui pra ali” (dar – verbo predicador não pleno)
Incluem-se, na combinação de traços apresentada em “a”, as ocorrências em dar que se
ligam a um SN que representa uma entidade concreta ([-abstrato]) no mundo biossocial
([+referencial]), tal como copo e peixe, núcleos dos SNs que formam. Além disso, os núcleos
dos SNs podem estar acompanhados seja por elementos menos determinantes, como o caso de
um (artigo indefinido) e de muito (intensificador), seja por elementos mais determinantes,
como com açúcar (modificador que especifica o núcleo copo) ([±determinante]).
b) Função
[-referencial]
e
traços
[+
determinado]
por
pronome
possessivo/demonstrativo e/ou modificador quantificador/qualificativo e [+abstrato]
(Ex.:51) E' necessario, pois, cortar a tosse e combater as affecções que a originam. Para isso,
nada há como o Xarope São João que dá resultado immediato. [PB escrito, VARPORT, Anúncio,
E-B-91-Ja-036, Correio da Manhã, 01/11/1918] (dar – verbo predicador não pleno)
100
A referência é a relação existente entre uma expressão (escrita ou falada) e aquilo que ela designa ou
representa em momentos particulares de sua enunciação. O traço [+referencial] está presente nos SNs que
representam algum estado ou objeto (animado ou não) no mundo biossocial.
163
(Ex.:52) O Bradesco Seguro Residencial é um seguro acessível e fácil de contratar. [...] Tudo
isso para dar total tranqüilidade a você e sua família. [BN - JB, Anúncio, 14 de março de 1999, p.14]
(dar – verbo predicador a verbo-suporte)
(Ex.:53) A resposta para tal problema é simples: contextualizar. A contextualização situa um
determinado vocábulo restringindo a polissemia, dando pequena margem a outros
significados que por ventura pudessem ser-lhe atribuídos. [PB, escrito, Último período do E.S.,
Prova, ES-p7-F-003] (dar – verbo-suporte)
Nos exemplos anteriores, resultado, tranqüilidade e margem são elementos nãoreferenciais e abstratos aos quais se vinculam modificadores qualificativos.
c) Função [-referencial] e traços [+ determinado] por artigo indefinido e/ou
modificador intensificador e [+abstrato]
(Ex.:54) (...) bem mas se eu quisesse eu não lhe pagava nem lhe dava nem um tostão. [PE oral,
VARPORT, Op-P-70-2m-003, faixa B, nível 1] (dar – verbo predicador pleno)
(Ex.:55) Acontece que os médicos enquanto classe profissional não têm dado muitas razões
para merecer a confiança daquela parte do Estado que tem a desagradável missão de fazer
contas e de resistir aos abusos. [PE escrito, Expresso, Artigo de opinião, 16-07-07, Burocrata e desumano]
(dar – verbo predicador não pleno)
(Ex.:56) Também parece haver quem dê muita importância ao seu corpo físico, procurando
cuidar dele esmeradamente, sem se preocupar com outros aspectos de si. [Correio da Manhã,
Artigo de Opinião, 08-09-07, Despertar] (dar – verbo predicador a verbo-suporte)
(Ex.:57) (...) a vida dela não me pertence,. A gente só dá um empurrãozinho. Eu digo:Olha se
eu fosse você, eu fazia assim! Só isso, o máximo que eu falo, porque o que que eu vou fazer?
[PB oral, VARPORT[culto], OC-B-9R-3F-001, FAIXA C, NÍVEL 3 ](dar - verbo-suporte)
Os núcleos dos SNs tostão, razões, importância, empurrãozinho, além de abstratos,
estão ligados a um elemento intensificador (muita) e a um artigo indefinido (um).
d) Função [-referencial] e traços [- determinado] e [+abstrato]
(Ex.:58) (...) agora eu sou professora... né? estou terminando o terceiro ano do normal... e... eu
sei que o meu salário vai ser ruim... mas não é por isso que eu vou... dar desculpa e não vou...
[PB oral, D&G, 2° ano do E.M., Relato de opinião, idade: 18, inf. 21] (dar – verbo predicador não
pleno)
164
(Ex.:59) O seminário procurará dar resposta às questões fundamentais que se põem no
domínio dos problemas de higiene e segurança na empresa. [PE escrito, VARPORT [NOTÍCIA], EP-94-Jn-006, Diário Popular, 25/11/1972, pág.: 18] (dar – verbo predicador a verbo-suporte)
(Ex.:60) De tudo isso dá conta o depoimento do embaixador Itamar Franco na Comissão de
Relações Exteriores do Senado, onde ficará como um documento exemplar de nossa história
diplomática. [PB escrito, Jornal do Brasil, Editorial, 25/12/95, Presença externa do Brasil, p.9] (dar - verbosuporte)
Nos exemplos anteriores, desculpa, resposta e conta não estão determinados por
qualquer elemento, além de serem elementos não-referenciais e abstratos.
Oco/Total
Percentagem
[- abstrato]
[- Referencial]
[+ det.] por pron.
possessivo e/ou
demonstrativo
[+ abstrato]
[- Referencial]
[+ determinado] por
artigo indefinido ou
modificador
intensificador
[+ abstrato]
Verbo predicador
pleno e Verbo
predicador não pleno
Verbo predicador a
verbo-suporte
92/92
100%
53/203
26%
22/92
24%
0/92
—
64/203
31%
Verbo-suporte
0/92
—
86/203
43%
Categorias funcionais [+ Referencial]
[±determinado]
de dar
43/92
47%
27/92
29%
[- Referencial]
[- determinado]
[+ abstrato]
98/552
18%
149/552
27%
305/552
55%
Tabela 26: Função e traços do elemento não-verbal relacionados às categorias funcionais de dar
A tabela 26 demonstra que os nomes com função [+referência] e traços [±determinado]
e [- abstrato] estão categoricamente (nos 100% dos 92 casos do corpus) vinculados a
construções com verbo predicador (pleno ou não). O resultado da terceira coluna da tabela
revela que o fato de os SNs serem determinados por pronomes possessivos, demonstrativos
e/ou modificadores qualificadores/quantificadores, ou seja, de estarem acompanhados de
elementos mais determinantes não impede que se integrem às categorias gramaticais verbo
predicador a verbo-suporte (em 64 dos 203 casos) e verbo-suporte (em 86 dos 203 casos).
Observa-se também que a produtividade desses SNs nas categorias lexicais de verbo
predicador pleno e de não pleno (26%) é bastante semelhante às freqüências presentes nas
categorias
(semi-)gramaticais (31%). Diferentemente, encontra-se uma produtividade
bastante baixa de SNs com função [-referencial], acompanhados ou não por elementos menos
determinantes (como artigo indefinido e intensificadores) e com o traço [+abstrato]
165
vinculados às categorias lexicais de verbo predicador pleno e de predicador não pleno (24%
de 92 construções com essa configuração), já que esse tipo de SN se vincula com mais
freqüência às categorias gramaticais de dar (verbo predicador a suporte – em 47%; e verbosuporte
–
em
29%).
A
hipótese
de
que
os
SNs
com
traços
[-referencial], [-determinado] e [+ abstrato] estivessem integrados, principalmente, à categoria
mais gramatical (verbo-suporte) foi confirmada: 305 SNs dos 552 exemplos ligam-se a verbosuporte, perfazendo 55% da amostra.
Para checar se a freqüência de tipo analisada na presente seção constitui um aspecto que
interfere no grau de integração entre dar e SN, a tabela 27 evidencia como se distribuem os
dados com a relação entre esse parâmetro e os valores veiculados pelo verbo quando ele já
apresenta algum grau de gramaticalização.
Valores não Transf. social
transferenciais ou psicológica
Transf.
Valor genérico de
ação/atividade
discursiva
[+ Referencial]
[±determinado]
[- abstrato]
0/34
—
0/176
—
0/213
—
0/251
—
[- Referencial]
[+ determinado] por pron.
possessivo e/ou
demonstrativo
[+ abstrato]
[- Referencial]
[+ determinado] por
artigo ou mod. intensif.
[+ abstrato]
[ - Referencial]
[- determinado]
[+ abstrato]
12/34
35%
46/176
26%
31/213
14%
37/251
13%
0/34
—
30/176
17%
28/213
13%
12/251
5%
22/34
65%
100/176
57%
130/213
62%
202/251
81%
Tabela 27: Função e traços do elemento não-verbal relacionados aos valores expressos pelas
categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
O resultado mais relevante da tabela 27 foi a constatação de que os SNs com função
[-referencial] e com traços [-determinado] e [+abstrato] ocorrem principalmente em
construções com elementos cujo verbo exprime valores não transferenciais, noções
transferenciais e o valor genérico de ação/atividade, o que significa que esse tipo de SN faz
parte de construções com diferentes níveis de integração e que as combinações de funções e
traços apresentadas não constituem um aspecto que contribua para a delimitação dos níveis de
integração dos componentes das construções dar + SN.
166
A título de ilustração, eis alguns enunciados com construções dar+ SN [-referencial], [determinado] e [+abstrato]:
(Ex.:61) Ainda é preciso fazer muito para acabar com o racismo, mas as cotas não darão
resultado. É necessário um ensino público básico de qualidade para que todos tenham
oportunidades iguais. [PB, escrito, 8ª série do E.F., Dissertação, CPII-EN-EF-8-F-007] (dar - valor não
transferencial)
(Ex.:62) eu acho que a colo/ a o governo devia de dar proteção à colônia. [PB oral,VARPORT,
OP-B-90-2M-005, faixa B, nível 1] (dar - valor de transferência social ou psicológica)
(Ex.:63) Nessa época talvez por falta de memoria, que é achaque de velhos não nos lembra
que as glandulas lacrimaes dos illustres confrades tivessem funccionado com a mesma
abundancia de que ora dão mostras. [PB escrito, VARPORT, Editorial, E-B-91-JE-001, Correio da
Manhã ;01/07/1901, A ordem] (dar - valor de transferência discursiva)
(Ex.:64) aí se der bobeira é : leva o peixe entendeu? [PB oral, APERJ, inq169A, faixa A, nível 1, pista
2, linha:4068] (dar - valor genérico de ação/atividade)
Os núcleos das construções exemplificadas (jeito, proteção, mostras e bobeira) são
abstratos e não apresentam entidade no mundo biossocial para representá-los, além de não
estarem acompanhados por qualquer elementos. Ademais, o verbo dar, em dar jeito veicula
noção não transferencial, já que apresenta extensão de sentido causar/gerar, enquanto dar
proteção e dão mostra expressam valores transferenciais (na primeira construção,
transferência de natureza social ou psicológica e na segunda, de natureza discursiva). Em der
bobeira, diferentemente, não se encontram valores transferenciais nem não-transferenciais,
pois, nessa predicação, o verbo tem valor geral de ação/atividade.
5.1.12.4 Mobilidade do elemento não-verbal
A análise desse parâmetro tem por objetivo checar se a posição do SN que se vincula ao
verbo dar é mais ou menos fixa, partindo da hipótese de, quanto mais lexical for o estatuto do
verbo (verbo predicador pleno e predicador não pleno), o SN estará sujeito a maior
mobilidade: ele poderá ser encontrado anteposto ao verbo ou posposto (e, quando neste caso,
com a possibilidade de anteposição em algumas construções). Ademais, espera-se que os SNs
de posição mais fixa, ou seja, pospostos e sem possibilidade de anteposição, estejam
vinculados às categorias gramaticais de dar (particularmente, à categoria verbo-suporte).
167
a) SN anteposto
(Ex.:65) O efeito cômico da tirinha é causado pela ambigüidade da pergunta que o filho faz a
sua mãe e pela resposta que esta, conseqüentemente, lhe dá. [PB, escrito, avaliação-primeiro
período, ES-P1-M-002] (dar – verbo predicador não pleno)
(Ex.:66) (...) é a melhor raça (...) eu gosto de ter mas não gosto de ter muitos... é que dá muita
despesa e lucro não dá nenhum ou dois e prontos [PE oral, VARPORT[POPULAR], OP-P-90-2M003, FAIXA B, NÍVEL 1] [PB, escrito, avaliação-último período, ES-P7-F-006] (dar – verbo predicador a
verbo-suporte)
(Ex.:67) Mas, na vida de Mme Angelina, o que mais relevo lhe dava era a dedicação de mãe
extremosa. [PB escrito, VARPORT, editorial E-B-92-JE-005, O Fluminense, 04/07/1937, Mme Angelina Cid]
(dar - verbo-suporte)
b) SN posposto com possibilidade de anteposição
(Ex.:68) (...) eu não sei como é que eles conseguiram acabar com as bibliotecas... eu não sei
pra quê... deram os livros todos... jogaram (aquilo) fora... [PB oral, VARPORT[culto], Oc-B-9C-3m001, faixa C, nível 3] ([os livros todos] deram) (dar – verbo predicador pleno)
(Ex.:69) e o rancho então deu uma despesa de dez mil cruzeiros pra gente [ PB oral, APERJ,
inq105B1, faixa B, nível 1, pista 3] ([uma despesa de dez mil cruzeiros] deu pra gente) (dar – verbo
predicador não pleno)
(Ex.:70) O delegado (...) deu as necessárias ordens, para que se descobrisse tal individuo. [BN
- JB, Notícia, Quarta-feira, 1o de maio de 1901, O crime de Copacabana] ([as necessárias ordens] deu)
(dar – verbo predicador a verbo-suporte)
(Ex.:71) A casa GRANDELA de Lisboa previne o publico das provincias de que já deu
expediente a toda a correspondência. [PE escrito, VARPORT [ANÚNCIO], E-P-91-Ja-047, O Século,
23/09/1917] ([expediente] já deu a toda a correspondência) (dar - verbo-suporte)
c) SN posposto sem possibilidade de anteposição
(Ex.:72) A zona do Restelo é conhecida pela prostituição. Os agentes conhecem-nas há muito
e elas acabam por ser uma preciosa ajuda, ao darem conta à polícia de movimentações
suspeitas. [PE escrito, Correio da Manhã, Notícia, 19-05-07, 4ª Divisão. Um dia em alerta máximo] (dar verbo-suporte)
168
(Ex.:73) antigamente era assim mesmo, até por venda brigavam...venda de peixe e uma vez o
meu avô deu cabo de um sujeito porque ele roubou ... é aqui não se brinca não... (...) [PB oral,
APERJ, inq.110C, faixa C, nível 1] (dar - verbo-suporte)
Oco/Total
Percentagem
Categorias
SN anteposto SN posposto SN posposto sem
funcionais de dar
com
possibilidade de
possibilidade de anteposição
anteposição
21/50
244/658
0/226
Verbo predicador
42%
37%
—
pleno e Verbo
predicador não
pleno
23/50
228/658
0/226
Verbo predicador a
46%
35%
—
verbo-suporte
6/50
186/658
226/226
Verbo-suporte
28%
12%
100%
Tabela 28: Mobilidade do elemento não-verbal relacionada às categorias funcionais de dar
A tabela 28 corrobora a hipótese de que os SNs antepostos geralmente estão vinculados
às categorias lexicais de dar (verbo predicador pleno e predicador não pleno – 42% dos 50
dados) e à categoria semi-gramatical de verbo predicador a verbo-suporte (46%). Esse tipo de
SN não aparece, com expressividade (apenas 12%), vinculado à categoria mais gramatical de
verbo-suporte. A esta se juntam categoricamente os SNs
pospostos ao verbo e sem
possibilidade de anteposição (cf. percentual em negrito). Ademais, as segunda e terceira
colunas da tabela demonstram que a posposição dos SNs ocorre com maior produtividade
entre as categorias (semi-)gramaticais verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte,
ainda que seja possível sua anteposição (verbo predicador a verbo-suporte – 35%; e verbosuporte – 28% dos 658 dados).
Para confirmar a hipótese de que a posição fixa do SN colabora para a obtenção de um
grau de integração maior entre os componentes do predicador complexo formado por dar,
relacionou-se o aspecto “mobilidade do SN” com os valores veiculados pelas categorias
verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte.
169
Valores não
transferenciais
SN anteposto
SN posposto com
possibilidade de
anteposição
SN posposto sem
possibilidade de
anteposição
1/34
3%
Oco/Total
Percentagem
Transferência Transferência
Valor
psicológica
discursiva
genérico de
atividade
9/176
17/213
0/251
—
5%
8%
29/34
85%
129/176
73%
125/213
59%
112/251
45%
4/34
12%
38/176
22%
71/213
33%
139/251
55%
Tabela 29: Mobilidade do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas categorias
verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
Constata-se, pelos resultados da tabela 29, que a produtividade de predicadores
complexos cujos SNs se apresentam antepostos é bastante baixa ao estarem relacionados a
todos os valores expressos por dar (cf. percentuais em itálico). Destaca-se a ausência de SNs
antepostos em construções em que dar se encontra com valor genérico de atividade, ou seja,
em perífrases que apresentam maior grau de integração entre dar e SN. Além disso,
predominam, nessas estruturas, SNs pospostos sem possibilidade de anteposição (55% dos
251 dados) e até mesmo SNs pospostos com possibilidade de anteposição (45%).
Os valores expressos tanto pela categoria híbrida verbo predicador a verbo-suporte
quanto pela categoria mais gramatical verbo-suporte (valores não transferenciais, valor de
transferência psicológica ou social e valor de transferência discursiva) ocorrem, com maior
freqüência, em construções com SNs pospostos que têm a possibilidade de anteposição
(85%/34 dados, 73%/176 e 59%/213, respectivamente). Nesse caso, o grau de integração
entre os componentes é maior, se for comparado ao das estruturas que apresentam SNs
antepostos; porém, ainda é menor, se comparado ao grau de integração entre verbo e SN
pertencente às construções cujo verbo designa valor genérico de ação/atividade.
Confirma-se, portanto, a hipótese de que a posição mais fixa do sintagma nominal
decorre da maior rigidez da configuração sintática de algumas perífrases (impossibilidade de
mobilidade), a qual, por sua vez, contribui para o reconhecimento de maior nível de
integração entre o verbo dar e o sintagma nominal incorporado.
Eis alguns exemplos que correspondem a construções relativas aos percentuais mais
altos da tabela anterior:
170
a) Valores não transferenciais em perífrase com SN posposto com possibilidade de
anteposição:
(Ex.:74) (...) mas me dá uma raiva quando alguém fala um troço desse ... [PB oral, NURC, inq.
158, faixa A, nível 3, pág.: 91] ([uma raiva] me dá)
(Ex.:75) (...) as ovelhas não dão prejuízo a ninguém, quem disser isso está a mentir. [PE oral,
VARPORT[POPULAR], OP-P-90-1M-007, faixa , nível 1] ([prejuízo] não dão)
b) Valor de transferência social ou psicológica em perífrase com SN posposto com
possibilidade de anteposição:
(Ex.:76) É um caso de sucesso num meio em que as estrelas têm projecção global - e
Mourinho é, sem dúvida, uma estrela. Sendo um português, compreende-se que os "media"
portugueses dêem muita importância à sua saída do clube londrino. [PB escrito, Expresso, Artigo
de Opinião, 01-10-07, O murro de Scolari] ([muita importância] dêem)
c) Valor de transferência discursiva em perífrase com SN posposto com possibilidade de
anteposição:
(Ex.:77) Aproveitando, Rove demonstra que não é talhado só para servir os outros, também
sabe dar bons conselhos a si próprio. [PE escrito, Diário de Notícias, Editorial, 15-09-07, O Estado, os
cidadãos e o sigilo bancário]
([bons conselhos] dar)
d) Valor genérico de ação/atividade em perífrase com SN posposto sem possibilidade de
anteposição:
(Ex.:78) só que chegando ao motel (...) dei conta de que conhecia o carro que estava à minha
frente, e era sem dúvida o carro do rapaz que namorava a minha irmã, hoje meu cunhado. [PB
escrito, Discurso e Gramática, 3º Grau, Narrativa de experiência pessoal, idade: 26 anos, sexo: masculino, ano:
1993, informante 4]
(Ex.:79) Agora, eu, mesmo antes de dar baixa, eu animava as festinha da igreja, entendeu?
[PB oral, VARPORT, inq. 328, faixa C, nível 3, pág.: 151]
As construções em que dar veicula valores não transferenciais (dão uma raiva/dão
prejuízo = causar/gerar raiva/prejuízo) e valores transferenciais (dêem muito importância/
dar bons conselhos = transmitir/passar/fornecer importância/conselhos) apresentam SNs
pospostos com possibilidade de anteposição, enquanto, nos predicadores complexos dei conta
e dar baixa, em que dar expressa valor geral de ação/atividade, a anteposição dos SNs conta e
baixa não é possível.
171
5.1.12.5 Configuração sintática da perífrase
Analisa-se se a presença (ou não), nas construções formadas por dar + SN, de
elementos distintos do núcleo nominal e a natureza destes interfere no grau de integração
desses componentes e na gramaticalização de dar. Identificaram-se as seguintes
possibilidades de estruturação:
a) Nenhum elemento interveniente na (configuração do SN da) perífrase (nome “nu”)
(Ex.:80) Descansem, contudo, os citadinos, porque os prados holandeses, e belgas, e
irlandeses continuam verdejantes, as vacas aguentam-se perfeitamente em pé e dão leite e
carne de sobra. O Sol pode continuar a brilhar. [PE escrito, VARPORT [NOTÍCIA], E-P-95-Jn-012,
Público, 15.03.1992, p. 3] (dar – verbo predicador pleno)
(Ex.:81) Papai do céu sempre joga do lado da gente...quer dizer... ele dá condições de
sobrevivência... [PB oral, NURC, inq. 135, faixa C, nível 3, pág.: 75]
(dar - verbo predicador não pleno)
(Ex.:82) (..) porque a gente só ouve falar... por exemplo de companhia aérea dando prejuízo...
a VARIG não dá prejuízo... [PB oral, NURC, inq. 355, faixa B, nível 3, pág.: 125] (dar - verbo
predicador a verbo-suporte)
(Ex.:83) (...) mas para Michele ela não deu suspensão... chamou a mãe na escola pra
conversar... [PB oral, Discurso e Gramática, 8ª série do E.F., Narrativa recontada, idade: 16 anos, inf. 25]
(dar - verbo-suporte)
b) Núcleo do SN antecedido por artigo indefinido
(Ex.:84) Um bello dia, adoecendo, sua/ amasia deu um chá, que dizia ser de folhas de
laranjeira [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-Jn-004, Jornal do Brasil, 14/05/1902, Um crime] (dar –
verbo predicador pleno)
(Ex.:85) aí nós fomos pro norte... fui pra Recife... Bahia... demos uma passadinha... acho que
foi... que deu um problema no avião... [PB oral, VARPORT, Oc-B-9C-2f-002, faixa B, nível 3] (dar verbo predicador não pleno)
(Ex.:86) ah ... isso aí é pra dar uma força é... a rede que a gente... encala ela está vendo? [PB
oral, APERJ, inq104B, faixa B, nível 1] (dar - verbo predicador a verbo-suporte)
172
(Ex.:87) Era tudo uma imensa salada até que chegou a Brazilian Food. Botou um tempero
aqui, deu um toque ali e pronto: o maior sucesso. [PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio, 23/10/88,
p.15] (dar - verbo-suporte)
c) Núcleo do SN acompanhado de modificador intensificador vinculado ou não a
pronome indefinido e/ou a quantificadores
(Ex.:88) Os consumidores de fósforos, com o meio tostão de cada caixa ou carteira, foram os
que mais largamente contribuíram, pois deram mais de 13 mil contos. [PE escrito, VARPORT,
Notícia, E-P-93-Jn-0 04, Diário de Notícias, 30.08.1955] (dar – verbo predicador pleno)
(Ex.:89) Essa tática deu algum resultado no governo anterior, até porque os manifestantes
encontravam eco junto a deputados e senadores do PT que, na oposição, rejeitavam a reforma.
[PB escrito, O Globo, 29-03-03, Editorial, Fim de privilégios] (dar - verbo predicador não pleno)
(Ex.:90) Com a chegada de Edmundo, Romário espera que Edmundo dê muitas alegrias para
a torcida do Fluminense [PB escrito, Extra, 07-01-04, Notícia, De ex-desafeto a anfitrião cordial - Romário
promete receber Edmundo de braços abertos no tricolor] (dar - verbo predicador a verbo-suporte)
(Ex.:91) Após quebrar os vidros do veículo com um pedaço de madeira, Paulo deu algumas
facadas em Mari e só parou quando ela disse que o amava. [PB escrito, O Povo, 07-01-04, Notícia,
Matou namorada a facadas por ciúme] (dar - verbo-suporte)
d) Núcleo do SN acompanhado de artigo definido, de pronome demonstrativo ou de
pronome possessivo
(Ex.:92) Mahuad roubou a cena e deu ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, o cantil que |
seu avô usara no confronto | com os peruanos em 1941. [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-94-Jn029, Jornal do Brasil, 27.10.1998, Brasil é fiador da paz histórica entre Peru e Equador] (dar – verbo
predicador pleno)
(Ex.:93) eu passei lá há poucos dias, mas uma cidade tranqüila, sabe? E que às vezes o
turismo (...) assim intenso num lugar, acaba acabando com a vida das pessoas que realmente
moram lá, mas Gramado não me deu essa impressão. [PB oral, VARPORT, Oc-B-9R-4f-002, faixa C,
nível 3] (dar - verbo predicador não pleno)
(Ex.:94) (...) eu acho que o maior presente que possam te dar é um emprego... mas pra te dar
esse emprego... o governo tem que resolver o problema econômico do país (...) [PB oral,
Discurso e Gramática, Terceiro grau – último período, Relato de opinião, idade: 24 anos, sexo: masculino, ano:
1993, informante 1] (dar - verbo predicador a verbo-suporte)
173
(Ex.:95) Ainda não se chegou aqui. A PJ fez bem em não ter dado este passo. Foi prudente.
As notícias que vão chegando de Inglaterra, raiando o insulto, apoiadas em declarações quase
histéricas de raiva, ódio e racismo contra Portugal (...) [Correio da Manhã, Artigo de Opinião a, 0809-07, Condição de argüidos] (dar - verbo-suporte)
e) Núcleo do SN acompanhado de modificador qualificativo antecedido ou não de
artigo, de pronome possessivo e/ou de pronome demonstrativo
(Ex.:96) ... fui pro colégio fazer essa prova pensando: poxa... já pensou se ela me desse a
mesma prova do quarto bimestre? [PB oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa de experiência pessoal,
idade: 19, inf. 14] (dar – verbo predicador pleno)
(Ex.:97) Tomem, á vontade, quatro annos quaesquer, de qualquer paiz parlamentar, sommem
os dias de crises ministeriaes e verão que em nenhum se dá essa longa crise de facto, que
absorve os dois ultimos annos de todas as presidencias, entre nós. [PB escrito, VARPORT,
editorial, E-B-91-Je-002, Correio da Manhã, 03/07/1901, Ano Crítico] (dar – verbo predicador não
pleno)
(Ex.:98) (...)o IBAMA é uma entidade que está dando uma força total à gente aí os fiscais pra
não pescar na época da desova. [PB oral, VARPORT, Op-B-90-2m-004, faixa C, nível 1] (dar –verbo
predicador a verbo-suporte)
(Ex.:99) Sei nadar muito eu comecei nadar nadar nadar foi quando nós deu uma distância boa
cheguei no seco uma coroazinha aí fiquei em pé da canoa e perdi. [PB oral, VARPORT, OP-B-901M-006, faixa A, nível 1] (dar – verbo-suporte)
Categorias funcionais de
dar
Nenhum
elemento
Verbo predicador pleno e
Verbo predicador não
pleno
Verbo predicador a
verbo-suporte
Verbo-suporte
68/374
18%
107/374
28%
199/374
54%
Oco/Total
Percentagem
Artigo
Modificador intensificador
indefinido antecedido ou não de artigo
ou pron. indefinido ou
quantificadores
82/229
39/105
36%
37%
43/229
19%
104/229
45%
28/105
27%
38/105
36%
Tabela 30: Configuração sintática do SN relacionada às categorias funcionais de dar
174
Categorias funcionais de dar
Verbo predicador pleno e
Verbo predicador não pleno
Verbo predicador a
verbo-suporte
Verbo-suporte
Oco/Total
Percentagem
Artigo definido ou
Modificador qualificativo
pronome
antecedido ou não de artigo
demonstrativo/
possessivo
34/90
42/140
30%
38%
30/90
47/140
33%
34%
26/90
51/140
29%
36%
Tabela 30 (Continuação): Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada às categorias
funcionais de dar
A tabela 30 confirma a hipótese de que construções sem qualquer elemento
interveniente ou com elementos menos determinados apresentam o verbo na categoria mais
gramatical de verbo-suporte (54% dos 374 dados de nome “nu” e 45% dos 229 dados com
artigo indefinido, respectivamente).
Os elementos que podem ser considerados [±determinantes], como intensificadores e
quantificadores aparecem, com produtividade semelhante, acompanhando o SN ligado ao
verbo dar em todas as categorias investigadas (verbo predicador pleno ou não – 37%; verbo
predicador a verbo-suporte – 27%; e verbo-suporte – 36% em 105 dados).
A tabela 30 (continuação) demonstra que elementos de natureza [+determinante], como
artigos definidos, pronomes e modificadores qualificativos, podem acompanhar nomes que se
aliam a verbo-suporte (em 29% dos 90 casos); porém, como tendem a colaborar para conferir
ao SN resultante maior referencialidade em relação ao mundo biossocial, ocorrem um pouco
mais expressivamente relacionados aos nomes que se articulam às demais categorias
funcionais do verbo dar (em 38% dos 90 exemplos, com verbo predicador; em 33% com dar
na categoria léxico-gramatical). Esse resultado contraria, de certa maneira, a hipótese inicial
de que construções com verbo-suporte dar apresentariam índice bastante reduzido de
elementos dessa natureza. Acredita-se que a presença de tais elementos indica que, mesmo
entre as estruturas sob a classificação verbo-suporte, há graus de integração bastante distintos
entre dar e o SN.
Para avaliar a relação entre a configuração sintática da perífrase e o grau de integração
de seus componentes, cruzaram-se os resultados dos tipos de configuração sintática
175
encontrado nas construções dar + SN com os valores que dar pode exprimir ao pertencer às
categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte.
Valores não
transferenciais
Nenhum elemento
adjacente
Artigo indefinido
Modificador
intensificador
antecedido ou não de
artigo ou Pron.
Indefinido ou
Quantificadores
Artigo definido ou
pronome
demonstrativo/
possessivo
Modificador
qualificativo
antecedido ou não de
artigo
20/34
59%
3/34
9%
Oco/Total
Percentagem
Transferência Transferência Valor genérico
Psicológica
discursiva
de
ação/atividade
62/176
93/213
133/251
35%
44%
53%
35/176
47/213
61/251
20%
22%
25%
2/34
6%
30/176
17%
14/213
6%
20/251
8%
2/34
6%
20/176
11%
19/213
9%
15/251
6%
7/34
20%
29/176
17%
40/213
19%
22/251
8%
Tabela 31: Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas
categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
Os resultados da tabela 31 revelam que não há elementos menos ou mais determinantes
ligados ao núcleo do SN em boa parte das construções em que dar manifesta os valores não
transferenciais (59% de 34 casos), o valor de transferência social ou psicológica (35% de 176
casos), o valor de transferência discursiva (44% de 213 exemplos) e o valor genérico de
ação/atividade (53% de 251 exemplos). Nessas construções identifica-se um alto grau de
integração entre dar e o SN, principalmente se outras condições tipicamente associadas à
configuração exemplar de perífrases verbo-nominais também se manifestarem (por exemplo,
a impossibilidade de mobilidade do SN e a natureza (não) predicante desse elemento).
Destacam-se, ainda, os baixíssimos índices de elementos de natureza [+determinante], como
modificadores ou pronomes, na configuração de SNs que compõem as construções que têm
dar com valor genérico de ação/atividade (8%, 6% e 8% dos 251 dados com esse valor), ou
seja, em predicadores complexos cujos componentes estão mais integrados.
Acredita-se que, para verificar o grau de integração entre dar e SN, é necessário
adicionar à análise da configuração sintática das construções a verificação da possibilidade de
176
inserção de elementos, averiguando-se a natureza mais ou menos determinante desses
elementos.
A seguir, eis alguns exemplos que correspondem às construções que têm percentuais
mais altos na tabela anterior:
(Ex.:100) A denúncia do critério estritamente economicista e os apelos mais ou menos
implícitos a uma tomada de posição de Cavaco marcaram o protesto. António Fonseca, portavoz do Colectivo de Defesa dos Consulados em França, assegurou que os postos que serão
encerrados naquele país "não dão prejuízo, dão lucro. [PE escrito, Diário de Notícias, Notícia, 03-0907, Emigrantes apelam a Cavaco e não desistem] (dar – valor não transferencial)
(Ex.:101) É de chorar de rir a história do Edilson, que continua a desafiar toda a banca da
nova comissão técnica e da fiava diretoria do Flamengo, dando bananas, fazendo caretas e
brandindo os seus direitos. [PB escrito, Extra, 10-01-04, Opinião, Limpando o ninho] (dar – valor de
transferência psicológica ou social)
(Ex.:102) agora o traficante volta a dar sinais de que mantém com a polícia uma relação, no
mínimo, amigável. [PB escrito, Extra, 12-01-04, Editorial, Sem título] (dar – valor de transferência
discursiva)
(Ex.:103) (...) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/
os... cabos estavam todos rebentados... estava dando curto (...) [PB oral, D&G, 2° ano do E.M,
Narrativa de experiência pessoal, idade: 18, inf. 9] (dar – valor genérico de ação/atividade)
Em todos os exemplos, o núcleo do SN dos predicadores complexos não está
acompanhado de qualquer elemento. O valor não transferencial da construção dão lucro
decorre do fato de o verbo predicador a verbo-suporte dar, na interpretação como verbo
predicador, expressar a extensão de sentido causar/gerar. Em dando bananas e em dar
sinais, o verbo-suporte denota transferência, na primeira construção, de natureza psicológica,
visto que configura um gesto feito para ofender/atingir alguém (um argumento destinatário
que não está manifestado na predicação) e, na segunda construção, de natureza discursiva.
Esses valores não estão presentes no predicador complexo dando curto que apresenta valor
genérico de ação/atividade.
177
5.1.12.6 Possibilidade de permuta de dar por outros itens verbais
Quanto a esse aspecto, decidiu-se investigar apenas dados da amostra que manifestam
as categorias em que dar já apresenta algum grau de gramaticalização (verbo predicador a
verbo suporte e verbo-suporte). A hipótese a ser checada é a de que o verbo-suporte dar terá
índices de permuta altos somente quando os verbos que o substituírem pertencerem também à
categoria de verbo-suporte, enquanto na categoria híbrida de verbo predicador a verbosuporte dar apresentará índices altos de possibilidade de substituição tanto por verbo
predicador quanto por verbo-suporte.
a) Possibilidade de substituição de dar por verbo predicador
(Ex.:104) AZIA E MÁ DIGESTÃO...passam
um
instante com Sonrisal. Sonrisal contém
dois antiácidos: um, dá alívio rápido. [PB escrito, VARPORT [ANÚNCIO], E-B-93-Ja-023, O Globo,
28/04/1958]
(dá – verbo predicador a verbo-suporte ≅ causa/gera)
b) Possibilidade de substituição de dar por verbo predicador e por verbo-suporte
(Ex.:105) ah não nesse particular eu não posso dar grandes informações... [PB oral, NURC,
inq.374, faixa C, nível 3] (dar – verbo predicador a verbo-suporte ≅ passar/fornecer, compondo
uma perífrase relativamente equivalente à forma verbal simples “informar muita coisa”)
(Ex.:106) Fica todo mundo falando, pressionando, dando opinião. Mas será que passa pela
cabeça de alguém que eu também me pressiono? Afinal tenho 17 anos e não quero me
arrepender da minha escolha, não quero falhar! [PB escrito, Redação (dissertação), 3° ano do E.M.,
CPII-T-EM-3-F-001] (dando – verbo predicador a verbo-suporte ≅ transmitindo/passando,
compondo uma perífrase relativamente equivalente à forma verbal simples “opinar”)
c) Possibilidade de substituição de dar apenas por verbo-suporte
(Ex.:107) Em seu primeiro jogo como titular, o armador Leandrinho, do Phoenix Suns,
marcou 27 pontos, deu quatro assistências e pegou três rebotes, apesar da derrota de seu time
para o Chicago Bulls por 87 a 82. [PB escrito, Extra, 07-01-04, Notícia, Leandrinho dá show no Phoenix]
(dar – verbo-suporte ≅ fazer)
(Ex.:108) Se eu estiver num elevador que ele pare entre dois andares eu tenho que me vi...
violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo. [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-3f001, faixa C, nível 3] (dar – verbo-suporte ≅ fazer)
178
d) Não é possível qualquer substituição
(Ex.:109) (...) e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de
passageiros... [PB oral, NURC, inq.269, faixa B, nível 3] (dar – verbo-suporte)
(Ex.:110) A tinta TEOLIN vem substituir o velho processo de encerar as casas e de dar cabo
da paciencia das CRIADAS [PE escrito, VARPORT, Anúncio, E-P-92-Ja-036, O Século, 11/08/1930, pág.:
11] (dar – verbo-suporte)
Categorias
Substituição
funcionais de dar
por
verbo
predicador
202/202
Verbo
100%
predicador a
verbo-suporte
0/202
Verbo-suporte
—
Oco/Total
Percentagem
Substituição por Substituição
verbo predicador apenas por
e
verbo-suporte
verbo-suporte
170/170
0/62
100%
—
0/170
—
62/62
100%
Não é
possível
0/229
—
229/229
100%
Tabela 32: Possibilidade de substituição do verbo em predicadores complexos cujo dar já apresenta
algum grau de gramaticalização
De acordo com a tabela 32, nos dados em que se identifica a categoria verbo predicador
a verbo-suporte, não há qualquer ocorrência de dar que possa ser substituída apenas pelo
emprego de outro item (como fazer, levar, entre outros) como verbo-suporte. De fato, as
construções constituídas por dar nessa categoria híbrida sempre envolvem a possibilidade de
substituição ou por outro verbo predicador específico e/ou por outro verbo-suporte.
Diferentemente, os dados em que há construções com o verbo-suporte dar ou possibilitam
apenas a substituição por outro verbo-suporte de significação compatível (com valor genérico
de ação, por exemplo) ou não permitem qualquer substituição (cf. exemplos 109 e 110).
Tal resultado já era previsto, pois, nos casos em que se relaciona a uma categoria
híbrida, a estrutura dar + SN possui duas possibilidades de interpretação, numa das quais o
verbo dar, para ser considerado predicador, pode ser substituído por qualquer outro verbo
predicador (dar energia – transmitir energia). Também era esperado o resultado que
demonstra que, em nenhuma ocorrência do corpus, foi possível substituir o verbo-suporte por
um verbo predicador ou, num mesmo dado, por verbo predicador e verbo suporte, pois isto
faria com que o verbo-suporte apresentasse características típicas de verbo predicador,
possibilidade que somente ocorre em construções em que o verbo dar tem estatuto híbrido,
verbo predicador a verbo-suporte.
179
Para checar a possibilidade de esse parâmetro influenciar no grau de integração entre
dar e o SN das estruturas em que o verbo se encontra em gramaticalização, procedeu-se à
análise dos dados com base na relação entre esse aspecto e os valores veiculados por dar
como verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte.
Substituição
por
verbo predicador
Substituição por verbo
predicador e
verbo-suporte
Substituição apenas por
verbo-suporte
Não é possível
Oco/Total
Percentagem
Valor não
Transferência Transferência Valor
transferencial
social ou
discursiva
genérico
(valores não
psicológica
de ação/
plenos)
atividade
32/34
74/176
77/213
0/251
—
94%
43%
36%
2/34
6%
72/176
40%
88/213
41%
0/251
—
0/34
—
0/34
—
14/176
8%
16/176
9%
15/213
7%
33/213
16%
71/251
28%
180/251
72%
Tabela 33: Possibilidade de substituição do verbo relacionada aos valores expressos pelas categorias
verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
A tabela 33 demonstra que há uma alta produtividade (72% de 251 dados com esse
valor) de construções com valor genérico de ação/atividade em que não é possível substituir
dar por qualquer outro verbo. Diferentemente, em construções cujos valores são distintos do
valor genérico de ação/atividade, ou seja, em construções cujos componentes mantêm menor
nível de integração (com valores não transferenciais e transferenciais), há a possibilidade de
comutação de dar por outros verbos, inclusive por verbo predicador (cf. percentuais em
itálico). Esses resultados confirmam a hipótese de que a possibilidade de permuta do verbo
dar por outros itens verbais pode interferir no grau de integração entre os componentes dos
predicadores complexos.
