Universidade Federal do Rio de Janeiro Construções com DAR + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples Giselle Aparecida Toledo Esteves 2008 CONSTRUÇÕES COM DAR + SINTAGMA NOMINAL: A GRAMATICALIZAÇÃO DESSE VERBO E A ALTERNÂNCIA ENTRE PERÍFRASES VERBO-NOMINAIS E PREDICADORES SIMPLES Giselle Aparecida Toledo Esteves Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Profa. Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira. Rio de Janeiro Julho de 2008 Construções com dar + sintagma nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples Giselle Aparecida Toledo Esteves Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: _____________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ _____________________________________________________________________ Professora Doutora Mariangela Rios de Oliveira – UFF _____________________________________________________________________ Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ _____________________________________________________________________ Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ, Suplente _____________________________________________________________________ Professor Doutor Mário Eduardo Toscano Martelotta – UFRJ, Suplente Rio de Janeiro Julho de 2008 Esteves, Giselle Aparecida Toledo. Construções com dar + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples./ Giselle Aparecida Toledo Esteves. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2008. xxiii, 334f.:il.; 31cm. Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2008. Referências Bibliográficas: f. 309-313. 1. Sociofuncionalismo 2. Gramaticalização de dar 3. Alternância entre construções dar + SN e predicadores simples equivalentes 4. Contribuições para o ensino de Português. I. Machado Vieira, Marcia dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. Título. Mãe Dedico este trabalho àquela enviada por DEUS para ensinar-me a amar, a lutar pelos meus sonhos e a transformar adversidades em bênçãos. Sua eterna Zelinha. AGRADECIMENTOS A Deus, a Jesus e à Nossa Senhora Aparecida, por sempre me darem paz, força e segurança, por tantas bênçãos alcançadas e tanta coragem para continuar lutando por novos sonhos. À minha mãe Cida, pela dedicação incondicional e cumplicidade em todos os momentos da minha vida e ao meu pai Mario, pelo incentivo, pela torcida “tricolor” (é claro!) e por nossas “idas e vindas”. À vovó “Goinha”, pelo colinho fofinho e pelas orações. Ao meu tio Waldir, que sempre apostou no meu sucesso, ainda que, algumas vezes, nem eu mesma acreditasse. A Jorginho, pelo apoio, pelas gargalhadas e pela “namoramizade” compartilhada durante todos os momentos empolgantes e preocupantes dessa trajetória. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo estímulo à permanência no mundo da pesquisa, com as bolsas de Iniciação Científica (do Programa PIBIC/UFRJ) e de Mestrado. Aos meus professores de Ensino Médio Ronaldo Prestes e Márcia Salazar, não somente pelas animadas aulas de Português, mas, principalmente, por terem sido os únicos professores, naquela época, que incentivaram meu Vestibular para o curso de Letras. Às Professoras de Inglês Norma Joseph, que tanto me apoiou, levando palavras de fé quando estava indecisa a prestar o concurso para o ingresso no Mestrado, e Silvia Becher, também pelo carinho, pelo apoio e por ser um exemplo de mestre que quero seguir. À Professora Silvia Rodrigues Vieira, pelas aulas-show, pela generosidade e pelo carinho com os quais sempre me tratou. À Professora Silvia Figueiredo Brandão, por ter me acolhido com tanta simpatia na primeira vez que entrei na sala de pesquisa. Às Professoras Célia Regina dos Santos Lopes e Mariangela Rios de Oliveira por terem, tão gentilmente, aceitado participar da banca examinadora. À Professora Eliete Figueira Batista da Silveira, pelo carinho e torcida. Aos Professores das disciplinas do Mestrado João Antônio de Moraes, Violeta Virginia Rodrigues, Mario Eduardo Toscano Martelotta, Maria Luiza Braga, Vera Lucia Paredes Pereira da Silva, e Maria da Conceição Paiva. Em especial, às Professoras Dinah Maria Insensee Callou, por agüentar uma aluna tão ansiosa, Maria Maura Cezario, pelas riquíssimas orientações sobre o trabalho de final de curso e pelo incentivo, ainda na época de graduação, às apresentações das Jornadas de Iniciação Científica, Leonor Werneck dos Santos, pelas importantes considerações sobre o ensino de Português e pelo incentivo ao desenvolvimento de um trabalho neste campo, e Maria Eugênia Lamoglia Duarte, pela simpatia de sempre. À minha super-amiga Elaine Marques Thomé Viegas, por formar comigo a dupla dinâmica “as super-ansiosas”, por compartilhar muitas gargalhadas e, principalmente, preocupações praticamente diárias por e-mails, por horas ao telefone e por MSN. À Joana Mendes de Oliveira por ter sido tão companheira e por termos vivido tantos momentos de vitórias e receios durante o período de Iniciação Científica, e por, apesar da distância, continuar torcendo e me apoiando. À Carla da Silva Nunes, à Luciana Leitão da Silva e à Simone Sant’Anna, pela amizade desde a graduação, por sonhos compartilhados e pelos “segredinhos” trocados. À Leila Vasti da Paz, pela amizade e pelas importantes mensagens de fé que me passa. À Lílian Alves Jandir, pela amizade construída durante a Iniciação Científica. À Natália Gilvaz Pontes, pelas longas conversas, pelas gargalhadas e piadinhas e, principalmente, por suas palavras acalentadoras! A Vinícius Maciel de Oliveira, por, em tão pouco tempo, ter se tornado tão amigo, por ter sempre uma palavra de apoio, por estar sempre disposto a me ouvir ao telefone, mesmo à meia-noite. À Ana Paula Klem, à Renata Gouvêa Cordeiro, à Cristina Marcia Monteiro de Lima Correa e à Alessandra de Paula Santos, por terem tido tanto empenho em me ajudar em horas “metodologicamente” difíceis. A Thiago Giammattey Machado Ricardo e à Maíra Silva de Paiva, pelo alto-astral nos eventos e pela elaboração, em conjunto, de diversos trabalhos de Iniciação Científica. À Maria de Fátima Vieira e à Daniely Cassimiro de Oliveira Santos, pela companhia nas viagens e torcida nas apresentações. A Rodrigo Campos Ribeiro, por ter se tornado meu “personal presentation” e me dado tantas dicas interessantes e à Adriana Rodrigues, pelos pensamentos positivos. A Rafael Braga, pela amizade cultivada há 14 aninhos, repleta de longas conversas!!! À Daniele de Jesus Siqueira, por, há 18 anos, ser minha “maninha” de todas as horas. A Carlos Filipe Colicigno, sempre divertido, por me apoiar desde a época do Vestibular. A meus ex-alunos e amigos Carlos Alberto Polônio, pelo apoio e confiança, Alexandre Adão, pela homenagem inesquecível e emocionante, e Débora Dias, pelos conselhos “perigosos” e “radicais”. A todos os informantes que colaboraram com o preenchimento das pesquisas de opinião, especialmente àqueles que participaram das entrevistas/gravações. AGRADECIMENTO ESPECIAL À professora Marcia dos Santos Machado Vieira, por ter aberto as portas da pesquisa para mim, pela paciência com uma orientanda tão “meticulosa” e “preocupada”, pela confiança em mim depositada, pelas valiosas orientações, pelo apoio nas horas mais difíceis dessa trajetória e por compartilhar a felicidade da concretização desse sonho. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. (Novo Testamento, João 1:1) Parte desta pesquisa foi desenvolvida com financiamento do CNPq (09/2006 – 07/2008) SINOPSE Análise, à luz de pressupostos funcionalistas, da polifuncionalidade/gramaticalização de dar em construções dar+SN e investigação, sob orientações sociofuncionalistas, da alternância entre algumas dessas construções e verbos plenos de sentido equivalente (dar saltos/saltar, dar parabéns/parabenizar), com base no comportamento lingüístico e em atitudes de usuários do Português. RESUMO CONSTRUÇÕES COM DAR + SINTAGMA NOMINAL: A GRAMATICALIZAÇÃO DESSE VERBO E A ALTERNÂNCIA ENTRE PERÍFRASES VERBO-NOMINAIS E PREDICADORES SIMPLES Giselle Aparecida Toledo Esteves Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. A presente dissertação enfoca o uso das construções dar+SN em Português. Uma análise ainda que superficial do uso da língua, em diversos contextos interacionais, já indica a polifuncionalidade de dar. No entanto, esse tema, geralmente, não é tratado em gramáticas e dicionários, cujos autores consideram dar apenas, nessas construções, como verbo principal (Eu dei uma boneca à menina). Logo, faz-se necessária a observação do comportamento sintático-semântico desse item, para que se descubram diferentes categorias gramaticais as quais pode vir a pertencer. Ademais, tenciona-se demonstrar resultados do estudo de alternância entre perífrases com verbo-suporte dar (dar abraço/ dar saltos) e verbos predicadores cognatos (abraçar/ saltar). O estudo de gramaticalização (HEINE et alii, 1991 & HOPPER, 1991) abarcou dados do Português Brasileiro e do Português Europeu, enquanto, para o de alternância (DIK, 1997; LABOV, 1973; LAVANDERA, 1985), recorreu-se aos corpora apenas do Português Brasileiro. Os resultados do primeiro demonstraram que existe um continuum de gramaticalização que abarca as seguintes categorias de dar: verbo predicador pleno, verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte. A segunda pesquisa permitiu a depreensão de aspectos, tais como “presença de nuances semânticas” e “diferença entre o número de sílabas”, que favorecem o uso de dar + SN no lugar de um verbo pleno. A reflexão sobre o ensino de Português também é alvo de interesse desta dissertação. Portanto, desenvolveram-se orientações e algumas atividades que auxiliem a abordagem de questões acerca da polifuncionalidade de dar e do emprego de construções dar + SN (PCN, 1998 e MENDONÇA, 2006). Palavras-chave: (socio)funcionalismo, gramaticalização, alternância, verbo-suporte. Rio de Janeiro Julho de 2008 ABSTRACT EXPRESSIONS WITH GIVE (DAR) + NOUN PHRASE (SINTAGMA NOMINAL): THE GRAMMATICALIZATION OF THIS VERB AND THE ALTERNANCE BETWEEN COMPLEX AND SIMPLE PREDICATES Giselle Aparecida Toledo Esteves Orientadora: Marcia dos Santos Machado Vieira Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. This dissertation focuses on the use of give + NP constructions in Portuguese. A superficial analysis of the Portuguese language use indicates the polifunctionality of “give” when applied in different contexts. Nevertheless, such a theme generally does not appear in grammars and dictionaries where authors regard give as a predicator verb (I gave a doll to a girl.). Thus, it becomes necessary to find out different categories to which give can belong by analyzing the syntactic-semantic behavior of this verb. In addition, another aim of this research is to show the results of the alternance process that occurs between constructions that are headed by the support verb give (give a hug/ give an example) and equivalent cognate verbs (to hug/ to exemplify). The corpora used in this dissertation are formed by Brazilian and European Portuguese. The results show that there is a continuum of grammaticalization (HEINE et alii, 1991 & HOPPER, 1991) which is composed by the following categories: full predicator, non-full predicator, full predicator-support verb and support verb. Also, the results related to the study of alternance (DIK, 1997; LABOV, 1973; LAVANDERA, 1985) present some aspects, such as “difference between numbers of syllables” and “the existence of semantic nuances”, which favor the use of give + NP instead of a simple predicator. Dealing with issues about teaching Portuguese is also a goal. For this reason, some activities that involve the use of give + NP constructions were developed in this dissertation. They were based on PCN (1998) and Mendonça (2006). Key words: functionalism, grammaticalization, sociolinguistics, alternance, support verb. Rio de Janeiro Julho de 2008 SUMÁRIO ÍNDICE DE QUADROS, FIGURAS E TABELAS........................................................... 17 ABREVIATURAS E CONVENÇÕES................................................................................ 23 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 24 1.1 Tema................................................................................................................................. 24 1.2 Objetivos ........................................................................................................................ 25 1.3 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com amostras de comportamentos lingüísticos............................................................................................................................. 27 1.4 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com testes de atitude .................................... 30 1.5 Estrutura da dissertação................................................................................................ 30 2. A DESCRIÇÃO DO VERBO DAR E DE CONSTRUÇÕES COM VERBOSSUPORTE.............................................................................................................................. 31 2.1 Em algumas obras de orientação tradicional ou descritiva........................................ 31 2.2 Em alguns dicionários.................................................................................................... 38 2.3 Em estudos lingüísticos .................................................................................................. 43 3. REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................................... 54 3.1 Funcionalismo: pressupostos básicos ........................................................................... 54 3.1.1 Teoria da Gramática Funcional (orientação holandesa) ......................................... 56 3.1.1.1 Formação de predicadores....................................................................................... 63 3.1.1.2 Relações funcionais................................................................................................... 65 3.1.2 O fenômeno de gramaticalização................................................................................ 71 3.2 Sociofuncionalismo: a conjugação de duas abordagens.............................................. 87 3.3 Fundamentos para a pesquisa com testes de atitude................................................... 92 3.4 Fundamentos para uma abordagem de construções DAR+SN no ensino de Português............................................................................................................................... 94 4. ENFOQUE METODOLÓGICO..................................................................................... 97 4.1. Procedimentos para a análise das amostras de dados................................................ 97 4.2 Procedimentos para a aplicação dos testes de atitude................................................. 102 5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS................................................................... 106 5.1 Análise do fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbosuporte.................................................................................................................................... 106 5.1.1 Uma cadeia de gramaticalização................................................................................ 107 5.1.2 Distribuição geral dos dados....................................................................................... 127 5.1.3 Distribuição dos dados por variedades nacionais.................................................... 127 5.1.4 Distribuição dos dados do século XX ao XXI.......................................................... 129 5.1.5 Distribuição dos dados por modalidade expressiva.................................................. 134 5.1.6 Distribuição dos dados por gêneros textuais............................................................. 136 5.1.6.1 Anúncios, editoriais e notícias do século XX.......................................................... 136 5.1.6.2 Artigos de opinião, editoriais e notícias do século XXI......................................... 137 5.1.7 Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos......... 140 5.1.8 Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação (narrativas, dissertações e provas)...................................................................................... 142 5.1.9 Comparação da produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação e em textos não avaliados na escola............................................... 144 5.1.10 Distribuição dos dados por tipo de vocabulário...................................................... 145 5.1.11 Natureza semântica das categorias investigadas..................................................... 148 5.1.11.1 Acepções depreendidas de certos usos de dar na categoria de verbo predicador não pleno............................................................................................................. 148 5.1.11.2 Noções veiculadas pela categoria [-gramatical] verbo predicador a verbosuporte e [+gramatical] de verbo-suporte............................................................................ 150 5.1.12 Aspectos que podem afastar dar da categoria lexical (de verbo predicador) e o aproximar da categoria gramatical (de verbo-suporte) e que podem interferir nos níveis de integração entre o verbo e o sintagma nominal das perífrases em que dar já se apresenta com algum grau de gramaticalização............................................................ 154 5.1.12.1 Natureza do sintagma nominal ligado a dar......................................................... 154 5.1.12.2 Caracterização semântica do sintagma nominal.................................................. 157 5.1.12.3 Funções semânticas do sintagma nominal............................................................ 162 5.1.12.4 Mobilidade do elemento não-verbal...................................................................... 166 5.1.12.5 Configuração sintática da perífrase...................................................................... 171 5.1.12.6 Possibilidade de permuta de dar por outros itens verbais.................................. 177 5.1.12.7 Possibilidade de substituição do SN em predicadores complexos cujo verbo já apresenta algum grau de gramaticalização.................................................................... 181 5.1.12.8 Possibilidade de substituição do predicador complexo dar+SN por outro verbo de sentido equivalente................................................................................................ 183 5.1.13 Níveis de integração das estruturas em que o verbo apresenta algum grau de gramaticalização................................................................................................................... 186 5.2 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte.................................................................................................... 201 5.2.1 Objetivo dos testes....................................................................................................... 201 5.2.2 Configuração dos testes e análise dos resultados obtidos......................................... 201 5.3 Análise dos dados referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com verbo-suporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente..................................... 226 5.3.1 As variáveis investigadas............................................................................................. 226 5.3.2 Os resultados da análise.............................................................................................. 232 5.3.2.1 Atuação da variável presença de nuance semântica.............................................. 234 5.3.2.2 Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase.......................................................................................................................... 237 5.3.2.3 Atuação da variável tipos de textos......................................................................... 239 5.3.2.4 Atuação da variável tempo verbal........................................................................... 244 5.3.2.5 Atuação da variável graus de escolaridade............................................................. 248 5.3.2.6 Atuação da variável modalidade expressiva............................................................ 253 5.3.2.7 Atuação da variável faixa etária.............................................................................. 255 5.3.2.8 Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos................................................. 258 5.3.2.9 Considerações gerais............................................................................................... 260 5.4 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com verbo-suporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente..................................... 262 5.4.1 Objetivo dos testes....................................................................................................... 262 5.4.2 Configuração dos testes de atitude............................................................................. 262 5.4.3 Análise dos resultados obtidos.................................................................................... 263 5.4.4 Considerações gerais sobre os resultados dos testes de atitude............................... 291 6. CONSTRUÇÕES DAR+SN NO ENSINO DE PORTUGUÊS...................................... 293 6.1 A abordagem de construções dar+SN em alguns materiais didáticos........................ 293 6.2 Possíveis abordagens das construções dar+SN em aulas de Português..................... 299 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 304 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 309 ANEXOS................................................................................................................................ 314 ÍNDICE DE QUADROS, FIGURAS E TABELAS QUADROS Quadro 1: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete (HOUAISS, 2001) 39 Quadro 2: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete (BORBA, 1990) 41 Quadro 3: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete (CALDAS AULETE, 1925) 42 Quadro 4: Formação da estrutura subjacente de cláusula 60 Quadro 5: Tipo de estados de coisas 66 Quadro 6: Parâmetros [± dinâmico], [± controle], e [± télico] no estado de coisas da predicação 67 Quadro 7: Relação entre estados de coisas da predicação e parâmetros semânticos 68 Quadro 8: Funções semânticas nucleares 69 Quadro 9: Hierarquia das funções semânticas atribuídas às funções sintáticas sujeito e objeto. 70 Quadro 10: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro para estudo da gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte 98 Quadro 11: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Europeu para estudo da gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte 99 Quadro 12: Corpus do Português Brasileiro e do Português Europeu para estudo da gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte 99 Quadro 13: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro (ESCRITO) para estudo da alternância entre construções dar+SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente. 101 Quadro 14: Fontes da coleta de dados em acervo do Português Brasileiro (ORAL) para estudo da alternância entre construções dar+SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente. 101 Quadro 15: Corpus do Português Brasileiro para estudo da alternância entre construções dar+ SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente. 101 Quadro 16: Normas para transcrição das entrevistas 103 Quadro 17: Escolaridade dos informantes 104 Quadro 18: Acepções de dar como verbo predicador não-pleno identificadas no corpus 148 Quadro 19: Presença das acepções de dar como verbo predicador não pleno do corpus nos dicionários consultados 149 Quadro 20: Variáveis controladas na pesquisa 226 Quadro 21: Ordem decrescente de seleção de variáveis 260 Quadro 22: Alguns contextos discursivos que apresentam dar em diferentes categorias funcionais. 301 Quadro 23: Alguns contextos discursivos e questões relacionadas às implicações da substituição do verbo dar (como verbo predicador a verbo-suporte) por outro item verbal. 301 FIGURAS Figura 1: O conjunto lexical de GIVE (DAR) (ALLAN, 1998:6) 49 Figura 2: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997: 8-9, v.1) 57 Figura 3: Possíveis relações derivativas entre categorias de predicadores, segundo (DIK, 1997:196, v.1) 64 Figura 4: A estrutura de cadeias de gramaticalização (HEINE et alii, 1991:16) 73 Figura 5: Um cenário de gramaticalização como meio de resolução de um problema (HEINE et alii, 1991:29) 78 Figura 6: Uma rede conceptual de gramaticalização (HEINE et alii, 1991:99) 81 Figura 7: Macroestrutura conceptual da gramaticalização (HEINE et alii, 1991:108) 82 Figura 8: O modelo metonímico-metafórico 83 Figura 9: Cadeia de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte 110 Figura 10: Cadeia de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) com alguns exemplos do corpus 126 Figura 11: Valores semânticos encontrados no continuum de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo suporte a verbo-suporte 153 TABELAS Tabela 1: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus). 126 Tabela 2: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus) por variedades nacionais 127 Tabela 3: Produtividade das categorias funcionais de dar em notícias e em editoriais dos séculos XX e XXI pertencentes ao Português Brasileiro e ao Português Europeu 128 Tabela 4: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional dos séculos XX e XXI em função de variedades nacionais distintas. 129 Tabela 5: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos jornalísticos (anúncios, editoriais, notícias e artigos de opinião) de PB e PE dos séculos XX e XXI. 130 Tabela 6: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX (somente corpus escrito – anúncios, editoriais e notícias). 130 Tabela 7: Distribuição dos dados (notícias, editoriais e anúncios) por cada categoria funcional no século XX 131 Tabela 8: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX e XXI (somente editoriais e notícias). 132 Tabela 9: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional de dar ao longo dos períodos do século XX e no período inicial do século XXI 133 Tabela 10: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB e PE – VARPORT século XX). 134 Tabela 11: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada modalidade expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB e PE – VARPORT século XX). 135 Tabela 12: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB – Discurso e Gramática). 135 Tabela 13: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada modalidade expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB– Discurso e Gramática). 136 Tabela 14: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos (anúncios, editoriais e notícias) do século XX (PB e PE). 136 Tabela 15: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos (artigos de opinião, editoriais e notícias) do século XXI (PB e PE). 137 Tabela 16: Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos do projeto D&G (narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e relatos de opinião) 140 Tabela 17: Produtividade das categorias funcionais de dar (relação entre tipos de textos do projeto D&G e modalidades expressivas). 141 Tabela 18: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação (redações e provas) 142 Tabela 19: Produtividade das categorias funcionais de dar em narrativas que são objetos de avaliação formal em confronto com narrativas que não foram compostas com esse fim. 144 Tabela 20: Produtividade das categorias funcionais de dar em função do tipo de vocabulário. 146 Tabela 21: Noções veiculadas por dar nas categorias de verbo-suporte e de verbo predicador a verbo-suporte 152 Tabela 22: Natureza predicante ou não do SN relacionada às categorias funcionais de dar 156 Tabela 23: Natureza predicante ou não do SN relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 156 Tabela 24: Caracterização semântica do SN relacionada às categorias funcionais de dar 160 Tabela 25: Caracterização semântica do SN relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 161 Tabela 26: Função e traços do elemento não-verbal relacionados às categorias funcionais de dar 164 Tabela 27: Função e traços do elemento não-verbal relacionados aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 165 Tabela 28: Mobilidade do elemento não-verbal relacionada às categorias funcionais de dar 168 Tabela 29: Configuração sintática do SN relacionada às categorias funcionais de dar 169 Tabela 30: Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada às categorias funcionais de dar 173 Tabela 31: Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 175 Tabela 32: Possibilidade de substituição do verbo em predicadores complexos cujo dar já apresenta algum grau de gramaticalização 178 Tabela 33: Possibilidade de substituição do verbo relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 179 Tabela 34: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal em predicadores complexos cujo dar já apresenta algum grau de gramaticalização. 181 Tabela 35: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 182 Tabela 36: Possibilidade de substituição de dar + SN por outro verbo de sentido equivalente relacionada às categorias de dar que já apresenta algum grau de gramaticalização. 184 Tabela 37: Possibilidade de substituição do predicador complexo dar+SN por outro verbo de sentido equivalente relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 185 Tabela 38: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DAR SHOW. 202 Tabela 39: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DAR UMA FAXINA. 202 Tabela 40: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DÁ UMAS PORRADA 202 Tabela 41: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DEU BOLA 203 Tabela 42: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DEU BOLA 203 Tabela 43: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DEU UM PULO 204 Tabela 44: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DER MOLE 204 Tabela 45: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DANDO CURTO 204 Tabela 46: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DÁ ÊNFASE 205 Tabela 47: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DAR VAZÃO 206 Tabela 48: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DEU CONTA 209 Tabela 49: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DER MOLE 210 Tabela 50: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DÁ UM ATAQUE 211 Tabela 51: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DÁ TRÉGUA 211 Tabela 52: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DÁ GOSTO 212 Tabela 53: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DEI UM GOL 215 Tabela 54: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DAR UMA SURRA 215 Tabela 55: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DAR UM ESCÂNDALO 216 Tabela 56: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “aulas” em DÃO AULAS 221 Tabela 57: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “uma prensa” em DAR UMA PRENSA Tabela 58: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “voz” em DAR VOZ 221 Tabela 59: Número de dados e índices de input e significância encontrados em todas as rodadas 233 Tabela 60: Índices de input encontrados no nível zero e no nível selecionado nas rodadas 234 Tabela 61: Atuação da variável presença de nuance semântica 234 Tabela 62: Pesos relativos da variável presença de nuance semântica em relação a perífrases dar + SN em cada uma das rodadas (dados com e sem nuance semântica) 235 Tabela 63: Tabulação cruzada entre presença de nuance semântica e configuração sintática das perífrases 236 Tabela 64: Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase 237 Tabela 65: Pesos relativos da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase em todas as rodadas 238 Tabela 66: Atuação da variável tipos de texto 239 Tabela 67: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral (dados de com e sem nuance semântica) e na rodada D&G (dados de com e sem nuance semântica) 240 Tabela 68: Tabulação cruzada entre tipos de texto (D&G) e presença de nuance semântica 241 Tabela 69: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral (dados com e sem nuance semântica) e na rodada com a amostra de “textos jornalísticos” (dados com e sem nuance semântica) 242 Tabela 70: Tabulação cruzada entre tipos de texto (textos jornalísticos) e presença de nuance semântica 243 Tabela 71: Atuação da variável tempo verbal 244 Tabela 72: Pesos relativos da variável tempo verbal nas rodadas gerais, nas rodadas com a amostra de “textos jornalísticos” e na rodada com a amostra de “textos para avaliação” (dados sem nuance semântica) 245 Tabela 73: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e da perífrase e tempo verbal (apenas textos jornalísticos) 247 Tabela 74: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e da perífrase e tempo verbal (apenas textos para avaliação) 247 Tabela 75: Atuação da variável graus de escolaridade 248 Tabela 76: Pesos relativos da variável graus de escolaridade nas rodadas gerais e nas rodadas D&G 249 Tabela 77: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuances semânticas (apenas dados da amostra D&G) 250 Tabela 78: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e modalidade expressiva (apenas dados da amostra D&G) 251 Tabela 79: Atuação da variável graus de escolaridade (apenas dados da amostra de textos para avaliação) 252 Tabela 80: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra de textos para avaliação) 253 222 Tabela 81: Atuação da variável modalidade expressiva 253 Tabela 82: Tabulação cruzada entre modalidade expressiva e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra D&G) 254 Tabela 83: Atuação da variável faixa etária 255 Tabela 84: Pesos relativos da variável faixa etária nas rodadas gerais e nas rodadas D&G 255 Tabela 85: Tabulação cruzada entre faixa etária e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra D&G) 257 Tabela 86: Tabulação cruzada entre faixa etária e modalidade expressiva (apenas dados da amostra D&G) 257 Tabela 87: Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos 258 Tabela 88: Tabulação cruzada entre fontes dos textos jornalísticos e presença de nuance semântica 259 Tabela 89: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PREOCUPANDO MUITO e DANDO MUITA PREOCUPAÇÃO 264 Tabela 90: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESCULACHA e DÁ UM ESCULACHO 266 Tabela 91: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR e DAR PARABÉNS 268 Tabela 92: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ENTRISTECIA e DAVA MUITA TRISTEZA 270 Tabela 93: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções GOLEEI e DEU UM GOL 272 Tabela 94: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções REZEI UM POUQUINHO e DEI UMA REZADINHA 274 Tabela 95: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AJUDAR e DAR UMA AJUDAZINHA 276 Tabela 96: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções EDUCAR BEM e DAR UMA BOA EDUCAÇÃO 278 Tabela 97: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESFAQUEOU e DEU ALGUMAS FACADAS 280 Tabela 98: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESTAPEOU e DEU UNS TAPAS 282 Tabela 99: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ATIRAR e DAR TIROS 282 Tabela 100: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AMEDRONTAR e DAR MEDO 284 Tabela 101: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR e DAR PARABÉNS 286 ABREVIATURAS E CONVENÇÕES D Æ Documentador E.F. Æ Ensino Fundamental E.M. Æ Ensino Médio E.S. Æ Ensino Superior Faixa A Æ Faixa etária entre 18 e 25 anos Faixa B Æ Faixa etária entre 26 e 35 anos I Æ Informante Inq. Æ Inquérito Inf. Æ Informante Ind. Æ Indicativo Nível 1 Æ Semi-alfabetizados Nivel 3 Æ Escolarizados (Ensino superior) NURC Æ Projeto Norma Lingüística Urbana Culta Oco Æ Ocorrência PB Æ Português do Brasil PE Æ Português europeu PR Æ Peso relativo Pres. Æ Presente Pret. Perf. Æ Pretérito perfeito Pret. Imp. Æ Pretérito imperfeito SN (SNs) Æ Sintagma(s) nominal (is) SPrep Æ Sintagma preposicional X1 Æ Argumento 1 X2 Æ Argumento 2 C1 Æ Predicação nuclear C2 Æ Predicação central C3 Æ Predicação estendida C4 Æ Proposição C5 Æ Ato de fala f Æ Estado de coisas da predicação [V] Æ Verbo [VN] Æ Predicação verbo-nominal σ2 Æ Satélite de nível 2 σ1 Æ Satélite de nível 1 π2 Æ Operador de segundo nível VARPORT Æ Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português 1. INTRODUÇÃO 1.1 Tema O verbo dar é geralmente tratado apenas como predicador 1 na maioria dos dicionários e das gramáticas normativas da língua portuguesa, ou seja, um elemento que, além de possuir comportamento lexical na estruturação do enunciado, é o único responsável pela atribuição de papel temático aos argumentos, como em: (Ex.:1) (...) sua amasia deu-lhe um chá. [PB escrito, notícia, E-B-91-Jn-004] Contudo, uma análise ainda que superficial do uso de dar em diversos contextos interacionais indicará a polifuncionalidade desse verbo no Português, especialmente em construções dar + SN. Normalmente, os poucos textos didáticos que mencionam o comportamento gramatical de dar (como verbo-suporte) consideram-no apenas “sem conteúdo semântico” (NICOLA, 2006:146) e nem sempre apresentam tratamento que articule a teoria a respeito dessa categoria verbal com seu emprego em diversos contextos de interação. Ademais, as gramáticas que abordam esse tema (MATEUS et alii, 2003 e MOURA NEVES, 2000) têm circulação restrita (geralmente, apenas em cursos de Graduação em Letras) e, apesar de conterem mais informações do que os compêndios didáticos, ainda carecem de descrições mais específicas sobre o processo de gramaticalização de verbos (no continuum de predicador a verbo-suporte), particularmente de dar, e sobre motivações semântico-discursivas que levam os falantes a empregar predicadores complexos com esse verbo. Logo, é necessária a descrição do comportamento sintático-semântico desse item verbal, com a conseqüente depreensão das diferentes categorias gramaticais às quais ele se relaciona e dos diferentes contextos discursivos que favorecem seu uso na estruturação de predicadores complexos. A presente dissertação enfoca as construções dar + SN em Português, com o aporte da teoria funcionalista para fundamentar a investigação do comportamento de dar nesse tipo de construção (DIK, 1997) e do fenômeno de gramaticalização (HEINE et alii, 1991; HOPPER, 1991) de verbo predicador a verbo-suporte. Com o intuito de aprofundar a descrição das construções com verbo-suporte, desenvolve-se, com base em pressupostos sociofuncionalistas (DIK, 1997; WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 1972; LAVANDERA,1985), um estudo acerca da alternância entre perífrases com verbo-suporte 1 Nesta dissertação, emprega-se o termo predicador para indicar formas verbais plenas (predicadores simples) e construções com verbo (semi-)gramatical (predicadores complexos) que têm função de projetar argumento(s) e atribuir-lhe(s) papel temático. 25 dar (dar abraço, dar saltos) e verbos predicadores cognatos aos SNs das construções (abraçar, saltar). Esses estudos pautam-se em materiais que revelam o comportamento lingüístico de usuários do Português na organização de seus discursos orais ou escritos e/ou suas atitudes/percepções em relação a opções verbais, formas de estruturação lingüística. Recorrendo-se a esses materiais, desenvolvem-se, então, reflexões e análises que buscam lidar, basicamente, com os seguintes problemas: (1) em que condições (em termos de uso e percepção), com que configuração semântica e morfossintática e com que gradação se processa a gramaticalização de dar nas construções em análise? e (2) quais são as motivações e/ou restrições e as avaliações subjetivas da alternância entre predicadores complexos com verbo-suporte dar e predicadores simples? A reflexão sobre o ensino de Língua Portuguesa é alvo de interesse desta dissertação, no que tange às questões acerca da polifuncionalidade de dar em construções dar + SN e do emprego de perífrases com verbo-suporte. Objetiva-se, portanto, demonstrar como esses temas são abordados em textos didáticos e desenvolver uma proposta de tratamento para o assunto em sala de aula que seja coerente com uma abordagem sociofuncionalista. Levam-se em conta, portanto, as considerações sobre o processo de ensino-aprendizagem apresentadas pelos PCN de Língua Portuguesa (1998), a importância da corrente funcionalista da linguagem para o ensino do Português, tratada por Oliveira e Cezario (2007), além da concepção de “análise lingüística” proposta por Mendonça (2006). 1.2 Objetivos Os objetivos gerais desta dissertação são: z investigar a natureza categorial do verbo dar, analisando sua trajetória de verbo predicador pleno a verbo-suporte; z depreender os condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos que levam à possibilidade de alternância entre perífrases dar + SN e verbo pleno de sentido equivalente (cognato ao SN); z verificar se há diferenças dialetais na caracterização de predicadores complexos com verbo-suporte dar entre as variedades européia e brasileira da língua portuguesa; e z oferecer contribuição para descrições sobre categorização e comportamento verbal em livros/materiais didáticos. 26 Levando-se em conta os dois principais fenômenos investigados, os objetivos específicos distribuem-se conforme se apresenta a seguir. (1) Na investigação do processo de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte), tenciona-se: (i) definir os marcos predicativos do predicador dar e dos predicadores complexos com verbo-suporte dar que estão entre as construções dar + SN dos corpora analisados; (ii) investigar parâmetros estruturais e semânticos que influenciam na integração entre o verbo dar e o SN, observando alguns aspectos, tais como a presença ou a ausência, na configuração do SN, de elementos com caráter determinante, a posição do SN em relação ao verbo-suporte e a natureza semântica do SN; (iii) apresentar uma cadeia de gramaticalização que evidencie o continuum das categorias funcionais de dar encontradas nos corpora; (iv) determinar os graus de integração entre o verbo dar e o SN presentes nas estruturas dos corpora; (v) utilizar, como material de análise, testes de atitude, no intuito de checar alguns aspectos que podem influenciar a gramaticalização de dar; e (vi) propor uma abordagem para o ensino das categorias detectadas no continuum de gramaticalização, buscando-se destacar a multifuncionalidade de dar em construções dar+SN. (2) Na investigação do fenômeno de alternância entre predicadores complexos dar + SN e formas verbais simples “correspondentes” (cognatas aos SNs encontrados nas perífrases), almeja-se: (i) checar a possibilidade de alternância entre predicadores complexos com dar e formas verbais simples “correspondentes”; (ii) explicitar a relação entre a possibilidade de alternância entre perífrases com verbosuporte dar + SN e verbos plenos e os possíveis condicionamentos extralingüísticos, como o grau de escolaridade e a faixa etária dos falantes; 27 (iii) formular e aplicar testes de atitude para, entre outros intuitos, ajudar (a) a solucionar casos de dúvida quanto à análise da possibilidade de comutação entre as perífrases com dar + SN e verbos plenos equivalentes e (b) a detectar efeitos semântico-discursivos alcançados pelo emprego dessas construções perifrásticas; e (iv) encaminhar proposta de tratamento, nas aulas de Português, da alternância entre construções dar + SN e verbos plenos equivalentes e, principalmente, das implicações de natureza pragmático-discursiva envolvidas no emprego dessas formas. 1.3 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com amostras de comportamentos lingüísticos Com relação ao fenômeno de gramaticalização de dar – de verbo predicador a verbosuporte –, a pesquisa desenvolve-se a partir de hipóteses quanto à distribuição dos dados, à natureza categorial de dar, a características que afastam esse item da categoria lexical (de verbo predicador) e o aproximam da categoria com caráter gramatical (de verbo-suporte) e a aspectos estruturais e semânticos que interferem nos diferentes graus de integração entre verbo-suporte e elemento não-verbal quando estes formam um predicador complexo. Quanto à distribuição dos dados, (i) crê-se que, tanto na variedade brasileira quanto na variedade européia da língua portuguesa, as freqüências das categorias funcionais de dar serão bastante semelhantes, pois se assume que o fenômeno de gramaticalização se dá de maneira regular no sistema; (ii) calcula-se que a freqüência de ocorrência (“token frequency”) de construções com verbosuporte dar aumente ao longo do século XX, haja vista o pressuposto de que, quanto mais gramatical é a categoria de um item, maior é sua produtividade na língua; (iii) espera-se que, tanto na fala quanto na escrita, a produtividade do verbo-suporte dar seja maior em relação à de outras categorias nessa trajetória. Quanto à natureza categorial de dar, (v) por participar de construções de comportamento sintático-semântico regular, o verbo dar pode ser funcionalmente categorizado em um continuum de gramaticalização, cujos extremos são as categorias de verbo predicador pleno e verbo-suporte. 28 Quanto às características que afastam dar da categoria lexical (de verbo predicador) e o aproximam da categoria semi-gramatical (de verbo-suporte), (v) acredita-se que haja uma configuração morfossintática prototípica para as construções com verbo-suporte – provavelmente, o elemento não-verbal ocorrerá, em maior número de casos, posposto ao verbo-suporte (“dar cabo”) e não anteposto a este (“bênçãos sejam dadas”), já que, quanto mais gramatical for o verbo, maior será sua integração com o SN que o acompanha. Quanto aos aspectos estruturais e semânticos que interferem nos diferentes graus de integração entre verbo-suporte dar e o elemento não-verbal ao formarem um predicador complexo, (vi) cogita-se que, entre as características que fazem com que o grau de integração entre verbo-suporte dar e elemento não-verbal seja maior, esteja o fato de este se apresentar, tipicamente, com valor [+abstrato], com configuração de caráter [-determinado], com função [-referencial] a entidades do mundo biossocial e com traço [+quantificação universal] nos elementos integrantes da classe dos SNs (“dar origem”); (vii) é possível que a presença de modificadores qualificativos na estruturação de predicador complexo com verbo-suporte dar seja a configuração que pese mais significativamente para diminuir o grau de integração entre o verbo-suporte e o SN (“dando importantes contribuições”); diferentemente, os predicadores complexos em que se percebem os maiores graus de integração não devem apresentar elementos intervenientes na configuração de seus SNs; quando isso ocorrer, os elementos intervenientes serão, provavelmente, de natureza [-determinante], como modificadores intensificadores e artigos indefinidos ou definidos genéricos (“dar os parabéns”; “dar muita tranqüilidade”); (viii) acredita-se que a possibilidade de substituição do verbo-suporte dar por um outro verbo (quase) sinônimo, sem alteração (significativa) do sentido da estrutura compósita, provavelmente colabora para a diminuição do grau de integração entre os componentes da perífrase verbo-nominal com dar (dá segurança – passa segurança); (ix) supõe-se que a possibilidade de substituição do elemento não-verbal da construção com dar por outro (quase) sinônimo, sem alteração (significativa) do sentido da estrutura compósita provavelmente contribui para a diminuição do grau de integração entre os componentes da perífrase (dá ajuda – dá apoio). 29 Com relação ao fenômeno de alternância entre predicadores complexos dar + SN e formas verbais simples “correspondentes” (cognatas aos SNs encontrados nas perífrases), a pesquisa desenvolve-se a partir das seguintes hipóteses: (i) Supõe-se que não se pode considerar que todos os predicadores complexos e predicadores simples (cognatos aos SNs das perífrases) apresentam o “mesmo significado básico”, visto que há expressões (como “dá impressão”) que não apresentam o mesmo significado básico da forma verbal simples cognata ao nome (“imprimir”). (ii) Provavelmente, haverá diferença em termos de freqüência/probabilidade de uso (ou percepção de uso) de perífrases com verbo-suporte em função de modalidade expressiva (fala ou escrita) e de grau de formalidade: os níveis de produtividade de perífrases com dar + SN serão maiores na fala e em contextos informais/coloquiais, enquanto a maior produtividade dos verbos simples equivalentes aparecerá na escrita e em situações às quais se atribui algum grau de formalidade. (iii) Contextos discursivos em que há maior preocupação em demonstrar riqueza vocabular não propiciarão o recurso de construções com verbo-suporte dar; diferentemente, em contextos em que os falantes estão menos tensos, não demonstrarão preocupação dessa natureza. (iv) Crê-se que o falante recorra a estrutura (predicadores complexos com dar ou verbos plenos) que apresente menor extensão silábica. (v) Quanto ao nível de escolaridade, acredita-se que, quanto maior o nível de instrução, maior também será a escolha por verbos plenos. Imagina-se que os alunos são aconselhados a substituir expressões com dar+SN por predicadores simples para demonstrar riqueza vocabular em seus textos e, com sucessivas recomendações a esse respeito na escola, passam a ficar atentos a isso. (vi) Quanto à faixa etária, provavelmente, quanto menos idade tiver o falante, maior será o emprego de construções dar+SN em relação aos verbos plenos, já que seu arcabouço vocabular é menos diversificado e a pressão normativa da escola no que tange a seleção lexical também é menor. 30 1.4 Hipóteses quanto ao trabalho realizado com testes de atitude Com relação aos testes de atitude que se referem à integração de construções dar+SN nas quais o verbo já demonstre algum grau de lexicalização, postulou-se a seguinte hipótese geral: (i) os informantes, ao analisarem estruturas com maior grau de integração entre dar+SN, provavelmente optarão pela impossibilidade de anteposição do SN, de inserção de elementos de caráter mais determinante na configuração de SNs incorporados e de substituição do verbo ou do SN das perífrases. Com relação aos testes relacionados à alternância entre predicadores complexos com dar e verbos plenos (cognatos aos SNs das perífrases), acredita-se que, em geral, (ii) os informantes, ao analisarem estruturas que pertençam a situações de registro informal e/ou à fala, optarão, possivelmente, pelo emprego de predicadores complexos com dar. Além disso, é provável que os falantes se manifestem quanto à diferença de sentido entre algumas formas apresentadas. 1.5 Estrutura da dissertação Após esta introdução, há sete capítulos. No capítulo 2, desenvolve-se uma descrição sobre o verbo dar com base em gramáticas e dicionários da língua portuguesa e uma reflexão crítica acerca de aspectos da literatura lingüística que aborda construções com verbo-suporte. No capítulo 3, expõe-se a fundamentação teórica que norteia a pesquisa, tecem-se considerações sobre o enfoque funcionalista adotado no estudo da trajetória de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) e mais detalhes sobre como a conjugação das teorias da Gramática Funcional e da Sociolingüística (Sociofuncionalismo) colabora para fundamentar o estudo da alternância entre construções com dar + SN e verbos predicadores (cognatos aos SNs das perífrases) de sentido equivalente (dar amor = amar, dar resposta = responder). O capítulo 4 é dedicado à metodologia de pesquisa e contém informações a respeito dos corpora utilizados e dos procedimentos para aplicação dos testes de atitudes, bem como das etapas da investigação. O capítulo 5 concentra a análise e a interpretação dos materiais relativos ao comportamento lingüístico e às atitudes dos falantes. Em seguida, destacam-se, no capítulo 6, contribuições da pesquisa para o ensino de Língua Portuguesa. Por fim, no capítulo 7, encontram-se as considerações finais relativas ao estudo desenvolvido, seguido pelo capítulo 8, em que são expostas as referências bibliográficas fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. 31 2. A DESCRIÇÃO DO VERBO DAR E DE CONSTRUÇÕES COM VERBOS-SUPORTE 2.1 Em algumas obras de orientação tradicional ou descritiva O conceito de verbo nas obras pesquisadas 2 difere em função do grau de aprofundamento do assunto no enfoque dado a aspectos semânticos ou sintáticos que constituem essa categoria. Em Bechara (1999), encontra-se uma definição para verbo (“unidade de significado categorial que se caracteriza por um molde pelo qual organiza o falar seu significado lexical” 3 ) que, talvez, ficaria mais clara se, com o auxílio de exemplos, houvesse a explicação do que se entende por um “significado categorial” e por um “significado lexical”. O gramático menciona a existência de verbos que possuem significado amplo e vago, considerando-os ou verbos de cópula ou verbos auxiliares que acompanham formas nominais de infinitivo, gerúndio ou particípio e formam com estes locuções verbais. Além disso, expõe as seguintes categorias que existem de acordo com o tipo de flexão dos verbos: regulares, irregulares, anômalos, defectivos e abundantes. Dar não aparece em qualquer consideração do autor quanto a verbo, o que faz com que o leitor, tendo em vista as definições de categorias tratadas nessa obra, considere-o como “irregular” quanto à flexão, somente como “verbo” em construções com dar + SN/SPrep (por exemplo: dar um lápis – entregar um lápis, dar origem – originar, dar medo – causar medo ou amedrontar, e dar em cima – paquerar) e como “auxiliar”, quanto à função, em estruturas do tipo dar de beber, dar para comprar. Apesar de o autor não ter exposto exemplos com o verbo dar ao demonstrar algumas aplicações dos verbos auxiliares, acredita-se que, em construções do tipo dar de beber, esse item verbal possa ser considerado um “auxiliar acurativo” que indica “início de futuro” e cuja característica é “determinar com mais rigor os aspectos do momento da ação verbal que não se acham bem definidos na visão geral de tempo presente, passado e futuro” 4 . Diferentemente, em expressões do tipo dar para comprar, dar seria classificado como “auxiliar modal” que indica possibilidade e cuja característica é “determinar com mais rigor o modo como se realiza ou se deixa de realizar a ação verbal” 5 . 2 As obras consultadas foram: as brasileiras Bechara (1999), Borba (1996), Cunha & Cintra (2001), Neves (2000) e Rocha Lima (1992); e a portuguesa Mateus et alii (2003). 3 Bechara (1999:129) 4 Ibidem, p. 231 5 Ibidem, p. 231 32 Quanto às características do verbo pertencente a um predicado nominal, Bechara (1999) menciona que esse signo léxico passa por esvaziamento semântico, esvaziamento que se cumpre com o auxílio de um nome (substantivo ou adjetivo). Além disso, esse tipo de predicado apresenta a particularidade de concordar o predicativo em gênero e número com o sujeito, como em: “as meninas são belas”. Comenta que o signo lingüístico que aparece na função de núcleo costuma ser um nome – substantivo ou adjetivo – e apresenta como exemplos apenas de estruturas com verbos de ligação. Apesar de adotar essa ótica, não aborda outras estruturas às quais se podem associar propriedades semelhantes – por exemplo, dar solução (solucionar), dar tiro (atirar) e dar saltos (saltar) –, que também poderiam ser vinculadas à definição dada, se, com base nesta, se levasse em conta que tais verbos também são semanticamente esvaziados, ainda que não completamente 6 , e que o nome adjacente é o centro semântico do predicador complexo (verbo-nominal). Rocha Lima (1992:122) utiliza, inicialmente, o critério semântico para a definição de verbo: “expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres”. Comenta que é “a parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais”; não fornece, contudo, exemplos para fundamentar essa explicação, o que pode deixar o leitor um tanto confuso ao analisar frases como, por exemplo, “Adoro sapatinhos”, em que é possível perceber a presença de mais acidentes gramaticais de forma no substantivo “sapatinhos”, devido ao acréscimo do sufixo “inho” e do morfema “s” do que no verbo “adorar”, composto apenas da desinência número-pessoal “o”. Ao continuar sua explicação, o autor comenta que o papel dos acidentes gramaticais é fazer com que o verbo exprima cinco idéias: modo, tempo, número, pessoa e voz. Assim como em Bechara (1999), em Rocha Lima (1992) há explicações sobre predicado nominal, aquele cujo núcleo é um nome (substantivo, adjetivo ou pronome). Este gramático acrescenta a noção de predicado verbo-nominal ou misto: aquele que tem dois núcleos, um expresso por um verbo intransitivo ou transitivo e o outro indicado por um nome, chamado também de predicativo, como nos exemplos “O trem chegou atrasado” e “A Bahia elegeu Rui Barbosa senador”. 6 Machado Vieira (2004:93) esclarece que o verbo de ligação também não deve ser considerado totalmente esvaziado de significado, pois “contribui para a significação da estrutura perifrástica, uma vez que a permuta de um operador semi-gramatical por outro altera o significado da expressão, conforme mostram os exemplos (permanência, em SER, versus transitoriedade, em ESTAR, da propriedade atribuída; o caráter permansivo decorrente do uso de CONTINUAR; o matiz de hesitação/aparência (“modalização”) da predicação em virtude da opção por PARECER)”. 33 Rocha Lima (1992:250) rotula de “conglomerados” as construções formadas por verbo + objeto direto que “equivalem muitas vezes a verbos simples: ter medo a (= temer), ter amor a (= amar), fazer guerra a (= guerrear), pôr freio a (= refrear), etc”. Logo, apesar de considerar a existência de verbo transitivo ou intransitivo em um predicado verbo-nominal, e não apenas o verbo de ligação, não trata devidamente a existência de predicadores complexos formados por verbo + elemento nominal, em que este, apesar de não ser um predicativo do sujeito, partilha com o verbo a função de núcleo da predicação, como em “A menina deu telefonemas para a mãe” ou em “Todos têm medo da violência”. O verbo é “uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo”, de acordo com Cunha & Cintra (2001:379). Tal definição pauta-se no aspecto morfológico e, principalmente, no aspecto semântico. Nem sempre é possível generalizá-la para todos os casos de frase verbal, pois em orações do tipo “Eu sou brasileira”, não pode ser considerado algo “que se passa”, um “acontecimento representado no tempo”, mas apenas um estado. Os autores também recorrem ao aspecto sintático ao afirmar que o verbo possui “função obrigatória de predicado” 7 e esclarecem que nem todo núcleo de predicado é verbo, pois adjetivos e substantivos também podem desempenhar essa função. Ao tratar de predicação verbo-nominal, os autores, em geral, ignoram a função de núcleo do elemento nominal em construções perifrásticas cujos nomes não são predicativos do sujeito, mas auxiliam o verbo a selecionar argumentos (dar tiros, por exemplo). Por conseguinte, definem apenas três tipos de verbos quanto à função: (i) verbo principal – “um verbo de significação plena, nuclear de uma oração” 8 , (ii) verbos de ligação – “servem (sic) para estabelecer a união entre duas palavras ou expressões de caráter nominal (...) um elo entre este (o sujeito) e o predicativo” 9 , e (iii) verbo auxiliar – “desprovido total ou parcialmente da acepção própria, se junta a formas nominais de um verbo principal, constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos especiais.” 10 . Logo, o verbo dar nas construções do tipo dar socos teria de ser classificado como “verbo principal” e nas expressões do tipo dar de cantar ou dar para viver como “verbo auxiliar”. Neste caso, o fato de os autores não considerarem graus de auxiliaridade verbal conduziu à classificação de 7 Cunha & Cintra (2001:379) 8 Ibidem, p.387 9 Ibidem, p.133 10 Cunha & Cintra (2001:387) 34 dar, em tais complexos, como verbo auxiliar (à semelhança do que ocorre com ter e haver em estruturas de tempo composto) e não como verbo semi-auxiliar, com base em parâmetros abordados, por exemplo, por Machado Vieira (2004). Neves (2000) denomina predicados 11 as palavras da língua que designam propriedades ou relações. Afirma que o predicado “se aplica a certo número de termos que se referem à entidades, produzindo uma predicação que designa um estado de coisas, ou seja, uma codificação lingüística que o falante faz da situação” 12 . A autora afirma ainda que a estrutura da predicação pode transferir-se “também para o nível interno da oração, em torno de nomes que têm força predicativa, como, por exemplo, remessa, que constitui um predicado ao qual se podem aplicar, por sua vez, os termos Poder Executivo, texto e Congresso Nacional, como em remessa do texto ao Congressso Nacional pelo Poder Executivo. 13 Ao afirmar que verbos, em geral, “constituem os predicados das orações”, a abordagem de Neves (2000:25) assemelha-se à de Cunha & Cintra (2001). Quanto à transitividade verbal, a autora destaca as seguintes classes principais de verbos: (i) verbos cujo objeto sofre mudança no seu estado; (ii) verbos cujo objeto não é um paciente afetado; (iii) verbos que possuem um complemento não-preposicionado (objeto direto) e um complemento preposicionado, (iv) verbos que têm complementos oracionais e (v) verbos-suporte. Considera os verbos-suporte “verbos de significado bastante esvaziado que formam, com seu complemento (objeto direto), um significado global, geralmente correspondente ao que tem um outro verbo na língua” 14 . Utiliza, em seus exemplos, as seguintes construções com dar: “dar um grito”, “dar um riso”, “dar um beijinho”, “dar um chute” e “dar uma investida”. Menciona que os verbos das construções com verbos-suporte podem funcionar como verbos plenos quando apresentam uma alta carga de significação e possuem como complemento um sintagma nominal referencial, como nos exemplos: “A molecada dava o grito de alerta (...)” (= emitir o grito), “Eu não lhe dera a cacetada pelas costas” e “(...) Matatu deu-lhe uma facada no peito”. Não se compreende muito bem o motivo pelo qual a autora considerou os dois últimos exemplos (dar a cacetada e dar uma facada) como “verbo pleno”. A autora não 11 O termo predicado usado pela autora (com acepção semelhante à de “predicador” apresentada neste estudo) tem significado distinto do normalmente usado por gramáticas normativas que explicam esse conceito afirmando que há três tipos básicos de predicados: verbal, nominal e verbo-nominal. Por exemplo, em Rocha Lima (1992:238): “o predicado verbal, que exprime um fato, um acontecimento, ou uma ação, tem por núcleo o verbo, acompanhado, ou não, de outros elementos.”. 12 Neves (2000:23) 13 Ibidem, p. 24 14 Ibidem, p. 53 35 demonstra a “alta carga de significação” desse verbo nos contextos apresentados. Diferentemente, acredita-se que, nessas construções, o verbo dar está esvaziado semanticamente (perdeu a noção primária de transferência de algo concreto), age sobre o elemento nominal, conferindo-lhe função predicante e com ele formando um todo significativo, ou seja, possui as características de verbo-suporte. A autora também salienta a existência de “outros tipos de construções com verbo semanticamente esvaziado + objeto que podem manter relações de paráfrase com os verbos simples, mas que não constituem verbos-suporte por serem expressões fixas, cristalizadas” 15 , como: faz parte, faz idéia, faz questão, faz sucesso. Tal observação pode ser passível de questionamentos, visto que não são informados os critérios com base nos quais a autora se pautou para decidir se uma expressão é cristalizada ou não. Inclusive, a autora utiliza o exemplo “Eu também faço parte do fã-clube do Giovane.” 