Seguem abaixo alguns exemplos de construções referentes aos percentuais mais
expressivos da tabela (em negrito e em itálico):
a) Valor não transferencial
- possibilidade de substituição de dar por verbo predicador
(Ex.:111) Sendo assim, é preciso dar um novo direcionamento ao ensino nacional. [PB escrito,
Redação-dissertação, 3° ano do E.F., CPII-T-EM-3-F-034] (dar ≅ gerar)
180
(Ex.:112) ferrada de arraia... bagre já... ih : dá uma dorzinha enjoada... [PB oral, APERJ,
inq169A, faixa A, nível 1] (dá ≅ causa)
b) Valor de transferência social ou psicológica
- possibilidade de substituição por verbo predicador
(Ex.:113) Quem financia seu veículo por intermédio da Fináustria Financiamentos recebe
inteiramente grátis AssistMais Fináustria, um verdadeiro anjo da guarda que sai de carro com
você e sua família, dando proteção e oferecendo segurança em todo Brasil. [PB escrito, Jornal do
Brasil, Anúncio, 13/03/99, p.16]
(dando ≅ gerando/fornecendo)
- possibilidade de substituição por verbo predicador e por verbo-suporte
(Ex.:114) O Bradesco Seguro Residencial é um seguro acessível e fácil de contratar. [...] Tudo
isso para dar total tranqüilidade a você e sua família. [PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio,
14/03/99, p.14] (dar ≅ passar/fornecer)
c) Valor de transferência discursiva
- possibilidade de substituição por verbo predicador
(Ex.:115) O Sr. Paulo de Tarso, em sua primeira entrevista, deu provas de que não pretende
confundir o essencial com o acidental (...) [PB escrito, Diário de Notícias, Editorial, Objetividade na
Educação, 03/07/1963, pág.: 06 ] (deu ≅ demonstrou)
- possibilidade de substituição por verbo predicador e por verbo-suporte
(Ex.:116) O mundo inteiro dá sinais de crescente inquietação com o que se passam no Oriente
Médio. [PB escrito, Jornal do Brasil, editorial, Oriente Tenso, 14/12/1974, pág.: 06 ] (dar ≅
passa/demonstra)
d) Valor genérico de ação/atividade
- impossibilidade de substituição
(Ex.:117) #I - e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e
tudo que eles bater aqui acusa né? tem radar né? (...) [PB oral, VARPORT, OP-B-90-1M-001, faixa
A, nível 1]
181
5.1.12.7 Possibilidade de substituição do SN em predicadores complexos cujo verbo já
apresenta algum grau de gramaticalização
a) Possibilidade de substituição
(Ex.:118) Numa guerra aberta à compra livre de seringas, as farmácias deram o seu
contributo para a proliferação de doenças que nos envergonhamos de compartilhar por aí mas
isso também parece ser um mal com que a nossa gente pode. [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo
de opinião, 08/09/07, A depressão pós férias.] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (contributo
≅ contribuição/colaboração)
(Ex.:119) (...) Só se ele considera manipulação ter dado tanto destaque ao acontecimento em
si... [PB escrito, Diário de Notícias, Artigo de Opinião, 03-04-07, Correio Perdido] (dar – verbo-suporte)
(destaque ≅ enfoque/ evidência)
b) Impossibilidade de substituição
(Ex.:120) Mas enquanto eles próprios não derem o exemplo com um comportamento
transparente será impossível mobilizar os portugueses contra o flagelo da corrupção. [PE,
Diário de Notícias, Editorial, 09/08/07, O mau exemplo dado pelos partidos políticos] (dar – verbo
predicador a verbo-suporte)
(Ex.:121) A mãe, por o seu estado inspirar cuidados, seguiu, ás 18 horas, para Lisboa, a fim
de dar entrada no hospital de S. José. [PE escrito, VARPORT, Notícia, E-P-92-JN-008, O Século,
13/02/1935, A explosão duma bomba de pedreira esfacelou a mão direita de uma criança e feriu, no ventre, sua
mãe, p.05] (dar – verbo-suporte)
Categorias funcionais de
dar
Verbo predicador a
verbo Suporte
Verbo-suporte
Oco/Total
Percentagem
Não é possível
Substituição
possível
54/260
201/413
21%
49%
206/260
212/413
79%
51%
Tabela 34: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal em predicadores complexos em que
dar já apresenta algum grau de gramaticalização.
Na tabela anterior, os índices muito semelhantes de possibilidade de substituição do SN
por outro que ocorrem tanto em construções com dar verbo predicador a verbo-suporte (49%
de 413 casos) como com dar verbo-suporte (51% de 413 exemplos) indicam que esse
182
parâmetro não exerce qualquer influência no fenômeno de gramaticalização. Diferentemente,
o maior índice de impossibilidade de permuta do SN por outro (79% dos 260 casos em que
não há possibilidade de substituição) ocorre entre predicadores complexos em que dar
pertence à categoria de verbo-suporte, o que indica que essas construções congregam
constituintes com maior grau de integração.
Com o intuito de checar tal possibilidade de interpretação, avaliou-se a distribuição dos
dados em função da relação entre esse aspecto e os valores que dar veicula quando já
apresenta algum grau de gramaticalização, conforme se pode visualizar na próxima tabela.
Substituição possível
Não é possível
Valor não
transferencial
(valores não
plenos)
24/34
71%
10/34
29%
Oco/Total
Percentagem
Transferência Transferência Valor genérico
social ou
discursiva
de ação/
psicológica
atividade
134/176
76%
42/176
24%
153/213
72%
60/213
28%
103/251
41%
148/251
59%
Tabela 35: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos
pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte
Percebe-se um alto índice de possibilidade de permuta do SN por outro nas estruturas
em que dar revela valores não transferenciais (71% de 34 casos), valor de transferência social
ou psicológica (76% de 176 casos) e valor de transferência discursiva (72% de 213 casos), o
que demonstra que essas construções podem apresentar elementos menos integrados. Em
construções em que o verbo dar tem o valor genérico de ação/atividade, a possibilidade de
permuta do SN por outro é menor (41% dos 251 casos) do que a impossibilidade (59%), o que
indica o caráter mais integrado dos componentes da maioria dessas construções. Logo, esse
parâmetro será considerado para delimitação dos níveis de integração entre dar e SN.
A seguir, construções em que é possível a substituição do SN (referentes ao valor em
negrito da tabela 35) e predicadores complexos em que dar possui valor de ação/atividade e
em que a substituição não é possível:
183
a) Possibilidade de substituição do SN
- Valores não transferenciais
(Ex.:122) Eu gosto de animais, tenho até um em casa. Mas eu também acho exagerado dar
tanto valor à um bicho, principalmente enquanto alguns de nossa própria espécie são tão
maltratados. [PB escrito, dissertação-ensino médio, CPII-T-EM-3-F-031] (valor ≅ importância)
- Valor de transferência social ou psicológica
(Ex.:123) (...) um verdadeiro anjo da guarda que sai de carro com você e sua família, dando
proteção e oferecendo segurança em todo Brasil. [BN - JB, Anúncio, 13 de março de 1999, p.16]
(proteção ≅ segurança)
- Valor de transferência discursiva
(Ex.:124) As pessoas estavam ansiosas do lado de fora esperando os detetives sairem e lhe
darem explicações. Eles estavam demorando muito. [PB escrito, narração-oitava série, CPII-EN-EF8-F-025] (explicações ≅ esclarecimentos)
b) Impossibilidade de substituição do SN
- Valor genérico de ação/atividade
(Ex.:125) (...) Ainda não se chegou aqui. A PJ fez bem em não ter dado este passo. Foi
prudente. As notícias que vão chegando de Inglaterra, raiando o insulto, apoiadas em
declarações quase histéricas de raiva, ódio e racismo contra Portugal (...) [PE escrito, Correio da
Manhã, Artigo de opinião, 08-09-07, Condição de argüidos]
5.1.12.8 Possibilidade de substituição do predicador complexo dar + SN por outro verbo
de sentido equivalente
a) Possibilidade de substituição por verbo predicador não cognato ao SN da perífrase
(Ex.:126) Joe Berardo tem mérito, alguma influência e muito poder. Mas nada disso lhe dá o
direito de dizer tudo o que lhe apetece. [PE escrito, Diário de Notícias, Editorial, 27-06-07, Os homens
públicos têm de medir as palavras] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (dá o direito ≅
autoriza)
(Ex.:127) Desmaio - Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma
vez, voltaria para Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as
184
câmeras de TV a filmavam. (...) [PB escrito, BN - JB, Notícia, 23 de outubro de 1988, Uma novelaverdade no horário gratuito da TV, p.6] (dar – verbo-suporte) (deu conta ≅ percebeu)
b) Possibilidade de substituição por verbo predicador cognato ao SN da perífrase
(Ex.:128) (...) que faça com Jardim o que Mendes fez com Valentim e Isaltino, alguém que
não queira dar empregos aos militantes.[PB escrito, Expresso, Artigo de opinião, 01/10/07, Os
perdedores de ontem.] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (dar empregos ≅ empregar)
(Ex.:129) (...) nossos pós-graduados que não têm condições financeiras para dar continuidade
a seus estudos e pesquisas no exterior, oportunidade de que desfrutam apenas poucos
privilegiados. [PB escrito, JB, 02-06-03, Opinião, Debandada de cérebros] (dar – verbo-suporte)
(dar continuidade ≅ continuar)
c) Impossibilidade de substituição
(Ex.:130) Quando vi já era tarde pois o garoto não deu conta do meu estojo que sumiu [PB
oral, Discurso e Gramática, 4ª Série do Primeiro Grau, Narrativa recontada, idade: 11 anos, sexo: feminino, ano:
1992, informante 51] (dar – verbo-suporte) (deu conta ≅?)
Verbo predicador a verbo
Suporte
Verbo-suporte
Substituição
possível
(por forma não
cognata ao SN)
51/205
25%
154/205
75%
Oco/Total
Percentagem
Substituição
possível
(por forma
cognata ao SN)
169/341
49%
172/341
51%
Não é possível
0/92
—
92/92
100%
Tabela 36: Possibilidade de substituição de dar + SN por outro verbo de sentido equivalente
relacionada às categorias de dar que já apresenta algum grau de gramaticalização.
Os resultados da tabela anterior corroboram a hipótese de que é possível a substituição,
por outro item verbal (cognato ou não ao SN da perífrase), das estruturas com dar + SN em
que o verbo já apresenta algum grau de gramaticalização, devido ao fato de o predicador
complexo desempenhar a mesma função predicante que um predicador simples exerce
(projetar argumentos e atribuir-lhes papéis temáticos). Quanto ao fato de o verbo predicador
ser cognato ou não ao SN da perífrase que substitui, a tabela demonstra que o maior índice de
substituição por formas não cognatas pertence às construções em que dar é verbo-suporte
(75% de 205 dados em que esse tipo de substituição é possível). Esse resultado
185
provavelmente se deve ao elevado número de expressões idiomáticas encontradas no corpus
(tais como: dar mole ≅ bobear, dar adeus ≅ abandonar, entre outras).
Outro resultado igualmente esperado é a possibilidade de substituição em construções
com verbo dar pertencente à categoria verbo predicador a verbo-suporte, já que, por ser uma
categoria híbrida, ela sempre possibilita a interpretação da estrutura como um predicador
complexo e, portanto, passível de ser substituído por um predicador simples de sentido
equivalente. Averiguando-se os dados, constatou-se que a impossibilidade de permuta por um
predicador simples em algumas construções com verbo-suporte dar ocorre devido à natureza
idiomática desses predicadores complexos (cf. exemplo 138), ou seja, seus componentes
passam a ter significado idiossincrático, o que muitas vezes impossibilita a substituição por
outro item verbal da língua com significação equivalente.
Na tabela 37, apresentam-se os resultados da relação entre a permuta do predicador
complexo por outro predicador simples e os valores que dar veicula ao apresentar algum grau
de gramaticalização.
Oco/Total
Percentagem
Valor não
Transferência Transferência Valor
transferencial
social ou
discursiva
genérico
(≅ valores não
psicológica
de ação
plenos)
Substituição possível (por
forma não cognata ao SN)
Substituição possível
(por forma cognata ao SN)
Não é possível
5/34
15%
29/34
85%
0/34
—
37/176
21%
114/176
65%
25/176
14%
69/213
32%
122/213
57%
22/213
11%
83/251
33%
123/251
49%
45/251
18%
Tabela 37: Possibilidade de substituição do predicador complexo dar + SN por outro verbo de sentido
equivalente relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e
verbo-suporte
Percebe-se, pelos resultados da tabela 37, que a maioria das construções com dar (semi)gramatical possui altos índices de possibilidade de permuta por outro verbo predicador
(principalmente, cognato ao SN da perífrase). Destaca-se que, mesmo em construções com
maior integração (valor genérico de ação/atividade), essa comutação é possível, o que faz com
que esse aspecto não seja tão relevante para a discriminação dos níveis de integração entre
verbo dar e SN.
186
Algumas construções em que é possível a substituição do predicador complexo por um
predicador simples cognato ao seu SN:
a) Possibilidade de substituição do predicador complexo formado por dar + SN por
verbo predicador cognato ao SN da perífrase
- Valores não transferenciais
(Ex.:131) (...) aquelle producto, vendido na Argentina estava dando bons lucros aos
exportadores. [PB escrito, O Globo, editorial, Exportador de Bananas, 01/05/1934, pág.: 01] (dando bons
lucros ≅ lucrando)
- Valor de transferência social ou psicológica
(Ex.:132) (...) e ele foi um dos nossos padrinhos... que nos eh nos deu grande auxílio...na
nossa movimentação nessa coisa burocrática aqui do centro (...) [PB oral, NURC, inq.296, faixa C,
nível 3, p.183, l.70] (deu auxílio ≅ auxiliou)
- Valor de transferência discursiva
(Ex.:133) (...) é um desporto que instrói mesmo a a pessoa e e que dá um certo
desenvolvimento
ao
corpo.
[PE
oral,
VARPORT,
OP-P-90-1M-002,
faixa
A,
nível
1]
(dá um certo desenvolvimento ≅ desenvolve de certa forma)
- Valor genérico de ação/atividade
(Ex.:134) (...) a minha mãe... deu um pulo também e deu um grito... dentro do ônibus... saiu...
sem querer. [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 34] (deu
um pulo ≅ pulou)
5.1.13 Níveis de integração das estruturas em que o verbo apresenta algum grau de
gramaticalização
Uma investigação qualitativa de estruturas do corpus em que o verbo já possui algum
grau de gramaticalização possibilitou a depreensão dos níveis de integração de dar a SN, ou
seja, dos graus de incorporação do elemento não verbal a dar quando este pertence à categoria
verbo predicador a verbo-suporte ou à categoria verbo-suporte.
Levaram-se em conta alguns aspectos que se mostraram relevantes no estudo de
gramaticalização de dar, apresentados, a seguir, em função de sua ordem de relevância para a
depreensão dos níveis: (i) possibilidade de inserção de elementos com caráter [±determinante]
187
no SN, (ii) posição do SN em relação ao verbo e, no caso de posposição, a viabilidade de
mudança dessa posição, (iii) possibilidade de substituição de dar por outro verbo, (iv)
possibilidade de substituição do núcleo do SN por outro nome, e (v) caracterização semântica
da perífrase quanto ao traço [+foco] na ação veiculada por dar e [±quantificação universal] no
SN.
A análise dos quatro primeiros aspectos possibilita avaliar se a configuração sintática é
mais ou menos restrita e o grau de fixação dos componentes na perífrase. Os traços [±foco] na
ação expressa por dar e [±quantificação universal] no SN foram levados em conta para a
distinção apenas entre os maiores níveis de integração de dar a SN (a partir do sétimo nível).
Sendo assim, esse traço manifesta-se em predicadores complexos nos quais é possível inserir
elementos menos determinantes (traço [± quantificação universal] no SN) e em construções
nas quais não é possível a inserção desses elementos (SN [+quantificação universal]),
apresentando um altíssimo grau de incorporação ao verbo. Outro aspecto que merece destaque
é a natureza predicante do núcleo do SN. Essa característica colabora para que a construção
dar + SN seja reconhecida como predicador complexo 101 , visto que a maioria dos núcleos de
SN com esse perfil pertence a predicadores complexos cujo nível de integração entre dar e SN
é maior (verbo dar veicula valor genérico de ação/atividade), como atestam resultados
percentuais encontrados na tabela 23 (seção 5.1.12.1).
Os níveis de integração detectados distribuem-se em dois grupos:
DAR + SN: NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO
1
2
CONSTRUÇÕES MENOS
CONSTRUÇÕES MAIS
INTEGRADAS
INTEGRADAS
3
4
5
6
7
8
9
Quadro 21: Níveis de integração das estruturas dar + SN encontradas no corpus
A descrição de cada um desses níveis (com os parâmetros definidos na análise e os
exemplos 102 extraídos do corpus) explicitará que o verbo dar, nas categorias verbo
predicador a verbo-suporte e verbo-suporte, pode fazer parte tanto de estruturas mais
101
Apesar disso, sua verificação não colabora para delimitar diferenças entre um nível e outro, já que esse
aspecto pode manifestar-se desde os primeiros níveis de integração – dar garantia, dar sugestão e, por isso, não
foi comentado na análise dos exemplos desta seção.
102
Ao lado da numeração de alguns exemplos consta a sigla “ST”, que significa “exemplo submetido a teste de
atitudes”. Os resultados da avaliação dessas perífrases por falantes podem ser checados na seção 5.2.
188
integradas quanto de estruturas menos integradas, descartando-se a hipótese de que o verbosuporte somente apareceria em construções prototípicas, com altos níveis de integração.
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 1
Aspectos caracterizadores das construções no 1º nível
1- Configuração sintática do SN:N modificado ou com a possibilidade de inserção
de elemento mais determinado
2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição ou raramente
anteposto
3- Possibilidade de substituição do verbo
4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
(Ex.:135-ST) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês
estão assim com essas caras... ele respondeu que você nos deu maior susto aí eu comecei a rir
e não parei mais. [PB escrito, D&G, CA supletivo, Narrativa de experiência pessoal, idade: 42 anos, inf. 77]
(Ex.:136-ST) Mas não adianta ela falar, por que a mãe sempre dizia a mesmas coisas.
__ Isso não existe.
__ E se você continua a falar nisso eu vou te dar uma surra
Mais ela continuou a ver.
Até que um dia ela saiu com a mãe e as irmães dela (...) [PB escrito, D&G, 4ª Série do E.F., Narrativa
recontada, idade: 12 anos, inf. 41]
(Ex.:137)
(...) eu fiquei super arrasada... mas consegui levantar porque o pessoal que
terminou ano passado me deu maior força pra eu voltar esse ano e terminar... porque era o
último ano:: eles me deram uma força incrível... e:: eu estou aqui... já terminando... graças a
Deus... com as forças dos meus amigos... e com a minha boa vontade também...[PB oral, D&G,
2° ano do E.F, Narrativa de experiência pessoal, idade: 22, inf. 19]
(Ex.:138) “O vestibulando se mantem atarefado demais e geralmente quando chega o ano do
vestibular fica desnorteado, a começar pela responsabilidade que lhe é imposta direta ou
indiretamente pelos pais, depois a necessidade de encontrar tempo e disposição para dar duro
nos estudos, e em muitos casos a indecisão na hora de decidir que carreira irá seguir pois cada
conhecido lhe dá uma sugestão diferente.” [PB escrito, Redação, 3° ano do E. M., CPII-T-EM-3-M017]
189
(Ex.:139-ST) Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino
também e bom... Dentro do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão
aulas. [PB escrito, D&G, 4ª Série do E.F., Relato de opinião, inf. 54]
(Ex.:140) Na ordem do dia, em virtude de urgencia requerida pelo Sr. Antonio Carlos, foi
votado o projecto regulando uma nova moratoria, com emendas, conforme noticia que damos
em outra secção. [PB escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 14/12/1914, Camara, p.5]
(Ex.:141-ST) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No
texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. [PB escrito, Prova, 1°
período do E.S., ES-P1-F-003]
(Ex.:142-ST) (...) avião eu não tenho medo e em elevador eu tenho. Se eu estiver num
elevador que ele pare entre dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não
fazer, pra não dar escândalo. [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-3f-001, faixa C, nível 3]
(Ex.:143) eu fui passear na casa da minha futura sogra aí ele estava em casa... aí ele deu um
tempinho e logo depois ele disse (...) volto logo tá. [PB escrito, D&G, CA supletivo, Narrativa de
experiência pessoal, idade: 42 anos, inf. 77]
(Ex.:144) (...) é importante dar um telefonema no caso de haver uma, qualquer coisa que
notem, não é? [PE oral, CRPC-PF, inq 1042, faixa A]
O verbo dar nos predicadores complexos dos exemplos de 135 a 141 pertence à
categoria híbrida de verbo predicador a verbo-suporte 103 . Considera-se que os exemplos 135,
136, 137, 138 e 139 apresentam sentido transferencial semelhante, já que o argumento que
possui função sintática de sujeito e função semântica de agente causa alguma modificação no
estado físico e/ou psicológico do argumento destinatário. Nas construções 140 e 141 e 142
também se detecta transferência, mas de natureza discursiva. Diferentemente dessas, no
exemplo 143, o verbo dar expressa sentido não-transferencial, pois dar um tempinho significa
esperar/aguardar por pouco tempo.
É possível observar que o primeiro nível de integração reúne casos em que há
possibilidade de substituição do verbo dar (causou/pregou maior susto, aplicar uma surra,
103
Retoma-se a informação de que a diferença entre as categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbosuporte reside no fato de, ao pertencer à primeira categoria, devido à possibilidade de interpretação como
predicador simples , dar poder ser substituído por um verbo predicador (necessariamente) e/ou por outro verbosuporte (fazer/levar/tornar/ter, entre outros), enquanto, ao pertencer à categoria de comportamento mais
gramatical, o verbo não pode ser substituído ou isso ocorre somente quando a comutação é por outro verbosuporte (cf. resultados da tabela 32, seção 5.1.12.6).
190
passaram/forneceram/transmitiram uma força incrível, fornece/passa uma sugestão diferente,
ministram aulas, põe ênfase, fazer escândalo, notícia que passamos/transmitimos, aguardou
um tempinho) e casos em que o nome que se alia a dar: se apresenta modificado (maior susto,
uma força incrível, uma sugestão diferente) ou tem a possibilidade de ser modificado (uma
surra braba, boas aulas, ênfase especial, notícia detalhada, um momentinho rápido); está
anteposto (notícia) ou posposto (susto, surra, força, sugestão, aulas, ênfase, escândalo,
tempinho), sendo viável sua anteposição; pode ser substituído por outro nome (quase)
sinônimo (maior baque, uma coça/porrada, um apoio incrível, um palpite diferente,
ensinamentos, relato, ataque, relevo, um momentinho).
O exemplo 144 demonstra que algumas construções com verbo-suporte também podem
ter sua configuração sintática modificada e, assim como a maioria dos demais exemplos, a
noção de transferência metafórica é veiculada por dar. Percebe-se a transferência metafórica
porque dar uma ligação pressupõe uma troca/transferência de informações/conversa com a
pessoa que receber o telefonema. Essa construção faz parte do nível 1 de integração, porque o
verbo dar pode ser substituído (ainda que apenas por outro verbo-suporte – fazer um
telefonema) e porque o SN pode ser modificado (dar um telefonema solidário), com a
inserção de elementos mais determinantes; pode ser anteposto (um telefonema dar); e pode
ser substituído por outro SN (dar uma ligação/ligada).
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 2
Aspectos caracterizadores das construções no 2º nível
1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com a possibilidade de inserção
de elemento mais determinado
2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição; ou raramente
anteposto
3- Possibilidade de substituição do verbo
4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
(Ex.:145) Ela foi beatificada a 24 de abril de 1994, primeira etapa para a honra dos altares.
Mãe de família, parto difícil, deu ordem ao médico para que se preocupasse, em primeiro
lugar, em salvar a vida do nascituro e, só depois, a sua. [PB escrito, Jornal do Brasil, 06-03-04, Artigo
de opinião, Respeito à vida]
191
(Ex.:146) A diretora colocou a Juçara para fora de sala e lhe deu uma suspensão. Botou para
fora outra menina a Michele mas para esta só pediu que a mãe viesse a escola. [PB escrito, D&G,
8ª série do E.F., Narrativa recontada, idade: 16 anos, inf. 25]
(Ex.:147-ST) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo
Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISP], mas a novidade esbarrou
em algumas dificuldades de ordem leais e acabou não deslanchando. [PB escrito, Povo, 22-0104, Editorial, Polícia unificada]
(Ex.:148) (...) fomos passear lá pra marinha... e depois pra voltar? o medo de voltar lá e eles
estarem lá de novo? aí nós tivemos que dar uma volta danada... ele perguntou pra gente...
antes disso... onde a gente morava... que ele levava a gente em casa... [PB oral, D&G, 8ª Série do
E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf. 32]
(Ex.:149-ST) Eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro...
e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu dei... eu dei um gol de cabeça...
[PB oral, D&G, CA infantil, Narrativa recontada, idade: 7 anos, inf. 83]
Os três primeiros exemplos contêm o verbo dar na categoria de verbo predicador a
verbo-suporte. No primeiro exemplo, o valor transferencial pode ser evidenciado pela
permuta de dar por fornecer/transmitir. No segundo, essa noção já se revela pela permuta
com atribuir/conferir/aplicar: dar uma suspensão caracteriza uma ordem/repreensão
fornecida por alguém (argumento agente) a outra pessoa (argumento destinatário). No terceiro
exemplo, não há qualquer valor transferencial, pois dado o primeiro passo remete à ação de
avançar.
Nos exemplos 148 e 149 – dar uma volta danada e dei um gol –, o verbo dar pertence à
categoria de verbo-suporte e expressa valor genérico de ação/atividade. A presença dessa
estrutura nesse nível leva à compreensão de que construções com verbo-suporte também
podem apresentar níveis de integração baixos entre seus elementos, afastando-se da estrutura
prototípica formada por verbo-suporte dar + SN (“nome nu”).
Quanto aos aspectos que caracterizam os níveis, no segundo nível de integração, são
encontrados predicadores complexos cujo verbo pode comutar com outro (forneceu ordem,
lhe aplicou uma suspensão, iniciado o primeiro passo, fazer uma volta danada, fazer um gol)
e cujo SN, apesar de não poder ser substituído por outro (deu ordens ≅ deu ..?.., lhe deu uma
suspensão ≅ lhe deu uma ..?.., dado um primeiro passo ≅ dado um primeiro ..?.., dar uma
volta danada ≅ dar uma ..?.. danada, dei um gol ≅ dei um ..?..), pode: apresentar-se
192
modificado (dado um primeiro passo, dar uma volta danada, dei um gol de cabeça) ou é
passível de ser modificado (deu ordem irrevogável, lhe deu uma suspensão terrível, dar uma
volta danada); e pode antepor-se ao verbo (ordem deu, uma suspensão lhe deu, um primeiro
passo dado, uma volta danada dar, um gol de cabeça dei).
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 3
Aspectos caracterizadores das construções no 3º nível
1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com a possibilidade de inserção
de elemento mais determinado
2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição
3- Impossibilidade de substituição do verbo
4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
(Ex.:150-ST) Com estas duas prestações num só dia, o ex-primeiro-ministro, que há mais de
dois anos "anda por aí" sem saber bem como ensaiar um regresso ao palco, marcou dois
pontos. Tanto sobre as "directas" como sobre o "directo", deu voz àquilo que pensa qualquer
pessoa sensata e sem mais interesse que o da razoabilidade nos debates em causa. [PB escrito,
Expresso, Artigo de opinião, 23-07-07, As directas e o directo]
(Ex.:151) Horas antes da votação, ele apostara na derrota | de FH: "Faço uma roleta russa com
seis balas no revólver se ela for aprovada." O presidente da | Argentina Carlos Menem
telefonou para dar os parabéns a FH. [PB escrito, VARPORT, Notícia, E-B-94-Jn-026, O Globo,
29/01/1987, Câmara diz sim a FH Aprovação da reeleição derrota ao mesmo tempo Maluf, Quércia e Paes de
Andrade]
(Ex.:152-ST) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam a vida por um
pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição
em seus corpos. [PB escrito, Redação-dissertação, 3° ano do E.M., CPII-EN-EM-3-F-019]
(Ex.:153-ST) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem deu bola...
pra ela... [
] ele ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste... [PB
oral, D&G, 8ª Série do E.F, Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf. 27]
(Ex.:154-ST) É ... Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você
tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que você casa,
cobram os filhos, isso eu vejo pelo meu irmão, é ... Se um adolescente dá um ataque, ah, isso
é coisa de adolescente.[PB oral, inq 003, faixa A, nível 3]
193
(Ex.:155) O namorado dela era muito ciumento, ele tinha ciúmes de tudo e de todos mas
como ela gostava muito dele ela dava preferência a ele, ela não saia mais com as amigas, até
que um dia eles terminaram, e as amigas se reencontraram depois de 4 anos, então elas
começaram a sair de novo como elas faziam antes, e nessas saídas elas fizeram novas
amizades, e no meio dessas amizades, elas começaram a andar com um grupo. [PB escrito,
Redação-narração, 8ª série do E.F., CPII-EN-EF-8-F-012]
A partir deste nível de integração, há apenas predicadores complexos com verbo-suporte
dar. A construção em destaque no primeiro exemplo consiste no ato de transmitir/emitir
opiniões – uma transferência metafórica discursiva –, enquanto dar no predicador complexo
do segundo exemplo remete à noção de passar/transmitir parabéns/congratulações, ou seja,
felicitar alguém – uma transferência metafórica psicológica.
A partir do terceiro exemplo, os predicadores complexos contêm dar com valor genérico
de ação/atividade. Consideram-se os exemplos marcados em 152, 153 e 154 como expressões
idiomáticas, pois não é possível recuperar seu significado com a soma do significado literal
dos componentes. São eles: dariam a vida – sentido de “morrer” ou “matar-se”; deu bola –
sentido de “insinuar-se” ou “mostrar-se solícito”; e dar um ataque – “reclamar, de forma
agressiva/exagerada”. Por isso, podem ser vistos como blocos/complexos significativos.
Nas construções que fazem parte do terceiro nível de integração, não é possível haver
substituição do verbo por outro verbo-suporte. Observam-se as seguintes características no
SN que se vincula a dar: não se apresenta modificado, apesar de essa configuração ser
possível (deu relevante voz, dar os merecidos parabéns, dariam a própria vida, deu nem bola
suficiente, dá um ataque de loucura/nervos, dava preferência incondicional), pode ser
substituído por outro (deu manifestação, dar as congratulações, dar a alma, deu confiança,
dá um escândalo, dava prioridade) e ocorre posposto ao verbo com possibilidade de
anteposição (voz deu, os parabéns dar, a vida dariam, nem bola deu, um ataque dá,
preferência dava).
194
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 4
Aspectos caracterizadores das construções no 4º nível
1- Configuração sintática do SN: N modificado ou há possibilidade de inserção de
elemento mais determinado
2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição
3- Impossibilidade de substituição do verbo
4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
(Ex.:156) E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se
suspeitava: meu pâncreas estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio
infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo abaixo da crítica, uma vergonha, dei uma
rezadinha, encomendando minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer
era isso, interessante. [PB escrito, O Globo, Artigo de opinião, 03-11-02, “Voltando, sem muita convicção”]
(Ex.:157) então a tinta está pouca...a pessoa ( ) que a embarcação sai com três quatro mãos de
tinta ... no fundo pra botar na água ... então com: a tinta está nova a madeira está nova... se ele
der umas pregadazinhas no fundo ali ele pega logo... [PB oral, APERJ, inq 107C, faixa C, nível 1]
(Ex.:158) Elas querem dar aquele suspiro final e falar: “Consegui!”. Mas não adianta nada ser
bonita por fora e não ter nada por dentro ou, pior ainda, ser feia por dentro. [PB escrito, Redaçãodissertação, 3º ano do E.M., CPII-EN-EM-3-F-012]
(Ex.:159) O presidente Lula fez muito bem em postergar o anúncio do ministério e dos
responsáveis pela política econômica. Faltam dois meses para o término do governo Fernando
Henrique. E o vazio de autoridade traria insegurança ao setor produtivo. A hora é de somar
esforços e dar combate ao inimigo n° 1: a inflação. [PB escrito, Jornal do Brasil, 01-11-02, Editorial,
O Inimigo n 1]
Os dois primeiros exemplos caracterizam-se por ainda envolverem a noção de
transferência (metafórica). No primeiro, dar uma rezadinha implica a ação de oferecer
orações a/conversar com uma entidade de devoção brevemente, enquanto, no exemplo dar
umas pregadazinhas, o ato de pregar o(a) “barco/madeira” pressupõe a transferência de força
feita, com auxílio de algum objeto/ferramenta (um martelo, por exemplo), no prego, com o
intuito de modificar fisicamente o(a) “barco/madeira”. Nos terceiro e quarto exemplos, dar
veicula noção geral de ação/atividade, já que dar aquele suspiro final, no contexto
apresentado, designa a ação de “suspirar de alívio”, e dar combate, a ação de combater.
195
No quarto nível de integração, não é possível substituir nem o verbo (..?.. uma
rezadinha, ..?.. umas pregadazinhas, ..?.. aquele suspiro final, ..?.. combate), nem o SN (dei
uma rezadinha ≅ dei ..?.., der umas pregadazinhas ≅ der ..?.., dar aquele suspiro final ≅ dar
..?.. e dar combate ≅ dar ..?..) dos predicadores complexos. No entanto, os SNs ainda podem
apresentar-se modificados ( der umas pregadazinhas, dar aquele suspiro final ) ou ter seu
núcleo modificado (dar uma rezadinha forte, dar importante combate), além de aparecerem
pospostos ao verbo, com possibilidade de anteposição (uma rezadinha dei, umas
pregadazinhas dei, aquele suspiro final dar, combate dar).
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 5
Aspectos caracterizadores das construções no 5º nível
1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com possibilidade de inserção de
elemento mais determinado
2- Mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de anteposição ou raramente
anteposto
3- Possibilidade de substituição do verbo
4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
(Ex.:160-ST) A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar
uma prensa na gente... né? Aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a
professora falou/ a diretora [disse] “cala a boca...” [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa
recontada, idade: 15 anos, inf. 30]
(Ex.:161-ST) (...) faca nele assim mata ele e dá umas porrada nele aí bota na panela já
limpinho né? [PB oral, APERJ, inq. 169A, faixa A, nível 1, pista 2 linha:3292]
(Ex.:162-ST) Leandrinho dá show no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos. [PB
escrito, Extra, 07-01-04, Notícia, Leandrinho dá show no Phoenix]
(Ex.:163-ST) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no
Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! [PB escrito, Extra, 10/01/04, Artigo de
opinião, Limpando o ninho]
(Ex.:164) (...) que estes dois exemplos são bons negócios para as empresas, mas basta dar
dois dedos de conversa com um sinaleiro da Magic para perceber como também são um
excelente "negócio" para quem trabalha. [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo de opinião, 08-09-07, Os
nossos velhos não são crianças nenhumas.]
196
No primeiro exemplo, detecta-se uma transferência de natureza psicológica, visto que o
argumento agente da predicação (nesse caso, a diretora) realiza o ato de dar prensa para
chamar atenção/reclamar/brigar, ou seja, com o intuito de atingir o argumento destinatário
(no contexto, os alunos representados pelo argumento destinatário a gente). No segundo
exemplo, também é possível perceber um valor transferencial metafórico, uma vez que o ato
de dar porrada designa a ação de bater forte, modificando/atingindo fisicamente o argumento
destinatário (nesse contexto, nele cujo referente é o peixe). As construções dos demais
exemplos expressam valor genérico de ação/atividade: dar show remete, no contexto
apresentado, ao sentido de fazer algo (no caso, desempenhar a função de jogador) de forma
que chame atenção, que se destaque; e dar uma faxina designa a ação de limpar/arrumar algo
(pelo contexto, o complexo esportivo que pertence a um time de futebol).
A partir desse nível de integração, raramente há possibilidade de anteposição do SN em
relação ao verbo-suporte dos predicadores complexos. Ademais, nessas construções, a
comutação do verbo por outro verbo-suporte é possível (fazer uma prensa, mete umas
porrada, faz show, fazer uma faxina), o SN pode ser modificado (dar uma prensa danada, dá
umas porrada forte, dá um grande show, dar faxina completa) e substituído (dar uma bronca,
dá umas paulada, dá espetáculo, dar uma limpeza).
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 6
Aspectos caracterizadores das construções no 6º nível
1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com possibilidade de inserção de
elemento mais determinado
2- Mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de anteposição
3- Impossibilidade de substituição do verbo
4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
(Ex.:165) ... um dia o povo vai se entender e diz... basta... mas esse coitado do povo está
tentando fazer isso há muito tempo... pode ser que criem condições futuras e mude... hoje em
dia... eu estou convencido que se tiver que dar um basta ou mudar mesmo alguma coisa
significativamente vai ocorrer nos Estados Unidos. [PB oral, NURC, inq. 135, faixa C, nível 3, pág.:
79]
(Ex.:166) Entrevistador: e estava uma música tipo lenta [e você botou?]
197
Informante: [não... estava forte...] sim... ele tinha me explicado... certo? como é que era... mas
só que na hora me deu um branco... aí eu fui virar assim... como se fosse falar com ela...
assim do lado... aí eu fui virar assim pra falar com ele... cadê? os garotos tinham sumido... me
deixaram lá sozinho... [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos,
inf.27]
(Ex.:167-ST) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima
de um calombo da rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um
pulo... a minha mãe... deu um pulo também (...) [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de
experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 34]
Nos três exemplos anteriores, dar apresenta apenas valor genérico de ação/atividade,
pois dar um basta, dar um branco e dar um pulo remetem, respectivamente, a finalizar,
esquecer e pular. No sexto nível de integração, não há possibilidade de anteposição do SN,
nem a substituição de dar por outro verbo-suporte (..?.. um basta, ..?.. um branco, ..?.. um
pulo). No entanto, o SN ainda pode ser modificado (dá um basta definitivo, me deu um
branco enorme, deu um pulo alto) e substituído (dar um fim, deu um esquecimento, deu um
salto).
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 7
Aspectos caracterizadores das construções no 7º nível
1- Restrição quanto à inserção de elementos inserção de elementos no SN: N não
modificado ou com possibilidade de inserção de elemento menos determinado
2- Restrição quanto à mobilidade do SN: SN posposto e raramente há possibilidade
de anteposição
3- Impossibilidade de substituição do verbo
4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
5- Traços [+foco] na ação e [±quantificação universal] no SN
(Ex.:168-ST) (...) não lá fora quem está pescando lá fora [mesmo na linha do navio] tem que
ficar acordado não dorme não - tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá
navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo
não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? tem radar né? tudo que eles bater acusa eles
não está nem ligando. [PB oral, VARPORT, OP-B-90-1M-001, faixa A , nível 1]
(Ex.:169-ST) (...) isso vendo plásticos, vendo inoxes, vendo ... no verão vende-se tudo, não há
tipo de artigo, no verão não há tipo de artigo que se venda mais, no verão sai tudo (...) Sai
198
tudo, quer dizer e... há clientes que dá gosto, pegam isto, pegam naquilo, pegam no outro, põe
tudo em cima do balcão, faz a conta e pronto nem ... descontos, nem ... faça mais baratinho,
nem... não há esses problemas. [PE oral, CRPC-PF, inq. 1093, faixa A, nível 3, pág.:260]
(Ex.:170-ST) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de
passageiros... [PB oral, NURC, inq.269, faixa B, nível 3]
(Ex.:171-ST) Numa época em que todos estão em clima de festa de fim de ano e esperançosos
de que 2004 seja um ano melhor, a violência no Rio não dá trégua. [PB escrito, Povo, 29-12-03,
Editorial, Dias melhores virão?]
A partir desse nível de integração, expõem-se os grupos de construções mais integradas,
pois os SNs incorporados apresentam configuração mais restrita: são menos determinados
([+quantificação universal] no SN), já que não há possibilidade de inserção de modificadores
nessas construções, apenas de elemento menos determinado ([±quantificação universal] no
SN), como em der muito mole, dá muito gosto, dar muita vazão; em geral, não podem ser
antepostos ao verbo, como ocorre com construções der mole, dá gosto e dar vazão em que
dar exprime noção geral de ação/atividade ([+foco] na ação), pois designam, respectivamente,
de acordo com o contexto apresentado, bobear, satisfazer e suportar. A única construção
encontrada com SN passível de anteposição é dar trégua que designa o sentido de parar no
contexto apresentado. Ademais, nessas construções, é possível substituir o SN por outro (der
bobeira, dá satisfação, dar espaço/suporte, dar fim/trégua).
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 8
Aspectos caracterizadores das construções no 8º nível
1- Restrição quanto à inserção de elementos inserção de elementos no SN: N não
modificado ou com possibilidade de inserção de elemento menos determinado
2- Restrição quanto à mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de
anteposição
3- (Im)possibilidade de substituição do verbo
4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
5- Traços [+foco] na ação e [±quantificação universal]
199
(Ex.:172) A zona do Restelo é conhecida pela prostituição. Os agentes conhecem-nas há
muito e elas acabam por ser uma preciosa ajuda, ao darem conta à polícia de movimentações
suspeitas. [PE escrito, Correio da Manhã, Notícia, 19-05-07, 4ª Divisão. Um dia em alerta máximo]
(Ex.:173-ST) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/
os... cabos estavam todos rebentados... estava dando curto... e aí eu/ o som ficou total/
totalmente distorcido... e se:: a Transamérica não tivesse distribuído os brindes antes... subido
no palco... pisado nos fios... as pessoas iam gostar do show que eu fiz... porque... foi legal [PB
oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa de experiência pessoal, idade: 18, inf.: 9]
(Ex.:174-ST) Desmaio - Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais
uma vez, voltaria para Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as
câmeras de TV a filmavam. [PB escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 23/10/1988, Uma novela-verdade no
horário gratuito da TV, p.6]
(Ex.:175) (...) O que importa é que o presidente Fernando Henrique já tem como certa a
institucionalização definitiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ;no próximo
ano, concluindo a chave de cúpula da construção iniciada pelo governo Itamar Franco e o
embaixador José Aparecido. De tudo isso dá conta o depoimento do embaixador Itamar
Franco na Comissão de Relações Exteriores do Senado, onde ficará como um documento
exemplar de nossa história diplomática. [PB escrito, Jornal do Brasil, Editorial, 25/12/1995, Presença
externa do Brasil, p.9]
(Ex.:176) Torna-se ainda mais desagradável a posição do vice-presidente, quanto mais fidalgo
é o tratamento que ele recebe daqueles sobre os quais lança a suspeita de não estarem dando
conta do serviço para o qual foram escolhidos. [PB escrito, Jornal do Brasil, 03-06-03, Artigo de
opinião, Bem pior que a encomenda]
No penúltimo maior nível de integração, há construções dar + SN em que o verbo pode
ser substituído (dando conta = pretarem conta – cf. exemplo 172). Esses predicadores
complexos com o traço [+foco] na ação podem conter SNs não modificados ([+quantificação
universal] no SN – exs. 172 e 173) e SNs não modificados que se podem vincular a
elementos menos determinados ([±quantificação universal] no SN), como intensificadores ou
artigos indefinidos (dando muito curto – ex. 173, dei uma baita conta – ex. 174, dei uma
baita conta – ex. 176). Além disso, também não há possibilidade de anteposição do SN.
200
DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 9
Aspectos caracterizadores das construções no 9º nível
1- Restrição quanto à inserção de elementos no SN: o N não é
determinado/modificado, nem há a possibilidade de inserção de elemento menos
determinado
2- Restrição quanto à mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de
anteposição
3- Impossibilidade de substituição do verbo
4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível
5- Traços [+foco] na ação e [+quantificação universal]
(Ex.:177) Agora, eu, mesmo antes de dar baixa, eu animava as festinha da igreja, entendeu?
[PB oral, VARPORT, inq. 328, faixa C, nível 3, pág.: 151]
(Ex.:178) (...) eu disse assim para uma senhorita que ia ao meu lado:<<o avião já subiu?>> e
ela disse assim:<<porquê, minha senhora?>> <<eu não dei conta dele subir.>> (...) [PE oral,
CRPC-PF, inq0894, faixa C, nível 1, pág.: 221]
(Ex.:179) Era e é mais uma daquelas mulheres que contrariam a máxima amarga de Simone
de Beuavoir, dando conta de que a idade não melhora nada. [PB escrito, Jornal do Brasil, 09-03-04,
Artigo de opinião, Luma, A pátria de biquini e blusinha]
(Ex.:180) De fora, dando descanso à cabeça e ao computador, lendo despreocupadamente os
jornais à beira-mar, dou-me conta de como, em vários aspectos, somos mesmo um país
extraordinário, daqueles que, não existindo, teria de ser inventado. [PB escrito, Expresso, Artigo de
opinião, 20-10-07, Somos um país extraordinário]
(Ex.:181) Posto em fuga o agressor para o interior da cerca, perseguido pelo Zeferino e alguns
dos restantes, fechou-se em casa, sendo intimado pelo Zeferino a sair, a fim de dar conta do
seu feito. [PE escrito, VARPORT, notícia, E-P-91-JN-004, Diário de Notícias , 10/03/1905, Iluminação à luz
elétrica]
No último nível de integração as estruturas estão tão integradas que não é possível
qualquer modificação em sua configuração sintática. Portanto, manifestam traço [+foco] na
ação e [+quantificação universal] no SN.
Ressalta-se que a categorização de estruturas em níveis de integração ocorreu com base
na averiguação das estruturas como se apresentam no corpus. É possível que a associação de
dar a um mesmo N resulte em diferentes predicadores complexos: com distintas
201
configurações de SN, com diferentes acepções. Assim sendo, é possível que uma estruturação
básica possa corresponder a diferentes níveis de integração a depender do contexto lingüístico
em que esteja inserida, dos elementos que constituem o SN e do sentido que veicula. Percebese, por exemplo, que a construção dar+conta, com o sentido de “comunicar” (exemplo 172),
de “abarcar” (exemplo 175) e de “realizar” (exemplo 176), pertence ao nível 8 de integração,
enquanto a mesma pertence ao nível 9, ao revelar as acepções de “perceber” (exemplos 178,
179 e 180) e de “responder” (exemplo 181).
5.2 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo
predicador a verbo-suporte
5.2.1 Objetivo dos testes
Objetiva-se, com a aplicação dos testes relacionados ao fenômeno de gramaticalização
de dar, checar os principais parâmetros que influenciam na delimitação do grau de integração
de algumas estruturas do corpus, quais sejam: configuração sintática do SN, anteposição do
SN, substituição do SN por outro e substituição do verbo dar por outro (com estatuto de
verbo-suporte ou predicador). Foram selecionadas apenas estruturas que geraram dúvidas no
momento da definição dos níveis de integração (cf. seção 5.1.13).
5.2.2 Configuração dos testes e análise dos resultados obtidos
TESTE 1 – ANTEPOSIÇÃO DO SN
Observe os dois trechos abaixo. No primeiro (A), a construção sublinhada está depois do verbo,
enquanto, no segundo (B), está antes do verbo. Marque com um X uma das alternativas de acordo com
sua opinião.
Alternativas:
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
HIPÓTESE: Acredita-se que os informantes desse teste de atitudes tendam a indicar a
possibilidade de anteposição do SN nas perífrases em que dar e SN revelem menor grau de
integração
202
CONSTRUÇÕES SUBMETIDAS À ANÁLISE E RESULTADOS
A.1) Leandrinho dá show no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos.
B.1) Leandrinho show dá no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
5
10
0
15
4
11
9
36
20%
80%
Tabela 38: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DAR SHOW.
A.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho do Urubu,
que está sujo e abandonado. Programão!
B.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para uma faxina dar no Ninho do Urubu,
que está sujo e abandonado. Programão!
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
5
10
3
12
5
10
13
32
28%
72%
Tabela 39: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DAR UMA FAXINA
A.3) nele (no peixe) assim mata ele, e dá umas porrada nele, aí bota na panela já limpinho né?
B.3) nele (no peixe) assim mata ele, e umas porrada dá nele, aí bota na panela já limpinho né?
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Ensino Superior
TOTAL (45)
Percentual
15
15
15
DISTRIBUIÇÃO DAS
RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
5
10
5
10
11
4
21
24
47%
53%
Tabela 40: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DÁ UMAS PORRADA
203
A.4) Lúcia está solteira e, por isso, deu bola para João.
B.4) Lúcia está solteira e, por isso, bola deu para João.
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
não é possível
é possível
4
11
2
13
3
12
9
36
20%
80%
Tabela 41: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DEU BOLA
A.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem deu bola... pra ela... [
] ele
ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste...
B.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem bola deu... pra ela... [
] ele
ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste...
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
11
4
12
3
11
4
34
11
76%
24%
Tabela 42: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DEU BOLA
A.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? Aí de repente passou por cima de um calombo da
rua... né? Aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... deu um
pulo também
B.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? Aí de repente passou por cima de um calombo da
rua... né? Aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... um
pulo deu também
204
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Ensino Superior
TOTAL (45)
15
15
15
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS
RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
11
4
10
5
10
5
31
14
69%
31%
Tabela 43: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DEU UM PULO
A.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a
gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né?
Tem radar né?
B.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a
gente mole der lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né?
Tem radar né?
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
4
11
4
11
3
12
11
34
24%
76%
Tabela 44: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em
enunciado com a estrutura DER MOLE
A.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam
todos rebentados... estava dando curto... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido...
B.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam
todos rebentados... estava curto dando... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido...
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
3
12
0
15
2
13
5
40
11%
89%
Tabela 45: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DANDO CURTO
205
A.9) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os
seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento.
B.9) Rosa Virgínia em seu livro ênfase dá ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os
seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento.
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
5
10
8
7
4
11
17
28
38%
63%
Tabela 46: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DÁ ÊNFASE
A.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros...
B.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra vazão dar aí a essa demanda de passageiros...
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
entrevistados
Ensino Fundamental
15
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Anteposição
Anteposição
é possível
não é possível
6
9
1
14
4
11
11
34
24%
76%
Tabela 47: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado
com a estrutura DAR VAZÃO
Os resultados referentes aos predicadores complexos dá show, dá uma faxina, dá umas
porradas, deu bola (4), der mole, dando curto e dá vazão e dando ênfase demonstram que
mais de 50% dos informantes crêem não ser possível a anteposição do SN dessas perífrases,
percepção com a qual se contava. Esses resultados somados à análise dos demais aspectos que
influenciam os níveis de integração dos componentes dos predicadores complexos (cf. seção
5.1.13) levam à conclusão de que essas estruturas pertencem a diferentes níveis de integração:
Níveis
3
5
7
8
Predicadores complexos
deu bola
dá umas porrada, dá show, dá uma faxina, dando ênfase
der mole, deu bola
deu curto
206
Destaca-se que, apesar de a maioria dos informantes julgar não ser possível a
anteposição do SN das construções dá uma faxina, dá show e dá umas porradas, estas não
pertencem a níveis de integração tão altos devido à influência de outros fatores tais como
“possibilidade de substituição do SN” e “possibilidade de inserção de elementos com caráter
mais determinado no SN”.
É interessante observar que a expressão “deu bola” está presente em dois trechos da
pesquisa (4 e 5). Os resultados demonstram que 80% dos informantes não acreditam na
possibilidade de anteposição do SN “bola” no contexto apresentado em 4 (“Lúcia está solteira
e, por isso, bola deu para João.”). No entanto, a maioria dos informantes (76%) optou pela
possibilidade de anteposição do mesmo SN no contexto 5 (“aí ela ficou assim super magoada
com ele... ele/ mas só que ele nem bola deu... pra ela...”). Crê-se que a aceitabilidade de
anteposição foi maior neste trecho devido à presença, antes do SN, do vocábulo de negação
“nem”, que contribui para conferir/atribuir um sentido ainda mais enfático ao elemento que se
lhe pospõe, o SN anteposto ao verbo. Logo, percebe-se que uma mesma estruturação básica
(no caso, dar+bola) pode fazer parte de dois níveis de integração distintos a depender do
contexto lingüístico do qual participa (a construção no trecho 4 pertence ao nível de
integração 7, enquanto a do trecho 5 pertence ao 3° nível de integração).
Mais de 50% dos informantes optaram, como esperado, pela possibilidade de
anteposição de SN na perífrase deu um pulo, o que, levando-se em conta outros fatores que
influenciam o grau de integração entre os componentes das estruturas, faz com que pertença
ao nível 6.
Seguem, abaixo, alguns comentários da seção do teste Mate a nossa curiosidade que
merecem destaque:
RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar
marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência?
INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 1) Sim, achei que as frases ficaram de acordo com o cotidiano.
Comentário 2) Não, eu não costumo usar não, só quando eu preciso.
Comentário 3) Achei as opções B um pouco estranhas.
Comentário 4) Eu achei boa. Eu não uso com freqüência.
Comentário 5) Boa, costumo muito usar a palavra dar.
INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO
Comentário 6) Uso sim, principalmente as letras (A).
Comentário 7) Sim, é bem comum usar a palavra dar em quase tudo que falamos.
207
Comentário 8) Eu achei normal, eu costumo usar com freqüência sim.
Comentário 9) Não. Eu acho que fica com som de erro nas B.
Comentário 10) Não, pois se eu pronunciasse as B acharia errado.
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 11) Na fala sim, isso é normal para mim.
Comentário 12) Eu, particularmente, não costumo usá-las, mas sei que são muito freqüentes na língua.
Além disso, deve-se atentar para construções fixas, que diferem das simples em termos de ordenação.
Comentário 13) Elas parecem artificiais, embora em “dar bola” haveria a possibilidade de inversão, num
contexto muito marcado, com ênfase no “bola”.
Comentário 14) Sim, costumo usar as expressões com o substantivo depois do verbo.
Comentário 15) São estruturas bastante comuns que eu ouço e falo.
Comentário 16) Eu costumo usar tais estruturas com freqüência, mas na maioria das vezes, eu uso o
verbo antes de tais palavras sublinhadas.
RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a
pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 17) Eu tive dificuldade em quase todas.
Comentário 18) Não. Eu não tive dificuldade nenhuma.
Comentário 19) Em algumas estava um pouco dificultad(sic).
INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO
Comentário 20) Não, é uma questão de interpretação.
Comentário 21) Não, nenhuma dificuldade. Achei interessante. Está bom assim.
Comentário 22) Não houve dificuldades, pois convivo com pessoas que falam desta forma.
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 23) Não muita porque para mim, a fala nos permite muita coisa ao contrário da escrita que
nos prende demasiado a seus moldes.
Comentário 24) Não muito, mas algumas questões exigiam um pouco mais de concentração.
Os resultados dessa seção da pesquisa revelam que a maioria dos informantes considera
que o emprego das estruturas com dar + SN presentes no teste é bastante freqüente (cf.
comentários 1,5,7 e 8), principalmente se o SN estiver posposto ao verbo (cf. comentários
3,6,9,10,14 e 16). O comentário 13 demonstra que o informante considerou “artificiais” as
estruturas com SN antecedido ao verbo e ainda destacou que, no exemplo “dar bola”, “bola”
somente poderia ser anteposto se fosse enfatizado. O fato de esse informante ter optado pela
208
anteposição deste SN quando é precedido da palavra “nem” (trecho B.5) demonstra que a
ênfase aparece nesse contexto e confirma a coerência de seu comentário.
É interessante observar que alguns informantes que escreveram os comentários 15 e
23 acreditam que o uso das estruturas sob avaliação ocorre, em geral, no âmbito da fala. O
comentário 23, principalmente, demonstra que o informante parece atribuir o uso das
perífrases, na fala, ao fato, nesta modalidade, se contar com a possibilidade de variação
lingüística, ou seja, permitir muita coisa ao contrário da escrita que nos prende demasiado a
seus moldes.
O comentário 12 remete ao que LABOV (1972) denominou de “prestígio encoberto”
(cf. seção 3.3). Provavelmente, por não considerar as expressões pertencentes à norma culta, o
informante afirma que não as utiliza com freqüência, mas sabe que os demais falantes da
língua assim o fazem (mas sei que são muito freqüentes na língua). Ademais, esse informante
destaca que algumas expressões têm estatuto de construções “fixas”, o que faz com que a
mobilidade do SN não seja possível.
Quanto à dificuldade em responder às perguntas da pesquisa, os informantes, em geral,
alegaram que não tiveram dúvidas ao respondê-la; no entanto, determinados comentários (cf.
17, 19 e 24) mostram que alguns informantes admitiram certa dificuldade, já que algumas
questões exigiam um pouco mais de concentração (comentário 24).
TESTE 2 – INSERÇÃO
2) Reflita se é possível incluir outros elementos (palavras) na expressão sublinhada. Então, responda a
questão que se encontra após a leitura de cada trecho.
HIPÓTESE:
Acredita-se que os informantes do segundo teste aceitarão a inserção de elementos mais
determinantes, tais como modificadores qualificadores e quantificadores, em estruturas cujos
componentes não são tão integrados, enquanto, em predicadores complexos cujos
componentes se apresentam bastante integrados, os informantes, provavelmente, não serão a
favor da possibilidade de inserção de elementos ou somente estarão de acordo com a inserção
de itens menos determinantes, tais como artigos indefinidos e intensificadores.
A) Desmaio – Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma vez, voltaria para
Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as câmeras de TV a filmavam.
209
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “deu
conta”:
(
(
(
(
) 1. ela se deu uma baita conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 2. ela se deu muita conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 3. ela se deu a conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 4. ela se deu uma indesejável conta de que as câmeras de TV a filmava.
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
deu
uma
baita
conta
7
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
deu
deu
deu
Nenhuma
uma
das
muita
a
conta
conta indesejável alternativas
conta
5
2
0
3
5
7
19
42%
2
2
9
20%
2
1
5
11%
0
0
0
—
9
2
14
30%
Tabela 48: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura
DEU CONTA
A tabela 48 indica que 30% dos informantes não consideram a possibilidade de inserção
de qualquer elemento na estrutura “deu conta”. Além disso, nenhum informante optou pela
inserção do elemento mais determinante “indesejável” nessa perífrase e pouquíssimos (11%)
consideraram possível a inserção do artigo definido “a” (elemento mais determinante).
Cogita-se a inserção de elementos quando esses itens têm caráter menos determinante e
funcionam mais propriamente como intensificadores do evento descrito, como “baita” (40%)
e “muito” (20%).
Esse resultado, aliado aos demais aspectos que colaboram para a delimitação dos níveis
de integração entre os componentes das perífrases, indica que “dar conta”, no contexto A,
pertence ao 9° grau de integração.
210
B) (...) não lá fora quem está pescando lá fora [mesmo na linha do navio] tem que ficar
acordado não dorme não – tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio
pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára
não e tudo que eles bater aqui acusa né?
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no
lugar de “der mole”:
(
(
(
(
) 1. ...e e se a gente der um mole lá ...
) 2. ...e e se a gente der muito mole lá ...
) 3. ...e e se a gente der mole bonito lá ...
) 4. ...e e se a gente der o mole lá ...
Escolaridade dos
N° de
informantes
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
der
um mole
8
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
der
der
der o
Nenhuma
mole
mole
das
muito
mole
alternativas
bonito
8
2
5
2
9
14
31
68%
5
8
21
46%
4
4
10
22%
0
1
6
13%
1
0
3
6%
Tabela 49: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura
DER MOLE
A maioria dos informantes 68% dos informantes acreditam na possibilidade de inserção
do artigo indefinido “um”, e 46%, na possibilidade de inserção do intensificador “muito”. Em
outras palavras, os falantes indicam a possibilidade de se inserirem elementos menos
determinantes.
Um percentual menor de informantes optou pela possibilidade de inserção dos
elementos mais determinantes “bonito” (22%) e “o” (13%). Somado à análise de outros
fatores que também interferem na integração dos componentes da perífrase, esse resultado
sinaliza que “deu mole” corresponde ao nível 7 de integração.
C) Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você os namorando há muito
tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que você casa, cobram os filhos, isso eu vejo pelo meu
irmão, é ... Se um adolescente dá um ataque, ah, isso é coisa de adolescente.
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá
um ataque”:
(
(
(
(
) 1. Se um adolescente dá um ataque repentino...
) 2. Se um adolescente dá mais ataque...
) 3. Se um adolescente dá um ataque de loucura...
) 4. Se um adolescente dá o ataque...
211
Escolaridade
N° de
dos informantes informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
dá um
dá
dá um
dá
Nenhuma
ataque
ataque
das
mais
o
ataque de loucura ataque alternativas
repentino
6
2
11
3
3
7
10
23
51%
2
4
8
18%
7
8
26
58%
1
2
6
13%
1
0
4
9%
Tabela 50: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura
DÁ UM ATAQUE
Mais de 50% dos informantes optaram pela possibilidade de inserção de modificadores
qualificadores (“repentino” e “de loucura”). Além disso, alguns informantes consideraram
também a possibilidade da inserção do intensificador “mais” e do artigo definido “o”. Esse
resultado já indica a possibilidade de essa perífrase revelar um baixo nível de integração entre
seus componentes, o que pôde ser confirmado com a análise dos demais aspectos que
influenciam na delimitação de graus de incorporação (dar ataque, no contexto C, pertence ao
nível 3 de integração).
D) Numa época em que todos estão em clima de festa de fim de ano e esperançosos de que 2004 seja
um ano melhor, a violência no Rio não dá trégua.
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá
trégua”:
(
(
(
(
) 1. ... a violência no Rio não dá uma trégua.
) 2. ... a violência no Rio não dá a trégua .
) 3. ... a violência no Rio não dá boa trégua.
) 4. ... a violência no Rio não dá mais trégua.
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
Escolaridade dos
N° de
dá
dá a
dá
dá mais Nenhuma
Informantes
informantes uma trégua trégua
trégua
das
boa
trégua
alternativas
Ensino
15
9
0
0
8
2
Fundamental
Ensino Médio
15
12
0
0
6
2
Ensino Superior
15
14
0
0
11
0
TOTAL (45)
35
25
4
Percentual
78%
—
—
55%
9%
Tabela 51: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura
DÁ TRÉGUA
212
A avaliação dos informantes sobre “dá trégua” mostra que é possível inserir, nesse
predicador complexo, apenas elementos menos determinantes, como o artigo indefinido
“uma” (78%) e o intensificador “mais” (55%). Nenhum informante consultado admitiu a
possibilidade da inserção de elementos mais determinantes, como o modificador qualificativo
“boa” e o artigo definido “a”. Logo, esses resultados e a análise dos demais fatores que
influenciam a delimitação dos níveis de integração permitem afirmar que “dar trégua”, no
contexto apresentado, pertence ao 7° nível de integração.
E) isso vendo plásticos, vendo inoxes, vendo ... no verão vende-se tudo, não há tipo de artigo, no verão
não há tipo de artigo que se venda mais, no verão sai tudo (...) Sai tudo, quer dizer e... há clientes que
até dá gosto, pegam isto, pegam naquilo, pegam no outro, põe tudo em cima do balcão, faz a conta e
pronto nem ... descontos
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá
gosto:
(
(
(
(
) 1. ... há clientes que até dá o gosto ...
) 2. ... há clientes que até dá muito gosto ...
) 3. ... há clientes que até dá bom gosto ...
) 4. ... há clientes que até dá um gosto ...
Escolaridade dos
informantes
N° de
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino Superior
15
TOTAL (45)
Percentual
dá
o gosto
3
1
1
5
11%
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
dá muito dá bom dá um
Nenhuma
gosto
gosto
gosto
das
alternativas
8
0
4
1
11
10
29
65%
0
0
0
—
3
6
13
29%
1
2
4
9%
Tabela 52: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura
DÁ GOSTO
A maioria dos informantes optou pela inserção de elementos menos determinantes, tais
como o intensificador “muito” (65%) e o artigo indefinido “um” (29%). Ademais, nenhum
dos informantes optou pela inserção do elemento mais determinante “bom”. Alguns
informantes (9%) não acreditam na inserção dos elementos indicados no teste em “dá gosto”,
o que permite aventar a hipótese de que seus componentes são bastante integrados e é
confirmado com a análise dos demais fatores que influenciam o nível de integração dos
componentes: dá gosto pertence ao 7° nível de integração.
A seguir, expõem-se alguns comentários produzidos pelos informantes acerca desse
teste na seção Mate a nossa curiosidade.
213
RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar
marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência?
INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 1)
Freqüentemente, porque todas estão certas.
Comentário 2) Achei interessante, mas só algumas eu uso.
INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO
Comentário 3) Achei bom, porque precisamos usá-las com freqüência.
Comentário 4) Foi bem interessante poder dar nossa opinião sobre isto.
Comentário 5) Achei muito legal para variar um pouco. Não com muita freqüência.
Comentário 6) Sim, em quase tudo que falo.
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 7) Costumo sim, mas o uso de cada uma depende do interlocutor. Achei fidedignas à fala
em geral. Sim, costumo usá-las
Comentário 8) Às vezes, depende do contexto.
Comentário 9) Estas expressões usadas no questionário são freqüentes, não só nas minhas falas como
nas do meu grupo de convívio também.
RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a
pesquisa ? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 10)
Na penúltima pergunta.
Comentário 11)
Não tive qualquer dúvida.
Comentário 12)
Tive em algumas vezes dificuldade
INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO
Comentário 13) Não. A pesquisa é bem simples e objetiva.
Comentário 14) Não, questão de interpretação.
Comentário 15) Não, como foi algo subjetivo, tendo que usar minha própria opinião, realmente achei
fácil.
Comentário 16) Não, achei show.
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 17) Tive dificuldades, pois estas estruturas são mais usuais, acho mais difíceis aparecem
modificadas.
A maioria dos indivíduos consultados informou que as expressões dar + SN no teste são
bastante recorrentes (cf. 1, 3 e 4).
O comentário 1 chama atenção pelo fato de o informante do ensino fundamental
demonstrar que sua análise sobre as estruturas com dar se baseou na noção de correção
lingüística (certo versus errado). Em outras palavras, ainda que o pesquisador tenha
214
informado que se objetivava conhecer opiniões e que não havia respostas certas ou erradas, o
falante justificou o uso freqüente das construções alegando que todas estão certas.
Destaca-se também a opinião dos informantes 6, 7 e 9, ao ressaltarem a alta
produtividade das expressões na fala, e a dos informantes 7 e 8, ao afirmarem que o emprego
de tais construções depende do interlocutor e do contexto. Este tipo de comentário pode ser
relacionado ao esquema de interação verbal proposto por Dik (1997; cf. seção 3), segundo o
qual os participantes da situação comunicativa usam as expressões lingüísticas de acordo com
os seus interlocutores e com as funções semântico-discursivas que desejam alcançar. Além
disso, alguns comentários, como os dos informantes 10,12 e 17, revelam as dificuldades em
marcar a estrutura quando contém SN que se apresenta com elementos intervenientes, o que já
era esperado pelo fato de o verbo e o SN serem bastante integrados.
TESTE 3 – SUBSTITUIÇÃO DO VERBO
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar +
SN”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
Após as alternativas, o informante é requisitado a propor a substituição, na perífrase, do
verbo por outro que não esteja entre as opções dadas com base no seguinte encaminhamento:
Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dar” no trecho dado? Caso
se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente:
Outro tipo de abordagem presente nesse teste ocorre na seção “Agora é com você”, na
qual os informantes não têm mais alternativas a marcar e são requisitados a lembrar de um
verbo que possa substituir as perífrases sob análise. O motivo da elaboração dessa seção está
em propor para os informantes a análise das estruturas que mais causam dúvidas quanto ao
parâmetro “possibilidade de substituição do verbo”.
PERGUNTA DA SEÇÃO “AGORA É COM VOCÊ”:
Procure se lembrar de um verbo que tenha o MESMO SENTIDO do verbo dar no trecho 1, para
preencher a lacuna do trecho 2:
HIPÓTESE:
A impossibilidade de substituição do verbo indicará a possibilidade de a perífrase
pertencer a um dos maiores níveis da escala de integração entre dar e SN.
A) Fui jogar futebol... aí... eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro...
e... e... quando eu era jogador... eu..dei um gol de cabeça
(
) 1. eu..fiz um gol
215
(
(
(
(
) 2. eu..tive um gol
) 3. eu..marquei um gol
) 4. eu..conquistei um gol
) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido.
Escolaridade
dos
informantes
N° de
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino
15
Superior
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
tive um gol marquei
conquistei
um gol
um gol
11
0
9
0
Nenhuma
das
alternativas
1
11
15
0
0
10
11
0
0
2
0
37
82%
—
30
66%
—
3
7%
fiz um gol
Tabela 53: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DEI UM
GOL
B) Mas não adianta ela falar, por que a mãe sempre dizia a mesmas coisas.
__ Isso não existe.
__ E se você continua a falar nisso eu vou te dar uma surra
Mais ela continuou a ver.
Até que um dia ela saiu com a mãe e as irmães dela.
(
(
(
(
) 1. ... eu vou te aplicar uma surra
) 2. ... eu vou te meter uma surra
) 3. ...eu vou te enfiar uma surra
) 4. ... eu vou te passar uma surra
Escolaridade
N° de
dos
informantes
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino
15
Superior
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
meter uma enfiar uma passar uma
surra
surra
surra
5
1
6
2
Nenhuma
das
alternativas
3
5
5
7
9
6
11
0
1
1
0
15
33%
17
38%
23
51%
3
6%
4
9%
aplicar
uma surra
Tabela 54: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DAR UMA
SURRA
C) (...) avião eu não tenho medo e em elevador eu tenho. Se eu estiver num elevador que ele pare entre
dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo.
(
(
(
) 1. ... pra não fazer, pra não provocar escândalo.
) 2. ... pra não fazer escândalo.
) 3. ... pra não proporcionar escândalo.
216
(
) 4. ... pra não fazer, pra não gerar escândalo.
Escolaridade
N° de
dos
informantes
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino
15
Superior
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
fazer
proporciona
gerar
escândalo r escândalo escândalo
4
9
1
5
Nenhuma
das
alternativas
1
6
4
13
15
0
2
3
3
0
0
14
31%
37
82%
3
6%
11
24%
1
2%
provocar
escândalo
Tabela 55: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DAR UM
ESCÂNDALO
Poucos informantes alegaram a impossibilidade de substituição do verbo dar por outro
nas perífrases dar um gol, dar uma surra e dar um escândalo. Ao contrário, a maioria dos
falantes escolheu, pelo menos, um verbo para substituir dar nas três perífrases sob avaliação.
Esse resultado induz à hipótese de que essas estruturas pertencem a níveis de integração que
não são tão altos, o que é corroborado com a análise dos demais aspectos que influenciam a
integração entre verbo e SN. É possível afirmar, portanto, que “dar um gol” apresenta o
segundo nível de integração, enquanto os componentes de “dar uma surra” e “dar um
escândalo” apresentam o primeiro nível de integração.
Alguns informantes recordaram-se de outro verbo (sem ser um dos apresentados como
opções) pelo qual dar, nas perífrases apresentadas, poderia ser substituído. Apenas nove
informantes posicionaram-se quanto à comutação do verbo na expressão “dei um gol”,
sugerindo os verbos “mandei” (1 informante do Ensino Superior), “meti” (2 informantes e 2
informantes do Ensino Médio), “acertei” (1 informante do Ensino Superior e 1 informante do
Ensino Fundamental) e “coloquei” (2 informantes do Ensino Médio) . Quanto à expressão
“dar uma surra”, dois informantes de Ensino Superior afirmaram que o verbo poderia
comutar com “sentar” e “baixar”, enquanto um informante do Ensino Fundamental sugeriu a
substituição de dar por “largar”. Alguns informantes afirmaram que, em “dar escândalo”, o
verbo pode ser substituído por “armar” (1 informante do Ensino Superior), “causar” (1
informante do Ensino Superior, 1 do Ensino Médio e 1 do Ensino Fundamental), “criar” (1
informante do Ensino Superior e 2 do Ensino Médio) e “ter” (3 informantes do Ensino Médio
e 2 do Ensino Fundamental).
Na seção “Agora é com você”, os informantes foram requisitados a substituir o verbo
dar em expressões pertencentes a trechos como os listados abaixo :
217
A.1) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os
seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento.
A.2) Rosa Virgínia em seu livro ___________ ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto
temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento
B.1) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só
se ele considera manipulação ter dado tanto destaque ao acontecimento em si...
B.2) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só
se ele considera manipulação ter ___________ tanto destaque ao acontecimento em si...
C.1) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é
nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas
quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora.
C.2) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é
nossa. Porque até aí pegar nela, ___________ -lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um
objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora.
D.1) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a
criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...).
D.2) No Rio de Janeiro, foi _________ um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com
a criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...).
Os informantes puderam contar com esta opção, caso não lembrassem de algum verbo
para escrever nas lacunas: (
) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no
trecho acima.
Os resultados mostram que o verbo dar das expressões “dá ênfase”, “dado tanto
destaque”, “dar-lhe banho”, “deu uma mordida” e “dado o primeiro passo” pode ser
substituído por outros.
Os informantes responderam que, em “dá ênfase”, o verbo pode ser substituído por:
“faz” (5 informantes do Ensino Superior e 1 informante do Ensino Médio), “põe” (2
informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), “gera” (1 informante do Ensino
Superior e 2 do Ensino Médio), e “coloca” (1 informante do Ensino Médio e 2 do Ensino
Fundamental).
Na expressão “dado tanto destaque”, o verbo foi considerado comutável por: “feito” (2
informantes do Ensino Superior, 4 do Ensino Médio e 1 do Ensino Fundamental), “oferecido”
(2 informantes do Ensino Superior e 2 do Ensino Médio), “provocado” (2 informantes do
Ensino Superior), “proporcionado” (1 informante do Ensino Superior), “mostrado” (2
informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), “colocado” (1 informante do Ensino
218
Superior e 2 do Ensino Fundamental), “posto” (cada um foi sugerido por 1 informante do
Ensino Superior), e “gerado” (2 informantes do Ensino Fundamental).
Somente quatro informantes, de um conjunto de 45, alegaram que o verbo dar, em “deulhe banho” pode ser substituído por: “aplicar” (2 informantes do Ensino Superior) e “meter”
(1 informante do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio).
O verbo do predicador complexo “dado o primeiro passo” admite, segundo os
informantes, a substituição por: “realizado” (1 informante do Ensino Superior), “feito” (2
informantes do Ensino Superior, 4 do Ensino Médio e 1 do Ensino Fundamental) , “iniciado”
(2 informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), e “gerado” (1 informante do Ensino
Superior e 1 do Ensino Médio).
Constatou-se, com base nos resultados desse teste de atitude e na análise de outros
aspectos que podem influenciar a integração entre verbo e SN, que os predicadores complexos
“dá ênfase” e “dado tanto destaque” pertencem, respectivamente, ao quinto e ao primeiro
níveis de integração, enquanto “dado um primeiro passo” pertence ao segundo nível. Essas
conclusões estão de acordo com a hipótese de que é menor o nível de integração entre verbo e
SN quando há possibilidade de substituição do verbo. Quanto ao predicador complexo “dar
banho”, considera-se que o verbo “aplicar” pode substituir dar em casos mais específicos,
como “dar banho de permanganato”, o que não é o caso do contexto em que essa construção
aparece no teste. Logo, considera-se que pertence ao terceiro nível de integração, àquele em
que um dos fatores é a impossibilidade de substituição do verbo da estrutura.
Na seção do teste Mate a nossa curiosidade, os falantes, em geral, ressaltaram que as
construções com dar + SN são usadas com bastante freqüência (cf. comentários 2, 3, 5, 7, 8,
9, 13, e 14). Destacam-se os comentários 11 e 12. O primeiro mostra que o informante
acredita que usa com muito mais freqüência a construção perifrástica do que “a estrutura com
verbo ‘puro’ (dar destaque => destacar)”. O segundo revela que o informante julga que a
opção pelo predicador complexo “parece ser a mais cômoda”. Acredita-se que esse falante se
refere ao fato de essas estruturas serem bastante comuns, facilmente lembradas, o que as torna
“mais cômodas”, mais acessíveis no momento da interação comunicativa.
Poucos informantes alegaram que não usam as construções dar + SN do teste com tanta
freqüência (cf. comentários 1 e 15). Destaca-se que, no comentário 15, o informante afirma
que leva “em conta outros usos do dia-a-dia da fala popular”. Essa assertiva gerou os
seguintes questionamentos: por que o informante demonstra restrição ao uso de perífrases na
fala popular? Isso significa que lança mão de outras estruturas, evitando os usos das
construções dar + SN nesse contexto? Em caso afirmativo, quais estruturas seriam estas?
219
Apesar de não ter sido possível conhecer essas respostas 104 , crê-se que esse informante não
avalia positivamente as estruturas com dar apresentadas no teste. Quanto à segunda pergunta
da seção, a maioria dos informantes alegou que teve dificuldade para lembrar de outros verbos
que poderiam substituir dar nas expressões apresentadas.
RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar
marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência?
INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 1) Não costumo usa-las.
Comentário 2) Como se percebe que essa palavra é muito usada!
Comentário 3) Eu achei legal, eu costumo usar bastante.
Comentário 4) Diferente. Não com muita freqüência.
INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO
Comentário 5) Realmente é o que mais se usa no cotidiano.
Comentário 6) Acho que foram usadas corretamente e uso esse verbo freqüentemente.
Comentário 7) Achei interessante, pois costumo muito usar, essa palavra está bem presente em meu
vocabulário.
Comentário 8) Eu costumo usar a frase com dar do jeito que estava escrito.
Comentário 9) Achei que é uma palavrinha tão pequena que dá vários sentidos. Eu uso bastante.
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 10) É tão freqüente que se torna difícil pensar em algum sinônimo.
Comentário 11) Com muito mais freqüência que a estrutura com verbo “puro” (dar destaque =>
destacar)
Comentário 12) As uso com freqüência sim. Parece ser a opção mais cômoda.
Comentário 13) É uma estrutura que todos usam frequentemente.
Comentário 14) Fiquei impressionada! Notei que só uso essa estrutura.
Comentário 15) Nem tanto, mas levo em conta outros usos do dia-a-dia da fala popular.
RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a
pesquisa ? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 16) Sim. Por não ter encontrado a maioria dos verbos.
Comentário 17) Não. Achei muito legal a pesquisa na Escola poderia ter mais vezes.
Comentário 18) Estava complicado.
104
O teste levou à reflexão de que as respostas a essas questões talvez pudessem ser conhecidas se a seção “Mate
a nossa curiosidade” fosse realizada em forma de entrevista gravada. Acredita-se que, dessa forma, seria possível
questionar os informantes sobre suas opiniões quanto ao uso das estruturas. No entanto, decidiu-se não refazer
esses testes devido ao fato de a ausência da entrevista não prejudicar o enfoque objetivado com o teste de atitude.
220
Comentário 19) Estava muito pensativa.
INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO
Comentário 20) Por usá-la com muita freqüência, tive dificuldade em substituí-la.
Comentário 21) Achei que teve umas perguntas que complicou um pouco, principalmente C.1 e C.2.
Comentário 22) Não é reclamação, nem sugestão, o que só tive dificuldade foi em lembrar os verbos
para preencher, não todos, mas alguns.
Apesar do vocabulário do português ser muito extenso, eu achei dificuldade de
substituir a palavra dar.
Comentário 23)
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 24) Em alguns contextos foi difícil encontrar verbos para substituir os anteriores.
Comentário 25) Sim. E talvez por isso tenha sido difícil encontrar um verbo que substituísse, mantendo
a forma composta.
TESTE 4 – SUBSTITUIÇÃO DO NOME
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar +
SN”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
Após as alternativas, o informante é requisitado a propor, na perífrase, a substituição do
SN por outro que não esteja entre as opções dadas:
Você se lembra de outra palavra que poderia substituir o nome que acompanha o verbo dar no trecho
dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente:
Assim como no teste anterior, outro tipo de abordagem que faz parte do teste se encontra
na seção “Agora é com você”, na qual os informantes não têm mais alternativas a marcar e
são requisitados a lembrar de uma palavra que possa substituir o SN das perífrases sob
análise, as que mais causaram dúvidas quanto à avaliação do parâmetro “possibilidade de
substituição do SN”.
Pergunta específica da seção “Agora é com você”:
Procure se lembrar de uma palavra que tenha o MESMO SENTIDO da palavra sublinhada no trecho
1, para preencher a lacuna do trecho 2:
HIPÓTESE :
A impossibilidade de substituição do SN indicará que as perífrases pertencem aos
maiores níveis da escala de integração entre dar + SN.
221
A) Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro
do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão aulas.
(
(
(
(
) 1. ... onde os professores nos dão lições.
) 2. ... onde os professores nos dão classes.
) 3. .... onde os professores nos dão ensinamentos.
) 4. ...onde os professores nos dão conhecimentos.
Escolaridade
N° de
dos
informantes
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino
15
Superior
TOTAL (45)
Percentual
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
dão
dão
dão
classes
ensinamentos conhecimentos
8
0
8
7
Nenhuma
das
alternativas
2
4
8
0
6
8
9
2
4
4
0
20
44%
6
13%
25
56%
13
29%
6
13%
dão
lições
Tabela 56: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “aulas” em
DÃO AULAS
B) A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar uma prensa na gente...
né? Aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse] “cala a
boca...”
(
(
(
(
) 1. ... e foi... falar lá... dar uma chamada na gente...
) 2. ... e foi... falar lá... dar uma bronca na gente...
) 3. ... e foi... falar lá... dar um chega pra lá na gente...
) 4. ... e foi... falar lá... dar uma repreensão na gente...
Escolaridade
N° de
informantes
dos
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino
15
Superior
TOTAL (45)
Percentual
dar uma
chamada
3
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
dar uma
dar um
dar
Nenhuma das
alternativas
bronca
chega
uma
pra lá repreensão
9
2
8
2
3
7
9
12
3
3
6
12
1
0
13
29%
30
67%
8
18%
26
58%
3
6%
Tabela 57: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “uma prensa”
em DAR UMA PRENSA
222
C) Com estas duas prestações num só dia, o ex-primeiro-ministro, que há mais de dois anos “anda por
aí” sem saber bem como ensaiar um regresso ao palco, marcou dois pontos. Tanto sobre as “diretas”
como sobre o “direto”, deu voz àquilo que pensa ...
(
(
(
(
(
) 1. ... deu fala àquilo que pensa ...
) 3. ... deu palavra àquilo que pensa ...
) 2. ... deu som àquilo que pensa ...
) 4. ... deu manifestação àquilo que pensa ...
) 5. Nenhuma tem o mesmo sentido.
Escolaridade
N° de
informantes
dos
informantes
Ensino
15
Fundamental
Ensino Médio
15
Ensino
15
Superior
TOTAL (45)
Percentual
deu
fala
DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS
deu
deu
deu
palavra
som
manifestação
0
2
4
6
Nenhuma
das
alternativas
6
2
7
6
3
0
4
7
10
1
1
9
20%
11
24%
8
18%
23
51%
8
18%
Tabela 58: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “voz” em DAR
VOZ
A maioria dos informantes acredita que os SNs das estruturas “dão aulas”, “dar uma
prensa” e “deu voz” podem ser substituídos por, pelo menos, um outro vocábulo. Quanto à
possibilidade de os informantes lembrarem de outros verbos que poderiam substituir os SNs
das perífrases, nenhum informante se recordou de um item que substituísse “aulas”, em “dão
aulas”. Alguns informantes afirmaram que o SN “uma prensa”, em “dar uma prensa” pode ser
substituído por: “um esporro” (3 informantes do Ensino Médio e 2 do Ensino Fundamental),
“um castigo” (1 informante do Ensino Fundamental), “uma dura” (1 informante do Ensino
Fundamental), “um se liga” (1 informante do Ensino Médio) e “uma advertência” (1
informante do Ensino Médio). Dois informantes do Ensino Fundamental alegaram que “voz”,
em “deu voz”, pode ser substituído por “argumento” e “opinião”, respectivamente.
Tendo em vista os resultados apresentados e a análise dos demais aspectos relevantes
para a delimitação de níveis de integração entre verbo e SN, é possível constatar que o grau de
integração entre os componentes de “dar aulas” é o primeiro, de “dar uma prensa” é o quinto,
e que a construção “deu voz” pertence ao terceiro grau de integração.
223
Na seção “Agora é com você”, os informantes foram requisitados a substituir o vocábulo
das perífrases em negrito dos seguintes trechos:
A.1) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe
banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum
sentimento de responsabilidade que nos apavora.
A.2) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe
______________, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos
tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora.
B.1) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros...
B.2) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar ____________ aí a essa demanda de passageiros...
C.1) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam a vida por um pedaço de fama. O
estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos.
C.2) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam até a ______________ por um
pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus
corpos.
D.1) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com
essas caras... ele respondeu que você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais.
D.2) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com
essas caras... ele respondeu que você nos deu maior _________ aí eu comecei a rir e não parei mais.
Se os informantes não conseguissem lembrar de nenhuma palavra para escrever nas lacunas,
poderia marcar a seguinte opção: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir “a
palavra” no trecho acima.
Os resultados revelam que a maioria dos informantes acredita na possibilidade de
substituição dos SNs das construções “dar banho”, “dar vazão”, “dariam a vida” e “deu o
maior susto”, o que não era o esperado, por se acreditar que
os componentes dessas
estruturas fossem tão integrados que não permitiriam a substituição.
Os informantes alegaram que, em “dar banho”, o SN pode ser substituído por “trato” (1
informante do Ensino Superior), “uma ducha” (1 informante do Ensino Superior e 3 do
Ensino Fundamental), e “uma chuveirada” (2 informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino
Fundamental).
224
Sobre “dar vazão”, os informantes responderam que o SN pode ser substituído por
“suporte”, “cabo” (4 informantes do Ensino Superior), “abrangência” (1 informante do Ensino
Superior), “atenção” (1 informante do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), “espaço” (3
informantes do Ensino Fundamental e 7 do Ensino Médio), “lugar” (2 informantes do Ensino
Médio) e “conta” (1 informante do Ensino Médio).
No predicador complexo “dariam a vida”, segundo os informantes, é possível a
comutação do SN “a vida” por: “a alma” (10 informantes do Ensino Superior, 6 do Ensino
Médio e 3 do Ensino Fundamental), “a existência” (1 informante do Ensino Superior) e “a
própria cabeça” (1 informante do Ensino Fundamental).
A maioria dos informantes acredita na substituição do núcleo do SN (susto), em “deu o
maior susto”, por: “baque” (1 informante do Ensino Superior e 1 informante do Ensino
Fundamental), “assombro” (2 informantes do Ensino Superior), “espanto” (1 informante do
Ensino Médio).