16 para ilustrar uma construção com verbo-suporte que gera um significado não-idêntico ao da construção com verbo pleno (participar), ou seja, vale-se de uma mesma estrutura como exemplo ora de construção cristalizada, ora de construção com verbo-suporte. Por isso, talvez seja necessário rever a noção de expressão fixa e, conseqüentemente, a aplicação do conceito de verbosuporte para tais estruturas. Neves (2002) já propõe um continuum de estruturas verbo + objeto cujos extremos seriam expressões cristalizadas, sem qualquer liberdade sintática entre seus constituintes e verbos plenos + nomes complementos, totalmente livres e com formação pouco previsível. As construções no entremeio desse continuum são as de verbo-suporte, que, segundo a autora, são compostas de um verbo com determinada natureza semântica básica e de um sintagma nominal que, além de configurar o sentido do todo, determina os papéis temáticos da predicação. No intuito de distinguir as construções com verbo-suporte das construções cristalizadas/lexicalizadas, a autora enfoca, por meio de testes, a possibilidade de substituição dos componentes da estrutura, da própria construção e a possibilidade de mobilidade do SN, entre outros fatores. No entanto, Basílio et alii (2003:146) concluem que esses testes servem, na verdade, para detectar o nível de coesão entre os elementos de uma expressão e que há certas construções “não completamente cristalizadas” que são menos flexíveis. 15 Neves (2002:54) 16 Ibidem, p. 60 36 Duarte (2003) classifica os verbos quanto ao papel que desempenham, baseando-se nas propriedades de seleção categorial de cada item lexical verbal. Entre as categorias verbais descritas, enfoca os verbos plenos e verbos leves (ou verbos-suporte). Ao tratar dos verbos plenos, a autora utiliza um aspecto semântico, denominando-os núcleos semânticos da oração, ou seja, “núcleos lexicais plenos, caracterizados por determinadas propriedades de seleção semântica (número de argumentos e respectivo papel temático) e sintática (categoria de cada argumento e relação gramatical que assume na oração)” 17 . Ilustra essa categoria com o seguinte enunciado com verbo dar: “O João deu um livro ao Pedro”. A autora procura distinguir de forma clara os verbos “plenos” dos verbos “leves”. Afirma que estes “sofrem um processo de esvaziamento lexical – gramaticalização – que permite que o centro semântico da frase se desloque para expressão nominal” 18 que o acompanha. Acrescenta, ainda, que a grelha argumental que o verbo tem como verbo pleno permanece, o que mostra que o esvaziamento lexical não é completo. Demonstra alguns exemplos em que o verbo leve é trivalente e a expressão nominal e a expressão preposicionada podem ser cliticizáveis: O João deu-lhe uma contribuição decisiva ao debate Æ Foi [uma contribuição decisiva ao debate] que João deu. Quanto à visão da autora de considerar o elemento nominal que acompanha o verbo-suporte um objeto não parece coerente, já que, diferentemente de um objeto direto prototípico, auxilia o verbo na atribuição dos papéis temáticos e é o núcleo semântico do predicador complexo do qual faz parte. Por isso, na verdade, pode ser considerado um pseudo-objeto (MACHADO VIEIRA, 2001). A autora somente trata de construções com verbo leve dar que apresentam uma situação eventiva do tipo transferencial, desconsiderando construções como dar pulos e dar baixa, que apresentam valor genérico de atividade, sem reter valor de transferência. Borba (1996:75) considera verbos plenos aqueles que “semanticamente têm significação lexical e sintaticamente ocupam o núcleo do predicado num sintagma verbal”. Acrescenta que um estudo mais abrangente sobre os verbos deve levar em conta os funcionais, os modais e os substitutos. Insere, no conjunto de verbos funcionais, os auxiliares e os verbos-suporte. Estes são considerados funcionais por serem suportes de categorias gramaticais, como modo, tempo, pessoa, número e aspecto. Menciona também que são verbos que, ao se tornarem “vazios de sua significação léxica, compõem sintagmas verbais complexos introduzindo 17 Duarte (2003:296) 18 Ibidem, p. 312 37 predicados nominais cujo núcleo é um nome/adjetivo” 19 . Além disso, afirma que há verbossuporte que se associam a um sujeito causativo e são, por isso, chamados de verbos-suporte causativos. Exemplifica este tipo com a seguinte oração: “Tempestades dão medo (= amedrontam)”. Logo após, afirma que os causativos são causar, seus equivalentes (ocasionar, acarretar, etc) e também dar, fazer, pôr diante de nomes abstratos que designam sensações que se ligam a alguma causa (“Aquela caratonha causava (dava, metia, fazia) medo (pavor, espanto, repulsa)” e “Certas músicas dão alegria (tristeza, angústia, entusiasmo)”. Observando construções com verbo dar causativo, é possível depreender duas análises um tanto distintas. A primeira, da mesma forma que Borba (1996), seria considerá-lo um verbo-suporte, por, além de ser esvaziado de significado e de estar seguido de um elemento nominal que é núcleo da predicação, ter papel de verbalizar este elemento, fazendo com que seja formado um todo significativo. A segunda interpretação levaria a considerar que o significado de dar causativo não está esvaziado, já que possui a acepção de “causar”. É, portanto, uma extensão de sentido do verbo predicador pleno dar (único núcleo da predicação com valor transferencial) e, por isso, poderia ser considerado um “verbo predicador nãopleno”, categoria que será detalhada no capítulo 5. Conclui-se que a possibilidade da dupla interpretação sinaliza a necessidade de se perceber que, no processo de categorização verbal, se deve pressupor a existência de categorias híbridas que flutuam num continuum cujos extremos são verbo pleno e verbo-suporte. Percebeu-se, nesta seção, que as gramáticas de orientação tradicional/prescritiva consultadas encaminham descrições semelhantes em virtude de não considerarem outra categoria para o verbo dar que não seja a de verbo principal nas estruturas dar + SN. Apenas obras de orientação teórico-descritiva já apresentam a categoria verbo-suporte, apesar de se pautarem em observações ainda superficiais em alguns aspectos, que geram novos questionamentos. Ademais, ressalta-se que a maioria das gramáticas que tratam verbos predicadores como “plenos” engloba nesta categoria não só os verbos que podem, de fato, ser chamados de predicadores plenos: “Eu dei minha casa” (verbo predicador pleno – valor transferencial), mas também aqueles que, apesar de poderem apresentar a mesma grelha argumental do verbo predicador pleno, são uma extensão de sentido deste, como nos exemplos: “Deu/Deram cinco horas da tarde e eu ainda estava na fila do supermercado” (verbo predicador não-pleno – 19 Borba (1996:78) 38 acepção: bater) e “Temos de dar algum jeito de pagar as dívidas” (verbo predicador nãopleno – acepção: arrumar). 2.2 Em alguns dicionários Na análise de como alguns dicionários 20 da língua portuguesa lidam com a categorização de dar, observa-se que apenas duas obras brasileiras, Houaiss (2001) e Borba (1990), citam o fato de dar poder pertencer à categoria de verbo-suporte. As demais obras somente apresentam dar como um elemento da categoria mais geral de “verbo”. Sendo assim, nesta seção não se levam em conta diferenças do comportamento léxico-gramatical de desse item em exemplos do tipo “dar o lápis” (≈ entregar o lápis), “dar vantagem” (≈ gerar vantagem), “dar amor” (≈ fornecer amor/amar) e “dar pulos” ( ≈ pular). É comum, nas obras analisadas, a exposição de expressões lexicalizadas em subentradas. Constatou-se, no entanto, que não há um consenso em relação ao que se concebe como expressão idiomática, pois há construções dar + SN tratadas em qualquer obra como idiomáticas e há outras que, a depender do dicionário, ora são consideradas acepções do verbo predicador dar, ora são interpretadas como estabilizadas idiomaticamente. Em Houaiss (2001:910), encontram-se, no verbete dar, alguns esclarecimentos de natureza gramatical. Inicialmente, o autor afirma que esse verbo, em algumas acepções, funciona como verbo pleno, “com seu próprio significado (p. ex., dá um documento a um funcionário = passá-lo às suas mãos)”. Logo após, explica que tal item também pode ser considerado verbo-suporte, “constituindo, com o substantivo (que na gramática tradicional é seu objeto direto), um todo semântico (p.ex., dar um abraço = abraçar)”. Ainda menciona que, por sua importância, diversas outras acepções de dar usadas como verbo-suporte estão registradas no corpo do verbete. A partir da tabela abaixo, é possível tecer algumas considerações sobre como Houaiss (2001) organiza algumas construções dar + SN no verbete. 20 As obras pesquisadas foram: os dicionários brasileiros Borba (1990), Fernandes (1998), Freire (1954), Michaelis (1998) e Houaiss (2001); e os dicionários portugueses Caldas Aulete (1925) e Bivar (1948). 39 O autor apresenta diversas construções com verbo-suporte ao longo de acepções com dar (cf. expressões em itálico), o que está de acordo com o que afirma na parte que se destina aos comentários sobre gramática. As construções destacadas em negrito podem ser consideradas totalmente lexicalizadas, pois não é possível compreender seu sentido pelo conhecimento do significado literal do verbo e do SN que as compõem. Nota-se que há uma incoerência na opção pela exposição dessas expressões no corpo do verbete, como se fossem acepções de dar, pois, na verdade, devido à idiomaticidade que as caracteriza, tais expressões deveriam ser alocadas em subentradas após as demais acepções dos itens, assim como outras perífrases lexicalizadas: dar duro e dar-se mal. Observa-se também que as expressões sublinhadas do quadro não são totalmente lexicalizadas 21 , pois um de seus componentes (no caso, o verbo dar) preserva, ainda que metaforicamente, o seu significado original (dar – noção de transferência), enquanto o outro (sintagma nominal) apresenta significado opaco, ou seja, diferente do literal. Acepções e exemplos de DAR – Houaiss (2001) 2.2 bit. Aceitar pôr (algo) à disposição ou ao alcance de; oferecer, conceder “deu-lhe sua palavra” “deu trela a uma vizinha” 2.3 bit. E pron. sacrificar livremente ou totalmente (a si “dava seu sangue por aquele mesmo, ou o seu tempo, atividade, energia, ou projeto” atenção) por; entregar(-se) esp. por algo de grande “dava vida por uma causa” importância ou transcendência” 2.6 t.d.bit. transmitir, comunicar, participar, informar, “d. parte à polícia” notificar, fornecer, expor. “d. instruções a criados” “d. conhecimento à diretoria” 3.6 t.d efetuar, executar, praticar (um movimento corporal) “d. um pulo”, “d. um passo em falso”, “d. um impulso com os pés”, “dá um sorriso” 3.17 bit. Conceder como direito ou privilégio “d. ouvidos a uma intriga” 3.18 t.d.bit.dar expressão a, manifestar, expressar “gosta de d. opiniões”, “d. palpites”, “não nos deu nenhum conselho” 3.24 bit. Indicar (o que fazer) a (alguém) “d. ordens aos criados” Quadro 1: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete (HOUAISS, 2001) 21 No presente estudo, optou-se também por denominar “semi-lexicalizada” esse tipo de expressão. 40 Borba (1990) distribui as acepções de dar 22 , semanticamente, em cinco tipos, apresentando a configuração sintática e semântica (número e tipos de argumentos) correspondente a cada acepção: (i) ação-processo (doar, ministrar, ceder + nome concreto: dei a ele esse rifle.) (ii) processo (tornar: daria um bom padre), (iii) ação (emitir: dar um palpite), (iv) estado (ter boas relações: eu me dou bem com todos); e (v) verbalizador (dar agasalho: agasalhar). Logo após a apresentação de todas as acepções de dar, o autor expõe, em uma sub-entrada, expressões idiomáticas. Para o presente estudo, destaca-se o tipo “verbalizador” que, segundo Borba (1990), pode ser: (i) de ação ou ação processo (dar grito = gritar, dar agasalho = agasalhar, dar notícias = noticiar) e (ii) causativo (dar pena, dar impressão, dar nojo, expressões cujo verbo pode ser substituído por causar 23 ). Nota-se que o autor expõe somente expressões com o verbo-suporte dar que apresentam um predicador cognato equivalente, como “dar grito – gritar” e “dar mostra – mostrar”. Pelo quadro 2, é possível constatar que a escolha da estrutura “dava felicidade” para exemplificar uma acepção de verbo predicador é incoerente, já que poderia ser considerada um caso típico do que o autor denominou “verbo-suporte causativo” (dava felicidade = causava felicidade). Já as estruturas em itálico e sublinhadas são passíveis de dupla interpretação (dar beijo – beijar e transmitir/passar um beijo; dar notícia – noticiar e transmitir/passar a notícia; dar um palpite – fornecer um palpite e palpitar) e, por isso, o lexicógrafo teve de escolher entre mantê-las como exemplos de construções com verbo predicador ou considerá-las verbo-suporte. Acredita-se que o autor deveria ter optado por considerar dar, nas três estruturas, como um tipo apenas (preferencialmente, como verbosuporte); no entanto, não se compreende o motivo da definição de “dar notícia” como exemplo de construção em que dar é verbalizador (verbo-suporte) e “dar beijo” e “dar palpite” como estruturas em que o verbo é predicador. Quanto às expressões idiomáticas, foram encontradas expressões semi-lexicalizadas (cf. expressões sublinhadas no quadro a seguir). Nelas, o verbo dar indica noção transferencial, ainda que metafórica. As demais construções idiomáticas com dar apresentaram-se totalmente lexicalizadas; ou seja, não é possível depreender o sentido da expressão pela soma dos significados literais dos componentes que as formam (cf. expressões em negrito). 22 Consideram-se apenas as acepções de dar que podem ser apresentadas em estruturas do tipo dar + SN. 23 Cf. comentários acerca de Borba (1996) na seção anterior. 41 Não se compreende o motivo pelo qual Houaiss (2000) e Borba (1990), ao definirem verbo-suporte, não consideram essa categoria como componente de expressões idiomáticas. Questiona-se essa posição devido ao fato de o verbo, nessas construções, já apresentar algum grau de esvaziamento semântico, ser suporte de categorias gramaticais como modo, tempo, número e pessoa, além de compartilhar com o SN a função de projetar papéis temáticos aos argumentos do predicador complexo que constituem. Acepções I. Indica ação-processo Exemplos aquilo me dava felicidade” 1.2 Com dois complementos um expresso por nome abstrato e outro, destinatário, da forma a + nome humano, significa 1.2.3 proporcionar, permitir 1.5 Com dois complementos: um expresso por nome não-animado e outro da forma em + nome animado, significa aplicar Nunca dera um beijo III. Indica ação O arquiteto ia dar um palpite 2. Com sujeito agente expresso por nome humano e 2.1 Com complemento expresso por nome abstrato, significa emitir, enunciar 53. Dar parte = denunciar algum crime ou delito cometido por, queixar-se Depois vão dar parte contra mim. 70. Dar voz: ordenar Os comandantes davam voz de olhar à esquerda. 15. Dar bode: provocar confusão, causar problemas Isso vai dar bode! 13. Dar baixa: terminar serviço militar, despedir-se Eram soldados que acabavam de dar dele ou ser despedido baixa Quadro 2: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete (BORBA, 1990) O dicionário português Caldas Aulete (1925) expõe a seguinte observação sobre o comportamento de dar : (Obs.) O verbo dar junto com alguns nomes tem um emprego muito geral em substituição dos verbos derivados desses nomes ou de que esses nomes derivam; assim: dar benção, abençoar; dar um passeio, passear; (...) dar saltos, saltar; dar feitiço, enfeitiçar; dar batalha, batalhar; etc.; e, por analogia com outros nomes que não (grifo nosso) têm verbo cognato, como dar um nó, atar; dar passos, andar (...) dar a vida, dar baixa, dar sorte, dar cabo (...) (pág.: 940) 42 Entende-se que, ao afirmar que o verbo dar apresenta “emprego muito geral”, o autor demonstra perceber o esvaziamento semântico de dar, seu caráter instrumental tanto em construções que possuem equivalente cognato ao SN das expressões quanto naquelas que não apresentam equivalente cognato e que são lexicalizadas. Logo, apesar de ter sido lançado no início do século XX, essa interpretação está de acordo com a tese de que podem ser considerados como verbos-suporte (“de emprego muito geral”) aqueles pertencentes a construções lexicalizadas dar + SN. O quadro abaixo ilustra construções com verbo-suporte dar não lexicalizadas (cf. expressões em itálico), semi-lexicalizadas (cf. expressão sublinhadas) e totalmente lexicalizadas (cf. expressões em negrito) encontradas no corpo do verbete em Caldas Aulete (1925). Acepções Expressões com verbo-suporte dar Comunicar, participar Dar uma notícia Impor, ditar, prescrever Aceitou-as dessa vez por cortesia, mas dando ordem que fossem entregues ao feitor. Mostrar, executar para ser presenciado. Dar mostra ou mostras, demonstrar Fazer saber, anunciar, noticiar E lhe ordenou que viesse dar-lhe parte da chegada de Margarida. (Corvo) Facultar, deixar livre, abrir Dar passagem, dar lugar Quadro 3: Algumas acepções e construções do verbo dar encontradas ao longo do verbete (CALDAS AULETE, 1925) Em Bivar (1948), destaca-se o fato de a expressão dar nome encontrar-se na subentrada destinada a expressões idiomáticas, o que se considera uma incoerência, visto que é possível depreender o que significa por seus componentes (dar = fornecer; nome = título). O verbo dar, nessa construção, pode ser considerado como verbo-suporte (nomear) ou como verbo predicador (= fornecer/atribuir nome/título). Como o autor não menciona a categoria de verbo-suporte, o mais coerente seria alocar a construção no corpo do verbete. A construção semi-lexicalizada dar fim (acabar, liquidar) também aparece nessa sub-entrada. Entende-se que o SN desta expressão preserva seu significado literal, auxiliando a compreensão do sentido da perífrase, enquanto o verbo-suporte dar está completamente esvaziado de significado. Não foram detectadas, no verbete, expressões totalmente lexicalizadas. Observa-se que, em Fernandes (1998), Michaelis (1998) e Freire (1954), a construção “dar liberdade” é considerada expressão idiomática. No entanto, não há grau algum de lexicalização nessa estrutura, uma vez que o significado da unidade verbo-nominal pode ser 43 depreendido de ambos constituintes. Ademais, tais lexicógrafos consideram como expressões idiomáticas tanto construções com grau intermediário de lexicalização (dar parte – denunciar e dar salto – saltar) quanto perífrases em que o grau de lexicalização é maior (dar conta e dar cabo). 2.3 Em estudos lingüísticos Lapa (1973:62-63), no capítulo destinado à fraseologia, trata de algumas construções com ter, demonstrando que, na oração “Esse homem tem fortuna”, “ter fortuna” pode ser considerado uma locução fraseológica que corresponde a “ser rico”. O verbo ter, ainda que metaforicamente, conserva o significado de possuir; além disso, não há qualquer distinção entre significado de fortuna e a acepção de riqueza. Portanto, ambos elementos não perderam sua independência por completo. Diferentemente, no exemplo “Tem cuidado, não vás lá!”, apesar de cuidado preservar seu significado básico, o verbo ter já varia de sentido, o que é comprovado com a possibilidade de substituição por “tomar”. Considera, portanto, que a coesão entre verbo e SN é absoluta e, por isso, a construção pode ser denominada unidade fraseológica. Acerca do verbo dar, o autor ressalta seu papel importante na formação de locuções e observa que, “a maior parte das vezes, um verbo simples pode substituir-se por um grupo fraseológico portador do mesmo significado” e que “o verbo dar presta-se sobretudo a isso (acreditar = dar crédito; combater = dar combate)” (LAPA, 1973:66). Ressalta, ainda, que outros nomes podem acompanhar o verbo dar, formando uma série perifrástica (dar pontos = coser; dar esperanças = prometer; dar indícios = revelar; dar às pernas = correr, etc.). Quanto aos efeitos do emprego de formas perifrásticas, o autor destaca, no trecho abaixo, algumas funções discursivas alcançadas por seu uso: ... esta constituição de formas perifrásticas tem duplo valor: permite variar o estilo, evitando repetições, e adoça ainda a crueza de certos verbos simples. A perífrase vale como uma espécie de eufemismo: (...) dar crédito atenua um pouco a idéia de acreditar. (LAPA, 1973:65, grifo nosso) Ademais, Lapa (1973:66) enfatiza a relação entre mudança da configuração sintática e alteração de sentido. Seguem abaixo alguns exemplos que o autor menciona com dar: 44 Dar motivo = ter como conseqüência (1) ≠ Dar por motivo = dar como causa (2) 1. Isso deu motivo a que ele o pusesse fora de casa. 2. Faltou, dando por motivo a sua pouca saúde. Acerca dos exemplos (1) “Vê se dás o lugar a teu irmão” e (2) “O caso deu lugar a que desconfiassem dele”, o autor apenas menciona sobre a coesão das construções – a segunda, sem artigo, é a mais coesa. Acrescenta-se à observação do autor o fato de a ausência do artigo implicar outro significado, visto que, no exemplo (1), a acepção de dar pode ser semelhante à de “ceder”, em um contexto comunicativo em que um irmão deixe o outro sentar em seu lugar, enquanto, no exemplo (2), “lugar” pode ser substituído por “motivo/razão” para a desconfiança de alguém. Percebe-se, portanto, que, apesar de Lapa (1973) não usar o termo verbo-suporte e de não fazer uma análise sintática acurada, tece importantes observações acerca do comportamento dessas construções, principalmente, por já enfatizar alguns efeitos de seu uso. Portela (2004) investiga a variação existente entre formas perifrásticas com verbossuporte dar, fazer e ter (dar medo, fazer pesquisa, ter orgulho) e verbos plenos cognatos (temer, pesquisar, orgulhar-se) em dados orais de falantes cultos e não-escolarizados. Alguns dos principais resultados encontrados referem-se ao grau de escolaridade, ao grau de formalidade da situação comunicativa, à influência dos elementos intervenientes nas perífrases, e aos resultados de testes de atitude. Nesse estudo, não se confirmou a hipótese de que o falante culto tenderia a usar menos perífrases do que os falantes não-escolarizados. Portela (2004:94) concluiu, portanto, que o principal motivo desse resultado é o fato de o fenômeno “não possuir caráter estigmatizante”. Quanto ao grau de formalidade, a autora demonstra que a opção por perífrases em elocuções formais ocorre com menos freqüência do que o uso de verbos plenos correspondentes (dados pertencentes à década de 70). Defende que tal resultado se deve à relação assimétrica entre os participantes do discurso formal. Acerca do “peso” dos elementos intervenientes, os resultados obtidos demonstram que, nas perífrases, a ausência de elementos intervenientes (fazer confusão, dar opinião, ter preocupação) e a presença de artigo indefinido (fazer uma análise, dar um beijo, ter um encontro), de artigo definido (fazer a cobrança, dar a definição, ter o controle) e de outros elementos (advérbios e adjetivos) estão em ordem decrescente na escala de condições que favorecem perífrases em lugar de verbos plenos. A partir desse resultado, a autora produz uma 45 escala de afastamento de sentido entre verbos plenos e perífrases. Tal escala abarca as seguintes estruturas que serão apresentadas na ordem de maior para menor nível de semelhança com os verbos plenos cognatos: (i) verbo suporte + nome (fazer pesquisa/ dar ajuda/ ter importância); (ii) verbo-suporte + artigo indefinido + nome (fazer uma pesquisa/ dar uma ajuda/ ter uma importância); (iii) verbo-suporte + artigo definido/pronome demonstrativo + nome (fazer a pesquisa/ dar a ajuda/ ter essa importância); (iv) verbosuporte + pronome indefinido + nome (fazer muitas pesquisas/ dar pouca ajuda/ ter tanta importância), (v) verbo-suporte + artigo indefinido + nome + adjetivo (formador de advérbio) (fazer uma pesquisa rápida/ dar uma ajuda ostensiva/ ter uma importância verdadeira), (vi) verbo-suporte + artigo indefinido + adjetivo (não formador de advérbio) + nome (fazer uma pesquisa chata/ dar uma boa ajuda/ ter uma importância grandiosa), e (vii) construções de significado não-idêntico (fazer a janta/ deu confiança/ ter dúvida). Portela (2004) também desenvolveu um tipo de teste de atitude em que explicitou uma situação (um discurso em um congresso) e requisitou aos informantes (alunos da graduação) que demonstrassem suas opiniões acerca do emprego das estruturas perifrásticas e dos verbos plenos equivalentes (dar início/iniciar; ter interesse/interessar; e fazer pesquisa/pesquisar). A autora constatou três tipos de respostas: (i) a favor dos verbos plenos (devido ao seu maior grau de formalidade e objetividade, adequado à situação comunicativa de discurso); (ii) a favor das perífrases (devido ao fato de serem mais usuais e corriqueiras, adequadas para atingir uma grande quantidade de pessoas); e (iii) a favor das duas formas alternantes (as duas apresentam o mesmo significado). Gomes (2005) trata, a partir de pressupostos teóricos da Gramática Gerativa, de construções com os verbos-suporte (ou verbos leves, como o autor os denomina) ter, dar e fazer. Pretende demonstrar em seu artigo que os “verbos leves são semanticamente vazios, privados de recursos de predicação e tem (sic) a possibilidade de atribuir papéis temáticos a seus argumentos.” (GOMES, 2005:35). No entanto, chama a atenção a seguinte afirmação feita na explicação da seção “Os verbos leves em português” (p.38): “Como os verbos leves não têm uma estrutura argumental, eles não podem atribuir papel temático.”. Em um primeiro momento, devido a tais incoerências, não se sabe muito bem o que o autor pretende defender, mas, no decorrer de seu texto, fica mais claro que o autor não acredita que o verbo leve exerça qualquer papel na projeção de argumentos: (...) são chamados semanticamente vazios, que, em geral, se associam a um elemento nominal, responsável pelo significado principal da sentença. Tal estrutura pode ser considerada um composto verbal intransitivo. (GOMES, 2005:37) 46 A seguir, eis alguns exemplos com verbo dar presentes no artigo: (1) Roberto deu um beijo na mãe. (2) Humberto deu uma paulada no bandido. (3) Nataniel deu um boot no computador. (4) Esmeralda deu um presente ao marido. (5) Elza deu a vassoura ao Murilo. (6) Ricardo deu uma varrida na casa. Segundo Gomes (2005:38), nos exemplos (4) e (5), dar é o núcleo da predicação e, por isso, atua como verbo lexical regular, análise compartilhada pela que se propõe nesta dissertação. Acerca do exemplo (1), afirma “é o SN beijo que exige e dá uma interpretação ao SN mãe”; e completa alegando que o mesmo ocorre com o exemplo (6). Conclui-se, portanto, que “varrida” exige e dá uma interpretação ao SN a casa. As características dos exemplos (2) e (3) não são comentadas no artigo. Não se compreende como “beijo”, um SN não predicante (diferentemente de, por exemplo, necessidade (de algo); sugestão (de algo)), “exige e dá uma interpretação ao SN mãe”. Diferentemente, compreende-se que, em dar um beijo na mãe, o verbo dar não se apresenta totalmente esvaziado de significado, pois a noção de transferência, ainda que metafórica, existe. Ademais, funciona como um verbalizador do SN (ou seja, possui papel semelhante ao do morfema -r em beijar), o que faz com que a estrutura se torne um predicador complexo, e, sendo assim, dar partilha com o SN (beijo) a função de projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático (ou seja, não é somente o SN “beijo” que “exige” o argumento “mãe”). Além disso, o SN passa a ser o núcleo semântico da perífrase. Quanto ao exemplo deu uma varrida, o verbo dar apresenta-se totalmente esvaziado de significado e, por isso, indica a noção de ação do predicador complexo. Compartilha a função de núcleo sintático da predicação com o SN (varrida) e este se torna o seu núcleo semântico. Quanto às construções idiomáticas com o verbo dar, o autor afirma que têm uma estrutura diferente dos verbos leves, sendo, portanto, pouco produtivas na língua, com muitas restrições em suas composições. A significação não se dá simplesmente pela união de significado dos termos. Na verdade, elas não têm nada a ver com o sentido das palavras envolvidas. (GOMES, 2005:38) 47 Com base nos exemplos (1) não dar a mínima, (2) dar em nada, (3) dar com os burros n’água, e (4) dar pano pra manga, o estudioso conclui: “o verbo dar nas construções do tipo leve exercem uma função distinta de dar nas expressões idiomáticas.” (p.38). Logo, o autor compreende que as construções idiomáticas são diferentes daquelas compostas por verbos leves devido ao fato de os elementos dessas construções apresentarem sentido distinto do literal. No entanto, tal característica não impede que o verbo dar funcione como verbosuporte, nem que o SN (seja qual for) seja o núcleo semântico da predicação, ainda que tenha seu sentido modificado. Ou seja, em construções idiomáticas, dar apresenta-se com esvaziamento lexical e partilha, com o SN, a função de projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático, enquanto o SN passa a ser o componente semântico principal da perífrase. Além disso, sobre a observação de que essas estruturas “não têm nada a ver com o sentido das palavras envolvidas”, estudos como o de Esteves et alii (2006) demonstram que há graus distintos de lexicalização de estruturas com verbos-suporte ter, dar e passar. No estudo, constatou-se que o parâmetro “grau de congelamento semântico dos componentes dos predicados complexos” indica que as estruturas são semi-lexicalizadas quando apenas um de seus componentes apresenta sentido idiossincrático (passar a frente, dar crédito, ter uma vida), enquanto podem ser consideradas lexicalizados os predicadores complexos que possuem ambos elementos com sentido distinto do literal (dar conta, dar baixa). Ao final da seção, Gomes (2005) afirma que o verbo dar tem três usos distintos: (i) uso idiomático; (ii) verbo leve; e (iii) verbo lexical regular. Allan (1998) apresenta um estudo sobre verbos delexicais (delexical verbs) e os graus de dessemantização. O autor comenta que o termo verbos delexicais refere-se a um pequeno grupo de verbos transitivos comuns que têm como seu objeto um substantivo que também pode ser usado como um verbo (...) As estruturas delexicais são parte de um sistema que permite diferentes conceptualizações de uma situação dada. (ALLAN, 1998: 1) O autor parte da hipótese de outro estudo (STEIN, 1991 apud ALLAN, 1998), que rejeita a idéia de que os verbos delexicais give (dar), have (ter) e take (tomar) são ‘meros conectivos’ ou ‘verbos leves’. Logo, o objetivo do autor é “especificar em que medida o significado central desses verbos é ‘enfraquecido’ ou ‘erodido’ (ALLAN, 1998:1). Para tanto, o autor isolou os significados distintos de cada verbo para tentar determinar seu grau de dessemantização. O resultado geral de sua análise permitiu concluir que cada verbo delexical traz seu próprio significado para a construção em que ocorre. Além disso, percebeu que 48 make (fazer) e, em menor extensão, give (dar) e have (ter) retêm tipicamente a maior parte de seu significado pleno, enquanto take (tomar) é desprovido, muitas vezes quase que completamente, de seu significado pleno. (ALLAN, 1998:1) Para investigar sua hipótese, o autor adota o que denomina de “fuzzy set” – graficamente, separa as acepções dos verbos em conjuntos de forma que seja possível detectar as acepções mais próximas e as mais afastadas do sentido básico do termo. No caso do verbo dar, o autor define seu significado intuitivo ou pleno (intuitive meaning) como o transferencial. Nesse tipo de construção, dois participantes, ambos, em geral, humanos estão envolvidos e um deles entrega um objeto concreto para o outro, que, por isso, desempenha o papel de destinatário. Comenta, inclusive, que, para a Gramática dos Casos (FILLMORE, 1968; HALLIDAY, 1985), o sujeito é considerado um “ator”, o destinatário (ou objeto indireto) é o “beneficiário” e o objeto ou coisa dada é a “meta”. Com o afastamento gradual deste significado central, o processo é metaforicamente estendido para cobrir conceitos abstratos e nem há necessidade de envolver um “beneficiário”, já que o verbo pode funcionar como monovalente e não bitransitivo. Para criar os graus de dessemantização, o autor adotou um teste de substituição do verbo. Quanto mais o verbo substituído estiver próximo do significado intuitivo (pleno) de dar, será alocado mais ao centro da elipse. Os dados que usou para a pesquisa foram: (1) deu um lugar (gave a major place) designar (assign) (3) deu uma lista de palavras admissíveis... (gave a list of admissible wordings) prover (provide) (4) deu um total de 771 casos (gave a total of 771 cases) produzir (yield) (5) deu a resposta (gave an answer) (10) dá vantagem (give a lead) (20) dá uma palestra (give a lecture) (21) dá um grito suprimido (give a stifled scream) (26) deu mais uma volta na roda... (has given a futher turn to the wheel) emitir/ proferir (utter) tomar (take) apresenta (present) emitir/ proferir involuntariamente (utter) fazer (do) (30) dá a descrição (gives a description) oferecer (offers) (31) dá um fato extraordinário (gives a tedious and turgid portentousness) acrescentar (add) (32) dando um período de exposição (giving a period of exposure) permitir (allow) (36) dando uma diferença acentuada de luminosidade (giving a sharp change of brightness) produzir/ gerar (yield) 49 (37) dando uma aparência (giving an appearance) produzir/ gerar (yield) Figura 1: O conjunto lexical de GIVE (DAR) (ALLAN, 1998:6) 10- tomar 20-apresentar 30- oferecer 1-fazer 32- permitir 3- prover 5- emitir 4/36/37 produzir 31- adicionar 21-emitir involuntariamente 26-fazer A figura anterior demonstra que os exemplos 3 (deu uma lista de palavras) e 5 (daruma resposta) encontram-se mais próximos do significado pleno de dar. O autor justifica que “dar uma resposta” pertence a essa posição, pois “uma resposta existe, ainda que transitoriamente, em tempo e espaço” (ALLAN, 1998:6). Na presente dissertação, compreende-se que (3) pode veicular o significado básico, se for possível considerar uma situação na qual um papel contendo a lista de palavras tenha sido entregue a alguém. O exemplo (5), por sua vez, realmente, está um pouco mais afastado do valor prototípico de dar, pois se trata de uma transferência metafórica e não de algo concreto. Destaca-se a visão do autor acerca dos exemplos 20 (dá uma palestra) e 21 (dá um grito suprimido), que estão mais afastados do significado central devido à análise dos termos com papel de “meta” – “uma palestra” e “um grito”, respectivamente. Segundo o autor, o afastamento ocorre porque existe a possibilidade de apresentar uma palestra ou emitir um grito que ninguém veja ou ouça, ou seja, que não haja destinatários e, portanto, a transferência 50 não ocorre. No entanto, quando se planeja uma tarefa como uma apresentação ou se emite um grito, pressupõe-se que alguém escute, há um destinatário virtual para o falante, ou até é o falante mesmo que passa a desempenhar papel de emissor e destinatário. Logo, acredita-se que, nesses casos, há uma transferência, ainda que metafórica. O autor afirma que a razão pela qual a acepção “produzir” (4/36/37) está entre uma das mais afastadas do significado central se relaciona ao traço [-volição] pertencente às estruturas semelhantes à estrutura “gerar um total/ uma diferença/ uma aparência”, pois, nesses casos, a interpretação depende do “beneficiário”. No exemplo 26, dar volta na roda significa fazer a ação de girar a roda e não há sentido transferencial algum, pois “após a ação, é possível argumentar que a roda se encontra em uma nova posição, mas isto é muito diferente de possuir uma volta” (ALLAN, 1998:7). Neste caso, o verbo dar pertence à posição/extensão mais afastada do conjunto e configura um verbo leve prototípico (totalmente esvaziado de significado). Baron & Herslund (1998) tecem considerações acerca de construções com verbosuporte e formação de predicadores no quadro da Gramática Funcional de orientação holandesa. Iniciam seu artigo com a definição de verbo-suporte: “verbos que, sem um significado específico ou característico, se combinam ou não com um substantivo deverbal e podem ou não apresentar um determinante” (BARON & HERSLUND, 1998:99). Além disso, defendem que o papel do verbo é reduzido à expressão do tempo e do modo. O estudo demonstra que a configuração [V + O] ocorre quando o objeto se apresenta como “argumento fundamental” e determina o exato sentido do verbo. Além disso, diferenciam-se dois tipos de objeto – o afetado (affected) e o causado (effected). O primeiro possui um referente que existe independentemente da ação verbal. É afetado, modificado ou destruído pela ação verbal, mas nunca criado por ela: ‘comprar uma casa’ (buy a house), ‘comer uma maçã’ (eat an apple). O segundo, por sua vez, possui um referente que somente se apresenta como oriundo (como o efeito) de uma ação verbal. Não pode existir, portanto, independente da ação, como ‘escrever uma carta’ (write a letter) ou ‘construir uma casa’ (build a house). Segundo os autores, a distinção entre esses tipos de objeto em construções com verbos-suporte geralmente não é considerada e convenciona-se dizer que essas estruturas possuem um objeto causado/efetuado. Além disso, afirmam que, do ponto de vista sintático, é possível considerar que tais estruturas são formadas pela combinação de “verbo + objeto” que corresponde, no nível semântico, a um único predicador. 51 Acerca do significado dos verbos-suporte, os autores comentam ainda: (...) verbos-suporte têm um significado muito geral e “esvaziado”: o objeto que denota resultado da atividade que consiste na criação de algo, de forma que o que é deixado para o verbo expressar é a idéia geral de criação, esta “criação” é diferente a depender da função do objeto (...) (BARON & HERSLUND, 1998:103) Para distinguir predicadores verbo-nominais de construções com “verbo + objeto”, os autores sugerem testes de clivagem e topicalização. A hipótese que defendem é a de que, devido à natureza afetada do objeto, os predicadores verbo-nominais respondem positivamente aos testes, enquanto o mesmo não ocorre com as construções “verbo + objeto”. Para fundamentar tal hipótese, utilizaram os exemplos “Gustavo fez um desenho de Judite” (fez um desenho – predicador verbo-nominal) e “Gustavo copiou um desenho de Judite” (copiou o desenho – construção “verbo + objeto”) 24 . O primeiro, em inglês, permite a clivagem e a topicalização, enquanto o segundo, apesar de permitir um tipo de clivagem, não permite topicalização. Os autores tratam também das propriedades sintáticas do predicador verbo-nominal, como a seleção de preposição por alguns SNs (exemplo: fazer exigência de algo). Alegam que, nesses casos, os predicadores verbo-nominais configuram construções de transição entre verbos simples e complexos. Por fim, os autores enfatizam a importância do predicador verbo-nominal: (...) vai além dos limites do sintagma verbal, na medida em que constitui um tipo de formação de predicador que interage crucialmente com a formação de sintagmas nominais complexos e compostos. Como tal, predicadores verbo-nominais constituem um importante fenômeno na região entre a sintaxe verbal e nominal (...) (BARON & HERSUND, 1998:114) Saraiva (2001) é outra pesquisadora que se dedica à descrição da construção com verbos leves e enfoca a questão da incorporação nominal. A noção geral de incorporação nominal é a de que “(...) uma palavra semanticamente independente vem para ‘dentro’ de outra” (BAKER apud SARAIVA, 2001). No entanto, em português, não há uma incorporação morfológica propriamente dita, mas um elo de integração tão forte entre nomes e verbos que faz com que tais nomes possam ser considerados incorporados ao item verbal que acompanham e denominados, portanto, de objetos incorporados ou, ainda, de pseudo-objetos. 24 Gustav has made a drawing of Judith. e Gustav has copied a drawing of Judith. Decidiu-se não expor os testes de clivagem e topicalização com estes exemplos, pois nem sempre se apresentam como em Português. 52 Segundo a autora, os traços semânticos dos objetos incorporados podem ser: (i) identificabilidade [+ indentificável], (ii) quantificação universal [+ universal], e (iii) focalidade [- foco nos membros integrantes da classe que representa]. O traço [± indentificável] (ou [± I]) é usado para expor o fato de o constituinte nominal da perífrase se referir ou não “a uma entidade particular dentre as demais da classe considerada” (SARAIVA, 2001:18). O traço [+ indentificável] ocorre, por exemplo, quando um SN objeto aparece antecedido por pronome (dar este lápis, dar algumas canetas). Diferentemente, o traço [- indentificável] ocorre quando o SN incorporado ao verbo não destaca uma ou mais entidades específicas dentre as demais de um conjunto (dar alimentos, dar respostas), mas considera o grupo de entidades como um todo. A quantificação universal, representada pelo traço [+ U], pode ser atribuída aos SNs incorporados que representam qualquer elemento da classe das entidades às quais se referem. Por exemplo, em “Deus deu filhos às mulheres 25 ”, “filhos” cobrem toda extensão de sua classe, enquanto em “João deu cinco filhos homens à esposa”, há um recorte na extensão da classe representada por “filhos”, uma noção de partitividade, o que demonstra que o SN é um objeto propriamente dito e não incorporado. O traço [+ foco nos membros integrantes da classe], representado por [+M], está presente quando se focalizam as entidades representadas pelo SN, principalmente quando se referem a uma parte do conjunto em que as entidades se inserem (dar cinco filhos). No caso das construções com objeto incorporado, diferentemente, o foco será direcionado às ações que as construções veiculam e não aos SNs (dar pulos, dar sugestões), o que torna essas estruturas possuidoras do traço [-M]. Isto ocorre devido à integração entre verbo e SN ser tão forte que faz com que esses componentes, juntos, formem “um todo semanticamente coeso, a traduzir uma idéia unitária” (SARAIVA, 5001:21). Por isso, a autora sugere o termo incorporação como o vínculo existente entre o sentido do nome e o sentido do verbo “de tal modo a construírem ambos uma unidade semântica” (SARAIVA, 2001:21). Quanto à função discursiva, a autora afirma que os objetos incorporados possuem função classificatória 26 em relação ao verbo com o qual se combinam e, por isso, podem expressar: 25 A expressão “dar filhos” estaria inserida em um contexto em que pudesse designar a ação genérica de “engravidar”. 26 Esta função é típica dos SNs marcados pelo traço [-M]. 53 a) uma seqüência de atividades executadas por um dos participantes principais; [como em uma narrativa, por exemplo 27 : Ele fazia compras fazia depilação fazia unhas [...], que são ações de um personagem. O foco não está no SN (compra), mas nas atividades às quais essas construções se referem] b) ocupação/atividades habituais que caracterizam os personagens principais; [como em: Ela é uma professora ótima, passa revisões, faz exercícios, escreve bilhetes...] c) atividades/processos rotineiros em dadas situações (SARAIVA, 2001:24) [como em: Para conseguir um bom cargo, você deve apresentar currículo, fazer provas, fazer entrevistas...] 27 Os exemplos expostos foram criados com base nos exemplos que a autora apresenta em seu estudo. 54 3. REFERENCIAL TEÓRICO Visto que se concebe a língua como sistema diversificado usado para a interação comunicativa, a investigação sobre as construções dar + SN foi feita ora à luz da teoria funcionalista, ora com base na articulação entre pressupostos fundamentais das teorias funcionalista e sociolingüística (Sociofuncionalismo). Com base em Heine et alii (1991), descreve-se a cadeia de gramaticalização referente à trajetória de dar (de verbo-predicador a verbo-suporte) e, com base nos parâmetros de Hopper (1991) e em considerações de Heine et alii (1991), pesquisa-se o comportamento sintático-semântico das categorias funcionais pertencentes a essa cadeia. Bybee (2003) também contribui para investigação sobre a relevância do papel da freqüência no processo de gramaticalização desse item verbal. Ademais, recorre-se à Teoria da Gramática Funcional de Dik (1997) para fundamentar a descrição dos estados de coisas expressos pelas ocorrências de dar em estruturas dar + SN detectadas nos corpora. Com o arcabouço teórico sociofuncionalista, investiga-se a alternância (LABOV, 1972 e LAVANDERA, 1985) entre perífrases com dar + SN (dar pulo, dar tiros) e verbos plenos cognatos aos SNs das perífrases (pular, atirar). Logo, enfoca-se não somente a investigação de questões propostas por Weinreich, Labov e Herzog (1968), relacionadas aos condicionamentos (extra e intralingüísticos) do fenômeno variável, a seu percurso/estatuto (em tempo aparente) e à influência da avaliação subjetiva do falante nesse fenômeno, mas também a pesquisa de aspectos pragmático-discursivos envolvidos nessa alternância. A seção da dissertação dedicada a considerações sobre o ensino das construções com dar + SN e da polifuncionalidade de dar nessas construções fundamenta-se em pressupostos de ensino-aprendizagem apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998), nas concepções de “análise lingüística” desenvolvida em Mendonça (2006) e em considerações de Oliveira e Cezario (2007) sobre a aplicação de princípios funcionalistas no ensino do Português. 3.1 Funcionalismo: pressupostos básicos Nesta seção, expõem-se os pressupostos básicos relativos à visão funcionalista de linguagem, levando-se em conta alguns aspectos que os diferenciam de orientações formalistas. 55 Os funcionalistas concebem a língua como sistema de comunicação, têm como objetivo principal investigar a função das formas lingüísticas no ato comunicativo, enquanto os formalistas buscam analisar a estrutura lingüística dando ênfase à forma lingüística. Adota-se, no presente estudo, a concepção de função como “propósito ou contexto” (NICHOLS, 1984:100). Nessa ótica, a língua encontra-se a serviço de um propósito de comunicação e reflete o contexto interacional: assim sendo, as expressões lingüísticas usadas podem indicar, por exemplo, a relação social entre os participantes. Algumas das questões sobre as quais as duas linhas de pesquisa divergem são: a arbitrariedade do signo lingüístico, a divisão entre diacronia e sincronia, e a distinção entre langue e parole. A arbitrariedade do signo lingüístico consiste na idéia de que um conceito (significado) é aplicado a um significante (uma imagem acústica), sem que haja qualquer tipo de motivação. Essa visão é compreensível quando se analisa a língua fora de seu contexto de uso, à maneira formalista. No entanto, um trabalho de cunho funcionalista, como o presente estudo, leva em consideração que, em diversas situações comunicativas, para criar novos vocábulos para um determinado referente, os usuários da língua, em geral, lançam mão do conteúdo de que já dispõem, resultando na produção de itens provenientes de motivações que podem ser de natureza semântica, morfológica ou fonética 28 . Os funcionalistas chamam de iconicidade a não-arbitrariedade do signo na sintaxe, defendendo a possibilidade de uma estrutura assimilar novos usos e novas funções, mesmo que apresente a mesma forma ou o mesmo comportamento morfossintático. Outra visão com a qual os funcionalistas não concordam é a impossibilidade de interação entre estudos diacrônicos e sincrônicos de um mesmo fenômeno, aspecto defendido por seguidores de Saussure. Segundo essa visão, unir pesquisas de cunho sincrônico àquelas de natureza diacrônica é um procedimento incompatível, pois o trabalho sincrônico não teria, na maioria das vezes, relação com o diacrônico. Os funcionalistas refutam a dicotomia “sincronia x diacronia”, pois defendem a articulação entre a investigação histórica de fenômenos lingüísticos e os resultados de pesquisas sincrônicas. Tal combinação culmina num enfoque “pancrônico” do objeto de estudo e é encarada como mais uma alternativa (além dos trabalhos somente de natureza sincrônica ou diacrônica) em estudos funcionalistas, pois 28 Em alguns casos, as motivações da aplicação de um signo lingüístico não podem ser detectadas, devido à distância entre o signo e a sua origem. 56 faz com que se atinja maior compreensão dos fenômenos lingüísticos investigados ao considerar o estado sincrônico resultado do desenvolvimento lingüístico do passado. A visão funcionalista também desconsidera a dicotomia “langue x parole”, propagada pelos estruturalistas, segundo a qual se deveria apenas priorizar o estudo da langue, enfocando a língua em si mesma (o sistema) em detrimento da fala (parole). Diferentemente, os funcionalistas defendem que a fala, em transformação constante, é responsável por gerar o sistema lingüístico. Desse modo, dá-se grande relevo ao papel do “espaço” no qual a fala se desenvolve – o discurso – que abarca um conjunto de situações comunicativas guiadas por diferentes contextos sociais. Além disso, a noção de gramática, entendida como uma série de regularidades da língua, não pode ser desvinculada dessa noção de discurso, já que as regras são geradas tanto por motivações relativas a fatores cognitivos, quanto, principalmente, por pressão de uso. O sistema, portanto, deve ser estudado dentro de um quadro de regras, princípios e estratégias que se desenvolvem em função da comunicação. 3.1.1 Teoria da Gramática Funcional (orientação holandesa) A Teoria da Gramática Funcional de Dik (1997) busca explicitar como interlocutores de uma língua natural obtêm sucesso na comunicação através do uso de expressões lingüísticas. Logo, é uma teoria preocupada com a organização gramatical das línguas naturais. Em um paradigma funcional, a língua é um instrumento de interação social usada com a intenção de estabelecer relações comunicativas. Uma língua natural é considerada, então, parte integrante da competência comunicativa de seu usuário. Assim sendo, a comunicação não está restrita à transmissão e à recepção de informações factuais, mas ocorre quando, através da interação verbal (interação social por meio da linguagem), há mudanças na informação pragmática (um conjunto de conhecimentos, crenças, preconceitos e sentimentos) dos interlocutores. Considera-se a interação verbal uma forma de atividade estruturada e cooperativa. É estruturada (mais do que aleatória, ao acaso) por ser governada por regras, normas e convenções. É cooperativa no sentido óbvio de que necessita de, pelo menos, dois participantes 29 para atingir seus objetivos. Estes usam “instrumentos”, as expressões 29 Naturalmente, há situações que apresentam somente um indivíduo (situações de monólogo, por exemplo). Na verdade, entende-se que, nesses casos, sempre há um destinatário, haja vista a possibilidade de uma pessoa desempenhar, a um só tempo, os dois papéis – falante/emissor e destinatário. (cf. DIK, 1997 v.1, p.10) 57 lingüísticas, cujo sistema de construção é de natureza funcional. Por essa teoria, pretende-se justamente descrever as regras de formação das expressões lingüísticas (perífrases com dar), os princípios e as estratégias que governam o uso natural comunicativo. O modelo de interação verbal representado por Dik (1997) é o seguinte: Emissor concebe: Intenção -----antecipa-----> <------reconstrói--- Destinatário constrói: Interpretação expressão lingüística Informação pragmática do emissor (PE) Informação pragmática do destinatário (PD) Figura 2: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1) Pelo modelo de Dik (1997), é possível perceber que emissor e destinatário dispõem de uma quantidade de informação pragmática 30 . Ao dizer algo para o destinatário, o emissor tenta modificar a PD. Para tanto, deve formular uma intenção comunicativa, um plano mental que inclua a modificação que deseja operar no destinatário. Então, o emissor tentará antecipar a interpretação que o destinatário dará à sua expressão lingüística, no intuito de reconstruí-la da forma mais adequada possível para atingir seu objetivo 31 . O destinatário, por outro lado, interpreta a expressão lingüística e, então, busca reconstruir a intenção comunicativa do emissor. Essa interpretação pode fazer com que o destinatário modifique sua informação pragmática, o que corresponde à intenção do emissor. Se o destinatário não chegar a uma interpretação que combine com essa intenção, terá havido um mal entendido entre eles. Os papéis de emissor e destinatário sempre alternam quando os turnos mudam. Vale ressaltar, ainda, que a relação entre a intenção do emissor e a 30 A informação pragmática pode estruturar-se de três formas: (i) informação geral – de longa duração em relação ao mundo, suas características naturais e culturais e de outros mundos possíveis e imaginários; (ii) informação situacional – informação proveniente do que os participantes percebem ou experimentam na situação na qual a interação ocorre; e (iii) informação contextual – informação proveniente das expressões lingüísticas que são trocadas antes e depois de um determinado ponto na interação verbal (cf. DIK, 1997: 10). 31 Visto que os participantes têm uma teoria sobre a informação pragmática do outro, eles podem também imaginar o que é compartilhado e o que não é entre as suas informações pragmáticas e a dos outros. Esta estimativa é importantíssima para o sucesso da interação verbal. Uma estratégia bastante comum é o emissor começar a imaginar a informação compartilhada e, a partir dela, passar a estimar a não-compartilhada no intuito de lhe acrescentar partes da informação pragmática do destinatário ou substituí-la por essas partes. Esta estratégia foi chamada de “Given-New Contract” (Contrato dado-novo) no trabalho psicolingüístico de ClarkClark (DIK, 1997:11 v.1). 58 interpretação do destinatário nunca é estabelecida, mas sim mediada pela expressão lingüística. Esta é dotada de uma “escala de explicitude”, ou seja, uma intenção comunicativa é codificada de maneira relativamente explícita quando há pouca diferença entre a intenção e o conteúdo semântico da expressão e de maneira relativamente implícita quando há grande diferença entre a intenção e o conteúdo semântico. Pode-se dizer que, em geral, a interação verbal é relativamente implícita e que fica a cargo do destinatário a interpretação, que se dá em função da reconstrução da intenção comunicativa do emissor. Segundo Dik (1997), o trabalho de desenvolver a apresentação de uma gramática funcional é bastante desafiador, já que é necessário lidar com as expressões lingüísticas no contexto de uso e decompor sua complexidade até chegar aos blocos básicos de sua construção. Os predicadores constituem o bloco de construção mais básico do nível morfossemântico (em oposição ao fonológico) da organização lingüística. Alguns pressupostos importantes relacionados à formação de predicadores e considerados para um modelo de gramática funcional são: - Todos os itens lexicais da língua são analisados como predicadores. - Categorias e subcategorias dos predicadores são diferenciadas de acordo com suas propriedades formais e funcionais. Há, em muitas línguas, pelo menos, os predicadores verbais (V), adjetivais (A), e nominais (N), além de vários subtipos dessas categorias. - Todos os predicadores são semanticamente interpretados como designadores de propriedades e relações. (...) - Todos os predicadores básicos são listados no léxico. O léxico contém, então, o conjunto de predicadores básicos da língua. - Predicadores não são considerados como elementos isolados para serem inseridos em estruturas geradas independentemente; eles são considerados como parte de estruturas chamadas predicate frames (marcos predicativos). - Cada marco predicativo básico no léxico é associado a um número de significados postulados, através dos quais o predicador é semanticamente relacionado a outros predicadores na língua. - Os predicadores derivados consistirão em marcos predicativos derivados. - Os marcos predicativos não possuem qualquer ordem linear. A ordem na qual são apresentados (predicadores primeiro e posições de argumentos depois) é puramente convencional. [...] (DIK,1997:59 e 61, v.1) Outros pressupostos relevantes para um modelo de gramática funcional tratam das estruturas dos termos: -Todas as expressões lingüísticas que podem ser usadas para se referirem a algo no mundo são consideradas termos. - Os termos variam desde itens simples, como pronomes e nomes próprios, até sintagmas nominais complexos (noun phrases) 59 - Os termos podem ser usados para se referir a entidades de ordem maior como estado de coisas (a defesa do inimigo), fatos possíveis (que João vendeu um carro) ou atos de fala (a pergunta de João sobre o que ele deve fazer). Esses termos freqüentemente irão conter predicações encaixadas, proposições encaixadas ou atos de fala encaixados. (DIK,1997:61, v.1) Para o autor, cada oração deve ser descrita em função de uma estrutura subjacente da cláusula (underlying clause structure), exposta por expressões lingüísticas advindas de um sistema de regras de expressão (expression rules), que determinam a forma, a prosódia, e a ordem dos constituintes da estrutura profunda. O esquema a seguir demonstra isto: Estrutura Subjacente da Cláusula Regras de Expressão Expressões Lingüísticas 60 A estrutura subjacente da cláusula é complexa e abstrata. Nela, encontram-se diversas camadas de organização formal e semântica, como é possível perceber no próximo quadro: Camadas 32 Exemplos Cláusula Decl π4 [Poss π3 [Pres π2 [Prog π1 “ato de fala” (“speech act”) [E] [escrever (João) (uma carta) (cuidadosamente)σ1](na biblioteca) σ2] (até onde eu sei)σ3 (francamente) σ4] [E]: Francamente, até onde eu sei, João deve estar escrevendo uma carta cuidadosamente na biblioteca. Proposição [Poss π3[Pres π2[Prog π1 “fato possível” (“possible fact”) [X] [escrever (João) (uma carta)] (cuidadosamente) σ1] (na biblioteca) σ2] (até onde eu sei) σ3] [X]: Até onde eu sei, João deve estar escrevendo uma carta cuidadosamente na biblioteca. Predicação Estendida Estado de coisas localizado e qualificado (“located, qualified state of affairs”) Past π2[escrever (João) (uma carta)] (cuidadosamente)σ1] (na biblioteca) σ2] [e]: João escrevia cuidadosamente uma carta na biblioteca. Predicação Central Prog π1[escrevendo (John) (uma carta)] (cuidadosamente)σ1 Estado de coisas qualificado [e]: João está escrevendo uma carta cuidadosamente. Predicação nuclear Estado de coisas [e] Predicação [f] (“propriedade”, “relação”) + Argumentos (Termos) [e]: João escrever uma carta. Predicador: escrever Argumentos: João e uma carta Quadro 4: Formação da estrutura subjacente de cláusula De baixo para cima, na primeira camada, há os elementos básicos para a construção de um modelo de cláusula subjacente: um predicador e termos vinculados a ele, em função de sua seleção argumental. Os predicadores designam propriedades e relações, enquanto os termos podem ser usados para se referirem a entidades. Na segunda camada, o predicador está vinculado a dois argumentos: ele designa uma relação de dois lugares, entre duas entidades no papel de um “escritor” e de “alguma coisa escrita”, e, portanto, é necessariamente aplicado a dois termos: “João” e “uma carta”. Logo, quando o predicador projeta um conjunto de termos apropriados, o resultado é uma predicação nuclear (nuclear predication). Essa predicação 32 Os tipos de entidades designadas pelas camadas da estrutura de cláusula subjacente estão apresentados entre colchetes, sob forma de variáveis. 61 designa o estados de coisas – “a concepção de algo pertencente a algum mundo” (DIK, 1997:51, v.1). Se for possível haver um mundo em que exista uma pessoa chamada João e que escreva uma carta, então é possível afirmar que [e] descreve corretamente um estado de coisas no mundo. De fato, o estado de coisas não necessariamente existe ou é real para ser designado pela predicação, pois pode ser uma criação mental do emissor e do destinatário. As próximas camadas do modelo de organização formal e semântica da cláusula são construídas a partir da predicação nuclear, com a inserção de operadores “π” (operators) e satélites “σ” (satelites). Operadores constituem distinções que são gramaticalmente expressas numa língua e satélites são as modificações lexicalmente expressas. Os satélites coincidem muitas vezes com “modificadores adverbiais e proposicionais”. Eles dão mais informações sobre a natureza do estado de coisas da predicação nuclear. No exemplo da terceira camada, observa-se o operador de nível 1 (π1) “contínuo, progressivo”, representado pela forma verbal no gerúndio e o satélite (σ1) “cuidadosamente”, um advérbio de modo 33 . Ambos unidos aos termos e ao predicador formam a predicação central (core predication). No exemplo da quarta camada, o estado de coisas qualificado expresso na predicação central pode ser localizado no tempo e no espaço, pelo operador de nível 2, que indica tempo passado (π2), e pelo satélite de nível 2 (σ2) “na biblioteca” 34 . A adição desses tipos de operadores e satélites faz com que a predicação se torne uma predicação estendida (extended predication), ou seja, um estado de coisas localizado e classificado. Até então, o estado de coisas que o falante deseja comunicar já está descrito, qualificado e situado. No entanto, o falante ainda pode decidir por especificar a atitude que tem a respeito do estado de coisas, o que pode ser feito com operadores proposicionais 35 de 33 Os operadores de nível 1 (π1) indicam sobre a qualidade do estado de coisas – um processo contínuo ou acabado, por exemplo. Já os satélites de nível 1 (σ1) dão informações opcionais e adicionais pertencentes às características de atitude do estado de coisas 34 Os operadores de nível 2 (π2) representam meios gramaticais pelos quais os estados de coisas podem ser localizados em relação ao tempo, espaço e cognição. Deixam a estrutura interna do estado de coisas intacta, mas a colocam em relação às diferentes dimensões mencionadas. Por exemplo, um operador de tempo verbal no passado coloca o estado de coisas no intervalo precedendo o momento de fala. Os satélites de nível 2 (σ2) representam o meio lexical pelo qual o estado de coisas pode ser localizado. Então, um satélite como “ontem” localiza o estado de coisas no intervalo de tempo (o dia do momento de fala) e o satélite “África” localiza o estado de coisas nesse continente. 35 Proposição: “algo sobre o que as pessoas podem dizer que acreditam, conhecem ou acham; podem ser razões de surpresa ou de dúvida; podem ser mencionadas, negadas, rejeitadas, e lembradas; além de poderem ser falsas ou verdadeiras”. (DIK, 1997:52) 62 nível 3 (π3) e com os satélites proposicionais de nível 3 (σ3) 36 . Ambos designam atitudes subjetivas ou avaliações por parte do falante. No exemplo apresentado, “π3” é o operador proposicional que indica que o falante julga possível (Poss) que o estado de coisas ocorra e está representado por “deve”. O satélite σ3, que especifica algo acerca da qualidade de informação que o falante transmite, é representado por “até onde eu sei”. Formou-se, portanto, uma proposição, designando um fato possível de acordo com o ponto de vista do falante. Para fazer uma análise completa da organização da cláusula, é necessário que se inclua a natureza do ato de fala ou a força ilocucionária da estrutura como um todo. Percebe-se que, no exemplo da quarta camada, a proposição apresentada é declarativa. Sua força ilocucionária é sinalizada mais por meio gramatical do que por meio lexical, ou seja, somente é possível perceber que é uma afirmação e não uma pergunta devido à entonação. As forças ilocucionárias são detectadas pelos operadores ilocucionários de quarto nível (π4) 37 . Este deve modificar e especificar o valor ilocucionário da construção como um todo, podendo a construção ser denominada de cláusula (clause). A palavra “francamente” desempenha o papel de “π4” no exemplo da última camada. 36 Os operadores de nível 3 (π3) capturam, por meio gramatical, o que o falante quer expor sobre sua avaliação pessoal ou atitude em relação ao conteúdo da proposição. Isso inclui modalidades “subjetivas”, sua crença ou descrença sobre o conteúdo, se espera ou deseja que a proposição se torne verdadeira ou a origem de onde conseguiu a informação da proposição. Já os satélites de nível 3 capturam, por meio lexical, o que o falante quer expor sobre sua avaliação pessoal ou atitude em relação ao conteúdo da proposição. Por exemplo, “na minha opinião”, que restringe o valor que o falante deseja atribuir ao conteúdo da proposição. 37 Os operadores de nível 4 (π4) especificam a força ilocucionária básica da oração (tal como: Decl(arativa), Imp(erativa), etc.) ou modificações de valores básicos. Já os satélites de nível 4 especificam como o falante deseja que o ato de fala seja entendido pelo interlocutor.] 