Os resultados do teste de atitudes acerca do aspecto “possibilidade de substituição do
SN” em conjunto com a análise dos demais fatores levados em conta para a delimitação dos
níveis de integração revelam que a perífrase “dariam a vida” pertence ao 3° nível de
integração, “dar vazão”, “dar banho” e “deu maior susto”, encontram-se, respectivamente,
nos sétimo, terceiro e primeiro níveis.
Os informantes, na seção do teste Mate a nossa curiosidade, em geral alegaram que as
construções dar + SN apresentadas na pesquisa são muito produtivas e que sentiram
dificuldade quando eram requisitados a lembrar dos vocábulos que substituiriam os SNs das
construções apresentadas. Destaca-se a resposta do informante 9 ao mencionar o trecho
“inclusive por mim”. Acredita-se que esse falante considera as expressões freqüentes, como
afirma, inclusive para ele(a), uma pessoa com alto nível de escolaridade.
RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar
marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência?
ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 1) Às vezes, quando é preciso.
Comentário 2) Quase sempre e quando eu preciso.
Comentário 3) Quase sempre e quando é preciso.
ENSINO MÉDIO
Comentário 4) Pra mim é normal, eu uso sempre.
Comentário 5) Eu achei interessante, eu uso muito a palavra dar.
Comentário 6) Sempre usamos “dar” em quase tudo que escrevemos e falamos.
225
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 7) Essas estruturas são utilizadas na fala sem que o falante perceba.
Comentário 8) Achei bastante comum, a maioria das pessoas utilizam essas estruturas.
Comentário 9) A estrutura com verbo “dar” é usada frequentemente, inclusive por mim.
RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a
pesquisa ? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
ENSINO FUNDAMENTAL
Comentário 10) Não, mesmo porque é uma coisa fácil de responder.
Comentário 11) Tive sim, porque a maioria das minhas alternativas estavam nas questões. Mas tirando
isso estava fácil.
Comentário 12) Acho que foi normal, mas achei um pouco chato.
ENSINO MÉDIO
Comentário 13) Não tive dificuldades. É uma ótima o pesquisa que nos mostra que pelo menos uma
vez a gente pode mostrar nossa opinião própria.
Comentário 14) Não muito, pois tudo o que está escrito acontece no nosso dia a dia.
Comentário 15) Não, tive facilidade em compreender as propostas.
Comentário 16) Não tive dificuldade, apenas deixei umas em branco porque não veio sinônimo
nenhum na minha cabeça.
Comentário 17)
nem existem.
Sim, pois tem palavras e justificativas que não me vem na cabeça e acho que algumas
INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR
Comentário 18) Mais ou menos, porque é um pouco complicado pensar em sinônimos quando fazemo-
nos (sic) naturalmente.
Comentário 19) Tive dificuldade em achar sinônimos, pois os exemplos citados anteriormente são os
mais usados, talvez já sejam latentes no uso.
Comentário 20) Mais dificuldades em achar as palavras. Um pouco na segunda parte para substituir as
palavras, não me vinha muita coisa na cabeça.
Os testes de atitude ajudaram a solucionar dúvidas quanto à análise dos níveis de
integração entre os componentes de certas perífrases cujo verbo já apresenta algum grau de
gramaticalização. Acredita-se que a seção Mate nossa curiosidade possibilitou conhecer um
pouco das atitudes de alguns falantes em relação ao emprego das estruturas em foco. Destacase o fato de considerarem, em geral, o emprego das perífrases dar + SN mais apropriado à
modalidade falada e ao registro informal (“uso popular”). Essas constatações aguçaram o
interesse pela aplicação de testes de atitude que colaborem para depreender funções
semântico-discursivas dessas construções, um trabalho de investigação que pôde ser
226
desenvolvido nesta dissertação e teve como fundamentação teórica pressupostos
sociofuncionalistas.
5.3 Análise dos dados referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com verbosuporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente
5.3.1 As variáveis investigadas
Os dados coletados para a presente análise pertencem a três corpora distintos (cf. seção
4). As variantes que compõem a variável dependente “natureza categorial da construção
analisada” são as perífrases com verbo-suporte dar + SN (dar pulos, dar abraço) e
predicadores simples cognatos ao SN dessas perífrases (pular, abraçar). Reúnem-se em dois
grupos as variáveis independentes controladas: as que foram consideradas na investigação dos
dados de todos os corpora e as que foram levadas em conta na análise de ocorrências
pertencentes a determinados corpora. Abaixo apresenta-se um quadro que elucida essa
divisão e, em seguida, as hipóteses relacionadas a cada variável:
VARIÁVEIS COMUNS
VARIÁVEIS ESPECÍFICAS PARA O TRATAMENTO DE
À ANÁLISE DE
DADOS DE DETERMINADOS CORPORA
DADOS DE TODOS OS
CORPORA
Discurso e Gramática
(depoimentos orais e
escritos)
Textos sob
avaliação
(redações e provas)
Presença de nuance
semântica
(notícias, editoriais,
crônicas e artigos de
opinião)
Fontes de coleta
Grau de escolaridade
Diferença entre o número
de sílabas do verbo
Jornalístico
Modalidade expressiva
predicador e o da perífrase
Tipos de texto
Faixa etária
Tempo verbal
Quadro 20: Variáveis controladas na pesquisa
(jornais)
227
A) Presença de nuance semântica (dados com nuance semântica especial e dados sem nuance
semântica)
Provavelmente, para veicular alguma nuance de sentido especial, os falantes recorrem
com maior freqüência ao emprego de perífrases com verbo-suporte dar. Acredita-se que isso
ocorre pelo fato de essas construções permitirem a inserção de elementos determinantes e/ou
modificadores – como ocorre nos exemplos abaixo – e até alterações na morfologia dos
nomes incorporados ao verbo-suporte, fatos que promovem alguma variação, ainda que sutil,
de sentido.
(Ex.:182) (...) que ele dê muitas alegrias para a torcida do Fluminense. Mas o Baixinho não
perdeu a oportunidade de dar uma alfinetada no Animal. [PB escrito, Extra, Notícia, De ex-desafeto a
anfitrião cordial - Romário promete receber Edmundo de braços abertos no tricolor]
(Ex.:183) O sentimento de que o Brasil caminhará para a frente não é aleatório: depois de um
ano extremamente difícil, a economia começa a dar sinais importantes e consistentes de
recuperação. [PB escrito, Extra, Editorial, sem título]
(Ex.:184) (...) na Avenida Brasil... aí estava engarrafado... aí o irmão dele saiu do carro... deu
dois tiros pro alto... aí todo mundo abriu ... pra ele passar (...) [PB oral, D&G, 4ª Série do E.F.,
Narrativa recontada, idade: 11 anos inf. 70]
(Ex.:185) (...) ele respondeu você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais.
[PB escrito, D&G, CA supletivo, Narrativa de experiência pessoal, idade: 42 anos, inf. 77]
B) Diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase (nenhuma
diferença entre sílabas; uma sílaba a mais para a perífrase; duas sílabas a mais para a perífrase; três
sílabas a mais para a perífrase; e uma sílaba a mais para o predicador simples)
A diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase poderá
influenciar a alternância entre essas formas. Crê-se que o falante tenda ao uso da forma que
apresentar menor extensão silábica. Logo, uma variante perifrástica com menor extensão
silábica em comparação com o verbo simples correspondente terá mais chances de ser a forma
escolhida, pelo fato de ser a variante menos saliente foneticamente.
228
(Ex.:186) porque tem muita gente aí... que rabisca o banheiro... joga papel higiênico no chão...
eh... faz xixi no chão... muita gente... faz isso... podendo dar valor... ao banheiro também...
né? [PB oral, D&G, 4a série do E.F., Relato de opinião, idade: 12 anos, inf. 55] (1 sílaba a mais para o
verbo predicador: valorizar)
(Ex.:187) Podemos comparar a linguagem dos textos e exemplificar, que para a norma culta
“bataia” está gramaticalmente incorreto e o certo seria “batalha”; mas por outro lado, o
sistema coseriano avalia a comunidade lingüística, a qual faz uso deste termo, por esta razão
pode-se dizer que há comunicação entre eles. [PB escrito, avaliação-primeiro período, ES-P1-F-002] (1
sílaba a mais para o verbo predicador: dar exemplo)
(Ex.:188) (...) dois homens que estavam numa moto atiraram nela enquanto os outros dois
roubavam a bolsa e o embrulho de carne. [PB escrito, D&G, 8a série do E.F., Narrativa recontada, inf.
26] (nenhuma diferença em extensão silábica - 4 sílabas: deram tiro)
(Ex.:189) Eu poderia pular a aranha, mas tinha medo de dar um pulo curto ou errado e pisar
em cima da aranha (eu estava usando chinelos, mas mesmo assim teria dado nojo, se eu
tivesse esmagado a tal da aranha!...). [PB escrito, D&G, 8ª série, Narrativa de experiência pessoal, idade:
14 anos, inf. 35] (nenhuma diferença em extensão silábica - 4 sílabas: enojado)
(Ex.:190) (...) eu fiquei com medo... né? dele poder ir atrás da minha mãe... aí... aí a minha
tia... que... queria que eu beijasse o meu pai... (1 sílaba a mais para a perífrase: desse beijo)
(Ex.:191) (...) só que os alunos daqui são muito mal educados... picham tudo... dá chute... [PB
oral, D&G, 4ª série, Relato de opinião, idade: 12 anos, inf. 40] (1 sílaba a mais para a perífrase: chuta)
(Ex.:192 (...) aí minha mãe chegou em casa... não queria que meu pai... visse como é que eu
estava... aí... ela falou... que telefonou pro meu pai... meu pai quando chegou... ficou nervoso
em casa... [PB oral, Discurso e Gramática, 4ª Série do E.F., Narrativa recontada, idade: 9 anos, inf. 37] (2
sílabas a mais para a perífrase: deu telefonema)
(Ex.:193) Agora, darei opinião sobre a escola onde estudo. Ela é muito boa em relação aos
ensinos... (2 sílabas a mais para a perífrase: opinarei)
(Ex.:194) O governo deveria pagar melhores salários reajustados pela inflação para
professores e pessoal de apoio, investindo mais em escolas (...) [PB escrito, D&G, 8ª Série do E.F.,
Relato de opinião, idade: 16 anos, inf. 26] (3 sílabas a mais para a perífrase: dando investimento)
(Ex.:195) bom ter uma familia unida e feliz para isso e presizo respeito dos filhos para com os
pais e os pais dar a orientação e a educasão os filhos essa e a minha opinião sobre a família
[PB escrito, D&G, CA supletivo, Relato de opinião, idade: 19 anos, inf. 76]
(3 sílabas a mais para a perífrase: orientar)
229
C) Tipos de textos 105 (editorial; notícia; crônica; artigo de opinião; narrativa de experiência pessoal;
narrativa recontada; relato de opinião; provas; e redações)
Por serem textos que não foram produzidos com alto grau de planejamento, como textos
publicados, é provável que as narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e
relatos de opinião (escritos) apresentem índices maiores de perífrases dar + SN.
Diferentemente, espera-se produtividade maior de verbos plenos em relação às perífrases em
notícias, editoriais, artigos de opinião, redações e provas. Por serem textos publicados ou para
avaliação, supõe-se que seus autores possam ter mais preocupação em demonstrar riqueza
vocabular com o emprego de diversos predicadores simples. Apesar de as crônicas serem
textos publicados, espera-se que se estruturem com mais dados de perífrases, haja vista a
possibilidade de se organizarem com um discurso com características coloquiais e até
informais além de traços típicos de oralidade.
D) Tempo verbal (presente do indicativo; pretérito imperfeito do indicativo; pretérito perfeito do
indicativo; futuro do presente e do pretérito do indicativo; presente, pretérito e futuro do subjuntivo;
infinitivo; gerúndio; e particípio 106 )
Julgou-se pertinente controlar a influência das alterações morfológicas a que se sujeitam
as formas verbais para marcação de tempo na alternância entre predicadores simples e
complexos. Inicialmente, aventa-se a possibilidade de que essa variável independente, por si
só, não seja condicionadora do emprego da forma perifrástica pela forma simples ou viceversa. Não obstante, acredita-se que alguns predicadores simples ou perífrases possam não vir
a ser empregados, pelo fato de sua forma, em determinado tempo verbal, ser mais extensa
e/ou menos comum. Por exemplo, crê-se que os falantes optem por “dariam parabéns” e não
por “parabenizariam”, já que a forma perifrástica apresenta menor extensão e a forma simples
não é freqüentemente usada. Logo, provavelmente, há uma combinação de fatores: o fato de
determinados itens em certos tempos verbais proverem formas mais extensas (diferença no
número de sílabas) que, conseqüentemente, tendem a ser as menos utilizadas. Em outras
palavras, acredita-se que o grau de saliência fônica da forma verbal poderá influir na seleção
de predicadores simples e complexos. E o controle do tempo verbal é outra variável que,
105
A designação corrente tem sido “gênero textual” (redação escolar, carta pessoal, bilhete, editorial, entre tantos
outros), que, em algumas propostas, é empregada diferentemente de “tipo textual” ou “modo de organização
discursiva” (narrativo, argumentativo, expositivo, descritivo). Optou-se por empregar o termo “tipo de texto”,
sem entrar no mérito dessa diferenciação comum atualmente em Lingüística Textual.
106
Os tempos verbais de todas as perífrases e verbos plenos foram codificados. Se a perífrase fizer parte de um
complexo verbal (teria dado nojo, por exemplo), a codificação refere-se ao verbo dar (particípio).
230
juntamente com o controle da diferença entre o número de sílabas, viabiliza avaliar essa
hipótese.
Somam-se a essas variáveis os seguintes grupos de fatores para investigação de algumas
amostras de dados específicas 107 :
o Para estudo da amostra do acervo do Projeto Discurso e Gramática (depoimentos orais
e escritos)
E) Modalidade expressiva
Haverá diferença, possivelmente, em termos de freqüência ou probabilidade de uso de
perífrases com verbo-suporte em função de modalidade expressiva (fala ou escrita): os níveis
de produtividade de perífrases com dar + SN serão maiores na fala, por se acreditar que nessa
modalidade se empregam mais produtivamente formas lingüísticas às quais se associa certo
grau de coloquialismo ou até de informalidade. Na escrita, será maior a produtividade de
predicadores simples equivalentes.
F) Graus de escolaridade (Classe de Alfabetização infantil; Classe de Alfabetização supletivo;
quarta série do Ensino Fundamental; oitava série do Ensino Fundamental; terceiro ano do Ensino
Médio; primeiro período do Ensino Superior; último período do Ensino Superior)
Tendo em vista que, em manuais de redações, se encontraram recomendações no sentido
de não se usarem perífrases (cf. seção 6.6), imagina-se que os alunos de maior escolaridade,
principalmente, possam ser aconselhados a substituir expressões com dar + SN por
predicadores simples para demonstrar riqueza vocabular em seus textos. Tal comportamento
faz com que haja uma redução no emprego de perífrases, especialmente, em textos
pertencentes à modalidade escrita produzidos para avaliação, como provas e redações
escolares. Logo, supõe-se que indivíduos cujo grau de escolaridade é maior estão mais
conscientes de suas escolhas lingüísticas, tendem, provavelmente, a estar mais atentos não só
a questões de aplicação de normas da gramática prescrita ensinada na escola, mas também a
critérios de seleção vocabular na organização do discurso: estão mais conscientes, por
exemplo, de que a repetição de verbos constituintes de predicadores complexos pode ser
considerada prejudicial para a construção de um texto coeso e coerente, para a manifestação
107
Essas variáveis serão consideradas em rodadas específicas. Encontram-se mais detalhes sobre as rodadas na
próxima seção.
231
de uma imagem do enunciador (pobreza/riqueza vocabular), o que gera o emprego de
predicadores simples.
G) Faixa etária (falantes até 12 anos; dos 13 aos 17 anos; dos 18 aos 35 anos; e dos 36 aos 55 anos)
Provavelmente, quanto menos idade tiver o falante (até 12 anos), maior será o emprego
de construções dar + SN em relação aos verbos plenos, já que seu arcabouço vocabular ainda
não é tão desenvolvido quanto o que se espera para um falante de mais idade, que passou por
mais experiências lingüísticas e que teve contato com tipos de texto distintos. Sendo assim,
falantes a partir da faixa etária intermediária tenderão a utilizar mais produtivamente verbos
plenos.
De fato, considera-se que a variável “faixa etária” não seja por si só condicionadora do
fenômeno. Naturalmente, essa variável está associada a uma rede de fatores sociais, tais
como: grau de escolaridade, grau de formalidade da situação comunicativa, os papéis sociais
dos indivíduos reunidos nessas faixas etárias (mais ou menos diversificados), seu acesso a
diferentes mídias de informação e diversificadas redes de comunicação, entre várias outras
possibilidades, e a fatores de natureza pragmático-discursiva, como a necessidade de alcançar
determinada nuance semântica com o uso de uma determinada forma 108 .
o Para estudo da amostra obtida em textos jornalísticos (notícias, editoriais, crônicas e
artigos de opinião)
H) Fontes dos textos jornalísticos (Extra; O Povo; O Globo; Jornal do Brasil)
Tendo em vista que tais jornais têm como público-alvo camadas distintas da sociedade,
acredita-se que, em jornais considerados mais populares 109 (Extra e O Povo), a produtividade
de perífrases será maior em comparação com aqueles conhecidos como menos populares (O
Globo e Jornal do Brasil), pois, provavelmente, os escritores nestes preocupem-se mais, do
108
A análise da faixa etária sob um prisma mais amplo pode seguir a linha de raciocínio detectada nas
considerações de PAIVA (2003), que discute a pertinência da variável sexo. A autora cita diversas pesquisas em
que é possível notar um conjunto de fatores que co-atuam, no fenômeno de concordância verbal, com esta
variável, tais como: classe social, faixa etária, mercado ocupacional, formalidade do discurso e, até mesmo, o
papel social que homens e mulheres desempenham na sociedade.
109
Para separar os jornais nos dois grupos – mais populares e menos populares –, utilizou-se como critério o
acesso dos indivíduos a esses jornais, que está associado a seus preços. Entende-se que O Globo atende a um
público-leitor de maior poder aquisitivo (R$ 2,00), enquanto pessoas de menor poder aquisitivo recorrem aos
jornais cujos preços são mais acessíveis – Extra (R$ 1,00) e O Povo (R$ 0,50). Apesar de o preço do Jornal do
Brasil (R$ 1,00) ser considerado acessível, há alguns anos, seu público consumidor mantém-se distinto do
público do jornal Extra, talvez em razão do enfoque de temas que historicamente caracterizou aquele e que, se
imagine, não tenha mudado.
232
que os daqueles, em seguir normas estabelecidas por manuais de redação (cf. seção 6.1) e em
demonstrar riqueza vocabular. Com o intuito de o fazerem, supõe-se que reduzam o emprego
repetitivo de verbos, particularmente daqueles que são empregados em múltiplas funções,
como é o caso do verbo dar. Desse modo, evitarão recorrer a expressões com verbo-suporte.
5.3.2 Os resultados da análise
A análise sociofuncionalista da alternância de predicadores complexos com dar e
predicadores
simples
equivalentes
baseia-se
fundamentalmente
em
duas
análises
multivariadas binárias que abarcam as ocorrências de todos os corpora investigados 110 : (i)
uma em que todos os dados são considerados (com e sem nuance semântica) e (ii) outra em
que se consideram apenas ocorrências sem nuance semântica. Como os dados da pesquisa
pertencem a corpora diversos, também foram realizadas rodadas levando-se em conta apenas
(a) dados do projeto Discurso e Gramática, (b) dados de textos jornalísticos (notícias,
editoriais, crônicas e artigos de opinião) e (c) dados de textos para avaliação (provas e
redações) 111 . O valor de aplicação para todas as análises multivariadas foi a variante
perífrases com dar+SN.
Inicialmente, serão analisados os resultados provenientes das rodadas gerais e
associados a variáveis comuns a todos os corpora (presença de nuance semântica, diferença
entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase, tipos de texto e tempo verbal).
Ao longo dos comentários sobre esses resultados, para checar sua pertinência, será feita uma
comparação com aqueles das rodadas específicas. Em seguida, o comportamento das demais
variáveis independentes (graus de escolaridade, faixa etária e modalidade expressiva) será
tratado de acordo com a rodada específica à qual pertencem. Além disso, não somente serão
realizadas comparações entre pesos relativos dos níveis de análise selecionados nas rodadas,
mas também serão demonstrados os resultados encontrados no primeiro nível de análise do
programa Goldvarb (nível 1). Dessa forma, será possível conhecer o nível de significância das
variáveis independentes e os pesos relativos relacionados a seus fatores quando a interferência
110
Por considerar as ocorrências de todos os corpora investigados, essas análises também são chamadas de
rodadas gerais.
111
Essas rodadas são denominadas aqui rodadas específicas.
233
de cada uma dessas variáveis sobre a variável dependente é verificada isoladamente pelo
programa computacional 112 .
O tabela a seguir demonstra a quantidade de dados pertencente a cada rodada 113 , seus
respectivos índices de input 114 e de significância 115 .
Rodadas gerais
Informações
das
rodadas
Inputs
Níveis de
significância
Produtividade
Rodadas
específicas
D&G
Rodadas específicas
Textos jornalísticos
Rodadas
específicas
Textos para
avaliação
Com Dados
todos os SEM
dados nuance
Com
todos os
dados
Dados
SEM
nuance
Com
todos os
dados
Dados
SEM
nuance
Com todos
os dados
Dados
SEM
nuance
.07
.06
.13
.11
.04
.03
.05
.03
0,026
0,047
0,018
0,028
0,018
0,040
0,000
0,017
P: 137
p:1704
P: 71
p: 1672
P: 73
p: 465
P: 34
p: 449
P: 51
p: 1019
P: 32
p: 1009
P: 13
p: 220
P: 5
p:
214
Tabela 59: Número de dados e índices de input e significância encontrados em todas as rodadas
Considera-se que os níveis de significância de todas as rodadas estão dentro do padrão
estatístico aceitável segundo o tratamento quantitativo baseado no programa Goldvarb (2001),
que vai de 0,000 até 0,05. Uma das rodadas, a que abarcou dados com e sem nuance de textos
para avaliação, chegou a alcançar o melhor nível (.000). As rodadas em que se consideram
todos os dados (com e sem nuance semântica) também apresentam níveis de significância
bem próximos de .000.
Quanto à quantidade de dados encontrada, há um número bastante significativo de
predicadores simples em todas as amostras, se comparado ao de perífrases com dar + SN.
A baixa produtividade de predicadores simples em relação aos predicadores complexos,
provavelmente, ocasionou um baixo nível geral de uso (um input mais próximo de zero do
que de um) da variante definida como valor de aplicação (perífrases com dar + SN) em todas
as rodadas realizadas.
112
A ordem de seleção das variáveis em todas as rodadas, bem como a sistematização dos resultados
encontrados são apresentados no item 5.3.2.9.
113
P significa: perífrases dar + SN, enquanto p significa verbos plenos simples cognatos. Essas são as variantes
da variável dependente.
114
O input demonstra o índice geral de uso de uma das variantes da variável dependente (no caso, a variante
“perífrases com dar + SN”) e foi extraído do nível zero de análise do programa computacional.
115
O grau de significância exposto foi extraído do nível selecionado, pela rodada, como o “melhor” (contém os
grupos de fatores mais significativos)
234
Nota-se que, quando os dados com nuance semântica especial são considerados, os
índices de input são um pouco mais altos. A tabela 60 apresenta a comparação do valor de
input geral pertencente às análises multivariadas (rodadas) com os dos níveis selecionados
nessas análises. Aqueles são, em geral, um pouco mais elevados que estes, mas ambos podem
ser considerados baixos.
Rodadas gerais
Informações
das
rodadas
Input geral
Input do nível
selecionado
na rodada
Rodadas
específicas
D&G
Com
Dados
todos
SEM
nuance
os
dados
Com
todos os
dados
Dados
SEM
nuance
.07
.06
.13
.04
.06
.08
Rodadas específicas
Textos jornalísticos
Rodadas
específicas Textos
para avaliação
Com
Dados
todos os
SEM
nuance
dados
Com
todos os
dados
Dados
SEM
nuance
.11
.04
.03
.05
.03
.07
.01
.02
.01
.01
Tabela 60: Índices de input encontrados no nível zero e no nível selecionado nas rodadas
Os resultados descritos levam à constatação de que o emprego de predicadores simples é
mais produtivo, em termos de distribuição de dados nas amostras analisadas e de
probabilidade, do que o uso de predicadores complexos com verbo-suporte dar, fato que
sinaliza uma situação de regra quase categórica (LABOV, 2003) de emprego de verbos
predicadores. Não obstante, a análise das variáveis independentes revelará que não se trata de
fato generalizado em todos os contextos. Há fatores que promovem a utilização das perífrases.
5.3.2.1 Atuação da variável presença de nuance semântica
Rodada geral
(resultados do nível selecionado)
Perífrases
dar+SN
Oco/Total
Percentagem
Peso Relativo
Predicadores simples
Sem diferença
semântica
71/1781
5%
Com alguma
diferença semântica
137/154
89%
.47
.97
1687/1781
95%
17/154
11%
Tabela 61: Atuação da variável presença de nuance semântica
Os resultados percentuais da tabela acima demonstram que, para marcar alguma
nuance especial de sentido, o falante utiliza, com mais freqüência (89%), perífrases com o
verbo-suporte dar (dar um abraço apertado) em vez de recorrer aos verbos predicadores de
sentido equivalente (abraçar). A análise probabilística também corroborou esse resultado,
demonstrando que os falantes tendem a empregar perífrases para expressar “alguma diferença
235
de sentido” (.97). Além disso, se não há nuance de sentido especial a ser alcançada, a
tendência ao emprego de perífrases e predicadores simples é basicamente a mesma, devido ao
fato de o peso relativo ficar próximo a .50 (cf. tabela abaixo).
Segue, abaixo, a tabela comparativa entre pesos relativos em relação ao emprego das
perífrases, considerando todas as rodadas realizadas e os encontrados no primeiro nível das
análises:
RODADAS
Nível selecionado (0,026)
.47
Com alguma
diferença
semântica
.97
Nível 1 (0,000)
.47
.96
Nível selecionado (0,018)
.47
.82
Nível 1 (0,000)
.47
.89
Nível selecionado (0,018)
47
.99
Nível 1 (0,000)
.48
.99
Nível selecionado (0,000)
.45
.99
Nível 1 (0,000)
.46
.97
(dados com e sem nuance semântica)
Geral
D&G
Textos
jornalísticos
Textos para
avaliação
Sem qualquer
diferença semântica
Tabela 62: Pesos relativos da variável presença de nuance semântica em relação a perífrases dar+SN
em cada uma das rodadas
Os pesos relativos presentes nos primeiros níveis de análise, que considera as variáveis
isoladamente, assemelham-se aos pesos relativos do nível selecionado. Estes corroboram
aqueles. Os pesos relativos referentes aos fatores da variável presença de nuance semântica
praticamente mantiveram-se. Conclui-se que, independentemente do corpus utilizado, quando
o falante necessita veicular alguma nuance de sentido especial, a tendência ao emprego de
perífrases é bastante alta (podendo variar entre .88 a .99, a depender da amostra). Quando os
dados de formas verbais simples e complexas não apresentam matizes de sentido distintas,
configura-se uma situação de relativa neutralidade (com pesos relativos que variam entre .46 e
.48) quanto ao favorecimento do uso de perífrases.
Destaca-se que o emprego de perífrases para indicar intenções comunicativas
específicas, em geral, ocorre pelo fato de essas construções permitirem mudança em sua
configuração sintática, ou seja, possibilitarem a inserção de elementos que promovem uma
alteração de sentido, ainda que sutil. Decidiu-se, então, analisar a relação entre as perífrases
encontradas no corpus, sua configuração sintática e a presença ou não de nuance semântica.
236
Especial. Foram investigados dados em que o nome não vem acompanhado por qualquer
outro elemento (“nome isolado”) e dados com as seguintes configurações (as que foram
encontradas nas amostras): (i) artigo indefinido ou definido com valor genérico, (ii) artigo
definido, (iii) modificador intensificador e (iv) modificadores qualificativo ou quantificador
(antecedidos ou não de artigo).
SEM NUANCE SEMÂNTICA ESPECIAL
o Nome “isolado”
[Oco/Total – Percentagem (43/71 - 60%)]
COM NUANCE SEMÂNTICA ESPECIAL
o Artigo indefinido/definido genérico
[Oco/Total – Percentagem (26/137 - 19%)]
(Ex.:196) Nossos pós-graduados que não têm (Ex.:199) Dei uma rezadinha, encomendando
condições financeiras para dar continuidade a minha alma via São Lourenço. [O Globo, Artigo de
seus estudos (...). [JB, 02-06-03, Opinião]
opinião, 03-11-02]
o Artigo indefinido/definido genérico
o Modificador intensificador
[Oco/Total – Percentagem (26/71 - 37%)]
[Oco/Total – Percentagem (64/137 - 47%)]
(Ex.:197) O presidente telefonou para dar os (Ex.:200) Ela dá mais valor a assuntos de pouco
interesse. [PB escrito, D&G]
parabéns a FH. [PB escrito, notícia, O Globo]
o Artigo definido
[Oco/Total – Percentagem (2/71 - 3%)]
(Ex.:198) Era a minha tia dando a notícia de que
o avô tinha morrido. [PB escrito, D&G, 4ª série do E.F]
o Modificador qualificativo ou quantificador,
antecedido ou não de artigo
[Oco/Total – Percentagem (47/137 - 34%)]
(Ex.:201) Você pode dar uma boa educação [PB
oral, D&G, Último período do E.S. , Relato de opinião]
Tabela 63: Tabulação cruzada entre presença de nuance semântica e configuração sintática das
perífrases
Percebe-se que, quando a configuração sintática das perífrases é mais restrita, ou seja,
não há elementos intervenientes entre os seus componentes ou apenas elementos com caráter
[-determinante], geralmente essas construções não transmitem qualquer nuance de sentido
distinta da do verbo predicador correspondente (cf. percentuais em negrito de dados sem
nuance semântica especial). Diferentemente, em geral, as perífrases que apresentam
elementos intervenientes ou adjacentes ao SN que tenham caráter [+determinante] veiculam
alguma nuance de sentido não alcançada pelos verbos plenos correspondentes116 (cf.
percentuais em negrito de dados com nuance semântica especial).
116
Na seção da dissertação que versa sobre testes de atitude, há diversos comentários de falantes acerca de
algumas ocorrências que geram nuances de sentido especiais.
237
5.3.2.2 Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da
perífrase
Nenhuma
(dados de todos os corpora) Diferença
Oco/Total
Percentual
33/128
25%
48/709
6%
31/751
4%
8/218
3%
1 sílaba a
mais para o
verbo
predicador
13/27
48%
Peso
Relativo
.84
.52
.42
.33
.96
95/128
75%
661/709
93%
720/751
96%
210/218
97%
14/27
52%
Rodada geral
Perífrases
dar+SN
Predicadores simples
1 sílaba a
mais para a
perífrase
2 sílabas a 3 sílabas a mais
mais para a
para a
perífrase
perífrase
Tabela 64: Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da
perífrase
Em geral, a produtividade de predicadores simples é bem maior do que a de perífrases
dar + SN, particularmente nos contextos apresentados nas quatro primeiras colunas referentes
a fatores (nenhuma diferença entre o número de sílabas do verbo e da perífrase – dar
tiros/atirar –; 1 sílaba a mais para a perífrase – dar saltos/saltar –; 2 sílabas a mais para a
perífrase – dando preferência/preferindo –; e 3 sílabas a mais para a perífrase – dando
consentimento/consentindo). Esses resultados modificam-se quando a diferença da extensão
silábica é de uma sílaba a mais para o predicador simples (dar valor/valorizar). Neste
contexto, a produtividade de perífrases e formas verbais simples, em termos de distribuição
percentual, é semelhante (diferença apenas de 4%).
Observa-se que os maiores índices probabilísticos relacionados à tendência de uso das
perífrases ocorrem quando elas são menores em extensão do que o verbo predicador
correspondente (uma sílaba a mais para o verbo predicador – .96) e quando essa diferença não
existe (.84). A tendência ao emprego de perífrases e predicadores simples é semelhante (.52)
quando a diferença entre o número de suas sílabas é um pouco maior para a perífrase.
Diferentemente, a tendência ao emprego de perífrases diminui à medida que a diferença de
extensão entre predicadores complexos e simples aumenta (duas sílabas a mais para a
perífrase – 0.42 – e três sílabas a mais para a perífrase – 0.33).
A seguir, encontra-se a tabela para comparação entre pesos relativos indicados nos
níveis selecionados em todas as rodadas realizadas e pesos relativos presentes no nível 1 de
análise:
238
Nenhuma
1 sílaba
2 sílabas
3 sílabas
Diferença a mais para a a mais para a mais para
perífrase
a perífrase a perífrase
RODADAS
1 sílaba
a mais
para o
verbo
.84
.52
.42
.33
.96
.84
.53
.40
.36
.93
.86
.51
.42
.34
.96
Nível 1 (0,000)
.86
.54
.39
.35
.93
D&G (dados com e sem nuance
.76
.51
.42
.15
.96
.80
.54
.38
.19
.93
.77
.51
.40
.18
.96
Nível 1 (0,000)
.79
.47
.37
.23
.92
Textos jornalísticos (dados com e sem
.88
.46
.40
.39
.98
.86
.48
.39
.28
.97
.87
.46
.37
.35
.98
Nível 1 (0,000)
.87
.47
.36
.31
.97
Textos para avaliação (dados com e
.96
.55
.43
.21
.92
Nível 1 (0,008)
.89
.48
.42
.27
.87
Textos para avaliação (dados sem
.89
.52
.35
.95
.91
.50
.37
.87
Geral (dados com e sem nuance
semântica) (0,026)
Nível 1(0,000)
Geral (dados sem nuance semântica)
(0,047)
semântica) (0,018)
Nível 1 (0,000)
D&G (dados sem nuance semântica)
(0,028)
nuance semântica) (0,018)
Nível 1 (0,000)
Textos
jornalísticos
(dados
sem
nuance semântica) (0,040)
sem nuance semântica) (0,000)
nuance semântica) (0,017)
Nível 1 (0,001)
Tabela 65: Pesos relativos da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da
perífrase em todas as rodadas
Os resultados das demais rodadas e do primeiro nível de análise corroboram os da
rodada geral, que levou em consideração as ocorrências coletadas em todos os corpora (cf.
valores da segunda linha da tabela). Em negrito, grifaram-se os pesos relativos dos contextos
que mais influenciam no emprego de perífrases dar + SN (nenhuma diferença e uma sílaba a
mais para o verbo pleno); sublinhados estão aqueles pertencentes ao contexto neutro, ou seja,
ambiente que influencia o uso de perífrases e verbos plenos na mesma proporção (uma sílaba
a mais para a perífrase); e, em itálico, encontram-se os contextos que menos influenciam a
escolha dos falantes por perífrases (duas ou três sílabas para a perífrase). Constata-se, então, a
hipótese de que o emprego de perífrases tende a ser maior quando não há diferença de
extensão silábica em relação ao verbo predicador e, principalmente, quando a perífrase
apresenta menor extensão silábica.
239
5.3.2.3 Atuação da variável tipos de textos
Rodada geral 117
Narrativas de Narrativas Relatos Notícias Editoriais Crônicas
de
(dados de todos os corpora) experiência recontadas
pessoal
opinião
7/124
13/128
4/60
16/123
11/331
5/210
Oco/Total
5%
11%
7%
13%
3%
2%
Perífrases
%
dar+ SN
Peso
.49
.74
.62
.76
.41
.34
Relativo
117/124
115/128
56/60 107/123 320/331 205/210
95%
89%
93%
87%
97%
98%
Predicadores simples
Artigos
de
opinião
19/406
4%
.52
387/406
96%
Tabela 66: Atuação da variável tipos de textos
Perífrases
dar+ SN
Redações
Provas
Oco/Total
Percentual
8/117
6%
5/116
4%
Peso
Relativo
.39
.29
109/117
93%
111/116
96%
Predicadores simples
Tabela 66: (continuação): Atuação da variável tipos de textos
Quanto à distribuição percentual, em todos os tipos de textos investigados, encontra-se
maior freqüência de predicadores simples. Os índices probabilísticos demonstram que, em
narrativas de experiência pessoal e em artigos de opinião, a tendência ao emprego de
predicadores simples e complexos é semelhante (com pesos relativos próximos de .50). Em
narrativas recontadas, relatos de opinião e notícias, a tendência ao uso de perífrases dar+SN
pode ser considerada alta. Não se esperava tal resultado nas notícias, pois se supunha que
autores de textos jornalísticos e escolares, de maneira geral, demonstrariam maior inclinação
ao emprego de predicadores simples, evitando naturalmente as perífrases, devido,
possivelmente, a recomendações 118 de manuais de redações e/ou de professores quanto à
necessidade de empregar itens verbais variados para demonstrar riqueza vocabular e para
evitar a repetição de verbos (no caso, do verbo dar) que constituem predicadores complexos.
A única rodada da amostra oriunda do projeto D&G que selecionou a variável tipo de
texto foi a que abarcou dados com e sem nuance semântica especial. Constam, na tabela
117
Decidiu-se, na codificação dos dados referentes a essa rodada geral, não ler/considerar as narrativas de
experiência pessoal, as narrativas recontadas e os relatos de opinião orais. Assim sendo, procedeu-se à
comparação de dados provenientes de tipos de texto distinto, mas pertencentes à mesma modalidade.
118
Para checar mais detalhes quanto a essas recomendações, cf. seção 6.6.
240
abaixo, os pesos relativos do nível selecionado na rodada geral, na rodada específica D&G e
do primeiro nível de análise:
RODADAS
Narrativas
de experiência
pessoal
Narrativas
recontadas
Relatos
de opinião
.49
.53
.74
.77
.62
.64
(dados com e sem nuance semântica)
Nível selecionado (0,018)
.38
.70
.49
Nível 1(0,040)
.42
.61
.50
GERAL
(dados de todos os corpora )
Nível selecionado (0,026)
Nível 1 (0,000)
RODADA D&G
Tabela 67: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral e na rodada D&G (dados de com e
sem nuance semântica)
Os pesos relativos pertencentes ao primeiro nível de análise são semelhantes aos
encontrados no nível selecionado pelo programa, confirmando-os. Comparando os índices
probabilísticos da rodada específica com os dados da amostra D&G com os da rodada geral,
percebe-se que a tendência ao uso de perífrases em narrativas de experiência pessoal diminuiu
(de .49 para .38) e que, nos relatos de opinião, a tendência ao emprego dessas formas deixou
de ser alta (.62) para ser semelhante à inclinação pelo uso de predicadores simples (peso
relativo .49, próximo ao ponto neutro .50). Essa diferença de resultados atesta a necessidade
de separação de dados em função do corpus na investigação do fenômeno de alternância em
foco. Não se confirma, então, a hipótese de que, nesses textos, a tendência ao uso de
perífrases seria maior por não serem submetidos à avaliação. Na verdade, há tendência,
mesmo nesses textos, ao emprego de predicadores simples. A alta tendência ao emprego de
perífrases nas narrativas recontadas foi mantida (de fato, apenas houve uma discreta
diminuição de .74 para .70). A fim de buscar justificativas para esse resultado distinto,
procedeu-se a tabulações cruzadas 119 entre a variável tipos de texto e as demais. Os resultados
mais relevantes foram obtidos com a associação entre tipos de texto e presença de nuance
semântica:
119
Denominam-se tabulações cruzadas as relações que podem ser feitas entre dois grupos de fatores para
depreender como os fatores co-atuam nas ocorrências sob análise.
241
RODADA com a amostra D&G
Narrativas de
experiência
pessoal
Narrativas
recontadas
Relatos
de opinião
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Com nuance semântica
especial
3/7
43%
4/7
57%
10/14
71%
4/14
29%
4/9
45%
5/9
55%
Sem nuance
semântica
4/117
3%
113/117
97%
3/114
3%
111/114
97%
0/51
0%
51/51
100%
Tabela 68: Tabulação cruzada entre tipos de texto (D&G) e presença de nuance semântica
Conforme se visualiza na tabela 68, em narrativas de experiência pessoal, encontram-se
14% a mais de predicadores simples com alguma nuance semântica especial, o que,
provavelmente, acarretou uma tendência relativamente baixa (.38) ao emprego de
predicadores complexos nesse tipo de texto.
(Ex.:202) Quando o ônibus foi chegando, nós também íamos chegando no ponto e foi aquela
correria para não perdermos o ônibus. Eu gritava muito chamando os amigos e tentando
segurar o motorista parado até o último amigo subir. [PB escrito, D&G, 3° ano do E.M., Narrativa de
experiência pessoal, idade: 17, inf. 11]
(Ex.:203) Eu poderia pular a aranha, mas tinha medo de dar um pulo curto ou errado e pisar
em cima da aranha.[PB escrito, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf.
35]
Nos relatos de opinião, o percentual de predicadores simples e o de compostos que
veiculam alguma nuance semântica são semelhantes (diferença de apenas 10%, o que,
possivelmente, acarreta a tendência ao emprego de ambas as variantes (.49, próximo ao peso
neutro .50).
(Ex.:204) eu acho muito legal... porque os meus/ legal os meus amigos... porque eles sempre
me dão muito ajuda quando eu... quando eu me machuco... e também me levam pra...
enfermaria (...) [PB oral, D&G, CA infantil, Relato de opinião, idade: 06, inf. 89]
(Ex.:205) As Nossas professoras encinam bem são boas e nos adoram assim como nós
adoraMos elas. [PB escrito, D&G, 4ª série do E.F., Relato de opinião, idade: 11 anos, inf. 50]
242
Quanto aos dados pertencentes a narrativas recontadas, observa-se que, para veicular
alguma diferença de sentido, os falantes optam, preferencialmente, por perífrases (71%). Esse
alta produtividade parece ser o motivo pelo qual a tendência ao emprego de predicadores
complexos é maior (.70) nesse tipo de texto do que nos demais.
(Ex.:206) (...) e o rapaz saiu logo depois... saiu dando muito tiro... saiu pra matá-lo... lá
fora... e... e nisso o motorista fecha a porta... ela disse “espera aí...” que ela teve que fazer
força com a porta... todo mundo ajudar pra poder sair... porque se fosse todo mundo pra
delegacia... isso já eram oito e pouco da noite... entendeu? [PB oral, Discurso e Gramática, CA
supletivo, Narrativa recontada, inf. 77]
(Ex.:207) eu caí no chão... fiquei com a cara... toda arranhada... aí meu pai/ aí minha mãe
chegou em casa... (...) minha mãe telefonou rápido pro meu pai... meu pai quando chegou...
ficou nervoso em casa... [PB oral, D&G, 4ª série do E.F., Narrativa recontada, idade: 9 anos, inf. 37]
Por fim, é possível afirmar que, em geral, quando os falantes não têm necessidade de
alcançar alguma nuance de sentido especial optam por verbos plenos (cf. percentuais em
negrito da quarta coluna).
Das duas rodadas realizadas com dados provenientes de textos jornalísticos, somente a
rodada em que se analisam conjuntamente dados sem e com nuance semântica especial
selecionou a variável tipo de texto. Para a comparação das duas rodadas (geral e específica,
esta com base na amostra de “textos jornalísticos”) e para a checagem do comportamento dos
fatores no primeiro nível de análise, fez-se a seguinte tabela:
RODADAS
Notícias
Editoriais
Crônicas
Artigos de
opinião
Nível selecionado (0,026)
.76
.41
.34
.52
Nível 1(0,000)
.66
.35
.27
.47
.81
.42
.33
.54
Geral (dados com e sem nuance
semântica )
Textos jornalísticos (dados com e
sem nuance semântica )
Nível selecionado (0,018)
Nível 1(0,002)
.53
.77
.44
.35
Tabela 69: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral (dados com e sem nuance
semântica) e na rodada com a amostra de “textos jornalísticos” (dados com e sem nuance semântica)
Os pesos relativos obtidos no primeiro nível de cada rodada são relativamente
semelhantes aos indicados no nível selecionado pelo programa, se se considerarem as
243
tendências quanto à influência desses fatores sobre o emprego da variante dar + SN. Em
crônicas e em editoriais, a tendência ao emprego de perífrases mostra-se relativamente baixa
nas duas rodadas (rodada geral – crônicas: .34 e editoriais: .41; rodada específica com textos
jornalísticos – crônicas: .33 e editoriais: .42). Nos artigos de opinião, nas duas rodadas, a
tendência ao uso de predicadores simples e complexos é semelhante, estando os pesos
relativos próximos a .50 (cf. índices sublinhados). Acredita-se que a baixa tendência ao uso de
perífrases em editoriais e crônicas se deva não somente ao fato de serem textos submetidos à
publicação. Na verdade, esses tipos de texto exigem o comprometimento dos autores de expor
a opinião do jornal (no caso, os editoriais) e de envolver o púbico-leitor em temas que lhe
interessem (no caso, as crônicas). Por isso, acredita-se que os autores de textos com tais
configurações estão mais atentos a recomendações de natureza normativa referentes ao
emprego vocabular, tais como evitar repetições com verbos que formam perífrases que podem
ser substituídas por outros itens verbais, no intuito de demonstrar riqueza vocabular.
Para checar a hipótese de que a presença de nuance semântica especial acarreta os altos
índices probabilísticos referentes ao uso de perífrases nas notícias, na rodada em que são
considerados todos os dados jornalísticos, recorreu-se à tabulação cruzada entre tipos de texto
e presença de nuance semântica:
RODADA com a amostra D&G
(dados com e sem nuance semântica)
Notícias
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Editoriais
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Crônicas
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Artigos de
opinião
Perífrases dar + SN
Predicadores simples
Com nuance semântica
especial
11/11
100%
0/11
0%
3/7
43%
4/7
57%
0/2
0%
2/2
100%
5/9
55%
4/9
45%
Sem nuance semântica
5/112
4%
107/112
96%
8/324
2%
316/324
98%
5/208
2%
203/208
98%
14/397
4%
383/397
96%
Tabela 70: Tabulação cruzada entre tipos de texto (textos jornalísticos) e presença de nuance
semântica
244
Em editoriais e em crônicas, o percentual de predicadores simples que veiculam nuance
semântica especial é maior do que o de perífrases, o que também pode ter colaborado para a
baixa tendência ao emprego de predicadores complexos com dar nesses tipos textuais em
todas as rodadas (rodada geral e rodada específica considerando textos jornalísticos). Em
artigos de opinião, a produtividade de perífrases e de predicadores simples que apresentam
nuances de sentido é semelhante, o que, provavelmente, explicaria índices probabilísticos
próximos a .50 (peso relativo neutro). Nota-se que, nas notícias, para atingir alguma diferença
de sentido, os falantes recorrem ao uso de perífrases e não de predicadores simples
equivalentes. O fato de o emprego das construções dar + SN ocorrer por motivações
discursivas justifica o peso relativo alto (.81) encontrado na análise multivariada, que leva em
conta dados com e sem nuance semântica da amostra do projeto D&G.
As rodadas que contemplam somente textos para avaliação (provas e redações) não
selecionaram a variável tipo de texto.
5.3.2.4 Atuação da variável tempo verbal
Pres.
Pret. Perf. Pret. Imp. Futuro Subjuntivo
Indicativo Indicativo Indicativo Indicativo
Rodada geral
(do pres. +
do pret.)
(dados de todos os corpora)
Perífrases
dar+ SN
Oco/Total
Percentual
Peso
Relativo
Predicadores simples
17/371
4%
45/330
13%
6/54
11%
2/34
5%
1/45
2%
.44
.61
.45
.36
.28
354/371
95%
285/330
87%
48/54
89%
32/34
95%
44/44
98%
Tabela 71: Atuação da variável tempo verbal
Perífrases dar+SN
Oco/Total
Percentual
Peso
Relativo
Predicadores simples
Infinitivo
56/816
6%
Gerúndio
4/156
2%
Particípio
6/28
21%
.53
.25
.77
760/816
94%
152/156
98%
22/28
79%
Tabela 71: (continuação): Atuação da variável tempo verbal
Quanto à distribuição percentual dos dados, percebe-se que os predicadores simples são
mais produtivos que as perífrases em todos os tempos verbais encontrados no corpus. Os
resultados probabilísticos demonstram que a tendência ao uso de perífrases é maior no
particípio (.77) e no pretérito perfeito do indicativo (.61). No infinitivo, essa tendência fica
245
próxima ao ponto neutro (.50) e, nos demais tempos, é possível considerá-la baixa (cf. índices
em itálico).
A variável tempo verbal foi selecionada, ao todo, por cinco rodadas: (i) rodada geral que
considera dados sem e com nuance semântica; (ii) rodada geral que considera apenas dados
sem nuance semântica; (iii) rodada específica que considera ocorrências de textos jornalísticos
com e sem nuance semântica; (iv) rodada específica que considera dados de textos
jornalísticos sem nuance semântica; e (v) rodada específica com dados de provas e redações
sem nuances semânticas. As rodadas realizadas com os dados da amostra do projeto D&G e a
rodada com textos para avaliação com e sem nuance semântica não selecionaram a variável. A
seguir, expõe-se a tabela comparativa dos pesos relativos das rodadas (primeiramente, do
nível selecionado pelo programa e, em seguida, do nível 1):
Pres.
Ind.
Pret.
Perf.
Indicativo
Pret.
Imp.
Indicativo
(dados com e
sem nuance
semântica)
.44
.61
.45
.36
.53
.25
.77
.28
Nível1 (0,000)
.40
.66
.51
.43
.50
.27
.79
.24
(dados sem
nuance
semântica)
.44
.58
.47
.45
.52
.28
.82
Nível1 (0,007)
.43
.64
.54
.38
.51
.31
.81
Não foram
encontrados
dados nesse
tempo.
RODADAS
Futuro
Ind.
Infinitivo Gerúndio Particípio Subjuntivo
Geral
Geral
Textos
jornalísticos
(dados com e
sem
nuance
semântica)
.36
.54
.06
.60
.27
.86
.28
Nível1 (0,023)
.37
.53
.07
.62
.22
.88
.36
Não foram
encontrados
dados nesse
tempo.
Textos
jornalísticos
(dados sem
nuance
semântica)
.36
.53
Nível1 (0,013)
.40
.53
Textos para
avaliação
(dados sem
nuance
semântica)
.76
.33
Nível1 (0,028)
.73
.34
Não
foram
encontra
dos
dados
nesse
tempo.
Não
foram
encontra
dos
dados
nesse
tempo.
.58
.24
.85
.59
.28
.90
.26
Não foram encontrados dados nesse
tempo.
.29
Tabela 72: Pesos relativos da variável tempo verbal nas rodadas gerais, nas rodadas com a amostra de textos
jornalísticos e na rodada com a amostra de textos para avaliação (dados sem nuance semântica)
246
Os pesos relativos pertencentes aos primeiros níveis de análises são semelhantes aos
encontrados no nível selecionado em cada rodada. Isso significa que o grupo de fatores tempo
verbal se comporta de forma bastante semelhante tanto na análise que leva em conta a coatuação de variáveis (no nível selecionado) quanto na análise em que o grupo é tratado
isoladamente (nível 1).
Como é possível visualizar no tabela 72, os pesos relativos relacionados aos fatores das
rodadas gerais são semelhantes entre si (cf. comentários sobre a tabela 71).
Nas rodadas em que se levam em conta apenas dados de jornais, diferentemente do que
ocorre nas rodadas gerais, há uma diminuição nos pesos relativos referente ao pretérito
perfeito, que passam a índices considerados neutros (.54 – rodada com dados sem e com
nuance semântica – e .53 – rodada com dados sem nuance semântica). Isso significa que, na
verdade, esse tempo verbal (pretérito do indicativo) não deve ser considerado um contexto
que possibilita maior propensão ao uso de perífrases.
Outra diferença nos resultados probabilísticos refere-se aos índices referentes ao
infinitivo. Enquanto as rodadas gerais revelam tendências ao emprego de predicadores
complexos com dar bastante semelhantes (.53 – rodada com dados sem e com nuance
semântica – e .52 – rodada com dados sem nuance semântica) e a rodada específica com
dados de redações e provas evidenciam pesos bem baixos (.26/.29), nas análises que
consideram dados de textos jornalísticos, os pesos relativos são relativamente altos (.60 –
rodada com dados sem e com nuance semântica – e .58 – rodada com dados sem nuance
semântica). A tendência ao emprego de perífrases no particípio mantém-se bastante elevada
nas rodadas com textos jornalísticos (.86 – rodada com dados sem e com nuance semântica –
e .85 – rodada com dados sem nuance semântica). Este tempo verbal não ocorreu em dados
pertencentes ao corpus de textos para avaliação.
Na rodada que abarca baseada em textos para a avaliação, os pesos relativos referentes
ao presente do indicativo (.76) não se apresentam baixos ou com um valor neutro (próximo ao
.50), como esperado.
A variável tempo verbal talvez não seja condicionadora do fenômeno por si só; isto é, os
motivos pelos quais alguns tempos verbais apresentam pesos relativos elevados podemdevem
estar relacionados à co-atuação de outra(s) variável(is) independente(s). Para verificar essa
hipótese, recorreu-se a tabulações cruzadas entre a variável tempo verbal e as demais.
Constatou-se, com os resultados das tabelas 73 e 74, que a maioria das perífrases que estão no
infinitivo e no particípio pertencentes às duas rodadas dos textos jornalísticos e a maior parte
247
das perífrases no presente submetidas à rodada dos textos para avaliação (ocorrências sem
nuance semântica) apresentam extensão silábica favorável a seu emprego (mesma extensão
silábica do predicador, cf. percentuais em negrito, e uma sílaba a menos que o predicador, cf.
percentuais em itálico).
RODADAS
Textos jornalísticos
(dados com e sem
nuance semântica)
Textos jornalísticos
(dados sem
nuance semântica)
Contextos
(extensão silábica)
Infinitivo
Particípio
1 sílaba a menos
para a perífrase
6/25
24%
—
Nenhuma diferença
11/25
44%
3/4
75%
1 sílaba a mais para
a perífrase
4/25
16%
1/4
25%
2 ou mais sílabas
para a perífrase
4/25
16%
—
1 sílaba a menos
para as perífrases
4/19
21%
—
Nenhuma diferença
10/19
53%
3/4
75%
1 sílaba a mais para
a perífrase
3/19
16%
1/4
25%
2 ou mais sílabas
para a perífrase
2/19
11%
—
Tabela 73: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e da
perífrase e tempo verbal (apenas textos jornalísticos)
RODADA
Contextos
Presente
(extensão silábica)
Textos para avaliação
(dados sem nuance semântica)
1 sílaba a menos
para as perífrases
3/4
75%
Nenhuma diferença
—
1 sílaba a mais para
a perífrase
—
2 ou mais sílabas
para a perífrase
1/4
25%
Tabela 74: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e da
perífrase e tempo verbal (apenas textos para avaliação)
248
5.3.2.5 Atuação da variável graus de escolaridade (Apenas dados do corpus D&G e do corpus
“textos para avaliação”)
RODADA GERAL
(dados de
corpora)
todos
CA
CA
8/29
27%
.97
4a
SÉRIE
E.F
8a
SÉRIE
E.F.
10
ÚLTIMO
30 ANO
E.M. PERÍODO PERÍODO
E.S.
E.S.
8/27
29%
15/186
8%
29/148
19%
14/171
8%
4/28
14%
8/182
4%
.79
.71
.64
.34
.82
.43
os INFANTIL SUPLETIVO
Perífrases Oco/Total
dar+SN Percentual
Peso
Relativo
Predicadores Simples
21/29
73%
19/27
171/186 119/148 157/171
24/28
71%
92%
81%
92%
86%
Tabela 75: Atuação da variável graus de escolaridade
174/182
96%
A tabela 75 demonstra que, em relação à distribuição dos dados em todos os corpora,
predicadores simples são mais freqüentes em todos os níveis de escolaridade. Quanto à
tendência ao uso de perífrases dar + SN, observa-se que os maiores pesos relativos se
encontram nas primeiras séries da trajetória escolar (C.A infantil – .97, C.A supletivo – .79 e
4ª série – .71), na 8ª série (.64) e no primeiro período da universidade (.82). Registra-se a
menor tendência de emprego dessas construções no 3° ano do Ensino Médio (.34) e no último
período do Ensino Superior (.43).
A rodada com textos para avaliação (redações e provas) não selecionou a variável. Além
da rodada geral com todos os dados, essa variável também foi selecionada na rodada geral em
que se levaram em conta apenas dados sem nuance semântica e nas rodadas específicas que
consideraram dados da amostra do projeto D&G. Na tabela 76, apresentam-se os pesos
relativos referentes às rodadas, considerando-se os pesos relativos do nível de seleção e o
primeiro nível de análise de cada rodada.
249
CA
Infantil
CA
Supletivo
4a Série
8a
Série
Geral (dados com e sem nuance
.97
.79
.71
.64
.34
.43
Nível 1 (0,000)
.80
.79
.69
.59
.35
.38
Geral (dados sem nuance semântica)
Nível 1 (0,000)
.86
.76
.85
.77
.63
.58
.74
.70
.16
.24
.21
.31
D&G (dados com e sem nuance
.89
.80
.62
.73
.23
.27
.82
.76
.66
.77
.30
.35
.81
.73
.75
.68
.62
.67
.71
.77
.17
.20
.15
.19
RODADAS
semântica) 120
30 Ano Último
E.M. Período
E.S.
semântica)
Nível 1 (0,000)
D&G (dados sem nuance semântica)
Nível 1 (0,000)
Tabela 76: Pesos relativos da variável graus de escolaridade nas rodadas gerais e nas rodadas D&G
escolaridade
Ao ser verificada isoladamente (no primeiro nível de análise), a variável graus de
escolaridade apresenta pesos relativos semelhantes aos detectados no nível selecionado nas
rodadas.
Na tabela 76, nota-se que, assim como nas rodadas gerais, nas rodadas específicas
referentes ao corpus D&G, a tendência ao emprego de perífrases é alta em todos os níveis
investigados (cf. índices em negrito), exceto no terceiro ano do Ensino Médio e no último
período do Ensino Superior (cf. índices em itálico). A fim de conhecer melhor a natureza
desses dados, tabulações cruzadas entre a variável graus de escolaridade e as demais foram
feitas. Detectou-se que os resultados podem ter sido influenciados pela relação desse fator
com as variáveis presença de nuance semântica e modalidade expressiva.
120
Para a comparação entre as rodadas, o 1° período do Ensino Superior não foi incluído no quadro, pois
somente foi selecionado na rodada geral (dados com e sem nuance semântica), como pode ser verificado na
tabela 76.
250
Perífrases
CA infantil
Predicadores
Simples
CA supletivo
Perífrases
Predicadores
Simples
Perífrases
4ª série
Predicadores
Simples
Perífrases
8ª série
Predicadores
Simples
3ª série
Perífrases
Predicadores
Simples
Último
período do
Ensino
Superior
Perífrases
Predicadores
Simples
Com nuance
semântica
2/2
100%
0/2
0%
Sem nuance
semântica
6/27
22%
21/27
78%
4/6
67%
2/6
33%
4/21
19%
17/21
81%
10/11
91%
1/11
9%
5/175
3%
170/175
97%
15/16
94%
1/16
6%
12/74
16%
62/74
84%
7/13
54%
6/13
46%
1/99
1%
98/99
99%
1/1
100%
0/1
0%
6/93
6%
87/93
94%
Tabela 77: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuance semântica (apenas
dados da amostra D&G)
A tabela 77 confirma, mesmo com poucos dados distribuídos pelos fatores, que a
freqüência de verbos plenos é maior quando não há necessidade de veicular nuance
semântica. Diferentemente, a produtividade das perífrases é maior quando nelas há alguma
nuance de sentido especial. Em outras palavras, normalmente, falantes de diferentes níveis de
escolaridade recorrem a construções com dar + SN, devido à necessidade de alcançar alguma
diferença de sentido, ainda que sutil em relação ao predicador simples equivalente. Logo, a
variável social clássica graus de escolaridade foi selecionada devido à co-atuação da variável
presença de nuance semântica. Esse resultado colabora para sinalizar o fato de o estudo sobre
alternância entre predicadores complexos com dar e verbos plenos cognatos dever ser
orientado levando-se em consideração que os falantes recorrem às perífrases por motivações
de natureza semântico-discursiva.
251
A relação entre graus de escolaridade e modalidade expressiva consta na tabela a
seguir:
Fala
CA infantil
Escrita
CA supletivo
Fala
Escrita
Fala
4ª série
EF
Escrita
Fala
8ª série
EF
3ª série
EM
Escrita
Fala
Escrita
Último ano do
Ensino
Superior
Fala
Escrita
Perífrases
5/8
63%
3/8
37%
Predicadores Simples
4/8
50%
4/8
50%
10/19
53%
9/19
47%
10/15
67%
5/15
33%
80/171
47%
91/171
53%
20/27
74%
7/27
26%
27/63
42%
36/63
58%
7/8
88%
1/8
12%
22/104
21%
82/104
79%
6/7
86%
1/7
14%
23/87
26%
64/87
74%
15/21
71%
6/21
29%
Tabela 78: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e modalidade expressiva (apenas dados da
amostra D&G)
Ao longo de todos os períodos escolares investigados, em geral a produtividade de
perífrases é maior na fala em comparação à que se registra na escrita. A freqüência de
predicadores simples é maior na fala dos informantes pertencentes ao C.A infantil. No C.A
supletivo e na 4° série, há distribuição semelhante de verbos plenos na fala e na escrita.
Ressalta-se que, a partir da 8ª série, o percentual de verbos plenos aumenta na escrita,
chegando a uma diferença bastante elevada (de 58%) no 3° ano do Ensino Médio. Esses
resultados estão de acordo com a hipótese de que os alunos mais escolarizados,
provavelmente, têm maior nível de consciência sobre o uso da língua e sobre as
recomendações normativas acerca da elaboração de textos escritos, tais como demonstrar
riqueza vocabular e evitar repetições de termos (verbos, no caso). Sendo assim, essa pode ser
uma motivação para o emprego de verbos predicadores nessa modalidade.
252
Apesar de a rodada com textos para avaliação não ter selecionado a variável graus de
escolaridade, encontra-se, a seguir, uma tabela que a relaciona com a produtividade de
perífrases e predicadores simples nas provas e redações.
REDAÇÕES
Perífrases
8ª série
Predicadores
Simples
Predicadores
Simples
6/59
10%
53/59
90%
Perífrases
—
Predicadores
Simples
—
Perífrases
—
Predicadores
Simples
—
Perífrases
3ª série
1° período do
Ensino
Superior
Último
período do
Ensino
Superior
2/58
3%
56/58
97%
5. PROVAS
—
—
—
—
4/28
14%
24/28
86%
1/88
1%
87/88
99%
Tabela 79: Atuação da variável graus de escolaridade (apenas dados da amostra de textos para
avaliação)
A tabela anterior revela que a produtividade de predicadores simples é bem elevada em
redações e provas pertencentes a todos os níveis de escolaridade investigados. Tenciona-se,
com a próxima tabela, demonstrar os resultados de uma tabulação cruzada entre níveis de
escolaridade e presença de nuance semântica referente aos dados que pertencem a redações e
a provas. Nota-se que a maioria das perífrases empregadas nesses tipos de texto veicula
alguma nuance de sentido; ou seja, há uma razão de cunho funcional/discursivo para seu
emprego.
253
Predicadores Simples
Com nuance
especial
Sem nuance
4/6
67%
2/6
33%
2/53
4%
51/53
96%
Com nuance
especial
Sem nuance
3/4
75%
1/4
25%
0/24
0%
24/24
100%
Com nuance
especial
Sem nuance
1/1
100%
0/1
0%
0/87
0%
87/87
100%
Com nuance
especial
Sem nuance
8ª série
3° ano
1° período do
Ensino
Superior
Último
período do
Ensino
Superior
Perífrases
0/2
0%
2/2
100%
1/56
2%
55/56
98%
Tabela 80: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuance semântica (apenas
dados da amostra de textos para avaliação)
(Ex.:208) Sendo assim, com esses conhecimentos, as pessoas vão em busca incessantemente
da sua beleza, deixando de lado o seu aprendizado, ficando mais pobres, para dar mais
cuidado ao seu corpo. [PB escrito, 3ª série E.M., redação, CPII-EN-EM-3-M-007]
(Ex.:209) Podemos comparar a linguagem dos textos e dar alguns exemplos, que para a
norma culta “bataia” está gramaticalmente incorreto e o certo seria “batalha” (...) [PB, 1°
período do E.S., prova, ES-P1-M-003]
(Ex.:210) No caso da “charge”, a mãe dá uma resposta inesperada ao filho e a moral da
charge é que o significado para as coisas está na cabeça de cada um, portanto, é totalmente
subjetivo (...). [PB, escrito, último período do E.S., prova, ES-P7-F-012]
5.3.2.6 Atuação da variável modalidade expressiva 121 (Apenas dados do corpus D&G)
Oral (D&G) Escrita (D&G)
Perífrases
dar+ SN
49/226
22%
24/312
8%
177/226
288/312
Predicadores
78%
92%
Simples
Tabela 81: Atuação da variável modalidade expressiva
121
A variável modalidade expressiva não foi selecionada nas rodadas realizadas. Portanto, somente resultados
percentuais são apresentados.
254
Os resultados expostos demonstram que se registram mais predicadores simples tanto na
modalidade falada quanto na modalidade escrita. Tal resultado não está em consonância com
o previsto pela hipótese inicial, qual seja: a de maior incidência de predicadores complexos
com dar na fala. Tinha-se a impressão de que, na fala, os usuários do Português empregariam
formas analíticas e que o fato de o verbo-suporte dar ser um item gramaticalizado acarretaria
maior predomínio de construções que substituíssem predicadores simples.
Com o intuito de investigar a hipótese de que perífrases com nuance semântica teriam
maior freqüência na oralidade, recorreu-se à tabulação cruzada entre modalidade expressiva e
presença de nuance semântica.
Perífrases dar + SN
FALA
Predicadores Simples
Perífrases dar + SN
ESCRITA
Predicadores Simples
Com nuance
especial
11/16
69%
5/16
31%
Sem nuance
2/8
25%
6/8
75%
22/304
7%
282/304
93%
38/210
18%
172/210
82%
Tabela 82: Tabulação cruzada entre modalidade expressiva e presença de nuance semântica (apenas
dados da amostra D&G)
A tabela 82 revela que, quando não necessitam veicular nenhuma nuance semântica, os
falantes usam, com maior freqüência, predicadores simples tanto na fala (82%) quanto na
escrita (93%). Ademais, a hipótese de que haveria, na fala, mais predicadores complexos com
nuance semântica do que verbos plenos foi comprovada (cf. tabela 82 - 38% a mais de
perífrases com nuance de sentido em relação aos casos de predicadores simples). Nota-se
que, na escrita, ainda que seja para marcar alguma diferença de sentido, os falantes optam
pelo verbo pleno cognato. Provavelmente, os usuários da língua buscam o emprego de
diferentes itens verbais, na escrita, com o intuito de evitar repetições do verbo dos
predicadores complexos e de seguir recomendações de cunho normativo que possivelmente
tenham recebido por meio da escola e/ou manuais de redação.
255
5.3.2.7 Atuação da variável faixa etária (Apenas dados do corpus D&G)
RODADA GERAL
ATÉ 12
ANOS
13-17
ANOS
18-35
ANOS
36-55
ANOS
Oco/Total
Percentual
23/209
11%
26/95
27%
22/218
10%
2/16
12%
Peso Relativo
.63
186/209
89%
.65
69/95
73%
.45
196/218
90%
.04
14/16
88%
(dados com e sem nuance
semântica especial)
Perífrases
dar+SN
Predicadores Simples
Tabela 83: Atuação da variável faixa etária
Apesar de a produtividade de predicadores simples ser maior em todas as faixas etárias
investigadas, a tendência ao uso de perífrases dar + SN se revela maior em faixas etárias mais
jovens (até 12 anos – 0.63; de 13 aos 17 anos – 0.65). Diferentemente, a partir da faixa de 18
a 35 anos, o emprego dessas construções tende a ser proporcional ao de predicadores simples
(.45 - índice próximo a .50). O peso relativo associado ao grupo de falantes mais velhos é
baixíssimo (de 36 aos 55 anos – .04).
Além da rodada geral que considera dados com e sem nuance semântica, a variável
faixa etária foi selecionada pelas rodadas específicas que abarcam apenas dados do projeto
D&G. Na tabela abaixo, encontram-se os pesos relativos pertencentes aos níveis selecionados
e ao primeiro nível de análise de cada rodada.
RODADAS
Geral (dados com e sem nuance semântica)
Nível selecionado (0,026)
Nível 1 (0,000)
Geral (dados sem nuance semântica)
Nível selecionado (0,047)
Nível 1 (0,000)
ATÉ 12
ANOS
13-17
ANOS
18-35
ANOS
36-55
ANOS
.63
.65
.45
.04
.66
.69
.43
.07
.56
.47
.51
.11
.58
.50
.48
.16
D&G (dados com e sem nuance semântica)
Nível selecionado (0,018)
Nível 1 (0,001)
.58
.62
.62
.07
.60
.71
.58
.07
D&G (dados sem nuance semântica)
Nível selecionado (0,028)
Nível1 (0,003)
.56
.60
.30
.37
.42
.44
.05
.07
Tabela 84: Pesos relativos da variável faixa etária nas rodadas gerais e nas rodadas D&G
Os pesos relativos referentes aos primeiros níveis de análise são semelhantes aos
valores encontrados nos níveis selecionados pelas rodadas, confirmando-os.
256
Pode-se afirmar que a tendência ao emprego de predicadores complexos com dar
diminuiu na rodada na qual se descartam dados com nuances semânticas (cf. pesos relativos
referentes às duas rodadas do tipo “geral”). Na rodada específica com dados da amostra D&G
que leva em conta dados com e sem nuances semânticas, nota-se que os mais jovens
(pertencentes às duas primeiras faixas) apresentam maior tendência ao emprego de perífrases.
Uma justificativa para esse resultado talvez seja o fato de os falantes mais jovens usarem um
repertório de itens lexicais menor do que o dos adultos. Esse comportamento é previsto por
Martinot 122 (1996). Segundo o autor, as crianças tendem a iniciar a fala usando perífrases e,
com o amadurecimento e com as experiências lingüísticas, passam a dominar um repertório
maior de verbos predicadores. A tendência ao uso de perífrases por falantes mais velhos
(última faixa) permanece bem baixa, como esperado. No entanto, esperava-se que essa baixa
tendência seria apresentada a partir da faixa intermediária, o que não ocorreu nesse nível
selecionado (.62).
A rodada específica D&G em que dados com nuance semântica foram descartados
demonstrou que falantes mais jovens (até 12 anos) continuam tendo inclinação ao emprego de
perífrases, mesmo que essas construções não apresentem nuance semântica. Diferentemente,
os pesos relativos encontrados nas faixas de 13 a 17 anos (.30) e de 18 a 35 anos (.42) revelam
que a tendência ao uso de predicadores complexos com dar diminui com a retirada de dados
com nuance semântica especial. Os valores em negrito da tabela 85 corroboram a hipótese de
que a quantidade de perífrases com nuance semântica em relação à de verbos plenos é maior
nessas faixas, o que deve ter acarretado a presença de pesos relativos relevantes (de 13 a 17
anos: .62 e de 18 a 35 anos: .62) na rodada D&G que levou em conta dados com e sem nuance
semântica.
122
O autor demonstra como um dos exemplos, a seguinte fala de criança: “Mamãe deu uma palavra” (deu uma
palavra = falou). No francês, essa expressão não se apresenta com dar, mas com fazer: “Maman a fait um mot”
(p. 83)
257
Perífrases
Até 12 anos
Predicadores
Simples
13-17 anos
Perífrases
Predicadores
Simples
Perífrases
18-35 anos
Predicadores
Simples
Perífrases
36-55 anos
Predicadores
Simples
Com nuance
especial
12/13
93%
1/13
7%
Sem nuance
16/17
94%
1/17
6%
10/78
13%
68/78
87%
10/14
71%
5/14
29%
12/203
6%
191/203
94%
1/2
50%
1/2
50%
1/14
7%
13/14
93%
11/196
6%
185/196
94%
Tabela 85: Tabulação cruzada entre faixa etária e presença de nuance semântica (apenas dados da
amostra D&G)
A hipótese de que a variável faixa etária não é por si só o condicionamento do fenômeno
revela-se pertinente com o controle da co-atuação da variável presença de nuance semântica
(cf. tabela 85). Os resultados referentes à relação entre faixa etária e modalidade expressiva
encontram-se na tabela 86 123 e estão de acordo com o esperado.
Fala
Até 12 anos
Escrita
13-17 anos
Fala
Escrita
Fala
18-35 anos
Escrita
Perífrases
16/23
70%
7/23
30%
Predicadores Simples
84/186
45%
102/186
55%
15/26
58%
11/26
42%
32/69
46%
37/69
54%
17/22
77%
5/22
23%
56/196
29%
140/196
71%
Tabela 86: Tabulação cruzada entre faixa etária e modalidade expressiva (apenas dados da amostra
D&G)
123
Decidiu-se não expor os resultados referentes à última faixa etária (35 a 55 anos) devido ao número baixo de
perífrases (apenas 2 ocorrências) , que não permite tecer generalizações.
258
Nota-se que, nas faixas etárias referentes a falantes mais jovens (até 12 anos e de 13 a 17
anos) e na faixa intermediária (11-35 anos), há maior produtividade de perífrases na fala do
que na escrita. A freqüência de predicadores simples aumenta na escrita à medida que a faixa
etária também aumenta. Esse resultado, provavelmente, está relacionado com o fato de os
falantes de 18 a 35 anos terem mais consciência sobre orientações de cunho normativo,
especialmente as que se referem à elaboração de textos escritos, que recomendam o emprego
de diversos verbos predicadores para demonstrar vasto arcabouço vocabular.
5.3.2.8 Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos 124 (Apenas dados do corpus “textos
jornalísticos”)
Perífrases
dar+ SN
Predicadores
Simples
O Povo
15/149
10%
Extra
7/142
4%
O Globo
15/321
5%
Jornal do Brasil
14/458
3%
134/149
135/142
306/321
90%
96%
95%
Tabela 87: Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos
444/458
97%
O maior emprego de formas verbais simples do que predicadores complexos dar+SN
ocorre tanto em jornais menos populares (O Globo e Jornal do Brasil) quanto em jornais mais
populares (Extra e O Povo), o que contraria a hipótese de que nestes haveria maior número de
perífrases e menor número de predicadores do que naqueles. Imaginou-se que autores de
textos jornalísticos para veículos considerados populares se voltassem mais para uma
linguagem com número mais expressivo de estruturas consideradas informais, coloquiais,
e/ou típicas da oralidade e com maior possibilidade de repetições de vocábulos. Esses
resultados, então, suscitaram os seguintes questionamentos: “O que faz com que haja formas
verbais complexas nesses textos jornalísticos? Haveria motivações funcionais?” Para
responder a essas perguntas, decidiu-se checar a relação entre presença de nuance semântica
nas perífrases e os jornais aos quais elas pertencem.
124
A variável fontes de textos jornalísticos não foi selecionada nas rodadas realizadas. Portanto, somente
resultados percentuais são apresentados.
259
Perífrases
dar+SN
Predicadores
Simples
Com nuance
especial
Sem nuance
Com nuance
especial
Sem nuance
O Povo
1/15
6%
Extra
2/7
29%
O Globo
9/15
60%
Jornal do Brasil
8/14
57%
14/15
94%
5/7
71%
6/15
40%
6/14
43%
1/134
1%
2/135
1%
3/306
1%
4/444
1%
133/134
99%
133/135
99%
303/306
99%
440/444
99%
Tabela 88: Tabulação cruzada entre fontes dos textos jornalísticos e presença de nuance semântica
Observa-se que, em geral, os verbos plenos, em todos os jornais, não são empregados
para veicular nuances de sentido. Nos jornais considerados menos populares (O Povo e
Extra), a produtividade de perífrases também não parece estar relacionada à necessidade de
veicular alguma nuance de sentido, já que há mais freqüência de perífrases sem nuances (cf.
percentuais em itálico). Diferentemente, a maioria de perífrases encontradas nos jornais
menos populares (O Globo e Jornal do Brasil) veicula alguma nuance de sentido especial (cf.
percentuais em negrito). Logo, constatou-se que o emprego de perífrases nos jornais menos
populares ocorre devido a motivações pragmático-discursivas, enquanto em jornais mais
populares os predicadores complexos com dar são empregados sem que haja alguma
motivação funcional explícita.
A seguir, apresentam-se alguns exemplos encontrados em O Globo e no Jornal do
Brasil:
(Ex.:211) sua vida tão ameaçada está plantada sobre uma Rocha inabalável, que lhe dá muitas
forças para enfrentar qualquer perigo. [JB, 08-03-04, Crônica, “Umas e outras”] (um pouco diferente de
fortalecer – intensificação do SN)
(Ex.: 212) (...) Deu fartas provas de que não tolera dissidência, nem mesmo dentro da própria
família. [O Globo, 04,10,02, Editorial, “Dar o Exemplo”] (um pouco diferente de provar – caracterização do
SN)
(Ex.: 213) (...) dei umas risadinhas amarelas etc. e tal, contei umas duas piadas de médico,
ele me mandou calar a boca e respirar na máscara - minhas não sei das quantas de oxigenação
estavam inferiores às da superfície da Lua. [O Globo, Artigo de opinião, 03-11-02, “Voltando, sem
muita convicção”] (um pouco diferente de rir – caracterização do SN)
(Ex.:214) Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das
emissoras. E, quem sabe, dar uma ajudazinha a essas políticas. [JB, 03-06-03, Artigo de opinião,
260
Medo do melhor] (um pouco diferente de ajudar – estrutura dar+SN com menor grau de formalidade em função
da inserção de sufixo no SN)
(Ex.:215) Todos concordaram que o presidente Lula acertou ao dar bastante prioridade aos
fundamentos econômicos. [JB, 03-06-03, Editorial, “Visão Realista”] (um pouco diferente de priorizar –
intensificação do SN)
5.3.2.9 Considerações gerais
O quadro abaixo demonstra a ordem de seleção das variáveis 125 que mais influenciam o
emprego de perífrases dar + SN em todas as rodadas. São representadas da seguinte forma: P
- Presença de nuance semântica; D - diferença entre o número de sílabas do verbo predicador
e o da perífrase; F - faixa etária; G - graus de escolaridade; T – tipos de texto; e V – tempo
verbal.
Rodadas gerais
Rodadas específicas
D&G
Com
todos os
dados
P
Dados
SEM
nuance
D
Com todos
os dados
D
F
Rodadas específicas
Textos jornalísticos
Com todos
os dados
P
Dados
SEM
nuance
D
F
D
G
G
G
T
T
F
Rodadas específicas
Textos para avaliação
Com todos
os dados
P
Dados
SEM
nuance
D
P
Dados
SEM
nuance
D
G
D
V
D
V
F
T
V
V
Quadro 21: Ordem decrescente de seleção de variáveis
Constata-se que, considerando os grupos de fatores que são comuns a todos os corpora,
as variáveis que mais influem na alternância entre predicadores complexos com dar+SN e
125
Todas as variáveis contempladas nas rodadas foram: (a) rodada geral (dados com e sem nuance semântica): P,
D, F, G, T e V; (b) rodada geral (dados sem nuance semântica): D, F, G, T, V; (c) rodada D&G (dados com e
sem nuance semântica): P, D, G, T, F e V; (d) rodada D&G (dados sem nuance semântica): D, G, T, F e V; (e)
rodada textos jornalísticos (dados com e sem nuance semântica): P, D, T e V; (f) rodada textos jornalísticos
(dados sem nuance semântica): D, T e V; (g) rodada textos para avaliação (dados com e sem nuance semântica):
P, D, T e V; (g) rodada textos para avaliação (dados sem nuance semântica): D, T e V.
261
predicadores simples cognatos são presença de nuance semântica (P) e diferença entre o
número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase (D).
Nas rodadas que consideram textos jornalísticos, a variável tipo de texto demonstrou-se
como a terceira (na rodada com todos os dados – com e sem nuance semântica) selecionada,
além de, na rodada com a amostra D&G que abarca todos os dados, apresentar-se na quarta
posição. A pesquisa demonstrou que os maiores pesos relativos apresentados em certos tipos
textuais decorreram da presença de um grande número de perífrases com nuance semântica
especial, ou seja, a variável tipo de texto co-atua com a variável presença de nuance
semântica na alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores simples
equivalentes.
Tempo verbal (V), uma variável comum à análise de todos os corpora, foi selecionada,
em última posição, nas rodadas gerais, nas dos textos jornalísticos e nas dos textos para
avaliação (apenas dados sem nuance semântica). Constatou-se que essa variável não atua
sozinha, mas tem relação com a variável diferença entre o número de sílabas do predicador e
o da perífrase. Os pesos relativos mais relevantes pertencem a tempos verbais cujas estruturas
dar+SN apresentam extensão silábica favorável a seu emprego (nenhuma diferença no
número de sílabas ou uma sílaba a menos em comparação com o verbo pleno equivalente).
Em ambas as rodadas gerais, a faixa etária é a terceira (na rodada com todos os dados) e
a segunda (na rodada com dados sem nuance) variável selecionada. Entretanto, a realização de
uma rodada específica com o corpus do projeto D&G apresenta um resultado distinto,
demonstrando que é a variável escolaridade (G) que se encontra nessas posições. A variável
faixa etária (F), das variáveis selecionadas, é, na verdade, a que menos pesa no fenômeno de
alternância investigado no corpus do projeto D&G. A análise dessas variáveis “sociais
clássicas” foi relacionada aos demais fatores investigados e concluiu-se que alguns resultados
probabilísticos relevantes pertencentes a determinados graus de escolaridade e a determinadas
faixas etárias parecem estar correlacionados à influência da variável presença de nuance
semântica.
Destaca-se que o fato de a variável presença de nuance semântica ter influenciado a
atuação de outras variáveis, especialmente as extralingüísticas, demonstra que a alternância
entre perífrases com verbo-suporte dar + SN e verbos plenos ocorre em função de algum grau
de consciência do falante. Tal constatação suscitou outros questionamentos cujas respostas
levarão à compreensão, de forma mais ampla, desse fenômeno: “Quais as características dos
contextos discursivos que ‘exigem’ o emprego de predicadores complexos com dar e
262
descartam a possibilidade do uso de verbos plenos equivalentes ou vice-versa? O grau de
formalidade da situação comunicativa? O papel social que os participantes desempenham no
momento da interação verbal?”. Para preencher essas lacunas, é necessário expandir o
trabalho Sociofuncionalista com a utilização de outros materiais (testes de atitude) que
possibilitem a análise de dados da escrita e da oralidade não somente do ponto de vista do
pesquisador, mas da perspectiva do falante, para que se descubram as motivações pragmáticodiscursivas relacionadas ao emprego das formas alternantes em questão.
5.4 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com verbosuporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente
5.4.1 Objetivo dos testes
Objetiva-se, com a aplicação de dois testes relacionados ao fenômeno de alternância,
verificar se, nos contextos apresentados, há ou não relação de equivalência entre os
predicadores simples e complexos, além de detectar as nuances de sentido e as funções
pragmático-discursivas que levam os falantes a optarem pelo emprego de uma dessas
formas 126 .
5.4.2 Configuração dos testes de atitude
Um dos testes contém 13 contextos comunicativos em que se apresentam duas opções:
uma construção dar + SN e um verbo predicador cognato ao SN da perífrase. Foi realizado
em duas etapas : na primeira, o informante (no ensino fundamental, médio ou superior)
marcou uma dessas opções ou as duas, de acordo com o que considerou mais apropriado para
o contexto no qual as estruturas em destaque se encontravam; em seguida, participou de uma
conversa gravada na qual o pesquisador indagou as razões de cada escolha.
Na primeira versão desse teste, havia um espaço para os informantes justificarem, por
escrito, suas escolhas 127 . Percebeu-se, entretanto, que mesmo os indivíduos
126
mais
As hipóteses quanto às respostas dos informantes são apresentadas durante a exposição dos resultados dos
testes.
127
Na primeira fase, o teste configurava-se desta forma::
( ) Acho que as formas sublinhadas possuem o mesmo sentido, porque___________________________
263
escolarizados demonstravam certa dificuldade em expor, por escrito, as razões por que
marcavam determinada opção. Diferentemente, apesar de estarem numa situação de gravação,
os informantes ficaram mais à vontade ao explicar oralmente as respostas que marcaram no
teste. Além disso, o método da “entrevista” foi adotado por possibilitar ao pesquisador
formular e refazer perguntas de forma a extrair do informante respostas mais condizentes com
as opções selecionadas 128 .