63 Uma estrutura completa de cláusula pode ser representada pelo seguinte esquema (DIK, 1997:67, v.1) 38 : [π4 Ei : [π3 Xi : [π2 ei : [π1 [predicador [Tipo de predicador] argumentos] σ1 ] σ2 ] σ3 ] σ4 ] [..................predicação nuclear............] [.......................predicação central...................] [................................predicação estendida........................] [.................................................proposição.............................................] [................................................................cláusula.......................................................] Naturalmente, nem todas as orações apresentam estruturação tão complexa quanto à do modelo anterior, pois muitos operadores e satélites podem ser omitidos. Quando isso ocorre, as posições vazias podem ser marcadas por “∅”. No presente estudo, identificaram-se construções com dar + SN pertencentes às predicações do tipo nuclear, central e estendida. 3.1.1.1 Formação de predicadores Um predicador – seja básico, seja derivado por regras de formação – nunca é um item isolado, sempre existe por fazer parte de um marco predicativo (predicate frame), que não somente define a sua forma, mas também o tipo de sua valência (quantitativa e qualitativa). Os usuários da língua, para formar predicadores, lançam mão de regras de formação, processo que envolve a seleção de um marco predicativo que dará origem a uma estrutura derivada (derived predicate frame) como output. Um esquema que representa um marco predicativo contém as seguintes informações: (i) a forma do predicador; (ii) seu tipo; e (iii) sua valência. O autor apresenta o seguinte exemplo (1997, v.1, p.59): (fi:dar) [V] (xi: <animado>(x1))Agente (x2)Meta (x3: <animado> (x3))Destinatário Acima, portanto, aparecem: (i) a variável “fi”, simbolizando a propriedade ou relação designada pelo predicador, (ii) a forma do predicador (“dar”), (iii) o tipo do predicador (V verbal), (iv) a valência qualitativa (funções semânticas dos argumentos, além de suas 38 Dik (1997:86 e 87) menciona algumas características que diferenciam argumentos e satélites. Os argumentos são termos exigidos por algum predicador para formar uma predicação nuclear completa, são essenciais para a integridade do estado de coisas designado pelo marco predicativo (predicate frame), referem-se ao predicador e têm posição mais central na oração; enquanto os satélites não são constituintes exigidos pelo predicador, referem-se à predicação nuclear (nível 1), à predicação central (nível 2), à proposição (nível 3) ou à cláusula (nível 4) e têm posição periférica na oração. 64 restrições de seleção – animacidade (animado), por exemplo), e (v) a valência quantitativa (x1, x2 e x3) – 3 posições argumentais. Os tipos de predicadores podem ser representados pelas seguintes categorias básicas: V (verbo – o predicador núcleo), N (substantivo) e A (adjetivo). Dik (1997) afirma que essas categorias, em línguas que as distinguem, a depender do contexto, podem ter seus empregos primários convertidos para usos derivados (por exemplo, o emprego primário de um verbo – função predicante – pode passar ao emprego derivado de um substantivo – função de designar entidades), como demonstra a figura a seguir: V: função predicativa/predicante (= verbo predicador) N: núcleo A: função atributiva (função de designar entidades) Figura 3: Possíveis relações derivativas entre categorias de predicadores (DIK, 1997:196, v.1) Logo, em um predicador complexo com verbo-suporte, o SN, que fora desse contexto é caracterizado pelo papel primário de designar entidades, partilha a função predicante com o verbo ao qual se vincula e passa a ser um item menos referencial. A valência qualitativa refere-se às funções semânticas e às regras de seleção dos argumentos. As funções semânticas demonstram os papéis dos argumentos no estado de coisas designado pela predicação (agente, meta, receptor, paciente, entre outros.). As restrições de seleção informam sobre o tipo semântico dos termos que podem ser usados na posição de argumentos. De fato, quando um usuário da língua utiliza expressões lingüísticas para se comunicar, ele não conhece apenas a combinação entre formas e significados, mas realmente possui a capacidade de aventar as possibilidades combinatórias que podem pertencer a um determinado marco predicativo. Essas possibilidades – as restrições de seleção – são determinadas por fatores semânticos relacionados aos predicadores envolvidos, aos termos com os quais os predicadores se vinculam, e ao conhecimento de mundo dos participantes da situação comunicativa em que as predicações ocorrem. Logo, segundo Dik, a gramática não pode restringir a produção de expressões “aparentemente” agramaticais (por exemplo: João estava comendo um copo de cerveja), pois estas podem ocorrer para preencher 65 propósitos comunicativos. Por isso, tais construções geram a necessidade de criação de estratégias especiais de interpretação. O sentido metafórico, portanto, pode ocorrer quando há diferenças entre as restrições de seleção e as propriedades intrínsecas do(s) termo(s) escolhido(s) para preenchimento da(s) posição(ões) argumental(is). A valência quantitativa consiste no número de argumentos com os quais um predicador se vincula (x1, x2...xn). Há predicadores de zero lugar (ou monovalente), de dois lugares (ou bivalente), de três lugares (ou trivalente), ou, ainda, de quatro 39 . É possível que um usuário da língua modifique a valência do predicador por dois processos: (i) extensão de valência e (ii) redução de valência. O primeiro ocorre quando, por exemplo, um predicador intransitivo torna-se transitivo, enquanto o segundo se desenvolve quando a valência do input do predicador é reduzida para, pelo menos, um argumento. Há vários tipos de regras de formação em que predicadores reduzem a valência. As mais importantes são: (i) incorporação; (ii) redução do primeiro argumento e (iii) redução do segundo argumento. É a incorporação 40 o tipo de redução de valência que interessa ao estudo de estruturas com dar + SN. Segundo Dik (1997), algumas propriedades da incorporação são: (i) o output da predicação é geralmente intransitivo (fazer compras e dar medo são construções que podem ser usadas de forma intransitiva); (ii) a incorporação nominal é não-referencial (em tenho de dar conta do trabalho, conta não possui referente no mundo biossocial), e (iii) o resultado da incorporação é um verbo complexo com uma interpretação genérica (o governo deve dar empregos a todos assemelha-se ao sentido de o governo deve empregar a todos – não se especifica a qualidade/natureza dos empregos). 3.1.1.2 Relações funcionais Dik (1997:25, v.1) diferencia funções de categorias. Estas apresentam as propriedades intrínsecas de seus termos, enquanto aquelas demonstram relações entre o termo e a construção em que ocorre. Além disso, afirma que uma mesma categoria pode ocorrer em diferentes funções e a mesma função pode ser atribuída para constituintes de diferentes categorias. 39 Há autores que divergem quanto ao número de argumentos possíveis em uma predicação e limitam a projeção a 3 argumentos. 40 Na seção 2, mais detalhes sobre Saraiva (2001), estudo que fundamentou investigações acerca do SN incorporado nas estruturas dar + SN do corpus. 66 As expressões lingüísticas formam redes complexas caracterizadas por relações funcionais que operam em diferentes níveis. O autor expõe níveis de relações funcionais (DIK 1997:26 v.1): (i) Funções semânticas (agente, meta, receptor, etc.): especificam os papéis que os referentes ligados aos termos desempenham no estado de coisas (state of affairs) designado pela predicação em que esses termos ocorrem. (ii) Funções sintáticas (sujeito e objeto): especificam a perspectiva segundo a qual o estado de coisas é apresentado na expressão lingüística. (iii) Funções pragmáticas (tema, tópico, foco, etc.): especificam o status informacional dos constituintes num conjunto comunicativo mais amplo em que ocorrem (ou seja, em relação à informação pragmática do emissor e do destinatário no momento do uso) Tais funções determinam aspectos cruciais relacionados ao conteúdo e à forma das expressões lingüísticas, pois especificam propriedades semânticas e formais dessas expressões. As funções semânticas estão relacionadas ao tipo de estado de coisas que as predicações designam. São eles: situação (estado ou posição) e evento (processo – dinamismo ou mudança e ação – atividade ou finalização). O autor apresenta os seguintes exemplos (DIK, 1997:114, v.1): a. Posição: João manteve seu dinheiro numa meia velha. SITUAÇÃO b. Estado: O dinheiro de João está numa meia velha. c. Dinamismo: O relógio estava batendo. EVENTO (Processo) d. Mudança: A maçã caiu da árvore. e. Atividade: João estava lendo um livro. EVENTO (ação) f. Realização (Accomplishment): João correu a maratona em três horas. Quadro 5: Tipos de estados de coisas Para que seja possível identificá-los, é necessário checar a existência dos seguintes parâmetros semânticos: [±dinâmico], [± télico], e [±controle]. Dik (1997) também menciona os parâmetros [±momentâneo] 41 e [± experiência] 42 . No entanto, segundo o autor, o 41 Parâmetro [+momentâneo] (ou pontual) Æ eventos sem duração, seu início e fim coincidem no mesmo ponto final, ou seja, ocupam apenas um ponto no tempo. Parâmetro [-momentâneo] Æ eventos que ocupam certo período de tempo, ou seja, há distinção entre os períodos/pontos inicial e final do evento. 67 parâmetro [± experiência] não tem impacto significativo na organização das línguas naturais e, por isso, não deve ser reconhecido como relevante para a distinção dos estados de coisas; e o parâmetro [±momentâneo] é considerado secundário em relação aos demais. A fim de esclarecer o papel dos parâmetros [± dinâmico], [± controle], e [± télico] no estado de coisas da predicação, apresenta-se o seguinte quadro (cf. DIK, 1997:105-119): PARÂMETRO S Definição Exemplos [-dinâmico]: o evento não envolve qualquer mudança; A substância estava ou seja, as entidades envolvidas permanecem as vermelha. / João estava mesmas em todos os pontos do intervalo de tempo em sentado na cadeira de seu que dura o estado de coisas, que pode ser denominado pai. “situação”. [± dinâmico] [± controle] [+dinâmico]: o evento envolve necessariamente algum tipo de dinamismo interno; este dinamismo consiste num padrão de mudanças ao longo da duração do estado de coisas ou numa mudança entre o ponto inicial e final do estado de coisas, que pode ser classificado como “evento” ou “ação”. A substância está avermelhando. João abriu a porta. [+controle]: este parâmetro define-se em referência ao João abriu a porta. primeiro argumento da predicação; ocorre quando esse João estava sentado no argumento representa a força que determina a jardim. existência do estado de coisas. [-controle]: refere-se ao primeiro argumento da predicação; ocorre quando este não determina a existência do estado de coisas. [± télico] O relógio está batendo. A substância ficou vermelha. / A árvore caiu. [+ télico]: ocorre quando o estado de coisas atinge um João estava pintando um ponto final. retrato. (há uma hora atrás) [- télico]: não é possível reconhecer um ponto final. João estava pintando. (um hábito) Quadro 6: Parâmetros [± dinâmico], [± controle], e [± télico] no estado de coisas da predicação. Um teste para distinguir entre [± momentâneo] é checar se o evento combina com verbos aspectuais, que sinalizam o começo, a continuação ou o final do evento. Exemplos: (a) Eles começaram/continuaram/terminaram de pintar o retrato (então, pintar = [-mom]) ≠ (b) Eles *começaram/continuaram/terminaram de alcançar o cume. (então, alcançar = [+mom]) Em alguns casos [+mom] combina-se com verbos aspectuais: (c) As bombas terminaram de explodir. (Bombas, no plural, levam algum tempo para terminar de explodir). 42 Uma experiência é um estado de coisas que algum ser animado percebe, sente, quer ou experimenta (DIK: 1997:115, v.1). Exemplo: João não acreditou na história. [+exp]. 68 A relação entre os estados de coisas e os parâmetros semânticos é demonstrada a seguir 43 (DIK, 1997: 115, v.1): Tipos de estados de coisas Situação [dinâmico] [controle] [télico] - Estado - - Posição - + Evento + Processo + - Dinamismo + - - Mudança + - + + + Atividade + + - Realização + + + Ação (accomplishment) Quadro 7: Relação entre estados de coisas da predicação e parâmetros semânticos Denominam-se funções semânticas nucleares (nuclear semantic functions) aquelas pertencentes aos argumentos da predicação nuclear. É possível perceber a distribuição das funções semânticas em predicadores de até três lugares com o seguinte esquema (DIK, 1997: 120, v.1): 43 [1] [2a] [2b] Agente Posicionador Força Paciente [Exp] Zero [Exp] Meta [Exp] Receptor [Exp] Localização Direção Origem/Fonte Referência Possibilidade de leitura dos parâmetros: “Em um tipo de estado de coisas “Situação”, “Estado” e “Posição” terão sempre o traço [-dinâmico] e serão diferenciados pelo traço controle ([-controle] > estado; e [+controle] > posição). O parâmetro [± télico] não é levado em conta para a distinção desse estado de coisas. 69 Segue abaixo a discriminação das funções semânticas nucleares mencionadas até então: Funções semânticas NUCLEARES Agente Posicionador Força DEFINIÇÃO EXEMPLOS Entidade que controla uma ação (atividade ou fato completado) João estava lendo um livro. Entidade que controla uma posição João manteve seu dinheiro na sua meia velha. Entidade não controladora que instiga um O terremoto moveu a rocha. processo (dinamismo ou mudança) Entidade que passa por um processo A rocha se moveu. Entidade primariamente envolvida num estado A xícara estava na mesa. Entidade afetada pela operação de um controlador (agente/posicionador) ou força João beijou Mary. Receptor ou destinatário Entidade que recebe algo por transferência João acenou para a multidão. Localização O lugar onde algo é localizado João aterrissou em Marte. Direção Entidade para a qual algo se move João viajou para Londres. Origem Entidade da qual algo se move (de Brasília) João saltou da mesa. Processado Zero (Ø) Meta Referência O segundo ou o terceiro termo de uma O menino lembra o pai. relação em referência ao qual a predicação se estabelece Quadro 8: Funções semânticas nucleares Dik (1997:120, v.1) faz as seguintes observações acerca do esquema que demonstra a relação entre lugares da predicação e funções semânticas: (a) Nos marcos predicativos nucleares nunca há mais de um exemplo de uma dada função semântica. (b) Em todos os marcos predicativos, o primeiro argumento tem uma das funções de [1]. (c) Em marcos predicativos de dois lugares, o segundo argumento tem uma das funções de [2a] ou [2b]. (d) Em marcos predicativos de três lugares, o segundo argumento tem alguma função de [2a], e o terceiro argumento uma das funções de [2b]. (e) Estados de coisas [-dinâmicos] são incompatíveis com funções semânticas que pressupõem movimento (Direção e Origem). 70 O autor comenta a possibilidade de inversão entre os segundo e terceiro argumentos de uma predicação de três lugares, fato relacionado à questão da perspectiva. Para tanto, recorre a exemplos com verbo dar. Demonstra que a concepção natural (“icônica”) é aquela em que o objeto se dirige a um destinatário, como em: “O homem deu um livro para o menino”. No entanto, a mudança do marco predicativo básico (basic predicate frame) ocorre na configuração da expressão lingüística em virtude da proeminência que se deseja atribuir ao receptor: “O homem deu ao menino um livro.”. Quanto às funções semânticas que podem ser atribuídas às funções sintáticas de sujeito e de objeto, Dik (1997:266, v.1) apresenta a seguinte hierarquia: Sujeito Objeto Agente Meta > > + Destinatário Beneficiário Instrumento Localização Tempo > > > > + + + + + + + + + + + + Quadro 9: Hierarquia das funções semânticas atribuídas às funções sintáticas sujeito e objeto Percebe-se que as funções semânticas centrais, mais comuns, se localizam à esquerda e as mais periféricas, à direita. É possível desenvolver uma hierarquia de funções semânticas em relação às funções sintáticas, de modo que se possam prever quais combinações de sujeito e de objeto podem ocorrer em uma língua. Por exemplo, em Inglês, segundo o autor, o quadro não estaria totalmente preenchido em relação às funções semânticas referentes ao sujeito, pois somente seria possível encontrar, com essa função sintática, as funções semânticas de agente, meta e receptor. Em Português, algumas funções semânticas expostas no quadro (agente, meta, instrumento, localização e tempo) podem ser exercidas, a depender do contexto, pelo termo com função sintática de sujeito 44 . As funções pragmáticas especificam o status informacional dos constituintes do marco predicativo em relação a um conjunto comunicativo mais amplo no qual aqueles estão inseridos, ou seja, em relação àquilo que o emissor presume ser a informação pragmática do 44 Eis alguns exemplos: (i) sujeito agente (O pai deu um carro à filha.); (ii) sujeito meta (Um carro foi-lhe dado pelo pai.); (iii) sujeito instrumento (A chave abriu a porta.); (iv) localização (O Rio tem muitas praias.); (v) tempo (Três horas passam rapidamente.). 71 destinatário. Podem ser relacionadas à topicalidade (topicality) ou à focalidade (focality), pertencentes ao domínio interno de cláusula (intra-clausal pragmatic functions) 45 . A topicalidade refere-se ao status das entidades sobre as quais a informação é dada ou requisitada no discurso. A focalidade, por sua vez, refere-se ao conteúdo informacional mais importante ou saliente de toda a informação do evento comunicativo. São manejadas de acordo com o efeito que o emissor deseja causar na informação pragmática do destinatário e de acordo com o desenrolar futuro do discurso. Dik (1997), para esclarecer a diferença entre as duas, usa a metáfora de uma cena de teatro como representação de uma situação comunicativa. Os participantes da cena constituiriam a topicalidade, enquanto a ação seria representada pela focalidade. Essas duas dimensões da organização discursiva podem sobrepor-se, e alguns elementos tópicos podem vir a ser considerados focais (novos) para a comunicação. A informação focal de uma expressão lingüística é aquela considerada, pelo emissor, essencial para ser integrada à informação pragmática do destinatário. Geralmente, essa informação é nova para o destinatário, mas nem sempre isto ocorre; pode também já pertencer a seu conhecimento. Neste caso, o emissor a torna foco por desejar ressaltá-la de forma especial. Segundo Dik (1997:313, v.1), em geral, um elemento que se torna tópico ou foco pode passar por alguns “tratamentos especiais”, tais como: (i) receber uma nova forma, (ii) receber uma marcação para sinalizar sua função pragmática, (iii) passar a ter uma posição especial na oração, (iv) passar a ter um contorno prosódico diferente, e (v) gerar a seleção de uma construção de tipo especial. 3.1.2 O fenômeno de gramaticalização O fenômeno de gramaticalização (HEINE et alii, 1991) é considerado um processo de transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou de itens gramaticais a itens ainda mais gramaticais 46 . As formas lingüísticas somente passam por essa mudança 45 Qualquer língua natural pode conter também funções pragmáticas pertencentes ao domínio externo de cláusula. DIK (1997:311 v.1) apresenta alguns exemplos, tais como: (i) um introdutor de fala (Bem, daremos início à seção.), (ii) um tema (Chocolate, eu adoro comer bombons!) e (iii) um vocativo (João, venha pegar seu presente.). 46 Outras obras, como Hopper e Traugott (1993:4), compartilham da mesma visão de “gramaticalização”: quando uma palavra de conteúdo (content word) assume características gramaticais de uma palavra funcional (function word), a forma é conhecida como “gramaticalizada”. 72 categorial, adquirindo novos usos e funções, em decorrência de necessidades encontradas em vários contextos discursivos; ou seja, é a comunicação a principal motivação do processo 47 . Portanto, sua análise dá-se com base na visão funcionalista de linguagem, levando em conta a não-arbitrariedade dos signos lingüísticos, os participantes da situação comunicativa e suas intenções ao utilizarem esses signos. Para uma explicação mais completa do comportamento das formas lingüísticas que passam pelo processo de gramaticalização, uma análise pancrônica dos dados é bastante adequada, uma vez que não só propicia informações sobre suas extensões de uso/sentido em um determinado período no tempo (sincrônico), mas também procura justificar a existência e o desenrolar desse processo, pela investigação, com base no confronto de manifestações lingüísticas ao longo de períodos de tempo, da trajetória que leva formas lingüísticas a desenvolver tais extensões. O surgimento de categorias (mais) gramaticais é unidirecional 48 (parâmetro da unidirecionalidade – unidirectionality), ou seja, somente é possível a transformação de itens menos gramaticais em itens mais gramaticais, mas o contrário não ocorre. Desse modo, as formas lingüísticas de sentido mais concreto/lexical (facilmente acessíveis e delineáveis) passam a expressar conceitos mais abstratos/gramaticais e não vice-versa. Heine et alii (1991) ressaltam a seguinte frase de Givón: “A morfologia de hoje é a sintaxe de ontem”. Este lingüista defendeu que, no processo de gramaticalização, estruturas do discurso se desenvolvem em estruturas sintáticas fechadas (discurso > sintaxe > morfologia > morfofonemas > zero). Os autores parafrasearam a frase de Givón ao criarem a seguinte sentença: “A sintaxe de hoje é o discurso pragmático de amanhã”, referindo-se aos itens lexicais que poderão transformar-se em itens gramaticais e adquirir novas funções discursivas. O termo cadeia de gramaticalização (grammaticalization chain) é usado por Heine et alii (1991) ao mencionarem o que acontece no percurso de um lexema para uma forma 47 Hopper e Traugott (1993:66) comentam que (...) o processo de gramaticalização (e a mudança lingüística em geral) é motivado pelas interações entre falantes e ouvintes, além de estratégias comunicativas (...). 48 Esta dissertação, ao tratar da unidirecionalidade, baseia-se em Haspelmath (2002). Segundo o autor, “a unidirecionalidade na gramaticalização é a restrição mais importante na mudança morfossintática” e “a maioria dos casos de “desgramaticalização” que são apresentados na literatura não constituem um movimento reverso à gramaticalização (ou a “antigramaticalização”), mas outra coisa qualquer.”. (Ibidem, p.17). Em seu artigo, o autor apresenta casos raros de desgramaticalização (o oposto à gramaticalização que apresenta unidirecionalidade) e afirma que “A generalização básica continua intocável, visto que ninguém demonstra que a desgramamaticalização é tão comum quanto a gramaticalização” (Ibidem, p.23). 73 gramatical (por exemplo, a natureza do processo que leva um verbo ou auxiliar a se transformar em um morfema). Nesse processo de transição sempre ocorre a superposição (overlaping) – um estágio no qual a forma fonte e a forma alvo coexistem como variantes 49 . Isso demonstra que o encadeamento conceptual precede o encadeamento morfossintático 50 . Ademais, os itens, para passarem de sua forma mais lexical (ou ± gramatical) para sua forma mais gramatical, em um dado momento da trajetória, acabam compartilhando características semânticas e/ou morfossintáticas desses dois extremos, produzindo formas que “flutuam” no continuum de gramaticalização, formas de natureza híbrida 51 , o que faz com que esse processo também se caracterize por ocorrer através de um continuum (“Gramaticalização é um continuum evolucional” (HEINE et alii, 1991:16)) 52 . DOMÍNIO I A B DOMÍNIO II ... Y Z Figura 4: A estrutura de cadeias de gramaticalização (HEINE et alii, 1991:16) 49 cf. pág.:85 – princípio de estratificação (layring) 50 cf. pág.: 84 – parâmetro assimetria entre forma e significado (form and meaning asymetry) 51 cf. pág. 85 – princípio de persistência (persistence) 52 Na seção 5, encontra-se uma cadeia de gramaticalização desenvolvida com base nas categorias funcionais de dar encontradas no corpus. 74 As principais características do diagrama são: (i) as categorias são definidas em função de suas semelhanças em relação às categorias localizadas nos extremos da cadeia 53 (sentidos A e Z do diagrama 54 ). São denominadas, por isso, categorias de semelhança familiar 55 (family resemblance categories). (ii) qualquer sentido encontrado na cadeia pode ser definido em relação aos seus extremos: quanto mais perto estiver do sentido de A, menos gramaticalizada será a forma; e quanto mais próxima de Z, mais gramaticalizado tornar-se-á o elemento. (iii) diferentes sentidos também podem ser definidos em relação a outros: uma forma que está à esquerda é menos gramaticalizada do que outra à direita. Quanto mais perto essas formas estiverem uma da outra, menor será a diferença entre os níveis de gramaticalização aos quais pertencem e, portanto, mais semelhança terão em seus significados. Portanto, B é menos gramaticalizado do que Y, já que está à sua esquerda. (iv) quanto mais distantes entre si forem os dois sentidos ao longo da cadeia, maior a probabilidade de pertencerem a domínios cognitivos diferentes. Logo, A e B pertencem a um domínio diferente daquele no qual Y e Z estão inseridos. Heine et alii (1991:225) ainda comentam que as cadeias de gramaticalização são semelhantes a categorias radiais e esclarecem esse termo com o seguinte trecho que exemplifica o que ocorre com as preposições: Para cada preposição, reconhecemos um sentido central ou prototípico. O sentido prototípico, em vez de ser altamente geral, possui uma configuração muito específica. A polissemia ocorre quando a preposição é usada em um sentido que é aproximado, mas distinto do exemplo prototípico. (...) Os vários sentidos da palavra, então, irradiam do protótipo central, como aros de uma roda. Sentidos periféricos podem ter algo em relação a outros ou em relação ao central (...) (TAYLOR, 1988:301 apud HEINE, 1991) Cada exemplo de gramaticalização pode ser visto, então, como a violação do princípio “uma função, uma forma” (one function, one form principle). A polissemia, portanto, é uma 53 Uma explicação mais detalhada do processo de categorização encontra-se na abordagem de Taylor (1995), apresentada mais adiante nesta seção. 54 55 Essas categorias pertencem a estágios de gramaticalização diferentes, já que Z é a forma gramaticalizada de A. HEINE et alii (1991:227) afirmam que as cadeias de gramaticalização possuem todas as características das categorias de semelhança familiar. A noção de “semelhança familiar” advém do fato de que cada item da cadeia de gramaticalização, na verdade, é composto de elementos comuns a outro(s) item(s), consistindo em um conjunto de itens de forma AB, BC, CD, DE. 75 característica das cadeias de gramaticalização e constitui um dos resultados típicos deste fenômeno. De acordo com Taylor (1995), o processo de categorização lingüística é uma atividade cognitiva fundamental. A língua, por ser uma criação da cognição humana e um instrumento a seu serviço, reflete, em sua estrutura e funcionamento, uma das mais importantes habilidades, a de categorizar. As entidades são categorizadas com base em seus atributos. Estes são propriedades de entidades do mundo real facilmente acessíveis aos usuários da língua. Não são necessariamente relacionados às propriedades intrínsecas do objeto/termo, mas ao papel que o objeto/termo desempenha em uma cultura particular. Além disso, nenhum único atributo é essencial para definir determinada categoria, mas um conjunto de determinados atributos torna uma categoria prototípica, ou seja, uma categoria de nível básico, cujos membros, os protótipos, geralmente possuem alto nível de freqüência e são mais salientes cognitiva e lingüisticamente do que os demais. Em outras palavras, é possível encontrar membros de uma categoria que possuem alguns atributos compartilhados e haver categorias cujos membros não possuem determinado atributo em comum. Por isso, para distingui-las, é necessário enfocar os protótipos, já que, quanto mais próximo do protótipo, mais central é o status da entidade na categoria. Portanto, é possível afirmar que categorizar implica encontrar similaridade na diversidade, o que lida com conceitos psicológicos bastante complexos, graduais e subjetivos. Algumas características importantes de uma categoria prototípica são: (i) o fato de seus membros centrais compartilharem um grande número de atributos e (ii) o fato de as categorias prototípicas permitirem associações às entidades que compartilham poucos atributos com os membros mais centrais, o que faz com que elas tenham flexibilidade. Além disso, uma categoria prototípica: (a) maximiza o número de atributos compartilhados pelos membros da categoria; e (b) minimiza o número de atributos compartilhados com os membros de outras categorias. (ROSCH, 1975c apud TAYLOR, 1995:51) Taylor (1995:196) ressalta o papel do critério semântico para a categorização gramatical: Os critérios semânticos certamente desempenham um papel em qualquer definição de classe de palavras (...). Isso não significa afirmar que todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente partilham um conteúdo semântico comum. (Mas nem todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente partilham as mesmas propriedades sintáticas). (...) As categorias gramaticais possuem uma estrutura prototípica, com membros centrais partilhando uma gama de 76 atributos semânticos e sintáticos. O fato de um item não exibir alguns desses atributos não impossibilita a associação. Pode-se perceber, portanto, que a observação do comportamento semântico das entidades é um dos aspectos necessários para a delimitação das categorias. No processo de categorização, levam-se em conta as diferenças entre monossemia e polissemia, entre homonímia e polissemia e entre metáfora e metonímia. Um item lexical monossêmico possui um significado único, enquanto o polissêmico possui dois ou mais significados inter-relacionados associados à sua forma lingüística. Em geral, pertencem a domínios distintos e não necessariamente à mesma categoria sintática. Assim como os limites entre monossemia e polissemia são tênues, a fronteira entre homonímia e polissemia é complexa para se delinear. A homonímia ocorre quando uma mesma forma lingüística possui significados não-relacionados e pertencem a categorias sintáticas distintas. Geralmente, origina-se pelo afastamento dos significados de uma palavra polissêmica o qual os torna não-relacionados e pelo fato de algumas palavras distintas fonológica e semanticamente, com o passar do tempo, tornarem-se idênticas fonologicamente devido a mudanças fonéticas. Os significados de um item polissêmico, por sua vez, configuram uma rede complexa de usos relacionados que gera, por extensão de significados, as chamadas categorias de semelhança familiar (family resemblance categories). Estas categorias são estruturadas analogamente a categorias radiais; ou seja, a partir do item com significado central da categoria, ocorrem metáforas que produzem outros itens com significados periféricos (cf. TAYLOR, 1988:301 apud HEINE, 1991). O item central é o membro com o qual todos os outros estão relacionados e o grau de centralidade de um membro está relacionado com sua produtividade; quanto mais produtivo, mais próximo do centro. Para atribuir conceitos para os quais não há qualquer designação prévia ou para os quais novas designações são necessárias, os falantes, além de inventar signos arbitrariamente, fazer empréstimos lexicais de outras línguas ou criar expressões com o recurso da onomatopéia, utilizam, com bastante freqüência, duas estratégias: (i) compõem novas expressões a partir de formas gramaticais e lexicais já existentes, enriquecendo o inventário lexical da língua e (ii) estendem o uso de formas já existentes para a expressão de novos conceitos, o que inclui um processo de analogia que aplica (separadamente ou não) as noções de transferência, metonímia ou metáfora. Esta estratégia serve não só à introdução de novos lexemas, mas também configura um meio primário de criar expressões gramaticais. 77 Segundo Taylor (1995), a metonímia é tradicionalmente uma figura de linguagem pela qual o nome de uma entidade “e1” é usado para se referir a outra entidade “e2” que está contígua a “e1”. Tal mecanismo somente é possível pela função de referência (referring function) que permite que o nome do produtor se refira ao produto ou que a parte se refira ao todo. Além disso, qualquer manifestação da função de referência necessita ser sancionada por um conjunto de conhecimentos e crenças pressupostos culturalmente. Dessa forma, a metonímia somente acontece quando há possibilidade de conexão entre entidades que coocorrem em uma dada estrutura conceptual. O autor, então, com uma visão mais ampla desse conceito, afirma que as entidades participantes não são necessariamente contíguas no sentido espacial, nem que a metonímia é um ato restrito de referência. Essa nova perspectiva, considera a metonímia o mais fundamental processo de extensão de significado, possivelmente mais básico até mesmo do que a metáfora. Esta, por sua vez, é considerada o meio pelo qual as áreas da experiência mais abstratas e inteligíveis podem ser conceptualizadas de forma mais concreta e familiar. É, portanto, motivada pela busca por entendimento de um determinado domínio cognitivo através dos componentes de outro domínio cognitivo, que pode ser associado ao primeiro. A fim de prover mais detalhes sobre o processo de gramaticalização, Heine et alii (1991:29) citam três aspectos básicos de sua ocorrência que podem diferenciá-lo de outros fenômenos semelhantes: 1. (...) os conceitos de formação e de designação de vocábulos são diferentes, no processo de gramaticalização o primeiro precede o segundo; 2. (...) o uso de um dado termo lingüístico para um conceito novo envolve um processo de transferência conceptual pelo qual dois conceitos diferentes são metaforicamente equiparados e o termo usado para um deles, denominado conceito fonte, é estendido para se referir a outro, denominado conceito alvo; 3. (...) o processo de transferência conceptual caracteriza-se por ser um ato criativo. A figura seguinte apresenta o modo como o processo de transferência conceptual se relaciona com a estrutura lingüística. Percebe-se a necessidade de representar uma dada função gramatical (Função 1), pertencente ao discurso, através de uma forma lexical. Esta assimila um status gramatical (Forma Gramaticalizada 1). Em seguida, pode surgir ainda outra função mais abstrata (Função 2), que será desempenhada pela forma gramaticalizada 1. Esta, por sua vez, com o avanço do processo de gramaticalização, passará à forma gramaticalizada 2. 78 Significado Lexical Forma Lexical Função 1 Forma Gramaticalizada 1 Função 2 Forma Gramaticalizada 2 Figura 5: Um cenário de gramaticalização como meio de resolução de um problema (HEINE et alii, 1991:29) A transferência conceptual, à qual o autor se refere na citação, promove a interação entre dois domínios envolvidos, em geral um domínio fonte (concreto, tipicamente lexical) e um domínio alvo (abstrato, gramatical). Os autores denominam criatividade a capacidade de realizar essas transições, de caráter unidirecional. Além disso, afirmam: “Criatividade requer que os falantes manipulem contextos e conceitos de uma forma que seja inteligível e adotada pela comunidade de fala” (HEINE et alii, 1991:93). Tal consideração corrobora a constatação de que o desenvolvimento de estruturas gramaticais é motivado por necessidades comunicativas ou pela presença de conteúdos cognitivos para os quais não há qualquer designação lingüística adequada. No processo de cognição, a formação de estruturas gramaticais pressupõe a presença de estruturas cognitivas conhecidas como “conceitos básicos” (source concepts), cujo papel é servir de fonte ou de input para gramaticalização. Lingüisticamente, tais estruturas são tratadas como lexemas. Referem-se, em geral, a algumas das experiências humanas mais básicas (indicam tipicamente estado físico, comportamento) e são usadas na exposição do pensamento humano e em situações de comunicação. Verbos que demonstram estado físico, como sentar, levantar e deitar, e verbos auxiliares 56 são freqüentes e fontes muito comuns de gramaticalização. São, portanto, considerados conceitos básicos. No entanto, Heine et alii (1991) esclarecem que as categorias do nível subordinado (verbos usados em subordinação) raramente designam tais conceitos. A abstração metafórica 57 (metaphorical abstraction), que faz parte do processo de transferência conceptual, revela o modo como os usuários da língua entendem o mundo e o 56 Heine et alii apresentam os seguintes itens como exemplos de verbos auxiliares: ter (have), ser, estar (be), dar (give), e fazer (make). 57 Entende-se que a metáfora (HOPPER e TRAGOTT, 1993:77) envolve “a transferência do significado básico, concreto, para um mais abstrato. Os processos metafóricos são processos de inferência que passam por fronteiras conceptuais e (...) tipicamente são representados por “mapeamentos” e “saltos associativos”, de um domínio para o outro”. Além disso, a transferência metafórica “envolve a especificação de uma coisa mais complexa em termos de outra que não está presente no contexto (cf. p. 87)”. 79 conceituam, já que relaciona dois domínios (um concreto e outro abstrato) da experiência humana. Há, portanto, uma relação entre referencialidade e abstração no discurso. Os objetos que se referem a algo, que designam algum ser no mundo biossocial são menos abstratos do que aqueles que possuem baixo grau de referencialidade. Lingüisticamente, há dois tipos principais de abstração metafórica: (i) a abstração que preserva a estrutura (structurepreserving abstraction), que não afeta o status categorial das entidades envolvidas, e (ii) a abstração que muda a estrutura (structure-changing abstraction), que leva a alguma transformação lingüística de um tipo de constituinte para outro. Tanto a metáfora quanto a metonímia são aspectos complementares necessários ao processo de gramaticalização. Segundo Heine et alii (1991:48), “a metáfora (...) é interpretada como uma estratégia cognitiva que nos ajuda a entender, mas não explicar a gramaticalização ou o comportamento gramatical”. Segundo Hopper e Traugott (1993:87), a mudança metonímica “envolve a especificação de um significado em termos de outro que está presente no contexto”. Além disso: [...] enquanto a metáfora é usada primariamente para resolver o problema de representação, a metonímia e lexicalização de significados conversacionais são usados para resolver problemas relacionados à expressão de atitudes do falante (...) a inferência metonímica e a metafórica são complementares, não se excluem mutuamente, são processos do nível pragmático que resultam de duplos mecanismos de reanálise, ligada ao processo cognitivo de metonímia, e de analogia, ligada ao processo cognitivo da metáfora. Heine et alii (1991) esclarecem que os tipos de metáforas aplicadas na formação do léxico não são as mesmas usadas na produção de categorias gramaticais. Somente as metáforas experimentais (experimential metaphores) são envolvidas na gramaticalização, pois se verificam na transferência de um significado mais concreto para um mais abstrato, em uma trajetória unidirecional, o que nem sempre ocorre no desenvolvimento do léxico. Mencionam, ainda, a existência de dois tipos de metáforas – a criativa (creative) e a emergente (emerging), que se diferenciam em suas origens. A primeira ocorre quando uma nova expressão é formada e contém uma predicação falsa, envolvendo a violação de regras semânticas (por exemplo, um átomo é um sistema solar 58 – metáfora, segundo Heine et alii (1991), criada por Rutherford e Nichols Bohr, no âmbito da física). Por outro lado, a segunda, observada no processo de gramaticalização, não forma novas expressões, mas se constrói com base em predicações já existentes que são, por sua vez, introduzidas em novos contextos e aplicadas a novas situações, gerando extensões de significado (por exemplo, a expressão dar sermão em O 58 Holfman (1982:8) apud Heine et alii (1991:60) 80 professor deu um sermão na turma, em que sermão apresenta uma extensão do significado básico de discurso religioso para repreensão.). Dessa forma, as metáforas emergentes são motivadas pragmaticamente. A seguinte escala de graus de abstração metafórica foi elaborada por Heine et alii (1991: 48): PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE As categorias da escala representam entidades prototípicas. Cada uma inclui uma variedade de conceitos de natureza perceptual ou lingüística e pode ser vista como a representação de um domínio de conceptualização importante para estruturar experiência. A relação entre elas é metafórica por natureza; ou seja, cada uma delas pode servir para conceituar outra categoria à sua direita, e, portanto, a escala segue da categoria mais concreta (pessoa) para a mais abstrata (qualidade). Vale ressaltar que a mudança de uma categoria para outra não se dá de forma automática; pelo contrário, tal processo é gradual, dá-se em um continuum. Esses domínios conceituais distintos relacionam-se por meio de compreensão metonímica, gerando entidades intermediárias que poderão ser identificadas em diferentes contextos. Segundo os autores, a metonímia ocorre por manipulação pragmático-discursiva em que os conceitos se sujeitam a fatos contextuais para que sejam (re)interpretados. Este processo é tratado como “reinterpretação induzida pelo contexto” (context-induced reinterpretation). A representação abaixo refere-se à estrutura em comum dos componentes metonímicos e metafóricos da gramaticalização: A Æ A, B Æ B (cf. p. 74) É possível perceber que, na transição da entidade conceitual A para B, há um estágio intermediário (A, B), em que tais domínios coexistem lado a lado. A ocorrência desse estágio intermediário é responsável, na estrutura da língua, por alguns tipos de ambigüidades ou por variação livre. Em suma, a transferência metafórica de um domínio a outro não envolve mudança de sentido, apenas extensão, enquanto, na atividade metonímica, ocorre uma “ressemantização” na qual o sentido fonte perde certas propriedades e o sentido alvo assimila outras. Retoma-se, então, a importância dessas duas atividades cognitivas: (...) ambas metáfora e metonímia são parte e parcela de um mesmo processo, gramaticalização, embora no caso de uma função gramatical particular uma delas pode ser mais proeminente do que a outra. (HEINE et alii, 1991: 74) 81 Os autores propõem, inicialmente, o seguinte diagrama que revela uma rede conceitual de gramaticalização (Heine et alii, 1991: 99): A C B D E F Figura 6: Uma rede conceptual de gramaticalização As letras B, C, D, E e F devem ser interpretadas como unidades lingüísticas que passam pelo processo de gramaticalização e são derivadas da letra fonte A. Antes de dar prosseguimento à interpretação do esquema, algumas de suas características principais são apresentadas: a) A rede de gramaticalização pode ser descrita por um modelo de divergência que pode ser graficamente exposto em forma de diagrama arbóreo. b) Vários sentidos são conectados uns com os outros por meio de linhas de mudanças conceptuais (conceptual shifts). c) Esta mudança é unidirecional e procede do sentido “mais concreto”, no topo, para os “mais abstratos”, na base. d) O item A, mais alto do topo, é tipicamente, mas não obrigatoriamente, uma unidade lexical. (HEINE et alii, 1991:98) A rede de gramaticalização proposta tem seu processo iniciado com uma expressão A, cujo sentido focal/central (focal/core sense) 59 pode gerar um conjunto de implicaturas, sentidos que dependem do contexto. Cada uma dessas implicaturas desenvolve-se em um outro sentido, e o próximo item desenvolvido adquire seu próprio conjunto de implicaturas. De acordo com tal perspectiva, o item B deve ser considerado como uma implicatura de A, o que ocorre sucessivamente com os demais itens. Heine et alii (1991) chegaram à conclusão de que o processo de gramaticalização envolve uma “macroestrutura”, de natureza psicológica, e uma “microestrutura”, de natureza pragmática. A primeira abarca domínios cognitivos e as relações existentes entre eles (como “similaridade” e “analogia”), e a metáfora é a estratégia principal para interligar esses domínios de forma discreta. A segunda, por outro lado, refere-se ao contexto e à sua 59 O termo focal ou central refere-se ao sentido mais primário, denotativo, o mais freqüente da expressão lingüística. Por isso, é, em geral, o primeiro usado por falantes nativos nas traduções e apresenta poucas restrições contextuais. (cf. p. 100) 82 manipulação, que gera uma reinterpretação induzida pelo contexto (context-induced interpretation), pela qual as implicaturas conversacionais são transformadas em sentidos “focais”, um processo de natureza metonímica que ocorre por extensão conceptual gradual. Para ilustrar melhor o processo de gramaticalização no nível da macroestrutura, os autores criaram outro diagrama, pois passaram a alegar que o esquema anterior, apesar de levar em conta a divergência de sentidos, não considera a atividade de convergência cognitiva, através da qual os conceitos poderiam fundir-se (“(...) os conceitos não somente se dividem, mas também se fundem” (Heine et alii, 1991:108)). Neste esquema, o significado de uma entidade gramatical não é determinado apenas por seu sentido focal, mas também por outros sentidos não focais; por isso, as letras maiúsculas representam os sentidos focais, enquanto as minúsculas os sentidos não focais. Observa-se também a presença de um domínio (aBc) que perpassa o caminho da transferência de uma entidade conceptual (xAb) a outra (bCd), demonstrando que níveis intermediários do processo podem coexistir com os domínios fonte e alvo, menos e mais gramaticalizados, respectivamente: xYz xAb aBc bCd yXa bDc Figura 7: Macroestrutura conceptual da gramaticalização (Heine et alii, 1991:108) 83 A microestrutura e a macroestrutura representam, portanto, duas forças envolvidas no processo de gramaticalização e podem ser ilustradas com o seguinte esquema (HEINE et alii, 1991:114): X xa → A ab → bc → C Domínio II Domínio I → reinterpretação contextualmente induzida (metonímia) B transferência metafórica Figura 8: O modelo metonímico-metafórico O diagrama anterior revela que, através da reinterpretação contextualmente induzida, desenvolvem-se domínios intermediários (xa, ab, e bc) que não mais coexistem à medida que as extensões de sentido do domínio-fonte são completamente formadas. Hopper & Traugott (1993:6) também afirmam que, do ponto de vista da mudança, as formas não mudam abruptamente de uma categoria para outra, mas passam por uma série de transições graduais. Comentam, então, o conceito de cline (trajetória), “uma trajetória natural pela qual as formas evoluem (...)”.Apresentam uma trajetória de gramaticalização (cline of grammaticality) do seguinte tipo: Item lexical (content item) > palavra gramatical (grammatical word) > clítico (clitic) > afixo (inflectional affix) O componente mais à esquerda da trajetória descrita anteriormente é de natureza lexical e move-se em direção a estágios que o tornarão um elemento mais sintático (palavra gramatical, clítico) e, finalmente, morfológico (afixo). Cada item à direita é mais claramente gramatical e menos lexical do que o da esquerda. Eis alguns parâmetros (cf. Heine et alii, 1991:212) que podem servir como guia para caracterizar o desenvolvimento do processo de gramaticalização em uma forma lingüística: 84 (i) a manipulação conceitual (conceptual manipulation) — ocorre a alteração do significado da forma-fonte; (ii) a dessemantização (dessemanticization) — refere-se à perda de conteúdo semântico que ocorre no item gramaticalizado; (iii) a assimetria entre forma e significado (the form and meaning asymetry) — a forma fonte nem sempre desaparece após o surgimento das formas gramaticalizadas, o que leva, sincronicamente, ao desenvolvimento da polissemia do termo, já que uma forma terá um significado mais lexical ou menos gramatical e, outro(s) mais gramatical(is), infringindo o princípio de iconicidade (cf. 3.1). Este parâmetro é correlato a outro, ao de extensão, que ocorre quando o item gramaticalizado adquire novos significados, se generaliza, ao ser inserido em novos contextos; (iv) a decategorização (decategorialization) — os itens gramaticalizados passam pela transferência categorial, deixando de ser modificados por processos morfossintáticos da categoria de origem 60 ; (v) a perda de autonomia (loss of autonomy) — as formas, após decategorização, perdem sua autonomia morfossintática e começam a ficar dependentes de outras palavras vizinhas; (vi) a erosão (erosion) — ocorre a perda de material fonético e morfossintático, o que gera redução da forma e dependência em relação às formas vizinhas (uma das causas da perda de autonomia); e (vii) recategorização (recategorialization) — restaura-se a iconicidade entre forma e significado, já que as formas híbridas adquirem função específica. Um mecanismo que é conseqüência da manipulação conceptual e que freqüentemente ocorre no processo de gramaticalização é a reanálise (reanalysis). Heine et alii (1991) interpretam este termo como “reformulação sintático-semântica” (“syntatic/semantic reformulation”, termo, segundo os autores, usado por Langacker (1977:79)). Essa reformulação é de natureza interna e constitui uma mudança de fronteiras em que uma forma lingüística passa por perda de fronteiras e criação de outras. 61 O tipo mais recorrente de 60 61 Cf. princípio de Hopper (1991) também conhecido por “decategorização” (de-categorization). Um exemplo de reanálise em inglês ocorre na passagem do “be going (to...)” indicando intenção ([I am going to[marry Bill]] – (Eu irei (≅ tenho a intenção de) [casar] com Bill), para o auxiliar de futuro “be going to” ([I am going to marry Bill]) – ( Eu [irei casar] com Bill (≅ação futura)). Os colchetes demonstram as mudanças ocorridas quanto às fronteiras das estruturas devido a esse processo. 85 reanálise, segundo Hopper & Traugott (1993), é a fusão de duas ou mais formas (entre palavras ou entre morfemas e palavras). Deve-se ressaltar, contudo, que nem todos os casos de reanálise resultam do processo de gramaticalização; ou seja, nem todas as novas formas são conseqüência da passagem de um item lexical a um item mais gramatical. Heine et alii (1991) ainda resumem alguns fatos que ocorrem com formas lingüísticas e que são diretamente proporcionais ao avanço do processo de gramaticalização: (i) a perda de complexidade semântica, (ii) a perda de significado pragmático e o ganho de significado sintático, (iii) a redução do número de membros pertencentes ao mesmo paradigma morfossintático, (iv) a posição cada vez mais fixa na oração, já que sua variabilidade sintática diminui, (v) o uso obrigatório em certos contextos e agramatical em outros, (vi) a possibilidade maior de união, de natureza semântica, morfossintática e fonológica, com outras unidades, e (vii) a perda em substância fonética. Hopper (1991), à semelhança de Heine et alii (1991), já havia desenvolvido cinco princípios aplicados ao processo de gramaticalização, que contribuem bastante para detectar os primeiros estágios desse fenômeno: (i) estratificação (layring) — em um mesmo domínio funcional, novas formas podem emergir e coexistir com as antigas, que não param necessariamente de ser produzidas; (ii) divergência (divergence) — a forma gramaticalizada pode preservar sua forma lexical de origem, apesar de, dependendo do contexto, vir a pertencer a diferentes categorias (mais ou menos gramaticais); pode-se vinculá-lo ao princípio de extensão descrito por HEINE et alii (1991); (iii) especialização (specialization) — a forma gramaticalizada sofre um estreitamento de suas funções, ou seja, passa a ter um número reduzido de funções, em comparação com a quantidade de funções da forma lexical de origem; (iv) persistência (persistence) — a forma gramaticalizada, assim que o processo ocorre, carrega traços de seu significado original, fato que gera a formação de estruturas híbridas, que compartilham características da forma-fonte e da forma-alvo, no enfoque de Heine et alii (1991); (v) decategorização (de-categorization) — a forma gramaticalizada tende a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os privilégios sintáticos característicos da categoria de origem e assumir características das categorias de destino (cf. HEINE et alii, 1991:213) 86 Outro aspecto que pode interferir no processo de gramaticalização é o papel da freqüência das entidades pertencentes às categorias do continuum. O trabalho desenvolvido por Bybee e Pagliuca (1985), segundo o qual há uma relação entre freqüência de uso e gramaticalização, também é mencionado por Heine et alii (1991). Aqueles autores também ressaltam a extensão metafórica como uma característica subjacente à gramaticalização, já que as formas gramaticalizadas “servem para expressar funções gramaticais que em si mesmas são necessariamente abstratas” (BYBEE e PAGLIUCA 1985:72 apud HEINE et alii, 1991). Em Bybee (2003), o autor afirma que a freqüência não é apenas resultado da gramaticalização, pois pode ser considerada motivadora do processo. Através do uso, há enfraquecimento semântico (bleaching) ou generalização dos itens que passam pelo processo de gramaticalização. Estes passam a ter significados mais gerais e abstratos, o que gera o aumento de freqüência de tais elementos. Considera-se o hábito como o mecanismo que está por trás do esvaziamento semântico: “um estímulo perde seu impacto se ocorre muito freqüentemente” (BYBEE, 2003:605). A ênfase dada ao papel da freqüência é tanta que o autor elabora um novo ponto de vista sobre a gramaticalização – “um processo pelo qual uma seqüência de palavras ou morfemas freqüentemente usados se tornam automáticos como uma única unidade de processamento” (BYBEE, 2003:603). Afirma que a freqüência é responsável por: (i) levar ao enfraquecimento da força semântica pelo hábito: com o hábito o organismo pára de responder o estímulo repetido da mesma forma; (ii) interferir na redução e na fusão fonológica com a repetição, condicionadas pelo uso da construção em sentenças contendo informação velha ou de fundo; (iii) condicionar uma autonomia maior para a construção, ou seja, seus componentes individuais perdem ou enfraquecem suas associações com outros usos dos mesmos itens; (iv) gerar a perda de transparência semântica que, por sua vez, leva ao uso da construção em novos contextos, com novas associações, estabelecendo mudança semântica; (v) fazer com que o sintagma freqüente e autônomo passe a ser mais “penetrado” (entrenched) na língua, preservando características morfossintáticas antigas. (BYBEE, 2003:604) Segundo o autor, é possível investigar dois tipos de freqüência: a de ocorrência (token frequency) e a de tipo (type frequency). A primeira refere-se à produtividade da unidade, geralmente palavra ou morfema no texto (por exemplo, a quantidade de dar ao pertencer a diferentes categorias), enquanto a segunda indica a quantidade de um tipo de estrutura em 87 particular (por exemplo, o tipo, predicante ou não predicante, do SN que se vincula ao verbo nas construções dar + SN). Para concluir a presente seção, apresentam-se, nas palavras de Travaglia (2003:321), duas justificativas que levam à pesquisa sobre gramaticalização de verbos: 1ª: é preciso saber que nem todos os verbos têm os valores, usos e funções próprios da classe dos verbos e dos itens lexicais; 2ª: em conseqüência, a atenção aos verbos gramaticais e em processo de gramaticalização e a pesquisa sobre os mesmos é muito importante, quando se quer realizar estudos sobre o funcionamento textual-discursivo dos verbos, pois, certamente, tais verbos têm papéis bastante diversos daqueles verbos que chamamos de lexicais. 3.2 Sociofuncionalismo: a conjugação de duas abordagens A Sociolingüística Variacionista é mais uma vertente de estudos lingüísticos que concebe a língua como meio pelo qual seus usuários mantêm relações sociais, interacionais. Esta concepção de língua e a importância de analisá-la em um contexto de interação consistem no principal ponto de interseção entre Sociolingüística e Funcionalismo, o qual permite a realização de estudos que se fundamentem na conjugação de pressupostos das duas abordagens. Tavares (2003:98) afirma que o sociofuncionalismo “toma a variação lingüística do ponto de vista da função discursiva e a explica com base em princípios funcionais”. Trata-se aqui de aspectos dessas teorias que são considerados para a concretização de um estudo de caráter sociofuncionalista sobre a alternância entre perífrases com verbo-suporte dar (dar telefonema/ dar pulos) e verbos predicadores cognatos aos SNs das construções (telefonar/ pular). Um dos pilares da Sociolingüística é o axioma da heterogeneidade, segundo o qual a principal característica da língua é a variação, passível de ser estudada e sistematizada. A crença na heterogeneidade da língua como um aspecto natural pode ser constatada no seguinte trecho: (...) a heterogeneidade não é apenas comum, é o resultado natural de fatores lingüísticos básicos. Alegamos que é a ausência de alternância de registro e de sistemas de comunicação multi-estratificados que seria disfuncional. (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968:101) As formas lingüísticas que se alternam em um mesmo contexto (estão em variação) são denominadas variantes. Para a Sociolingüística, o emprego de uma determinada forma em detrimento de outra ocorre devido a regras variáveis, ou seja, a condicionamentos de cunho 88 extralingüístico e de cunho intralingüístico (fatores fonológicos, semânticos, morfossintáticos). Mollica (2003:11) comenta o papel da teoria: Cabe à Sociolingüística diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou negativo sobre a emergência dos usos lingüísticos alternativos e prever seu comportamento regular e sistemático. Acerca da interpretação dos falantes, Labov (1972:251) faz o seguinte comentário: Os falantes não aceitam prontamente o fato de que duas expressões, na verdade, “significam o mesmo” e há uma tendência forte de lhes atribuir significados diferentes. Se um determinado grupo de falantes usa uma variante particular, então os valores sociais atribuídos àquele grupo serão transferidos àquela variante lingüística. Infere-se, então, que as variantes empregadas mais freqüentemente por usuários de classes sócio-econômicas mais altas, que controlam o poder político, tendem a ser consideradas como formadoras da variedade lingüística de prestígio. Tal situação pode gerar o estigma e o preconceito em relação às variantes menos prestigiadas e a seus usuários. No entanto, de acordo com uma teoria de cunho sociofuncionalista, quaisquer línguas e variedades de uma língua são complexas e eficientes, possibilitando que seus usuários alcancem as funções semântico-pragmáticas que desejam. Lavandera (1985) questiona o fato de Labov (1972:207) assumir como questionamento fundamental da Sociolingüística “por que alguém diz algo?”. Segundo a autora, tal indagação implica necessariamente explicações funcionalistas, já que as intenções do falante constituem motivações de natureza pragmático-discursiva que podem se aliar a condicionamentos sociais e lingüísticos na produção das expressões lingüísticas. Logo, em um estudo de natureza sociofuncionalista, além de se considerar a importância de fatores sociais e lingüísticos, associa-se o emprego das formas alternantes às motivações de ordem discursiva, relacionadas à intenção do falante no momento da produção. Outro aspecto questionado pela autora é o conceito de “valor de verdade” das variantes. O debate a respeito da pertinência dessa premissa passou a ocorrer com o surgimento de estudos variacionistas que ultrapassavam o nível fonológico. Para Labov (1972:271), as variantes devem “dizer a mesma coisa”, o que significa que “são idênticas em relação ao valor referencial ou valor de verdade, mas opostas em relação a seu significado social e/ou estilístico.” No entanto, Lavandera (1985) argumenta que há uma diferença entre variantes fonológicas e não-fonológicas. As primeiras demonstram significado social e estilístico e não possuem, necessariamente, significado referencial (ou equivalência semântica), enquanto as 89 não-fonológicas possuem significado referencial próprio, mas não são “totalmente condicionadas por fatores extralingüísticos, já que refletem uma opção funcional da parte do falante, dirigida a servir seus propósitos comunicativos” (LAVANDERA,1985:14). Por isso, a autora propõe “enfraquecer a condição de que o significado seja o mesmo para todas as formas alternantes e substituí-la por uma condição de compatibilidade funcional (grifo nosso)” (LAVANDERA, 1985:45). Para fundamentar sua proposta, a autora menciona Weiner e Labov (1977), um estudo acerca das passivas em inglês que não apresentou relevância de condicionamentos extralingüísticos e que, inclusive, revelou como um dos grupos de fatores relevantes o status informacional, de natureza funcional. A abordagem sociofuncionalista que se deseja apresentar acerca do fenômeno de alternância considera as construções dar + SN e os verbos predicadores de sentido equivalente formas alternantes (e não variantes no sentido estrito). Sendo assim, os fatores pragmático-discursivos dessa alternância constituem o foco principal de investigação desse estudo. Para tanto, são utilizados dois tipos de materiais na investigação desse fenômeno: (i) amostras de dados orais e escritos do Português Brasileiro e (ii) testes de atitude. Com o primeiro, é possível observar o comportamento “variável” dos falantes e detectar condicionamentos lingüísticos, sociais e discursivos relativos a esse comportamento, enquanto, com o segundo, é viável investigar mais detalhadamente a natureza dos condicionamentos discursivos, as características dos contextos interacionais que fazem o falante recorrer ao emprego de predicadores complexos com dar ou de predicadores simples cognatos, bem como as avaliações subjetivas que os usuários atribuem às alternativas em estudo. As hipóteses acerca da relevância dos condicionamentos de um fenômeno de alternância podem ser operacionalizadas em forma de grupos de fatores (ou variáveis independentes), pois permitem a visão conjunta e mais abrangente dos aspectos que o influenciam. Os estudos sociolingüísticos, bem como os funcionalistas, consideram importante o papel da freqüência na checagem de suas hipóteses. Além disso, as pesquisas variacionistas dão destaque ao valor do peso relativo, uma medida obtida pela interação entre todos os grupos de fatores e que indica o “peso” ou relevância de cada fator da variável independente para a produção de uma das variantes. A variação pode ser classificada em quatro tipos básicos : (i) geográfica ou diatópica – em função das localidades de origem e/ou moradia distintas dos falantes; (ii) social ou diastrática – em função da identidade sociocultural dos falantes e da organização 90 socioeconômica à qual pertencem (exemplos: classe social, idade, escolaridade e sexo); (iii) variação estilística – em função do grau de consciência e/ou reflexão dos usuários da língua sobre sua fala ou escrita; e (iv) variação diacrônica (ou histórica) – em função de períodos de tempo ou de gerações de falantes que convivem num mesmo período. Segundo Labov (1994), para detectar os diferentes estágios em que as formas alternantes se encontram, foram desenvolvidos métodos de investigação que relacionam tempo e faixa etária, quais sejam: (i) estudo em tempo aparente e (ii) estudo em tempo real. Com o estudo em tempo aparente, é possível observar como a alternância ocorre por vários grupos etários em um determinado período de tempo. Trabalha-se, em geral, com a hipótese de que a forma alternante inovadora é mais produtiva na fala dos jovens do que na fala de usuários de faixa etária intermediária e na fala dos idosos. A confirmação dessa hipótese nesse padrão linear indica que o fenômeno constitui um caso de mudança em progresso – uma forma está suplantando outra; esta, por sua vez, continua a ocorrer apenas em poucos contextos. A configuração de um padrão curvilinear, em que usuários da faixa intermediária tendem a empregar, mais ou menos produtivamente, variante diferente daquela pela qual optam usuários que se encontram nas faixas dos extremos (a dos mais jovens e a dos mais idosos), sinaliza uma situação de variação estável – as formas alternantes permanecem ao longo das gerações. O estudo em tempo real, em que se toma a perspectiva diacrônica da variação em sentido estrito, pode ser feito de duas maneiras: (i) pela a análise de textos do passado que registrem as formas alternantes e que possibilitem a comparação do comportamento dessas formas com o verificado em registros mais recentes e (ii) pela análise do comportamento da comunidade (mesmos indivíduos recontactados ou não; neste caso, constitui-se uma amostra complementar) em duas épocas distintas que se distanciam em um determinado lapso de tempo (vinte anos, no caso da amostra NURC-RJ, por exemplo). Esse estudo poderá mostrar as seuguintes possibilidades: variação estável, mudança em progresso, gradação etária – variação restrita à uma determinada faixa etária, mudança completa – uma das formas que um dia se encontrava em variação não mais é usada. Este tipo de mudança pode ser classificada como “mudança vinda de baixo” – abaixo do nível de consciência do falante e “mudanças vinda de cima” – induzidas pela classe dominante. Labov (1994) comenta certas dificuldades que devem ser levadas em conta nos dois estudos. O de tempo aparente requer a conjugação da análise de outros condicionamentos, como por exemplo os graus de escolaridade e o nível profissional dos informantes, para checar se é a variável faixa etária por si só que influencia a alternância/variação (ou algum 91 tipo de mudança). Ademais, distribuições por faixas etárias podem não representar mudança completa na comunidade, mas apenas um padrão característico de determinada faixa que se repete em cada geração (gradação etária). Nos estudos de comportamento lingüístico em tempo real que pressupõe recontacto (gravações) com os mesmos indivíduos de uma determinada comunidade após um período de tempo considerável (estudo de painel), há a dificuldade de se encontrarem os informantes, principalmente os mais velhos. O autor alega que a forma mais adequada de reconstruir uma cronologia de vários estágios de mudança é fazer a correlação entre estudos em tempo aparente e em tempo real. Os estudos em tempo aparente e em tempo real levaram Weinreich, Labov e Herzog (1968:188) a constatarem que “nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura lingüística envolve mudança, mas toda mudança envolve variabilidade e heterogeneidade”. Sobre os princípios empíricos para a teoria da mudança, os autores destacam cinco problemas que o pesquisador deve enfrentar: (i) o dos fatores condicionantes; (ii) o do encaixamento; (iii) o da transição; (iv) o da avaliação; e (v) o da implementação. O problema dos fatores condicionantes decorre da necessidade de se buscarem aspectos que favorecem ou restringem as mudanças e, conseqüentemente, de se identificarem as mudanças possíveis. Para investigar uma mudança encaixada no sistema lingüístico, consideram-se dois tipos de encaixamento – um que ocorre na estrutura lingüística e outro que ocorre na estrutura social. Quanto ao primeiro, os autores comentam que há um conjunto de variáveis no sistema que o modifica de forma gradual. O controle da variação é feito pelos falantes que regulam a produtividade das variantes dessas variáveis. Quando alguma dessas variantes deixa de existir, por exemplo, esse fato pode gerar uma modificação no sistema lingüístico (a necessidade de atribuição de diferentes funções para formas já existentes), caracterizando o encaixamento. As variantes lingüísticas não estão igualmente encaixadas na estrutura social, fato que também interfere no encaixamento lingüístico, no modo como a mudança ocorrerá, se de baixo para cima ou se de cima para baixo. Para os autores, é papel do pesquisador determinar “o grau de correlação social que existe e mostrar como ela pesa sobre o sistema lingüístico abstrato” (p.123). Inclusive, afirmam que “nos estágios iniciais e finais de uma mudança pode haver muito pouca correlação com fatores sociais” (p.123). Ao lidar com o problema de transição, investiga-se o percurso através do qual cada mudança se realiza. 