O segundo teste tem como alvo professores de Português que avaliaram uma redação
que apresenta diversas estruturas com verbo-suporte dar + SN. Objetiva-se, com esse teste,
checar se os informantes percebem alguma nuance de sentido nessas estruturas em
comparação a seus verbos cognatos e, principalmente, averiguar se os professores manifestam
algum tipo de rejeição ao uso de perífrases com verbo-suporte dar. Deseja-se, portanto,
investigar a hipótese de que os professores relacionam o emprego de perífrases ao uso da
norma coloquial e não ao da norma culta padrão e, por tal razão, recomendam a substituição
dessas construções ao avaliarem um texto. Essa hipótese está baseada em observações
existentes em certas orientações de redação nesse sentido (cf. seção 6).
5.4.3 Análise dos resultados obtidos
Com base na análise das justificativas dos informantes em ambos testes 129 ,
identificaram-se estes padrões de comportamento lingüístico:
(i)
opção por forma simples ou complexa em virtude de adequação ao gênero textual
(padrão I);
(ii)
opção por forma simples ou complexa de acordo com o tipo de jornal (popular ou não)
em que ocorre (padrão II);.
(iii)
opção pela forma simples ou complexa menos extensa, para que a comunicação seja mais
rápida/objetiva (padrão III);
( ) Acho que as formas sublinhadas dão sentidos diferentes para os dois fragmentos, porque_______________
128
Sabe-se que a intervenção constante do pesquisador pode vir a influir nas respostas dos informantes. Porém,
as intervenções durante o primeiro teste tiveram o intuito de fazer com que os informantes não se restringissem a
respostas do tipo “escolhi dar esculacho e não esculachar porque sim” ou “não sei por que escolhi uma e não a
outra”. Logo, particularmente nesses casos, o pesquisador procurou levar os informantes a refletirem sobre suas
respostas, com base em questões, tais como: “Você acha que dar um esculacho e esculachar têm o mesmo
sentido? Qual é esse sentido? Qual dessas opções seria empregada em uma notícia do jornal “Extra” ? Ou as
duas seriam empregadas?” Nas primeiras versões desse teste (com justificativas por escrito), os informantes não
forneceram tantas informações como já fizeram na fase em que se solicitaram justificativas oralmente.
129
Exemplos de justificativas que levaram à constituição desses padrões estão identificados em trechos
enunciados pelos informantes.
264
(iv)
opção pela forma simples ou complexa que dá mais ênfase ao fato descrito (padrão IV);
(v)
opção por forma simples ou complexa de acordo com o registro formal do contexto e
com a norma culta da língua(padrão V);
(vi)
opção por forma simples ou complexa de acordo com o registro informal (em especial
em contexto situacional que indique tom de ironia, sarcasmo, humor, gentileza, etc.)
(padrão VI);
(vii)
opção por forma simples ou complexa em gêneros escritos (padrão VII);
(viii) opção por forma simples ou complexa em gêneros orais (padrão VIII);
(ix)
opção por forma simples ou complexa de acordo com a escolaridade e/ou a faixa etária
do interlocutor (padrão IX);
(x)
opção por forma simples ou complexa de acordo com o grau de intimidade entre os
interlocutores (padrão X).
INSTRUÇÃO DO TESTE 1:
A) Leia com atenção as situações a seguir. Analise o SENTIDO das estruturas marcadas entre
parênteses e marque a mais adequada ao tipo do trecho/situação. Se você achar as duas adequadas,
marque as duas.
Trecho 1) Bilhete de um colega de trabalho para outro
Flávio, deixei os documentos na gaveta para você assinar. Não terei tempo para conversar com você na
reunião, por isso deixei umas anotações sobre minha posição acerca da indicação do novo coordenador
do departamento. Assim que eu voltar, te ligarei para saber se compreendeu tudo, pois essa reunião está
me ( A- preocupando muito / B- dando muita preocupação ).
Quantidade de informantes
preocupando
muito
dando muita
preocupação
as duas opções
Ensino Fundamental
9
0
1
Ensino Médio
7
0
3
Ensino Superior
10
0
0
Total (30)
26
0
4
Percentual
87%
—
13%
Tabela 89: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PREOCUPANDO MUITO
e DANDO MUITA PREOCUPAÇÃO
No contexto “bilhete de um colega de trabalho para outro”, um alto índice de
informantes (87%) optou pela forma preocupando muito. Em geral, para justificar sua escolha
265
pelo predicador simples, esses informantes referiram-se ao fato de o bilhete ser um texto
escrito e veiculado em ambiente de trabalho, o que o tornaria mais formal, e de
“preocupando” ser uma forma menos extensa e, por isso, mais adequada para um gênero que
exige texto curto/objetivo.
Transcrição 1) I: Eu botei preocupando muito porque eu acho que dentro do local de trabalho
as pessoas tentam manter a fala padrão, padronizada (PADRÃO V). D: e você acha que... I:
Eu acho que ele não ia falar dando muita preocupação, pode até ser. (...) mesmo num bilhete.
D: Uhum. I: Que é a forma informal, né, no caso, mas mesmo assim... acho que até porque as
pessoas têm medo de se expor e de repente parecer ridículas. D: Ah, entendi I: Achei isso.
D: Entendi. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) “I: Eu botei a A. D: Por quê? I: Porque eu achei que ia ficar uma sentença um
pouco longa colocar iniciando pelo gerúndio dando muita preocupação. (...) no caso, assim, o
bilhete de um colega como uma coisa rápida, né? (PADRÃO III)” (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) Eu pus me preocupando muito mas se for um bilhete muito pessoal, ele
colocaria dando muita preocupação, mas se fosse para um chefe ele deveria dizer
preocupando muito. (PADRÃO X). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 4) De um colega para o outro, eles poderiam ter o grau de intimidade maior ou
menos, poderiam ser colegas de trabalho, mas de inferior para superior ou até mesmo uma
relação só de colegas de trabalho, ou não...eles poderiam ser fora dali colegas também, mas,
pelo contexto, eu botei preocupando muito (PADRÃO V), eu acho dando muita preocupação
menos formal. (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 5) Pus preocupando muito porque ficaria melhor num bilhete (PADRÃO I),
você fala logo preocupando muito...dando muita preocupação não está muito certo porque
você deve diminuir a frase (PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Merecem destaque as transcrições 3 e 4 que explicitam claramente a escolha das duas
opções em função do grau de intimidade entre o remetente e o destinatário do bilhete. Além
disso, o informante do trecho 1 afirma que as pessoas que “têm medo de se expor” evitariam o
emprego da construção dar muita preocupação. Essa opinião revela uma visão tão
266
estigmatizada da construção com dar que pode julgar “ridículas” as pessoas que a empregam
no contexto apresentado. Todos os informantes entrevistados alegaram que preocupando
muito e dando muita preocupação apresentam o mesmo significado.
Trecho 2) Notícia do Jornal Meia Hora
BOPE sobe o morro e ( A- esculacha o / B- dá um esculacho no ) chefe do pó da Mineira.
Quantidade de informantes
esculacha o
dá um esculacho no as duas opções
Ensino Fundamental
9
1
0
Ensino Médio
3
6
1
Ensino Superior
8
2
0
Total (30)
20
9
1
Percentual
67%
30%
3%
Tabela 90: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESCULACHA e DÁ UM
ESCULACHO
No contexto “notícia do jornal Meia Hora”, 67% dos informantes optaram pela forma
plena “esculacha”. As principais justificativas relacionam-se ao fato de o emprego do
predicador simples ser considerado mais apropriado ao gênero textual “notícia”, que se
caracteriza por apresentar uma linguagem mais objetiva (cf. transcrição 1), e a uma
publicação em jornal (cf. transcrições 2 e 3). Diferentemente, aqueles que optaram pela
construção com verbo-suporte (30%) revelaram que o predicador complexo enfatiza a ação do
sujeito, “BOPE” (cf. transcrição 6), que a expressão seria mais adequada para “chamar
atenção” e que o tipo de jornal usa formas lingüísticas mais informais (cf. transcrições 9 e 4).
Um dos informantes, inclusive, citou que a forma do predicador simples é “vazia” (cf.
transcrição 9), ou seja, não provocaria impacto, diferentemente da construção com dar + SN.
Além disso, alguns ressaltaram que o fato de o jornal “Meia Hora” ser popular também
permitiria o emprego da perífrase. Em geral, os informantes alegaram que “dá um esculacho”
e “esculacha” apresentam o mesmo significado básico.
Transcrição 1) I: Eu coloquei a:: A. O BOPE sobe o morro:: e esculacha... (risos) o chefe do
pó... né? Da Mineira. D: Por que, hein? Há alguma diferença de sentido primeiramente? I:
Ao meu ver não. Mas... a questão do:: do uso, né? Pelo jornal... notícia, né? (PADRÃO I).
No caso da Meia Hora, né, que é um jornal popular que tem um linguajar mais::... menos no
267
caso::... padrão::, tal, é uma linguagem mais prática, né? Eu acho que... mais rápida
(PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) I: (...) o Meia Hora ele tenta trazer uma linguagem um pouco mais popular D:
Sei. I: Até pras pessoas poderem compreender, de uma vez só, impactar (PADRÕES II e
IV). Poderia ser também dar um esculacho no chefe do pó da Mineira, mas é... por ser um
jornal eu achei que... eles tentam buscar essa forma popular, mas também não pode
desmerecer porque é um jornal, tem que tentar manter uma qualidade (PADRÃO I). D:
Hum:: I: Aí eu botei esculacha... (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) Pus esculacha (...) o Meia Hora é direcionado para classe menos abastada e
tudo mais, apesar disso até pelo linguajar você percebe que é uma norma mais coloquial, né?
Mas mesmo assim, por ser um texto jornalístico, eu acho que ele se detém mais à regra
mesmo (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 4) Eu botei dá um esculacho. Eu escolhi esse trecho porque eu já cheguei a ler o
Meia Hora e eles têm uma forma muito cheia de gírias (PADRÃO II). Eu acho que
nenhuma das duas formas deveria estar num jornal (...) Isso não dá prestígio a um jornalista
(...) mas como é um jornal que já dizem que é para o povo, o povão (PADRÃO IX), uma
gíria pode ser utilizada. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 5) I: esculacha porque o jornal é uma situação mais formal, tem que passar
formalidade (PADRÃO V). Não há diferença de sentido, só a questão de formalidade, né?
(Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 6) “I: porque esculacha fica uma coisa mais geral, né? Seria dar um esculacho
porque ele (o jornal) vai querer dá uma ênfase no que o BOPE vai fazer lá (PADRÃO VI).
D: E por que o Meia Hora gostaria de dar essa ênfase? I: ah, porque ele gosta dessas coisas, de
chamar atenção pra isso, é popular.” (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 7) I: ... para mim o sentido é o mesmo na frase, tanto esculacha quanto dá um
esculacho normalmente é bem usado, não faz diferença ... pra dar uma ênfase maior ele (o
268
jornal) colocaria o verbo dar (PADRÃO IV), dá um esculacho no chefe, porque o objetivo
do jornal seria esse, né? (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 8) D: aí, olha só... você lê o Meia Hora? I: Eu? Eu leio sempre. É mole? I: eu
botei dá um esculacho assim eu achei melhor, ainda mais “prum” chefe assim de morro... dá
um esculacho fica muito bonito. Eu marquei dá um esculacho nele (...) dá um esculacho nele
pra todo mundo ver que ele vai ser esculachado mesmo (PADRÃO IV) (Escolaridade: Ensino
Médio)
Transcrição 9) Acho que esculacha é muito vazio, mas é o modo mais certo de falar
(PADRÃO V) (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Transcrição 10) Eu não leio muito o Meia Hora, mas, por ele ser um jornal comprado por
quem trabalha, pega ônibus, eu acho que dá um esculacho não dá uma diferença no sentido,
mas fica mais extenso...aí por isso que eu marquei esculacho (PADRÃO III). (Escolaridade:
Ensino Fundamental)
Trecho 3) Depoimento escrito para o autor de um artigo científico acerca do filme que desenvolveu para área de
odontologia.
Gostaria de ( A- parabenizar / B- dar parabéns ) pelo filme, muito didático, e muito bem
desenvolvido. Gostaria de saber se poderia utilizá-lo em uma apresentação sobre PCR em tempo real,
a ser ministrada na Fiocruz, em outubro. Caso seja possível, gostaria de saber como fazer para salvar a
apresentação. Grata. Mestranda-Ciência de Alimentos - Instituto de Química/ UFRJ.
Quantidade de informantes
parabenizar
dar parabéns
as duas opções
Ensino Fundamental
10
0
0
Ensino Médio
9
0
1
Ensino Superior
10
0
0
Total (30)
29
0
1
Percentual
97%
—
3%
Tabela 91: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR e DAR
PARABÉNS
269
No contexto situacional apresentado, a maioria dos informantes consultados (97%)
optou pelo predicador simples “parabenizar”. As principais justificativas fundamentam-se no
fato de o texto organizar-se em registro formal, ter sido produzido por um indivíduo com alto
grau de escolaridade e pertencer à modalidade escrita. Apenas um informante (cf. transcrição
5) declarou que as duas formas poderiam ser empregadas no contexto dado; no entanto,
chegou a mencionar que, em um primeiro momento, escolheu parabenizar, devido à
escolaridade da autora do texto (mestranda). Notou-se que, apesar de parabenizar ter sido
considerado mais adequado para um contexto formal, a perífrase dar parabéns não foi
classificada como informal, apenas como pertencente a um vocabulário considerado
comum/ordinário (cf. transcrições 4 e 6), podendo ser usado em contextos informais e
formais. Ademais, de acordo com todos os informantes entrevistados, as duas formas
propostas apresentam o mesmo significado.
Transcrição 1) Eu coloquei gostaria de parabenizar porque para a escrita fica melhor
(PADRÃO VII) do que dar parabéns, porque dar parabéns é mais fala (PADRÃO VIII).
Eu até colocaria gostaria de parabenizar-te. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) Eu vi que é um depoimento escrito (PADRÃO VII), né? Eu acho que a
autora ia usar parabenizar mesmo, é mais formal (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) I: Eu coloquei a opção A... por essa forma, por ser um texto... digamos assim...
é:: a gente sabe, né? Com relação à questão de da norma padrão (PADRÃO V) da do nível
social, a questão da... da escrita (PADRÃO VII), do falar, ele fica mais rebuscado
(PADRÃO V), né? Então, a opção A seria, ao meu ver, mais conveniente do que... utilizar um
verbo auxiliar [num] substantivo. (Escolaridade: Ensino Superior)
Tanscrição 4) I: Ah, eu acho também que fica uma coisa...ah, sei lá, pelo que eu li aqui, fica
uma coisa mais formal assim (PADRÃO V), uma coisa mais bonita mesmo, dar parabéns eu
acho que é uma coisa muito normal assim, sei lá... (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 5) I: Botei gostaria de parabenizar pelo filme. D: Por que, hein? I: Achei que a,
que ela de repente por ser uma aluna, porque no final tá dizendo que ela é uma mestranda
270
(PADRÃO IX) D: Sei. I: Pensando bem, podia ser as duas opções, as duas pra mim
caberiam aí. (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 6) porque parabenizar fica mais culto, uma coisa mais social (PADRÃO V) e
dar parabéns fica mais comum. Tem o mesmo sentido. (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Transcrição 7) “Acho que seria parabenizar porque como você está querendo se comunicar
com uma pessoa mais culta (PADRÃO IX), eu acho que ficaria mais bonito.” (Escolaridade:
Ensino Fundamental)
Trecho 4) Testemunho em um culto evangélico
Agora eu sou cristão... minha vida mudou completamente... eu ( A- entristecia / B- dava muita tristeza
pra) minha família...
Quantidade de Informantes
entristecia
dava muita tristeza
as duas opções
Ensino Fundamental
4
6
0
Ensino Médio
2
7
1
Ensino Superior
2
8
0
Total (30)
8
21
1
Percentual
27%
70%
3%
Tabela 92: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ENTRISTECIA e DAVA
MUITA TRISTEZA
Os resultados da tabela anterior revelam que 70% dos informantes optaram pela forma
perifrástica deu muita tristeza. Normalmente, as justificativas relacionadas a essa escolha
referem-se ao fato de o contexto situacional (“testemunho em um culto evangélico”)
desenvolver-se na modalidade oral (cf. transcrição 1) e de a construção com verbo-suporte
dar propiciar mais ênfase (cf. transcrições 1, 2, 5, 6 e 8). Muitos informantes tiveram
opiniões diversas quanto ao grau de formalidade da situação. Logo, aqueles que
compreendem que um testemunho em um culto evangélico requer registro formal, uma
linguagem mais trabalhada, recorreram à opção entristecia (cf. transcrições 3 e 7).
Diferentemente, aqueles que avaliam a mesma situação como informal, já que, neste caso, é
271
até possível considerarem algum grau de intimidade entre seus participantes, escolheram a
segunda opção deu muita tristeza (cf. transcrições 1, 4, 5, e 8).
Transcrição 1) I: Eu coloquei dava muita tristeza D: Sei. I: Pra minha família. D: Sei. I:
Porque geralmente quando a pessoa ta... falando, assim, na oralidade (PADRÃO VIII). D:
Sei. I: E ela vai, às vezes, se perdendo e não se preocupa tanto com a norma padrão
(PADRÃO VI). D: Sei. I: E, um culto evangélico , tentei pensar na situação e achei que... D:
Uhum. I: Ele ia falar assim... Pra ir tentar até enfatizar que ele realmente era uma pessoa
problemática. (...) Acho que entristecia eu acho que aqui, nesse contexto, ia deixar o discurso
dele pobre demais, porque ia ta reduzindo pra uma única palavra. D: Sei. I: E dava MUIta
tristza pra minha família, ele ia ta alongando o discurso dele, e de repente até ... tentando
ali... botar mais ainda a tristeza que ele causava, ratificando mais ainda a dor que ele
causava aos próximos dele (PADRÃO IV) (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) I: Nessa opção eu coloquei a a letra B dava muita tristeza pra família. Por
assim, por ser um testemunho... foi feito por a pessoa, digamos, pertence a esse meio... eu
achei que eu dava muita tristeza pra família ficou uma linguagem mais é propício pra esse
momento. E a questão aqui do sentido... eu acho que intensifica um pouco mais a tristeza
que ele dava pra família e tal (PADRÃO IV). D: Então... I: Aqui é questão de de reforço,
ênfase. D: Entendi. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) Eu botei entristecia porque eu acho que a pessoa falaria melhor (PADRÃO
V), questão de beleza mesmo, fica mais bonito, mais claro. D: Então, você acha que dava
muita tristeza não fica tão claro? I: Não, não é isso não, mas eu acho que fica menos formal.
(Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 4) Eu pus a B, dava muita tristeza, porque o povo usa muito o verbo dar (...) já
que é uma situação que as pessoas estão no mesmo estilo (PADRÃO IX) e está dando um
depoimento pessoal, não vai se lembrar que tem que utilizar uma forma formal, vai usar a
que ele usa em casa (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior)
272
Transcrição 5) Geralmente, o pessoal da igreja, né, tem mais, é mais humilde, né?
(PADRÃO IX) Ainda mais a situação, dava muita tristeza enfatiza mais (PADRÃO IV).
(Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 6) Acho que entristecia aqui não fica legal. Acho que dar muita tristeza está
dando mais ênfase (PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 7) eu achei que a A, entristecia, fosse uma coisa mais fina (PADRÃO V), não se
pode falar gíria no culto, o dava mais tristeza fica mais comum. (Escolaridade: Ensino
Fundamental)
Transcrição 8) Eu dava muita tristeza... porque a impressão que dá, parece representar a fala
informal (PADRÃO VI), eu acho que é mais usada esta forma. O dava muita tristeza dá uma
impressão de dava MUITA tristeza mesmo, parece que aumenta um pouco, dá uma
impressão de mais (PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Trecho 5) Uma criança contando uma história para seus amiguinhos.
Eu fui brincar com meus colegas... fui jogar futebol... aí... eu, na brincadeira, eu era goleiro... e depois fui
jogador... depois fui zagueiro... e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu ( A- goleei
/ B- dei um gol ) de cabeça...
Quantidade de informantes
goleei
dei um gol
as duas opções
Ensino Fundamental
1
9
0
Ensino Médio
0
10
0
Ensino Superior
0
10
0
Total (30)
1
29
0
Percentual
3%
97%
—
Tabela 93: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções GOLEEI e DEU UM GOL
Percebe-se, pelos resultados expostos acima, que 97% dos informantes escolheram “dei
um gol” para preencher o trecho referente à situação de uma criança contando uma história
para seus amiguinhos. Em geral, os informantes afirmaram que o sentido das formas
apresentadas é o mesmo e que uma criança somente poderia recorrer à segunda opção, por
273
esta ser mais comum a seu vocabulário, já que o predicador simples goleei seria usado com
menos freqüência. Inclusive, na transcrição 2, a informante afirma que esta forma não seria
normalmente usada nem mesmo por um adulto. Outro motivo que fundamentou a escolha dos
informantes foi o fato de não julgarem que dei um gol e goleei veiculam o mesmo sentido.
Logo, muitos informantes alegaram que a criança diria dei um gol por se tratar de um único
gol (cf. comentário 4). Apenas um informante, diferentemente, escolheu goleei por entender
que a criança poderia querer dizer que fez vários gols de cabeça para impressionar seus
destinatários (cf. comentário 5).
Transcrição 1) I: ...Eu botei dei um gol de cabeça, que eu achei que uma criança nunca ia falar
goleei. (risos) Num sei, eu acho que não... mesmo que fosse filho de um professor, de alguma
coisa assim D: Por que, hein? I: Que eu acho que não é uma linguagem que uma criança
emprega assim ela ta falando com os seus amiguinhos, é o ambiente dela... (PADRÃO IX)
D: Agora há alguma diferença de sentido entre essas duas expressões? I: Não... eu não vejo,
assim, a princípio eu não vejo não, diferença não. D: No âmbito do futebol... não há
diferença? I: Não... goleei, dei um gol... (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) Tem diferença de sentido porque golear tem sentido de fazer muitos gols e dei
um gol não, é um gol. D: E no emprego, você acha o quê? I: a criança normalmente fala dei
um gol de cabeça (PADRÃO IX), que é o que a gente ouve mais, nunca ouvi uma criança
falar goleei, e nem pessoa, por mais que meu marido tenha feito vários gols, ele nunca fala
goleei, ele fala fiz três gols, aí ele vai descrevendo, fiz assim e assado e aí eu finjo que estou
gostando (risos). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) Eu escolhi a opção B, dei um gol, porque a criança não usa a norma mais
culta, ela usa a mais informal (PADRÕES IX e VI), a impressão que dá é que a forma
composta dá impressão de menos formalidade. Os sentidos são iguais. (Escolaridade: Ensino
Superior)
Transcrição 4) Pus dei um gol porque ele está falando com os colegas, né (...) acho que tem
diferença de sentido sim, porque goleei são vários gols, goleada e dei um gol é um só.
(Escolaridade: Ensino Fundamental)
274
Transcrição 5) Eu acho que é goleei porque o menino queria falar que fez muitos gols,
arrasou, aí ele ia usar goleei...e ainda foi de cabeça, quer impressionar. Se fosse dei um gol
não iria impressionar tanto, ia ser normal, só um gol. Não é a mesma coisa. (Escolaridade:
Ensino Fundamental)
Trecho 6) Uma mulher contando para uma amiga sobre sua ida ao médico.
E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se suspeitava: meu pâncreas
estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo
abaixo da crítica, uma vergonha. ( A- Rezei um pouquinho / B- Dei uma rezadinha), encomendando
minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer era isso, interessante.
Quantidade de Informantes
rezei um
pouquinho
dei uma rezadinha
as duas opções
Ensino Fundamental
0
9
1
Ensino Médio
0
10
0
Ensino Superior
0
9
1
Total (30)
0
28
2
Percentual
—
93%
7%
Tabela 94: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções REZEI UM POUQUINHO
e DEI UMA REZADINHA
A tabela anterior mostra que 93% dos informantes optaram pela perífrase dei uma
rezadinha, devido, principalmente, ao fato de a julgarem apropriada ao contexto informal (cf.
transcrições 1, 2, 3, 4, 5, e 6) e de haver certo grau de proximidade/intimidade entre os
interlocutores (cf. transcrições 1, 7 e 8). Dois informantes afirmaram que, por terem mesmo
sentido e serem adequadas ao registro informal, tanto a forma composta quanto a simples
poderiam ser empregadas na situação (cf. transcrições 4 e 8). Ressalta-se que apenas dois
informantes marcaram a opção dei uma rezadinha, alegando que o sentido das formas era
distinto (cf. transcrições 1 e 9). Para estes falantes, a letra B remete à idéia de que a pessoa
rezou bastante, em menos tempo e, por isso, imprime ênfase em comparação com a estrutura
rezei um pouquinho.
275
Transcrição 1) I: (..) botei dei uma rezadinha, mas poderia ser também rezei um pouquinho...
D: Sei. I: É um relato também informal (PADRÃO VI) (...) O dei uma rezadinha aqui é
como se ela realmente tivesse assim: ah eu... tô precisando então vou me lembrar de...
pedir agora, que eu tô precisando (PADRÃO IV), nessa situação que eu... to achando que
to passando por alguma coisa difícil. E rezei um pouquinho é como se fosse alguma coisa
coti... é diária que a pessoa faz, só que naquele dia ela só pode rezar só um pouquinho só...
Eu botei aqui dei uma rezadinha porque ela ta achando, no caso, que ela ta com algum
problema, como ela ta conversando com a amiga (PADRÕES VIII e X)... aí o emprego
realmente seria diferente... o sentido aqui é diferente. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) Acho que ela diria dei uma rezadinha porque isso aqui está muito informal,
parecendo brincadeira, ironia (PADRÃO VI); então, dei uma rezadinha encaixaria melhor
aí, na brincadeira. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) I: Bom, como o texto é BEM engraçado, né? Tem um toque assim de humor
(PADRÃO VI) (...) então.. é o sentido, assim, não muda (...) o emprego aqui, no no
contexto, seria dei uma rezadinha. Ao meu ver, né? (...) Ficaria melhor, pra mim, porque é
reflete em torno da da história. Assim, é meio cômica (PADRÃO VI), né? (Escolaridade:
Ensino Superior)
Transcrição 4) I: Eu achei que qualquer uma das respostas pode ser empregada, eu não vi
rezei como uma forma utilizada só em contextos formais, acho que pode ser utilizada em
contextos informais (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 5) I: Geralmente, como está contando para as amigas (PADRÃO X) usaria a
letra B, porque é uma situação mais informal (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 6) I: Dei uma rezadinha...eu acho que ela usaria aí de uma forma mais cômica
(PADRÃO VI), entendeu. (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 7) I: dei uma rezadinha porque ela está se comunicando com uma pessoa que ela
conhece. (PADRÃO X). (Escolaridade: Ensino Fundamental)
276
Transcrição 8) I: Acho que pode ser as duas formas, porque ela estava falando para uma
amiga (PADRÃO X)...acho que é o mesmo sentido. (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Transcrição 9) Botei dei uma rezadinha...se for rezei um pouquinho parece que rezou a
metade e está bom, mas a letra B parece que ela rezou bastante, mas em menos tempo
(PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Trecho 7) Artigo de Opinião do jornal “O Globo”
Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das emissoras. E, quem sabe,
(A- ajudar / B- dar uma ajudazinha) a essas políticas. Ao manter ícones como os que estamos vendo e
patinar em fatias insignificantes do mercado, parece bastante claro que elas não estão dando certo.
Quantidade de informantes
ajudar
dar uma
ajudazinha
as duas opções
Ensino Fundamental
8
0
2
Ensino Médio
8
2
0
Ensino Superior
10
0
0
Total (30)
26
2
2
Percentual
86%
7%
7%
Tabela 95: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AJUDAR e DAR UMA
AJUDAZINHA
Os resultados acima revelam que 86% dos informantes escolheram o predicador simples
ajudar por crerem que essa é a forma mais adequada a ser utilizada em um jornal (cf.
transcrição 1), no gênero artigo de opinião (cf. transcrição 3), na modalidade escrita da língua
(cf. transcrições 3 e 5) e para os leitores (considerados escolarizados) do jornal “O Globo” (cf.
transcrição 7), pois alegam que ajudar é mais indicada ao registro formal (cf. transcrições 1, 3
e 6) em comparação com dar uma ajudazinha, considerada mais pertinente no registro
informal. Alguns informantes, apesar de terem optado por ajudar, afirmaram que, se o intuito
do artigo de opinião fosse passar um tom irônico ou até mesmo sarcástico, o escritor poderia
optar pela forma perifrástica (cf. transcrições 2 e 4).
277
Transcrição 1) I: Eu coloquei ajudar:: D: Hum:: I: Porque é jornal (PADRÃO V) também...
e não acreditei que... de repente eles colocasse uma frase assim tão informal, dá uma
ajudinha, ajudazinha, D: Sei. I: No diminutivo (...) achei que poderia des... desmerecer a
opinião. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) I: (...) eu coloquei a opção A... no caso ajudar seria uma forma mais direta de
ele dizer (PADRÃO III), tal. E dar uma ajudazinha, surgiria um tom meio que de ironia
(PADRÃO VI). (...) Se o sentido do artigo de opinião do Globo fosse realmente de ironizar a
questão do, da política de programação das emissoras e tal, dar uma ajudazinha seria
interessante nesse sentido. E ajudar... estaria sendo mais direto, né? [questão] específico.
(Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) I: no artigo do jornal “O Globo” com certeza viria ajudar porque é artigo de
opinião (PADRÃO I). A gente falando, ela falaria dar uma ajudazinha, mas como ela
escreve isso, ela colocaria ajudar (PADRÃO VII). Dar ajudazinha na escrita não vai porque
fica aquele aspecto informal. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 4) I: acho que é dar uma ajudazinha, porque é uma opinião própria e a expressão
soa como um sarcasmo, dá uma ajudazinha fica um pouco sarcástico (PADRÃO VI).
(Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 5) I: acho que apareceria ajudar porque é mais formal (PADRÃO V), né? O
texto aqui está mais formal mesmo, está mais ligado à escrita (PADRÃO VII), mais culta.
(Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 6) I: Botei ajudar porque é o modo mais certo de falar (PADRÃO V)
(Escolaridade: Ensino Fundamental)
Transcrição 7) I: ajudar... porque eu acho que o jornal O Globo é um jornal que fala mais de
política (...) o Globo acho uma coisa mais fina (...) porque, tipo, advogados lêem, pessoas de
um patamar maior (PADRÃO IX). Não há diferença de sentido, mas ajudazinha fica mais
com sentido de povo, não dá pra botar no Globo (PADRÃO II). (Escolaridade: Ensino
Fundamental)
278
Transcrição 8) I: olha, para mim, pode os dois neste contexto, os dois ficam bons, não há
nenhuma diferença de sentido. (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Trecho 8) Opinião de uma senhora sobre a situação dos hospitais
Você pode (A- educar bem/ B- dar uma boa educação ao) seu filho... e tendo... bons hospitais para
qualquer problema de saúde... ele consertar seu físico... até mental ... até mesmo espiritual...
Quantidade de informantes
educar bem
dar uma boa
educação
as duas opções
Ensino Fundamental
1
7
2
Ensino Médio
2
7
1
Ensino Superior
1
6
3
Total (30)
4
20
6
Percentual
13%
67%
20%
Tabela 96: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções EDUCAR BEM e DAR
UMA BOA EDUCAÇÃO
Os resultados acima demonstram que a maioria dos informantes (67%) optou pela forma
dar uma boa educação. Em geral, os informantes justificaram essa escolha alegando que o
falante tem mais liberdade de usar a língua ao expor sua própria opinião e, por isso, a senhora
que produz o trecho tenderia a escolher a forma perifrástica que, segundo alguns informantes,
é a mais facilmente lembrada para usar em uma situação informal (cf. transcrição 1). No
entanto, outros julgam que, por se expor, a senhora recorreria à forma que avaliasse como
mais formal, educar bem (cf. transcrição 5). Dois informantes (cf. transcrições 3 e 4)
consideraram que os sentidos de educar bem e dar uma boa educação são distintos.
Escolheram o predicador complexo, alegando que este revela mais preocupação do falante,
certa ênfase e significa prover educação escolar, além de ensinar “boas maneiras” (educar
bem). Além disso, aqueles que fizeram as duas opções consideram que ambas podem ser
usadas em contextos de oralidade e informais (cf. transcrição 2).
279
Transcrição 1) I: Eu coloquei dar uma boa educação... mas acho também que educar bem...
caberia aí. (...) I: Ela poderia utilizar os dois mas... eu to imaginando que é opinião
(PADRÃO I) e que ela ta sendo abordada, de repente na rua então ela não ia se preocupar
muito em falar educar bem o seu filho. D: Uhum. I: Ela ia falar o que ela tivesse
pensando assim na hora (PADRÃO VI). D: Uhum. I: E ela ia falar dar uma boa educação
ao seu filho. D: Entendi. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) Eu botei os dois. Nesse contexto eu acho que tanto faz. Os sentidos são iguais
e eu acho que o verbo educar não se comporta de forma que pareça formal (PADRÃO VI), é
utilizado na fala (PADRÃO VIII), não soa estranho. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) Pus dar boa educação, porque quando a pessoa fala ah vou dar uma boa
educação parece que ela está mais preocupada com a educação (PADRÃO IV), mas
quando a pessoa fala ah educar bem parece que ela está falando superficial. A mãe, acho que
ela não falaria educar bem porque ela é mais preocupada. (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 4) Eu acho que tem sentidos distintos porque educar é tipo dar bom dia, boa
tarde, mas dar boa educação pode ser educar os filhos, dar bom dia, modos e dar estudo,
educar na escola (PADRÃO IV). Então, eu marquei dar boa educação. (Escolaridade: Ensino
Médio)
Transcrição 5) Acho que educar bem ela diria porque fica mais bonito, né? Mais sério, mais
formal (PADRÃO VI) ... mas acho que se fosse dar uma boa educação também não ficaria
errado, né? (Ensino Fundamental)
280
Trecho 9) Notícia do jornal “O Povo”
Após quebrar os vidros do veículo com um pedaço de madeira, Paulo (A- esfaqueou/ B- deu algumas
facadas em) Mari e só parou quando ela disse que o amava.
Quantidade de informantes
esfaqueou
deu algumas
facadas
as duas opções
Ensino Fundamental
5
5
0
Ensino Médio
3
7
0
Ensino Superior
4
6
0
Total (30)
12
18
0
Percentual
40%
60%
—
Tabela 97: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESFAQUEOU e DEU
ALGUMAS FACADAS
Verifica-se uma pequena diferença entre a quantidade de informantes que julgaram
esfaqueou mais adequado para o trecho (40%) e a daqueles que escolheram a perífrase deu
algumas facadas (60%). A maioria dos indivíduos que indicou a primeira opção declarou que
esfaqueou seria a forma mais apropriada a um texto jornalístico, ao gênero notícia (cf.
transcrição 8), uma vez que esse tipo de texto deveria manter o registro formal. Porém, os
outros informantes salientaram que, apesar de numa notícia, o fato de esta pertencer a um
jornal bastante popular, “O Povo”, fez com que a forma mais adequada se tornasse deu
algumas facadas (cf. transcrições 3, 4, 5, 6, e 7). Dois informantes disseram que a escolha do
predicador complexo decorreu do fato de perceberem uma diferença de sentido entre este e o
verbo cognato (cf. transcrições 1 e 2). Deu algumas facadas, de acordo com esses
informantes, seria mais adequado porque seu emprego leva à idéia de que o ato não gerou
morte, ao contrário do predicador simples, que expressaria o ato de esfaquear sem
interrupção, até a morte da vítima.
Transcrição 1) I: Vejo uma diferença de sentido, porque a segunda ...no meio das facadas ela
informou que o amava e ele parou, o mais apropriado seria deu algumas facadas, o esfaqueou
tem sentido que ele deu as facadas e acabou, mas ela continuou viva. (Escolaridade: Ensino
Superior)
Transcrição 2) I: tem diferença de sentido, eu botei deu algumas facadas porque esfaqueou
daria a idéia de que ele esfaqueou e a mulher ficou morta e dar algumas facadas não, ele
281
estava lá dando algumas facadas e a mulher falou eu te amo e ele parou. (Escolaridade: Ensino
Superior)
Transcrição 3) I: O Jornal O Povo eu botei deu algumas facadas em Mari, porque é um jornal
que ele é muito... também... é parecido com o Meia Hora, mas ele é um... o nível dele é bem
menor (PADRÃO II) D: Uhum. I: Ele é pra abordar classes bem menores D: Sei. I: no caso
eles tentam botar mesmo frases de impacto pra chamar a atenção (PADRÃO IV) mesmo...
(...) esfaqueou seria de repente, até uma uma linguagem um pouco difícil... de repente não
teria o prestígio que ele quer ter, que é naquela classe... que gosta de pegar coisas bem assim...
tipo, escracha, palavras mais assim... não dentro da norma (PADRÃO VI). (Escolaridade:
Ensino Superior)
Transcrição 4) I: Eu coloquei as duas opções. (...) I: Olha, a questão do... do deu... algumas
facadas em... ela ela sugere assim... que... não foram muitas. Assim... meio que...
descaracteriza que foram assim... inúmeras. Foram algumas, mas não... muitas. e o esfaqueou
(...) não passa... essa posição de quantidade. (...) eu acho que, é, deu algumas facadas...
caberia ao jornal O Povo. D: Por quê? I: Por que é um Jornal mais voltado pro
sensacionalismo (PADRÃO II). É, e digamos assim, pra violência, né? Que, digamos, é o
que, é, ta mais presente nas camadas mais populares (PADRÃO IX). Mas não que isso seja
algo, assim, que eu acho que as camadas populares gostem que aconteça. (Escolaridade: Ensino
Superior)
Transcrição 5) I: acho que seria dei umas facadas porque é um jornal do povo, procura se
aproximar do povo (PADRÃO IX). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 6) I: eu coloquei esfaqueou... mas acho que por ser popular o jornal O Povo
empregaria deu algumas facadas (PADRÃO II), mas ia ficar muito estranho, mesmo sendo
jornal popular. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 7) I: eu acho que é dei algumas facadas, porque o tipo de jornal (PADRÃO II)
usa um vocabulário bem chulo (PADRÃO VI) (Escolaridade: Ensino Médio)
282
Transcrição 8) I: eu botei esfaqueou porque acho que fica melhor numa notícia, deu umas
facadas ficaria feio numa notícia (PADRÃO I), não cairia bem. (Escolaridade: Ensino
Fundamental)
Trecho 10) Uma menina contando para a amiga o que aconteceu quando sua mãe foi assaltada no
ônibus.
Minha mãe não quis entregar nada pro assaltante... não quis entregar... eram dois caras... ela não quis
entregar... então ela ( A- estapeou o / B- deu uns tapas no ) cara... o cara começou a ( C- atirar / D- dar
tiros) pro alto... foi o maior rebu... ela... ela segurou no relógio... não queria que o cara pegasse o relógio
dela...
Quantidade de informantes
estapeou o
deu uns tapas no
as duas opções
Ensino Fundamental
0
9
1
Ensino Médio
0
10
0
Ensino Superior
0
9
1
Total (30)
0
28
2
Percentual
—
93%
7%
Tabela 98: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESTAPEOU e DEU UNS
TAPAS
Quantidade de informantes
atirar
dar tiros
as duas opções
Ensino Fundamental
1
9
0
Ensino Médio
3
5
2
Ensino Superior
1
6
3
Total (30)
5
20
5
Percentual
17%
66%
17%
Tabela 99: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ATIRAR e DAR TIROS
Os resultados demonstram que a maioria dos informantes do teste (93%) optou por dar
uns tapas, alegando que essa forma é a mais adequada a uma conversa (contexto informal e
modalidade oral – cf. transcrições 2, 3, 4, e 6) cujos participantes revelam algum grau de
intimidade (cf. transcrições 4 e 5). Um informante (cf. transcrição 1) afirma, ainda, que, por
ter imaginado uma criança, escolheu deu uns tapas. Apesar de terem escolhido apenas o
predicador complexo deu uns tapas, todos os informantes consideraram que as opções
possuem o mesmo significado.
283
Quanto ao emprego de atirar e dar tiros, 66% dos informantes afirmaram que dar tiros
é a forma mais apropriada ao contexto, principalmente, por ter caráter informal (cf.
transcrição 2). No entanto, aqueles que optaram por atirar (17%) consideraram que esta forma
é mais freqüente no contexto (cf. transcrição 5). A justificativa mais comum dos informantes
que marcaram as duas opções é o fato de julgarem as duas adequadas a um contexto informal
(cf. transcrições 1 e 4).
Transcrição 1) I: Eu imaginei também uma menina... pequena, de repente de oito, até dez
anos (PADRÃO IX). D: Uhum. I: Então dentro do universo de la, ela ia falar deu uns tapas
no cara D: Sei. I: E o cara começou a dar tiros pro alto, seria o mesmo... D: Agora, em
relação ao sentido? Há diferença entre estapeou o e deu uns tapas? I: Não, não vejo diferença.
D: E você vê diferença entre atirar e dar tiros pro alto? I: Também não vejo não. (Escolaridade:
Ensino Superior)
Transcrição 2) Eu pus dei uns tapas, por ser uma situação de fala (PADRÃO VIII), por ser
comum. Quando a gente está falando, na verdade, a gente não pensa no que é errado, a gente
também, por mais que a gente seja escolarizado, a gente também é influenciado... Se fosse
algo assim mais formal seria atirar, não seria esse verbo dar (PADRÃO VI). (Escolaridade:
Ensino Superior)
Transcrição 3) Eu coloquei deu uns tapas no cara. D: humm I: Porque geralmente quando se
está conversando você não fala estapeou, deu uns tapas no cara, assim, é uma conversa
(PADRÃO VIII). (...) como ela estava conversando ... eu acho que é por causa disso mesmo,
ela ia dizer dar tiros mesmo (...) têm o mesmo sentido.
Transcrição 4) Olha, eu coloquei deu uns tapas, porque ela está contando uma coisa, uma
situação que aconteceu para uma colega (PADRÃO X), ela não ia dizer estapeou. Ela está
usando termos muito comuns, nenhum momento ela está usando termos mais padrões, assim,
está sendo muito informal (PADRÃO VI), acho que ela não usaria estapeou. Os sentidos são
iguais. (...) eu coloquei atirar... pro alto. Mas pode ser, agora olhando aqui, mas pode ser
também dar tiros pro alto. D: É o mesmo sentido? I: Dá o mesmo sentido. D: E o emprego? I:
No emprego também, a mesma coisa para uma amiga (PADRÃO X), serve os dois.”