92 Procura-se determinar em que medida a avaliação subjetiva pode interferir no processo de mudança ao lidar com o problema de avaliação. O problema de implementação refere-se à investigação dos motivos pelos quais uma dada mudança ocorre em um momento e em um lugar determinado, e não em outro momento e/ou em outro lugar. Trabalha-se, em certa medida, com os quatro primeiros problemas citados na investigação do fenômeno de alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores simples. Por se tratar de uma pesquisa de natureza sociofuncionalista, a análise leva em conta não só a co-atuação entre variáveis sociais (como faixa etária e graus de escolaridade) e lingüísticas (como configuração sintática do SN e diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase), mas também a relação destas com uma variável discursiva (presença de nuances semânticas). A observação do fenômeno variável em foco pauta-se em um estudo do comportamento lingüístico em tempo aparente, devido à natureza dos corpora com os quais se conta – textos orais produzidos por falantes de diferentes faixas etárias e textos escritos pertencentes às décadas de 1990 e de 2000. Ademais, com o objetivo de buscar a avaliação dos usuários da língua sobre o emprego das formas alternantes e, por conseguinte, poder investir na investigação dos condicionamentos funcionais (semântico-discursivos) envolvidos no fenômeno estudado, testes de atitude são realizados. 3.3 Fundamentos para a pesquisa com testes de atitude Cada emprego lingüístico é passível não só de avaliação social, mas também de avaliação individual. Pode ter ou adquirir uma significação social que atua, no nível da consciência do usuário, na organização de seus discursos. Assim sendo, o processo de configuração lingüístico-discursiva passa pelo plano das percepções e reações, mais ou menos conscientes, dos usuários de uma língua. Em linhas gerais, concebe-se atitude lingüística como um estado mental de predisposição em relação a formas/estruturas lingüísticas em um sistema, que lhes pode ser favorável, desfavorável ou, ainda, neutro, que pode ser relativamente estável e que pode ter origem em comportamentos coletivos. Uma atitude pode desencadear ou soterrar certas condutas lingüísticas, a depender do contexto sociolingüístico. 93 Esta pesquisa assume, de certo modo, uma inclinação no sentido de uma concepção mentalista de atitude lingüística: a partir de estímulos, certas formas de comportamento lingüístico são geradas como respostas com base nesses estados mentais, em certos valores; estes não podem ser observados diretamente, mas têm de ser inferidos; soma-se a isso o fato de nem sempre percepções acarretarem valorações, mas estas se baseiam em percepções. Entende-se que a possibilidade de predizer a conduta lingüística dos falantes é viabilizada também pelo conhecimento de suas impressões, seus valores, suas expectativas e suas preferências em relação a certas construções lingüísticas. Logo, as atitudes lingüísticas funcionam como pontes entre estas percepções e/ou avaliações subjetivas e aqueles comportamentos efetivamente observados nas organizações discursivas orais e escritas. Ao tratar de métodos de investigação das atitudes/percepções que os falantes têm sobre usos de sua própria língua, FASOLD 62 (1987) classifica-os em diretos e indiretos. Os primeiros abarcam técnicas, como questionários ou entrevistas, pelas quais os usuários da língua reconhecem aspectos do fenômeno lingüístico em investigação. O uso de métodos indiretos, por sua vez, faz com que o pesquisador recorra a estratégias nas técnicas que seleciona para que o informante não saiba que suas atitudes lingüísticas estão sendo investigadas. O autor ainda ressalta a possibilidade da aplicação de questionários abertos ou fechados. Entende-se por “questionários abertos” os que incluem questões que levem o informante a apresentar sua opinião livremente, sem quaisquer restrições. Estes, segundo o autor, são difíceis para avaliar e pontuar. Diferentemente, os “questionários fechados” apresentam formatos que requerem respostas do tipo “sim/não” e/ou “múltipla escolha”, ou seja, questões mais objetivas e que, conseqüentemente, tornam mais fácil o trabalho de lidar com os resultados e mensurá-los. Tarallo (1990) também descreve dois tipos de testes de atitude: os de percepção e os de produção. Por meio dos testes de percepção, o informante manifesta sua opinião quanto à aceitabilidade ou não de certas estruturas. Os testes de produção levam o informante a aplicar o fenômeno em estudo em um determinado contexto (por exemplo, atividades de completar lacunas ou correlacionar alternativas). O autor atenta para o fato de que é bastante apropriado, durante a elaboração dos testes, evitar que o informante reconheça sua organização, pois isto pode influenciar suas respostas. 62 O autor apresenta, em sua obra, investigações sobre o que os falantes achavam de diversas variedades lingüísticas e não somente da língua em si. 94 Quanto à validade das respostas de um teste de opinião/atitude, Labov (1972) menciona que algumas vezes é explícita a discrepância entre as avaliações subjetivas e o uso real dos fenômenos lingüísticos investigados. Tal fato denomina de “prestígio encoberto”, visto que, “quando questionados se algumas formas pertencem a sua própria fala, suas respostas refletem a forma que acreditam ter prestígio ou é a “correta”, e não a forma que realmente usam” (LABOV, 1972:209). Logo, o pesquisador deve tentar minimizar os efeitos do prestígio encoberto ao usar estratégias que façam com que os informantes se sintam à vontade para responder o que realmente pensam sobre o uso de sua própria língua. Acredita-se que uma dessas estratégias é a contextualização das estruturas que se investigam quanto ao tipo de situação comunicativa em que estão inseridas, no intuito de deixar claro seu grau de formalidade e, conseqüentemente, o tipo de relação (próxima ou afastada) existente entre os participantes da interação. Dessa forma, crê-se que os informantes estariam mais à vontade para responder ao uso de estruturas em contextos informais como elas realmente ocorrem. Acrescenta-se a tal estratégia a possibilidade de o pesquisador enfatizar para o informante que o objetivo do questionário ou da entrevista não é avaliá-lo, considerando suas respostas “certas” ou “erradas”, mas apenas conhecer sua opinião como usuário da língua sobre o uso de determinada variante em um determinado contexto discursivo. Labov (1972:214), para fundamentar a questão do prestígio encoberto, acrescenta que “falantes que têm contato extenso com a forma superordenada 63 não mais possuem intuições claras de seu vernáculo disponível para investigação”. Levando em conta tal observação, deseja-se aplicar os testes a falantes de distintos níveis de escolaridade. Dessa forma, será possível checar se é atribuído algum juízo de valor às estruturas lingüísticas investigadas nos testes. 3.4 Fundamentos para uma abordagem de construções DAR+SN no ensino de Português Acredita-se que refletir sobre o ensino de Língua Portuguesa pressupõe buscar respostas para, pelo menos, duas perguntas: (i) que tipo de aluno se deseja formar? e (ii) com qual concepção de língua é necessário trabalhar? Essas questões relacionam-se totalmente, pois se compreende que o objetivo do professor de Português é colaborar para a formação de cidadãos “participativos, reflexivos e autônomos” (PCN: 1998); e, para tanto, esse profissional necessita construir com seus alunos a noção de língua como atividade social, já 63 O autor esclarece que os termos ‘superordenado’ e ‘subordinado’ equivalem a ‘de prestígio’ e ‘estigmatizado’. 95 que os falantes a usam não só para interagirem entre si, trocando informações ou expressando sentimentos, mas também para agirem uns sobre os outros. O ensino tradicional de língua portuguesa enfoca o estudo da gramática normativa. Logo, geralmente saber português significa, nessa abordagem, conhecer regras (e muitas exceções) da norma padrão. No entanto, crê-se que o estudo isolado 64 de fenômenos lingüísticos desconsidera totalmente a necessidade de formar alunos com competência discursiva, ou seja, aptos para usar a língua em diferentes contextos situacionais e para produzir diferentes significados. Fundamentar o ensino na abordagem sociofuncionalista da língua, diferentemente, leva em conta, para a análise de expressões lingüísticas, aspectos de natureza lingüística, social (tais como características dos participantes, faixa etária, grau de escolaridade e papéis sociais que desempenham) e discursivo-pragmática (como as intenções comunicativas dos participantes). Para tanto, é necessário deslocar o enfoque do ensino “de gramática” para o ensino “de análise lingüística”. Sobre este termo, Mendonça (2006:204) e Geraldi (1997 c:74) manifestam-se, respectivamente: (...) surge como alternativa complementar às práticas de leitura e produção de texto, dado que possibilitaria a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais e textualdiscursivos que perpassam os usos lingüísticos, seja no momento de ler/escutar, de produzir textos ou de refletir sobre esses mesmos usos da língua. O uso da expressão “análise lingüística” não se deve ao mero gosto por novas terminologias. A análise lingüística inclui tanto trabalho sobre as questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto (...) Essencialmente, a prática de análise lingüística não poderá limitar-se à higienização do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a ‘correções’. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores a que se destina. O trabalho com textos em sala de aula, portanto, não deve servir como “pretexto” para a transmissão de conteúdos gramaticais descontextualizados. Os trechos abaixo demonstram questões a serem consideradas nessa perspectiva: Ao trabalhar com determinado texto em sala de aula, é preciso que se levem em conta os fatores sociais envolvidos em sua produção, circulação e recepção, as motivações pragmáticas que o tornam uma manifestação sócio-histórica, as 64 Perini (2002:31) faz a seguinte consideração sobre o ensino de habilidades intelectuais: “(...) é justamente neste setor que o estudo de gramática pode dar sua contribuição mais relevante; (...) O estudante brasileiro (e, muitas vezes, também o professor) é tipicamente dependente, submisso à autoridade acadêmica, convencido de que a verdade se encontra, pronta e acabada, nos livros e na cabeça das sumidades. Daí, em parte a perniciosa idéia de que educação é antes de tudo transmissão de conhecimento – quando deveria ser em primeiro lugar procura de conhecimento e desenvolvimento de habilidades.” 96 relações intertextuais, o diálogo que trava com outras expressões verbais circundantes na comunidade lingüística, enfim todas as instâncias envolvidas nessa produção verbal. (...) ao tratar, por exemplo, de um conto de fadas, de uma fábula, de uma carta pessoal (...), é preciso que o professor leve em conta não apenas a materialidade lingüística dessas expressões, mas considere também as condições que ensejaram sua produção, os fatores pragmáticos aí envolvidos e que acabaram por configurar esses materiais lingüística e socialmente, dando-lhes identidade e funcionalidade. (OLIVEIRA e CEZARIO, 2007:91, grifo nosso) Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (PCN, 1998:10, grifo nosso) (...) o texto deixa de ser entendido como algo isolado e que, sozinho, porta suas verdades; deixa de ser lido como forma isolada do espaço e do tempo e passa a ser compreendido como manifestação e elemento de construção de uma realidade. (CASTILHO, 2004:11, grifo nosso) Oliveira e Cezario (2007) demonstram ainda aspectos da contribuição da teoria funcionalista da linguagem para o ensino do Português. Entre outros fatores, as autoras destacam que a análise gramatical deve servir para a compreensão dos sentidos do texto. Explicam que, tanto para o Funcionalismo quanto para aqueles que seguem as orientações dos PCN, as atividades com textos devem articular “usos mais rotineiros ou gramaticais, e expressões mais criativas ou discursivas” (p.93). Sendo assim, o tratamento tradicional de classes gramaticais como categorias estanques não é adequado, pois “é preciso considerar essas classes em seu continuum” (p.94). Em sala de aula, portanto, acredita-se ser possível enfocar não só as características prototípicas dos elementos de categorias distintas, mas também os traços comuns a esses elementos no intuito de levar os alunos à compreensão do processo de transferência categorial. 97 4. ENFOQUE METODOLÓGICO 4.1. Procedimentos para a análise das amostras de dados Inicialmente, recorreu-se a acervos de textos orais do Português Brasileiro e do Português Europeu para proceder à coleta de dados. Devido à orientação funcionalista do estudo de gramaticalização e sociofuncionalista do estudo de alternância, a constituição das amostras teve como base a reprodução de trechos que expusessem o contexto discursivo nos quais os dados sob interesse estavam inseridos. Trabalhar com entrevistas e/ou depoimentos orais acarreta lidar, ainda que indiretamente, com o “paradoxo do observador” (LABOV, 1972), pois, para conseguir registrar a fala mais natural possível, os pesquisadores que estiveram à frente da constituição desses corpora procederam a uma observação sistemática, já que os informantes sabiam que estavam sendo gravados. A inclusão, no presente estudo, de dados provenientes de textos escritos (jornalísticos, narrativas e relatos de opinião), de certa maneira, torna-se um meio de fazer com que a pesquisa se baseie em materiais que, em sua criação, não sofreram qualquer interferência de um documentador e não foram produzidos com o fim de compor um corpus para pesquisa. Labov (1972:209) comenta a questão: (...) O problema não é sem solução: devemos também descobrir maneiras de complementar as entrevistas informais com outros dados (grifo nosso), ou mudar a estrutura da situação da entrevista de uma forma ou de outra. Apesar de a fala no registro informal (menos monitorada) ser, geralmente, considerada como mais adequada para a verificação de fenômenos lingüísticos fundamentada no uso da língua, estudos como o de Schiffrin (1994) demonstram que algumas diferenças sintáticas e semânticas são sensíveis aos tipos de texto 65 nos quais se inserem, sendo possível encontrar funções discursivas distintas a depender desses tipos. Essa é mais uma razão pela qual esta pesquisa conta com corpora diversos. Amaral (2002), ao refletir sobre maneiras para minimizar o paradoxo, alega que, em textos nos quais o discurso reportado predomina, há trechos com maior naturalidade nos momentos em que o informante apresenta menor monitoramento de sua fala. Isso ocorre 65 Para a autora, o termo tipos de textos refere-se ao modo de organização textual, já que, em seu estudo, trabalha com narrativas e descrições. Recorreu-se a gêneros/tipos textuais distintos (crônicas, editoriais, notícias e artigos de opinião) por se acreditar que esses textos nem sempre apresentam o mesmo modo de organização predominante (uns são narrativos, outros argumentativos), o que pode implicar o emprego, segundo a autora, de funções discursivas distintas. 98 porque, normalmente, o falante está envolvido emocionalmente com o que relata66 . Por isso, para complementar a amostra de dados com um corpus predominantemente narrativo, decidiu-se recorrer a depoimentos (orais e escritos) da amostra do Projeto Discurso e Gramática 67 . Foram coletadas todas as ocorrências encontradas com dar + SN para o estudo do fenômeno de gramaticalização de dar. Os quadros a seguir demonstram as fontes e o número dos textos pesquisados, bem como o número de dados encontrados. Fontes da coleta de dados P O R T U G U Ê S B R A S I L E I R O Inquéritos do Projeto NURC/VARPORT Subcorpus Inquéritos do Projeto APERJ/VARPORT oral Depoimentos da amostra do Projeto Discurso e Gramática. Textos jornalísticos do 2001-2007 Projeto VARPORT e da 1976-2000 Biblioteca Nacional do 1951-1975 Rio de Janeiro 1926-1950 e do site 1901-1925 http://www.indekx.com Subcorpus escrito Depoimentos da amostra do Projeto Discurso e Gramática. Textos escolares sob avaliação (narrações, dissertações e provas) N° de textos pesquisados 41 37 279 N° de dados coletados 78 54 152 120 75 75 107 98 122 37 26 23 38 249 58 177 84 Quadro 10: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro para estudo da gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte 66 Amaral (2002:67) constatou que o monitoramento ocorre com menos freqüência em trechos “de fala nãoplanejada (background), isto é, que não fazia parte da estrutura original da narrativa (...) e em trechos associados ao envolvimento emocional do falante”, enquanto se apresenta com mais freqüência “em eventos de transição, de preparação nos trechos em que não há envolvimento emocional e seguem a estrutura temporal dos eventos de acordo como foram registrados na memória, o que lhe confere o status de fala planejada (foreground)”. 67 Esse projeto desenvolve-se na UFRJ, sob a coordenação do Professor Doutor Mário Eduardo Toscano Martelotta. 99 Fontes da coleta de dados P O R T U G U Ê S E U R O P E U Subcorpus oral Inquéritos do Projeto CRPC/ VARPORT (ensino superior) Inquéritos do Projeto CRPC/VARPORT (semi-alfabetizados) 2001-2007 Textos jornalísticos 1976-2000 do Projeto VARPORT 1951-1975 e Subcorpus da Biblioteca Nacional de Lisboa e do site 1926-1950 escrito http://www.indekx.com 1901-1925 N° de textos pesquisados 33 N° de dados coletados 46 38 42 120 131 63 13 59 7 64 10 76 18 Quadro 11: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Europeu para estudo da gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte Amostra total (oral e escrita) PB e PE N° de textos pesquisados 1711 N° de dados coletados 939 Quadro 12: Corpus do Português Brasileiro e do Português Europeu para estudo da gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte A análise dos dados coletados ocorreu com base na observação: (i) das categorias às quais cada ocorrência de dar pertence, o que permitiu a depreensão de um continuum de gramaticalização (cf. seção 5.1) e (ii) dos aspectos que influenciam o fenômeno, propriedades relacionadas à semântica e à morfossintaxe das construções e freqüência de uso. Para o estudo da alternância entre perífrases dar + SN (dar notícia, dar pulos) e verbos plenos (noticiar, pular), decidiu-se trabalhar apenas com dados do Português Brasileiro. Para constituir uma amostra do PB, recorreu-se, inicialmente, a acervos de gêneros escritos diferentes (cf. quadro 13) que pudessem ensejar construções textuais com graus de formalidade distintos e com diversidade de recursos lingüísticos/vocabulares. Finalizada essa etapa de coleta, interessou checar o fenômeno quanto à diferença entre modalidades expressivas. Para tanto, complementou-se o corpus até então obtido com dados eliciados de 100 depoimentos (narrativas e relatos de opinião) orais da amostra do projeto D&G, o que facultou investir naquele interesse de investigação. No estudo de alternância, nem todas as construções dar + SN encontradas foram coletadas: consideraram-se, no tratamento socionfuncionalista, apenas aquelas com vínculo semântico e morfológico com um verbo predicador simples, à exceção de perífrases dar uma X- ada (dar uma passeada, dar uma pedalada). Segundo Scher (2006:6), as nominalizações X- ada, em estruturas dar uma X- ada, derivam de um verbo e exprimem eventualidades que podem apresentar um efeito de diminutivização que as torna breve, como em “O João deu uma martelada na parede.” (equivalente a “O João martelou a parede” = martelou apenas uma vez). Quando esse efeito não ocorre, como em “O João deu uma martelada no ladrão”, não há um verbo cognato que seja equivalente, ou seja, o segundo exemplo não corresponde a “João martelou o ladrão”, pois “deu uma martelada no ladrão” denota um evento singular “de atingir alguém ou alguma coisa com um objeto específico, um martelo” (SCHER, 2006:8). Será realmente que não é possível compreender o segundo exemplo como equivalente à “O João martelou o ladrão” e como expressão diminutivizada? Há determinados tipos de construções dar uma X-ada (dar uma olhada, dar uma lida, dar uma nadada) com alta produtividade no corpus; no entanto, é alta a ocorrência de muitos verbos plenos cujos equivalentes do tipo dar uma X-ada são raros (dar uma comunicada, dar uma imaginada, dar uma remediada, dar uma pisada). Considerar, então, todos os tipos de predicadores simples que pudessem apresentar uma perífrase “dar uma X-ada” acarretaria um aumento significativo desses verbos plenos, o que poderia enviesar a análise. Optou-se, assim, por excluir, da análise sociofuncionalista aqui empreendida, dados que estivessem associados a esse tipo de estruturação (dar uma lavada/lavar, dar uma nadada/nadar, dar uma cantada/cantar, dar uma enxugada/enxugar), pois merecem tratamento específico. As fontes, os números dos textos pesquisados e o número de dados encontrados constam nos quadros a seguir: 101 Fontes da coleta de dados N° de textos N° de dados pesquisados coletados P Textos Notícias O jornalísticos da R amostra do Projeto T PEUL/UFRJ Editoriais U (Projeto de Estudo G dos Usos U Lingüísticos) Crônicas Ê Subcorpus S escrito B Artigos de opinião R A S Depoimentos da amostra do Projeto I Discurso e Gramática. L E I Textos escolares sob avaliação R (narrações, dissertações e provas) O 100 123 100 331 75 210 100 406 279 315 118 230 Quadro 13: Fontes da coleta de dados em acervos do Português Brasileiro (ESCRITO) para estudo da alternância entre construções dar + SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente. + PB Subcorpus oral Depoimentos da amostra do Projeto Discurso e Gramática 279 226 Quadro 14: Fontes da coleta de dados em acervo do Português Brasileiro (ORAL) para estudo da alternância entre construções dar + SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente. Amostra total (oral e escrita) N° de textos pesquisados N° de dados coletados 1841 PB 1051 Quadro 15: Corpus do Português Brasileiro para estudo da alternância entre construções dar + SN e verbos predicadores cognatos de sentido equivalente. Utilizou-se, para o tratamento estatístico dos dados de alternância, o programa Goldvarb (2001). Para tanto, todas as ocorrências obtidas nos corpora foram codificadas, ou seja, cada dado obteve códigos que representam o seu comportamento em função da variável dependente e das variáveis independentes estabelecidas. Dessa forma, foi possível abrir o arquivo de dados codificados no programa executável que, por sua vez, possui as seguintes funções básicas: (i) criar um arquivo de especificação das variáveis dependentes e independentes; (ii) detectar algum erro de codificação, com base no arquivo de especificação e gerar arquivos corrigidos após mudança feita pelo pesquisador; (iii) produzir arquivos de 102 células em função de arquivos de condições 68 organizados pelo pesquisador; (iv) criar um arquivo que demonstre a relação entre as variáveis independentes e a variável dependente; (v) desenvolver um arquivo que represente a tabulação cruzada de pares de variáveis independentes (cruzamento de variáveis); e (vi) gerar pesos relativos. Os arquivos referentes às funções (iv) e (v) apresentam estatisticamente a produtividade das variantes da variável dependente em relação a cada um dos fatores constitutivos das variáveis independentes. Ao gerar pesos relativos, o programa demonstra o “peso” de cada fator de cada variável independente (acima de .55 e/ou mais próximo de 1.0 é considerado relevante) para o emprego de uma das variantes da variável dependente (denominada fator default ou valor de aplicação), no confronto com todos os demais fatores e, nos níveis de análise de mais de um grupo de fatores, na ponderação da co-atuação dessa variável independente com outra(s). O programa também informa o nível de input do valor de aplicação e de significância estatística da análise das variáveis e das rodadas multivariacionais 69 (neste estudo, binária). O input “representa o nível geral de uso” (GUY, 2007) do fator default, ou seja, da variante em foco na análise. Para ser considerado alto, deve estar próximo de 1. A significância estatística das rodadas selecionadas como as “melhores”, por conterem grupos de fatores mais significativos, e das variáveis deve ser, preferencialmente, 0.000 e chegar, no máximo, a 0.05, o que significa haver 95% de confiabilidade dos resultados, ou seja, de chance de as variáveis independentes selecionadas na rodada influenciarem, de fato, o emprego do fator default. O nível de significância das variáveis extraído do primeiro nível de análise (nivel 1) do programa, que apresenta também os valores dos pesos relativos dos fatores, indica o comportamento isolado de cada variável independente. 4.2 Procedimentos para a aplicação dos testes de atitude A aplicação de testes de atitude pressupôs uma reflexão inicial sobre os seguintes tópicos: (i) os tipos de testes – a definição de método e técnicas; (ii) a caracterização dos 68 Os arquivos de condições podem ser criados se o pesquisador não desejar ler alguma variável independente ou atribuir a mesma leitura para mais de um código de determinada variável independente. Por exemplo, em uma variável que seja “tempo verbal”, é possível ler pretérito imperfeito e pretérito perfeito somente como “pretérito” se, por meio do arquivo de condições, o pesquisador trocar o código I (de imperfeito) por P (de perfeito); ou seja, ambos terão a mesma representação e serão contabilizados percentualmente como se fizessem parte de um mesmo tipo de tempo verbal (fator). 69 Para a análise dos dados pertencentes a corpora distintos, decidiu-se promover, além de rodadas que consideram todos os dados, rodadas específicas (apenas com dados de determinado corpus; por exemplo: rodada específica D&G – somente dados extraídos de depoimentos orais e escritos da amostra de dados D&G). Mais detalhes sobre os procedimentos com todas as análises multivariadas constam da seção 5.3.2. 103 informantes mais indicados para o estudo; (iii) o modo de abordar os informantes; e (iv) o modo de exposição dos resultados na dissertação. Quanto aos tipos de testes, optou-se pelo método direto: o informante sabe que a pesquisa deseja conhecer como ele percebe ou emprega certas expressões lingüísticas (opções de predicação) e as justificativas que o levam a fazer isso de uma determinada forma e não de outra 70 . Cada teste é composto por questionários de natureza fechada e aberta, pois se decidiu mesclar perguntas objetivas (de sim/não, como, por exemplo, “dar pancadas apresenta o mesmo significado de espancar?” ou múltipla escolha, com respostas relacionadas a um repertório de alternativas) com perguntas que suscitem a exposição “livre” de motivações em relação ao emprego das construções contidas nos testes (por exemplo, “por que as opções verbais são diferentes/não devem ser usadas nesse contexto?”). Com o intuito de requisitar as justificativas relativas às escolhas dos falantes para, principalmente, facilitar a depreensão de fatores pragmático-discursivos que podem influenciar o uso das estruturas analisadas, recorreu-se à técnica de entrevista gravada em um dos testes relacionado à alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores simples. Compreende-se que a aplicação dessa técnica pressupõe que o pesquisador deve tentar neutralizar a influência exercida por sua própria presença ou pela presença de equipamentos para que se reduza a atenção devotada à fala e, conseqüentemente, o tom de formalidade dado ao contexto sócio-comunicativo das entrevistas, no intuito de fazer bom uso de “maus dados”. As normas seguidas para a realização da transcrição das falas dos informantes encontram-se no quadro 16. Ocorrências Indicação da fala do documentador Indicação da fala do informante Hipótese do que se ouviu Não houve compreensão da fala Entonação Interrogação, exclamação Qualquer pausa Comentários descritivos Sinais D: I: [hipótese] [ ] Colchetes em branco maiúsculas ?, ! ... (minúsculas) Exemplificação D: Você acha? I: eu escolhi... Você vê [que] coisa curiosa Você vê [ ] coisa curiosa EU sinto que eu gosto Quer ver? Nossa! Eu quero dizer que... (risos) Quadro 16: Normas para transcrição das entrevistas 70 Na verdade, os testes de atitude sobre o fenômeno de gramaticalização são usados apenas para detectar como os falantes empregam as perífrases com dar+SN em função de alguns parâmetros sintático-semânticos (tais como, possibilidade de inserção de elementos entre o verbo e o SN e possibilidade de mobilidade do SN). Nos testes sobre a alternância entre predicadores complexos com dar e verbos plenos cognatos, são necessárias não somente as opiniões dos informantes sobre como se expressariam em determinada situação comunicativa, mas também as justificativas para seu comportamento (cf. seções 5.2 e 5.4 para mais detalhes sobre os objetivos, hipóteses e resultados dos testes de atitude). 104 No cabeçalho de cada teste, há um espaço para que as pessoas que respondem à pesquisa informem seu grau de escolaridade e idade. Com base em Labov (1972:214), entende-se que uma forma de minimizar o “prestígio encoberto” é a aplicação de testes de atitude para informantes de diferentes graus de escolaridade e não somente para os mais escolarizados, pois estes se envolvem mais freqüentemente em contextos comunicativos submetidos a pressão normativa ou a expectativas quanto ao uso de padrão culto e formal e, em virtude disso, podem responder de acordo com o que crêem que seja o mais apropriado do ponto de vista de uma orientação prescritiva e não em função do que efetivamente utilizam ou julgam viável utilizar na organização discursiva. Escolaridade dos informantes Ensino Fundamental Ensino Médio N° de informantes 70 70 Ensino Superior 70 Professores de Português 15 Total: 225 Quadro 17: Escolaridade dos informantes Ao abordar os informantes para a realização dos testes, foi-lhes dito que o material que receberiam tinha como objetivo conhecer suas opiniões acerca das estruturas marcadas nos textos, que não havia respostas certas ou erradas e que não necessitariam identificar-se 71 . Decidiu-se denominar os testes de “pesquisa de opinião”, para evitar que os informantes se sentissem inibidos por acreditarem que estariam sendo avaliados de acordo com um teste propriamente dito. Buscou-se minimizar, com isso, o efeito do “prestígio encoberto” (cf. seção 3.3). Ao fim de cada teste, os informantes podiam, se quisessem, fazer comentários mais genéricos acerca das estruturas lingüísticas destacadas e colaborar com sugestões e/ou reclamações 72 . Com o intuito de demonstrar os resultados de forma didática na dissertação, expõe-se, em tabelas, os resultados percentuais em relação ao emprego das estruturas submetidas à análise. 71 Antes do início de cada teste há a seguinte mensagem para os informantes: “ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é descobrir as opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos.”. 72 Para que os informantes se sentissem bastante à vontade em seus comentários, lançou-se mão de um tom agradável, descontraído: “MATE A NOSSA CURIOSIDADE: (a) O que achou sobre as estruturas marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? (b) Você teve alguma dificuldade em preencher o formulário? Deixe sua sugestão e/ou reclamação.”. 105 Em seguida, tecem-se comentários mais detalhados acerca das hipóteses e dos resultados e apresentam-se, para fundamentar a análise, alguns exemplos das opiniões dos informantes (transcrições, no caso das entrevistas orais, e comentários, no caso do teste com professores de Português). 106 5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 5.1 Análise do fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte Da análise de predicações com dar + SN consideradas nas amostras de PB e PE, depreende-se que esse item verbal é polissêmico, visto que, além de seu valor semântico básico de transferência de uma meta a um destinatário, ocorre com diferentes nuances de sentido – vinculadas, com maior ou menor transparência, àquele valor – e assume, mais ou menos nitidamente, comportamento de verbo-suporte a depender do SN com que se relaciona e do grau de integração que tem com este. 5.1.1 Uma cadeia de gramaticalização A análise das ocorrências de dar + SN possibilitou detectar diferentes categorias às quais dar pode vir a pertencer e que formam uma cadeia de gramaticalização. São elas: verbo predicador pleno, verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbosuporte. O verbo predicador pleno dar é “autônomo” por ser o único núcleo da predicação, ou seja, é o responsável por projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático. Apresenta comportamento lexical e, veiculando a noção de transferência, projeta três argumentos, um dos quais tem a meta com o traço [+concreto]. (Ex.:2) aí minha irmã desmaiou dentro da loja... aí os vendedores deram um copo de água com açúcar pra ela [PB oral, Discurso e Gramática, Oitava série, Relato de opinião, idade: 14 anos, inf.28] (Ex.:3) É claro que não lhe íamos dar bonecas visto que ele era rapaz, talvez seja também fruto de orientação. [PE oral, VARPORT, Oc-P-70-1f-004, faixa A, nível 3] Outra categoria detectada no corpus é bastante semelhante à anterior, pois o verbo dar permanece como verbo predicador, ou seja, o núcleo da predicação responsável por projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático. No entanto, semanticamente, diferencia-se do verbo predicador pleno por já apresentar extensão de sentido e poder preservar ou não sua grelha argumental. Por isso, denomina-se esta categoria verbo predicador não pleno. (Ex.:4) Agora, um desprendedor automatico solta todos os cubos, de uma só vez, com um simples toque dos dedos. Entretanto, este maravilhoso refrigerador não lhe dá apenas essa vantagem. O espaço util nas suas 9 adaptações, as prateleiras corrédiças e ajustaveis, a extraordinaria economia assegurada pelo Poupa-Corrente são razões que tornam o novo 107 Frigidaire Super-Efficaz digno da sua preferencia. Verifique a sua superioridade na exposição mais proxima. [PB escrito, VARPORT, Anúncio, E-B-92-Ja-032, Correio da Manhã, 11/11/1937] (dar ≅ fornecer/oferecer) (Ex.:5) Qualquer tentativa para recomeçar o processo de ratificação do mesmo texto é uma prova de força estéril que daria certamente maus resultados para a confiança entre os povos que terá de presidir ao aprofundamento do espaço político da UE. [PE escrito, Diário de Notícias, Artigo de Opinião, 03-04-07, Correio Perdido] (dar ≅ gerar) Detectou-se a categoria de verbo-suporte nas construções em que dar se apresenta esvaziado semanticamente e passa a operar no SN, fazendo com que ambos partilhem a função de projetar argumentos e a estes atribuir papel temático. O caráter instrumental do verbo também é, entre outros aspectos (a serem detalhados em seção específica), notado pelo fato de servir de suporte à manifestação das categorias de tempo, modo, aspecto, número e pessoa quando está em sua forma finita, tal qual ocorre com verbos auxiliares73 . Por haver dois elementos que colaboram para a predicação, essas estruturas são denominadas predicadores complexos (nos termos de DIK, 1997), cujo núcleo semântico é o SN. Algumas vezes, encontra-se na língua um verbo de valor equivalente (dar amor = amar; dar seguimento = continuar) pelo qual essas estruturas podem ser substituídas. (Ex.:6) Esse episodio foi o que iniciou a campanha libertadora das antigas colonias hespanholas da America e o que deu origem ás varias nacionalidades fundadas nesta/ parte do novo mundo. [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-JN-004, Jornal do Brasil, 09/07/1920 , República Argentina] (Ex.:7) (...) na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu dei... eu dei um gol de cabeça... [PB oral, D&G, CA infantil, Narrativa recontada, idade: 7 anos, inf. 83] Verificou-se a existência de um conjunto de dados em que dar pode ser interpretado como verbo predicador ou como verbo-suporte. Como o primeiro, dar é considerado o núcleo 73 Vale lembrar que um verbo auxiliar opera sobre uma forma verbal não-finita. Esta forma auxiliada pode ser um predicador simples (acabei dando a sacola a ele), um predicador complexo (formado de verbo-suporte, como em pude dar seguimento em tempo útil a uma parte do correio de leitores) ou até outro verbo auxiliar que, numa locução verbal, opera sobre um predicador (vou ter escrito muitas páginas do meu livro no final do mês ou aos avós.). infelizmente voltou a ficar dando preocupação 108 sintático e semântico da predicação, podendo ser substituído por outro verbo predicador. Como o segundo, dar apresenta-se esvaziado semanticamente e projeta argumentos juntamente com o SN que o acompanha, fazendo parte de um predicador complexo que pode ser substituído por um verbo de mesmo valor. Esses dados, portanto, constituem um domínio intermediário entre verbo predicador e verbo-suporte. (Ex.:8) O programa é feito por outro, mas nós é que estamos ali sempre a dar justificações ao público(...) [PE oral, CRPC-PF, inq. 0633] [≅ fornecer explicações; ≅ justificar-nos ] (Ex.:9) (...) aquilo me dava assim uma tristeza de saber que ele ia ser esquecido...ia sair de circulação...minha irmã ia casar com outro... [PB oral, NURC, inq. 261, faixa C, nível 3, pág.: 128] [≅ causava tristeza; ≅ entristecia ] O processo de gramaticalização é o responsável pela transferência categorial de dar. Na verdade, o continuum de gramaticalização, ou seja, os domínios em que dar já apresenta comportamento gramatical mais ou menos transparente, é estabelecido entre a categoria híbrida de verbo predicador a verbo-suporte e a categoria de verbo-suporte. Com base na aplicação de alguns parâmetros ou estágios de gramaticalização propostos por Heine et alii (1991) e Hopper (1991), é possível desenvolver uma análise mais acurada das categorias depreendidas do corpus: a) divergência: o uso de dar em diferentes categorias, ou seja, uma mesma forma, de acordo com o contexto, passa a pertencer à categoria mais lexical (de verbo predicador, pleno ou não), à categoria gramatical (de verbo-suporte), e a uma categoria intermediária, léxicogramatical, em que o item revela comportamento híbrido (de verbo predicador a verbosuporte). b) manipulação conceitual: o sentido transferencial da categoria fonte de dar (verbo predicador pleno – João deu seu carrinho para o amigo) é modificado ao longo do processo de gramaticalização (verbo predicador a verbo-suporte – A mãe dá amor aos filhos 74 ) e a sua 74 O verbo dar, em dá amor, pode ser interpretado como predicador simples (fornece/passa amor) ou como um predicador complexo (ama). 109 forma mais gramaticalizada (verbo-suporte – Meu cachorro dá pulos como um canguru 75 ) chega a indicar uma noção geral de ação/atividade. c) estratificação: novas formas coexistem com as antigas em um mesmo domínio funcional. Percebe-se que o verbo-suporte dar e morfemas formadores de verbo (“-ar”, “-ear”, “-ejar”, “-ficar”; sem ou com sufixo derivacional 76 ) são recursos do sistema para se constituírem “unidades verbais” a partir de nomes (salto – dar salto/saltar, gol – dar golpe/golpear , festa – dar festa/festejar, exemplo – dar exemplo/exemplificar). d) persistência: o verbo dar, ao pertencer à categoria intermediária (léxico-gramatical) de verbo predicador a verbo-suporte (dar amor), mantém características da sua forma fonte (verbo predicador) sendo interpretado como núcleo da predicação e podendo expressar valor transferencial. Simultaneamente, contrai características de sua forma alvo (verbo-suporte), sendo considerado esvaziado de significado, devido ao valor transferencial ser de cunho metafórico, e um dos elementos formadores de um predicador complexo ao unir-se com um SN. O verbo-suporte, apesar de se diferenciar semanticamente da categoria de verbo predicador, conserva a propriedade de interferir na seleção de argumentos (ainda que partilhe essa função com o SN e este seja o principal responsável por esse papel) e pode veicular valor transferencial (dar bananas) a depender do SN com o qual se une. e) assimetria entre forma e significado: a forma fonte de verbo predicador dar (dar um lápis = entregar um lápis) passa a veicular acepções distintas à medida que o processo de gramaticalização avança (valores não plenos: dar problema = causar problema; dar duas horas = bater duas horas), tornando-se um item polissêmico. O fato de uma determinada forma ser empregada em um maior número de contextos gera o aumento de sua produtividade e o seu esvaziamento semântico (dessemantização), podendo chegar à mudança categorial 77 (o caso do verbo predicador a verbo-suporte e o do verbo-suporte dar). f) especialização: a categoria de verbo-suporte dar especializou-se nas funções de verbalizar nomes e de focalizar a noção geral de atividade. 75 O verbo dar, em dá pulos, não apresenta sentido transferencial, indicando noção geral de ação/atividade. 76 As formações verbais podem conter simplesmente a seqüência constituída de vogal temática e sufixo de flexão (cf. MATEUS et alii, 2003) ou, entre outras possibilidades, sufixos, como os latinos “EAR”, “EJAR” e “FICAR” (ou “IFICAR”), de acordo com Rocha Lima (1992:208) 77 O termo “mudança categorial” considera a existência de características sintáticas distintas daquelas presentes na forma fonte, como, por exemplo, o modo de seleção de argumentos. 110 g) decategorização: o verbo predicador dar, ao passar à categoria de verbo-suporte, deixa de ser o núcleo semântico da predicação e não apresenta mais a propriedade de ser seu único núcleo sintático, pois compartilha esta função com o SN que o acompanha e aquela é desempenhada por este. Logo, alguns processos morfossintáticos da categoria de origem modificam-se na categoria alvo, gramaticalizada. h) perda de autonomia: dar (no papel de verbo-suporte) liga-se a um SN com o qual forma um predicador complexo, cujos componentes mantêm maior ou menor integração; disso resulta que a forma verbal, além de compartilhar a função de projetar argumentos com o SN, deixa de ser o núcleo semântico da predicação, função exercida pelo SN. A seguir, eis o esquema, fundamentado em Heine et alii (1991), que ilustra a cadeia de gramaticalização de dar: Verbo PREDICADOR Verbo PREDICADOR NÃO Pleno PLENO (transferência metafórica) Verbo PREDICADOR NÃO Pleno (valores não transferenciais) Verbo PREDICADOR a VerboSUPORTE VerboSUPORTE Figura 9: Cadeia de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte Pode-se analisar essa cadeia com base no que Heine et alii (1991) denominam macroestrutura e microestrutura (cf. seção 3.1.2). A primeira refere-se às relações metafóricas, de analogia entre os domínios, e é claramente notada na passagem da categoria de verbo predicador pleno para verbo predicador não pleno (com sentido transferencial). A categoria de verbo predicador pleno, de natureza [+lexical], envolve a transferência de algo concreto (ex.: O ladrão deu a arma ao policial), enquanto a segunda representa o início de uma extensão semântica (metaforização) em que o objeto transferido passa a apresentar o traço [+abstrato] (ex.: O vendedor deu muitas vantagens a seus clientes). A extensão metafórica prossegue e origina outros usos não plenos de dar, nos quais a noção transferencial é pouco nítida ou inexistente, e, portanto, o verbo passa a ser usado com sentidos semelhantes ao de outros predicadores, tais como: gerar, causar, bater, atribuir, e outros. É nítida a 111 configuração da microestrutura a partir da passagem da categoria de verbo predicador não pleno à categoria de verbo predicador a verbo-suporte e desta à categoria alvo de verbosuporte, pois o emprego de dar, em diferentes contextos pragmático-discursivos, acarreta uma espécie de “ressemantização” ou “reanálise metonímica”, que faz com que o item passe pela perda de algumas propriedades da categoria-fonte (verbo predicador) e pela assimilação de algumas propriedades da categoria-alvo (verbo-suporte). Um dos procedimentos analíticos que viabilizam aprofundar o conhecimento da extensão semântica e/ou morfossintática desencadeada pelo processo de gramaticalização é confrontar a configuração semântico-sintática do marco predicativo básico de predicações com dar predicador com a de outras predicações mais ou menos afastadas dessa configuração básica . Com base em Dik (1997), expõem-se os marcos predicativos mais produtivos que apareceram relacionados às categorias de dar identificadas no corpus. Para tanto, utilizaramse as seguintes informações numa sistematização que precede a explicação de todas as predicações analisadas: CONTEXTO [PREDICAÇÃO EM ANÁLISE] MARCO PREDICATIVO: C 78 : [Regra de formação dos predicados] (f: núcleo da predicação) [estado de coisas, parâmetros] 79 As possibilidades combinatórias do predicado determinam a estrutura fundamental da predicação nuclear e os constituintes que servem para expandi-la. Os marcos predicativos expostos no esquema modelo mostram as seguintes informações: a forma do predicado, a categoria sintática do predicado (verbal [V] ou verbo-nominal [VN]), a valência quantitativa (n° de argumentos – x1, x2, x3, x4, etc.), as funções sintáticas dos argumentos (sujeito ou objeto), o tipo e a quantidade de satélites presentes na predicação (se houver algum). Além disso, expõem-se os estados de coisas que a predicação designa juntamente com os 78 A letra “C” encontra-se no sentido genérico de camada à qual a predicação pertence (cf. camadas da estrutura subjacente de cláusula na seção 3.1.1). De acordo com Dik (1997), as camadas podem constituir-se de: uma predicação nuclear (C1); uma predicação central (C2), uma predicação estendida (C3), uma proposição (C4) e um ato de fala (C5). O uso da letra “C” para representá-las foi uma opção para facilitar a leitura dos esquemas, pois, na verdade, Dik (1997) representa as três primeiras camadas como “[e]” e as duas últimas como “[X]” e “[E]”, respectivamente. Além disso, a letra “f” precederá a informação sobre o estado de coisas da predicação, pois se refere apenas à união do núcleo (verbal ou verbo-nominal) com os argumentos. 79 DIK, 1997, v.1, capítulo 4 (The nuclear predication), item 4.2.4 (Redundancy rules), página 86. 112 parâmetros que são usados para identificá-los. Apesar de não serem expostos na sistematização, ao longo da análise, consideram-se ainda a valência qualitativa (funções semânticas dos argumentos) e outros parâmetros de transitividade, tais como intencionalidade, agentividade, afetamento e individuação (HOPPER e THOMPSON, 1980). No corpus, encontraram-se usos de dar como verbo predicador pleno 80 , cujas predicações envolvem três e dois argumentos e exprimem a transferência ([+dinâmico]) de uma entidade meta de um participante (emissor) a outro (destinatário). O emissor apresenta-se com função semântica de agente por controlar ([+controle]), intencionalmente, a ação de transferência. O termo meta é afetado, já que passa por uma mudança perceptível (da “posse” de um participante para a de outro ou do “domínio” de um participante para o de outro). Além disso, apresenta-se individuado, ou seja, em geral, com as seguintes propriedades: concreto, singular, contável e referencial. Os parâmetros [+dinâmico] e [+controle] presentes nesses tipos de predicação fazem com que o estado de coisas veiculado seja evento do tipo ação que pode ser ainda classificado como atividade (ações em que não se conhece o ponto final – parâmetro [-télico]) ou realização (ações que atingem o ponto final – parâmetro [+télico]). O marco predicativo básico prototípico do verbo predicador pleno encontra-se em ambas as predicações a seguir; na primeira, há 3 argumentos manifestados, enquanto, na segunda e na terceira, há apenas dois 81 . A. Assim que [eu dei o copo d’água para ela], ela resolveu contar tudo. [PB escrito, D&G, 8ª série, Narrativa recontada, inf. 28] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:eu)agente (x2: o copo d’água)meta (x3: para ela)destinatário] (f: dar) [V, ação (realização), +controle, +dinâmico, + télico] Na predicação em análise, demonstra-se um estado de coisas do tipo ação (realização). É possível notar algum tipo de dinamismo, pois há mudança na transferência de X2 (o copo d’água) de X1 (eu) a X3 (ela) ([+dinâmico]) 82 . O argumento X1, então, apresenta função 80 Apenas são consideradas predicações em que o verbo dar se apresenta acompanhado de um SN; logo, não foram analisadas predicações com apenas 1 argumento que não seja o SN. 81 Não foram encontradas no corpus predicações cujo argumento sujeito se apresenta inanimado e cujo o argumento meta se apresenta animado e/ou humano. No entanto, sabe-se que predicações como “O governo dá dinheiro aos pobres” e “Eu dei meu cachorro para minha tia” são perfeitamente aceitáveis e também apresentam marco predicativo básico referente à predicação com verbo predicador pleno dar. 82 Para atestar a validade dessa análise, Dik (1997) sugere a possibilidade de inserção do satélite de velocidade “rapidamente”: eu dei o copo d’água para ela rapidamente, o que ratifica o caráter [+dinâmico] da predicação. 113 sintática de sujeito e controla, intencionalmente, a ação designada pelo estado de coisas ([+controle]), o que faz com que tenha a função semântica de agente. O argumento X2, com função sintática de objeto, é a entidade afetada pela transferência realizada pelo agente (sofre deslocamento de X2 para X3) e, portanto, tem função semântica de meta, além de ser considerado individuado, por ser concreto, singular, contável e referencial. O argumento X3 representa a entidade que recebe X2 e, portanto, é considerado semanticamente como destinatário e sintaticamente como objeto. O parâmetro [± télico] apresenta-se positivamente marcado ([+télico]), pois não se pode ter a idéia de que a ação veiculada pelo estado de coisas da predicação é infinita; pelo contrário, possui um tempo determinado por um operador de nível 2 (π2 = pretérito perfeito) que indica que o estado de coisas ocorreu em um intervalo anterior ao momento de fala. A presença desse operador faz com que essa predicação seja classificada como estendida. B. O garoto então disse que se fosse vencido no jogo da velha [ele daria uma rosa], mas se ele me vencesse eu teria que comprar uma rosa. [PB escrito, D&G, 2° ano do E.M., Narrativa recontada, inf. 24] MARCO PREDICATIVO: C4: [dar [V] (x1:ele)agente (x2: uma rosa)meta] (f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, - télico] É possível atribuir o parâmetro [+dinâmico] para esta predicação devido ao fato de o argumento X1 (ele) ser responsável ([+controle]) pela transferência intencional do argumento X2 (uma rosa) para um argumento X3 que não está manifestado na predicação (pelo contexto, identifica-se esse argumento – é outra pessoa, a que está relatando a narrativa). O argumento X1 é sintaticamente classificado como sujeito e, semanticamente, como agente, enquanto X2 possui função sintática de objeto, apresenta função semântica de meta, pois, além de ser individuado (concreto, singular, contável e referencial), é afetado pelo agente (sofre o deslocamento/transferência). Devido aos parâmetros [+dinâmico] e [+controle], o estado de coisas da predicação é uma ação. Ademais, é uma ação do tipo atividade, pois não é possível reconhecer, na predicação, um ponto final do estado de coisas expresso, visto que o operador de nível 2 (π2 = desinência modo-temporal “ria”) indica ação no do futuro do pretérito, o que permite classificar a predicação como estendida. 114 C. [Deram droga ao meu filho] para experimentar, mas ele não fuma nem sequer tabaco. [PE escrito, Correio da Manhã, Notícia, 25/08/07] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1: droga)meta (x2: ao meu filho)destinatário] (f: dar) [V, ação (realização), +controle, +dinâmico, + télico] A predicação C é estendida (C3). O operador de nível 2 (π2), representado pela desinência número-pessoal “ram” do verbo, localiza a ação (realização) no tempo passado ([+télico)], configurando a ação do tipo realização. Esse operador também indica que o sujeito dessa ação está indeterminado. Na verdade, pelo contexto, é possível afirmar que o argumento sujeito é agente e que, intencionalmente, controla ([+controle]) a transferência ([+dinâmico]) da entidade meta (droga) para o destinatário (meu filho). O argumento X1, além de apresentar função sintática de objeto, pode ser considerado afetado, por essa ação de mudança de posição em direção a X2 (sintaticamente, outro objeto da predicação), e individuado, por ser concreto, singular, contável e referencial. Os próximos marcos predicativos referem-se às extensões de sentido de dar quando se apresenta como verbo predicador não pleno. Optou-se por apresentá-los em ordem crescente de dessemelhança em comparação ao marco predicativo básico (verbo predicador pleno). EXTENSÕES DE SENTIDO PREDICAÇÕES NÚMERO DE ARGUMENTOS ESTADO DE COISAS 1.Fornecer DeE 3 ação e processo 2.Atribuir FeG 3 (F) e 2 (G) ação e processo 3.Ensinar H 2 ação 4.Produzir I 2 processo 5.Causar J 3 processo 6.Bater K 1 processo 7.Ocorrer L 1 processo 8.Ter M 2 estado O primeiro critério pertinente para a ordenação foi o grau de afastamento da extensão de sentido do predicador não pleno em relação ao predicador pleno, que contém o marco predicativo básico de dar. As construções cujo verbo veicula as extensões de sentido 1, 2, 3 e 4 ainda exprimem o valor de transferência, variando seu grau de abstração/metaforização, o 115 que faz com que, na cadeia de gramaticalização, se localizem mais próximas às predicações que apresentam o marco predicativo básico de dar do que as que não expressam esse valor (5, 6, 7 e 8) 83 . O segundo parâmetro levado em consideração foi o tipo de estado de coisas apresentado pela extensão semântica. “Ação”, “processo” e “estado” configuram a escala de tipos de estados de coisas desde o mais próximo até o mais afastado, em relação ao estado de coisas manifestado na configuração de dar como predicador pleno (ação). O último critério levado em conta foi a valência quantitativa, o número de argumentos projetados pelo predicador – quanto mais próximo de 3, mais semelhante ao marco predicativo básico do predicador pleno. Ressalta-se que essa ordenação se realizou com base apenas em estruturas do corpus e na configuração sintático-semântica que estas manifestam 84 . A extensão de sentido fornecer está relacionada a dois tipos de estado de coisas que a predicação com dar pode expressar: ação e processo. D. Passando-se por vulto cultural, o candidato copiou e falou da enciclopédia gratuita "online", e sem qualquer referência, artigos sobre Torga, Antonioni ou Bergman. [Pelo menos, ele deu cultura ao povo]. [PE escrito, Expresso, Artigo de opinião, 03/09/07, Gente tola na estação tola] MARCO PREDICATIVO: C4: [dar [V] (x1:ele)agente (x2: cultura)meta (x3: ao povo)destinatário] (pelo menos)σ3] (f: dar) [V, ação (realização), +controle, +dinâmico, +télico] E. [O fato dá uma credibilidade especial ao governo], e o credencia a encaminhar ao Congresso, com chances de êxito, propostas impossíveis de serem aprovados. [PB escrito, O Globo, 16/01/03, Editorial, Todos iguais] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:o fato)força (x2: uma credibilidade especial)meta (x3: ao governo)destinatário] (f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico] Nos marcos predicativos D e E, ocorre uma transferência metafórica, devido à natureza dos argumentos metas (X2) que é abstrata (cultura e credibilidade especial, respectivamente). 83 Cf. figura 10 ao final desta seção para checar a distribuição das predicações na cadeia de gramaticalização de dar. 84 Isso significa que o leitor pode, com base nos exemplos expostos, lembrar de predicações distintas, nas quais o verbo dar se associa à categoria em análise, mas que, por não aparecerem no corpus, não foram contempladas. 116 Esta propriedade colabora para tornar X2 não-individuado (são abstratos, incontáveis, nãoreferenciais, inanimados e comuns) e afetado, pois, ainda que metaforicamente, X2 é passado/transmitido a X3 (semanticamente, um destinatário). Uma diferença entre D e E é o fato de esta configurar uma predicação estendida (C3 – localizada no tempo presente), enquanto aquela é uma proposição (C4), por conter o satélite de nível 3 (σ3) que indica uma avaliação do falante que produziu a predicação – com o emprego de pelo menos, o falante ressalta um aspecto positivo da ação do candidato. Os estados de coisas das duas predicações distinguem-se, principalmente, porque, em D, a transferência ([+dinâmico]) decorre da ação intencional ([+controle]) do argumento sujeito agente (X1 – ele) para o argumento destinatário X3 (povo), enquanto, em E, X1 realiza a transferência de forma não-intencional e, por isso, é classificado como força. Essa diferença caracteriza o estado de coisas de C como ação e o de D como um processo. Quanto à telicidade, em C, é possível, pelo operador de nível 2 (π2 – desinência verbal “u”), determinar que houve um ponto final da ação no passado ([+télico]) e, por isso, considerar a ação uma atividade. Diferentemente, em D, o tempo verbal encontra-se no presente e, por isso, não se localiza o fim do processo ([-télico]), classificado como dinamismo. A extensão de sentido atribuir também está relacionada a dois tipos de estado de coisas que a predicação com dar pode expressar: ação e processo. F. (...) os professores também são muitos legais... eu acho ela o máximo... muitas boas, elas sempre manda as pesquisas... pra gente... a gente faz... [elas dão nota]... [PB oral, D&G, 4ª Série do E.F, Relato de opinião, inf. 43] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:elas)agente (x2: nota)meta] (f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, - télico] G. [A Graúna dá vigor aos cabellos], torna-os abundantes, macios e sedosos como um velludo. A Graúna, applicada no bigode, tem produzido os melhores resultados (...) [PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio, 1° de maio de 1901, p.4] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:a Graúna)força (x2: vigor)meta (x3: aos cabelos)destinatário] (f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico] 117 Em F, o argumento sujeito e agente (elas) transfere/passa ([+dinâmico]) o argumento meta (nota) para um argumento destinatário, que não se manifesta na predicação, mas é depreendido pelo contexto (as pesquisas dos alunos). De forma semelhante, em G, a utilização do argumento sujeito (Graúna) faz com que este atue ([+dinâmico]) sobre o argumento destinatário (X3 = cabelos), transferindo-lhe/passando-lhe o argumento meta (vigor). Essa transferência é considerada metafórica devido ao caráter não-individuado e afetado dos argumentos meta (nota e vigor são termos abstratos, comuns, inanimados e nãoreferenciais que são passados/transmitidos aos argumentos destinatários). Entre F e G, há diferença no papel semântico do argumento sujeito (X1). Na primeira predicação, X1 (elas) é agente, pois controla ([+controle]), intencionalmente, o estado de coisas (ação), enquanto, na segunda, X1 é força, pois não tem controle ([-controle]) sobre o estado de coisas (processo), apesar de colaborar para sua realização. Por não ser possível determinar o ponto final da ação (F) e do processo (G) presente em ambas as predicações, estas apresentam o traço ([-télico]), que as subclassifica como atividade e dinamismo, respectivamente. Ademais, por serem localizadas no tempo presente, ambas as predicações são consideradas como estendidas. Apenas um tipo de estado de coisas – ação – foi manifestado no corpus com a acepção do verbo dar como ensinar . H.) I: minha irmã estuda num colégio particular e ela é mais pequena então [a professora dela dá todas as matérias] e aí ... ela não conseguia fazer conta (...) [PB oral, D&G, 4ª Série do E.F., Relato de opinião, idade: 9 anos, inf. 37] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1: a professora dela)agente (x2: todas as matérias)meta] (f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, -télico] Considera-se que a ação expressa pela predicação H constitui uma transferência metafórica, pois o argumento sujeito X1 (a professora dela) é o responsável (agente) pela “transferência/emissão” intencional ([+controle]) de “conteúdos” (todas as matérias – argumento meta X2) para o argumento X3, que não está manifestado na predicação, mas que, pelo contexto, pode ser considerado os alunos ou a irmã da informante. Semanticamente, o argumento meta é afetado (ainda que metaforicamente, é passado/transmitido para um destinatário – X3) e não-individuado (abstrato, não-referencial, inanimado e comum). Essa transferência, ainda que metafórica, caracteriza o dinamismo ([+dinâmico]) da ação de ensinar todas as matérias que, por não apresentar término (localizada no tempo presente – predicação estendida), pode ser classificada como atividade ([-télico]). 118 Com a extensão de sentido produzir, a predicação com dar manifestou apenas um tipo de estado de coisas no corpus: processo. I.) [As vacas] aguentam-se perfeitamente em pé e [dão leite.] [PE escrito, VARPORT [NOTÍCIA], E-P-95-Jn-012, Público, 15.03.1992] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:as vacas)força (x2: leite)meta] (f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico] Na predicação I, é possível notar algum tipo de dinamismo ([+dinâmico]) referente a “dar leite”, visto que o argumento X1 (as vacas) produzem, por meio de seu metabolismo, X2 (uma substância – leite). Este é afetado, pois foi gerado a partir de um processo de produção, e não-individuado (concreto, incontável, inanimado e comum). A função sintática de X1 é sujeito, apresenta o traço [-controle], já que o ato de “dar leite” é consumado quando alguém ou algo retira o líquido da vaca, pois esta não o elimina intencionalmente. Por ser responsável pelo estado de coisas, apesar de não o controlar, tem função semântica de força. Ademais, os parâmetros [+dinâmico] e [-controle] classificam a predicação como um processo. Considerase que, quando o argumento X2 (leite) é produzido, um argumento X3, que, nesta predicação, não está manifestado (pode ser um animal, bezerro ou alguém, quem a ordenha), apresenta papel semântico de destinatário, ou seja “recebe” X2 (leite), o que não deixa de configurar uma transferência metafórica. O processo é considerado dinâmico, pois o parâmetro [± télico] apresenta-se negativamente marcado ([-télico]), já que o estado de coisas da predicação não possui tempo final determinado (localiza-se no presente do indicativo – predicação estendida). No corpus, com a extensão de sentido causar, a predicação com dar manifestou apenas um tipo de estado de coisas: processo. J. (...) a bermuda mesmo curta não aparece nada... só aparece a metade das pernas... e ela não gosta disso não... [isso me dá um ódio]... [riso] só isso mesmo... [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Relato de opinião, idade: 15 anos, inf. 36] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:isso)força (x2: ódio)meta (x3: me)destinatário] (f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, - télico] 119 Quanto à predicação J, acredita-se que o argumento meta (ódio) é um sentimento, algo gerado (portanto, há alguma modificação em X3 – [+dinâmico]) não intencionalmente ([controle]) no argumento objeto destinatário (X3 = me) em virtude da ocorrência de um fato (X1 = isso, pronome demonstrativo que se refere ao fato de outra pessoa não gostar da vestimenta do destinatário). Logo, não foi o fato que realizou uma transferência metafórica do sentimento (ódio); na verdade, X2 é também considerado afetado, pois foi criado/desencadeado pela reação do argumento X1. Ademais, é não-individuado (abstrato, incontável, não-referencial, inanimado e comum), além de ter função sintática de objeto. O argumento X1, sujeito, é considerado força, por desencadear o processo de forma nãointencional. Este não tem seu término identificado ([-télico]) e, por isso, é subclassificado como dinamismo. Ademais, a predicação é localizada no tempo presente, uma predicação estendida. Com as extensões de sentido bater e ocorrer, as predicações com dar expressaram, no corpus, apenas um tipo de estado de coisas: processo. K. Quando [deu a hora de nós irmos para a escola], minha mãe nos arrumou e nós fomos e deixamos minha mãe em casa. [PB escrito, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 16 anos, inf. 26] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1: a hora de nós irmos para a escola)processado] (f: dar) [V, processo (mudança), -controle, +dinâmico, +télico] L. (...) mas tem uns aí que sabe mexer no motor na parte elétrica né ... quando [dá algum problemazinho]. [PB oral, APERJ, inq.169A, faixa A, nível 1] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:algum problemazinho)processado] (f: dar) [V, processo (dinamismo), -controle, +dinâmico, -télico] Em K, dar apresenta valor temporal que permite a organização de predicações que, muitos gramáticos (entre os quais, Rocha Lima, 1992: 400) 85 , têm por sujeito a indicação de 85 Tal configuração de predicação está de acordo com o parâmetro da relação de concordância para identificação do constituinte sujeito, segundo o qual esse termo é aquele com o qual o verbo concorda. É interessante lembrar, entretanto, que: (i) no Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0, há observação quanto ao emprego de dar como equivalente de bater/soar “em exemplos de concordância por atração com objeto direto: deram duas horas, vão dar duas horas”; e (ii) há estruturas (também citadas nas gramáticas) em que, com valor 120 horas ou de um horário específico e, em L, o verbo apresenta acepção de ocorrer. Essas extensões de sentido fazem com que as predicações não sejam formadas por um argumento que controle o estado de coisas ([-controle]). Além disso, possibilitam a configuração sintática das predicações com dar + SN; no entanto, diferentemente dos demais exemplos analisados até então, o SN nessa posição constitui o argumento sujeito da predicação (e não objeto) e, por não controlar seu estado de coisas, pode ser considerado semanticamente como processado (entidade envolvida em um processo). O estado de coisas em K é localizado no tempo passado e, em L, no tempo presente; portanto, essas predicações são estendidas (C3). O parâmetro [+dinâmico] que é determinado pelo fato de veicularem alguma mudança (há uma mudança no horário em K e uma mudança na condição do carro ou de seu motor em L). O estado de coisas em K é concluído ([+télico]), o que o subclassifica como “mudança”, enquanto, em L, não se pode detectar seu término, sendo subclassificado como “dinamismo”. A extensão de sentido ter/possuir ocorreu relacionada a apenas um tipo de estado de coisas que a predicação com dar pode expressar: estado. M. Não pode contar com a rede, com a rede [o robalo dá dez quilos]...sem a rede que é o certo dá sete . [PB oral, VARPORT, Op-B-90-2m-004, faixa B, nível 1] MARCO PREDICATIVO: C1: [dar [V] (x1:o robalo)zero (x2: dez quilos)zero] (f: dar) [V, situação (estado), -controle, -dinâmico] Na predicação M, o argumento X2 (dez quilos), funciona sintaticamente como um objeto e semanticamente como uma característica de X1 (argumento sujeito – o robalo), o que corrobora a análise de o estado de coisas não expressar dinamismo [-dinâmico]. O fato de o argumento X1 não controlar o estado de coisas ([-controle]) faz com que a predicação possa ser classificada como situação do tipo estado. O argumento X2 é considerado não-afetado e temporal, dar organiza predicações que têm “a indicação de horas” com relação gramatical de objeto direto (O relógio deu três horas). Esse tratamento dado a essa acepção de dar (“em que uma parte não combina com a outra”) resulta e é revelador de aspectos/parâmetros envolvidos na cadeia de extensão de sentido/uso de dar: persistência, assimetria entre forma e significado, por exemplo. 121 não-individuado (abstrato, não-referencial, inanimado e comum). Decidiu-se classificar ambos os argumentos apresentados como zero, pois estão envolvidos em um estado 86 . As construções dar + SN que foram vinculadas à categoria intermediária verbo predicador a verbo-suporte dar podem ser interpretadas de duas maneiras: (i) como componentes de predicações que apresentam predicador simples, seu núcleo sintático e semântico, e SN que, com aquele, tem relação gramatical de objeto e (ii) como componentes de predicações em que o SN é o núcleo semântico na especificação do evento e se alia ao verbo dar que lhe confere o papel predicante e com o qual partilha a função de projetar argumentos e atribuir-lhes papel temático. Hopper e Thompson (2001:32) mencionam que predicações do segundo tipo podem ser consideradas “compostos V-O” (V-O compounds) e devem apresentar, pelo menos, uma característica das seguintes: (i) ser uma construção lexicalizada; (ii) não ter um “O” referencial; e (iii) ter um “V” “leve” semanticamente. N. Agora e "apanhando quase toda a gente de surpresa", como escreveu o 'Público', descobre-se que o novo Código de Processo Penal, à beira de ser votado na Assembleia, proíbe e penaliza a divulgação de escutas telefónicas recolhidas em processo-crime, excepto se já não estiverem em segredo de justiça e [os próprios escutados derem o seu consentimento]. [PE escrito, Expresso, Artigo de opinião, 15/09/07, Escutas, telefonemas e fantasmas] Primeira interpretação: PREDICAÇÃO COM 2 ARGUMENTOS MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1: os próprios escutados)agente (x2: o seu consentimento)meta] (f: dar) [V, ação (atividade), + controle, +dinâmico, - télico] Segunda interpretação: PREDICAÇÃO COM 1 ARGUMENTO MARCO PREDICATIVO: C1: [dar o seu consentimento [VN] (x1: os próprios escutados)agente] (f: dar o seu consentimento) [VN, ação (atividade), + controle, +dinâmico, - télico] Em ambos os marcos predicativos apresentados para a predicação N, X1 (os próprios escutados) tem o papel semântico de agente e a função sintática de sujeito, além de controlar intencionalmente ([+controle]) o estado de coisas expresso pela predicação. Este é 86 Na verdade, Dik (1997:20) não previu essa função semântica na posição de X2. Essa decisão foi tomada porque considerar X2 como meta (previsto por DIK) implicaria que esse argumento fosse controlado por um agente, posicionador ou força. 122 considerado ação do tipo atividade porque contém dinamismo ([+dinâmico)] e porque não é possível detectar seu término (o verbo indica futuro hipotético – [-télico]). No caso da primeira interpretação, esse dinamismo decorre do fato de o argumento X2 (o seu consentimento – afetado) ser concedido/transferido para um argumento X3, destinatário que não está manifestado na predicação (pelo contexto, é possível compreender que se trata de qualquer pessoa que deseja divulgar escutas telefônicas). O dinamismo, na segunda interpretação, consiste em o argumento X1 consentir/concordar com o fato expresso no contexto (argumento X2 não manifestado). Logo, no primeiro marco predicativo, o SN o seu consentimento é o segundo argumento e tem função de objeto projetado pelo verbo predicador dar (núcleo sintático e semântico da predicação), enquanto, no segundo marco predicativo, o SN o seu consentimento desempenha papel de núcleo semântico da predicação e, com o verbo esvaziado de significado, projeta o argumento X1, formando um predicador complexo. A leitura de dar + SN como um “composto V-O” (V-O compound) só foi possível devido ao caráter não-individuado (abstrato, incontável, não-referencial e inanimado) do SN. No entanto, o fato de o núcleo do SN vir acompanhado de um pronome (seu) demonstra que os componentes dar e SN não estão tão integrados. O. Ela disse que não tinha o dinheiro... aí ele disse que ia ajudar ela... ele tem pena dela... aí ele disse que [sempre... ele dá jeito em tudo] e o importante era ter saúde para conseguir arrumar o dinheiro, né? Conseguir trabalhar... [PB oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa recontada, idade: 18, inf. 24] Primeira interpretação: PREDICAÇÃO COM 2 ARGUMENTOS MARCO PREDICATIVO: C3: [dar [V] (x1:ele)agente (x2:jeito)meta (x3: em tudo)] (sempre)σ2 (f: dar) [V, ação (atividade), +controle, +dinâmico, -télico] Segunda interpretação: PREDICAÇÃO COM 1 ARGUMENTO MARCO PREDICATIVO: C1: [dar jeito [VN] (x1: ele)agente (x2: em tudo)] (sempre)σ2 (f: dar jeito) [VN, ação (atividade), + controle, +dinâmico, - télico] Na primeira e na segunda interpretação da predicação O, o argumento X1 (ele) é sujeito e agente, além de ser o responsável por controlar intencionalmente ([+controle]) o estado de coisas expresso pela predicação. Esta é considerada estendida (C3), pois está localizada no 123 tempo presente. Por não ser possível detectar seu término, já que apresenta um satélite de nível 2 (σ2 = sempre), a telicidade é marcada negativamente [-télico], o que faz com que o estado de coisas seja uma ação do tipo atividade. A primeira interpretação envolve um dinamismo que consiste na criação de algo (um jeito/uma maneira) para encontrar uma solução (fazer alguém virar palhaço...). Logo, diferentemente da predicação N, não se detecta transferência metafórica. A segunda interpretação envolve um dinamismo devido ao fato de X1 (ele) solucionar X2 (tudo). Logo, no primeiro marco predicativo, jeito e em tudo representam o segundo e o terceiro argumentos, respectivamente. Ambos têm função de objeto projetado pelo predicador dar. No segundo marco predicativo, a construção dá jeito é considerada um “composto V-O” (V-O compound), pois o argumento X1 (ele) e o argumento X2 (em tudo) são projetados tanto pelo verbo dar (com esvaziamento semântico) quanto pelo SN jeito, pois esses elementos formam um predicador complexo, partilhando essa função. O fato de, em N e em O, na primeira interpretação, dar se comportar como um predicador não pleno (significado transferencial em N e não transferencial em O) faz com que as predicações N e O possam ser consideradas exemplos de construções em que dar e SN apresentam níveis intermediários de integração. Logo, na cadeia de gramaticalização, localizam-se entre as construções cujo SN constitui um argumento projetado pelo verbo (objeto sintático da predicação, sem qualquer grau de incorporação a esse item) e as construções cujo SN está totalmente incorporado ao verbo, não havendo possibilidade de modificar sua configuração sintática com a inserção e/ou substituição de elementos, por exemplo (são as construções localizadas mais próximas à ponta da seta da figura 10). As predicações com verbo-suporte do corpus apresentam o estado de coisas evento (ação (atividade) e processo (mudança)). Na cadeia de gramaticalização de dar, alguns marcos predicativos que se localizam no domínio da categoria de verbo-suporte dar estão mais próximos da categoria de verbo predicador a verbo-suporte, enquanto outros se encontram bastante afastados dela, pois pertencem a construções com verbo-suporte prototípicas. P. (...) [ele (...) deu banana à torcida]. Disse não estar nem aí. Desse jeito, ficará mesmo sem lugar para estar. Seja aí, ali, ou acolá. [PB escrito, Extra, 23-03-04, Artigo de opinião, O bebê de Rosemary] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar banana [VN] (x1:ele)agente (x2: à torcida)destinatário] (f: dar banana) [VN, ação (realização), +controle, +dinâmico, +télico] 124 A predicação P apresenta um argumento X1 (ele) com função sintática de sujeito e função semântica de agente, por controlar ([+controle]) o estado de coisas expresso, cujo dinamismo é detectado pelo fato de dar bananas consistir em uma realização de um gesto com as mãos, havendo movimentação/mudança no estado de X1. A presença dos parâmetros [+dinâmico] e [+controle] faz com que o estado de coisas seja considerado uma ação que, por se localizar em tempo passado (por isso, uma predicação estendida), marca a telicidade positivamente ([+télico]). Pelo contexto situacional, percebe-se que o predicador complexo retém algum grau de transferência, ainda que bastante metafórico, pois o ato de dar banana é, nesse contexto, um gesto feito para ofender (em direção à) a torcida (X2) que o “recebe”, apresentando função semântica de destinatário. Esse valor transferencial metafórico e o fato de o estado de coisas expresso ser uma ação constituem características que colaboram para que, em uma cadeia de gramaticalização de dar, essa predicação seja alocada como exemplo de construção com verbo-suporte mais próxima à categoria híbrida de verbo predicador a verbo-suporte. A leitura incorporada do SN ocorre em função de “banana” ser, nesse contexto, um termo não-individuado (abstrato, inanimado e não-referencial). O grau de incorporação do SN não é tão alto devido à possibilidade de inclusão, entre os componentes desse predicador complexo, de elementos menos determinantes (ele deu muita banana à torcida) e modificadores (ele deu uma banana bem grande à torcida 87 ). Ademais, o significado de “banana” afasta-se bastante do significado básico de “tipo de fruta”, formando, com o verbo, uma expressão (semi-)lexicalizada 88 , uma das características que Hopper e Thompson (2001) atribuem para os “compostos V-O” (V-O compounds). 87 A inserção desse modificador na predicação baseou-se na seguinte frase produzida e divulgada na internet: “O Governador deveria dar uma banana bem grande para essa corja que agora quer que o governo resolva a incompetência deles com o dinheiro do contribuinte”. (Fonte: www.ecbahia.com.br/forum/forum_display.asp?messageNo=3&threadID=6222) 88 Esteves et alii (2006) consideram expressões semi-lexicalizadas aquelas cujo sentido de um dos componentes pode ser recuperado. Considera-se dar bananas uma construção semi-lexicalizada, pois o verbo dar ainda retém a noção transferencial, enquanto banana não apresenta seu significado básico de tipo de fruta. 125 Q. Se o PMDB quer conservar o poder, constata Ulysses, tem que se atravessar no caminho dos demagogos, ou batê-los no seu próprio jogo. Montado na sua Constituiçãocidadã, o candidato [Ulysses dá conta de que cavalga um cavalo de vento]. Quem olhar bem verá que ele não tem nada entre as pernas. [PB escrito, BN - JB, Editorial, 23 de outubro de 1988, O Cavalo de Vento, p.11] MARCO PREDICATIVO: C3: [dar conta [VN] (x1: a gente)força (x2: de que cavalga um cavalo de vento)meta ] (f: dar conta) [VN, processo (mudança), - controle, +dinâmico, + télico] A predicação Q apresenta um estado de coisas [+dinâmico], pois dar conta implica uma mudança do argumento sujeito (X1-Ulysses) que passa a perceber algo. X1 tem função semântica de força por ser o responsável não-intencional ([-controle]) pelo estado de coisas. Este, devido à combinação dos parâmetros [-controle] e [+dinâmico], configura-se como processo e, por não ser possível detectar seu término (localizado no tempo presente – predicação estendida), é subclassificado como “dinamismo”. Em Q, diferentemente da predicação P (ele deu banana à torcida), não é possível detectar transferência de natureza metafórica, pois, em dar conta (perceber), dar expressa noção geral de ação/atividade. Além dessa diferença, nota-se que o grau de incorporação do SN em P é menor, devido à possibilidade de inserção de elementos na construção, enquanto que, em Q, a incorporação é mais alta, pois não há possibilidade de inserção, seja de elementos menos determinantes, seja de elementos modificadores. Ademais, Q é uma expressão totalmente lexicalizada 89 e seu SN é um elemento não-individuado (abstrato, não-referencial e inanimado), não-afetado e assume função predicante ao se vincular ao verbo-suporte, (dar conta de algo), traços que colaboram para que seja reconhecida como um “composto V-O” (V-O compounds). Na cadeia de gramaticalização de dar, esse predicador complexo apresenta-se como construção com verbosuporte prototípica e, por isso, mais afastada, principalmente, daquelas cujo verbo pertence à categoria lexical de verbo predicador (cf. figura 10). Retoma-se, enfim, a cadeia de gramaticalização de dar, levando-se em conta a distribuição dos exemplos pertencentes aos marcos predicativos analisados: 89 Considera-se dar conta totalmente lexicalizada, pois não é possível compreender seu sentido com base nos significados básicos dos componentes (dar não apresenta transferência e conta não se refere a cálculo/operação aritmética). 126 Figura 10: Cadeia de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) com alguns exemplos do corpus 5.1.2 Distribuição geral dos dados Na próxima tabela, constam os valores de todas as ocorrências encontradas nos corpora – dados orais e escritos provenientes do Português Brasileiro e do Português Europeu nos séculos XX e XXI. Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte PB e PE 69/939 7% 196/939 21% 256/939 27% 418/939 45% Tabela 1: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus). Nas categorias em que o verbo ocorre como item lexical, a produtividade de uso é menor (predicador pleno – 7% e predicador não pleno – 21%), enquanto na categoria em que dar revela comportamento gramatical, a freqüência de uso é maior (verbo-suporte – 45%). Ao assumir características que podem fazer com que esteja ora mais próximo da categoria de verbo predicador, ora mais perto da categoria de verbo-suporte (dados classificados como de verbo predicador a verbo suporte), sua freqüência de uso assemelha-se à de verbo predicador 127 não pleno (verbo predicador a verbo suporte – 27%) e é baixa em relação à da categoria de verbo-suporte. A distribuição geral dos dados está de acordo com a hipótese de que os itens com comportamento gramatical transparente apresentam freqüência de ocorrência maior do que os itens lexicais (BYBEE, 2003). Nos próximos resultados em que se investigam outros contextos de uso, tais como variedades nacionais, modalidades expressivas, tipos textuais e tempo real, obteve-se relativamente a mesma distribuição de ocorrências no que se refere, principalmente, ao emprego de dar como verbo-suporte: são mais produtivos em diversos recortes da amostra PB e PE analisada. Acredita-se, com base na hipótese relacionada à freqüência de ocorrência, na gramaticalização desse item verbal. Naturalmente, considera-se que, em certos recortes, a maior produtividade de determinada categoria funcional de dar pode estar associada também a necessidades de comunicação que são melhor atendidas com esse recurso. 5.1.3 Distribuição dos dados por variedades nacionais Levando-se em consideração a amostra geral de dados, foi possível detectar os seguintes percentuais quanto à distribuição de todas as ocorrências do corpus por variedades nacionais: Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte PB (séculos XX e XXI) 49/674 7% 131/674 19% 179/674 27% 315/674 47% PE (séculos XX e XXI) 20/265 7% 65/265 25% 77/265 29% 103/265 39% Tabela 2: Produtividade das categorias funcionais de dar (todos os dados do corpus) por variedades nacionais 128 A próxima tabela (3) apresenta resultados referentes apenas a ocorrências pertencentes aos gêneros textuais notícias e editoriais, pois são fontes de dados comuns tanto ao PB quanto ao PE nos séculos XX e XXI 90 . Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte PB (séculos XX e XXI) 4/153 3% 28/153 18% 40/153 26% 81/153 53% PE (séculos XX e XXI) 4/99 4% 22/99 22% 33/99 33% 40/99 41% Tabela 3: Produtividade das categorias funcionais de dar em notícias e em editoriais dos séculos XX e XXI pertencentes ao Português Brasileiro e ao Português Europeu As tabelas 2 e 3 demonstram a produtividade de dar distribuída pelas categorias funcionais detectadas no corpus. No Português Brasileiro e no Português Europeu, a produtividade das categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte é maior em relação à das categorias lexicais (cf. percentuais em negrito das duas tabelas). Esse resultado colabora para que se acredite na hipótese de que construções que apresentam dar com comportamento gramatical são produzidas de forma automatizada, ou seja, como unidades únicas de processamento e, por isso, bastante freqüentes. Averiguando-se a distribuição dos dados de cada categoria funcional em estudo por cada uma das duas variedades nacionais (cf. tabela 4), encontra-se o seguinte resultado: dos 121 dados em que dar é verbo-suporte, mais predicações com esse recurso na variedade brasileira (67%); e, dos 73 casos em que dar apresenta comportamento híbrido de verbo predicador a verbo-suporte, também um pouco mais de predicações no PB (55%). Entende-se que tal resultado pode basear-se em duas explicações: (i) a possibilidade de o processo de gramaticalização de dar se encontrar em estágio mais avançado no PB do que no PE; e (ii) a possibilidade de razões discursivas (de expressar certas nuances de estados de coisas) terem determinado a necessidade de se recorrer com mais freqüência a um emprego de dar e não a outro e, em conseqüência, se organizarem mais predicações com uma dada categoria funcional. 90 Excluíram-se, portanto, ocorrências extraídas de depoimentos (orais e escritos) da amostra D&G, textos submetidos à avaliação (redações e provas) e os anúncios – fontes pertencentes apenas ao século XX –, além de artigos de opinião – fonte pertencente apenas ao século XXI. 129 Quanto à produtividade de verbos predicadores, o maior percentual de dar na categoria verbo predicador não pleno em PB (56% de 50 dados), em relação a PE (44%), pode colaborar para favorecer o avanço da gramaticalização de dar naquela variedade nacional (cf. percentuais em negrito referentes à produtividade das categorias em que dar revela comportamento (semi-)gramatical de verbo predicador a verbo-suporte e de verbo-suporte). Tal interpretação pauta-se na hipótese de que o emprego bastante produtivo de um item em diferentes contextos e, portanto, com diferentes extensões de sentido (o verbo dar como predicador não pleno) pode gerar esvaziamento semântico do elemento e a conseqüente transferência categorial (a passagem de dar de uma categoria lexical de verbo predicador para a categoria [-gramatical] de verbo predicador a verbo-suporte e para a categoria [+gramatical] de verbo-suporte). Oco/Total Percentagem (somente dados de textos jornalísticos escritos) PB (Séculos XX e XXI) PE Verbo predicador pleno 4/8 50% 4/8 50% Verbo Verbo predicador predicador não a verbo-suporte pleno 28/50 40/73 56% 55% 22/50 33/73 44% 45% Verbosuporte 81/121 67% 40/121 33% (Séculos XX e XXI) Tabela 4: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional dos séculos XX e XXI em função de variedades nacionais distintas. 5.1.4 Distribuição dos dados do século XX ao XXI Para checar o comportamento do verbo dar no conjunto de predicações coletadas nos séculos XX e XXI, provenientes de PB e PE, consideraram-se apenas dados escritos provenientes de quatro gêneros jornalísticos (anúncios, editoriais, notícias e artigos de opinião), já que não se dispõe de amostras de dados orais relativas a esse recorte temporal. Conforme registrado na tabela 5, é mais significativa a produtividade de emprego de dar nas categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte (28% de 425 dados) e verbo-suporte (47%), principalmente nesta, que representa a categoria com comportamento gramatical mais transparente e, por isso, tão freqüente. 130 Oco/Total Percentagem (PB e PE escrito - séculos XX e XXI) Categorias funcionais de dar 1901-2007 Verbo predicador pleno 13/425 3% 94/425 22% 121/425 28% 197/425 47% Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo suporte Verbo-suporte Tabela 5: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos jornalísticos (anúncios, editoriais, notícias e artigos de opinião) de PB e PE dos séculos XX e XXI. Os resultados da próxima tabela explicitam a produtividade das categorias de dar em função de cada período do século XX investigado. Consideraram-se apenas dados provenientes de anúncios, editoriais e notícias, pois não foram coletados dados de artigos de opinião desse século. Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar 1901-1925 2/56 Verbo predicador pleno 3% 18/56 Verbo predicador não pleno 32% 16/56 Verbo predicador a verbo 29% suporte 20/56 Verbo-suporte 36% 1926-1950 1/33 3% 7/33 21% 10/33 30% 15/33 46% 1951-1975 2/33 6% 9/33 28% 8/33 24% 14/33 42% 1976-2000 2/49 4% 3/49 6% 14/49 29% 30/49 61% Tabela 6: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX (somente corpus escrito – anúncios, editoriais e notícias). Com base nos resultados da tabela 6, é possível confirmar a hipótese de que o percentual de freqüência da categoria mais gramatical de dar (verbo-suporte), semelhante ao que ocorre na tabela 2, é maior do que o das demais categorias em todos os períodos investigados (cf. percentuais em negrito). O esvaziamento lexical desse item faz, provavelmente, com que seu uso seja automatizado na língua e, conseqüentemente, se torne cada vez mais freqüente (cf. BYBEE, 2003). O fato de o verbo-suporte apresentar expressiva produtividade em todos os períodos investigados também é indício de que não é um emprego recente; não foi neste século que essa extensão de uso começou a se delinear, mas em 131 períodos anteriores. Estudos (como, por exemplo, o de CHACOTO, 1996) já atestam construções com verbo-suporte antes do recorte temporal aqui examinado. A tabela 7 demonstra a distribuição dos dados (anúncios, editoriais e notícias) sob outro ponto de vista – por cada categoria funcional e sua relação com cada um dos quatro períodos de tempo no século XX –, levando-se em conta a reunião das ocorrências de verbo predicador (pleno e não pleno). Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar 1901-1925 1926-1950 1951-1975 1976-2000 Verbo predicador (pleno e não pleno) 20/44 45% 8/44 18% 11/44 25% 5/44 11% Verbo predicador a verbo-suporte 16/48 33% 10/48 21% 8/48 17% 14/48 29% Verbo-suporte 20/79 25% 15/79 19% 14/79 18% 30/79 38% Tabela 7: Distribuição dos dados (notícias, editoriais e anúncios) por cada categoria funcional no século XX Os resultados da última coluna corroboram a hipótese inicial de que, ao alcançar estatuto gramatical, dar (como verbo-suporte) passa a ter, com o tempo, maior freqüência de ocorrência – com 38% do 79 dados no último período do século XX –, em relação à que tinha nos outros períodos do século (38% de verbo-suporte no último período contra 25%, 19% e 18% de ocorrência nos primeiro, segundo e terceiro períodos, respectivamente). Em relação à diminuição da freqüência da categoria lexical de predicador (pleno e não pleno) ao longo do século (dos 44 dados encontrados, apenas 5 correspondem ao período de 1976 a 2000; cerca de metade concentra-se no primeiro período (45%)), acredita-se que isso é uma conseqüência do processo de gramaticalização, pois o aumento da freqüência da extensão de uso de dar esvaziado semanticamente (como verbo-suporte) mostra-se inversamente proporcional a seu emprego com diferentes noções de sentidos (como predicador pleno e, principalmente, não pleno), o que explicaria a diminuição da produtividade dessa categoria no último período (1976-2000) do século XX. Para fazer uma comparação entre os usos de dar nos séculos XX e XXI, foram considerados apenas dados oriundos dos gêneros notícia e editorial, excluindo-se os dados de 132 anúncios que são apenas do século XX e os dados de artigos de opinião que são apenas do século XXI. Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar 1901-1925 2/39 Verbo predicador 5% pleno 11/39 Verbo predicador 28% não pleno 12/39 Verbo predicador 31% a verbo-suporte 14/39 Verbo-suporte 36% 1926-1950 1/24 4% 2/24 8% 9/24 38% 12/24 50% 1951-1975 0/22 — 6/22 27% 5/22 23% 11/22 50% 1976-2000 2/40 5% 1/40 2% 10/40 25% 27/40 68% 2001-2007 3/125 2% 30/125 24% 37/125 30% 55/125 44% Tabela 8: Produtividade das categorias funcionais de dar ao longo do século XX e no XXI (somente editoriais e notícias). Pela análise da tabela 8, há um aumento do percentual das categorias com comportamento gramatical (verbo predicador a verbo suporte e verbo-suporte) a cada período, exceto no terceiro (1951-1975), em que há um percentual um pouco maior de verbo predicador não pleno (27% de 22 dados) em relação ao da categoria verbo predicador a verbo-suporte (23%). Na verdade, por essa diferença ser de apenas 4%, é possível considerar a produtividade de ambas categorias bastante semelhantes. Esses resultados vão ao encontro daqueles descritos na tabela 6, demonstrando que a retirada do tipo de texto anúncios não interfere na análise. Ademais, o fato de o aumento da freqüência de categorias gramaticais (verbo predicador a verbo suporte – 30%; verbo-suporte – 44%) também já ocorrer no século XXI corrobora a hipótese de que esse processo de transferência categorial é gradual, ou seja, tende a continuar. A tabela 9 diferencia-se da anterior por explicitar a produtividade dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional ao longo dos períodos do século XX e do primeiro período do século XXI. 133 Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar 1901-1925 1926-1950 1951-1975 1976-2000 2001-2007 Verbo predicador pleno 2/8 25% 1/8 12% 0/8 — 2/8 25% 3/8 38% Verbo predicador não pleno 11/50 22% 2/50 4% 6/50 12% 1/50 2% 30/50 60% Verbo predicador a verbo-suporte 12/73 16% 9/73 12% 5/73 7% 10/73 14% 37/73 51% Verbo-suporte 14/119 12% 12/119 10% 11/119 9% 27/119 23% 55/119 46% Tabela 9: Distribuição dos dados (extraídos de notícias e editoriais) por cada categoria funcional de dar ao longo dos períodos do século XX e do período inicial do século XXI. Observando-se a produtividade de dar nas categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte (total de 73 dados) e verbo-suporte (total de 119 dados), nota-se que, no primeiro, segundo e terceiro períodos do século XX, os índices percentuais são, respectivamente, 12%, 10% e 9% de dados de verbo-suporte e 16%, 12% e 7% de dados na categoria intermediária verbo predicador a verbo-suporte. A diferença entre aquela distribuição por período e esta é bastante baixa (não chega a uma diferença de 10% por período). No entanto, a incidência de dar nessas categorias aumenta no final do século XX a partir do quarto período (1976-2000), e chega a ser bastante significativa no início do século XXI (2001-2007), se comparada à que se registra no quarto período do século XX (19762000): 37% a mais para a categoria de verbo predicador a verbo suporte e 23% a mais para a categoria de verbo-suporte. Tais resultados sinalizam, mais uma vez, o caráter gradual do fenômeno, devido ao fato de a produtividade das categorias gramaticais ser cada vez mais alta com o passar do tempo. Ressalta-se, ainda, o crescimento da produtividade (60% de 50 dados) da categoria de verbo predicador não pleno no século XXI (2001-2007) em relação a sua produtividade (2%) no período anterior (1976-2000). Esse resultado indica que a possibilidade de emprego de dar com diversas extensões de sentido aumentou no século XXI, fato que colabora para seu esvaziamento lexical e, em conseqüência, para favorecer o aumento de produtividade do item como verbo predicador a verbo-suporte (51%) e de verbo-suporte (46%). 134 5.1.5 Distribuição dos dados por modalidade expressiva Para a investigação da produtividade das categorias funcionais encontradas no corpus em função das modalidades expressivas em que foram produzidas, procedeu-se à análise dos dados de PB e PE pertencentes ao último período do século XX (1976-2000), pois é a única fase que apresenta ocorrências tanto de fala quanto de escrita provenientes da amostra de dados do projeto VARPORT. Além disso, consideraram-se ocorrências provenientes da amostra de dados do projeto Discurso e Gramática e, portanto, apenas do Português Brasileiro. Observando-se os resultados da tabela 10, que registra como se organizam as predicações coletadas de textos orais e escritos pertencentes à amostra do projeto VARPORT, percebe-se que, em 220 predicações com dar na fala, 43% apresentam construções com verbo-suporte e que, em 171 predicações utilizadas na escrita, boa parte delas (46%) é constituída de perífrases com verbo-suporte. Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Fala 17/220 8% 50/220 23% 59/220 26% 94/220 43% Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo suporte Verbo-suporte Escrita 7/171 4% 37/171 22% 48/171 28% 79/171 46% Tabela 10: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas (dados extraídos de corpora orais e escritos de PB e PE – VARPORT, século XX). Analisando-se essa relação entre modalidade expressiva e categorias funcionais de dar de outro ângulo (cf. tabela 11) – agora com foco no conjunto de dados por cada categoria e na sua distribuição por modalidade –, é possível evidenciar que o verbo dar é mais freqüentemente utilizado na fala em qualquer das categorias estudadas – desde aquelas em que ainda revela comportamento lexical até aquelas em que já tem caráter (semi-)gramatical. Pode-se notar também que é justamente nas categorias funcionais (particularmente na de verbo-suporte) em que dar tem maior representatividade nas predicações da amostra escrita (79 dados). Esse fato e ainda o comportamento descrito com base na tabela 10 sinalizam que, por se apresentar como um recurso da gramática, dar passa a ocorrer em diversos contextos e, ao que tudo indica, sem restrições quanto a modalidade 135 expressiva. Vale ressaltar que quaisquer restrições em que se pense quanto a isso certamente não dirão respeito à possibilidade de estruturação de predicadores na base de um recurso gramatical do tipo verbo-suporte; antes, à adequação de determinados predicadores verbonominais, assim como à de certos verbos simples. Oco/Total Percentagem Categorias funcionais Verbo predicador Verbo Verbo predicador de dar pleno predicador não a verbo-suporte pleno 17/24 50/87 59/107 Fala 71% 57% 55% 7/24 37/87 48/107 Escrita 29% 43% 45% Verbosuporte 94/173 54% 79/173 46% Tabela 11: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada modalidade expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB e PE – VARPORT século XX). Os resultados das tabelas 12 e 13, relativos aos usos de dar no que tange às modalidades expressivas fala e escrita na amostra oriunda do acervo do projeto Discurso e Gramática (narrativas e relatos de opinião), assemelham-se, respectivamente, aos das tabelas 10 e 11. A tabela 12 evidencia maior produtividade da categoria verbo-suporte em relação à das outras categorias tanto na fala (49% dos 152 dados) quanto na escrita (47% dos 58 dados). Os resultados da tabela 13 mostram que, na fala, se usam mais freqüentemente todas as categorias detectadas no corpus, inclusive as categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte. Esperava-se que a freqüência dessas categorias seria relativamente semelhante nas duas modalidades expressivas; no entanto, sua maior incidência na fala revela que a expansão do fenômeno de gramaticalização ocorre particularmente nessa modalidade. Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo Predicador a Verbo Suporte Verbo-suporte Fala 20/152 13% 28/152 18% 31/152 20% 73/152 49% Escrita 13/58 22% 6/58 10% 12/58 21% 27/58 47% Tabela 12: Produtividade das categorias funcionais de dar por modalidades expressivas (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB – Discurso e Gramática). 136 Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Fala Escrita Verbo predicador pleno 20/33 60% 13/33 40% Verbo Verbo predicador predicador não a verbo-suporte pleno 28/34 31/43 82% 72% 6/34 12/43 18% 28% Verbosuporte 73/120 61% 47/120 39% Tabela 13: Distribuição dos dados por cada categoria funcional de dar e por cada modalidade expressiva (dados extraídos do corpora oral e escrito de PB – Discurso e Gramática). 5.1.6 Distribuição dos dados por gêneros textuais 5.1.6.1 Anúncios, editoriais e notícias do século XX Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo Predicador a Verbo-Suporte Verbo-suporte Anúncios 2/44 4% 17/44 39% 12/44 27% 13/44 30% Oco/Total Percentagem Editoriais 0/57 13/57 23% 16/57 28% 28/57 49% Notícias 6/71 8% 7/71 10% 20/71 29% 38/71 53% Tabela 14: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos (anúncios, editoriais e notícias) do século XX (PB e PE). A tabela 14 mostra que, tanto em notícias como em editoriais, as categorias com caráter (semi-)gramatical de dar (verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte) possuem maior produtividade (cf. percentuais em negrito). Este resultado, no gênero textual notícia, já era esperado em decorrência da hipótese de que, devido a sua principal característica de narrar fato(s), os usuários da língua, ao produzirem esse texto, utilizam os recursos que julgam necessários para expor conteúdos de forma clara, inclusive construções em que dar apresenta comportamento gramatical (em um total de 71 dados, 53% – verbo-suporte e 29% – verbo predicador a verbo-suporte). Os índices altos de verbo-suporte (49% de 57 dados) nos editoriais não eram esperados, pois se imaginava que, devido à finalidade de persuadir/convencer o leitor, haveria preocupação com as escolhas lingüísticas, com a 137 possibilidade até de certa sofisticação da linguagem 91 e, desse modo, os autores evitariam o uso de estruturas com verbo-suporte, substituindo-as pelo uso de predicadores simples, com o intuito até de mostrar riqueza vocabular. Observa-se que é, no gênero textual anúncio, que dar ocorre mais vezes como predicador não pleno (cf. percentual em itálico), apresentando comportamento um pouco distinto do que revela em relação aos demais gêneros. Nele, a produtividade de verbo predicador não pleno (39% de 44 dados de anúncios) chega a ser bastante semelhante à de verbo-suporte (30%). Uma análise qualitativa das ocorrências indica que esse resultado se deve, muito provavelmente, ao fato de os anunciantes optarem por textos curtos e, conseqüentemente, se esquivarem de estruturas com verbo-suporte que podem ser substituídas por um verbo pleno de menor extensão silábica, tais como: dar demissões por demitir; dar saltos por saltar. 5.1.6.2 Artigos de opinião, editoriais e notícias do século XXI Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo Predicador a Verbo-Suporte Verbo-suporte Artigos de opinião 2/128 1% 27/128 22% 36/128 28% 63/128 49% Oco/Total Percentagem Editoriais Notícias 0/55 — 18/55 33% 17/55 31% 20/55 36% 3/70 4% 12/70 17% 20/70 29% 35/70 50% Tabela 15: Produtividade das categorias funcionais de dar em gêneros textuais distintos (artigos de opinião, editoriais e notícias) do século XXI (PB e PE). A tabela 15 revela que, também no século XXI, assim como no século XX (cf. resultados da tabela 14), o gênero textual notícia apresenta mais ocorrências de verbo-suporte (50% dos 70 dados de notícias) do que ocorrências das demais categorias funcionais de dar. Semelhante resultado pode ser encontrado entre os dados oriundos de artigos de opinião: o verbo que integra a maioria dos predicadores complexos pertence às categorias gramaticais de verbo predicador a verbo-suporte (28%) e, principalmente, de verbo-suporte (49%). Uma 91 Crê-se que a preocupação com a linguagem e a tendência a evitar-se o uso de construções perifrásticas (formadas por verbos recorrentes/comuns nos discursos) estejam relacionados a recomendações de caráter normativo presentes em alguns manuais de redação e/ou textos didáticos. Para mais detalhes, cf. seção 6.1. 138 análise qualitativa desses casos revelou que muitas das estruturas carregam traços de informalidade (cf. próximos exemplos). Supõe-se, portanto, que a natureza bastante pessoal desse gênero faz com que os autores recorram a diversas formas perifrásticas para atingir as nuances de sentido que não alcançariam se usassem apenas os verbos plenos equivalentes a essas construções. (Ex.:10) Para aliviar, a Ambev, a cervejaria brasileira responsável por aquela loira da praia que é feita de malte, nos enche de orgulho nacionalista como primeira global brasileira que vai dar porre no mundo. [PB escrito, Jornal do Brasil, 05/03/04, Artigo de opinião, 'Annus terribilis'] (Ex.:11) E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se suspeitava: meu pâncreas estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo abaixo da crítica, uma vergonha. dei uma rezadinha, encomendando minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer era isso, interessante. [PB escrito, O Globo, Artigo de opinião, 03-11-02, “Voltando, sem muita convicção”] (Ex.:12) (...) ele (...) deu banana à torcida. Disse não estar nem aí. Desse jeito, ficará mesmo sem lugar para estar. Seja aí, ali, ou acolá. [PB escrito, Extra, 23/03/04, Artigo de opinião, O bebê de Rosemary] (Ex.:13) Quem continua dando show nas inscrições é Roberto Morgado Junior. Bebeto realmente sabe preparar seus pensionistas como poucos. [PB escrito, Povo, Artigo de opinião, 29/05/03, Campeão segue disparando] (Ex.:14) Já tenho por de mais a minha dose de cretinice inglesa. Acho que alguém devia dar um murro na mesa e mandar a Silly Press para o esgoto de onde veio. Tresanda esta crónica a xenofobia? Não, será exagerado, cheira apenas a anglofobia. Mas reconheçamos que não fui eu que comecei... [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo de Opinião, 08-09-07, A depressão pós férias.] Quanto às ocorrências de dar oriundas do gênero editorial, percebe-se que a produtividade das categorias verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte é bastante semelhante (em um total de 55 dados, 33%, 31% e 36%, respectivamente). Não se esperava que a freqüência das categorias gramaticais fosse tão expressiva em comparação com a da categoria lexical, já que se acreditava que os autores desse gênero tenderiam a optar mais freqüentemente por predicadores simples, no intuito de demonstrar riqueza vocabular e, com isso, construir certa imagem social, o que faria o número de perífrases diminuir. Uma análise mais acurada das ocorrências com verbo-suporte demonstra que não é apropriado substituir a maioria dessas estruturas (55% das 20 139 ocorrências) por um verbo predicador, pois a permuta acarretaria um sentido um pouco distinto do alcançado pela perífrase (cf. exemplos abaixo). (Ex.:15) Ao impedir que drogas e armamentos cheguem às favelas, a polícia reduz a força dos bandidos que aterrorizam a sociedade. Esta, aliás, tem um motivo a mais para ficar satisfeita: sem dar sequer um tiro, agentes da Polícia Federal provaram que ações inteligentes, baseadas em um trabalho minucioso de investigação, podem desarticular quadrilhas sem colocar em risco a população. [PB escrito, Extra, 19/01/04, Editorial, Sem título] (Ex.:16) O país vive uma expectativa otimista diante do novo ano que se aproxima. O sentimento de que o Brasil caminhará para a frente não é aleatório: depois de um ano extremamente difícil, a economia começa a dar sinais importantes e consistentes de recuperação. [PB escrito, Extra, 19/01/04, Editorial, Sem título] (Ex.:17) Em reunião realizada ontem, em Brasília, a cúpula do PMDB fez uma avaliação do andamento das negociações para participação do partido no primeiro escalão do Governo federal. Lideranças partidárias negam que o PMDB esteja fazendo qualquer tipo de pressão para dar mais rapidez à reforma ministerial. [PB escrito, O Globo, 13/01/04, Editorial, PMDB e a reforma] (Ex.:18) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISP], mas a novidade esbarrou em algumas dificuldades de ordem leais e acabou não deslanchando. [PB escrito, Povo, 22-01-04, Editorial, Polícia unificada] (Ex.:19) As drogas inventadas, o ano passado, se não acabam com muitas doenças que têm sido o flagelo do género humano, dão-lhes valioso e eficaz combate. [PE escrito, VARPORT, editorial E-P-93-JE-001, O Século, 05/01/1950, HORIZONTES, pág.: 1] Acredita-se que o predicador complexo dar sequer um tiro é um pouco distinto de atirar uma vez, pois o advérbio “sequer” (= nem) colabora para enfatizar o SN “um tiro”, que nem ao menos um tiro foi disparado. Nos exemplos 16 e 19, as perífrases dar sinais importantes e consistentes e dão-lhes valioso e eficaz combate permitem a adjetivação do SN com a inclusão de modificadores, fato que, por si só, já colabora para conferir à alternativa da perífrase nuance distinta da de verbo simples. Ao que parece, mesmo que se reestruturassem esses enunciados com perífrases acompanhadas de advérbios correspondentes aos modificadores que constituem os SNs que, vinculados ao verbo sinalizar e ao verbo 140 combater, possam expressar a mesma nuance de sentido (sinalizar ..?.. e consistentemente e combater ?valiosamente e ?eficazmente..), não se obteriam formações com as mesmas nuances de sentido. Da mesma forma, não se acredita que dar mais rapidez e agilizar mais expressem exatamente o mesmo sentido, visto que a perífrase verbo-nominal, devido à presença do intensificador “mais”, imprime ênfase à ação. Quanto à construção dado um primeiro passo, o predicador simples que normalmente corresponde à expressão – iniciar – não é adequado ao contexto (foi dado um primeiro passo≠ iniciado nesta direção). 5.1.7 Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos Categorias funcionais de dar Verbo predicador Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte Narrativa de experiência pessoal 13/81 16% 9/81 11% 10/81 22% 49/81 60% Oco/Total Percentagem Narrativa Recontada Relato de opinião 15/63 24% 6/63 10% 9/63 14% 33/63 52% 5/66 8% 19/66 29% 24/66 36% 18/66 27% Tabela 16: Produtividade das categorias funcionais de dar em tipos de textos distintos do projeto D&G (narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e relatos de opinião). A tabela 16 registra as freqüências com que se apresentam, no corpus, as categorias de dar em função de distintos tipos de configuração de texto. A produtividade de dar como verbo-suporte é maior do que nas demais categorias nas narrativas de ambos os tipos (experiência pessoal – 60% de 81 dados; e recontada – 52% de 63 dados). Diferentemente, os dados oriundos de relatos de opinião distribuem-se percentualmente de modo semelhante, em um total de 66 dados, entre as categorias de verbo predicador não pleno (29%), predicador a verbo-suporte (36%) e verbo-suporte (27%). Para checar se esses resultados seriam, de alguma forma, definidos pelo fato de se relacionarem a dados de fala e de escrita, decidiu-se desenvolver a análise que se apresenta na próxima tabela (17). Os percentuais de verbo-suporte são maiores, em relação aos das demais categorias, em narrativas (de experiência pessoal e recontada) orais e escritas: 63% dos 53 dados de narrativa de experiência pessoal na fala; 57% dos 28 dados de narrativa de experiência pessoal na 141 escrita; 55% dos 47 dados de narrativa de experiência recontada na fala; 44% dos 16 dados de narrativa de experiência recontada na escrita. Novamente, são os dados retirados de relatos de opinião que evidenciam resultados distintos dos apresentados pelas narrativas: tanto na modalidade oral quanto na escrita, os índices percentuais mais expressivos não são os de predicações com perífrases com verbo-suporte (27% – fala e 29% – escrita); nesse gênero, os percentuais relevantes estão na categoria verbo predicador a verbo-suporte (35% dos 52 dados na fala; e 43% dos 14 dados na escrita) e na categoria verbo predicador não pleno (31% na fala; e 21% na escrita). Por um lado, esses índices podem ser indícios de que o processo de gramaticalização de dar não se apresenta tão avançado nesse tipo de texto em comparação com o estágio em que se encontra em narrativas e/ou de que, para a exposição dos estados de coisas existentes nesses relatos, os falantes tiveram de recorrer mais freqüentemente a determinadas categorias funcionais de dar diferentes da de verbo-suporte. É possível, por outro lado, que os baixos índices de verbo-suporte demonstrem que os produtores do texto tenham preocupação com a linguagem que empregam, visto que, ao emitirem opiniões, são alvos da atenção e da avaliação do leitor e, assim, se comprometem mais com o conteúdo lingüístico do texto e, provavelmente, desejam evitar repetições e demonstrar riqueza vocabular, optando, quando possível, por um verbo simples e não pelo emprego de perífrases. Categorias funcionais de dar Narrativa de experiência pessoal FALA ESCRITA Oco/Total Percentagem Narrativa Recontada FALA ESCRITA Relato de opinião FALA ESCRITA Verbo predicador não pleno 8/53 15% 6/53 11% 5/28 18% 3/28 11% 8/47 17% 6/47 13% 7/16 44% 0/16 — 4/52 7% 16/52 31% 1/14 7% 3/14 21% Verbo predicador a Verbo-suporte 6/53 11% 4/28 14% 7/47 15% 2/16 12% 18/52 35% 6/14 43% Verbo-suporte 33/53 63% 16/28 57% 26/47 55% 7/16 44% 14/52 27% 4/14 29% Verbo predicador Tabela 17: Produtividade das categorias funcionais de dar (relação entre tipos de textos do projeto D&G e modalidades expressivas). 142 5.1.8 Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação (narrativas, dissertações e provas) Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte Narrativas escolares 8ª série 1/14 7% 0/14 — 5/14 35% 8/14 58% Oco/Total Percentagem Dissertações Dissertações Provas de escolares 8ª série escolares Ensino Graduação Médio 4/17 1/33 0/19 3% — 24% 4/17 8/33 6/19 24% 32% 24% 4/17 17/33 6/19 52% 32% 24% 5/17 7/33 7/19 36% 21% 28% Tabela 18: Produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação (redações e provas) Há compêndios escolares e manuais de redação que sugerem que, ao elaborar um texto passível de avaliação, os alunos devem evitar perífrases verbo-nominais, substituindo tais construções por verbos predicadores simples de sentido equivalente, para que não incorram em repetições e, com isso, demonstrem riqueza vocabular 92 . Logo, acreditava-se que, em todos os textos passíveis de avaliação, as freqüências de uso de dar como verbo-suporte seriam bastante baixas. No entanto, a tabela 18 evidencia que apenas dissertações escolares do Ensino Médio apresentaram baixa produtividade de dar na categoria de verbo-suporte (21% de 33 dados). Talvez, esse resultado seja explicado pelo fato de estar em evidência, nesse período da vida estudantil, a pressão escolar para que os alunos respeitem a norma padrão em seus textos, já que, para ingressar no ensino superior, necessitam responder bem a avaliações que requerem textos coerentes e coesos, sem repetições exacerbadas e com riqueza vocabular e de idéias. Nas narrativas escolares da 8ª série, as construções com verbo-suporte aparecem com mais freqüência (58% dos 14 dados). Tal resultado, provavelmente, deve-se ao fato de o tipo de texto ser “narração”, que proporciona, em comparação com a dissertação, mais liberdade para os autores utilizarem estruturas lingüísticas de natureza distinta (formais e informais, pertencentes ao discurso direto ou indireto). Além disso, crê-se que o enfoque dado às aulas desse período escolar não esteja tanto no desenvolvimento de textos perfeitamente adequados 92 Para mais detalhes sobre a posição de alguns textos didáticos, cf. seção 6.1. 143 àqueles requisitados em exames para ingresso no nível superior, não havendo tantas recomendações quanto a restrições de uso de perífrases verbo-nominais, principalmente em narrativas. As dissertações desse mesmo período (8ª série) apresentam os mesmos índices de produtividade de dar nas categorias de predicador (pleno de 24% dos 17 dados; e não pleno 24% dos 17 dados) e verbo predicador a verbo-suporte (24%), e apenas 4% de diferença em relação ao índice de produtividade de verbo-suporte (28%). Ao que parece, há diferença de emprego das categorias de dar em função do modo de organização do discurso empregado (narrativas e dissertações). Provavelmente, isso se relaciona ao caráter mais formal atribuído ao texto dissertativo, o que faz com que seus autores tenham mais preocupação com a seleção de expressões lingüísticas, evitando certas formas que podem gerar repetições em seu texto (uso de verbos predicadores no lugar de perífrases verbo-nominais com dar, por exemplo: dar possibilidade/ possibilitar, dar ajuda/ ajudar). O resultado encontrado nas provas de graduação é semelhante aos resultados encontrados nas dissertações escolares da 8ª série: a produtividade de dar nas categorias de verbo predicador não pleno (32% de 19 ocorrências), verbo predicador a verbo-suporte (32%) e verbo-suporte (36%) é semelhante (4% apenas de diferença). Acredita-se que o fato de alunos do ensino superior empregarem dar em diferentes categorias para produzir textos formais (provas) demonstra também que o uso de construções com verbo-suporte não apresenta, na prática, estigma, ainda que haja diversas recomendações em textos didáticos contra seu emprego. Talvez, nesse tipo de texto, os estudantes apenas se preocupem em evitar repetições e algumas construções de cunho informal, como “dar porrada e dar banana”, para que não as empreguem no contexto discursivo inadequado. 93 93 Uma forma de avaliar se os falantes da língua associam as expressões com verbo-suporte é recorrer a testes de atitudes, trabalho desenvolvido na seção 5.2. 144 5.1.9 Comparação da produtividade das categorias funcionais de dar em textos passíveis de avaliação e em textos não avaliados na escola Oco/Total Percentagem Categorias funcionais Narrativas do Narrativas de dar projeto D&G – escolares 8ª série escrita 8ª série 3/23 1/14 Verbo predicador 13% 7% pleno 2/23 0/14 Verbo predicador não 9% — pleno 4/23 5/14 Verbo predicador a 17% 36% Verbo-suporte 14/23 8/14 Verbo-suporte 61% 57% Tabela 19: Produtividade das categorias funcionais de dar em narrativas que são objetos de avaliação formal em confronto com narrativas que não foram compostas com esse fim. As predicações coletadas tanto em narrativas escolares (materiais para avaliação formal dos alunos) quanto nas narrativas do corpus D&G apresentam mais casos de predicadores complexos, em que o item verbal dar pertence às categorias de verbo predicador a verbosuporte (36% de ocorrência nas 14 narrativas do primeiro tipo; 17% nas 23 narrativas do corpus D&G) e, principalmente, de verbo-suporte (57%; 61%). O fato de o texto ser objeto de avaliação formal não impede o emprego de dar nas categorias funcionais, o que indica que a utilização de construções com verbo-suporte dar não apresenta estigma. Em decorrência dos resultados expostos nas tabelas 18 e 19, é possível desenvolver questionamentos acerca do papel de alguns compêndios escolares e manuais de redação acerca do uso de construções com verbo-suporte em textos passíveis de avaliação. Procurarse-á discutir, na seção 6 (em que se delineiam contribuições do estudo para o ensino do Português), a validade de algumas sugestões apresentadas por textos didáticos quanto ao uso desses verbos. 5.1.10 Distribuição dos dados por tipo de vocabulário Como se conta com a hipótese de que se costuma associar a construção com verbosuporte a contextos de informalidade, gírias, analisaram-se as amostras em função da natureza do vocabulário usado: comum ou especial. Foram consideradas ocorrências pertencentes ao vocabulário comum as expressões que não possuem qualquer nuance especial de sentido e ao 145 vocabulário especial aquelas que se confundem/vinculam com gírias e expressões idiomáticas, ou seja, as que apresentam uma nuance de sentido parcial (exemplos 25 e 26) ou totalmente (exemplos 23 e 24) distinta do significado literal da expressão. Vocabulário Comum (Ex.:20) (...) Um bello dia, adoecendo, sua/ amasia deu-lhe um chá, que dizia/ ser de folhas de laranjeira(...) [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-Jn-004, Jornal do Brasil, 14/05/1902, Um crime] (verbo predicador pleno) (Ex.:21) Além de regularisar o trabalho intestinal, Feruto Irradiado Fleischmanm lhe dará melhor disposição phyísica (...) [PB escrito, O Globo, anúncio, Uma Pelle da qual a Sra poderá se orgulhar, 30/07/1934, pág.: 04] (verbo predicador não-pleno) (Ex.:22) (...) um técnico que... justamente é aquele que... dá as instruções aos jogadores... [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-2m-001, faixa C, nível 3] (verbo predicador a verbo-suporte) Vocabulário Especial (Ex.:23) Era tudo uma imensa salada até que chegou a Brazilian Food. Botou um tempero aqui, deu um toque ali e pronto: o maior sucesso. [Biblioteca Nacional – Jornal do Brasil, Anúncio, 23 de outubro de 1988, p.15] (verbo-suporte) (Ex.:24) O MINÉRIO DO Brasil está aí dando sopa né... quer dizer... é um negócio... em matéria de administração ... ridícula, né? [PB oral, NURC, inq. 355, faixa B, nível 3, pág.: 125] (verbosuporte) (Ex.:25) (...) ele me empurou e mandou eu ficar ali mesmo, falou que se eu levanta-se ele me daria um teco, não acreditando que ele estivesse com uma arma, levantei de novo, e ele me empurrou com o canivete. [PB escrito, Discurso e Gramática, 8ª Série do Primeiro Grau, Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, sexo: masculino, ano: 1993, informante 33] (verbo-suporte) (Ex.:26) (...) dei uma topada naquele no gelo baiano que eles botaram ali... (PB oral, NURC, inq.296) (verbo-suporte) 146 Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno e Verbo predicador não-pleno Verbo predicador a verbo-suporte Oco/Total Percentagem Vocabulário Vocabulário comum especial 263/849 0/90 31% — 255/849 0/90 30% — 331/849 90/90 39% 100% Tabela 20: Produtividade das categorias funcionais de dar em função do tipo de vocabulário. Verbo-suporte Os resultados da tabela 20 evidenciam que é bastante produtivo o emprego do verbo dar tanto como verbo predicador (pleno ou não — 31%) quanto como verbo predicador a verbo suporte (30%) e verbo suporte (39%) quando associado a vocabulário comum. No entanto, as ocorrências que expressam alguma nuance especial de sentido apresentam dar categoricamente como verbo-suporte (100%). Muitas dessas construções são consideradas expressões idiomáticas, ou seja, lexicalizadas, comportando-se como estruturas complexas formadas por verbos-suporte que, ao assumirem certas propriedades semânticas e morfossintáticas, se cristalizam e passam a integrar o inventário lexical da língua portuguesa (LEHMANN, 2002). Alguns autores, como Neves (1999), rejeitam a opção de considerar o verbo dar nessas estruturas como verbosuporte, afirmando que tais construções devem ser analisadas separadamente por serem expressões cristalizadas. No entanto, nesta pesquisa foram incluídas devido ao fato de se entender que o item verbal realmente contém todas as características de verbo-suporte: nas construções com algum grau de lexicalização, dar, em geral, revela esvaziamento lexical em relação ao sentido primário de transferência e, em algumas construções, esse sentido é até irrecuperável; conseqüentemente, passa a ter uma função mais instrumental na construção, já que, além de carregar as categorias verbais de tempo, modo, número e aspecto, partilha a função de projetar argumentos com o SN que o acompanha 94 . O fato de, pelo menos, um os componentes das estruturas dar + SN apresentar sentido distinto do seu sentido primário, faz com que possuam algum grau de lexicalização, como nos exemplos 25 e 26. No primeiro, dar ainda carrega uma noção de transferência metafórica e o SN (um teco) possui seu significado 94 O mesmo não ocorre em estruturas como “quebra-galho” ou “bate-papo”, nas quais os verbos “quebrar” e “bater” passam, juntamente com o nomes que lhes segue, à condição de substantivos, devido não só a transformações semânticas, mas também a perdas morfológicas. Logo, essas estruturas devem ser tratadas separadamente em um estudo que abarque construções como “quebrar um galho” e “bater um papo” — predicadores complexos lexicalizados formados por verbo-suporte + SN. 147 básico alterado de “caixão de madeira” (HOUAISS, 2001) para “tiro”, enquanto, no segundo, dar não mantém mais a noção de transferência e o SN (uma topada) tem seu sentido básico preservado de “tropeço” (HOUAISS, 2001). Diferentemente, os maiores graus de idiomaticidade estão presentes em construções em que ambos componentes do predicador complexo (dar e SN) possuem seu sentido básico alterado. No exemplo 23, dar apresenta o valor de transferência irrecuperável, ou seja, indica apenas a noção geral de ação/atividade e o SN (um toque) não apresenta mais seu significado básico de “ação de tocar” (HOUAISS, 2001); assim, não é possível compreender a expressão pelo significado de uma das partes, mas pelo significado do todo (“dar um toque” ≅ fazer algo especial/pôr componente especial na receita). O exemplo 24 demonstra um nível de idiomaticidade também alto, já que, além de dar não possuir mais a noção transferencial, não é possível recorrer ao significado do SN (sopa) para interpretar o predicador complexo, ou seja, é a construção como um todo (dar sopa) que possui o sentido de “estar disponível” 95 . 