(Escolaridade: Ensino Médio)
284
Transcrição 5) Eu botei a B porque é uma menina contando para uma amiga (PADRÃO X),
eu acho que ela não ia botar estapeou, ia falar, tipo, deu uns tapas. Sendo uma amiga, ela ia
falar, acho eu, mais normalmente, não vai precisar botar, tipo, estapeou, apesar do mesmo
sentido, né? Eu acho que deu uns tapas para uma amiga fica melhor. O estapeou ficaria mais
correto, assim, mais formal. Eu pus atirar porque acho que é mais normal, comum
(PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Transcrição 6) deu uns tapas, porque se ela está falando que ela foi assaltada no ônibus, ela
não pode estapear, porque ia ficar estranho ela lembrar desse verbo... uma conversa
(PADRÃO VIII)... (...) também pus dar tiros porque me parece mais interessante porque eu
já tinha colocado dar, deu uns tapas, então dar tiros fica mais legal... atirar acho...é... fica
estranho. (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Trecho 11) Artigo de opinião do jornal “Extra”
Nada mais incongruente do que ver na mesma noite, quase no mesmo momento, Regina Duarte com
uma cara trincada de (A- amedrontar/ B- dar medo) (...) e em seguida Fernando Henrique que seguro,
sereno, tranqüilizando as pessoas em relação ao futuro (...)
Quantidade de informantes
amedrontar
dar medo
as duas opções
Ensino Fundamental
3
6
1
Ensino Médio
2
6
2
Ensino Superior
1
9
0
Total (30)
6
21
3
Percentual
20%
70%
10%
Tabela 100: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AMEDRONTAR e DAR
MEDO
A tabela acima mostra que 70% dos informantes optaram pela construção dar medo. A
maioria desses falantes justificou sua escolha afirmando que dar medo é mais adequado ao
contexto artigo de opinião do jornal Extra, cuja linguagem, em geral, é informal (cf.
transcrição 2) e mais apropriada também ao público ao qual o jornal se destina (cf.
transcrições 3 e 5). Destacam-se os comentários presentes na transcrição 3, pois o informante
relaciona o emprego do verbo e do predicador complexo com graus de escolaridade que o
285
autor do artigo de opinião possa ter. Apenas alguns (20%) alegam que o fato de a opinião se
destinar a publicação em um jornal exige a forma que está (mais) consoante a norma culta, o
predicador amedrontar. Os informantes foram categóricos ao afirmar que dar medo e
amedrontar possuem o mesmo sentido.
Transcrição 1) I: Coloquei amedrontar Também é um jornal poderia ser dar medo, também.
Acredito que o emprego... o significado é o mesmo... são sinônimos... mas eu coloquei
amedrontar
por ser opinião de um jornal (PADRÃO I) ... mas... por ser opinião
(PADRÃO I), poderia é ele botar na, no jeito dele de se expressar... dar medo... D: Uhum. I:
Mas como é de jornal... publicação... meu... apelei pro amedrontar (PADRÃO V). (...) a
opinião no caso dele ali pode estar sendo ouvida por qualquer tipo... por qualquer... indivíduo
de qualquer classe. D: Sei. I: Então ele poderia... optar por dar medo, mas poderia estar
desmerecendo a opinião dele. D: Uhum. I: Amedrontar caberia, no caso, como uma forma
mais padronizada (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) Bom, eu acho que eles colocariam dar medo, apesar deles colocarem palavras
menos usadas “incongruentes”, mas aí daqui a pouco ele virou com uma CARA TRINCADA,
ah, aí eu falei, é de dar medo (risos)...ele começou tão formal e daqui a pouco ele virou à
esquerda (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) No texto de opinião, depende muito de quem escreve, né? (...) se fosse um
jornalista (PADRÃO IX) usaria a forma não composta, amedrontar, e se fosse um leitor
poderia ser até amedrontar também, mas eu acho que dependendo do nível de escolaridade do
leitor, uma escolaridade menor (PADRÃO IX) porque é um jornal popular (PADRÃO
II), né? Seria a forma B, dar medo. (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 4) Eu coloquei dar medo porque amedrontar ficaria para o público do jornal
Extra muito culto (PADRÕES II e IX), o dar medo ficaria uma coisa legalzinha para o povo
(PADRÃO IX). (Escolaridade: Ensino Médio)
286
Transcrição 5) Botei dar medo porque achei que é menos culto (PADRÃO VI), eu acho que
o Extra é melhor recebido pelas pessoas da minha idade do que o Globo porque o Globo é
mais para intelectuais (PADRÃO IX). O sentido é o mesmo. (Escolaridade: Ensino Fundamental)
Transcrição 6) Eu escolhi a primeira, amedrontar, porque, assim, num jornal (PADRÃO II),
todo mundo gosta de escrever certinho (PADRÃO V), entendeu? Dar medo ia ser a mesma
coisa, tem o mesmo sentido, mas acho que para um jornal é amedrontar mesmo. (Escolaridade:
Ensino Fundamental)
Trecho 12) Comandante-geral da PM transmitindo o cargo para um novo comandante numa
cerimônia.
Além de ( A- parabenizar o / B- dar parabéns ao ) novo comandante, torço para que desempenhe bem
essa função tão árdua e gratificante.
Quantidade de informantes
parabenizar
dar parabéns
as duas opções
Ensino Fundamental
10
0
0
Ensino Médio
9
0
1
Ensino Superior
10
0
0
Total (30)
29
-
1
Percentual
97%
-
3%
Tabela 101: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR e DAR
PARABÉNS
A maior parte dos entrevistados justificou a escolha de parabenizar alegando que é a
forma mais apropriada para o contexto formal (cf. transcrições 1, 2, 3 e 4). Observa-se que os
informantes das transcrições 5 e 1 afirmam que suas escolhas foram feitas em função do grau
de escolaridade do indivíduo que proferiu o trecho – um comandante da PM. No entanto,
enquanto os comentários presentes na transcrição 5 revelam que esse cargo, para o informante
em questão, exige formalidade, a transcrição 1 indica que, para o informante entrevistado, o
mesmo cargo não goza de tanto prestígio, um motivo a mais para não haver formalidade e,
assim, optar pelo emprego da perífrase (dar parabéns).
Transcrição 1) Apesar de ser uma situação formal, né, mas ele está falando, a gente perde
um pouco isso, a formalidade, então, acho que um comandante geral da PM, ihhh... esse
falaria dar parabéns mesmo (PADRÃO VI). (risos) (Escolaridade: Ensino Superior)
287
Transcrição 2) I: Eu acho que de forma direta o parabenizar ele fica mais adequado. E o dar
parabéns nesse, nesse ... contexto aqui eu acho que não. D: Uhum. Por que, hein? I: Porque
eu acho que é a questão do... do sentido aqui, que eu... Por exemplo, o comandante geral da
PM é um posto digamos que superior, né? É comandante, aliás. Né? E ele passa esse cargo
prum outro comandante, que, digamos assim, tem o mesmo nível. Tem o mesmo... digamos
tem o mesmo nível hierárquico que ele... Então, assim, a forma com que ele fala... é teria que
ser mais rebuscada (PADRÃO V). E o uso do parabenizar como verbo infinitivo direto,
assim... é mais... adequado e o dar parabéns fica mais pessoal mais (Escolaridade: Ensino
Superior)
Transcrição 3) Como essa aqui é o comandante, negócio da PM, né, parabenizar ficaria mais
certinho (PADRÃO V), mas pode ser até essas duas aqui (...). (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 4) Pus parabenizar. Por se tratar de estratégia militar, acho que tem que ser
formal (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Médio)
Transcrição 5) parabenizar... porque um comandante geral da PM tem que falar isso, para
ficar mais bonito. Um comandante ele ia botar parabenizar (PADRÃO IX). (Escolaridade:
Ensino Fundamental)
Trecho 13) Rapaz paquerando moça durante festa de carnaval.
Colega, se você ficar comigo, vou te ( A- beijar muito / B- dar muitos beijinhos). Fica comigo!!!
Quantidade de informantes
beijar muito
dar muitos beijinhos
as duas opções
Ensino Fundamental
7
3
0
Ensino Médio
10
0
0
Ensino Superior
6
4
0
Total (30)
23
7
0
Percentual
76%
24%
—
Tabela 102: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções BEIJAR MUITO e DAR
MUITOS BEIJINHOS
Entre dar muitos beijinhos e beijar muito, 76% dos informantes indicaram o predicador
simples como a forma mais adequada para o contexto situacional “festa de Carnaval”. O
288
motivo mais alegado para tal opção é o fato de “beijar muito” parecer mais direto (cf.
transcrições 2 e 5), diferentemente da perífrase que exprime um tom mais carinhoso ou
respeitoso, o que não seria apropriado para a situação. No entanto, alguns informantes
indicam o predicador complexo justamente por acreditarem que uma conquista exige termos
que sejam mais carinhosos. Também alegam que as perífrases são opções mais informais (cf.
transcrições 1 e 3) e podem dar ênfase ao fato descrito (cf. transcrição 2).
Transcrição 1) I: é uma situação bem informal, (risos) coloquei dar muitos beijinhos e dar
muito carinho. D: você vê diferença de sentido entre beijar muito e dar muitos beijinhos? ... I:
Dar muitos beijinhos e beijar muito... Não o sentido é o mesmo... (...) dar muitos beijinhos
fica uma coisa mais assim informal (PADRÃO VI), né? Beijar muito de repente a pessoa
pode... não gostar dar muitos, geralmente diminutivo dá uma sensação mais de
informalidade... (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 2) I: Eu empreguei a B, né? B e depois D. (...) Eu acho que eu coloquei a questão
do do uso direto, né? Aqui... é, no caso não seria tão direto assim. Dar MUItos beijinhos, ele
vai:: intensificar... (PADRÃO IV) beijar muito, mas ele vai DAR muitos beijinhos. Ele meio
que... intensifica. Né? (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 3) I: dar muitos beijinhos é um contexto super, mais que informal (PADRÃO
VI) (...) ele está tentando ganhar a menina de qualquer jeito e então usa a forma composta
porque a forma composta soa mais carinhosa. (...) você já imagina a cena, né? Imagina até a
figura (risos), ah você imagina aquele cara bem alto, bem magro, completamente
desengonçado e cara de pau! (risos). (Escolaridade: Ensino Superior)
Transcrição 4) I: eu botei beijar muito, porque dar muitos beijinhos fica muito meiguinho
(PADRÃO VIII), o que geralmente não acontece em festa de Carnaval... (Escolaridade: Ensino
Médio)
Transcrição 5) I: beijar muito, com certeza, porque normalmente é o que eles mais falam, o
dar muito carinho é um modo mais carinhoso (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino
Fundamental)
289
TESTE 2
Os professores de Português foram requisitados a avaliar um texto redigido por um
aluno de oitava série 130 :
INSTRUÇÃO DO TESTE 2:
Caro professor, observe o texto a seguir (dissertação feita por um aluno de oitava série). Substitua
as palavras, expressões ou trechos que você considera inadequados para a coesão e/ou coerência do
texto. Não se esqueça de expor as justificativas para as modificações que fizer!
TEXTO 131 :
Em busca da perfeição
Hoje em dia, a busca pela perfeição está ficando cada vez pior do que já foi. Muitas mulheres
fazem o que for possível e até o aparentemente impossível para alcançar a perfeição e isso tudo só para
dar satisfação ao o próprio ego, para se sentir a mulher mais bonita do mundo, fazendo tudo o que for
preciso para conseguirem se transformarem no que querem. Elas sempre acabam com sua personalidade,
não dão importância se realmente gostam daquela roupa ou daquele cabelo, só querem dar pinta de
celebridade.
O que muito impressiona é ver que as mulheres estão se deixando tomar conta dessa obsessão de
ser a mais bonita, de fazer mais sucesso, de ser a melhor. Apenas desejam que todos lhes dêem elogios.
No entanto, será que elas são felizes assim? Infelizmente, na verdade, elas não dão cuidado para o bem
estar mental, o que faz com que busquem, muitas vezes, um terapeuta para lhes dar uma ajuda, para dar
força para elas saírem da depressão. O resultado das mulheres que não procuram ajuda é se tornarem
seres sem personalidade, que dão ênfase a apenas coisas fúteis, que não sabem viver e, quando se
encontram em depressão, desejam dar fim a sua própria vida.
Os resultados da pesquisa demonstram que 60% dos informantes (total de 15
professores) se manifestaram sobre as estruturas com dar+SN da dissertação avaliada 132 .
130
O texto foi produzido por um aluno de oitava série do Colégio Pedro II e, para que se prestasse ao objetivo
do teste, passou por algumas modificações.
131
As estruturas com dar não aparecem sublinhadas quando o texto é apresentado para os professores. Decidiuse marcá-las para o leitor identificá-las mais rapidamente.
132
Os comentários dos professores que não se manifestaram sobre as estruturas com dar + SN, geralmente,
referem-se a questões de coesão ou a poucas modificações no texto. A maioria desses informantes alegou que a
redação está boa para um aluno da oitava série.
290
Confirmou-se a hipótese inicial de que os professores substituiriam algumas dessas
construções, alegando que o aluno deveria evitar tantas repetições do verbo dar (cf. trechos
em negrito e itálico dos comentários). Os demais professores que mencionaram as estruturas
com dar, em geral, justificaram as substituições afirmando que tais perífrases não pertencem à
norma culta, mas ao registro informal, à oralidade e, portanto, são inadequadas a um texto
dissertativo submetido à avaliação.
Comentário 1) Há muito uso do verbo dar+complemento. Essa estrutura, em linhas gerais, a
meu ver, é bem informal (PADRÃO VI), produtiva na fala. Na escrita padrão, temos que
ter cuidado com seu uso recorrente. (5 anos de magistério)
Comentário 2) Dar uma ajuda => ajudar Na gramática normativa, bem como na prescritiva, o
uso repetido de estruturas é estigmatizado para o texto escrito, ainda mais tratando-se de
uma dissertação (PADRÃO I). Aqui a aluna faz o uso excessivo de estruturas de Vsup +
SN, o uso ocasional pode ser tolerado, mas a sua repetição caracteriza o seu uso que é
comum no texto oral (PADRÃO VIII). (4 anos de magistério)
Comentário 3) dar satisfação =>‘satisfazer’ Para não usar Vsup + SN e sim o verbo no
infinitivo, justifica-se apenas pelo fato de ser um texto dissertativo (PADRÃO I) e exigir
estruturas que atendam os pré requisitos da Norma Culta Padrão (PADRÃO V). (4 anos
de magistério)
Comentário 4) não dão cuidado => não se importam com seu bem estar mental é mais
adequado à norma padrão (PADRÃO V), evite repetições. (6 anos de magistério)
Comentário 5) dar satisfação => satisfazer; dar fim a sua própria vida => cometer suicídio;
não dão importância...cabelo => utilizam roupas e tipos de cabelo inadequados ao seu estilo.
Retirei as palavras e expressões sinônimas ou repetidas, para “enxugar” o texto, torná-lo
mais conciso. (23 anos de magistério)
Comentário 6: “As mudanças sugeridas são para dar mais coesão ao texto e evitar repetições, mas considero um
bom texto, pois apresenta coerência e deixa só um pouco a desejar no que se refere à coesão, mas nada tão sério,
pois para um aluno da 8ª série ainda há tempo para melhoras” (13 anos de magistério).
Comentário 7: “As inadequações vocabulares, redundâncias e repetições de palavras em nada prejudicam a
coesão e/ou coerência do texto. Sendo assim, não se faz necessária modificação alguma” (1 ano de magistério)
291
5.4.4 Considerações gerais sobre os resultados dos testes de atitude
Os padrões de comportamento depreendidos das respostas dos informantes demonstram
que os aspectos pertencentes ao contexto interacional que mais influenciam na escolha por
construções com verbo-suporte dar são o tipo de registro, a modalidade expressiva, o gênero
textual, o grau de intimidade entre os interlocutores e seu perfil social (faixa etária,
escolaridade e status social).
No que tange ao registro, o falante tende a associar construções com verbo-suporte a
contextos que não sejam formais, chegando a considerá-las, a depender da forma perifrástica,
desvios “da norma”. Alguns informantes, em certos comentários, ao alegarem que essas
estruturas são mais adequadas à oralidade, vinculam a modalidade escrita ao registro formal
da língua e a modalidade falada ao informal, não levando em conta que há textos escritos
informais e textos orais formais.
Os informantes costumam justificar a escolha por perífrases ou por verbos plenos em
função da gênero textual no qual a construção é produzida. Em gêneros publicados em
jornais, passíveis de avaliação (como a dissertação do segundo teste) ou com alto grau de
formalidade (em situações como a do trecho 3), exige-se o emprego da norma culta, o que faz
com que os informantes recorram a predicadores simples e não às estruturas dar + SN. Por
outro lado, há muitos gêneros textuais que, em geral, têm caráter menos formal e, por isso
mesmo, também servem para marcar algum tom “especial” (de ironia, gentileza, brincadeira,
entre outros); e, para compor textos com essas características, os usuários da língua recorrem,
entre outras expressões lingüísticas, a predicadores complexos que levem, por exemplo, à
intensificação (dar muita tristeza), ênfase (dar uma boa educação) e/ou demonstração de
afetividade (dar um beijinho). O padrão de comportamento referente à escolha de estruturas
de acordo com o gênero textual, portanto, pareceu mais relevante que o da modalidade
expressiva. Provavelmente, isso ocorre porque a observação do gênero textual implica a
análise dos motivos pelos quais se empregam tais estruturas que, por sua vez, estão
intimamente veiculados aos perfis dos participantes da interação comunicativa (suas
características, como faixa etária e nível de escolaridade e o papel profissional/social que
desempenham). Constatou-se que muitos informantes dão preferência ao emprego de
estruturas com verbo-suporte dar em notícias cujos jornais possuem como público-leitor uma
classe mais popular de indivíduos (pessoas normalmente com menor poder aquisitivo).
292
Diferentemente, em situações cujos participantes apresentam alto grau de escolaridade, os
informantes tendem a optar pelo emprego de predicadores simples.
A posição dos professores de português em conceber as construções dar+SN como
inapropriadas ao emprego culto ou formal da língua, provavelmente, influencia o ponto de
vista de muitos informantes sobre o uso dessas expressões. Logo, os informantes acabam
generalizando a opinião dos professores e considerando estruturas que não apresentam
qualquer grau de informalidade (como por exemplo: dar preocupação e dar (muita) tristeza)
inadequadas ao contexto formal. Essas atitudes levam à conclusão de que, em geral, não há
uma avaliação positiva por parte dos falantes sobre o emprego de predicadores complexos
com dar.
293
6. CONSTRUÇÕES DAR +SN NO ENSINO DE PORTUGUÊS
6.1 A abordagem de construções dar + SN em alguns materiais didáticos
Em Redação em construção, Carneiro (2001), no capítulo intitulado “Como adequar o
vocabulário?”, denomina “adequação vocabular” o emprego coerente de termos de acordo
com as situações comunicativas em que aqueles se encontram e define os seguintes tipos de
adequação vocabular: (i) adequação ao referente; (ii) adequação ao ponto de vista; e (iii)
adequação à situação de comunicação.
A adequação ao referente relaciona-se à precisão dos vocábulos, que podem ser
divididos em gerais e específicos. Estes abrangem poucos ou apenas um referente, enquanto
aqueles podem designar diversos referentes. Exemplifica-os usando o verbo ver – um
vocábulo geral (visto que tem emprego mais amplo do que observar, contemplar, distinguir,
espiar, fitar, entre outros) e Mona Lisa – um vocábulo específico, que remete à obra de
Leonardo da Vinci.
Os vocábulos distinguem-se em positivos, neutros e negativos ao serem classificados
em relação à adequação do ponto de vista. O autor enfatiza que o que determina essa
classificação é o contexto e, por isso, um mesmo vocábulo pode caracterizar-se em três tipos
distintos a depender do contexto situacional do qual participa. Um exemplo dado pelo autor é
“gelado(a)” (negativo – “O café que tomei estava gelado”; positivo – “Após o banho no mar,
tomei um banho gelado”; e neutro 133 – A Antártida é gelada”).
A adequação à situação de comunicação refere-se ao emprego de vocábulos formais ou
informais em função do registro (formal, semi-formal e informal) do contexto comunicativo.
Além de explicações bastante claras quanto a esses tipos de adequação vocabular, o
autor apresenta uma série de exercícios de “aplicação”. Dois desses exercícios abordam
diferentes empregos do verbo dar:
página 170
9) Substitua o verbo dar, nas frases a seguir, por outro verbo de sentido equivalente. 134
1. Deu todos os seus pertences ao convento.
doou
2. O relógio deu sete horas.
bateu
3. O jogo deu confusão.
133
resultou, provocou
Carneiro (2001) não apresenta este exemplo. Decidiu-se acrescentá-lo para uma descrição mais detalhada das
classificações dos vocábulos quanto ao ponto de vista.
134
As respostas relativas aos exercícios apresentados por Carneiro (2001) foram sugeridas no exemplar
destinado ao professor (“Livro do Professor”).
294
4. O pomar deu muitos frutos.
produziu
5. Os jornais deram a notícia.
publicaram
6. O pai deu sinais de preocupação.
7. A mãe daria a vida pelo filho.
mostrou
sacrificaria
8. Saramago deu novos rumos à narrativa portuguesa.
imprimiu, traçou
9. O governo deu-lhe uma difícil missão.
confiou, atribuiu
10. Não dava para essa profissão.
servia
É possível notar que o enunciado da questão apenas trata da substituição em função do
sentido equivalente; logo, não leva em consideração a questão da adequação vocabular de
acordo com a situação de comunicação, já que as frases estão desprovidas de qualquer
contexto situacional. Um exercício como esse poderia ser (re)elaborado para valorizar o fato
de dar ser um verbo polissêmico, um vocábulo geral (cf. adequação ao referente), e seria
possível discutir as implicações do emprego desse elemento e dos seus equivalentes
semânticos se fossem explorados diferentes contextos situacionais associados a cada oração
apresentada.
O outro exercício que também aborda construções com verbo dar segue abaixo:
página 181
38) Substitua as expressões destacadas por um só vocábulo de valor equivalente.
1. A editora deu à luz uma nova coleção de Monteiro Lobato.
2. Quando viu o perigo, deu no pé.
3. A funcionária decidiu dar uma colher de chá ao cliente.
4. Ele não dava conta de todas as tarefas.
publicou
fugiu, escapou,
escafedeu-se
favorecer, ajudar,
auxiliar
realizar
5. O delegado deu fim a todos os prisioneiros.
liquidou, acabou com
6. Com o discurso ele dava o troco às ofensas.
respondia
7. Ele deu uma topada na saída da sala.
tropeçou
8. A vítima deu de cara com o criminoso.
deparou com, encontrou
9. Guilherme deu as costas à profissão.
desprezou a, abandonou
a, largou a
10. A criada dava pontos na roupa.
costurava, cosia,
remendava
295
No exercício acima, o autor usa a expressão “valor equivalente”, que, devido à natureza
da atividade, é uma alternativa para “sentido equivalente”. Questiona-se a eficácia desse
exercício por não encaminhar qualquer relação das formas predicantes (simples ou
complexas) com a questão da adequação lingüística na construção de textos. As frases curtas,
sem o contexto situacional claro, não permitem que os alunos reflitam apropriadamente acerca
da situação comunicativa. Ao observar as respostas sugeridas, percebemos que a expressão
“deu no pé” parece pertencer a um contexto menos formal (cf. adequação à situação de
comunicação) e, por isso, seria mais indicado substituí-la por, por exemplo escafedeu-se, o
emprego mais informal dentre as três possibilidades sugeridas, e não por fugiu e escapou, cujo
registro parece ser neutro (cf. adequação ao ponto de vista) e que não indicam, por si só, traço
de formalidade ou de informalidade. Não se acredita que a expressão dar uma colher de chá,
em todos os seus contextos de uso, seja equivalente ao emprego dos verbos favorecer, ajudar
e auxiliar. Crê-se que a expressão pode ser usada para marcar uma ajuda ou um
favorecimento que normalmente não ocorre (Não costumo deixar ninguém que seja menor de
idade entrar na festa, mas vou dar uma colher de chá para João porque ele é filho do
organizador.) e, por isso, os verbos favorecer, ajudar e auxiliar careceriam dessa nuance
semântica. Essa questão somente poderia ser discutida se diferentes contextos discursivos
fossem apresentados.
Em suma, acredita-se que os exercícios anteriores poderiam estar repletos de questões
que relacionassem o tema de “adequação vocabular” com empregos do verbo dar em
construções dar+SN. Acredita-se que essa seria uma forma produtiva de fazer com que os
alunos refletissem sobre o uso da língua em diversos contextos discursivos e sobre os critérios
de adequação vocabular que Carneiro (2001) enfatiza na parte teórica de seu capítulo
(especialmente, sobre a adequação ao referente, ao ponto de vista e à situação de
comunicação).
Nicola (2006:146) é um livro didático que apresenta considerações acerca de verbosuporte no capítulo em que trata do “emprego expressivo de tempos e modos”. Crê-se que
seria mais adequado tratar dessa categoria ao mencionar as categorias de verbos auxiliares, já
que o verbo-suporte se comporta como um verbo semi-auxiliar para a verbalização do
elemento que o acompanha. Apesar disso, compreende-se que essa organização,
provavelmente, se deve ao fato de o autor desejar ressaltar os “empregos expressivos” das
construções com verbo-suporte. Após o título – verbo-suporte –, há uma reportagem, extraída
296
de um site (http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2003/festivaldecannes/blog.shtml), sobre uma
atriz:
(...) A atriz australiana contou que, quando adolescente, fez o mesmo pelo grupo
musical Abba (sim, ela disse Abba, mas deu uma risadinha (grifo nosso) depois de
pronunciar esse nome) e pelo ator Mel Gibson (aqui ela não riu). Ainda disse se
lembrar de que, ao ver Gibson passar, gritou para as amigas: “Meu Deus, ele olhou
pra mim”.
Em seguida, aparece a definição de verbo-suporte da seguinte forma:
Pelas diferentes combinações possíveis na nossa língua, alguns verbos podem ser
empregados como suporte sem conteúdo semântico, transferindo toda a carga
significativa ao seu complemento.
Os exemplos usados para fundamentar a definição são:
Dei uma olhada nas vitrines da galeria comercial. (olhei (as vitrines da galeria
comercial));
Nós não temos conhecimento do assunto. (conhecemos (o assunto));
Eles fizeram uma distinção entre titulados e não titulados. (distinguiram (titulados
e não titulados))
De fato, o conteúdo semântico dos verbos das construções acima encontra-se bastante
esvaziado, mas afirmar que eles transferem “toda a carga significativa ao seu complemento”
não parece ser coerente, visto que, no primeiro exemplo, dar uma olhada significa olhar
rapidamente para as vitrines e é possível detectar nesta ação ainda uma transferência, mesmo
que metafórica, visto que o sujeito destina ou transfere sua visão para um determinado
elemento (neste caso, as vitrines). Da mesma forma, em ter conhecimento, o verbo ter, ainda
que metaforicamente, pode indicar a posse de algo bastante abstrato – o conhecimento. Vale
lembrar que a permuta de ter por tomar acarretaria uma perífrase de sentido distinto,
resultante da articulação da carga semântica que ainda permanece no verbo-suporte com o
valor do nome que a este se alia. Observa-se também que o autor apenas envolve o critério
semântico na definição do termo, desconsiderando o fato de que, diferentemente de um verbo
predicador, o verbo-suporte partilha com o elemento não verbal a função de projetar
argumentos.
Um aspecto bastante positivo da descrição proposta nessa obra é o enfoque nos efeitos
de sentido que as expressões com verbo-suporte podem apresentar:
Tal emprego permite criar novos efeitos por meio da modificação nominal e do
emprego de afixos. Compare os enunciados extraídos do texto acima: (sim, ela disse
Abba, mas deu uma risadinha depois de pronunciar esse nome)
• O emprego do verbo suporte dar seguido de complemento sugere um tom
informal (pois está se fazendo um comentário à maneira de fofoca)
• O substantivo risada vem acrescido do sufixo diminutivo –inha, que, entre outras
coisas, pode revelar acanhamento, ironia, menosprezo.
297
• Se, no lugar de “deu uma risadinha”, tivéssemos a forma riu, mesmo com
advérbios que a modifiquem e intensifiquem (riu ironicamente, riu de modo
acanhado, etc.), não seriam possíveis as entrelinhas sutis de significação: Aqui ela
não riu. (indica que não efetuou a ação de rir).
Percebe-se que o autor faz observações coerentes acerca da relação entre a inserção de
elementos e mudança de sentido. Logo, levou em conta que a escolha por perífrases com
verbo-suporte pode ocorrer devido às funções semântico-discursivas que seu emprego permite
alcançar. O autor ainda poderia usar os exemplos “dei uma olhada”, para comentar as funções
ligadas ao aspecto verbal (mais momentâneo), e “fizeram uma distinção”, para discutir sobre a
valência (a depender do contexto, não há necessidade de detalhar o complemento “entre
titulados e não titulados”). Além disso, poderiam ser contempladas expressões com verbossuporte cujo equivalente verbal não é cognato ao elemento não verbal da perífrase, tais como
dar conta do trabalho e dar as costas.
Quanto às atividades propostas em Nicola (2006), encontrou-se apenas um exercício
em que o emprego de verbo-suporte foi levado em conta:
página150
8) Compare os pares e comente suas sutis diferenças de significação, ênfase, aspecto.
b) I. Fotografaram o momento da votação de Celina Guimarães Viana.
II. Tiraram uma foto histórica do momento da votação de Celina Guimarães Viana.
Essa proposta de exercício está coerente com o que o autor enfatiza na parte teórica de
seu texto – algumas funções semântico-discursivas. Será muito produtivo que os alunos
exponham suas impressões acerca do emprego dos pares acima na constituição do discurso.
Devem, provavelmente, perceber a versatilidade sintática da perífrase (possibilidade de
inserção de elementos – uma/histórica) e a diferença de seu sentido em relação ao verbo
“fotografaram”. Logo, é possível que os alunos comentem, em relação ao trecho II, que um
indivíduo que ouve ou lê esse trecho pode compreender que apenas uma foto foi batida (e não
duas, três...), enquanto uma pessoa pode interpretar a ação presente no trecho I como “muitos
fotografaram”, ou seja, a ação resultou em várias fotografias.
Martins Filho (1992) constitui um manual de redação e estilo do jornal O Estado de São
Paulo cujo objetivo é “definir princípios que tornem uniforme a edição do jornal.”
(MARTINS FILHO, 1992:11). Prevê, também, que a obra possa ser aproveitada por outras
pessoas que não sejam jornalistas:
Embora destinado a jornalistas, o livro também pode constituir eficiente auxiliar de
todos aqueles que precisem escrever com regularidade, estejam se preparando
para exames de redação ou queiram conhecer as principais particularidades da
298
língua portuguesa. Os erros mais comuns do idioma mereceram atenção especial e
não apenas se alerta o leitor para eles, como se mostra a melhor maneira de evitálos, sempre que possível por meio de regras práticas. (MARTINS FILHO, 1992:1,
grifo nosso)
Levaram-se em conta algumas considerações encontradas no manual que se relacionam,
diretamente ou não, ao emprego de construções com verbos-suporte. Acerca do emprego de
verbos, locuções ou expressões, destacam-se as seguintes advertências no manual:
(...) Não diga em duas palavras o que você puder exprimir em uma. (...) mencionar
substitui com vantagem fazer referência (...) (MARTINS FILHO, 1992:73, grifo
nosso)
Entre os chavões mais freqüentes, estão as locuções e combinações invariáveis de
palavras (sempre as mesmas, na mesma ordem) que também comprometem o
texto. Neste caso se enquadram ainda as frases feitas que, embora originárias da
literatura popular (dar a volta por cima, por exemplo), terminam por se repetir à
exaustão, produzindo o mesmo efeito do lugar comum Eis os principais exemplos:
(...) dar com burros n’água, dar mão forte a, dar o último adeus (...) (MARTINS
FILHO, 1992:49, grifo nosso)
“Fazer erro”, “fazer falta”. Em bom português, fazer não substitui cometer ou
praticar. Use, pois: cometer erros, praticar faltas, cometer equívocos, distrações,
enganos, etc. (MARTINS FILHO, 1992:172, grifo nosso)
Ter. Use o verbo ter nos seus verdadeiros significados, em vez de transformá-los
em mais um coringa dos títulos. Veja exemplos de seu mau emprego: Médicos
ingleses têm controvérsias sobre a Aids │ Crianças têm campanha no colégio para
Constituinte │ Assassinos de Joana têm 15 anos de cadeia │ Fiscais têm 50
denúncias por dia │ Senador tem aplausos dos eleitores. (MARTINS FILHO,
1992:82, grifo nosso)
Ter (abuso). Use o verbo ter livremente, nos seus sentidos habituais e corretos;
evite, porém, transformá-lo em verbo-ônibus (como sinônimo de praticamente
todos os demais), especialmente nos títulos, apenas por causa de seu reduzido
número de letras. Veja alguns exemplos reais e no mínimo discutíveis: (...) Ladrão
de carro tem pena até o ano 2000 / Fiscais têm 50 denúncias, mas não autuam a
empresa. (MARTINS FILHO, 1992:281, grifo nosso)
Os três primeiros trechos destacados demonstram a atitude de aversão ao emprego de
perífrases verbo-nominais que alguns têm. Nas palavras de Martins Filho, tais estruturas
podem comprometer o texto e não fazem parte do bom português. Além disso, ao mencionar
sobre os verbos “ter” e “fazer”, ele demonstra claramente que tais itens não devem ser
empregados com acepções distintas de seu sentido básico (respectivamente, “possuir” e
“construir/realizar”), pois outras acepções não configuram sentidos habituais e corretos. O
autor ignora, portanto, alguns aspectos fundamentais: (i) a necessidade do emprego dessas
299
construções para veicular mais apropriadamente funções pragmático-discursivas; (ii) o
emprego do que o autor denomina frases feitas (dar a volta por cima) não está vinculado
necessariamente a textos de registro informal, de origem popular, podendo haver diversas
construções (como dar conta, dar sorte, dar baixa, etc.) adequadas a gêneros textuais formais
e informais sem que o bom português seja comprometido; e (iii) o emprego de verbos
polissêmicos/polifuncionais como ter, fazer e dar com acepções distintas de, respectivamente,
“possuir”, “construir” e “entregar” não empobrece a língua, pois decorre de um processo
natural de expansão do uso que, muitas vezes, pode favorecer o esvaziamento de significado
e, conseqüentemente, a mudança categorial do item, de verbo predicador para verbo-suporte.
Na verdade, compreende-se o autor quando critica a “repetição”, pois se acredita que o
usuário da língua deve buscar ser coerente em seus textos e, especialmente naqueles
pertencentes a gêneros formais, a repetição pode se tornar um aspecto negativo. No entanto,
não se compartilha a idéia de evitar ou banir determinadas expressões ou verbos da língua,
pois seu emprego pode estar relacionado a alguma necessidade discursiva e, portanto,
adequado à situação comunicativa em que se inserem.
6.2 Possíveis abordagens das construções dar + SN em aulas de Português
As orientações e propostas de atividades apresentadas nesta seção devem ser encaradas
como pontos de partida para reflexão (especialmente, por parte de professores de português) a
respeito de como lidar com formas predicantes que viabilizem ao aluno desenvolver
habilidades relacionadas à seleção de formas lingüísticas na leitura e na construção
textual/discursiva, pois considerar este material implica adequá-lo às condições encontradas
em sala de aula. Logo, as atividades aqui utilizadas como ilustração de possibilidades de
trabalho com o tema podem ser alvos de reelaboração, levando-se em conta, entre outros
aspectos, a seleção de gêneros textuais condizentes com os interesses e com as necessidades
dos alunos.
Uma das formas de encaminhar a reflexão sobre o uso de dar em estruturas dar + SN
em sala de aula é solicitar que os alunos se manifestem sobre alguns dos sentidos que dar
veicula em contextos discursivos distintos (cf. exemplos desses contextos no quadro 22). Uma
proposta de atividade que leve em conta essa orientação pode ter, entre outros objetivos,
possibilitar que os alunos: (i) reconheçam que, em alguns exemplos, dar não se apresenta
como predicador pleno, com significado transferencial (como, normalmente, é tratado por
gramáticas normativas); (ii) compreendam a noção de significado básico; (iii) analisem as
300
características sintáticas (valência quantitativa) e semânticas (acepção e tipos de argumentos
selecionados) do verbo dar apresentado em cada contexto; (iv) com base na depreensão de
características sintático-semânticas semelhantes e distintas pertencentes aos diversos
empregos de dar, sistematizem informações sobre a atuação de dar como verbo predicador
pleno, verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte; e (v)
reflitam sobre a possibilidade de substituição de dar, nas categorias depreendidas, por outros
verbos, enfocando a discussão sobre em que medida a comutação é adequada às
características 135 do gênero textual em que a forma se apresenta (cf. quadro 23 com um
exemplo de atividade com a categoria de verbo predicador a verbo-suporte.).
A) Uma notícia – Jornal do Brasil
Brasil é fiador da paz histórica entre Peru e Equador
Documento assinado em Brasília encerra cinco décadas de conflito e cerimônia leva FH
às lágrimas Sete presidentes e os reis da Espanha assistiram ontem, em Brasília, à assinatura
do acordo de paz entre Peru e Equador, numa cerimônia marcada pela emoção. O discurso do
presidente equatoriano, Jamil Mahuad, fez Fernando Henrique Cardoso chorar. Mahuad
roubou a cena e deu ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, o cantil que seu avô usara no
confronto com os peruanos em 1941. (27.10.1998)
B) Uma conversa entre duas amigas
Amiga 1: Você esperou seu namorado por uma hora?
Amiga 2: Claro que não! Deu três horas quando eu me arrumei e fui à festa.
C) Um testemunho para a igreja
Eu era um rapaz muito bagunceiro... muito, saía muito... dava muito desgosto à minha mãe.
D) Propaganda – Jornal Extra
A TED é a maior organização de empregos e ensino comercial prático do País, dando plena
garantia de encaminhamento a emprego para seus alunos.
E) Notícia – Jornal do Brasil
O delegado, tendo ontem denúncia de que, na Gamboa, se achava um homem de nome José
Vieira Pinto, que diziam ser o protagonista do crime de Copacabana, deu ordens, para que se
descobrisse tal indivíduo.
135
Considera-se que a reflexão sobre as características discursivas dos gêneros (quem escreveu/falou; para quem
escreveu/falou; como escreveu/falou; onde/quando escreveu/falou; com qual finalidade escreveu/falou; o porquê
escreveu/falou) deve ser diretamente relacionada à análise das expressões lingüísticas do texto, processo que, por
sua vez, leva à ativação dos conhecimentos lingüísticos, de mundo e de organização textual do leitor (cf. MOITA
LOPES, 2003). Logo, as atividades que apresentam textos que possibilitem a percepção dos contextos
discursivos podem ser usadas para gerar frutíferas discussões no intuito de demonstrar/ensinar estratégias de
leitura, tal como a ativação desses conhecimentos. Por exemplo, a interpretação de itens lexicais como “11 de
setembro” e “Osama” na crônica apresentada será adequada se os alunos/leitores acessarem seu conhecimento de
mundo. Além disso, a observação de outras expressões, como “tomando todas” e “dar vacilo”, faz com que
alunos/leitores tenham consciência de que esse gênero permite veicular um registro menos formal.
301
F) Crônica – webartigos. com (14/02/08)
Hoje é dia de Fla x Flu
Nada mais interessa nesse dia, porque... Hoje é dia de "FLA x FLU"! (...) Como não tem jeito,
a galera vai pro "sacrifício", fazer hora pro tempo passar, tomando "todas" e mais algumas,
nos botequins da vida. As "patroas", malandramente sábias, conhecem muito bem a
"importância" do dia de hoje que nem chegam perto pra não dar vacilo. Qualquer palavra mal
colocada, qualquer cobrança na hora errada, qualquer cara amarrada e a situação vira "Oriente
Médio". A casa cai mais rápido que no "11 de setembro". É terrorismo brabo, que nem o
"Osama" se atreve a idealizar.
Quadro 22: Alguns contextos discursivos que apresentam dar em diferentes categorias funcionais.
Situação A) Palestra para empresários
1) “É necessário que se façam investimentos que dêem retorno.”
2) “É necessário que se façam investimentos que proporcionem retorno.”
Possíveis questões para discussão:
ƒ O sentido da frase mantém-se com a substituição do verbo dêem por proporcionem? Por
quê?
ƒ Dêem e proporcionem são verbos adequados para a situação comunicativa (a palestra para
empresários) ou o emprego de um seria mais adequado, neste caso, do que o outro? Por quê?
Situação B) Locutor de futebol narrando um jogo ao vivo
Ronaldinho driblou, olhou, deu um chute...a bola bateu na trave e foi pra fora!
Possíveis questões para discussão:
ƒ O sentido da frase mantém-se com a substituição do verbo deu por desferiu? Por quê?
ƒ Deu e desferiu são verbos adequados para a situação comunicativa (um locutor de futebol
narrando um jogo ao vivo) ou o emprego de um seria mais adequado, neste caso, do que o
outro? Por quê?
Situação C) Locutor de boxe narrando uma luta ao vivo
Cruzado de direita, knockout!!! Popó deu um cruzado de direita e levou seu adversário à
lona!!!
ƒ O sentido da frase mantém-se com a substituição do verbo deu por desferiu? Por quê?
ƒ Deu e desferiu são verbos adequados para a situação comunicativa (um locutor de boxe
narrando uma luta ao vivo) ou o emprego de um seria mais adequado, neste caso, do que o
outro? Por quê?
Quadro 23: Alguns contextos discursivos e questões relacionadas às implicações da substituição do
verbo dar (como verbo predicador a verbo-suporte) por outro item verbal.
302
Com a utilização de testes de atitude (entrevistas orais) para ampliar a investigação do
fenômeno de alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores simples, foi
possível depreender diversos padrões de comportamento (cf. seção 5.4.3) dos falantes em
relação ao emprego das formas alternantes em diversos contextos discursivos. Uma maneira
de promover a discussão sobre esses padrões em sala de aula é solicitar aos alunos que se
manifestem quanto ao emprego dessas formas em: (i) situações comunicativas que apresentem
gêneros textuais orais formais (tais como exposições acadêmicas (seminários), discursos
oficiais e conferências) e informais (tais como conversas espontâneas e entrevistas pessoais)
e/ou gêneros escritos formais (tais como artigos científicos, contratos comerciais e
requerimentos) e informais (tais como cartas pessoais, bilhetes, e-mails e volantes de rua); (ii)
gêneros jornalísticos (notícias, editoriais, crônicas, anúncios, entre outros) pertencentes a
veículos de natureza mais/menos popular; e (iii) eventos comunicativos cujos interlocutores
apresentem pouco/muito grau de intimidade, alto/baixo nível de escolaridade, iguais/distintas
faixas etárias e diferentes/semelhantes níveis sociais.