95 Esteves et alii (2006) demonstram parâmetros de lexicalização em construções com ter, dar e passar. Um dos mais relevantes é o “grau de congelamento semântico dos componentes dos predicados complexos”, que trata do nível de afastamento (ou aproximação) do sentido dos elementos dessas estruturas em relação a seu sentido básico. As estruturas que possuem apenas um de seus elementos com sentido idiossincrático (como nos exemplos 26 e 27) devem ser consideradas semi-lexicalizadas, enquanto aquelas em que ambos componentes apresentam sentido idiossincrático (como nos exemplos 23 e 24) devem ser consideradas lexicalizadas. 148 5.1.11 Natureza semântica das categorias investigadas 5.1.11.1 Acepções depreendidas de certos usos de dar na categoria de verbo predicador não pleno Acepções Oco/Total Exemplos % 68/196 (...) qualquer funcionário AQUI ... se eu achar que preciso mais Oferecer/ dele ou quero lhe dar um cargo de maior responsabilidade eu Fornecer/ 35% vou e aumento o salário do funcionário ... não há problema Passar (SN com traço [+ nenhum ... [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-1m-002, faixa C, nível 3] abstrato]) Atribuir 34/196 17% Ensinar 3/196 2% Produzir 5/196 2% A Pintura Real Progressiva dá a cor castanha ao cabello, a barba e ao bigode brancos (...) [PB escrito, ANÚNCIO, E-B-91-Ja005, Correio da Manhã, 18/07/1901] (porque aonde) que eu estudava... não era assim tão forte... mas dava inglês... dá educação física... matemática (...) [PB oral, Discurso e Gramática, 4ª Série do Primeiro Grau, Relato de opinião, idade: 9 anos, sexo: feminino, ano: 1993, informante 37] (...) estava escutando a história... aí... eu passei pelo aí... começou assim... a cobra tinha chifre... e... e... e estava com asa... (...) o porco estava com orelha de elefante... aí o/ a... a vaca dava qualquer leite... (...) [PB oral, D&G, CA infantil, Narrativa recontada, idade: 06, inf. 91] Causar/Gerar 59/196 30% eu tenho um funcionário aqui que recebe o salário, daqui a dois três dias, embora não seja um salário grande, [ ? ] corrida de cavalo, ele tá, daqui a pouco, precisando de auxílio, porque que não, não é por aí né, tem família tem que, ajudar os filhos, isso dá muita dor de cabeça. [PB oral, VARPORT, Oc-B-9R-3m-002, faixa C, nível 3] Bater/Soar 3/196 2% Ocorrer/ Aparecer 22/196 11% Ter/Possuir 2/196 (SN com traço 1% [+ abstrato]) Deu três horas e eu me arrumei e fui (...) [PB escrito, D&G, 8ª Série, Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf. 33] (...) mas tem uns aí que sabe mexer no motor na parte elétrica né ... quando dá algum problemazinho (...) [PB oral, APERJ, inq169A, faixa A, nível 1, pista 2, linha:2489] é porque o peixe na no com o peixe é o seguinte quando chega vai chegando agosto setembro outubro vai chegando essa época é a época dele desovar então o peixe fica adoidado então você pega uns peixe que dá uns 9 ou 10 quilo e aí fica doido, né? Fica querendo mostrar a todo mundo... não é história de pescador não... (riso) [PB oral, APERJ,N inq169A, faixa A, nível 1] Quadro 18: Acepções de dar como verbo predicador não-pleno identificadas no corpus. O verbo dar na categoria de predicador não pleno é empregado com diferentes acepções. Acredita-se que as quatro primeiras acepções ainda retêm uma noção transferencial 149 metafórica, enquanto as demais não apresentam esse valor, diferenciando-se mais do verbo predicador pleno dar. O processo de expansão de sentido que caracteriza esse item verbal propicia que, em alguns contextos, ele passe a se apresentar cada vez mais esvaziado semanticamente. Isso favorece, em certos contextos, sua gramaticalização, ou seja, sua transferência da categoria de verbo predicador não pleno para as categorias gramaticais de verbo predicador a verbosuporte e de verbo-suporte. Averiguando-se se alguns dicionários brasileiros e portugueses 96 registram as acepções detectadas no corpus (dar como verbo predicador não pleno), chegou-se ao seguinte quadro, em que é possível visualizar quais das extensões de sentido são levadas em conta pelos lexicógrafos com base na seguinte marcação: o sinal de adição “+” significa que a acepção está no dicionário, enquanto o sinal de travessão “—” indica que não há a extensão de sentido de dar no dicionário em questão: Borba Fernandes (1990) (1998) Oferecer/ Fornecer/ Passar Atribuir Ensinar Produzir Causar/Gerar Bater/Soar Ocorrer/ Aparecer Ter/Possuir Freire (1954) Michaelis (1998) Houaiss (2001) Caldas Aulete (1925) Bivar (1948) + + + + + + + + + + — — + + + + + — — — — + + + + + + + + + + + + + + + — — — — — — + + + — + — — — — — — — — — Quadro 19: Presença das acepções de dar como verbo predicador não pleno do corpus nos dicionários consultados Destaca-se que a extensão de sentido fornecer é a única do quadro comum a todas as obras. Provavelmente, isso ocorre devido à semelhança com o significado básico do verbo – doar/ceder/transferir. Comparando-se isso com a freqüência dessa acepção no quadro 19, observa-se que esse valor apresenta maior produtividade em relação às demais extensões de 96 Essas obras serviram, principalmente, para colaborar com a seção de revisão bibliográfica da dissertação. São elas: os dicionários brasileiros Borba (1990), Fernandes (1998), Freire (1954), Michaelis (1998), e Houaiss (2001) e os dicionários portugueses Caldas Aulete (1925) e Bivar (1948). 150 sentido (35% de 196 ocorrências de verbo predicador não pleno). Na maioria das obras lexicográficas, há também as acepções atribuir, produzir e causar. Quanto ao resultado de sua produtividade no corpus, pode-se considerar que o verbo dar com a extensão de sentido causar apresenta um número significativo de ocorrências (30% de 196 dados de verbo predicador não pleno), que é maior se comparado ao da acepção atribuir (17%) e, principalmente, ao de produzir (2%). Apenas Borba (1990) considera a extensão de sentido ensinar (Leila dá Português no Colégio Progresso.) e nenhum dos lexicógrafos apresenta a acepção ter/possuir. Ademais, Freire (1954) e Fernandes (1998) separam as extensões bater/soar 97 . Freire (1954), em “soar”, põe entre parênteses a seguinte observação: “falando das horas de um relógio”. Fernandes (1998:179) ainda faz uma consideração acerca desse emprego de dar: “Modernamente se prefere fazer este verbo impessoal, como haver e fazer: ‘Já deu dez horas.’. Ambas as construções, porém, são clássicas.” 98 . Quanto à acepção ocorrer/aparecer, constam de mais da metade das obras e, à semelhança do que ocorre com os dados do corpus, a maioria das obras apresenta exemplos em que dar está anteposto ao SN sujeito, tais como: Deu-se ali um caso interessante (MICHAELIS, 1998:635), Deu-se comigo este fato. (FREIRE, 1954:1695) e Deu-lhe um fato extraordinário (FERNANDES, 1998:179). 5.1.11.2 Noções veiculadas pela categoria [-gramatical] verbo predicador a verbo-suporte e [+gramatical] de verbo-suporte Eis alguns exemplos das noções detectadas no corpus: a) Valores não transferenciais (Ex.:27) (...) mas me dá uma raiva quando alguém fala um troço desse (...) [PB oral, NURC, inq. 158, faixa A, nível 3, pág.: 91] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) É possível realizar uma dupla interpretação do exemplo 27: dar raiva comporta-se tanto como um predicador complexo – enraivece –, quanto como um predicador não pleno – causa uma raiva (valor não transferencial). (Ex.:28) (...) então tenho saído normalmente cinco e vinte e cinco ... cinco e vinte ... pra dar tempo de fazer um lanche rápido [PB oral, NURC, inq.158, faixa A, nível 3, p.25] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) 97 Exemplos de Freire (1954): 31. Bater (horas) (tr.dir.): O relógio deu cinco horas, quando entramos. 32. Soar (falando das horas de um relógio) (intr.): Deram nove horas na igreja do Loreto. Exemplos de Ferreira (1998): Bater: Dava três horas o relógio. Spar: Deram nove horas na igreja de Loreto (R. Silva apud Aulete). Já tinha dado oito horas, quando lá chegamos. 98 O autor indica a seguinte referência de onde retirou o comentário: O. Mota, Lições de português, 339. 151 A possibilidade da dupla interpretação do exemplo 28 consiste em considerar dar tempo como predicador complexo – poder, ser viável – e como predicador não pleno –arrumar tempo (valor não transferencial). b) Transferência social ou psicológica Este tipo de transferência ocorre quando é possível perceber, claramente ou não, que o significado da construção dar + SN envolve/atinge, psicologicamente, o argumento objeto projetado. (Ex.:29) o governo, achava que o governo ela devia dar mais proteção às colônias de pesca proteger as colônias. [PB oral, VARPORT[POPULAR], OP-B-90-2M-005, faixa B, nível 1] (verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:30) (...) é questão da gente também ter um pouco de boa vontade e dar um pouco de crédito a esses meninos... (...) [PB oral, NURC, inq.296, ;faixa C, nível 3] (verbo-suporte) Dar mais proteção envolve nitidamente as colônias de pesca, já que se refere à possibilidade de serem mais protegidas. Essa nuance especial ocorre devido à intensificação do SN. No exemplo com a predicação dar um pouco de crédito, a acepção de “acreditar” que é veiculada atinge diretamente o núcleo do argumento objeto projetado pela construção (“meninos”), que, a partir da realização da ação expressa, serão mais dignos de confiança. c) Transferência discursiva Este tipo de transferência pode ser considerada metafórica propriamente dita, já que o SN que acompanha o verbo-suporte sempre se apresenta como um elemento [+abstrato]. (Ex.:31) Todos estes governadores nos dão notícias da fertilidade daquele solo e todos á uma dizem ser na agricultura que estava a prosperidade e futuro da colônia. [PE escrito, VARPORT, notícia, E-P-92-JN-001, Diário de Notícias, 07/01/1925, A produção do café do Timor , pág.:05] (verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:32) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de um calombo da rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... deu um pulo também [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 34] (verbo-suporte) 152 Ela falou que não ia sair... está eu recriminando ela... aí eu falei assim “não... não vou sair com ele não... dando o maior show lá... não vou sair com ele não...” [PB oral, D&G, 2° ano, Narrativa de experiência pessoal, idade: 18, inf.: 15] (verbo-suporte) Diferentemente da transferência social e/ou psicológica, dão notícias e deu um pulo, nos contextos apresentados, não apresentam acepções que atinjam, psicologicamente, outros indivíduos, já que o primeiro se refere ao ato de informar, enquanto o segundo ao de gritar/manifestar o susto ocasionado pela situação. d) Valor genérico de ação Quando o verbo dar apresenta essa noção, encontra-se bastante esvaziado semanticamente, com o sentido de transferência irrecuperável. Por isso, contribui com uma noção geral de atividade. (Ex.:33) O show na casa de espetáculos na Barra é um reflexo da turnê Dueto, com a qual a dupla rodou o Brasil em 1995 e que deu origem ao Grande encontro, juntando Geraldo, Zé, Elba Ramalho e Alceu Valença. [PB escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 12/03/1999, Um dueto antológico, p.15] (verbo-suporte) (Ex.:34) durante oito dias eu fui dar banho a uma criança recém-nascida, que a mãe tinha medo. E eu dizia: << mas como é que é possível tu teres medo duma coisa que é tua>> << mas tenho medo>>, dizia ela. [PE oral, CRPC-PF, inq. 0455, faixa A, nível 3, pág.:143.] (verbosuporte) Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte Valores não transferenciais 34/34 100% — Valor genérico de ação/atividade Transferência social ou psicológica 135/176 77% Transferência discursiva 85/211 40% 0/251 — 41/176 23% 126/211 60% 251/251 100% Tabela 21: Noções veiculadas por dar nas categorias de verbo-suporte e de verbo predicador a verbosuporte Os resultados da tabela 21 mostram que o verbo-suporte dar, categoria resultante de processo de gramaticalização, também veicula diferentes sentidos. Os valores não transferenciais aparecem apenas em estruturas cujo item verbal dar pertence à categoria verbo 153 predicador a verbo-suporte (100% do total de 34 dados com esse valor). Também é nesta categoria que se verifica a maior incidência da noção de transferência social ou psicológica (77% de 176 dados com esse valor). Diferentemente, a transferência discursiva apresenta-se com maior produtividade na categoria mais gramatical de verbo-suporte (60% de 211 dados com esse valor), que, por sua vez, é a que serve à expressão do valor genérico de ação/atividade (100% de 251 dados com esse valor). O fato de os usos gramaticais de dar também revelarem expansão e/ou desgaste de sentido (conforme descrito anteriormente) está relacionado ao processo de transferência categorial gradual por que passa o item. A próxima figura ilustra a relação entre os valores veiculados por dar e o continuum de gramaticalização em que ocorrências (semi-)gramaticais desse item se situam. Ao assumir a categoria híbrida de verbo predicador a verbo-suporte, dar pode estar mais à esquerda do continuum, o que o torna menos gramatical e com a possibilidade de denotar valores transferenciais (cf. trecho verde da seta horizontal) ou pode localizar-se mais à direita do continuum, expressando outras acepções (valores não transferenciais) e aproximando-se da categoria de verbo-suporte (cf. trecho cor de abóbora da seta). O domínio de verbo suporte – representado pelo trecho azul da seta horizontal, pode conter: (i) estruturas que ainda veiculam valores transferenciais e, por isso, estão próximas àquelas pertencentes à categoria de verbo predicador a verbo-suporte ou (ii) construções mais à direita, que exprimem valor genérico de ação atividade. O conjunto de predicadores complexos que expressam este valor e cujos componentes (verbo e SN) se encontram bastante integrados, uma vez que não permitem a inserção de elementos na configuração do SN e/ou a mobilidade do SN, localizam-se bem próximos da ponta da seta. [−gramatical] [+gramatical] verbo predicador a verbo suporte verbo-suporte Valores não Valores transferenciais transferenciais Valor genérico de atividade Figura 11: Valores semânticos encontrados no continuum de gramaticalização de dar: de “verbo predicador a verbo suporte” a “verbo-suporte” 154 5.1.12 Aspectos que podem afastar dar da categoria lexical (de verbo predicador) e o aproximar da categoria gramatical (de verbo-suporte) e que podem interferir nos níveis de integração entre o verbo e o sintagma nominal das perífrases em que dar já se apresenta com algum grau de gramaticalização Alguns aspectos intralingüísticos, relacionados à natureza semântica do SN da construção e à sua configuração sintática, foram investigados com intuito de checar sua influência sob o processo de gramaticalização do item verbal dar. Foram analisados: (i) natureza (predicante ou não) do sintagma nominal, (ii) caracterização semântica do SN, (iii) funções semânticas do SN, (iv) mobilidade do sintagma nominal, (v) configuração sintática da perífrase, (vi) possibilidade de substituição do verbo por outro, (vii) possibilidade de substituição do SN por outro, e (viii) possibilidade de substituição do predicador complexo dar + SN por um verbo pleno de sentido equivalente 99 . Quanto aos níveis de integração entre dar e o SN que o acompanha, supõe-se que: (i) as perífrases cujos componentes apresentam níveis de integração mais altos constituem construções em que dar veicula a noção geral de ação/atividade, há empregos desse item com altíssimo grau de esvaziamento semântico; (ii) os predicadores complexos cujos componentes revelam níveis intermediários de integração são construções em que dar veicula as noções de transferência social ou psicológica e de transferência discursiva; (iii) por outro lado, as construções com dar + SN cujos componentes apresentam graus mais fracos de integração provavelmente são as que têm empregos de dar que veiculam noções não transferenciais. Para atestar tais hipóteses e para definir os parâmetros mais relevantes que devam ser levados em conta na elaboração dos graus de integração entre dar e o SN dos predicadores complexos do corpus, os aspectos lingüísticos investigados foram relacionados aos valores veiculados por dar quando já apresenta algum grau de gramaticalização (não transferenciais, transferenciais e genérico de ação/atividade). 5.1.12.1 Natureza do sintagma nominal ligado a dar Quanto à natureza do elemento ligado ao verbo dar, investigou-se se o SN é ou não um nome predicante/deverbal, como demonstram os exemplos a seguir: 99 Para se checar a coerência dos resultados obtidos, os parâmetros que envolvem “possibilidade” (iv, v, vi e vii) foram objeto de avaliação em materiais confeccionados com o intuito de captar as percepções e/ou atitudes de usuários da língua quanto a essas estruturas. 155 a) Nome não-predicante (não projeta argumento interno) (Ex.:35) Assim, imagino que os ricos pensarão que dar dinheiro a quem precisa é coisa de desclassificados, arrivistas, exibicionistas da bondade. [PE escrito, Expresso, Artigo de Opinião, 23/07/07, O exemplo da casa do Gil] (dar - verbo predicador pleno) (Ex.:36) Para que essas instituições progridam e dêem os esperados resultados, é necessario que haja enthusiastas de louvavel idéa em cada uma das classes. [PB escrito, VARPORT, editorial, EB-91-JE-003, O Fluminense, 12/01/1924, As Associações de Classes] (dar - verbo predicador não pleno) (Ex.:37) Ë hora de dar palpite e preparar o balão: com a estréia nesta Sexta, de Shakespeare apaixonado, todos os concorrentes ao Oscar de melhor filme apagado estão em cartaz no rio. [PB escrito, Jornal do Brasil, Editorial, 12/03/99, Seu voto vai para..., p.16] (dar - verbo predicador a verbo- suporte) (Ex.:38) Tanto sobre as "directas" como sobre o "directo", deu voz àquilo que pensa qualquer pessoa sensata e sem mais interesse que o da razoabilidade nos debates em causa. [PE escrito, Expresso, Artigo de Opinião, 23/07/07,As directas e o directo] (dar - verbo-suporte) (Ex.:39) Terminado o jantar, o marido deu alguns passos na casa e na loja e depois foi deitar se no quarto, sobre o tapete. Antes disso, escondera a arma carregada, entre os dous colchões. Poucos instantes depois, sua mulher veiu Ter com elle ao quarto e deitou-se na cama, vestida. [PE escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 11/9/1905, Drama de familia, p.2] (dar - verbo-suporte) b) Nome predicante (predicado nominal ou nome que projeta uma estrutura argumental, como, por exemplo, proteção – dar proteção, sugestão – dar sugestão, contribuição – dar contribuição) (Ex.:40) A TED é a maior organização de empregos e ensino comercial prático do País, dando plena garantia de encaminhamento a emprego para seus alunos. [PB escrito, Diário de Notícias, anúncio, Aprendizagem para escritório, 11/07/1963, pág.: 10] (dar - verbo predicador a verbo- suporte) (Ex.:41) Terminada esta parte da festa, deu-se inicio à parte esportiva: corridas de velocidade, resistencia e obstáculos (...) [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-Jn-023, Jornal do Brasil, 12/07/1920] (dar - verbo-suporte) 156 Oco/Total Percentagem Categorias funcionais de dar SN não predicante SN predicante 265/891 0/48 Verbo predicador pleno e — Verbo predicador não pleno 30% 252/891 3/48 Verbo predicador a 28% 6% verbo-suporte 374/891 45/48 Verbo-suporte 42% 94% Tabela 22: Natureza predicante ou não do SN relacionada às categorias funcionais de dar Os resultados da tabela 22 indicam que os nomes não predicantes (total de 891 dados) podem ocorrer adjacentes às categorias de verbo predicador (pleno ou não – 30%), de verbo predicador a verbo-suporte (28%) e de verbo-suporte (42%). No entanto, a maior freqüência de nomes predicantes ocorre quando estão vinculados à categoria de verbo-suporte (94% de 48 dados), demonstrando que esse tipo de nome colabora significativamente para a identificação de perífrases verbo-nominais e ajuda a evidenciar o caráter gramatical do verbo em estruturas como essas. Com base em Bybee (2003), pode-se cogitar que a freqüência do tipo do elemento incorporado ao verbo-suporte (type frequency) é um fator relevante para pôr em evidência a gramaticalização de dar: o verbo-suporte alia-se, em comparação às demais categorias funcionais, tipicamente a nomes predicantes, como também atestam outras pesquisas. Para checar a relação entre a natureza predicante ou não do SN e as extensões de sentido de empregos (semi-)gramaticais de dar, observem-se os resultados expostos nesta tabela: Oco/Total Percentagem Transferência Valor Valor não social Transferência genérico transferencial ou discursiva de ação/ psicológica atividade SN não predicante 34/34 100% 167/176 95% 204/213 96% 221/251 88% SN predicante 0/34 — 9/176 5% 9/213 4% 30/251 12% Tabela 23: Natureza predicante ou não do SN relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte 157 No corpus, há mais predicações com SNs não predicantes do que com os de caráter predicante tanto em construções com elementos menos integrados (cujo verbo veicula valores não transferenciais), quanto em construções de níveis intermediários de integração entre verbo e SN (construções com valores transferenciais) e em estruturas mais integradas (cujo verbo veicula o valor genérico de ação/atividade). Sendo assim, não é possível distinguir níveis de integração entre estruturas cujo SN se apresenta como não predicante (a maioria das ocorrências do corpus). Por isso, esse parâmetro de identificação de estruturas com verbosuporte não é, nesta análise, fonte tão relevante, como é em outras, para viabilizar a delimitação das construções dar + SN do corpus aqui investigado numa escala de integração, haja vista o fato de se tratar, em geral, de construções com nomes não predicantes. No entanto, é possível afirmar que a maioria dos SNs de caráter predicante (62% do total de 48 SNs desse tipo) ocorre em estruturas mais integradas, com valor genérico de ação/atividade. Logo, a natureza predicante do SN colabora, sobremaneira, para que esse elemento seja reconhecido como bastante incorporado ao verbo-suporte; só que, no exame do corpus desta pesquisa quanto à delimitação de graus de integração, não está em evidência. 5.1.12.2 Caracterização semântica do sintagma nominal Uma outra forma de investigar a freqüência do tipo (BYBEE, 2003) de SNs que se vinculam às categorias de dar encontradas no corpus é caracterizá-los semanticamente com base na relação entre dos traços [±foco] e [± quantificação universal] descritos por Saraiva (2001). a) Traços [+foco] e [±quantificação universal] no SN (Ex.:42) Nesse dia Flávio teria uma surpresa, ao chegar em casa se deparou com um enorme bolo de aniversário, ele havia esquecido. Estava fazendo 12 anos e como havia saído mais cedo, seu pai e sua mãe ainda estavam arrumando a casa. Já iria dar 12:00h., a hora em que tinha nascido, quando seus pais lhe deram uma caixinha de madeira muito bonita, quase uma antiguidade, só que não havia nada dentro. [PB escrito, 8ª série do E.F., Narração, CPII-EN-EF-8-F001] (Ex.:43) Alguns amam os animais como seus próprios filhos, os vestem com roupas que imitam as nossas, dão biscoito, passam perfume, até os beijam na boca. Tem gente que considera o animal eu melhor amigo e confidente. [PB escrito, 3° ano do E.M., Dissertação, CPII-TEM-3-F-031] 158 Nos exemplos anteriores, há o traço [+foco] nas entidades representadas por caixinha e biscoito, pois, além de serem objetos projetados pelo verbo predicador pleno, também apresentam traço [-abstrato]. Além disso, no exemplo 42, o SN está acompanhado de modificadores (de madeira, muito bonita), apresentando o traço [-quantificação universal], ou seja, o SN, por estar especificado, não representa qualquer elemento de sua classe (não é qualquer caixinha). Diferentemente, no exemplo 43, por não estar acompanhado de elementos mais ou menos determinantes, o SN representa todas as entidades da classe à qual pertence (biscoito de forma geral) e, por isso, contém o traço [+quantificação universal]. Decidiu-se reunir esses dados, devido ao traço [+foco] que possuem em comum, representando-os também com o traço [± quantificação universal], com o intuito de dar conta da possibilidade de alguns revelarem [- quantificação universal] e outros [+ quantificação universal]. b) Traço [±foco] e [±quantificação universal] no SN (Ex.:44) (...) O bom investimento na saúde dá resultados [PE escrito, Diário de Notícias, Editorial, 02-10-07, Título do editorial] (dar - verbo predicador não pleno) (Ex.:45) A SMTU informou que o decreto-lei 2.1740 de julho de 2002 deu um prazo de um ano para que os motoristas se adequassem às normas da lei 3.360 (...) [PB escrito, O Povo, 07-0104, Notícia, Lei para transporte alternativo dá polêmica] (dar - verbo predicador não pleno) Os exemplos anteriores não podem ser classificados com o traço [+ foco] ou [-foco], pois, por um lado, são abstratos (o que os caracterizariam como [-foco]) e, por outro, possuem função sintática de objeto e podem ser produzidos com elementos modificadores/quantificadores que os especifiquem (características de elementos com traço [+foco]). A esse tipo de dado, não previsto por Saraiva (2001), atribuíram-se os traços [±foco] e [± quantificação universal]. Considera-se este pelo fato de o SN das predicações apresentar ou não elementos modificadores/quantificadores. Quanto aos exemplos anteriores, apesar da possibilidade de inserção de elementos na primeira construção (dá bons/ótimos/importantes resultados), o SN não se apresenta modificado, enquanto, na segunda, há o modificador de um ano ligado ao SN prazo. Ademais, resultados e prazos apresentam o traço [+abstrato]. c) Traço [+foco] na ação veiculada por dar + SN e [±quantificação universal] no SN (Ex.:46) aí eu fui virar assim pra falar com ele... cadê? os garotos tinham sumido... me deixaram lá sozinho... e aí não me lembrava ainda me deu um branco horrível mesmo. [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf.: 27] (dar - verbo-suporte) 159 (Ex.:47) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! [PB escrito, Extra, 10-01-04, Artigo de opinião, Limpando o ninho] (dar - verbo-suporte) (Ex.:48) Posto em fuga o agressor para o interior da cerca, perseguido pelo Zeferino e alguns dos restantes, fechou-se em casa, sendo intimado pelo Zeferino a sair, a fim de dar conta do seu feito. [PE escrito, VARPORT, notícia, E-P-91-JN-004, Diário de Notícias , 10/03/1905, Iluminação à luz elétrica] (dar - verbo-suporte) Saraiva (2001) considera que as construções que contêm o traço [+foco] na ação por elas veiculada naturalmente expressam o traço [+quantificação universal]. Realmente, construções, como a do exemplo 48 (dar conta), apresentam esse traço porque o SN não está modificado/especificado e, principalmente, não há possibilidade de especificá-lo por meio de inserção de elementos mais determinantes. No entanto, encontraram-se construções que, apesar de revelarem o traço [+foco] na ação, apresentam o SN com algum grau de especificação (com modificadores e/ou quantificadores) ou com a possibilidade de ser especificado por esses elementos. Por isso, atribui-se ao SN dessas estruturas traço [±quantificação universal]. Nos exemplos anteriores, os predicadores complexos dar um branco horrível e dar uma faxina veiculam a noção geral de atividade/ação. No primeiro, branco já está acompanhado de um modificador qualificativo (horrível), enquanto, no segundo exemplo, há a possibilidade de inserção de elementos que especifiquem o SN (dar uma boa/verdadeira faxina). 160 Oco/Total Percentagem Traço [+foco] e Traço [±foco] e Traço [+foco] na ação [±quantificação [±quantificação veiculada por dar + SN e universal] no SN universal] [±quantificação universal] no SN Verbo predicador pleno e Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte 69/69 100% 0/69 — 0/69 — 196/619 32% 256/619 41% 167/619 27% 0/251 — 0/251 — 251/251 100% Tabela 24: Caracterização semântica do SN relacionada às categorias funcionais de dar Os sintagmas nominais que possuem traços [+foco] e [±quantificação universal] no SN apresentaram-se, categoriacamente (em 100% dos 69 dados), vinculados à categoria lexical de verbo predicador (pleno ou não), confirmando a hipótese de que esse tipo de configuração é típica dos elementos considerados objetos/argumentos internos do verbo (dar), que pode apresentar uma grelha argumental de até três argumentos. Diferentemente, percebe-se que os SNs que possuem o traço [+foco] na ação veiculada por dar se ligam apenas à categoria mais gramatical de verbo-suporte (100% dos 251 dados). O fato de esses SNs não apresentarem traço [+foco] faz com que sejam reconhecidos como pseudo-termos/objetos e assim considerados incorporados ao verbo. A tabela também expõe o fato de que os SNs que possuem traços [±foco] e [±quantificação universal] – total de 619 dados – podem acompanhar todas as categorias de dar detectadas no corpus. A baixa produtividade (27%) desse tipo de SN vinculado à categoria de verbo-suporte já era esperada, devido, principalmente, ao traço [+foco], que não favorece a leitura incorporada do elemento nominal. Esperava-se que o maior número desse tipo de SN estaria relacionado à categoria de verbo predicador (pleno ou não). No entanto, a diferença de produtividade de SN com esse perfil (traços [±foco] e [±quantificação universal]) entre essa categoria e a categoria verbo predicador a verbo-suporte é baixa (diferença de apenas 9%). Para checar se a presente caracterização semântica do SN interfere no grau de integração entre o verbo dar e o próprio SN, realizou-se o cruzamento desse aspecto com as 161 noções que podem ser veiculadas por dar quando este já se encontra no processo de gramaticalização. Oco/Total Percentagem Valor não Transferência Transferência Valor genérico transferencial Social ou discursiva de Psicológica ação/atividade Traços [+foco] e [±quantificação universal] no SN 0/34 — 0/176 — 0/213 — 0/251 — Traços [±foco] e [±quantificação universal] no SN 34/34 100% 176/176 100% 213/213 100% 0/251 — 0/34 — 0/176 — 0/213 — 251/251 100% Traços [+foco] na ação veiculada por dar + SN e [±quantificação universal] no SN Tabela 25: Caracterização semântica do SN relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte Constata-se, pela tabela 25, que nenhuma das noções semânticas detectadas se associa a construções em que são produtivos SNs caracterizados pelos traços [+foco] e [±quantificação universal]. Tal resultado já era esperado, pois os SNs configurados dessa maneira, como demonstrado na tabela 24, vinculam-se às categorias lexicais de dar (verbo predicador pleno ou não pleno) e não às categorias que já revelam algum grau de gramaticalização e que, por isso, denotam os valores apresentados. Os percentuais em itálico da tabela 25 confirmam a hipótese de que o verbo dar, tanto ao denotar valores não transferenciais quanto ao expressar valores transferenciais, se junta categoricamente a SNs que possuem traços [±foco] e [±quantificação universal]. Tal fato comprova que as construções com esse tipo de SN podem apresentar graus mais baixos de integração entre o verbo e o SN (cf. exemplos 45 e 44). Logo, os traços [±foco] e [±quantificação universal] não colaboram para delimitar os níveis de integração dos componentes dos predicadores complexos. Diferentemente desse resultado, o traço [+foco] no estado de coisas manifestado por dar + SN ocorre apenas em construções que veiculam noção geral de ação/atividade e apresentam níveis intermediários de integração dar + SN (já que nelas há o traço [-quantificação universal], devido à presença de elementos com caráter determinante, como modificadores, ou à possibilidade de inseri-los – cf. exemplos 46 e 47) quanto níveis mais altos de integração (nas construções em que ainda é possível inserir 162 elementos menos determinantes ou em predicadores complexos em que não há essa possibilidade – cf. exemplo 48). 5.1.12.3 Funções semânticas do sintagma nominal Decidiu-se relacionar a função do SN ([±referencial 100 ]) aos traços semânticos [±determinado] e [±abstrato] para compor esse parâmetro e, então, investigar mais detalhes acerca do elemento que se vincula às categorias de dar. Alguns exemplos de SNs detectados no corpus. a) Função [+referencial] e traços [± determinado] e [-abstrato] (Ex.:49) (...) minha mãe e eu perguntava o que tinha acontecido e ela não respondia ... só sabia chorar... aí eu resolvi dar um copo d’água com açúcar pra ela... pra ver se acalmava... aí ela tomou... [PB oral, Discurso e Gramática, Oitava série, Narrativa Recontada, idade: 14 anos, sexo: masculino, ano: 1993, informante 28] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:50) é a época dele desovar então o peixe fica adoidado ele dá muito peixe você pega muito peixe então vem a época da enchente quando cresce antes dele desovar você ainda pega muito peixe que ele fica anda pra aqui pra ali” (dar – verbo predicador não pleno) Incluem-se, na combinação de traços apresentada em “a”, as ocorrências em dar que se ligam a um SN que representa uma entidade concreta ([-abstrato]) no mundo biossocial ([+referencial]), tal como copo e peixe, núcleos dos SNs que formam. Além disso, os núcleos dos SNs podem estar acompanhados seja por elementos menos determinantes, como o caso de um (artigo indefinido) e de muito (intensificador), seja por elementos mais determinantes, como com açúcar (modificador que especifica o núcleo copo) ([±determinante]). b) Função [-referencial] e traços [+ determinado] por pronome possessivo/demonstrativo e/ou modificador quantificador/qualificativo e [+abstrato] (Ex.:51) E' necessario, pois, cortar a tosse e combater as affecções que a originam. Para isso, nada há como o Xarope São João que dá resultado immediato. [PB escrito, VARPORT, Anúncio, E-B-91-Ja-036, Correio da Manhã, 01/11/1918] (dar – verbo predicador não pleno) 100 A referência é a relação existente entre uma expressão (escrita ou falada) e aquilo que ela designa ou representa em momentos particulares de sua enunciação. O traço [+referencial] está presente nos SNs que representam algum estado ou objeto (animado ou não) no mundo biossocial. 163 (Ex.:52) O Bradesco Seguro Residencial é um seguro acessível e fácil de contratar. [...] Tudo isso para dar total tranqüilidade a você e sua família. [BN - JB, Anúncio, 14 de março de 1999, p.14] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:53) A resposta para tal problema é simples: contextualizar. A contextualização situa um determinado vocábulo restringindo a polissemia, dando pequena margem a outros significados que por ventura pudessem ser-lhe atribuídos. [PB, escrito, Último período do E.S., Prova, ES-p7-F-003] (dar – verbo-suporte) Nos exemplos anteriores, resultado, tranqüilidade e margem são elementos nãoreferenciais e abstratos aos quais se vinculam modificadores qualificativos. c) Função [-referencial] e traços [+ determinado] por artigo indefinido e/ou modificador intensificador e [+abstrato] (Ex.:54) (...) bem mas se eu quisesse eu não lhe pagava nem lhe dava nem um tostão. [PE oral, VARPORT, Op-P-70-2m-003, faixa B, nível 1] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:55) Acontece que os médicos enquanto classe profissional não têm dado muitas razões para merecer a confiança daquela parte do Estado que tem a desagradável missão de fazer contas e de resistir aos abusos. [PE escrito, Expresso, Artigo de opinião, 16-07-07, Burocrata e desumano] (dar – verbo predicador não pleno) (Ex.:56) Também parece haver quem dê muita importância ao seu corpo físico, procurando cuidar dele esmeradamente, sem se preocupar com outros aspectos de si. [Correio da Manhã, Artigo de Opinião, 08-09-07, Despertar] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:57) (...) a vida dela não me pertence,. A gente só dá um empurrãozinho. Eu digo:Olha se eu fosse você, eu fazia assim! Só isso, o máximo que eu falo, porque o que que eu vou fazer? [PB oral, VARPORT[culto], OC-B-9R-3F-001, FAIXA C, NÍVEL 3 ](dar - verbo-suporte) Os núcleos dos SNs tostão, razões, importância, empurrãozinho, além de abstratos, estão ligados a um elemento intensificador (muita) e a um artigo indefinido (um). d) Função [-referencial] e traços [- determinado] e [+abstrato] (Ex.:58) (...) agora eu sou professora... né? estou terminando o terceiro ano do normal... e... eu sei que o meu salário vai ser ruim... mas não é por isso que eu vou... dar desculpa e não vou... [PB oral, D&G, 2° ano do E.M., Relato de opinião, idade: 18, inf. 21] (dar – verbo predicador não pleno) 164 (Ex.:59) O seminário procurará dar resposta às questões fundamentais que se põem no domínio dos problemas de higiene e segurança na empresa. [PE escrito, VARPORT [NOTÍCIA], EP-94-Jn-006, Diário Popular, 25/11/1972, pág.: 18] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:60) De tudo isso dá conta o depoimento do embaixador Itamar Franco na Comissão de Relações Exteriores do Senado, onde ficará como um documento exemplar de nossa história diplomática. [PB escrito, Jornal do Brasil, Editorial, 25/12/95, Presença externa do Brasil, p.9] (dar - verbosuporte) Nos exemplos anteriores, desculpa, resposta e conta não estão determinados por qualquer elemento, além de serem elementos não-referenciais e abstratos. Oco/Total Percentagem [- abstrato] [- Referencial] [+ det.] por pron. possessivo e/ou demonstrativo [+ abstrato] [- Referencial] [+ determinado] por artigo indefinido ou modificador intensificador [+ abstrato] Verbo predicador pleno e Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte 92/92 100% 53/203 26% 22/92 24% 0/92 — 64/203 31% Verbo-suporte 0/92 — 86/203 43% Categorias funcionais [+ Referencial] [±determinado] de dar 43/92 47% 27/92 29% [- Referencial] [- determinado] [+ abstrato] 98/552 18% 149/552 27% 305/552 55% Tabela 26: Função e traços do elemento não-verbal relacionados às categorias funcionais de dar A tabela 26 demonstra que os nomes com função [+referência] e traços [±determinado] e [- abstrato] estão categoricamente (nos 100% dos 92 casos do corpus) vinculados a construções com verbo predicador (pleno ou não). O resultado da terceira coluna da tabela revela que o fato de os SNs serem determinados por pronomes possessivos, demonstrativos e/ou modificadores qualificadores/quantificadores, ou seja, de estarem acompanhados de elementos mais determinantes não impede que se integrem às categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte (em 64 dos 203 casos) e verbo-suporte (em 86 dos 203 casos). Observa-se também que a produtividade desses SNs nas categorias lexicais de verbo predicador pleno e de não pleno (26%) é bastante semelhante às freqüências presentes nas categorias (semi-)gramaticais (31%). Diferentemente, encontra-se uma produtividade bastante baixa de SNs com função [-referencial], acompanhados ou não por elementos menos determinantes (como artigo indefinido e intensificadores) e com o traço [+abstrato] 165 vinculados às categorias lexicais de verbo predicador pleno e de predicador não pleno (24% de 92 construções com essa configuração), já que esse tipo de SN se vincula com mais freqüência às categorias gramaticais de dar (verbo predicador a suporte – em 47%; e verbosuporte – em 29%). A hipótese de que os SNs com traços [-referencial], [-determinado] e [+ abstrato] estivessem integrados, principalmente, à categoria mais gramatical (verbo-suporte) foi confirmada: 305 SNs dos 552 exemplos ligam-se a verbosuporte, perfazendo 55% da amostra. Para checar se a freqüência de tipo analisada na presente seção constitui um aspecto que interfere no grau de integração entre dar e SN, a tabela 27 evidencia como se distribuem os dados com a relação entre esse parâmetro e os valores veiculados pelo verbo quando ele já apresenta algum grau de gramaticalização. Valores não Transf. social transferenciais ou psicológica Transf. Valor genérico de ação/atividade discursiva [+ Referencial] [±determinado] [- abstrato] 0/34 — 0/176 — 0/213 — 0/251 — [- Referencial] [+ determinado] por pron. possessivo e/ou demonstrativo [+ abstrato] [- Referencial] [+ determinado] por artigo ou mod. intensif. [+ abstrato] [ - Referencial] [- determinado] [+ abstrato] 12/34 35% 46/176 26% 31/213 14% 37/251 13% 0/34 — 30/176 17% 28/213 13% 12/251 5% 22/34 65% 100/176 57% 130/213 62% 202/251 81% Tabela 27: Função e traços do elemento não-verbal relacionados aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte O resultado mais relevante da tabela 27 foi a constatação de que os SNs com função [-referencial] e com traços [-determinado] e [+abstrato] ocorrem principalmente em construções com elementos cujo verbo exprime valores não transferenciais, noções transferenciais e o valor genérico de ação/atividade, o que significa que esse tipo de SN faz parte de construções com diferentes níveis de integração e que as combinações de funções e traços apresentadas não constituem um aspecto que contribua para a delimitação dos níveis de integração dos componentes das construções dar + SN. 166 A título de ilustração, eis alguns enunciados com construções dar+ SN [-referencial], [determinado] e [+abstrato]: (Ex.:61) Ainda é preciso fazer muito para acabar com o racismo, mas as cotas não darão resultado. É necessário um ensino público básico de qualidade para que todos tenham oportunidades iguais. [PB, escrito, 8ª série do E.F., Dissertação, CPII-EN-EF-8-F-007] (dar - valor não transferencial) (Ex.:62) eu acho que a colo/ a o governo devia de dar proteção à colônia. [PB oral,VARPORT, OP-B-90-2M-005, faixa B, nível 1] (dar - valor de transferência social ou psicológica) (Ex.:63) Nessa época talvez por falta de memoria, que é achaque de velhos não nos lembra que as glandulas lacrimaes dos illustres confrades tivessem funccionado com a mesma abundancia de que ora dão mostras. [PB escrito, VARPORT, Editorial, E-B-91-JE-001, Correio da Manhã ;01/07/1901, A ordem] (dar - valor de transferência discursiva) (Ex.:64) aí se der bobeira é : leva o peixe entendeu? [PB oral, APERJ, inq169A, faixa A, nível 1, pista 2, linha:4068] (dar - valor genérico de ação/atividade) Os núcleos das construções exemplificadas (jeito, proteção, mostras e bobeira) são abstratos e não apresentam entidade no mundo biossocial para representá-los, além de não estarem acompanhados por qualquer elementos. Ademais, o verbo dar, em dar jeito veicula noção não transferencial, já que apresenta extensão de sentido causar/gerar, enquanto dar proteção e dão mostra expressam valores transferenciais (na primeira construção, transferência de natureza social ou psicológica e na segunda, de natureza discursiva). Em der bobeira, diferentemente, não se encontram valores transferenciais nem não-transferenciais, pois, nessa predicação, o verbo tem valor geral de ação/atividade. 5.1.12.4 Mobilidade do elemento não-verbal A análise desse parâmetro tem por objetivo checar se a posição do SN que se vincula ao verbo dar é mais ou menos fixa, partindo da hipótese de, quanto mais lexical for o estatuto do verbo (verbo predicador pleno e predicador não pleno), o SN estará sujeito a maior mobilidade: ele poderá ser encontrado anteposto ao verbo ou posposto (e, quando neste caso, com a possibilidade de anteposição em algumas construções). Ademais, espera-se que os SNs de posição mais fixa, ou seja, pospostos e sem possibilidade de anteposição, estejam vinculados às categorias gramaticais de dar (particularmente, à categoria verbo-suporte). 167 a) SN anteposto (Ex.:65) O efeito cômico da tirinha é causado pela ambigüidade da pergunta que o filho faz a sua mãe e pela resposta que esta, conseqüentemente, lhe dá. [PB, escrito, avaliação-primeiro período, ES-P1-M-002] (dar – verbo predicador não pleno) (Ex.:66) (...) é a melhor raça (...) eu gosto de ter mas não gosto de ter muitos... é que dá muita despesa e lucro não dá nenhum ou dois e prontos [PE oral, VARPORT[POPULAR], OP-P-90-2M003, FAIXA B, NÍVEL 1] [PB, escrito, avaliação-último período, ES-P7-F-006] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:67) Mas, na vida de Mme Angelina, o que mais relevo lhe dava era a dedicação de mãe extremosa. [PB escrito, VARPORT, editorial E-B-92-JE-005, O Fluminense, 04/07/1937, Mme Angelina Cid] (dar - verbo-suporte) b) SN posposto com possibilidade de anteposição (Ex.:68) (...) eu não sei como é que eles conseguiram acabar com as bibliotecas... eu não sei pra quê... deram os livros todos... jogaram (aquilo) fora... [PB oral, VARPORT[culto], Oc-B-9C-3m001, faixa C, nível 3] ([os livros todos] deram) (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:69) e o rancho então deu uma despesa de dez mil cruzeiros pra gente [ PB oral, APERJ, inq105B1, faixa B, nível 1, pista 3] ([uma despesa de dez mil cruzeiros] deu pra gente) (dar – verbo predicador não pleno) (Ex.:70) O delegado (...) deu as necessárias ordens, para que se descobrisse tal individuo. [BN - JB, Notícia, Quarta-feira, 1o de maio de 1901, O crime de Copacabana] ([as necessárias ordens] deu) (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:71) A casa GRANDELA de Lisboa previne o publico das provincias de que já deu expediente a toda a correspondência. [PE escrito, VARPORT [ANÚNCIO], E-P-91-Ja-047, O Século, 23/09/1917] ([expediente] já deu a toda a correspondência) (dar - verbo-suporte) c) SN posposto sem possibilidade de anteposição (Ex.:72) A zona do Restelo é conhecida pela prostituição. Os agentes conhecem-nas há muito e elas acabam por ser uma preciosa ajuda, ao darem conta à polícia de movimentações suspeitas. [PE escrito, Correio da Manhã, Notícia, 19-05-07, 4ª Divisão. Um dia em alerta máximo] (dar verbo-suporte) 168 (Ex.:73) antigamente era assim mesmo, até por venda brigavam...venda de peixe e uma vez o meu avô deu cabo de um sujeito porque ele roubou ... é aqui não se brinca não... (...) [PB oral, APERJ, inq.110C, faixa C, nível 1] (dar - verbo-suporte) Oco/Total Percentagem Categorias SN anteposto SN posposto SN posposto sem funcionais de dar com possibilidade de possibilidade de anteposição anteposição 21/50 244/658 0/226 Verbo predicador 42% 37% — pleno e Verbo predicador não pleno 23/50 228/658 0/226 Verbo predicador a 46% 35% — verbo-suporte 6/50 186/658 226/226 Verbo-suporte 28% 12% 100% Tabela 28: Mobilidade do elemento não-verbal relacionada às categorias funcionais de dar A tabela 28 corrobora a hipótese de que os SNs antepostos geralmente estão vinculados às categorias lexicais de dar (verbo predicador pleno e predicador não pleno – 42% dos 50 dados) e à categoria semi-gramatical de verbo predicador a verbo-suporte (46%). Esse tipo de SN não aparece, com expressividade (apenas 12%), vinculado à categoria mais gramatical de verbo-suporte. A esta se juntam categoricamente os SNs pospostos ao verbo e sem possibilidade de anteposição (cf. percentual em negrito). Ademais, as segunda e terceira colunas da tabela demonstram que a posposição dos SNs ocorre com maior produtividade entre as categorias (semi-)gramaticais verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte, ainda que seja possível sua anteposição (verbo predicador a verbo-suporte – 35%; e verbosuporte – 28% dos 658 dados). Para confirmar a hipótese de que a posição fixa do SN colabora para a obtenção de um grau de integração maior entre os componentes do predicador complexo formado por dar, relacionou-se o aspecto “mobilidade do SN” com os valores veiculados pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte. 169 Valores não transferenciais SN anteposto SN posposto com possibilidade de anteposição SN posposto sem possibilidade de anteposição 1/34 3% Oco/Total Percentagem Transferência Transferência Valor psicológica discursiva genérico de atividade 9/176 17/213 0/251 — 5% 8% 29/34 85% 129/176 73% 125/213 59% 112/251 45% 4/34 12% 38/176 22% 71/213 33% 139/251 55% Tabela 29: Mobilidade do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte Constata-se, pelos resultados da tabela 29, que a produtividade de predicadores complexos cujos SNs se apresentam antepostos é bastante baixa ao estarem relacionados a todos os valores expressos por dar (cf. percentuais em itálico). Destaca-se a ausência de SNs antepostos em construções em que dar se encontra com valor genérico de atividade, ou seja, em perífrases que apresentam maior grau de integração entre dar e SN. Além disso, predominam, nessas estruturas, SNs pospostos sem possibilidade de anteposição (55% dos 251 dados) e até mesmo SNs pospostos com possibilidade de anteposição (45%). Os valores expressos tanto pela categoria híbrida verbo predicador a verbo-suporte quanto pela categoria mais gramatical verbo-suporte (valores não transferenciais, valor de transferência psicológica ou social e valor de transferência discursiva) ocorrem, com maior freqüência, em construções com SNs pospostos que têm a possibilidade de anteposição (85%/34 dados, 73%/176 e 59%/213, respectivamente). Nesse caso, o grau de integração entre os componentes é maior, se for comparado ao das estruturas que apresentam SNs antepostos; porém, ainda é menor, se comparado ao grau de integração entre verbo e SN pertencente às construções cujo verbo designa valor genérico de ação/atividade. Confirma-se, portanto, a hipótese de que a posição mais fixa do sintagma nominal decorre da maior rigidez da configuração sintática de algumas perífrases (impossibilidade de mobilidade), a qual, por sua vez, contribui para o reconhecimento de maior nível de integração entre o verbo dar e o sintagma nominal incorporado. Eis alguns exemplos que correspondem a construções relativas aos percentuais mais altos da tabela anterior: 170 a) Valores não transferenciais em perífrase com SN posposto com possibilidade de anteposição: (Ex.:74) (...) mas me dá uma raiva quando alguém fala um troço desse ... [PB oral, NURC, inq. 158, faixa A, nível 3, pág.: 91] ([uma raiva] me dá) (Ex.:75) (...) as ovelhas não dão prejuízo a ninguém, quem disser isso está a mentir. [PE oral, VARPORT[POPULAR], OP-P-90-1M-007, faixa , nível 1] ([prejuízo] não dão) b) Valor de transferência social ou psicológica em perífrase com SN posposto com possibilidade de anteposição: (Ex.:76) É um caso de sucesso num meio em que as estrelas têm projecção global - e Mourinho é, sem dúvida, uma estrela. Sendo um português, compreende-se que os "media" portugueses dêem muita importância à sua saída do clube londrino. [PB escrito, Expresso, Artigo de Opinião, 01-10-07, O murro de Scolari] ([muita importância] dêem) c) Valor de transferência discursiva em perífrase com SN posposto com possibilidade de anteposição: (Ex.:77) Aproveitando, Rove demonstra que não é talhado só para servir os outros, também sabe dar bons conselhos a si próprio. [PE escrito, Diário de Notícias, Editorial, 15-09-07, O Estado, os cidadãos e o sigilo bancário] ([bons conselhos] dar) d) Valor genérico de ação/atividade em perífrase com SN posposto sem possibilidade de anteposição: (Ex.:78) só que chegando ao motel (...) dei conta de que conhecia o carro que estava à minha frente, e era sem dúvida o carro do rapaz que namorava a minha irmã, hoje meu cunhado. [PB escrito, Discurso e Gramática, 3º Grau, Narrativa de experiência pessoal, idade: 26 anos, sexo: masculino, ano: 1993, informante 4] (Ex.:79) Agora, eu, mesmo antes de dar baixa, eu animava as festinha da igreja, entendeu? [PB oral, VARPORT, inq. 328, faixa C, nível 3, pág.: 151] As construções em que dar veicula valores não transferenciais (dão uma raiva/dão prejuízo = causar/gerar raiva/prejuízo) e valores transferenciais (dêem muito importância/ dar bons conselhos = transmitir/passar/fornecer importância/conselhos) apresentam SNs pospostos com possibilidade de anteposição, enquanto, nos predicadores complexos dei conta e dar baixa, em que dar expressa valor geral de ação/atividade, a anteposição dos SNs conta e baixa não é possível. 171 5.1.12.5 Configuração sintática da perífrase Analisa-se se a presença (ou não), nas construções formadas por dar + SN, de elementos distintos do núcleo nominal e a natureza destes interfere no grau de integração desses componentes e na gramaticalização de dar. Identificaram-se as seguintes possibilidades de estruturação: a) Nenhum elemento interveniente na (configuração do SN da) perífrase (nome “nu”) (Ex.:80) Descansem, contudo, os citadinos, porque os prados holandeses, e belgas, e irlandeses continuam verdejantes, as vacas aguentam-se perfeitamente em pé e dão leite e carne de sobra. O Sol pode continuar a brilhar. [PE escrito, VARPORT [NOTÍCIA], E-P-95-Jn-012, Público, 15.03.1992, p. 3] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:81) Papai do céu sempre joga do lado da gente...quer dizer... ele dá condições de sobrevivência... [PB oral, NURC, inq. 135, faixa C, nível 3, pág.: 75] (dar - verbo predicador não pleno) (Ex.:82) (..) porque a gente só ouve falar... por exemplo de companhia aérea dando prejuízo... a VARIG não dá prejuízo... [PB oral, NURC, inq. 355, faixa B, nível 3, pág.: 125] (dar - verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:83) (...) mas para Michele ela não deu suspensão... chamou a mãe na escola pra conversar... [PB oral, Discurso e Gramática, 8ª série do E.F., Narrativa recontada, idade: 16 anos, inf. 25] (dar - verbo-suporte) b) Núcleo do SN antecedido por artigo indefinido (Ex.:84) Um bello dia, adoecendo, sua/ amasia deu um chá, que dizia ser de folhas de laranjeira [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-91-Jn-004, Jornal do Brasil, 14/05/1902, Um crime] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:85) aí nós fomos pro norte... fui pra Recife... Bahia... demos uma passadinha... acho que foi... que deu um problema no avião... [PB oral, VARPORT, Oc-B-9C-2f-002, faixa B, nível 3] (dar verbo predicador não pleno) (Ex.:86) ah ... isso aí é pra dar uma força é... a rede que a gente... encala ela está vendo? [PB oral, APERJ, inq104B, faixa B, nível 1] (dar - verbo predicador a verbo-suporte) 172 (Ex.:87) Era tudo uma imensa salada até que chegou a Brazilian Food. Botou um tempero aqui, deu um toque ali e pronto: o maior sucesso. [PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio, 23/10/88, p.15] (dar - verbo-suporte) c) Núcleo do SN acompanhado de modificador intensificador vinculado ou não a pronome indefinido e/ou a quantificadores (Ex.:88) Os consumidores de fósforos, com o meio tostão de cada caixa ou carteira, foram os que mais largamente contribuíram, pois deram mais de 13 mil contos. [PE escrito, VARPORT, Notícia, E-P-93-Jn-0 04, Diário de Notícias, 30.08.1955] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:89) Essa tática deu algum resultado no governo anterior, até porque os manifestantes encontravam eco junto a deputados e senadores do PT que, na oposição, rejeitavam a reforma. [PB escrito, O Globo, 29-03-03, Editorial, Fim de privilégios] (dar - verbo predicador não pleno) (Ex.:90) Com a chegada de Edmundo, Romário espera que Edmundo dê muitas alegrias para a torcida do Fluminense [PB escrito, Extra, 07-01-04, Notícia, De ex-desafeto a anfitrião cordial - Romário promete receber Edmundo de braços abertos no tricolor] (dar - verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:91) Após quebrar os vidros do veículo com um pedaço de madeira, Paulo deu algumas facadas em Mari e só parou quando ela disse que o amava. [PB escrito, O Povo, 07-01-04, Notícia, Matou namorada a facadas por ciúme] (dar - verbo-suporte) d) Núcleo do SN acompanhado de artigo definido, de pronome demonstrativo ou de pronome possessivo (Ex.:92) Mahuad roubou a cena e deu ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, o cantil que | seu avô usara no confronto | com os peruanos em 1941. [PB escrito, VARPORT, notícia, E-B-94-Jn029, Jornal do Brasil, 27.10.1998, Brasil é fiador da paz histórica entre Peru e Equador] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:93) eu passei lá há poucos dias, mas uma cidade tranqüila, sabe? E que às vezes o turismo (...) assim intenso num lugar, acaba acabando com a vida das pessoas que realmente moram lá, mas Gramado não me deu essa impressão. [PB oral, VARPORT, Oc-B-9R-4f-002, faixa C, nível 3] (dar - verbo predicador não pleno) (Ex.:94) (...) eu acho que o maior presente que possam te dar é um emprego... mas pra te dar esse emprego... o governo tem que resolver o problema econômico do país (...) [PB oral, Discurso e Gramática, Terceiro grau – último período, Relato de opinião, idade: 24 anos, sexo: masculino, ano: 1993, informante 1] (dar - verbo predicador a verbo-suporte) 173 (Ex.:95) Ainda não se chegou aqui. A PJ fez bem em não ter dado este passo. Foi prudente. As notícias que vão chegando de Inglaterra, raiando o insulto, apoiadas em declarações quase histéricas de raiva, ódio e racismo contra Portugal (...) [Correio da Manhã, Artigo de Opinião a, 0809-07, Condição de argüidos] (dar - verbo-suporte) e) Núcleo do SN acompanhado de modificador qualificativo antecedido ou não de artigo, de pronome possessivo e/ou de pronome demonstrativo (Ex.:96) ... fui pro colégio fazer essa prova pensando: poxa... já pensou se ela me desse a mesma prova do quarto bimestre? [PB oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa de experiência pessoal, idade: 19, inf. 14] (dar – verbo predicador pleno) (Ex.:97) Tomem, á vontade, quatro annos quaesquer, de qualquer paiz parlamentar, sommem os dias de crises ministeriaes e verão que em nenhum se dá essa longa crise de facto, que absorve os dois ultimos annos de todas as presidencias, entre nós. [PB escrito, VARPORT, editorial, E-B-91-Je-002, Correio da Manhã, 03/07/1901, Ano Crítico] (dar – verbo predicador não pleno) (Ex.:98) (...)o IBAMA é uma entidade que está dando uma força total à gente aí os fiscais pra não pescar na época da desova. [PB oral, VARPORT, Op-B-90-2m-004, faixa C, nível 1] (dar –verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:99) Sei nadar muito eu comecei nadar nadar nadar foi quando nós deu uma distância boa cheguei no seco uma coroazinha aí fiquei em pé da canoa e perdi. [PB oral, VARPORT, OP-B-901M-006, faixa A, nível 1] (dar – verbo-suporte) Categorias funcionais de dar Nenhum elemento Verbo predicador pleno e Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte 68/374 18% 107/374 28% 199/374 54% Oco/Total Percentagem Artigo Modificador intensificador indefinido antecedido ou não de artigo ou pron. indefinido ou quantificadores 82/229 39/105 36% 37% 43/229 19% 104/229 45% 28/105 27% 38/105 36% Tabela 30: Configuração sintática do SN relacionada às categorias funcionais de dar 174 Categorias funcionais de dar Verbo predicador pleno e Verbo predicador não pleno Verbo predicador a verbo-suporte Verbo-suporte Oco/Total Percentagem Artigo definido ou Modificador qualificativo pronome antecedido ou não de artigo demonstrativo/ possessivo 34/90 42/140 30% 38% 30/90 47/140 33% 34% 26/90 51/140 29% 36% Tabela 30 (Continuação): Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada às categorias funcionais de dar A tabela 30 confirma a hipótese de que construções sem qualquer elemento interveniente ou com elementos menos determinados apresentam o verbo na categoria mais gramatical de verbo-suporte (54% dos 374 dados de nome “nu” e 45% dos 229 dados com artigo indefinido, respectivamente). Os elementos que podem ser considerados [±determinantes], como intensificadores e quantificadores aparecem, com produtividade semelhante, acompanhando o SN ligado ao verbo dar em todas as categorias investigadas (verbo predicador pleno ou não – 37%; verbo predicador a verbo-suporte – 27%; e verbo-suporte – 36% em 105 dados). A tabela 30 (continuação) demonstra que elementos de natureza [+determinante], como artigos definidos, pronomes e modificadores qualificativos, podem acompanhar nomes que se aliam a verbo-suporte (em 29% dos 90 casos); porém, como tendem a colaborar para conferir ao SN resultante maior referencialidade em relação ao mundo biossocial, ocorrem um pouco mais expressivamente relacionados aos nomes que se articulam às demais categorias funcionais do verbo dar (em 38% dos 90 exemplos, com verbo predicador; em 33% com dar na categoria léxico-gramatical). Esse resultado contraria, de certa maneira, a hipótese inicial de que construções com verbo-suporte dar apresentariam índice bastante reduzido de elementos dessa natureza. Acredita-se que a presença de tais elementos indica que, mesmo entre as estruturas sob a classificação verbo-suporte, há graus de integração bastante distintos entre dar e o SN. Para avaliar a relação entre a configuração sintática da perífrase e o grau de integração de seus componentes, cruzaram-se os resultados dos tipos de configuração sintática 175 encontrado nas construções dar + SN com os valores que dar pode exprimir ao pertencer às categorias gramaticais verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte. Valores não transferenciais Nenhum elemento adjacente Artigo indefinido Modificador intensificador antecedido ou não de artigo ou Pron. Indefinido ou Quantificadores Artigo definido ou pronome demonstrativo/ possessivo Modificador qualificativo antecedido ou não de artigo 20/34 59% 3/34 9% Oco/Total Percentagem Transferência Transferência Valor genérico Psicológica discursiva de ação/atividade 62/176 93/213 133/251 35% 44% 53% 35/176 47/213 61/251 20% 22% 25% 2/34 6% 30/176 17% 14/213 6% 20/251 8% 2/34 6% 20/176 11% 19/213 9% 15/251 6% 7/34 20% 29/176 17% 40/213 19% 22/251 8% Tabela 31: Configuração sintática do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte Os resultados da tabela 31 revelam que não há elementos menos ou mais determinantes ligados ao núcleo do SN em boa parte das construções em que dar manifesta os valores não transferenciais (59% de 34 casos), o valor de transferência social ou psicológica (35% de 176 casos), o valor de transferência discursiva (44% de 213 exemplos) e o valor genérico de ação/atividade (53% de 251 exemplos). Nessas construções identifica-se um alto grau de integração entre dar e o SN, principalmente se outras condições tipicamente associadas à configuração exemplar de perífrases verbo-nominais também se manifestarem (por exemplo, a impossibilidade de mobilidade do SN e a natureza (não) predicante desse elemento). Destacam-se, ainda, os baixíssimos índices de elementos de natureza [+determinante], como modificadores ou pronomes, na configuração de SNs que compõem as construções que têm dar com valor genérico de ação/atividade (8%, 6% e 8% dos 251 dados com esse valor), ou seja, em predicadores complexos cujos componentes estão mais integrados. Acredita-se que, para verificar o grau de integração entre dar e SN, é necessário adicionar à análise da configuração sintática das construções a verificação da possibilidade de 176 inserção de elementos, averiguando-se a natureza mais ou menos determinante desses elementos. A seguir, eis alguns exemplos que correspondem às construções que têm percentuais mais altos na tabela anterior: (Ex.:100) A denúncia do critério estritamente economicista e os apelos mais ou menos implícitos a uma tomada de posição de Cavaco marcaram o protesto. António Fonseca, portavoz do Colectivo de Defesa dos Consulados em França, assegurou que os postos que serão encerrados naquele país "não dão prejuízo, dão lucro. [PE escrito, Diário de Notícias, Notícia, 03-0907, Emigrantes apelam a Cavaco e não desistem] (dar – valor não transferencial) (Ex.:101) É de chorar de rir a história do Edilson, que continua a desafiar toda a banca da nova comissão técnica e da fiava diretoria do Flamengo, dando bananas, fazendo caretas e brandindo os seus direitos. [PB escrito, Extra, 10-01-04, Opinião, Limpando o ninho] (dar – valor de transferência psicológica ou social) (Ex.:102) agora o traficante volta a dar sinais de que mantém com a polícia uma relação, no mínimo, amigável. [PB escrito, Extra, 12-01-04, Editorial, Sem título] (dar – valor de transferência discursiva) (Ex.:103) (...) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam todos rebentados... estava dando curto (...) [PB oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa de experiência pessoal, idade: 18, inf. 9] (dar – valor genérico de ação/atividade) Em todos os exemplos, o núcleo do SN dos predicadores complexos não está acompanhado de qualquer elemento. O valor não transferencial da construção dão lucro decorre do fato de o verbo predicador a verbo-suporte dar, na interpretação como verbo predicador, expressar a extensão de sentido causar/gerar. Em dando bananas e em dar sinais, o verbo-suporte denota transferência, na primeira construção, de natureza psicológica, visto que configura um gesto feito para ofender/atingir alguém (um argumento destinatário que não está manifestado na predicação) e, na segunda construção, de natureza discursiva. Esses valores não estão presentes no predicador complexo dando curto que apresenta valor genérico de ação/atividade. 