Abaixo, encontram-se os exemplos de algumas situações discursivas. Após lerem cada
situação, os alunos poderiam discutir as seguintes questões centrais: “É possível substituir a
construção com verbo dar por um verbo cognato ao substantivo (SN) dessa construção e,
ainda assim, manter as características do contexto discursivo apresentado? 136 Por quê?”.
1) Crônica (site: http://www.viniciuswerneck.com/2006/03/crnica-de-uma-infncia.html Acesso em
fevereiro de 2008)
Crônica de uma infância
Chegando no colégio a “tia” (até os 20 anos chamei uma das professoras assim,
acredite) perguntou onde estava minha mãe. Feliz eu disse que hoje eu tinha deixado ela ficar
em casa sem mim. E ela nem tinha chorado! Coisa de criança. Entrei no colégio, orgulhoso, e
fui direto para o pátio. Num daqueles dias eu havia visto um garoto mostrar o tênis novo dele
de maneira, digamos, bem sutil... Primeiro ele deu uma tossidinha.
2) Notícia (site: http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/MostraNoti.asp?par=220 Acesso em agosto
de 2007)
Serviço para o desempregado
136
Na verdade, é possível discutir/analisar o emprego de outras formas lingüísticas para veicular sentidos
semelhantes aos da perífrase dar + SN e ao do verbo pleno cognato. Esse procedimento pode ocorrer de acordo
com as possibilidades encontradas nos contextos discursivos. Por exemplo, no texto 6, o emprego de “dar um
beijinho”, de “beija” e de “tascar beijos” pode ser alvo de uma discussão que enfoque as nuances semânticodiscursivas atingidas pelo uso de cada uma das três formas no contexto apresentado.
303
Quem quer emprego deve procurar um dos 27 postos espalhados pela Cidade com o RG,
CPF e carteira de trabalho. Quem ainda não tem uma pode conseguir a primeira num desses
postos. O trabalhador que acaba de perder o emprego também pode se habilitar a receber o
seguro-desemprego numa daqueles postos. Eles também se prestam a dar orientação
trabalhista.
5) Depoimento escrito para o autor de um artigo científico acerca do filme que
(site:
desenvolveu
para
área
de
odontologia.
http://www.fob.usp.br/nied/Fidela_Tecnologias_FOB-USP.pdf Acesso em agosto de 2007)
Gostaria de dar parabéns pelo filme, muito didático, e muito bem desenvolvido. Gostaria de
saber se poderia utilizá-lo em uma apresentação sobre PCR em tempo real, a ser ministrada
Fiocruz, em outubro. Caso seja possível, gostaria de saber como fazer para salvar a
apresentação. Grata.
Mestranda-Ciência de Alimentos
Instituto de na Química/ UFRJ
6) Notícias (site: http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,AS0-9798,00.html – Acesso em abril de
2008)
Conheça as celebridades que só querem saber de trocar selinhos
Rodrigo Scarpa, o repórter Vesgo, não perde uma oportunidade de tentar dar um
beijinho em seus entrevistados (...) O que parecia ser apenas uma moda virou rotina entre as
celebridades. O caso mais recente aconteceu no aniversário de Mauricio Mattar e no show de
Preta. Os dois tascaram beijos em seus convidados.
Com as orientações mencionadas e os exemplos de exercícios, objetivou-se demonstrar
que é possível explorar, no ensino de Português, as diferentes categorias funcionais de dar e a
alternância entre construções com dar+SN e predicadores simples. Com o acesso a esses
conhecimentos, “o usuário da língua poderá desvendar as implicações semântico-discursivas
das escolhas gramaticais que faz e perceber as vantagens envolvidas no emprego de uma ou
outra possibilidade estrutural (perifrástica ou simples)” (MACHADO VIEIRA, 2004).
304
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente dissertação permitiu aprofundar o que se conhece sobre o comportamento
sintático e semântico do verbo dar em construções dar + SN e de formações com esta
estruturação que atuam, morfossintática e semanticamente, como unidades verbais. Com a
concepção funcionalista de que a língua é instrumento de interação social entre seus
fundamentos, destaca-se a função das formas lingüísticas na organização dos discursos, na
construção de textos.
A investigação criteriosa sobre as propriedades de seleção de dar e seu comportamento
semântico em construções dar + SN contou com dados pertencentes a corpora escritos e orais
de PB e de PE e forneceu subsídios para se descreverem diferentes empregos de dar nesse
tipo de estrutura e, assim, se delinear uma cadeia de gramaticalização de dar (de verbo
predicador a verbo-suporte) com base em Heine et alii (1991). Demonstrou-se que a
gramaticalização é o processo responsável pela transferência categorial gradual de dar de
verbo predicador a verbo-suporte. Neste continuum, sobressai o parâmetro de persistência
(HOPPER, 2001), segundo o qual, durante esse processo, o item manifesta traços da forma
fonte e da forma alvo, configurando uma categoria intermediária: a categoria verbo
predicador a verbo-suporte, que contempla os casos em que dar pode ser interpretado como
predicador, o núcleo sintático-semântico da predicação, e como verbo-suporte, forma semigramatical que compartilha a função predicante com o SN que, sob atuação daquele, se torna
o núcleo semântico do predicador complexo que formam. Para compreender melhor a
configuração de propriedades sintáticas e semânticas característica de cada categoria,
compararam-se, com base em Dik (1997), os marcos predicativos de alguns exemplos do
corpus com o marco predicativo básico de predicações com dar como verbo predicador.
No exame da literatura lingüística existente sobre o tema, fica evidente que, em obras de
caráter normativo, dar é descrito apenas como verbo predicador (“principal”) em construções
dar + SN, diferentemente do que já se reconhece em obras de orientação teórico-descritiva e
pesquisas lingüísticas que levam em conta a possibilidade de dar apresentar um
comportamento mais gramatical (categoria de verbo-suporte). Ocorre que, entre os autores
dessas obras/pesquisas, há aqueles que não exploram, em suas análises, extensões de sentido
associadas à categoria verbo-suporte, limitando-se à questão do esvaziamento semântico
envolvida no processo que desencadeia esse emprego de dar (NEVES, 2000 e GOMES,
305
2005) e outros (BORBA, 1996; LAPA, 1973; ALLAN, 1998; BARON e HERSLUND, 1998),
por sua vez, que consideram a hipótese a hipótese de esse verbo, nessa condição, servir para
poder expressar extensões de sentido. O presente estudo dialoga com essas obras, uma vez
que a elaboração da cadeia de gramaticalização de dar e dos marcos predicativos relacionados
a cada categoria contribui para a comprovação dessa hipótese ao demonstrar que, em diversas
construções, o verbo-suporte dar pode revelar valores não-transferenciais (A empresa dá
lucro), transferenciais metafóricos (O presidente deu boas notícias/O jogador deu bananas à
torcida) e o valor genérico de ação/atividade (Para ganhar a partida, os atletas deram
saltos).
Ao pertencer às categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte, o verbo
dar constitui mais um recurso do sistema (cf. parâmetro de estratificação), além de morfemas
formadores de verbo, para derivar “unidades verbais” a partir de nomes, para verbalização.
Encontraram-se diversos predicadores complexos passíveis de substituição por predicadores
simples cognatos a seus SNs (dar pulo = pular; dar susto = assustar), o que suscitou o
interesse pela pesquisa de condicionamentos que geram essa possibilidade de alternância. A
investigação desse fenômeno em dados do Português Brasileiro fundamentou-se na
conjugação de pressupostos sociolingüísticos e funcionalistas (Sociofuncionalismo), com base
nos quais se consideram aspectos semântico-discursivos, além dos aspectos estruturais e
sociais como condicionadores dessa alternância.
Tanto no estudo de gramaticalização de dar quanto na investigação da alternância entre
predicadores complexos e simples, contou-se, além de amostras de dados do comportamento
lingüístico de usuários do Português, com outro tipo de material: testes de atitude, que
permitiram revelar como o emprego das construções dar + SN se apresenta na perspectiva do
falante da língua.
Destacam-se os seguintes resultados em relação à freqüência de ocorrência do verbo dar
na categoria semi-gramatical de verbo predicador a verbo-suporte e na categoria gramatical
de verbo-suporte: é mais expressiva do que a categoria lexical de verbo predicador (pleno ou
não) em ambas variedades nacionais e modalidades expressivas, no século XX e no século
XXI, em notícias e artigos de opinião (em comparação a anúncios e a editoriais), e em
narrativas recontadas e de experiência pessoal (em comparação a relatos de opinião). Os
aspectos sintático-semânticos que mais significativamente colaboram para que o verbo
pertença a categorias (semi-)gramaticais e para que, conseqüentemente, os componentes dos
predicadores complexos apresentem altos graus de integração são estes: (i) quanto ao verbo, a
306
impossibilidade de comutação com qualquer outro item, a possibilidade de substituição
apenas por outro verbo-suporte, e a presença do traço [+foco] na ação; e (ii) quanto ao SN, a
presença do traço [+ quantificação universal], sua natureza predicante, e a impossibilidade de
anteposição e de substituição por outro. Sendo assim, confirmou-se a hipótese de que Os
maiores níveis de integração entre verbo e SN manifestam-se entre estruturas em que dar
expressa noção de ação/atividade. Os resultados dos testes de atitudes aplicados para checar a
pertinência da análise dos predicadores complexos em função de critérios que envolvem certa
subjetividade (possibilidade de anteposição do SN, de inserção de elementos intervenientes na
perífrase e de substituição do verbo e do SN) colaboraram para uma descrição mais refinada
do fenômeno.
Os resultados do estudo sobre alternância entre predicadores complexos e verbos plenos
revelam a maior produtividade destes do que daqueles em relação à distribuição geral dos
dados. No entanto, a análise probabilística permitiu constatar que a tendência ao emprego de
predicadores complexos ocorre, principalmente, quando o falante deseja marcar alguma
nuance de sentido especial e quando não há diferença de extensão silábica em relação ao
verbo predicador ou quando a perífrase apresenta menor extensão silábica.
Quanto à variável modalidade expressiva, apesar de a hipótese de que predicadores
complexos seriam mais produtivos na fala não se confirmar (há mais verbos plenos em ambas
as modalidades), comprovou-se a hipótese de que há mais predicadores complexos com
nuance semântica especial na fala. Relacionando esses resultados à faixa etária dos falantes,
constatou-se que falantes mais jovens (até 17 anos) e na faixa intermediária (11-35 anos)
apresentam maior produtividade de perífrases na fala do que na escrita. Além disso, o
emprego de predicadores simples na escrita é proporcional ao aumento da faixa etária
(falantes mais velhos – 18 a 35 anos –, empregam mais verbos plenos). Tais resultados
indicam que os falantes apresentam certas restrições quanto ao uso de perífrases na escrita
decorrentes, provavelmente, de recomendações de cunho normativo provenientes da escola
e/ou manuais de redação. Quanto ao grau de escolaridade, a tendência ao uso de perífrases é
alta em todos os níveis investigados, exceto entre falantes do 3° ano do Ensino Médio e do
último período do Ensino Superior. Os dados de perífrases obtidos entre estes grupos de
informantes apresentam, em geral, nuance semântica especial, revelando que, para falantes
com esses graus de escolaridade, o emprego dessas construções ocorre para alcançar funções
semântico-discursivas.
307
A investigação de dados pertencentes a textos jornalísticos revela que a maior tendência
ao uso de dar ocorre em notícias e artigos de opinião (em comparação com editoriais e
crônicas). Não foi confirmada a hipótese de que em textos jornalísticos provenientes de
jornais mais populares (Extra e O Povo) haveria maior produtividade de perífrases do que de
verbos plenos. No entanto, a relação entre as fontes dos textos jornalísticos e a variável
presença de nuance semântica permitiu a conclusão de que os predicadores empregados
nesses jornais não apresentam nuance de sentido especial, presente nas perífrases encontradas
em jornais menos populares (O Globo e Jornal do Brasil), o que leva a crer que motivações de
natureza pragmático-discursiva geram o emprego dessas construções nesses jornais. Destacase, portanto, que a consideração da variável presença de nuance semântica como
condicionadora do fenômeno de alternância entre predicadores complexos e formas verbais
simples revelou que os falantes empregam essas formas com algum grau de consciência. Os
resultados dos testes de atitude aplicados com o objetivo de verificar as opiniões dos falantes
sobre o emprego das formas alternantes demonstraram que os usuários da língua consideram
as perífrases adequadas, principalmente, a contextos informais e à fala.
Uma parte da presente dissertação foi dedicada a considerações sobre o ensino das
construções dar + SN. Apresentaram-se apreciações críticas quanto às recomendações,
presentes em um manual de redação, de evitar o emprego de verbos-suporte. Ademais,
analisaram-se como algumas, Carneiro (2001) e Nicola (2006), tratam de expressões com
verbos-suporte, já que a primeira propõe alguns exercícios e a segunda oferece alguma
teorização sobre essa categoria. Além disso, desenvolveram-se orientações relacionadas à
abordagem de construções com dar + SN em aulas de Português, levando-se em conta,
principalmente, o emprego de gêneros textuais distintos para que se faça um trabalho de
“análise de lingüística” (MENDONÇA, 2006) que possa considerar os principais resultados
das pesquisas acerca de gramaticalização de dar e de alternância entre predicadores
complexos com dar e verbos plenos.
Logo, acredita-se que, em linhas gerais, esta dissertação possa contribuir com: (i) a
ampliação do entendimento do processo de gramaticalização de verbos, (ii) a investigação,
por meio de testes de atitudes, de condicionamentos semântico-pragmáticos que envolvem o
emprego de formas alternantes (e não “variantes” em sentido estrito), (iii) a possibilidade de
articulação entre Sociolingüística e Funcionalismo (Sociofuncionalismo) para fundamentar os
estudos sobre o fenômeno de alternância e (iv) o ensino de estruturas lingüísticas com base na
análise de seu emprego em diversos contextos situacionais.
308
Ainda há muito que pesquisar sobre a configuração sintático-semântica de construções
dar+SN. Temas que podem ser revistos e, por conseguinte, gerar novos estudos são a
lexicalização dessas estruturas, a polifuncionalidade e/ou gramaticalização de dar e a
alternância de formas predicantes simples e complexas. É possível acrescentar ao estudo da
gramaticalização de dar uma análise das construções dar + SPrep (dar de si). É possível
ainda investir na alternância entre construções dar uma X-ada e formas simples (dar uma
finalizada/finalizar). Em outras palavras, as construções com verbo dar continuarão dando
muito trabalho para outros pesquisadores!
309
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314
ANEXOS
TEXTOS ORIGINAIS DAS CITAÇÕES
Seção 2.3
(p.47)
…this term refers to a small group of very common transitive verbs which take as
their object a noun which can also be used as a verb (…) Delexical structures are
part of the system which allows different conceptualizations of a given situation
(…)
(ALLAN, 1998: 1)
(p.47)
to specify the extend to which the core meaning is “weakened” or “eroded”.
(ibidem, p. 1)
(p.48)
I find that make and to a lesser extent give and have typically retain most of their
ful, intuitive meaning, whereas take is largely, and at times fully devoid of its
intuitive meaning
(ibidem, p. 1)
(p.49)
an answer exists, however fleetingly, in time and space.
(ibidem, p. 6)
(p.50)
after the action has been performed, it might be argued that it has a new position,
but this is clearly very different from possessing a turn.
(ibidem, p. 7)
(p.50)
verbs which, without a very specific or characteristic meaning of their own,
combine rather narrowly with a verbal or non-derived noun with or without a
determiner
(BARON & HERSLUND, 1998:99)
(p.51)
(…) support verbs have a very general and “bleached” meaning: the objetct noun
denotes the result of an activity which consists in creating something; so that all
that is left for the verb to express is the general idea of a cration, this “creation”
being of course different in each case as a function of the specific object constituent
(…)
(ibidem, p. 103)
315
(p.51)
(...) goes far beyond the limits of the verb phrase, insofar as it constitutes a type of
predicate formation which interacts crucially with the formation of complex noun
phrases and compounds. As such, VNPs constitute a very important phenomenon in
the frontier region between verbal and nominal syntax (…)
(BARON & HERSUND, 1998:114)
Seção 3
(p.57, nota 31)
Since participants have a theory about the pragmatic information of the other, they
can also estimate what is shared and what is not shared between their own and the
other’s pragmatic information. This estimate of shared and non-shared information
is of obvious importance for the success of verbal interaction. One rather common
strategy is for S to start from estimated shared information, and to proceed from
there to estimated non-shared information in order to have this added to, or
substituted for, pieces of A’s pragmatic information. This strategy, which has been
termed the “Given-New Contract” is psychololinguistic work (Clark-Clark 1997),
also has its impact on the pragmatically relevant structuring of linguistic
expressions.
(DIK, 1997:11 v.1)
(p.58)
- All lexical items of a language are analysed as predicates.
- Different categories and subcategories or types of predicates are distinguished,
according to their different formal and functional properties. Thus, many language
have at least verbal (V), adjectival (A), and nominal (N) predicates, and various
subtypes within these categories.
- All predicates are semantically interpreted as designating properties or relation.
- Predicates may be basic or derived. They are basic if they must be known as such
in order to be used in appropriate ways. They are derived if they can be formed in
regular ways by synchronically productive rules of predicate formation.
- Basic predicates may be stems, words, or combinations of words. If a basic
predicate consists of a combination of words, it will be an idiom: although it consists
of different words, it cannot be semantically derived by productive rule.
- All basic predicates are listed in the lexicon. The lexicon thus contains the full
stock of basic predicates of the language.
- Predicates are not regarded as isolated elements, to be inserted into independently
generated structures of some kind; they are considered to form part of structures
called predicate frames.
- Each basic predicate frame in the lexicon is associated with s number of meaning
postulates, through which the predicate is semantically related to other predicates of
the language.
- Derived predicates will likewise consist of (derived) predicate frames.
- Predicate frames are supposed to have no linear order: the order in which they are
presented (predicate first, then argument positions) is purely conventional.
(ibidem, p.59 e 61)
(p.58)
- All linguistic expressions which can be used to refer to entities in some world are
analysed as terms.
- Terms range from very simple items such as pronouns (he, she, they) and proper
names (john, Mary) to extremely complex noun phrases (…)
- Terms may also be used to refer to higher-order entities such SoAs (the defeat of
the enemy), possible facts (that John sold the car) or speech acts (John’s questions
what he should do). Such terms will often contain embedded predications,
embedded propositions, or embedded speech acts.
(ibidem,p.59 e 61, v.1)
316
(p.61)
the conception of something that can be the case in some world
(DIK, 1997:1)
(p.62, nota 35)
Propositions are things that people can be said to believe, know or think about; they
can be reason for surprise or doubt; they can be mentioned, denied, rejected, and
remembered; and they can be said to be true or false.
that people can be said to believe, know or think about; they can be reason for
surprise or doubt; they can be mentioned, denied, rejected and remembered; and
they can be said to be true or false.
(ibidem, p. 52)
(p.66)
The opposition [±exp] does not necessarily have a deep impact on the grammatical
organization of natural languages.
(ibidem, p. 116)
(p.66)
(i) Semantic functions (Agent, Goal, Recipient, etc.) specify the roles which the
referents of the terms involved play within State of Affairs designated by the
predication in which these terms occur.
(ii) Syntactic functions (Subject and Object) specify the informational status of a
constituent within the wider communicative setting in which it occurs (that is, in
relation to the pragmatic information of S and A at the moment of use).
(ibidem, p.26 v.1)
a.
b.
c.
d.
e.
(p.69)
Nuclear predicate frames never contain more than one instance of a given
semantic function.
In all predicate frames, A1 has one of the functions in [1];
In two-place predicate frames, A2 has one of the functions in [2a], or [2b];
In three-place predicate frames, A2 has the function in [2a], and A3 has one of
the functions in [2b].
[-dyn] SoAs are incompatible with semantic functions implying movement
(Direction and Source).
(ibidem, p. 120)
317
Seção 3.1.2
(p. 72, nota 48)
The unidirectionality of grammaticalization is the most important constraint on
morphosyntactic change.
Most cases of "degrammaticalization" that are cited in the literature do not show the
reversal of grammaticalization (or "antigrammaticalization"), but something else.
(HASPELMATH, 2002, p.17)
The basic generalization stands unchallenged as long as nobody shows that
degrammaticalization is as common as grammaticalization.
(ibidem, p.23)
(p.74)
For each preposition, we recognize a central or prototypical sense. The prototypical
sense, rather than being highly general, may well profile a very specific
configuration. Polysemy comes about when the preposition is used in a sense which
is closely related to, but distinct from the prototypical instance. (…) The various
senses of the word thus radiate out from the central prototype like the spokes of a
wheel. Senses at the periphery might well have little in common either with each
other or with the central sense (…).
(TAYLOR, 1988:301 apud HEINE, 1991)
(p.75)
(a) maximize the number of attributes shared by members of the category; and (b)
minimize the number of attributes shared with members of other categories.
(ROSC, 1973b apud TAYLOR, 1995:51)
(p.75)
Semantic criteria surely play a role in any intensional definition of word classes
(…). This is not claim that all the members of a grammatical category necessarily
share a common semantic content. (But neither do all the members of a grammatical
category necessarily share the same syntactic properties). (…) Grammatical
categories have a prototype structure, with central members sharing a range of both
syntactic and semantic attributes. Failure of an item to exhibit some of these
attributes does not of itself preclude membership.
(TAYLOR, 1995:196)
(p.77)
1. (…) concept formation and naming are two different things and that in the
process grammaticalization the former precedes the latter. (…) 2. (…) the use of a
given linguistic term for a new concept involves a process whereby two different
concepts are metaphorically equated and that the term used for one of them is
extended also to refer to the other; 3. (…) conceptual transfer is a creative act.
(HEINE et alii, 1991:29)
(p.78, nota 57)
318
transfer from a basic, usually concrete, meaning to one more abstract (…)
Metaphorical processes are processes of inference across conceptual boundaries,
and are typically referred to in terms of “mappings”, or “associative leaps”
(HOPPER E TRAUGOTT, 1993:77)
(p.78 nota 57)
involves specifying one, usually more complex, thing in terms of another not
present in the context.
(ibidem, p. 87)
(p.79)
While metaphor is correlated primarily with solving the problem of representation,
metonymy and lexicalizing of conversational meanings are correlated with solving
the problem of expressing speaker attitudes. (…) metonymy and metaphorical
inferencing are complementary, not mutually exclusive, processes at the pragmatic
level that result from the dual mechanisms of reanalysis linked with the cognitive
process of metonymy, and analogy linked with the cognitive process of metaphor.
(ibidem, p. 87)
(p.80)
(…) both metaphor and metonymy are part and parcel of one and same process,
grammaticalization, although in the case of a particular grammatical function one of
them may be more prominent than the other.
(HEINE et alii, 1991: 74)
a)
(p.81)
The network may be described in terms of a divergency model that can be
represented graphically in the form of a tree diagram.
b) The various senses are connected with one another by means of lines of
conceptual shift.
c)
This shift is unidirectional and proceeds from “more concrete” senses at the top
to “more abstract” senses at the bottom.
d) The top-most item A is typically, but not obligatorily, a lexical entity.
(Ibidem, 1991, p.98)
(i)
(p.86)
Frequency of use leads to weakening of semantic force by habituation – the
process by which an organism ceases to respond at the same level to a
repeat stimulus.
(ii)
Phonological changes of reduction and fusion of grammaticizing
constructions are conditioned by their high frequency and their use in the
portions of the utterance containing old or backgrounded information.
(iii)
Increased frequency conditions a greater autonomy for a construction,
which means that the individual components of the constructions (…)
weaken or lose their association with other instances of the same item (…).
(iv)
The loss of semantic transparency accompanying the rift between the
components of the grammaticizing construction and their lexical congeners
319
allows the use of the phrase in new contexts with new pragmatic
associations leading to semantic change.
(v)
Autonomy of a frequent phrase makes it more entrenched in the language
and often conditions the preservations of the otherwise obsolete
morphosyntactic characteristics.
(BYBEE, 2003:604)
Seção 3.2
(p.87)
(...) that heterogeneity is not only common, it is the natural result of basic linguistic
factors. We argue that it is the absence of stule-shifiting and multilayered
communication systems which would be dysfunctional
(WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968:101)
(p.88)
Speakers do not readily accept the fact that two different expressions actually
“mean the same” and there is a strong tendency to attribute different meanings to
them. If a certain grop of speakers uses a particular variant, then the social values
attributed to that group will be transfered to that linguistic variant.
(LABOV, 1972:251)
(p.88)
the fundamental sociolinguistic question is posed by the need to understand why
anyone says anything.
(ibidem, p.207)
(p.88 e 89)
(...) “the same thing” in several different ways: that is, the variants are identical in
referential or truth value, but opposed in their social and/or stylistic significance.
(ibidem, p 271)
(p.89)
totalmente condicionadas por factores extra-linguisticos, sino que reflejan uma
elección funcional de parte del hablante, dirigida a servir sus propósitos
comunicativos.
(LAVANDERA,1985:14)
(p.89)
debilitar la condición de que el significado deba ser el mismo para todas las formas
alternantes, y reemplazaria por una condición de compatibilidad funcional.
(Ibidem, p. 45)
Not all variability and heterogeneity in language structure involves change, but all
change involves variability and heterogeneity
(WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968:188)
Seção 3.3
(p.94)
When asked which of several forms are characteristic of their own speech, their
answers reflect the form which they believe has prestige or is “correct”, rather than
the form they actually use.
320
(LABOV, 1972:209)
(p.94)
Speakers who have had extensive contact with the superordinate form no longer
have clear intuitions about their vernacular available for inspection.
(ibidem, p.114)
Capítulo 4
(p. 98)
(...) The problem is of course not insoluble: we must either find ways of
supplementing the formal interviews with other data, or change the structure of the
interview situation by one means or another.
(LABOV, 1972:209)
321
TESTES DE ATITUDES
o RELACIONADOS AO FENÔMENO DE GRAMATICALIZAÇÃO
1) Pesquisa de opinião
Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior
Qual é sua idade?
Anos
ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as
estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.
1) Observe os dois trechos abaixo. No primeiro (A), a construção sublinhada está depois do verbo,
enquanto, no segundo (B), está antes do verbo. Marque com um X em uma das alternativas de acordo
com sua opinião.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.1?
A.1) Leandrinho dá show no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos.
B.1) Leandrinho show dá no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.2?
A.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho do Urubu,
que está sujo e abandonado. Programão!
B.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para uma faxina dar no Ninho do Urubu,
que está sujo e abandonado. Programão!
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.3?
A.3) nele (no peixe) assim mata ele, e dá umas porrada nele, aí bota na panela já limpinho né?
B.3) nele (no peixe) assim mata ele, e umas porrada dá nele, aí bota na panela já limpinho né?
322
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.4?
A.4) Lúcia está solteira e, por isso, deu bola para João.
B.4) Lúcia está solteira e, por isso, bola deu para João.
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.5?
A.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem deu bola... pra ela... [
] ele
ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste...
B.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem bola deu... pra ela... [
] ele
ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste...
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.6?
A.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de um calombo da
rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... deu um
pulo também
B.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de um calombo da
rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... um
pulo deu também
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.7?
A.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a
gente der mole lá, se der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa,
né? Tem radar né?
323
B.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a
gente mole der lá, se der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa,
né? Tem radar né?
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.8?
A.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam
todos rebentados... estava dando curto... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido...
B.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam
todos rebentados... estava curto dando... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido...
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.9?
A.9) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os
seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento.
B.9) Rosa Virgínia em seu livro ênfase dá ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os
seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento.
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.10?
A.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros...
B.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra vazão dar aí a essa demanda de passageiros...
Marque uma das alternativas abaixo e justifique sua escolha em seguida.
( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo.
MATE A NOSSA CURIOSIDADE:
O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com
freqüência?
___________________________________________________________________________
Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
___________________________________________________________________________
324
2) Pesquisa de opinião
Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior
Qual é sua idade?
Anos
ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é descobrir suas opiniões sobre as
estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.
2) Reflita se é possível incluir outros elementos (palavras) na expressão sublinhada. Então, responda a
questão que se encontra após a leitura de cada trecho.
A) Desmaio - Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma vez, voltaria para
Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as câmeras de TV a filmavam.
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “deu
conta”:
(
(
(
(
(
) 1. ela se deu uma baita conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 2. ela se deu muita conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 3. ela se deu a conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 4. ela se deu uma indesejável conta de que as câmeras de TV a filmavam.
) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada.
B) (...) não lá fora quem está pescando lá fora [mesmo na linha do navio] tem que ficar acordado não
dorme não - tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e
se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa
né?
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “der
mole”:
(
(
(
(
(
) 1. ...e e se a gente der um mole lá ...
) 2. ...e e se a gente der muito mole lá ...
) 3. ...e e se a gente der mole bonito lá ...
) 4. ...e e se a gente der o mole lá ...
) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada.
C) Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você tá namorando há muito
tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que você casa, cobram os filhos, isso eu vejo pelo meu
irmão, é ... Se um adolescente dá um ataque, ah, isso é coisa de adolescente.
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá
um ataque”:
(
(
) 1. Se um adolescente dá um ataque repentino...
) 2. Se um adolescente dá mais ataque...
325
( ) 3. Se um adolescente dá um ataque de loucura...
( ) 4. Se um adolescente dá o ataque...
( ) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada.
D) Numa época em que todos estão em clima de festa de fim de ano e esperançosos de que 2004 seja
um ano melhor, a violência no Rio não dá trégua.
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá
trégua”:
(
(
(
(
(
) 1. ... a violência no Rio não dá uma trégua.
) 2. ... a violência no Rio não dá a trégua .
) 3. ... a violência no Rio não dá boa trégua.
) 4. ... a violência no Rio não dá mais trégua.
) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada.
E) isso vendo plásticos, vendo inoxes, vendo ... no verão vende-se tudo, não há tipo de artigo, no verão
não há tipo de artigo que se venda mais, no verão sai tudo (...) Sai tudo, quer dizer e... há clientes que
até dá gosto, pegam isto, pegam naquilo, pegam no outro, põe tudo em cima do balcão, faz a conta e
pronto nem ... descontos
Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá
gosto”:
(
(
(
(
(
) 1. ... há clientes que até dá o gosto ...
) 2. ... há clientes que até dá muito gosto ...
) 3. ... há clientes que até dá bom gosto ...
) 4. ... há clientes que até dá um gosto ...
) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada.
MATE A NOSSA CURIOSIDADE:
O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com
freqüência?
___________________________________________________________________________
Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
___________________________________________________________________________
326
3) Pesquisa de opinião
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio
( ) Ensino Superior
Qual é sua idade?
Anos
ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as
estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.
A) Fui jogar futebol... aí... eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro...
e... e... quando eu era jogador... eu..dei um gol de cabeça
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dei um gol
de cabeça”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
(
(
(
(
(
) 1. eu..fiz um gol
) 2. eu..tive um gol
) 3. eu..marquei um gol
) 4. eu..conquistei um gol
) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido.
Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dei” no trecho dado? Caso se lembre,
por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente:
Fui jogar futebol... aí... eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e...
e... quando eu era jogador... eu..._________ um gol de cabeça
B) Mas não adianta ela falar, por que a mãe sempre dizia a mesmas coisas.
__ Isso não existe.
__ E se você continua a falar nisso eu vou te dar uma surra
Mais ela continuou a ver.
Até que um dia ela saiu com a mãe e as irmães dela.
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar
uma surra”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
(
(
(
(
(
) 1. ... eu vou te aplicar uma surra
) 2. ... eu vou te meter uma surra
) 3. ...eu vou te enfiar uma surra
) 4. ... eu vou te passar uma surra
) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido.
Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dar” no trecho dado? Caso se lembre,
por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente:
__ E se você continua a falar nisso eu vou te ________ uma surra
327
C) (...) avião eu não tenho medo e em elevador eu tenho. Se eu estiver num elevador que ele pare entre
dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo.
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar
escândalo”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
(
(
(
(
(
) 1. ... pra não fazer, pra não provocar escândalo.
) 2. ... pra não fazer escândalo.
) 3. ... pra não proporcionar escândalo.
) 4. ... pra não fazer, pra não gerar escândalo.
) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido.
Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dar” no trecho dado? Caso se lembre,
por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente:
... tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não _______ escândalo.
AGORA É SOMENTE COM VOCÊ!!!
Procure se lembrar de um verbo que tenha o MESMO SENTIDO do verbo dar no trecho 1, para
preencher a lacuna do trecho 2:
A.1) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os
seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento.
A.2) Rosa Virgínia em seu livro ___________ ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto
temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir
“dar” no trecho acima.
B.1) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só
se ele considera manipulação ter dado tanto destaque ao acontecimento em si...
B.2) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só
se ele considera manipulação ter ___________ tanto destaque ao acontecimento em si...
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir
“dar” no trecho acima.
C.1) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é
nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objecto, mas
quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora.
C.2) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é
nossa. Porque até aí pegar nela, ___________ -lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um
objecto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora.
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir
“dar” no trecho acima.
328
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir
“dar” no trecho acima.
D.1) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a
criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...).
D.2) No Rio de Janeiro, foi _________ um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com
a criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...).
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir
“dar” no trecho acima.
MATE A NOSSA CURIOSIDADE:
O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com
freqüência?
___________________________________________________________________________
Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
___________________________________________________________________________
329
4) Pesquisa de opinião
Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio
( ) Superior
Qual é sua idade?
Anos
ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as
estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.
A) Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro
do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão aulas.
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dão
aulas”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
(
(
(
(
(
) 1. ... onde os professores nos dão lições.
) 2. ... onde os professores nos dão classes.
) 3. .... onde os professores nos dão ensinamentos.
) 4. ...onde os professores nos dão conhecimentos.
) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido.
Você se lembra de outra palavra que poderia substituir “aulas” no trecho dado? Caso se lembre, por
favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente:
Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro do
colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão ______.
B) A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar uma prensa na gente...
né? aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse] “cala a
boca...”
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar
uma prensa”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
(
(
(
(
(
) 1. ... e foi... falar lá... dar uma chamada na gente...
) 2. ... e foi... falar lá... dar uma bronca na gente...
) 3. ... e foi... falar lá... dar um chega pra lá na gente...
) 4. ... e foi... falar lá... dar uma repreensão na gente...
) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido.
Você se lembra de outra palavra que poderia substituir “prensa” no trecho dado? Caso se lembre, por
favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente:
A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar ____________ na
gente... né? aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse]
“cala a boca...”
330
C) Com estas duas prestações num só dia, o ex-primeiro-ministro, que há mais de dois anos "anda por
aí" sem saber bem como ensaiar um regresso ao palco, marcou dois pontos. Tanto sobre as "diretas"
como sobre o "direto", deu voz àquilo que pensa ...
Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “deu
voz”? Marque a(s) alternativas(s) com um X:
(
(
(
(
(
) 1. ... deu fala àquilo que pensa ...
) 3. ... deu palavra àquilo que pensa ...
) 2. ... deu som àquilo que pensa ...
) 4. ... deu manifestação àquilo que pensa ...
) 5. Nenhuma tem o mesmo sentido.
Você se lembra de outra palavra que poderia substituir “voz” no trecho dado? Caso se lembre, por
favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente:
“... Tanto sobre as "diretas" como sobre o "direto", deu _______ àquilo que pensa ...”
AGORA É SOMENTE COM VOCÊ!!!
Procure se lembrar de uma palavra que tenha o MESMO SENTIDO da palavra sublinhada no trecho
1, para preencher a lacuna do trecho 2:
A.1) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe
banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum
sentimento de responsabilidade que nos apavora.
A.2) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe
______________, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos
tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora.
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir
“banho” no trecho acima.
B.1) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros...
B.2) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar ____________ aí a essa demanda de passageiros...
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir
“vazão” no trecho acima.
C.1) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam até a vida por um pedaço de fama. O
estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos.
C.2) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam até a ______________ por um
pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus
corpos.
331
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir
“vida” no trecho acima.
D.1) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com
essas caras... ele respondeu que você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais.
D.2) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com
essas caras... ele respondeu que você nos deu maior _________ aí eu comecei a rir e não parei mais.
Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir
“susto” no trecho acima.
MATE A NOSSA CURIOSIDADE:
O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com
freqüência?
___________________________________________________________________________
Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação:
___________________________________________________________________________
332
o RELACIONADOS AO FENÔMENO DE ALTERNÂNCIA
5) Pesquisa de opinião
Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior
Qual é sua idade?
Anos
ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as
estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.
A) Leia com atenção as situações a seguir. Analise o SENTIDO das estruturas marcadas entre
parênteses e marque a mais adequada ao tipo do trecho/situação. Se você achar as duas adequadas,
marque as duas.
Trecho 1) Bilhete de um colega de trabalho para outro
Flávio, deixei os documentos na gaveta para você assinar. Não terei tempo para conversar com você na
reunião, por isso deixei umas anotações sobre minha posição acerca da indicação do novo coordenador
do departamento. Assim que eu voltar, te ligarei para saber se compreendeu tudo, pois essa reunião está
me ( A- preocupando muito / B- dando muita preocupação ).
Trecho 2) Notícia do Jornal Meia Hora
BOPE sobe o morro e ( A- esculacha o / B- dá um esculacho no ) chefe do pó da Mineira.
Trecho 3) Depoimento escrito para o autor de um artigo científico acerca do filme que desenvolveu
para área de odontologia.
Gostaria de ( A- parabenizar / B- dar parabéns ) pelo filme, muito didático, e muito bem
desenvolvido. Gostaria de saber se poderia utilizá-lo em uma apresentação sobre PCR em tempo real, a
ser ministrada na Fiocruz, em outubro. Caso seja possível, gostaria de saber como fazer para salvar a
apresentação. Grata. Mestranda-Ciência de Alimentos - Instituto de Química/ UFRJ
Trecho 4) Testemunho em um culto evangélico
Agora eu sou cristão... minha vida mudou completamente... eu ( A- entristecia / B- dava muita tristeza
pra) minha família...
Trecho 5) Uma criança contando uma história para seus amiguinhos.
Eu fui brincar com meus colegas... fui jogar futebol... aí... eu, na brincadeira, eu era goleiro... e depois fui
jogador... depois fui zagueiro... e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu ( A- goleei
/ B- dei um gol ) de cabeça...
333
Trecho 6) Uma mulher contando para uma amiga sobre sua ida ao médico.
E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se suspeitava: meu pâncreas
estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo
abaixo da crítica, uma vergonha. ( A- Rezei um pouquinho / B- Dei uma rezadinha), encomendando
minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer era isso, interessante.
Trecho 7) Artigo de Opinião do jornal “O Globo”
Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das emissoras. E, quem sabe,
(A- ajudar / B- dar uma ajudazinha) a essas políticas. Ao manter ícones como os que estamos vendo e
patinar em fatias insignificantes do mercado, parece bastante claro que elas não estão dando certo.
Trecho 8) Opinião de uma senhora sobre a situação dos hospitais
Você pode (A- educar bem/ B- dar uma boa educação ao) seu filho... e tendo... bons hospitais para
qualquer problema de saúde... ele consertar seu físico... até mental ... até mesmo espiritual...
Trecho 9) Notícia do jornal “O Povo”
Após quebrar os vidros do veículo com um pedaço de madeira, Paulo (A- esfaqueou/ B- deu algumas
facadas em) Mari e só parou quando ela disse que o amava.
Trecho 10) Uma menina contando para a amiga o que aconteceu quando sua mãe foi assaltada no
ônibus.
Minha mãe não quis entregar nada pro assaltante... não quis entregar... eram dois caras... ela não quis
entregar... então ela ( A- estapeou o / B- deu uns tapas no ) cara... o cara começou a ( C- atirar / D- dar
tiros) pro alto... foi o maior rebu... ela... ela segurou no relógio... não queria que o cara pegasse o relógio
dela...
Trecho 11) Artigo de opinião do jornal “Extra”
Nada mais incongruente do que ver na mesma noite, quase no mesmo momento, Regina Duarte com
uma cara trincada de (A- amedrontar/ B- dar medo) (...) e em seguida Fernando Henrique que seguro,
sereno, tranqüilizando as pessoas em relação ao futuro (...)
Trecho 12) Comandante-geral da PM transmitindo o cargo para um novo comandante numa
cerimônia.
Além de ( A- parabenizar o / B- dar parabéns ao ) novo comandante, torço para que desempenhe bem
essa função tão árdua e gratificante.
Trecho 13) Rapaz paquerando moça durante festa de carnaval.
334
Colega, se você ficar comigo, vou te ( A- beijar muito / B- dar muitos beijinhos) e te (C- acariciar
muito / D- dar muito carinho). Fica comigo!!!
6) Pesquisa de opinião
Você dá aula de Língua Portuguesa há quanto tempo? ______
ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre o texto
apresentado.
1) Caro professor, observe o texto a seguir (dissertação feita por um aluno de oitava série). Substitua as palavras,
expressões ou trechos que você considera inadequados para a coesão e/ou coerência do texto. Não se esqueça de
expor as justificativas para as modificações que fizer!
Em busca da perfeição
Hoje em dia, a busca pela perfeição está ficando cada vez pior do que já foi. Muitas mulheres fazem o que
for possível e até o aparentemente impossível para alcançar a perfeição e isso tudo só para dar satisfação ao o
próprio ego, para se sentir a mulher mais bonita do mundo, fazendo tudo o que for preciso para conseguirem se
transformarem no que querem. Elas sempre acabam com sua personalidade, não dão importância se realmente
gostam daquela roupa ou daquele cabelo, só querem dar pinta de celebridade.
O que muito impressiona é ver que as mulheres estão se deixando tomar conta dessa obsessão de ser a mais
bonita, de fazer mais sucesso, de ser a melhor. Apenas desejam que todos lhes dêem elogios. No entanto, será que
elas são felizes assim? Infelizmente, na verdade, elas não dão cuidado para o bem estar mental, o que faz com que
busquem, muitas vezes, um terapeuta para lhes dar uma ajuda, para dar força para elas saírem da depressão. O
resultado das mulheres que não procuram ajuda é se tornarem seres sem personalidade, que dão ênfase a apenas
coisas fúteis, que não sabem viver e, quando se encontram em depressão, desejam dar fim a sua própria vida.
JUSTIFIQUE SUAS MUDANÇAS:
1ª MODIFICAÇÃO:
2ª MODIFICAÇÃO:
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