177 5.1.12.6 Possibilidade de permuta de dar por outros itens verbais Quanto a esse aspecto, decidiu-se investigar apenas dados da amostra que manifestam as categorias em que dar já apresenta algum grau de gramaticalização (verbo predicador a verbo suporte e verbo-suporte). A hipótese a ser checada é a de que o verbo-suporte dar terá índices de permuta altos somente quando os verbos que o substituírem pertencerem também à categoria de verbo-suporte, enquanto na categoria híbrida de verbo predicador a verbosuporte dar apresentará índices altos de possibilidade de substituição tanto por verbo predicador quanto por verbo-suporte. a) Possibilidade de substituição de dar por verbo predicador (Ex.:104) AZIA E MÁ DIGESTÃO...passam um instante com Sonrisal. Sonrisal contém dois antiácidos: um, dá alívio rápido. [PB escrito, VARPORT [ANÚNCIO], E-B-93-Ja-023, O Globo, 28/04/1958] (dá – verbo predicador a verbo-suporte ≅ causa/gera) b) Possibilidade de substituição de dar por verbo predicador e por verbo-suporte (Ex.:105) ah não nesse particular eu não posso dar grandes informações... [PB oral, NURC, inq.374, faixa C, nível 3] (dar – verbo predicador a verbo-suporte ≅ passar/fornecer, compondo uma perífrase relativamente equivalente à forma verbal simples “informar muita coisa”) (Ex.:106) Fica todo mundo falando, pressionando, dando opinião. Mas será que passa pela cabeça de alguém que eu também me pressiono? Afinal tenho 17 anos e não quero me arrepender da minha escolha, não quero falhar! [PB escrito, Redação (dissertação), 3° ano do E.M., CPII-T-EM-3-F-001] (dando – verbo predicador a verbo-suporte ≅ transmitindo/passando, compondo uma perífrase relativamente equivalente à forma verbal simples “opinar”) c) Possibilidade de substituição de dar apenas por verbo-suporte (Ex.:107) Em seu primeiro jogo como titular, o armador Leandrinho, do Phoenix Suns, marcou 27 pontos, deu quatro assistências e pegou três rebotes, apesar da derrota de seu time para o Chicago Bulls por 87 a 82. [PB escrito, Extra, 07-01-04, Notícia, Leandrinho dá show no Phoenix] (dar – verbo-suporte ≅ fazer) (Ex.:108) Se eu estiver num elevador que ele pare entre dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo. [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-3f001, faixa C, nível 3] (dar – verbo-suporte ≅ fazer) 178 d) Não é possível qualquer substituição (Ex.:109) (...) e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros... [PB oral, NURC, inq.269, faixa B, nível 3] (dar – verbo-suporte) (Ex.:110) A tinta TEOLIN vem substituir o velho processo de encerar as casas e de dar cabo da paciencia das CRIADAS [PE escrito, VARPORT, Anúncio, E-P-92-Ja-036, O Século, 11/08/1930, pág.: 11] (dar – verbo-suporte) Categorias Substituição funcionais de dar por verbo predicador 202/202 Verbo 100% predicador a verbo-suporte 0/202 Verbo-suporte — Oco/Total Percentagem Substituição por Substituição verbo predicador apenas por e verbo-suporte verbo-suporte 170/170 0/62 100% — 0/170 — 62/62 100% Não é possível 0/229 — 229/229 100% Tabela 32: Possibilidade de substituição do verbo em predicadores complexos cujo dar já apresenta algum grau de gramaticalização De acordo com a tabela 32, nos dados em que se identifica a categoria verbo predicador a verbo-suporte, não há qualquer ocorrência de dar que possa ser substituída apenas pelo emprego de outro item (como fazer, levar, entre outros) como verbo-suporte. De fato, as construções constituídas por dar nessa categoria híbrida sempre envolvem a possibilidade de substituição ou por outro verbo predicador específico e/ou por outro verbo-suporte. Diferentemente, os dados em que há construções com o verbo-suporte dar ou possibilitam apenas a substituição por outro verbo-suporte de significação compatível (com valor genérico de ação, por exemplo) ou não permitem qualquer substituição (cf. exemplos 109 e 110). Tal resultado já era previsto, pois, nos casos em que se relaciona a uma categoria híbrida, a estrutura dar + SN possui duas possibilidades de interpretação, numa das quais o verbo dar, para ser considerado predicador, pode ser substituído por qualquer outro verbo predicador (dar energia – transmitir energia). Também era esperado o resultado que demonstra que, em nenhuma ocorrência do corpus, foi possível substituir o verbo-suporte por um verbo predicador ou, num mesmo dado, por verbo predicador e verbo suporte, pois isto faria com que o verbo-suporte apresentasse características típicas de verbo predicador, possibilidade que somente ocorre em construções em que o verbo dar tem estatuto híbrido, verbo predicador a verbo-suporte. 179 Para checar a possibilidade de esse parâmetro influenciar no grau de integração entre dar e o SN das estruturas em que o verbo se encontra em gramaticalização, procedeu-se à análise dos dados com base na relação entre esse aspecto e os valores veiculados por dar como verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte. Substituição por verbo predicador Substituição por verbo predicador e verbo-suporte Substituição apenas por verbo-suporte Não é possível Oco/Total Percentagem Valor não Transferência Transferência Valor transferencial social ou discursiva genérico (valores não psicológica de ação/ plenos) atividade 32/34 74/176 77/213 0/251 — 94% 43% 36% 2/34 6% 72/176 40% 88/213 41% 0/251 — 0/34 — 0/34 — 14/176 8% 16/176 9% 15/213 7% 33/213 16% 71/251 28% 180/251 72% Tabela 33: Possibilidade de substituição do verbo relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte A tabela 33 demonstra que há uma alta produtividade (72% de 251 dados com esse valor) de construções com valor genérico de ação/atividade em que não é possível substituir dar por qualquer outro verbo. Diferentemente, em construções cujos valores são distintos do valor genérico de ação/atividade, ou seja, em construções cujos componentes mantêm menor nível de integração (com valores não transferenciais e transferenciais), há a possibilidade de comutação de dar por outros verbos, inclusive por verbo predicador (cf. percentuais em itálico). Esses resultados confirmam a hipótese de que a possibilidade de permuta do verbo dar por outros itens verbais pode interferir no grau de integração entre os componentes dos predicadores complexos. Seguem abaixo alguns exemplos de construções referentes aos percentuais mais expressivos da tabela (em negrito e em itálico): a) Valor não transferencial - possibilidade de substituição de dar por verbo predicador (Ex.:111) Sendo assim, é preciso dar um novo direcionamento ao ensino nacional. [PB escrito, Redação-dissertação, 3° ano do E.F., CPII-T-EM-3-F-034] (dar ≅ gerar) 180 (Ex.:112) ferrada de arraia... bagre já... ih : dá uma dorzinha enjoada... [PB oral, APERJ, inq169A, faixa A, nível 1] (dá ≅ causa) b) Valor de transferência social ou psicológica - possibilidade de substituição por verbo predicador (Ex.:113) Quem financia seu veículo por intermédio da Fináustria Financiamentos recebe inteiramente grátis AssistMais Fináustria, um verdadeiro anjo da guarda que sai de carro com você e sua família, dando proteção e oferecendo segurança em todo Brasil. [PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio, 13/03/99, p.16] (dando ≅ gerando/fornecendo) - possibilidade de substituição por verbo predicador e por verbo-suporte (Ex.:114) O Bradesco Seguro Residencial é um seguro acessível e fácil de contratar. [...] Tudo isso para dar total tranqüilidade a você e sua família. [PB escrito, Jornal do Brasil, Anúncio, 14/03/99, p.14] (dar ≅ passar/fornecer) c) Valor de transferência discursiva - possibilidade de substituição por verbo predicador (Ex.:115) O Sr. Paulo de Tarso, em sua primeira entrevista, deu provas de que não pretende confundir o essencial com o acidental (...) [PB escrito, Diário de Notícias, Editorial, Objetividade na Educação, 03/07/1963, pág.: 06 ] (deu ≅ demonstrou) - possibilidade de substituição por verbo predicador e por verbo-suporte (Ex.:116) O mundo inteiro dá sinais de crescente inquietação com o que se passam no Oriente Médio. [PB escrito, Jornal do Brasil, editorial, Oriente Tenso, 14/12/1974, pág.: 06 ] (dar ≅ passa/demonstra) d) Valor genérico de ação/atividade - impossibilidade de substituição (Ex.:117) #I - e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? tem radar né? (...) [PB oral, VARPORT, OP-B-90-1M-001, faixa A, nível 1] 181 5.1.12.7 Possibilidade de substituição do SN em predicadores complexos cujo verbo já apresenta algum grau de gramaticalização a) Possibilidade de substituição (Ex.:118) Numa guerra aberta à compra livre de seringas, as farmácias deram o seu contributo para a proliferação de doenças que nos envergonhamos de compartilhar por aí mas isso também parece ser um mal com que a nossa gente pode. [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo de opinião, 08/09/07, A depressão pós férias.] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (contributo ≅ contribuição/colaboração) (Ex.:119) (...) Só se ele considera manipulação ter dado tanto destaque ao acontecimento em si... [PB escrito, Diário de Notícias, Artigo de Opinião, 03-04-07, Correio Perdido] (dar – verbo-suporte) (destaque ≅ enfoque/ evidência) b) Impossibilidade de substituição (Ex.:120) Mas enquanto eles próprios não derem o exemplo com um comportamento transparente será impossível mobilizar os portugueses contra o flagelo da corrupção. [PE, Diário de Notícias, Editorial, 09/08/07, O mau exemplo dado pelos partidos políticos] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (Ex.:121) A mãe, por o seu estado inspirar cuidados, seguiu, ás 18 horas, para Lisboa, a fim de dar entrada no hospital de S. José. [PE escrito, VARPORT, Notícia, E-P-92-JN-008, O Século, 13/02/1935, A explosão duma bomba de pedreira esfacelou a mão direita de uma criança e feriu, no ventre, sua mãe, p.05] (dar – verbo-suporte) Categorias funcionais de dar Verbo predicador a verbo Suporte Verbo-suporte Oco/Total Percentagem Não é possível Substituição possível 54/260 201/413 21% 49% 206/260 212/413 79% 51% Tabela 34: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal em predicadores complexos em que dar já apresenta algum grau de gramaticalização. Na tabela anterior, os índices muito semelhantes de possibilidade de substituição do SN por outro que ocorrem tanto em construções com dar verbo predicador a verbo-suporte (49% de 413 casos) como com dar verbo-suporte (51% de 413 exemplos) indicam que esse 182 parâmetro não exerce qualquer influência no fenômeno de gramaticalização. Diferentemente, o maior índice de impossibilidade de permuta do SN por outro (79% dos 260 casos em que não há possibilidade de substituição) ocorre entre predicadores complexos em que dar pertence à categoria de verbo-suporte, o que indica que essas construções congregam constituintes com maior grau de integração. Com o intuito de checar tal possibilidade de interpretação, avaliou-se a distribuição dos dados em função da relação entre esse aspecto e os valores que dar veicula quando já apresenta algum grau de gramaticalização, conforme se pode visualizar na próxima tabela. Substituição possível Não é possível Valor não transferencial (valores não plenos) 24/34 71% 10/34 29% Oco/Total Percentagem Transferência Transferência Valor genérico social ou discursiva de ação/ psicológica atividade 134/176 76% 42/176 24% 153/213 72% 60/213 28% 103/251 41% 148/251 59% Tabela 35: Possibilidade de substituição do elemento não-verbal relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte Percebe-se um alto índice de possibilidade de permuta do SN por outro nas estruturas em que dar revela valores não transferenciais (71% de 34 casos), valor de transferência social ou psicológica (76% de 176 casos) e valor de transferência discursiva (72% de 213 casos), o que demonstra que essas construções podem apresentar elementos menos integrados. Em construções em que o verbo dar tem o valor genérico de ação/atividade, a possibilidade de permuta do SN por outro é menor (41% dos 251 casos) do que a impossibilidade (59%), o que indica o caráter mais integrado dos componentes da maioria dessas construções. Logo, esse parâmetro será considerado para delimitação dos níveis de integração entre dar e SN. A seguir, construções em que é possível a substituição do SN (referentes ao valor em negrito da tabela 35) e predicadores complexos em que dar possui valor de ação/atividade e em que a substituição não é possível: 183 a) Possibilidade de substituição do SN - Valores não transferenciais (Ex.:122) Eu gosto de animais, tenho até um em casa. Mas eu também acho exagerado dar tanto valor à um bicho, principalmente enquanto alguns de nossa própria espécie são tão maltratados. [PB escrito, dissertação-ensino médio, CPII-T-EM-3-F-031] (valor ≅ importância) - Valor de transferência social ou psicológica (Ex.:123) (...) um verdadeiro anjo da guarda que sai de carro com você e sua família, dando proteção e oferecendo segurança em todo Brasil. [BN - JB, Anúncio, 13 de março de 1999, p.16] (proteção ≅ segurança) - Valor de transferência discursiva (Ex.:124) As pessoas estavam ansiosas do lado de fora esperando os detetives sairem e lhe darem explicações. Eles estavam demorando muito. [PB escrito, narração-oitava série, CPII-EN-EF8-F-025] (explicações ≅ esclarecimentos) b) Impossibilidade de substituição do SN - Valor genérico de ação/atividade (Ex.:125) (...) Ainda não se chegou aqui. A PJ fez bem em não ter dado este passo. Foi prudente. As notícias que vão chegando de Inglaterra, raiando o insulto, apoiadas em declarações quase histéricas de raiva, ódio e racismo contra Portugal (...) [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo de opinião, 08-09-07, Condição de argüidos] 5.1.12.8 Possibilidade de substituição do predicador complexo dar + SN por outro verbo de sentido equivalente a) Possibilidade de substituição por verbo predicador não cognato ao SN da perífrase (Ex.:126) Joe Berardo tem mérito, alguma influência e muito poder. Mas nada disso lhe dá o direito de dizer tudo o que lhe apetece. [PE escrito, Diário de Notícias, Editorial, 27-06-07, Os homens públicos têm de medir as palavras] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (dá o direito ≅ autoriza) (Ex.:127) Desmaio - Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma vez, voltaria para Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as 184 câmeras de TV a filmavam. (...) [PB escrito, BN - JB, Notícia, 23 de outubro de 1988, Uma novelaverdade no horário gratuito da TV, p.6] (dar – verbo-suporte) (deu conta ≅ percebeu) b) Possibilidade de substituição por verbo predicador cognato ao SN da perífrase (Ex.:128) (...) que faça com Jardim o que Mendes fez com Valentim e Isaltino, alguém que não queira dar empregos aos militantes.[PB escrito, Expresso, Artigo de opinião, 01/10/07, Os perdedores de ontem.] (dar – verbo predicador a verbo-suporte) (dar empregos ≅ empregar) (Ex.:129) (...) nossos pós-graduados que não têm condições financeiras para dar continuidade a seus estudos e pesquisas no exterior, oportunidade de que desfrutam apenas poucos privilegiados. [PB escrito, JB, 02-06-03, Opinião, Debandada de cérebros] (dar – verbo-suporte) (dar continuidade ≅ continuar) c) Impossibilidade de substituição (Ex.:130) Quando vi já era tarde pois o garoto não deu conta do meu estojo que sumiu [PB oral, Discurso e Gramática, 4ª Série do Primeiro Grau, Narrativa recontada, idade: 11 anos, sexo: feminino, ano: 1992, informante 51] (dar – verbo-suporte) (deu conta ≅?) Verbo predicador a verbo Suporte Verbo-suporte Substituição possível (por forma não cognata ao SN) 51/205 25% 154/205 75% Oco/Total Percentagem Substituição possível (por forma cognata ao SN) 169/341 49% 172/341 51% Não é possível 0/92 — 92/92 100% Tabela 36: Possibilidade de substituição de dar + SN por outro verbo de sentido equivalente relacionada às categorias de dar que já apresenta algum grau de gramaticalização. Os resultados da tabela anterior corroboram a hipótese de que é possível a substituição, por outro item verbal (cognato ou não ao SN da perífrase), das estruturas com dar + SN em que o verbo já apresenta algum grau de gramaticalização, devido ao fato de o predicador complexo desempenhar a mesma função predicante que um predicador simples exerce (projetar argumentos e atribuir-lhes papéis temáticos). Quanto ao fato de o verbo predicador ser cognato ou não ao SN da perífrase que substitui, a tabela demonstra que o maior índice de substituição por formas não cognatas pertence às construções em que dar é verbo-suporte (75% de 205 dados em que esse tipo de substituição é possível). Esse resultado 185 provavelmente se deve ao elevado número de expressões idiomáticas encontradas no corpus (tais como: dar mole ≅ bobear, dar adeus ≅ abandonar, entre outras). Outro resultado igualmente esperado é a possibilidade de substituição em construções com verbo dar pertencente à categoria verbo predicador a verbo-suporte, já que, por ser uma categoria híbrida, ela sempre possibilita a interpretação da estrutura como um predicador complexo e, portanto, passível de ser substituído por um predicador simples de sentido equivalente. Averiguando-se os dados, constatou-se que a impossibilidade de permuta por um predicador simples em algumas construções com verbo-suporte dar ocorre devido à natureza idiomática desses predicadores complexos (cf. exemplo 138), ou seja, seus componentes passam a ter significado idiossincrático, o que muitas vezes impossibilita a substituição por outro item verbal da língua com significação equivalente. Na tabela 37, apresentam-se os resultados da relação entre a permuta do predicador complexo por outro predicador simples e os valores que dar veicula ao apresentar algum grau de gramaticalização. Oco/Total Percentagem Valor não Transferência Transferência Valor transferencial social ou discursiva genérico (≅ valores não psicológica de ação plenos) Substituição possível (por forma não cognata ao SN) Substituição possível (por forma cognata ao SN) Não é possível 5/34 15% 29/34 85% 0/34 — 37/176 21% 114/176 65% 25/176 14% 69/213 32% 122/213 57% 22/213 11% 83/251 33% 123/251 49% 45/251 18% Tabela 37: Possibilidade de substituição do predicador complexo dar + SN por outro verbo de sentido equivalente relacionada aos valores expressos pelas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte Percebe-se, pelos resultados da tabela 37, que a maioria das construções com dar (semi)gramatical possui altos índices de possibilidade de permuta por outro verbo predicador (principalmente, cognato ao SN da perífrase). Destaca-se que, mesmo em construções com maior integração (valor genérico de ação/atividade), essa comutação é possível, o que faz com que esse aspecto não seja tão relevante para a discriminação dos níveis de integração entre verbo dar e SN. 186 Algumas construções em que é possível a substituição do predicador complexo por um predicador simples cognato ao seu SN: a) Possibilidade de substituição do predicador complexo formado por dar + SN por verbo predicador cognato ao SN da perífrase - Valores não transferenciais (Ex.:131) (...) aquelle producto, vendido na Argentina estava dando bons lucros aos exportadores. [PB escrito, O Globo, editorial, Exportador de Bananas, 01/05/1934, pág.: 01] (dando bons lucros ≅ lucrando) - Valor de transferência social ou psicológica (Ex.:132) (...) e ele foi um dos nossos padrinhos... que nos eh nos deu grande auxílio...na nossa movimentação nessa coisa burocrática aqui do centro (...) [PB oral, NURC, inq.296, faixa C, nível 3, p.183, l.70] (deu auxílio ≅ auxiliou) - Valor de transferência discursiva (Ex.:133) (...) é um desporto que instrói mesmo a a pessoa e e que dá um certo desenvolvimento ao corpo. [PE oral, VARPORT, OP-P-90-1M-002, faixa A, nível 1] (dá um certo desenvolvimento ≅ desenvolve de certa forma) - Valor genérico de ação/atividade (Ex.:134) (...) a minha mãe... deu um pulo também e deu um grito... dentro do ônibus... saiu... sem querer. [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 34] (deu um pulo ≅ pulou) 5.1.13 Níveis de integração das estruturas em que o verbo apresenta algum grau de gramaticalização Uma investigação qualitativa de estruturas do corpus em que o verbo já possui algum grau de gramaticalização possibilitou a depreensão dos níveis de integração de dar a SN, ou seja, dos graus de incorporação do elemento não verbal a dar quando este pertence à categoria verbo predicador a verbo-suporte ou à categoria verbo-suporte. Levaram-se em conta alguns aspectos que se mostraram relevantes no estudo de gramaticalização de dar, apresentados, a seguir, em função de sua ordem de relevância para a depreensão dos níveis: (i) possibilidade de inserção de elementos com caráter [±determinante] 187 no SN, (ii) posição do SN em relação ao verbo e, no caso de posposição, a viabilidade de mudança dessa posição, (iii) possibilidade de substituição de dar por outro verbo, (iv) possibilidade de substituição do núcleo do SN por outro nome, e (v) caracterização semântica da perífrase quanto ao traço [+foco] na ação veiculada por dar e [±quantificação universal] no SN. A análise dos quatro primeiros aspectos possibilita avaliar se a configuração sintática é mais ou menos restrita e o grau de fixação dos componentes na perífrase. Os traços [±foco] na ação expressa por dar e [±quantificação universal] no SN foram levados em conta para a distinção apenas entre os maiores níveis de integração de dar a SN (a partir do sétimo nível). Sendo assim, esse traço manifesta-se em predicadores complexos nos quais é possível inserir elementos menos determinantes (traço [± quantificação universal] no SN) e em construções nas quais não é possível a inserção desses elementos (SN [+quantificação universal]), apresentando um altíssimo grau de incorporação ao verbo. Outro aspecto que merece destaque é a natureza predicante do núcleo do SN. Essa característica colabora para que a construção dar + SN seja reconhecida como predicador complexo 101 , visto que a maioria dos núcleos de SN com esse perfil pertence a predicadores complexos cujo nível de integração entre dar e SN é maior (verbo dar veicula valor genérico de ação/atividade), como atestam resultados percentuais encontrados na tabela 23 (seção 5.1.12.1). Os níveis de integração detectados distribuem-se em dois grupos: DAR + SN: NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO 1 2 CONSTRUÇÕES MENOS CONSTRUÇÕES MAIS INTEGRADAS INTEGRADAS 3 4 5 6 7 8 9 Quadro 21: Níveis de integração das estruturas dar + SN encontradas no corpus A descrição de cada um desses níveis (com os parâmetros definidos na análise e os exemplos 102 extraídos do corpus) explicitará que o verbo dar, nas categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte, pode fazer parte tanto de estruturas mais 101 Apesar disso, sua verificação não colabora para delimitar diferenças entre um nível e outro, já que esse aspecto pode manifestar-se desde os primeiros níveis de integração – dar garantia, dar sugestão e, por isso, não foi comentado na análise dos exemplos desta seção. 102 Ao lado da numeração de alguns exemplos consta a sigla “ST”, que significa “exemplo submetido a teste de atitudes”. Os resultados da avaliação dessas perífrases por falantes podem ser checados na seção 5.2. 188 integradas quanto de estruturas menos integradas, descartando-se a hipótese de que o verbosuporte somente apareceria em construções prototípicas, com altos níveis de integração. DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 1 Aspectos caracterizadores das construções no 1º nível 1- Configuração sintática do SN:N modificado ou com a possibilidade de inserção de elemento mais determinado 2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição ou raramente anteposto 3- Possibilidade de substituição do verbo 4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível (Ex.:135-ST) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com essas caras... ele respondeu que você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais. [PB escrito, D&G, CA supletivo, Narrativa de experiência pessoal, idade: 42 anos, inf. 77] (Ex.:136-ST) Mas não adianta ela falar, por que a mãe sempre dizia a mesmas coisas. __ Isso não existe. __ E se você continua a falar nisso eu vou te dar uma surra Mais ela continuou a ver. Até que um dia ela saiu com a mãe e as irmães dela (...) [PB escrito, D&G, 4ª Série do E.F., Narrativa recontada, idade: 12 anos, inf. 41] (Ex.:137) (...) eu fiquei super arrasada... mas consegui levantar porque o pessoal que terminou ano passado me deu maior força pra eu voltar esse ano e terminar... porque era o último ano:: eles me deram uma força incrível... e:: eu estou aqui... já terminando... graças a Deus... com as forças dos meus amigos... e com a minha boa vontade também...[PB oral, D&G, 2° ano do E.F, Narrativa de experiência pessoal, idade: 22, inf. 19] (Ex.:138) “O vestibulando se mantem atarefado demais e geralmente quando chega o ano do vestibular fica desnorteado, a começar pela responsabilidade que lhe é imposta direta ou indiretamente pelos pais, depois a necessidade de encontrar tempo e disposição para dar duro nos estudos, e em muitos casos a indecisão na hora de decidir que carreira irá seguir pois cada conhecido lhe dá uma sugestão diferente.” [PB escrito, Redação, 3° ano do E. M., CPII-T-EM-3-M017] 189 (Ex.:139-ST) Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão aulas. [PB escrito, D&G, 4ª Série do E.F., Relato de opinião, inf. 54] (Ex.:140) Na ordem do dia, em virtude de urgencia requerida pelo Sr. Antonio Carlos, foi votado o projecto regulando uma nova moratoria, com emendas, conforme noticia que damos em outra secção. [PB escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 14/12/1914, Camara, p.5] (Ex.:141-ST) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. [PB escrito, Prova, 1° período do E.S., ES-P1-F-003] (Ex.:142-ST) (...) avião eu não tenho medo e em elevador eu tenho. Se eu estiver num elevador que ele pare entre dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo. [PB oral, VARPORT, Oc-B-70-3f-001, faixa C, nível 3] (Ex.:143) eu fui passear na casa da minha futura sogra aí ele estava em casa... aí ele deu um tempinho e logo depois ele disse (...) volto logo tá. [PB escrito, D&G, CA supletivo, Narrativa de experiência pessoal, idade: 42 anos, inf. 77] (Ex.:144) (...) é importante dar um telefonema no caso de haver uma, qualquer coisa que notem, não é? [PE oral, CRPC-PF, inq 1042, faixa A] O verbo dar nos predicadores complexos dos exemplos de 135 a 141 pertence à categoria híbrida de verbo predicador a verbo-suporte 103 . Considera-se que os exemplos 135, 136, 137, 138 e 139 apresentam sentido transferencial semelhante, já que o argumento que possui função sintática de sujeito e função semântica de agente causa alguma modificação no estado físico e/ou psicológico do argumento destinatário. Nas construções 140 e 141 e 142 também se detecta transferência, mas de natureza discursiva. Diferentemente dessas, no exemplo 143, o verbo dar expressa sentido não-transferencial, pois dar um tempinho significa esperar/aguardar por pouco tempo. É possível observar que o primeiro nível de integração reúne casos em que há possibilidade de substituição do verbo dar (causou/pregou maior susto, aplicar uma surra, 103 Retoma-se a informação de que a diferença entre as categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbosuporte reside no fato de, ao pertencer à primeira categoria, devido à possibilidade de interpretação como predicador simples , dar poder ser substituído por um verbo predicador (necessariamente) e/ou por outro verbosuporte (fazer/levar/tornar/ter, entre outros), enquanto, ao pertencer à categoria de comportamento mais gramatical, o verbo não pode ser substituído ou isso ocorre somente quando a comutação é por outro verbosuporte (cf. resultados da tabela 32, seção 5.1.12.6). 190 passaram/forneceram/transmitiram uma força incrível, fornece/passa uma sugestão diferente, ministram aulas, põe ênfase, fazer escândalo, notícia que passamos/transmitimos, aguardou um tempinho) e casos em que o nome que se alia a dar: se apresenta modificado (maior susto, uma força incrível, uma sugestão diferente) ou tem a possibilidade de ser modificado (uma surra braba, boas aulas, ênfase especial, notícia detalhada, um momentinho rápido); está anteposto (notícia) ou posposto (susto, surra, força, sugestão, aulas, ênfase, escândalo, tempinho), sendo viável sua anteposição; pode ser substituído por outro nome (quase) sinônimo (maior baque, uma coça/porrada, um apoio incrível, um palpite diferente, ensinamentos, relato, ataque, relevo, um momentinho). O exemplo 144 demonstra que algumas construções com verbo-suporte também podem ter sua configuração sintática modificada e, assim como a maioria dos demais exemplos, a noção de transferência metafórica é veiculada por dar. Percebe-se a transferência metafórica porque dar uma ligação pressupõe uma troca/transferência de informações/conversa com a pessoa que receber o telefonema. Essa construção faz parte do nível 1 de integração, porque o verbo dar pode ser substituído (ainda que apenas por outro verbo-suporte – fazer um telefonema) e porque o SN pode ser modificado (dar um telefonema solidário), com a inserção de elementos mais determinantes; pode ser anteposto (um telefonema dar); e pode ser substituído por outro SN (dar uma ligação/ligada). DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 2 Aspectos caracterizadores das construções no 2º nível 1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com a possibilidade de inserção de elemento mais determinado 2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição; ou raramente anteposto 3- Possibilidade de substituição do verbo 4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível (Ex.:145) Ela foi beatificada a 24 de abril de 1994, primeira etapa para a honra dos altares. Mãe de família, parto difícil, deu ordem ao médico para que se preocupasse, em primeiro lugar, em salvar a vida do nascituro e, só depois, a sua. [PB escrito, Jornal do Brasil, 06-03-04, Artigo de opinião, Respeito à vida] 191 (Ex.:146) A diretora colocou a Juçara para fora de sala e lhe deu uma suspensão. Botou para fora outra menina a Michele mas para esta só pediu que a mãe viesse a escola. [PB escrito, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa recontada, idade: 16 anos, inf. 25] (Ex.:147-ST) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISP], mas a novidade esbarrou em algumas dificuldades de ordem leais e acabou não deslanchando. [PB escrito, Povo, 22-0104, Editorial, Polícia unificada] (Ex.:148) (...) fomos passear lá pra marinha... e depois pra voltar? o medo de voltar lá e eles estarem lá de novo? aí nós tivemos que dar uma volta danada... ele perguntou pra gente... antes disso... onde a gente morava... que ele levava a gente em casa... [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf. 32] (Ex.:149-ST) Eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu dei... eu dei um gol de cabeça... [PB oral, D&G, CA infantil, Narrativa recontada, idade: 7 anos, inf. 83] Os três primeiros exemplos contêm o verbo dar na categoria de verbo predicador a verbo-suporte. No primeiro exemplo, o valor transferencial pode ser evidenciado pela permuta de dar por fornecer/transmitir. No segundo, essa noção já se revela pela permuta com atribuir/conferir/aplicar: dar uma suspensão caracteriza uma ordem/repreensão fornecida por alguém (argumento agente) a outra pessoa (argumento destinatário). No terceiro exemplo, não há qualquer valor transferencial, pois dado o primeiro passo remete à ação de avançar. Nos exemplos 148 e 149 – dar uma volta danada e dei um gol –, o verbo dar pertence à categoria de verbo-suporte e expressa valor genérico de ação/atividade. A presença dessa estrutura nesse nível leva à compreensão de que construções com verbo-suporte também podem apresentar níveis de integração baixos entre seus elementos, afastando-se da estrutura prototípica formada por verbo-suporte dar + SN (“nome nu”). Quanto aos aspectos que caracterizam os níveis, no segundo nível de integração, são encontrados predicadores complexos cujo verbo pode comutar com outro (forneceu ordem, lhe aplicou uma suspensão, iniciado o primeiro passo, fazer uma volta danada, fazer um gol) e cujo SN, apesar de não poder ser substituído por outro (deu ordens ≅ deu ..?.., lhe deu uma suspensão ≅ lhe deu uma ..?.., dado um primeiro passo ≅ dado um primeiro ..?.., dar uma volta danada ≅ dar uma ..?.. danada, dei um gol ≅ dei um ..?..), pode: apresentar-se 192 modificado (dado um primeiro passo, dar uma volta danada, dei um gol de cabeça) ou é passível de ser modificado (deu ordem irrevogável, lhe deu uma suspensão terrível, dar uma volta danada); e pode antepor-se ao verbo (ordem deu, uma suspensão lhe deu, um primeiro passo dado, uma volta danada dar, um gol de cabeça dei). DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 3 Aspectos caracterizadores das construções no 3º nível 1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com a possibilidade de inserção de elemento mais determinado 2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição 3- Impossibilidade de substituição do verbo 4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível (Ex.:150-ST) Com estas duas prestações num só dia, o ex-primeiro-ministro, que há mais de dois anos "anda por aí" sem saber bem como ensaiar um regresso ao palco, marcou dois pontos. Tanto sobre as "directas" como sobre o "directo", deu voz àquilo que pensa qualquer pessoa sensata e sem mais interesse que o da razoabilidade nos debates em causa. [PB escrito, Expresso, Artigo de opinião, 23-07-07, As directas e o directo] (Ex.:151) Horas antes da votação, ele apostara na derrota | de FH: "Faço uma roleta russa com seis balas no revólver se ela for aprovada." O presidente da | Argentina Carlos Menem telefonou para dar os parabéns a FH. [PB escrito, VARPORT, Notícia, E-B-94-Jn-026, O Globo, 29/01/1987, Câmara diz sim a FH Aprovação da reeleição derrota ao mesmo tempo Maluf, Quércia e Paes de Andrade] (Ex.:152-ST) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam a vida por um pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos. [PB escrito, Redação-dissertação, 3° ano do E.M., CPII-EN-EM-3-F-019] (Ex.:153-ST) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem deu bola... pra ela... [ ] ele ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste... [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F, Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf. 27] (Ex.:154-ST) É ... Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que você casa, cobram os filhos, isso eu vejo pelo meu irmão, é ... Se um adolescente dá um ataque, ah, isso é coisa de adolescente.[PB oral, inq 003, faixa A, nível 3] 193 (Ex.:155) O namorado dela era muito ciumento, ele tinha ciúmes de tudo e de todos mas como ela gostava muito dele ela dava preferência a ele, ela não saia mais com as amigas, até que um dia eles terminaram, e as amigas se reencontraram depois de 4 anos, então elas começaram a sair de novo como elas faziam antes, e nessas saídas elas fizeram novas amizades, e no meio dessas amizades, elas começaram a andar com um grupo. [PB escrito, Redação-narração, 8ª série do E.F., CPII-EN-EF-8-F-012] A partir deste nível de integração, há apenas predicadores complexos com verbo-suporte dar. A construção em destaque no primeiro exemplo consiste no ato de transmitir/emitir opiniões – uma transferência metafórica discursiva –, enquanto dar no predicador complexo do segundo exemplo remete à noção de passar/transmitir parabéns/congratulações, ou seja, felicitar alguém – uma transferência metafórica psicológica. A partir do terceiro exemplo, os predicadores complexos contêm dar com valor genérico de ação/atividade. Consideram-se os exemplos marcados em 152, 153 e 154 como expressões idiomáticas, pois não é possível recuperar seu significado com a soma do significado literal dos componentes. São eles: dariam a vida – sentido de “morrer” ou “matar-se”; deu bola – sentido de “insinuar-se” ou “mostrar-se solícito”; e dar um ataque – “reclamar, de forma agressiva/exagerada”. Por isso, podem ser vistos como blocos/complexos significativos. Nas construções que fazem parte do terceiro nível de integração, não é possível haver substituição do verbo por outro verbo-suporte. Observam-se as seguintes características no SN que se vincula a dar: não se apresenta modificado, apesar de essa configuração ser possível (deu relevante voz, dar os merecidos parabéns, dariam a própria vida, deu nem bola suficiente, dá um ataque de loucura/nervos, dava preferência incondicional), pode ser substituído por outro (deu manifestação, dar as congratulações, dar a alma, deu confiança, dá um escândalo, dava prioridade) e ocorre posposto ao verbo com possibilidade de anteposição (voz deu, os parabéns dar, a vida dariam, nem bola deu, um ataque dá, preferência dava). 194 DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 4 Aspectos caracterizadores das construções no 4º nível 1- Configuração sintática do SN: N modificado ou há possibilidade de inserção de elemento mais determinado 2- Mobilidade do SN: SN posposto com possibilidade de anteposição 3- Impossibilidade de substituição do verbo 4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível (Ex.:156) E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se suspeitava: meu pâncreas estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo abaixo da crítica, uma vergonha, dei uma rezadinha, encomendando minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer era isso, interessante. [PB escrito, O Globo, Artigo de opinião, 03-11-02, “Voltando, sem muita convicção”] (Ex.:157) então a tinta está pouca...a pessoa ( ) que a embarcação sai com três quatro mãos de tinta ... no fundo pra botar na água ... então com: a tinta está nova a madeira está nova... se ele der umas pregadazinhas no fundo ali ele pega logo... [PB oral, APERJ, inq 107C, faixa C, nível 1] (Ex.:158) Elas querem dar aquele suspiro final e falar: “Consegui!”. Mas não adianta nada ser bonita por fora e não ter nada por dentro ou, pior ainda, ser feia por dentro. [PB escrito, Redaçãodissertação, 3º ano do E.M., CPII-EN-EM-3-F-012] (Ex.:159) O presidente Lula fez muito bem em postergar o anúncio do ministério e dos responsáveis pela política econômica. Faltam dois meses para o término do governo Fernando Henrique. E o vazio de autoridade traria insegurança ao setor produtivo. A hora é de somar esforços e dar combate ao inimigo n° 1: a inflação. [PB escrito, Jornal do Brasil, 01-11-02, Editorial, O Inimigo n 1] Os dois primeiros exemplos caracterizam-se por ainda envolverem a noção de transferência (metafórica). No primeiro, dar uma rezadinha implica a ação de oferecer orações a/conversar com uma entidade de devoção brevemente, enquanto, no exemplo dar umas pregadazinhas, o ato de pregar o(a) “barco/madeira” pressupõe a transferência de força feita, com auxílio de algum objeto/ferramenta (um martelo, por exemplo), no prego, com o intuito de modificar fisicamente o(a) “barco/madeira”. Nos terceiro e quarto exemplos, dar veicula noção geral de ação/atividade, já que dar aquele suspiro final, no contexto apresentado, designa a ação de “suspirar de alívio”, e dar combate, a ação de combater. 195 No quarto nível de integração, não é possível substituir nem o verbo (..?.. uma rezadinha, ..?.. umas pregadazinhas, ..?.. aquele suspiro final, ..?.. combate), nem o SN (dei uma rezadinha ≅ dei ..?.., der umas pregadazinhas ≅ der ..?.., dar aquele suspiro final ≅ dar ..?.. e dar combate ≅ dar ..?..) dos predicadores complexos. No entanto, os SNs ainda podem apresentar-se modificados ( der umas pregadazinhas, dar aquele suspiro final ) ou ter seu núcleo modificado (dar uma rezadinha forte, dar importante combate), além de aparecerem pospostos ao verbo, com possibilidade de anteposição (uma rezadinha dei, umas pregadazinhas dei, aquele suspiro final dar, combate dar). DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 5 Aspectos caracterizadores das construções no 5º nível 1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com possibilidade de inserção de elemento mais determinado 2- Mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de anteposição ou raramente anteposto 3- Possibilidade de substituição do verbo 4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível (Ex.:160-ST) A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar uma prensa na gente... né? Aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse] “cala a boca...” [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa recontada, idade: 15 anos, inf. 30] (Ex.:161-ST) (...) faca nele assim mata ele e dá umas porrada nele aí bota na panela já limpinho né? [PB oral, APERJ, inq. 169A, faixa A, nível 1, pista 2 linha:3292] (Ex.:162-ST) Leandrinho dá show no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos. [PB escrito, Extra, 07-01-04, Notícia, Leandrinho dá show no Phoenix] (Ex.:163-ST) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! [PB escrito, Extra, 10/01/04, Artigo de opinião, Limpando o ninho] (Ex.:164) (...) que estes dois exemplos são bons negócios para as empresas, mas basta dar dois dedos de conversa com um sinaleiro da Magic para perceber como também são um excelente "negócio" para quem trabalha. [PE escrito, Correio da Manhã, Artigo de opinião, 08-09-07, Os nossos velhos não são crianças nenhumas.] 196 No primeiro exemplo, detecta-se uma transferência de natureza psicológica, visto que o argumento agente da predicação (nesse caso, a diretora) realiza o ato de dar prensa para chamar atenção/reclamar/brigar, ou seja, com o intuito de atingir o argumento destinatário (no contexto, os alunos representados pelo argumento destinatário a gente). No segundo exemplo, também é possível perceber um valor transferencial metafórico, uma vez que o ato de dar porrada designa a ação de bater forte, modificando/atingindo fisicamente o argumento destinatário (nesse contexto, nele cujo referente é o peixe). As construções dos demais exemplos expressam valor genérico de ação/atividade: dar show remete, no contexto apresentado, ao sentido de fazer algo (no caso, desempenhar a função de jogador) de forma que chame atenção, que se destaque; e dar uma faxina designa a ação de limpar/arrumar algo (pelo contexto, o complexo esportivo que pertence a um time de futebol). A partir desse nível de integração, raramente há possibilidade de anteposição do SN em relação ao verbo-suporte dos predicadores complexos. Ademais, nessas construções, a comutação do verbo por outro verbo-suporte é possível (fazer uma prensa, mete umas porrada, faz show, fazer uma faxina), o SN pode ser modificado (dar uma prensa danada, dá umas porrada forte, dá um grande show, dar faxina completa) e substituído (dar uma bronca, dá umas paulada, dá espetáculo, dar uma limpeza). DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 6 Aspectos caracterizadores das construções no 6º nível 1- Configuração sintática do SN: N modificado ou com possibilidade de inserção de elemento mais determinado 2- Mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de anteposição 3- Impossibilidade de substituição do verbo 4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível (Ex.:165) ... um dia o povo vai se entender e diz... basta... mas esse coitado do povo está tentando fazer isso há muito tempo... pode ser que criem condições futuras e mude... hoje em dia... eu estou convencido que se tiver que dar um basta ou mudar mesmo alguma coisa significativamente vai ocorrer nos Estados Unidos. [PB oral, NURC, inq. 135, faixa C, nível 3, pág.: 79] (Ex.:166) Entrevistador: e estava uma música tipo lenta [e você botou?] 197 Informante: [não... estava forte...] sim... ele tinha me explicado... certo? como é que era... mas só que na hora me deu um branco... aí eu fui virar assim... como se fosse falar com ela... assim do lado... aí eu fui virar assim pra falar com ele... cadê? os garotos tinham sumido... me deixaram lá sozinho... [PB oral, D&G, 8ª Série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 15 anos, inf.27] (Ex.:167-ST) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de um calombo da rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... deu um pulo também (...) [PB oral, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 34] Nos três exemplos anteriores, dar apresenta apenas valor genérico de ação/atividade, pois dar um basta, dar um branco e dar um pulo remetem, respectivamente, a finalizar, esquecer e pular. No sexto nível de integração, não há possibilidade de anteposição do SN, nem a substituição de dar por outro verbo-suporte (..?.. um basta, ..?.. um branco, ..?.. um pulo). No entanto, o SN ainda pode ser modificado (dá um basta definitivo, me deu um branco enorme, deu um pulo alto) e substituído (dar um fim, deu um esquecimento, deu um salto). DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 7 Aspectos caracterizadores das construções no 7º nível 1- Restrição quanto à inserção de elementos inserção de elementos no SN: N não modificado ou com possibilidade de inserção de elemento menos determinado 2- Restrição quanto à mobilidade do SN: SN posposto e raramente há possibilidade de anteposição 3- Impossibilidade de substituição do verbo 4- Possibilidade de substituição do SN por outro SN compatível 5- Traços [+foco] na ação e [±quantificação universal] no SN (Ex.:168-ST) (...) não lá fora quem está pescando lá fora [mesmo na linha do navio] tem que ficar acordado não dorme não - tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? tem radar né? tudo que eles bater acusa eles não está nem ligando. [PB oral, VARPORT, OP-B-90-1M-001, faixa A , nível 1] (Ex.:169-ST) (...) isso vendo plásticos, vendo inoxes, vendo ... no verão vende-se tudo, não há tipo de artigo, no verão não há tipo de artigo que se venda mais, no verão sai tudo (...) Sai 198 tudo, quer dizer e... há clientes que dá gosto, pegam isto, pegam naquilo, pegam no outro, põe tudo em cima do balcão, faz a conta e pronto nem ... descontos, nem ... faça mais baratinho, nem... não há esses problemas. [PE oral, CRPC-PF, inq. 1093, faixa A, nível 3, pág.:260] (Ex.:170-ST) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros... [PB oral, NURC, inq.269, faixa B, nível 3] (Ex.:171-ST) Numa época em que todos estão em clima de festa de fim de ano e esperançosos de que 2004 seja um ano melhor, a violência no Rio não dá trégua. [PB escrito, Povo, 29-12-03, Editorial, Dias melhores virão?] A partir desse nível de integração, expõem-se os grupos de construções mais integradas, pois os SNs incorporados apresentam configuração mais restrita: são menos determinados ([+quantificação universal] no SN), já que não há possibilidade de inserção de modificadores nessas construções, apenas de elemento menos determinado ([±quantificação universal] no SN), como em der muito mole, dá muito gosto, dar muita vazão; em geral, não podem ser antepostos ao verbo, como ocorre com construções der mole, dá gosto e dar vazão em que dar exprime noção geral de ação/atividade ([+foco] na ação), pois designam, respectivamente, de acordo com o contexto apresentado, bobear, satisfazer e suportar. A única construção encontrada com SN passível de anteposição é dar trégua que designa o sentido de parar no contexto apresentado. Ademais, nessas construções, é possível substituir o SN por outro (der bobeira, dá satisfação, dar espaço/suporte, dar fim/trégua). DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 8 Aspectos caracterizadores das construções no 8º nível 1- Restrição quanto à inserção de elementos inserção de elementos no SN: N não modificado ou com possibilidade de inserção de elemento menos determinado 2- Restrição quanto à mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de anteposição 3- (Im)possibilidade de substituição do verbo 4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível 5- Traços [+foco] na ação e [±quantificação universal] 199 (Ex.:172) A zona do Restelo é conhecida pela prostituição. Os agentes conhecem-nas há muito e elas acabam por ser uma preciosa ajuda, ao darem conta à polícia de movimentações suspeitas. [PE escrito, Correio da Manhã, Notícia, 19-05-07, 4ª Divisão. Um dia em alerta máximo] (Ex.:173-ST) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam todos rebentados... estava dando curto... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido... e se:: a Transamérica não tivesse distribuído os brindes antes... subido no palco... pisado nos fios... as pessoas iam gostar do show que eu fiz... porque... foi legal [PB oral, D&G, 2° ano do E.M, Narrativa de experiência pessoal, idade: 18, inf.: 9] (Ex.:174-ST) Desmaio - Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma vez, voltaria para Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as câmeras de TV a filmavam. [PB escrito, Jornal do Brasil, Notícia, 23/10/1988, Uma novela-verdade no horário gratuito da TV, p.6] (Ex.:175) (...) O que importa é que o presidente Fernando Henrique já tem como certa a institucionalização definitiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ;no próximo ano, concluindo a chave de cúpula da construção iniciada pelo governo Itamar Franco e o embaixador José Aparecido. De tudo isso dá conta o depoimento do embaixador Itamar Franco na Comissão de Relações Exteriores do Senado, onde ficará como um documento exemplar de nossa história diplomática. [PB escrito, Jornal do Brasil, Editorial, 25/12/1995, Presença externa do Brasil, p.9] (Ex.:176) Torna-se ainda mais desagradável a posição do vice-presidente, quanto mais fidalgo é o tratamento que ele recebe daqueles sobre os quais lança a suspeita de não estarem dando conta do serviço para o qual foram escolhidos. [PB escrito, Jornal do Brasil, 03-06-03, Artigo de opinião, Bem pior que a encomenda] No penúltimo maior nível de integração, há construções dar + SN em que o verbo pode ser substituído (dando conta = pretarem conta – cf. exemplo 172). Esses predicadores complexos com o traço [+foco] na ação podem conter SNs não modificados ([+quantificação universal] no SN – exs. 172 e 173) e SNs não modificados que se podem vincular a elementos menos determinados ([±quantificação universal] no SN), como intensificadores ou artigos indefinidos (dando muito curto – ex. 173, dei uma baita conta – ex. 174, dei uma baita conta – ex. 176). Além disso, também não há possibilidade de anteposição do SN. 200 DAR + SN: NÍVEL DE INTEGRAÇÃO 9 Aspectos caracterizadores das construções no 9º nível 1- Restrição quanto à inserção de elementos no SN: o N não é determinado/modificado, nem há a possibilidade de inserção de elemento menos determinado 2- Restrição quanto à mobilidade do SN: SN posposto sem possibilidade de anteposição 3- Impossibilidade de substituição do verbo 4- Impossibilidade de substituição do SN por outro SN compatível 5- Traços [+foco] na ação e [+quantificação universal] (Ex.:177) Agora, eu, mesmo antes de dar baixa, eu animava as festinha da igreja, entendeu? [PB oral, VARPORT, inq. 328, faixa C, nível 3, pág.: 151] (Ex.:178) (...) eu disse assim para uma senhorita que ia ao meu lado:<<o avião já subiu?>> e ela disse assim:<<porquê, minha senhora?>> <<eu não dei conta dele subir.>> (...) [PE oral, CRPC-PF, inq0894, faixa C, nível 1, pág.: 221] (Ex.:179) Era e é mais uma daquelas mulheres que contrariam a máxima amarga de Simone de Beuavoir, dando conta de que a idade não melhora nada. [PB escrito, Jornal do Brasil, 09-03-04, Artigo de opinião, Luma, A pátria de biquini e blusinha] (Ex.:180) De fora, dando descanso à cabeça e ao computador, lendo despreocupadamente os jornais à beira-mar, dou-me conta de como, em vários aspectos, somos mesmo um país extraordinário, daqueles que, não existindo, teria de ser inventado. [PB escrito, Expresso, Artigo de opinião, 20-10-07, Somos um país extraordinário] (Ex.:181) Posto em fuga o agressor para o interior da cerca, perseguido pelo Zeferino e alguns dos restantes, fechou-se em casa, sendo intimado pelo Zeferino a sair, a fim de dar conta do seu feito. [PE escrito, VARPORT, notícia, E-P-91-JN-004, Diário de Notícias , 10/03/1905, Iluminação à luz elétrica] No último nível de integração as estruturas estão tão integradas que não é possível qualquer modificação em sua configuração sintática. Portanto, manifestam traço [+foco] na ação e [+quantificação universal] no SN. Ressalta-se que a categorização de estruturas em níveis de integração ocorreu com base na averiguação das estruturas como se apresentam no corpus. É possível que a associação de dar a um mesmo N resulte em diferentes predicadores complexos: com distintas 201 configurações de SN, com diferentes acepções. Assim sendo, é possível que uma estruturação básica possa corresponder a diferentes níveis de integração a depender do contexto lingüístico em que esteja inserida, dos elementos que constituem o SN e do sentido que veicula. Percebese, por exemplo, que a construção dar+conta, com o sentido de “comunicar” (exemplo 172), de “abarcar” (exemplo 175) e de “realizar” (exemplo 176), pertence ao nível 8 de integração, enquanto a mesma pertence ao nível 9, ao revelar as acepções de “perceber” (exemplos 178, 179 e 180) e de “responder” (exemplo 181). 5.2 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo-suporte 5.2.1 Objetivo dos testes Objetiva-se, com a aplicação dos testes relacionados ao fenômeno de gramaticalização de dar, checar os principais parâmetros que influenciam na delimitação do grau de integração de algumas estruturas do corpus, quais sejam: configuração sintática do SN, anteposição do SN, substituição do SN por outro e substituição do verbo dar por outro (com estatuto de verbo-suporte ou predicador). Foram selecionadas apenas estruturas que geraram dúvidas no momento da definição dos níveis de integração (cf. seção 5.1.13). 5.2.2 Configuração dos testes e análise dos resultados obtidos TESTE 1 – ANTEPOSIÇÃO DO SN Observe os dois trechos abaixo. No primeiro (A), a construção sublinhada está depois do verbo, enquanto, no segundo (B), está antes do verbo. Marque com um X uma das alternativas de acordo com sua opinião. Alternativas: ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. HIPÓTESE: Acredita-se que os informantes desse teste de atitudes tendam a indicar a possibilidade de anteposição do SN nas perífrases em que dar e SN revelem menor grau de integração 202 CONSTRUÇÕES SUBMETIDAS À ANÁLISE E RESULTADOS A.1) Leandrinho dá show no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos. B.1) Leandrinho show dá no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 5 10 0 15 4 11 9 36 20% 80% Tabela 38: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DAR SHOW. A.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! B.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para uma faxina dar no Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 5 10 3 12 5 10 13 32 28% 72% Tabela 39: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DAR UMA FAXINA A.3) nele (no peixe) assim mata ele, e dá umas porrada nele, aí bota na panela já limpinho né? B.3) nele (no peixe) assim mata ele, e umas porrada dá nele, aí bota na panela já limpinho né? Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior TOTAL (45) Percentual 15 15 15 DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 5 10 5 10 11 4 21 24 47% 53% Tabela 40: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DÁ UMAS PORRADA 203 A.4) Lúcia está solteira e, por isso, deu bola para João. B.4) Lúcia está solteira e, por isso, bola deu para João. Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição não é possível é possível 4 11 2 13 3 12 9 36 20% 80% Tabela 41: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DEU BOLA A.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem deu bola... pra ela... [ ] ele ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste... B.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem bola deu... pra ela... [ ] ele ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste... Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 11 4 12 3 11 4 34 11 76% 24% Tabela 42: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DEU BOLA A.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? Aí de repente passou por cima de um calombo da rua... né? Aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... deu um pulo também B.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? Aí de repente passou por cima de um calombo da rua... né? Aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... um pulo deu também 204 Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior TOTAL (45) 15 15 15 Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 11 4 10 5 10 5 31 14 69% 31% Tabela 43: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DEU UM PULO A.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? Tem radar né? B.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente mole der lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? Tem radar né? Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 4 11 4 11 3 12 11 34 24% 76% Tabela 44: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DER MOLE A.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam todos rebentados... estava dando curto... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido... B.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam todos rebentados... estava curto dando... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido... Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 3 12 0 15 2 13 5 40 11% 89% Tabela 45: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DANDO CURTO 205 A.9) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. B.9) Rosa Virgínia em seu livro ênfase dá ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 5 10 8 7 4 11 17 28 38% 63% Tabela 46: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DÁ ÊNFASE A.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros... B.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra vazão dar aí a essa demanda de passageiros... Escolaridade dos informantes N° de informantes entrevistados Ensino Fundamental 15 Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Anteposição Anteposição é possível não é possível 6 9 1 14 4 11 11 34 24% 76% Tabela 47: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de anteposição do SN em enunciado com a estrutura DAR VAZÃO Os resultados referentes aos predicadores complexos dá show, dá uma faxina, dá umas porradas, deu bola (4), der mole, dando curto e dá vazão e dando ênfase demonstram que mais de 50% dos informantes crêem não ser possível a anteposição do SN dessas perífrases, percepção com a qual se contava. Esses resultados somados à análise dos demais aspectos que influenciam os níveis de integração dos componentes dos predicadores complexos (cf. seção 5.1.13) levam à conclusão de que essas estruturas pertencem a diferentes níveis de integração: Níveis 3 5 7 8 Predicadores complexos deu bola dá umas porrada, dá show, dá uma faxina, dando ênfase der mole, deu bola deu curto 206 Destaca-se que, apesar de a maioria dos informantes julgar não ser possível a anteposição do SN das construções dá uma faxina, dá show e dá umas porradas, estas não pertencem a níveis de integração tão altos devido à influência de outros fatores tais como “possibilidade de substituição do SN” e “possibilidade de inserção de elementos com caráter mais determinado no SN”. É interessante observar que a expressão “deu bola” está presente em dois trechos da pesquisa (4 e 5). Os resultados demonstram que 80% dos informantes não acreditam na possibilidade de anteposição do SN “bola” no contexto apresentado em 4 (“Lúcia está solteira e, por isso, bola deu para João.”). No entanto, a maioria dos informantes (76%) optou pela possibilidade de anteposição do mesmo SN no contexto 5 (“aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem bola deu... pra ela...”). Crê-se que a aceitabilidade de anteposição foi maior neste trecho devido à presença, antes do SN, do vocábulo de negação “nem”, que contribui para conferir/atribuir um sentido ainda mais enfático ao elemento que se lhe pospõe, o SN anteposto ao verbo. Logo, percebe-se que uma mesma estruturação básica (no caso, dar+bola) pode fazer parte de dois níveis de integração distintos a depender do contexto lingüístico do qual participa (a construção no trecho 4 pertence ao nível de integração 7, enquanto a do trecho 5 pertence ao 3° nível de integração). Mais de 50% dos informantes optaram, como esperado, pela possibilidade de anteposição de SN na perífrase deu um pulo, o que, levando-se em conta outros fatores que influenciam o grau de integração entre os componentes das estruturas, faz com que pertença ao nível 6. Seguem, abaixo, alguns comentários da seção do teste Mate a nossa curiosidade que merecem destaque: RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 1) Sim, achei que as frases ficaram de acordo com o cotidiano. Comentário 2) Não, eu não costumo usar não, só quando eu preciso. Comentário 3) Achei as opções B um pouco estranhas. Comentário 4) Eu achei boa. Eu não uso com freqüência. Comentário 5) Boa, costumo muito usar a palavra dar. INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO Comentário 6) Uso sim, principalmente as letras (A). Comentário 7) Sim, é bem comum usar a palavra dar em quase tudo que falamos. 207 Comentário 8) Eu achei normal, eu costumo usar com freqüência sim. Comentário 9) Não. Eu acho que fica com som de erro nas B. Comentário 10) Não, pois se eu pronunciasse as B acharia errado. INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 11) Na fala sim, isso é normal para mim. Comentário 12) Eu, particularmente, não costumo usá-las, mas sei que são muito freqüentes na língua. Além disso, deve-se atentar para construções fixas, que diferem das simples em termos de ordenação. Comentário 13) Elas parecem artificiais, embora em “dar bola” haveria a possibilidade de inversão, num contexto muito marcado, com ênfase no “bola”. Comentário 14) Sim, costumo usar as expressões com o substantivo depois do verbo. Comentário 15) São estruturas bastante comuns que eu ouço e falo. Comentário 16) Eu costumo usar tais estruturas com freqüência, mas na maioria das vezes, eu uso o verbo antes de tais palavras sublinhadas. RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 17) Eu tive dificuldade em quase todas. Comentário 18) Não. Eu não tive dificuldade nenhuma. Comentário 19) Em algumas estava um pouco dificultad(sic). INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO Comentário 20) Não, é uma questão de interpretação. Comentário 21) Não, nenhuma dificuldade. Achei interessante. Está bom assim. Comentário 22) Não houve dificuldades, pois convivo com pessoas que falam desta forma. INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 23) Não muita porque para mim, a fala nos permite muita coisa ao contrário da escrita que nos prende demasiado a seus moldes. Comentário 24) Não muito, mas algumas questões exigiam um pouco mais de concentração. Os resultados dessa seção da pesquisa revelam que a maioria dos informantes considera que o emprego das estruturas com dar + SN presentes no teste é bastante freqüente (cf. comentários 1,5,7 e 8), principalmente se o SN estiver posposto ao verbo (cf. comentários 3,6,9,10,14 e 16). O comentário 13 demonstra que o informante considerou “artificiais” as estruturas com SN antecedido ao verbo e ainda destacou que, no exemplo “dar bola”, “bola” somente poderia ser anteposto se fosse enfatizado. O fato de esse informante ter optado pela 208 anteposição deste SN quando é precedido da palavra “nem” (trecho B.5) demonstra que a ênfase aparece nesse contexto e confirma a coerência de seu comentário. É interessante observar que alguns informantes que escreveram os comentários 15 e 23 acreditam que o uso das estruturas sob avaliação ocorre, em geral, no âmbito da fala. O comentário 23, principalmente, demonstra que o informante parece atribuir o uso das perífrases, na fala, ao fato, nesta modalidade, se contar com a possibilidade de variação lingüística, ou seja, permitir muita coisa ao contrário da escrita que nos prende demasiado a seus moldes. O comentário 12 remete ao que LABOV (1972) denominou de “prestígio encoberto” (cf. seção 3.3). Provavelmente, por não considerar as expressões pertencentes à norma culta, o informante afirma que não as utiliza com freqüência, mas sabe que os demais falantes da língua assim o fazem (mas sei que são muito freqüentes na língua). Ademais, esse informante destaca que algumas expressões têm estatuto de construções “fixas”, o que faz com que a mobilidade do SN não seja possível. Quanto à dificuldade em responder às perguntas da pesquisa, os informantes, em geral, alegaram que não tiveram dúvidas ao respondê-la; no entanto, determinados comentários (cf. 17, 19 e 24) mostram que alguns informantes admitiram certa dificuldade, já que algumas questões exigiam um pouco mais de concentração (comentário 24). TESTE 2 – INSERÇÃO 2) Reflita se é possível incluir outros elementos (palavras) na expressão sublinhada. Então, responda a questão que se encontra após a leitura de cada trecho. HIPÓTESE: Acredita-se que os informantes do segundo teste aceitarão a inserção de elementos mais determinantes, tais como modificadores qualificadores e quantificadores, em estruturas cujos componentes não são tão integrados, enquanto, em predicadores complexos cujos componentes se apresentam bastante integrados, os informantes, provavelmente, não serão a favor da possibilidade de inserção de elementos ou somente estarão de acordo com a inserção de itens menos determinantes, tais como artigos indefinidos e intensificadores. A) Desmaio – Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma vez, voltaria para Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as câmeras de TV a filmavam. 209 Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “deu conta”: ( ( ( ( ) 1. ela se deu uma baita conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 2. ela se deu muita conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 3. ela se deu a conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 4. ela se deu uma indesejável conta de que as câmeras de TV a filmava. Escolaridade dos informantes N° de informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual deu uma baita conta 7 DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS deu deu deu Nenhuma uma das muita a conta conta indesejável alternativas conta 5 2 0 3 5 7 19 42% 2 2 9 20% 2 1 5 11% 0 0 0 — 9 2 14 30% Tabela 48: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DEU CONTA A tabela 48 indica que 30% dos informantes não consideram a possibilidade de inserção de qualquer elemento na estrutura “deu conta”. Além disso, nenhum informante optou pela inserção do elemento mais determinante “indesejável” nessa perífrase e pouquíssimos (11%) consideraram possível a inserção do artigo definido “a” (elemento mais determinante). Cogita-se a inserção de elementos quando esses itens têm caráter menos determinante e funcionam mais propriamente como intensificadores do evento descrito, como “baita” (40%) e “muito” (20%). Esse resultado, aliado aos demais aspectos que colaboram para a delimitação dos níveis de integração entre os componentes das perífrases, indica que “dar conta”, no contexto A, pertence ao 9° grau de integração. 210 B) (...) não lá fora quem está pescando lá fora [mesmo na linha do navio] tem que ficar acordado não dorme não – tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “der mole”: ( ( ( ( ) 1. ...e e se a gente der um mole lá ... ) 2. ...e e se a gente der muito mole lá ... ) 3. ...e e se a gente der mole bonito lá ... ) 4. ...e e se a gente der o mole lá ... Escolaridade dos N° de informantes informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual der um mole 8 DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS der der der o Nenhuma mole mole das muito mole alternativas bonito 8 2 5 2 9 14 31 68% 5 8 21 46% 4 4 10 22% 0 1 6 13% 1 0 3 6% Tabela 49: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DER MOLE A maioria dos informantes 68% dos informantes acreditam na possibilidade de inserção do artigo indefinido “um”, e 46%, na possibilidade de inserção do intensificador “muito”. Em outras palavras, os falantes indicam a possibilidade de se inserirem elementos menos determinantes. Um percentual menor de informantes optou pela possibilidade de inserção dos elementos mais determinantes “bonito” (22%) e “o” (13%). Somado à análise de outros fatores que também interferem na integração dos componentes da perífrase, esse resultado sinaliza que “deu mole” corresponde ao nível 7 de integração. C) Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você os namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que você casa, cobram os filhos, isso eu vejo pelo meu irmão, é ... Se um adolescente dá um ataque, ah, isso é coisa de adolescente. Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá um ataque”: ( ( ( ( ) 1. Se um adolescente dá um ataque repentino... ) 2. Se um adolescente dá mais ataque... ) 3. Se um adolescente dá um ataque de loucura... ) 4. Se um adolescente dá o ataque... 211 Escolaridade N° de dos informantes informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS dá um dá dá um dá Nenhuma ataque ataque das mais o ataque de loucura ataque alternativas repentino 6 2 11 3 3 7 10 23 51% 2 4 8 18% 7 8 26 58% 1 2 6 13% 1 0 4 9% Tabela 50: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DÁ UM ATAQUE Mais de 50% dos informantes optaram pela possibilidade de inserção de modificadores qualificadores (“repentino” e “de loucura”). Além disso, alguns informantes consideraram também a possibilidade da inserção do intensificador “mais” e do artigo definido “o”. Esse resultado já indica a possibilidade de essa perífrase revelar um baixo nível de integração entre seus componentes, o que pôde ser confirmado com a análise dos demais aspectos que influenciam na delimitação de graus de incorporação (dar ataque, no contexto C, pertence ao nível 3 de integração). D) Numa época em que todos estão em clima de festa de fim de ano e esperançosos de que 2004 seja um ano melhor, a violência no Rio não dá trégua. Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá trégua”: ( ( ( ( ) 1. ... a violência no Rio não dá uma trégua. ) 2. ... a violência no Rio não dá a trégua . ) 3. ... a violência no Rio não dá boa trégua. ) 4. ... a violência no Rio não dá mais trégua. DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS Escolaridade dos N° de dá dá a dá dá mais Nenhuma Informantes informantes uma trégua trégua trégua das boa trégua alternativas Ensino 15 9 0 0 8 2 Fundamental Ensino Médio 15 12 0 0 6 2 Ensino Superior 15 14 0 0 11 0 TOTAL (45) 35 25 4 Percentual 78% — — 55% 9% Tabela 51: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DÁ TRÉGUA 212 A avaliação dos informantes sobre “dá trégua” mostra que é possível inserir, nesse predicador complexo, apenas elementos menos determinantes, como o artigo indefinido “uma” (78%) e o intensificador “mais” (55%). Nenhum informante consultado admitiu a possibilidade da inserção de elementos mais determinantes, como o modificador qualificativo “boa” e o artigo definido “a”. Logo, esses resultados e a análise dos demais fatores que influenciam a delimitação dos níveis de integração permitem afirmar que “dar trégua”, no contexto apresentado, pertence ao 7° nível de integração. E) isso vendo plásticos, vendo inoxes, vendo ... no verão vende-se tudo, não há tipo de artigo, no verão não há tipo de artigo que se venda mais, no verão sai tudo (...) Sai tudo, quer dizer e... há clientes que até dá gosto, pegam isto, pegam naquilo, pegam no outro, põe tudo em cima do balcão, faz a conta e pronto nem ... descontos Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá gosto: ( ( ( ( ) 1. ... há clientes que até dá o gosto ... ) 2. ... há clientes que até dá muito gosto ... ) 3. ... há clientes que até dá bom gosto ... ) 4. ... há clientes que até dá um gosto ... Escolaridade dos informantes N° de informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino Superior 15 TOTAL (45) Percentual dá o gosto 3 1 1 5 11% DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS dá muito dá bom dá um Nenhuma gosto gosto gosto das alternativas 8 0 4 1 11 10 29 65% 0 0 0 — 3 6 13 29% 1 2 4 9% Tabela 52: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de inserção de elementos na estrutura DÁ GOSTO A maioria dos informantes optou pela inserção de elementos menos determinantes, tais como o intensificador “muito” (65%) e o artigo indefinido “um” (29%). Ademais, nenhum dos informantes optou pela inserção do elemento mais determinante “bom”. Alguns informantes (9%) não acreditam na inserção dos elementos indicados no teste em “dá gosto”, o que permite aventar a hipótese de que seus componentes são bastante integrados e é confirmado com a análise dos demais fatores que influenciam o nível de integração dos componentes: dá gosto pertence ao 7° nível de integração. A seguir, expõem-se alguns comentários produzidos pelos informantes acerca desse teste na seção Mate a nossa curiosidade. 213 RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 1) Freqüentemente, porque todas estão certas. Comentário 2) Achei interessante, mas só algumas eu uso. INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO Comentário 3) Achei bom, porque precisamos usá-las com freqüência. Comentário 4) Foi bem interessante poder dar nossa opinião sobre isto. Comentário 5) Achei muito legal para variar um pouco. Não com muita freqüência. Comentário 6) Sim, em quase tudo que falo. INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 7) Costumo sim, mas o uso de cada uma depende do interlocutor. Achei fidedignas à fala em geral. Sim, costumo usá-las Comentário 8) Às vezes, depende do contexto. Comentário 9) Estas expressões usadas no questionário são freqüentes, não só nas minhas falas como nas do meu grupo de convívio também. RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa ? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 10) Na penúltima pergunta. Comentário 11) Não tive qualquer dúvida. Comentário 12) Tive em algumas vezes dificuldade INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO Comentário 13) Não. A pesquisa é bem simples e objetiva. Comentário 14) Não, questão de interpretação. Comentário 15) Não, como foi algo subjetivo, tendo que usar minha própria opinião, realmente achei fácil. Comentário 16) Não, achei show. INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 17) Tive dificuldades, pois estas estruturas são mais usuais, acho mais difíceis aparecem modificadas. A maioria dos indivíduos consultados informou que as expressões dar + SN no teste são bastante recorrentes (cf. 1, 3 e 4). O comentário 1 chama atenção pelo fato de o informante do ensino fundamental demonstrar que sua análise sobre as estruturas com dar se baseou na noção de correção lingüística (certo versus errado). Em outras palavras, ainda que o pesquisador tenha 214 informado que se objetivava conhecer opiniões e que não havia respostas certas ou erradas, o falante justificou o uso freqüente das construções alegando que todas estão certas. Destaca-se também a opinião dos informantes 6, 7 e 9, ao ressaltarem a alta produtividade das expressões na fala, e a dos informantes 7 e 8, ao afirmarem que o emprego de tais construções depende do interlocutor e do contexto. Este tipo de comentário pode ser relacionado ao esquema de interação verbal proposto por Dik (1997; cf. seção 3), segundo o qual os participantes da situação comunicativa usam as expressões lingüísticas de acordo com os seus interlocutores e com as funções semântico-discursivas que desejam alcançar. Além disso, alguns comentários, como os dos informantes 10,12 e 17, revelam as dificuldades em marcar a estrutura quando contém SN que se apresenta com elementos intervenientes, o que já era esperado pelo fato de o verbo e o SN serem bastante integrados. TESTE 3 – SUBSTITUIÇÃO DO VERBO Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar + SN”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: Após as alternativas, o informante é requisitado a propor a substituição, na perífrase, do verbo por outro que não esteja entre as opções dadas com base no seguinte encaminhamento: Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dar” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente: Outro tipo de abordagem presente nesse teste ocorre na seção “Agora é com você”, na qual os informantes não têm mais alternativas a marcar e são requisitados a lembrar de um verbo que possa substituir as perífrases sob análise. O motivo da elaboração dessa seção está em propor para os informantes a análise das estruturas que mais causam dúvidas quanto ao parâmetro “possibilidade de substituição do verbo”. PERGUNTA DA SEÇÃO “AGORA É COM VOCÊ”: Procure se lembrar de um verbo que tenha o MESMO SENTIDO do verbo dar no trecho 1, para preencher a lacuna do trecho 2: HIPÓTESE: A impossibilidade de substituição do verbo indicará a possibilidade de a perífrase pertencer a um dos maiores níveis da escala de integração entre dar e SN. A) Fui jogar futebol... aí... eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... quando eu era jogador... eu..dei um gol de cabeça ( ) 1. eu..fiz um gol 215 ( ( ( ( ) 2. eu..tive um gol ) 3. eu..marquei um gol ) 4. eu..conquistei um gol ) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido. Escolaridade dos informantes N° de informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino 15 Superior TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS tive um gol marquei conquistei um gol um gol 11 0 9 0 Nenhuma das alternativas 1 11 15 0 0 10 11 0 0 2 0 37 82% — 30 66% — 3 7% fiz um gol Tabela 53: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DEI UM GOL B) Mas não adianta ela falar, por que a mãe sempre dizia a mesmas coisas. __ Isso não existe. __ E se você continua a falar nisso eu vou te dar uma surra Mais ela continuou a ver. Até que um dia ela saiu com a mãe e as irmães dela. ( ( ( ( ) 1. ... eu vou te aplicar uma surra ) 2. ... eu vou te meter uma surra ) 3. ...eu vou te enfiar uma surra ) 4. ... eu vou te passar uma surra Escolaridade N° de dos informantes informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino 15 Superior TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS meter uma enfiar uma passar uma surra surra surra 5 1 6 2 Nenhuma das alternativas 3 5 5 7 9 6 11 0 1 1 0 15 33% 17 38% 23 51% 3 6% 4 9% aplicar uma surra Tabela 54: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DAR UMA SURRA C) (...) avião eu não tenho medo e em elevador eu tenho. Se eu estiver num elevador que ele pare entre dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo. ( ( ( ) 1. ... pra não fazer, pra não provocar escândalo. ) 2. ... pra não fazer escândalo. ) 3. ... pra não proporcionar escândalo. 216 ( ) 4. ... pra não fazer, pra não gerar escândalo. Escolaridade N° de dos informantes informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino 15 Superior TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS fazer proporciona gerar escândalo r escândalo escândalo 4 9 1 5 Nenhuma das alternativas 1 6 4 13 15 0 2 3 3 0 0 14 31% 37 82% 3 6% 11 24% 1 2% provocar escândalo Tabela 55: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição de dar em DAR UM ESCÂNDALO Poucos informantes alegaram a impossibilidade de substituição do verbo dar por outro nas perífrases dar um gol, dar uma surra e dar um escândalo. Ao contrário, a maioria dos falantes escolheu, pelo menos, um verbo para substituir dar nas três perífrases sob avaliação. Esse resultado induz à hipótese de que essas estruturas pertencem a níveis de integração que não são tão altos, o que é corroborado com a análise dos demais aspectos que influenciam a integração entre verbo e SN. É possível afirmar, portanto, que “dar um gol” apresenta o segundo nível de integração, enquanto os componentes de “dar uma surra” e “dar um escândalo” apresentam o primeiro nível de integração. Alguns informantes recordaram-se de outro verbo (sem ser um dos apresentados como opções) pelo qual dar, nas perífrases apresentadas, poderia ser substituído. Apenas nove informantes posicionaram-se quanto à comutação do verbo na expressão “dei um gol”, sugerindo os verbos “mandei” (1 informante do Ensino Superior), “meti” (2 informantes e 2 informantes do Ensino Médio), “acertei” (1 informante do Ensino Superior e 1 informante do Ensino Fundamental) e “coloquei” (2 informantes do Ensino Médio) . Quanto à expressão “dar uma surra”, dois informantes de Ensino Superior afirmaram que o verbo poderia comutar com “sentar” e “baixar”, enquanto um informante do Ensino Fundamental sugeriu a substituição de dar por “largar”. Alguns informantes afirmaram que, em “dar escândalo”, o verbo pode ser substituído por “armar” (1 informante do Ensino Superior), “causar” (1 informante do Ensino Superior, 1 do Ensino Médio e 1 do Ensino Fundamental), “criar” (1 informante do Ensino Superior e 2 do Ensino Médio) e “ter” (3 informantes do Ensino Médio e 2 do Ensino Fundamental). Na seção “Agora é com você”, os informantes foram requisitados a substituir o verbo dar em expressões pertencentes a trechos como os listados abaixo : 217 A.1) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. A.2) Rosa Virgínia em seu livro ___________ ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento B.1) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só se ele considera manipulação ter dado tanto destaque ao acontecimento em si... B.2) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só se ele considera manipulação ter ___________ tanto destaque ao acontecimento em si... C.1) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. C.2) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, ___________ -lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. D.1) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...). D.2) No Rio de Janeiro, foi _________ um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...). Os informantes puderam contar com esta opção, caso não lembrassem de algum verbo para escrever nas lacunas: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no trecho acima. Os resultados mostram que o verbo dar das expressões “dá ênfase”, “dado tanto destaque”, “dar-lhe banho”, “deu uma mordida” e “dado o primeiro passo” pode ser substituído por outros. Os informantes responderam que, em “dá ênfase”, o verbo pode ser substituído por: “faz” (5 informantes do Ensino Superior e 1 informante do Ensino Médio), “põe” (2 informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), “gera” (1 informante do Ensino Superior e 2 do Ensino Médio), e “coloca” (1 informante do Ensino Médio e 2 do Ensino Fundamental). Na expressão “dado tanto destaque”, o verbo foi considerado comutável por: “feito” (2 informantes do Ensino Superior, 4 do Ensino Médio e 1 do Ensino Fundamental), “oferecido” (2 informantes do Ensino Superior e 2 do Ensino Médio), “provocado” (2 informantes do Ensino Superior), “proporcionado” (1 informante do Ensino Superior), “mostrado” (2 informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), “colocado” (1 informante do Ensino 218 Superior e 2 do Ensino Fundamental), “posto” (cada um foi sugerido por 1 informante do Ensino Superior), e “gerado” (2 informantes do Ensino Fundamental). Somente quatro informantes, de um conjunto de 45, alegaram que o verbo dar, em “deulhe banho” pode ser substituído por: “aplicar” (2 informantes do Ensino Superior) e “meter” (1 informante do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio). O verbo do predicador complexo “dado o primeiro passo” admite, segundo os informantes, a substituição por: “realizado” (1 informante do Ensino Superior), “feito” (2 informantes do Ensino Superior, 4 do Ensino Médio e 1 do Ensino Fundamental) , “iniciado” (2 informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), e “gerado” (1 informante do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio). Constatou-se, com base nos resultados desse teste de atitude e na análise de outros aspectos que podem influenciar a integração entre verbo e SN, que os predicadores complexos “dá ênfase” e “dado tanto destaque” pertencem, respectivamente, ao quinto e ao primeiro níveis de integração, enquanto “dado um primeiro passo” pertence ao segundo nível. Essas conclusões estão de acordo com a hipótese de que é menor o nível de integração entre verbo e SN quando há possibilidade de substituição do verbo. Quanto ao predicador complexo “dar banho”, considera-se que o verbo “aplicar” pode substituir dar em casos mais específicos, como “dar banho de permanganato”, o que não é o caso do contexto em que essa construção aparece no teste. Logo, considera-se que pertence ao terceiro nível de integração, àquele em que um dos fatores é a impossibilidade de substituição do verbo da estrutura. Na seção do teste Mate a nossa curiosidade, os falantes, em geral, ressaltaram que as construções com dar + SN são usadas com bastante freqüência (cf. comentários 2, 3, 5, 7, 8, 9, 13, e 14). Destacam-se os comentários 11 e 12. O primeiro mostra que o informante acredita que usa com muito mais freqüência a construção perifrástica do que “a estrutura com verbo ‘puro’ (dar destaque => destacar)”. O segundo revela que o informante julga que a opção pelo predicador complexo “parece ser a mais cômoda”. Acredita-se que esse falante se refere ao fato de essas estruturas serem bastante comuns, facilmente lembradas, o que as torna “mais cômodas”, mais acessíveis no momento da interação comunicativa. Poucos informantes alegaram que não usam as construções dar + SN do teste com tanta freqüência (cf. comentários 1 e 15). Destaca-se que, no comentário 15, o informante afirma que leva “em conta outros usos do dia-a-dia da fala popular”. Essa assertiva gerou os seguintes questionamentos: por que o informante demonstra restrição ao uso de perífrases na fala popular? Isso significa que lança mão de outras estruturas, evitando os usos das construções dar + SN nesse contexto? Em caso afirmativo, quais estruturas seriam estas? 219 Apesar de não ter sido possível conhecer essas respostas 104 , crê-se que esse informante não avalia positivamente as estruturas com dar apresentadas no teste. Quanto à segunda pergunta da seção, a maioria dos informantes alegou que teve dificuldade para lembrar de outros verbos que poderiam substituir dar nas expressões apresentadas. RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 1) Não costumo usa-las. Comentário 2) Como se percebe que essa palavra é muito usada! Comentário 3) Eu achei legal, eu costumo usar bastante. Comentário 4) Diferente. Não com muita freqüência. INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO Comentário 5) Realmente é o que mais se usa no cotidiano. Comentário 6) Acho que foram usadas corretamente e uso esse verbo freqüentemente. Comentário 7) Achei interessante, pois costumo muito usar, essa palavra está bem presente em meu vocabulário. Comentário 8) Eu costumo usar a frase com dar do jeito que estava escrito. Comentário 9) Achei que é uma palavrinha tão pequena que dá vários sentidos. Eu uso bastante. INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 10) É tão freqüente que se torna difícil pensar em algum sinônimo. Comentário 11) Com muito mais freqüência que a estrutura com verbo “puro” (dar destaque => destacar) Comentário 12) As uso com freqüência sim. Parece ser a opção mais cômoda. Comentário 13) É uma estrutura que todos usam frequentemente. Comentário 14) Fiquei impressionada! Notei que só uso essa estrutura. Comentário 15) Nem tanto, mas levo em conta outros usos do dia-a-dia da fala popular. RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa ? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: INFORMANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 16) Sim. Por não ter encontrado a maioria dos verbos. Comentário 17) Não. Achei muito legal a pesquisa na Escola poderia ter mais vezes. Comentário 18) Estava complicado. 104 O teste levou à reflexão de que as respostas a essas questões talvez pudessem ser conhecidas se a seção “Mate a nossa curiosidade” fosse realizada em forma de entrevista gravada. Acredita-se que, dessa forma, seria possível questionar os informantes sobre suas opiniões quanto ao uso das estruturas. No entanto, decidiu-se não refazer esses testes devido ao fato de a ausência da entrevista não prejudicar o enfoque objetivado com o teste de atitude. 220 Comentário 19) Estava muito pensativa. INFORMANTES DO ENSINO MÉDIO Comentário 20) Por usá-la com muita freqüência, tive dificuldade em substituí-la. Comentário 21) Achei que teve umas perguntas que complicou um pouco, principalmente C.1 e C.2. Comentário 22) Não é reclamação, nem sugestão, o que só tive dificuldade foi em lembrar os verbos para preencher, não todos, mas alguns. Apesar do vocabulário do português ser muito extenso, eu achei dificuldade de substituir a palavra dar. Comentário 23) INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 24) Em alguns contextos foi difícil encontrar verbos para substituir os anteriores. Comentário 25) Sim. E talvez por isso tenha sido difícil encontrar um verbo que substituísse, mantendo a forma composta. TESTE 4 – SUBSTITUIÇÃO DO NOME Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar + SN”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: Após as alternativas, o informante é requisitado a propor, na perífrase, a substituição do SN por outro que não esteja entre as opções dadas: Você se lembra de outra palavra que poderia substituir o nome que acompanha o verbo dar no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente: Assim como no teste anterior, outro tipo de abordagem que faz parte do teste se encontra na seção “Agora é com você”, na qual os informantes não têm mais alternativas a marcar e são requisitados a lembrar de uma palavra que possa substituir o SN das perífrases sob análise, as que mais causaram dúvidas quanto à avaliação do parâmetro “possibilidade de substituição do SN”. Pergunta específica da seção “Agora é com você”: Procure se lembrar de uma palavra que tenha o MESMO SENTIDO da palavra sublinhada no trecho 1, para preencher a lacuna do trecho 2: HIPÓTESE : A impossibilidade de substituição do SN indicará que as perífrases pertencem aos maiores níveis da escala de integração entre dar + SN. 221 A) Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão aulas. ( ( ( ( ) 1. ... onde os professores nos dão lições. ) 2. ... onde os professores nos dão classes. ) 3. .... onde os professores nos dão ensinamentos. ) 4. ...onde os professores nos dão conhecimentos. Escolaridade N° de dos informantes informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino 15 Superior TOTAL (45) Percentual DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS dão dão dão classes ensinamentos conhecimentos 8 0 8 7 Nenhuma das alternativas 2 4 8 0 6 8 9 2 4 4 0 20 44% 6 13% 25 56% 13 29% 6 13% dão lições Tabela 56: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “aulas” em DÃO AULAS B) A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar uma prensa na gente... né? Aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse] “cala a boca...” ( ( ( ( ) 1. ... e foi... falar lá... dar uma chamada na gente... ) 2. ... e foi... falar lá... dar uma bronca na gente... ) 3. ... e foi... falar lá... dar um chega pra lá na gente... ) 4. ... e foi... falar lá... dar uma repreensão na gente... Escolaridade N° de informantes dos informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino 15 Superior TOTAL (45) Percentual dar uma chamada 3 DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS dar uma dar um dar Nenhuma das alternativas bronca chega uma pra lá repreensão 9 2 8 2 3 7 9 12 3 3 6 12 1 0 13 29% 30 67% 8 18% 26 58% 3 6% Tabela 57: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “uma prensa” em DAR UMA PRENSA 222 C) Com estas duas prestações num só dia, o ex-primeiro-ministro, que há mais de dois anos “anda por aí” sem saber bem como ensaiar um regresso ao palco, marcou dois pontos. Tanto sobre as “diretas” como sobre o “direto”, deu voz àquilo que pensa ... ( ( ( ( ( ) 1. ... deu fala àquilo que pensa ... ) 3. ... deu palavra àquilo que pensa ... ) 2. ... deu som àquilo que pensa ... ) 4. ... deu manifestação àquilo que pensa ... ) 5. Nenhuma tem o mesmo sentido. Escolaridade N° de informantes dos informantes Ensino 15 Fundamental Ensino Médio 15 Ensino 15 Superior TOTAL (45) Percentual deu fala DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS deu deu deu palavra som manifestação 0 2 4 6 Nenhuma das alternativas 6 2 7 6 3 0 4 7 10 1 1 9 20% 11 24% 8 18% 23 51% 8 18% Tabela 58: Resultados de teste de atitudes sobre a possibilidade de substituição do SN “voz” em DAR VOZ A maioria dos informantes acredita que os SNs das estruturas “dão aulas”, “dar uma prensa” e “deu voz” podem ser substituídos por, pelo menos, um outro vocábulo. Quanto à possibilidade de os informantes lembrarem de outros verbos que poderiam substituir os SNs das perífrases, nenhum informante se recordou de um item que substituísse “aulas”, em “dão aulas”. Alguns informantes afirmaram que o SN “uma prensa”, em “dar uma prensa” pode ser substituído por: “um esporro” (3 informantes do Ensino Médio e 2 do Ensino Fundamental), “um castigo” (1 informante do Ensino Fundamental), “uma dura” (1 informante do Ensino Fundamental), “um se liga” (1 informante do Ensino Médio) e “uma advertência” (1 informante do Ensino Médio). Dois informantes do Ensino Fundamental alegaram que “voz”, em “deu voz”, pode ser substituído por “argumento” e “opinião”, respectivamente. Tendo em vista os resultados apresentados e a análise dos demais aspectos relevantes para a delimitação de níveis de integração entre verbo e SN, é possível constatar que o grau de integração entre os componentes de “dar aulas” é o primeiro, de “dar uma prensa” é o quinto, e que a construção “deu voz” pertence ao terceiro grau de integração. 223 Na seção “Agora é com você”, os informantes foram requisitados a substituir o vocábulo das perífrases em negrito dos seguintes trechos: A.1) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. A.2) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe ______________, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. B.1) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros... B.2) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar ____________ aí a essa demanda de passageiros... C.1) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam a vida por um pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos. C.2) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam até a ______________ por um pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos. D.1) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com essas caras... ele respondeu que você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais. D.2) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com essas caras... ele respondeu que você nos deu maior _________ aí eu comecei a rir e não parei mais. Se os informantes não conseguissem lembrar de nenhuma palavra para escrever nas lacunas, poderia marcar a seguinte opção: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir “a palavra” no trecho acima. Os resultados revelam que a maioria dos informantes acredita na possibilidade de substituição dos SNs das construções “dar banho”, “dar vazão”, “dariam a vida” e “deu o maior susto”, o que não era o esperado, por se acreditar que os componentes dessas estruturas fossem tão integrados que não permitiriam a substituição. Os informantes alegaram que, em “dar banho”, o SN pode ser substituído por “trato” (1 informante do Ensino Superior), “uma ducha” (1 informante do Ensino Superior e 3 do Ensino Fundamental), e “uma chuveirada” (2 informantes do Ensino Superior e 1 do Ensino Fundamental). 224 Sobre “dar vazão”, os informantes responderam que o SN pode ser substituído por “suporte”, “cabo” (4 informantes do Ensino Superior), “abrangência” (1 informante do Ensino Superior), “atenção” (1 informante do Ensino Superior e 1 do Ensino Médio), “espaço” (3 informantes do Ensino Fundamental e 7 do Ensino Médio), “lugar” (2 informantes do Ensino Médio) e “conta” (1 informante do Ensino Médio). No predicador complexo “dariam a vida”, segundo os informantes, é possível a comutação do SN “a vida” por: “a alma” (10 informantes do Ensino Superior, 6 do Ensino Médio e 3 do Ensino Fundamental), “a existência” (1 informante do Ensino Superior) e “a própria cabeça” (1 informante do Ensino Fundamental). A maioria dos informantes acredita na substituição do núcleo do SN (susto), em “deu o maior susto”, por: “baque” (1 informante do Ensino Superior e 1 informante do Ensino Fundamental), “assombro” (2 informantes do Ensino Superior), “espanto” (1 informante do Ensino Médio). Os resultados do teste de atitudes acerca do aspecto “possibilidade de substituição do SN” em conjunto com a análise dos demais fatores levados em conta para a delimitação dos níveis de integração revelam que a perífrase “dariam a vida” pertence ao 3° nível de integração, “dar vazão”, “dar banho” e “deu maior susto”, encontram-se, respectivamente, nos sétimo, terceiro e primeiro níveis. Os informantes, na seção do teste Mate a nossa curiosidade, em geral alegaram que as construções dar + SN apresentadas na pesquisa são muito produtivas e que sentiram dificuldade quando eram requisitados a lembrar dos vocábulos que substituiriam os SNs das construções apresentadas. Destaca-se a resposta do informante 9 ao mencionar o trecho “inclusive por mim”. Acredita-se que esse falante considera as expressões freqüentes, como afirma, inclusive para ele(a), uma pessoa com alto nível de escolaridade. RESPOSTAS À PRIMEIRA PERGUNTA: O que achou sobre as estruturas com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 1) Às vezes, quando é preciso. Comentário 2) Quase sempre e quando eu preciso. Comentário 3) Quase sempre e quando é preciso. ENSINO MÉDIO Comentário 4) Pra mim é normal, eu uso sempre. Comentário 5) Eu achei interessante, eu uso muito a palavra dar. Comentário 6) Sempre usamos “dar” em quase tudo que escrevemos e falamos. 225 INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 7) Essas estruturas são utilizadas na fala sem que o falante perceba. Comentário 8) Achei bastante comum, a maioria das pessoas utilizam essas estruturas. Comentário 9) A estrutura com verbo “dar” é usada frequentemente, inclusive por mim. RESPOSTAS À SEGUNDA PERGUNTA: Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa ? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: ENSINO FUNDAMENTAL Comentário 10) Não, mesmo porque é uma coisa fácil de responder. Comentário 11) Tive sim, porque a maioria das minhas alternativas estavam nas questões. Mas tirando isso estava fácil. Comentário 12) Acho que foi normal, mas achei um pouco chato. ENSINO MÉDIO Comentário 13) Não tive dificuldades. É uma ótima o pesquisa que nos mostra que pelo menos uma vez a gente pode mostrar nossa opinião própria. Comentário 14) Não muito, pois tudo o que está escrito acontece no nosso dia a dia. Comentário 15) Não, tive facilidade em compreender as propostas. Comentário 16) Não tive dificuldade, apenas deixei umas em branco porque não veio sinônimo nenhum na minha cabeça. Comentário 17) nem existem. Sim, pois tem palavras e justificativas que não me vem na cabeça e acho que algumas INFORMANTES DO ENSINO SUPERIOR Comentário 18) Mais ou menos, porque é um pouco complicado pensar em sinônimos quando fazemo- nos (sic) naturalmente. Comentário 19) Tive dificuldade em achar sinônimos, pois os exemplos citados anteriormente são os mais usados, talvez já sejam latentes no uso. Comentário 20) Mais dificuldades em achar as palavras. Um pouco na segunda parte para substituir as palavras, não me vinha muita coisa na cabeça. Os testes de atitude ajudaram a solucionar dúvidas quanto à análise dos níveis de integração entre os componentes de certas perífrases cujo verbo já apresenta algum grau de gramaticalização. Acredita-se que a seção Mate nossa curiosidade possibilitou conhecer um pouco das atitudes de alguns falantes em relação ao emprego das estruturas em foco. Destacase o fato de considerarem, em geral, o emprego das perífrases dar + SN mais apropriado à modalidade falada e ao registro informal (“uso popular”). Essas constatações aguçaram o interesse pela aplicação de testes de atitude que colaborem para depreender funções semântico-discursivas dessas construções, um trabalho de investigação que pôde ser 226 desenvolvido nesta dissertação e teve como fundamentação teórica pressupostos sociofuncionalistas. 5.3 Análise dos dados referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com verbosuporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente 5.3.1 As variáveis investigadas Os dados coletados para a presente análise pertencem a três corpora distintos (cf. seção 4). As variantes que compõem a variável dependente “natureza categorial da construção analisada” são as perífrases com verbo-suporte dar + SN (dar pulos, dar abraço) e predicadores simples cognatos ao SN dessas perífrases (pular, abraçar). Reúnem-se em dois grupos as variáveis independentes controladas: as que foram consideradas na investigação dos dados de todos os corpora e as que foram levadas em conta na análise de ocorrências pertencentes a determinados corpora. Abaixo apresenta-se um quadro que elucida essa divisão e, em seguida, as hipóteses relacionadas a cada variável: VARIÁVEIS COMUNS VARIÁVEIS ESPECÍFICAS PARA O TRATAMENTO DE À ANÁLISE DE DADOS DE DETERMINADOS CORPORA DADOS DE TODOS OS CORPORA Discurso e Gramática (depoimentos orais e escritos) Textos sob avaliação (redações e provas) Presença de nuance semântica (notícias, editoriais, crônicas e artigos de opinião) Fontes de coleta Grau de escolaridade Diferença entre o número de sílabas do verbo Jornalístico Modalidade expressiva predicador e o da perífrase Tipos de texto Faixa etária Tempo verbal Quadro 20: Variáveis controladas na pesquisa (jornais) 227 A) Presença de nuance semântica (dados com nuance semântica especial e dados sem nuance semântica) Provavelmente, para veicular alguma nuance de sentido especial, os falantes recorrem com maior freqüência ao emprego de perífrases com verbo-suporte dar. Acredita-se que isso ocorre pelo fato de essas construções permitirem a inserção de elementos determinantes e/ou modificadores – como ocorre nos exemplos abaixo – e até alterações na morfologia dos nomes incorporados ao verbo-suporte, fatos que promovem alguma variação, ainda que sutil, de sentido. (Ex.:182) (...) que ele dê muitas alegrias para a torcida do Fluminense. Mas o Baixinho não perdeu a oportunidade de dar uma alfinetada no Animal. [PB escrito, Extra, Notícia, De ex-desafeto a anfitrião cordial - Romário promete receber Edmundo de braços abertos no tricolor] (Ex.:183) O sentimento de que o Brasil caminhará para a frente não é aleatório: depois de um ano extremamente difícil, a economia começa a dar sinais importantes e consistentes de recuperação. [PB escrito, Extra, Editorial, sem título] (Ex.:184) (...) na Avenida Brasil... aí estava engarrafado... aí o irmão dele saiu do carro... deu dois tiros pro alto... aí todo mundo abriu ... pra ele passar (...) [PB oral, D&G, 4ª Série do E.F., Narrativa recontada, idade: 11 anos inf. 70] (Ex.:185) (...) ele respondeu você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais. [PB escrito, D&G, CA supletivo, Narrativa de experiência pessoal, idade: 42 anos, inf. 77] B) Diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase (nenhuma diferença entre sílabas; uma sílaba a mais para a perífrase; duas sílabas a mais para a perífrase; três sílabas a mais para a perífrase; e uma sílaba a mais para o predicador simples) A diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase poderá influenciar a alternância entre essas formas. Crê-se que o falante tenda ao uso da forma que apresentar menor extensão silábica. Logo, uma variante perifrástica com menor extensão silábica em comparação com o verbo simples correspondente terá mais chances de ser a forma escolhida, pelo fato de ser a variante menos saliente foneticamente. 228 (Ex.:186) porque tem muita gente aí... que rabisca o banheiro... joga papel higiênico no chão... eh... faz xixi no chão... muita gente... faz isso... podendo dar valor... ao banheiro também... né? [PB oral, D&G, 4a série do E.F., Relato de opinião, idade: 12 anos, inf. 55] (1 sílaba a mais para o verbo predicador: valorizar) (Ex.:187) Podemos comparar a linguagem dos textos e exemplificar, que para a norma culta “bataia” está gramaticalmente incorreto e o certo seria “batalha”; mas por outro lado, o sistema coseriano avalia a comunidade lingüística, a qual faz uso deste termo, por esta razão pode-se dizer que há comunicação entre eles. [PB escrito, avaliação-primeiro período, ES-P1-F-002] (1 sílaba a mais para o verbo predicador: dar exemplo) (Ex.:188) (...) dois homens que estavam numa moto atiraram nela enquanto os outros dois roubavam a bolsa e o embrulho de carne. [PB escrito, D&G, 8a série do E.F., Narrativa recontada, inf. 26] (nenhuma diferença em extensão silábica - 4 sílabas: deram tiro) (Ex.:189) Eu poderia pular a aranha, mas tinha medo de dar um pulo curto ou errado e pisar em cima da aranha (eu estava usando chinelos, mas mesmo assim teria dado nojo, se eu tivesse esmagado a tal da aranha!...). [PB escrito, D&G, 8ª série, Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 35] (nenhuma diferença em extensão silábica - 4 sílabas: enojado) (Ex.:190) (...) eu fiquei com medo... né? dele poder ir atrás da minha mãe... aí... aí a minha tia... que... queria que eu beijasse o meu pai... (1 sílaba a mais para a perífrase: desse beijo) (Ex.:191) (...) só que os alunos daqui são muito mal educados... picham tudo... dá chute... [PB oral, D&G, 4ª série, Relato de opinião, idade: 12 anos, inf. 40] (1 sílaba a mais para a perífrase: chuta) (Ex.:192 (...) aí minha mãe chegou em casa... não queria que meu pai... visse como é que eu estava... aí... ela falou... que telefonou pro meu pai... meu pai quando chegou... ficou nervoso em casa... [PB oral, Discurso e Gramática, 4ª Série do E.F., Narrativa recontada, idade: 9 anos, inf. 37] (2 sílabas a mais para a perífrase: deu telefonema) (Ex.:193) Agora, darei opinião sobre a escola onde estudo. Ela é muito boa em relação aos ensinos... (2 sílabas a mais para a perífrase: opinarei) (Ex.:194) O governo deveria pagar melhores salários reajustados pela inflação para professores e pessoal de apoio, investindo mais em escolas (...) [PB escrito, D&G, 8ª Série do E.F., Relato de opinião, idade: 16 anos, inf. 26] (3 sílabas a mais para a perífrase: dando investimento) (Ex.:195) bom ter uma familia unida e feliz para isso e presizo respeito dos filhos para com os pais e os pais dar a orientação e a educasão os filhos essa e a minha opinião sobre a família [PB escrito, D&G, CA supletivo, Relato de opinião, idade: 19 anos, inf. 76] (3 sílabas a mais para a perífrase: orientar) 229 C) Tipos de textos 105 (editorial; notícia; crônica; artigo de opinião; narrativa de experiência pessoal; narrativa recontada; relato de opinião; provas; e redações) Por serem textos que não foram produzidos com alto grau de planejamento, como textos publicados, é provável que as narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e relatos de opinião (escritos) apresentem índices maiores de perífrases dar + SN. Diferentemente, espera-se produtividade maior de verbos plenos em relação às perífrases em notícias, editoriais, artigos de opinião, redações e provas. Por serem textos publicados ou para avaliação, supõe-se que seus autores possam ter mais preocupação em demonstrar riqueza vocabular com o emprego de diversos predicadores simples. Apesar de as crônicas serem textos publicados, espera-se que se estruturem com mais dados de perífrases, haja vista a possibilidade de se organizarem com um discurso com características coloquiais e até informais além de traços típicos de oralidade. D) Tempo verbal (presente do indicativo; pretérito imperfeito do indicativo; pretérito perfeito do indicativo; futuro do presente e do pretérito do indicativo; presente, pretérito e futuro do subjuntivo; infinitivo; gerúndio; e particípio 106 ) Julgou-se pertinente controlar a influência das alterações morfológicas a que se sujeitam as formas verbais para marcação de tempo na alternância entre predicadores simples e complexos. Inicialmente, aventa-se a possibilidade de que essa variável independente, por si só, não seja condicionadora do emprego da forma perifrástica pela forma simples ou viceversa. Não obstante, acredita-se que alguns predicadores simples ou perífrases possam não vir a ser empregados, pelo fato de sua forma, em determinado tempo verbal, ser mais extensa e/ou menos comum. Por exemplo, crê-se que os falantes optem por “dariam parabéns” e não por “parabenizariam”, já que a forma perifrástica apresenta menor extensão e a forma simples não é freqüentemente usada. Logo, provavelmente, há uma combinação de fatores: o fato de determinados itens em certos tempos verbais proverem formas mais extensas (diferença no número de sílabas) que, conseqüentemente, tendem a ser as menos utilizadas. Em outras palavras, acredita-se que o grau de saliência fônica da forma verbal poderá influir na seleção de predicadores simples e complexos. E o controle do tempo verbal é outra variável que, 105 A designação corrente tem sido “gênero textual” (redação escolar, carta pessoal, bilhete, editorial, entre tantos outros), que, em algumas propostas, é empregada diferentemente de “tipo textual” ou “modo de organização discursiva” (narrativo, argumentativo, expositivo, descritivo). Optou-se por empregar o termo “tipo de texto”, sem entrar no mérito dessa diferenciação comum atualmente em Lingüística Textual. 106 Os tempos verbais de todas as perífrases e verbos plenos foram codificados. Se a perífrase fizer parte de um complexo verbal (teria dado nojo, por exemplo), a codificação refere-se ao verbo dar (particípio). 230 juntamente com o controle da diferença entre o número de sílabas, viabiliza avaliar essa hipótese. Somam-se a essas variáveis os seguintes grupos de fatores para investigação de algumas amostras de dados específicas 107 : o Para estudo da amostra do acervo do Projeto Discurso e Gramática (depoimentos orais e escritos) E) Modalidade expressiva Haverá diferença, possivelmente, em termos de freqüência ou probabilidade de uso de perífrases com verbo-suporte em função de modalidade expressiva (fala ou escrita): os níveis de produtividade de perífrases com dar + SN serão maiores na fala, por se acreditar que nessa modalidade se empregam mais produtivamente formas lingüísticas às quais se associa certo grau de coloquialismo ou até de informalidade. Na escrita, será maior a produtividade de predicadores simples equivalentes. F) Graus de escolaridade (Classe de Alfabetização infantil; Classe de Alfabetização supletivo; quarta série do Ensino Fundamental; oitava série do Ensino Fundamental; terceiro ano do Ensino Médio; primeiro período do Ensino Superior; último período do Ensino Superior) Tendo em vista que, em manuais de redações, se encontraram recomendações no sentido de não se usarem perífrases (cf. seção 6.6), imagina-se que os alunos de maior escolaridade, principalmente, possam ser aconselhados a substituir expressões com dar + SN por predicadores simples para demonstrar riqueza vocabular em seus textos. Tal comportamento faz com que haja uma redução no emprego de perífrases, especialmente, em textos pertencentes à modalidade escrita produzidos para avaliação, como provas e redações escolares. Logo, supõe-se que indivíduos cujo grau de escolaridade é maior estão mais conscientes de suas escolhas lingüísticas, tendem, provavelmente, a estar mais atentos não só a questões de aplicação de normas da gramática prescrita ensinada na escola, mas também a critérios de seleção vocabular na organização do discurso: estão mais conscientes, por exemplo, de que a repetição de verbos constituintes de predicadores complexos pode ser considerada prejudicial para a construção de um texto coeso e coerente, para a manifestação 107 Essas variáveis serão consideradas em rodadas específicas. Encontram-se mais detalhes sobre as rodadas na próxima seção. 231 de uma imagem do enunciador (pobreza/riqueza vocabular), o que gera o emprego de predicadores simples. G) Faixa etária (falantes até 12 anos; dos 13 aos 17 anos; dos 18 aos 35 anos; e dos 36 aos 55 anos) Provavelmente, quanto menos idade tiver o falante (até 12 anos), maior será o emprego de construções dar + SN em relação aos verbos plenos, já que seu arcabouço vocabular ainda não é tão desenvolvido quanto o que se espera para um falante de mais idade, que passou por mais experiências lingüísticas e que teve contato com tipos de texto distintos. Sendo assim, falantes a partir da faixa etária intermediária tenderão a utilizar mais produtivamente verbos plenos. De fato, considera-se que a variável “faixa etária” não seja por si só condicionadora do fenômeno. Naturalmente, essa variável está associada a uma rede de fatores sociais, tais como: grau de escolaridade, grau de formalidade da situação comunicativa, os papéis sociais dos indivíduos reunidos nessas faixas etárias (mais ou menos diversificados), seu acesso a diferentes mídias de informação e diversificadas redes de comunicação, entre várias outras possibilidades, e a fatores de natureza pragmático-discursiva, como a necessidade de alcançar determinada nuance semântica com o uso de uma determinada forma 108 . o Para estudo da amostra obtida em textos jornalísticos (notícias, editoriais, crônicas e artigos de opinião) H) Fontes dos textos jornalísticos (Extra; O Povo; O Globo; Jornal do Brasil) Tendo em vista que tais jornais têm como público-alvo camadas distintas da sociedade, acredita-se que, em jornais considerados mais populares 109 (Extra e O Povo), a produtividade de perífrases será maior em comparação com aqueles conhecidos como menos populares (O Globo e Jornal do Brasil), pois, provavelmente, os escritores nestes preocupem-se mais, do 108 A análise da faixa etária sob um prisma mais amplo pode seguir a linha de raciocínio detectada nas considerações de PAIVA (2003), que discute a pertinência da variável sexo. A autora cita diversas pesquisas em que é possível notar um conjunto de fatores que co-atuam, no fenômeno de concordância verbal, com esta variável, tais como: classe social, faixa etária, mercado ocupacional, formalidade do discurso e, até mesmo, o papel social que homens e mulheres desempenham na sociedade. 109 Para separar os jornais nos dois grupos – mais populares e menos populares –, utilizou-se como critério o acesso dos indivíduos a esses jornais, que está associado a seus preços. Entende-se que O Globo atende a um público-leitor de maior poder aquisitivo (R$ 2,00), enquanto pessoas de menor poder aquisitivo recorrem aos jornais cujos preços são mais acessíveis – Extra (R$ 1,00) e O Povo (R$ 0,50). Apesar de o preço do Jornal do Brasil (R$ 1,00) ser considerado acessível, há alguns anos, seu público consumidor mantém-se distinto do público do jornal Extra, talvez em razão do enfoque de temas que historicamente caracterizou aquele e que, se imagine, não tenha mudado. 232 que os daqueles, em seguir normas estabelecidas por manuais de redação (cf. seção 6.1) e em demonstrar riqueza vocabular. Com o intuito de o fazerem, supõe-se que reduzam o emprego repetitivo de verbos, particularmente daqueles que são empregados em múltiplas funções, como é o caso do verbo dar. Desse modo, evitarão recorrer a expressões com verbo-suporte. 5.3.2 Os resultados da análise A análise sociofuncionalista da alternância de predicadores complexos com dar e predicadores simples equivalentes baseia-se fundamentalmente em duas análises multivariadas binárias que abarcam as ocorrências de todos os corpora investigados 110 : (i) uma em que todos os dados são considerados (com e sem nuance semântica) e (ii) outra em que se consideram apenas ocorrências sem nuance semântica. Como os dados da pesquisa pertencem a corpora diversos, também foram realizadas rodadas levando-se em conta apenas (a) dados do projeto Discurso e Gramática, (b) dados de textos jornalísticos (notícias, editoriais, crônicas e artigos de opinião) e (c) dados de textos para avaliação (provas e redações) 111 . O valor de aplicação para todas as análises multivariadas foi a variante perífrases com dar+SN. Inicialmente, serão analisados os resultados provenientes das rodadas gerais e associados a variáveis comuns a todos os corpora (presença de nuance semântica, diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase, tipos de texto e tempo verbal). Ao longo dos comentários sobre esses resultados, para checar sua pertinência, será feita uma comparação com aqueles das rodadas específicas. Em seguida, o comportamento das demais variáveis independentes (graus de escolaridade, faixa etária e modalidade expressiva) será tratado de acordo com a rodada específica à qual pertencem. Além disso, não somente serão realizadas comparações entre pesos relativos dos níveis de análise selecionados nas rodadas, mas também serão demonstrados os resultados encontrados no primeiro nível de análise do programa Goldvarb (nível 1). Dessa forma, será possível conhecer o nível de significância das variáveis independentes e os pesos relativos relacionados a seus fatores quando a interferência 110 Por considerar as ocorrências de todos os corpora investigados, essas análises também são chamadas de rodadas gerais. 111 Essas rodadas são denominadas aqui rodadas específicas. 233 de cada uma dessas variáveis sobre a variável dependente é verificada isoladamente pelo programa computacional 112 . O tabela a seguir demonstra a quantidade de dados pertencente a cada rodada 113 , seus respectivos índices de input 114 e de significância 115 . Rodadas gerais Informações das rodadas Inputs Níveis de significância Produtividade Rodadas específicas D&G Rodadas específicas Textos jornalísticos Rodadas específicas Textos para avaliação Com Dados todos os SEM dados nuance Com todos os dados Dados SEM nuance Com todos os dados Dados SEM nuance Com todos os dados Dados SEM nuance .07 .06 .13 .11 .04 .03 .05 .03 0,026 0,047 0,018 0,028 0,018 0,040 0,000 0,017 P: 137 p:1704 P: 71 p: 1672 P: 73 p: 465 P: 34 p: 449 P: 51 p: 1019 P: 32 p: 1009 P: 13 p: 220 P: 5 p: 214 Tabela 59: Número de dados e índices de input e significância encontrados em todas as rodadas Considera-se que os níveis de significância de todas as rodadas estão dentro do padrão estatístico aceitável segundo o tratamento quantitativo baseado no programa Goldvarb (2001), que vai de 0,000 até 0,05. Uma das rodadas, a que abarcou dados com e sem nuance de textos para avaliação, chegou a alcançar o melhor nível (.000). As rodadas em que se consideram todos os dados (com e sem nuance semântica) também apresentam níveis de significância bem próximos de .000. Quanto à quantidade de dados encontrada, há um número bastante significativo de predicadores simples em todas as amostras, se comparado ao de perífrases com dar + SN. A baixa produtividade de predicadores simples em relação aos predicadores complexos, provavelmente, ocasionou um baixo nível geral de uso (um input mais próximo de zero do que de um) da variante definida como valor de aplicação (perífrases com dar + SN) em todas as rodadas realizadas. 112 A ordem de seleção das variáveis em todas as rodadas, bem como a sistematização dos resultados encontrados são apresentados no item 5.3.2.9. 113 P significa: perífrases dar + SN, enquanto p significa verbos plenos simples cognatos. Essas são as variantes da variável dependente. 114 O input demonstra o índice geral de uso de uma das variantes da variável dependente (no caso, a variante “perífrases com dar + SN”) e foi extraído do nível zero de análise do programa computacional. 115 O grau de significância exposto foi extraído do nível selecionado, pela rodada, como o “melhor” (contém os grupos de fatores mais significativos) 234 Nota-se que, quando os dados com nuance semântica especial são considerados, os índices de input são um pouco mais altos. A tabela 60 apresenta a comparação do valor de input geral pertencente às análises multivariadas (rodadas) com os dos níveis selecionados nessas análises. Aqueles são, em geral, um pouco mais elevados que estes, mas ambos podem ser considerados baixos. Rodadas gerais Informações das rodadas Input geral Input do nível selecionado na rodada Rodadas específicas D&G Com Dados todos SEM nuance os dados Com todos os dados Dados SEM nuance .07 .06 .13 .04 .06 .08 Rodadas específicas Textos jornalísticos Rodadas específicas Textos para avaliação Com Dados todos os SEM nuance dados Com todos os dados Dados SEM nuance .11 .04 .03 .05 .03 .07 .01 .02 .01 .01 Tabela 60: Índices de input encontrados no nível zero e no nível selecionado nas rodadas Os resultados descritos levam à constatação de que o emprego de predicadores simples é mais produtivo, em termos de distribuição de dados nas amostras analisadas e de probabilidade, do que o uso de predicadores complexos com verbo-suporte dar, fato que sinaliza uma situação de regra quase categórica (LABOV, 2003) de emprego de verbos predicadores. Não obstante, a análise das variáveis independentes revelará que não se trata de fato generalizado em todos os contextos. Há fatores que promovem a utilização das perífrases. 5.3.2.1 Atuação da variável presença de nuance semântica Rodada geral (resultados do nível selecionado) Perífrases dar+SN Oco/Total Percentagem Peso Relativo Predicadores simples Sem diferença semântica 71/1781 5% Com alguma diferença semântica 137/154 89% .47 .97 1687/1781 95% 17/154 11% Tabela 61: Atuação da variável presença de nuance semântica Os resultados percentuais da tabela acima demonstram que, para marcar alguma nuance especial de sentido, o falante utiliza, com mais freqüência (89%), perífrases com o verbo-suporte dar (dar um abraço apertado) em vez de recorrer aos verbos predicadores de sentido equivalente (abraçar). A análise probabilística também corroborou esse resultado, demonstrando que os falantes tendem a empregar perífrases para expressar “alguma diferença 235 de sentido” (.97). Além disso, se não há nuance de sentido especial a ser alcançada, a tendência ao emprego de perífrases e predicadores simples é basicamente a mesma, devido ao fato de o peso relativo ficar próximo a .50 (cf. tabela abaixo). Segue, abaixo, a tabela comparativa entre pesos relativos em relação ao emprego das perífrases, considerando todas as rodadas realizadas e os encontrados no primeiro nível das análises: RODADAS Nível selecionado (0,026) .47 Com alguma diferença semântica .97 Nível 1 (0,000) .47 .96 Nível selecionado (0,018) .47 .82 Nível 1 (0,000) .47 .89 Nível selecionado (0,018) 47 .99 Nível 1 (0,000) .48 .99 Nível selecionado (0,000) .45 .99 Nível 1 (0,000) .46 .97 (dados com e sem nuance semântica) Geral D&G Textos jornalísticos Textos para avaliação Sem qualquer diferença semântica Tabela 62: Pesos relativos da variável presença de nuance semântica em relação a perífrases dar+SN em cada uma das rodadas Os pesos relativos presentes nos primeiros níveis de análise, que considera as variáveis isoladamente, assemelham-se aos pesos relativos do nível selecionado. Estes corroboram aqueles. Os pesos relativos referentes aos fatores da variável presença de nuance semântica praticamente mantiveram-se. Conclui-se que, independentemente do corpus utilizado, quando o falante necessita veicular alguma nuance de sentido especial, a tendência ao emprego de perífrases é bastante alta (podendo variar entre .88 a .99, a depender da amostra). Quando os dados de formas verbais simples e complexas não apresentam matizes de sentido distintas, configura-se uma situação de relativa neutralidade (com pesos relativos que variam entre .46 e .48) quanto ao favorecimento do uso de perífrases. Destaca-se que o emprego de perífrases para indicar intenções comunicativas específicas, em geral, ocorre pelo fato de essas construções permitirem mudança em sua configuração sintática, ou seja, possibilitarem a inserção de elementos que promovem uma alteração de sentido, ainda que sutil. Decidiu-se, então, analisar a relação entre as perífrases encontradas no corpus, sua configuração sintática e a presença ou não de nuance semântica. 236 Especial. Foram investigados dados em que o nome não vem acompanhado por qualquer outro elemento (“nome isolado”) e dados com as seguintes configurações (as que foram encontradas nas amostras): (i) artigo indefinido ou definido com valor genérico, (ii) artigo definido, (iii) modificador intensificador e (iv) modificadores qualificativo ou quantificador (antecedidos ou não de artigo). SEM NUANCE SEMÂNTICA ESPECIAL o Nome “isolado” [Oco/Total – Percentagem (43/71 - 60%)] COM NUANCE SEMÂNTICA ESPECIAL o Artigo indefinido/definido genérico [Oco/Total – Percentagem (26/137 - 19%)] (Ex.:196) Nossos pós-graduados que não têm (Ex.:199) Dei uma rezadinha, encomendando condições financeiras para dar continuidade a minha alma via São Lourenço. [O Globo, Artigo de seus estudos (...). [JB, 02-06-03, Opinião] opinião, 03-11-02] o Artigo indefinido/definido genérico o Modificador intensificador [Oco/Total – Percentagem (26/71 - 37%)] [Oco/Total – Percentagem (64/137 - 47%)] (Ex.:197) O presidente telefonou para dar os (Ex.:200) Ela dá mais valor a assuntos de pouco interesse. [PB escrito, D&G] parabéns a FH. [PB escrito, notícia, O Globo] o Artigo definido [Oco/Total – Percentagem (2/71 - 3%)] (Ex.:198) Era a minha tia dando a notícia de que o avô tinha morrido. [PB escrito, D&G, 4ª série do E.F] o Modificador qualificativo ou quantificador, antecedido ou não de artigo [Oco/Total – Percentagem (47/137 - 34%)] (Ex.:201) Você pode dar uma boa educação [PB oral, D&G, Último período do E.S. , Relato de opinião] Tabela 63: Tabulação cruzada entre presença de nuance semântica e configuração sintática das perífrases Percebe-se que, quando a configuração sintática das perífrases é mais restrita, ou seja, não há elementos intervenientes entre os seus componentes ou apenas elementos com caráter [-determinante], geralmente essas construções não transmitem qualquer nuance de sentido distinta da do verbo predicador correspondente (cf. percentuais em negrito de dados sem nuance semântica especial). Diferentemente, em geral, as perífrases que apresentam elementos intervenientes ou adjacentes ao SN que tenham caráter [+determinante] veiculam alguma nuance de sentido não alcançada pelos verbos plenos correspondentes116 (cf. percentuais em negrito de dados com nuance semântica especial). 116 Na seção da dissertação que versa sobre testes de atitude, há diversos comentários de falantes acerca de algumas ocorrências que geram nuances de sentido especiais. 237 5.3.2.2 Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase Nenhuma (dados de todos os corpora) Diferença Oco/Total Percentual 33/128 25% 48/709 6% 31/751 4% 8/218 3% 1 sílaba a mais para o verbo predicador 13/27 48% Peso Relativo .84 .52 .42 .33 .96 95/128 75% 661/709 93% 720/751 96% 210/218 97% 14/27 52% Rodada geral Perífrases dar+SN Predicadores simples 1 sílaba a mais para a perífrase 2 sílabas a 3 sílabas a mais mais para a para a perífrase perífrase Tabela 64: Atuação da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase Em geral, a produtividade de predicadores simples é bem maior do que a de perífrases dar + SN, particularmente nos contextos apresentados nas quatro primeiras colunas referentes a fatores (nenhuma diferença entre o número de sílabas do verbo e da perífrase – dar tiros/atirar –; 1 sílaba a mais para a perífrase – dar saltos/saltar –; 2 sílabas a mais para a perífrase – dando preferência/preferindo –; e 3 sílabas a mais para a perífrase – dando consentimento/consentindo). Esses resultados modificam-se quando a diferença da extensão silábica é de uma sílaba a mais para o predicador simples (dar valor/valorizar). Neste contexto, a produtividade de perífrases e formas verbais simples, em termos de distribuição percentual, é semelhante (diferença apenas de 4%). Observa-se que os maiores índices probabilísticos relacionados à tendência de uso das perífrases ocorrem quando elas são menores em extensão do que o verbo predicador correspondente (uma sílaba a mais para o verbo predicador – .96) e quando essa diferença não existe (.84). A tendência ao emprego de perífrases e predicadores simples é semelhante (.52) quando a diferença entre o número de suas sílabas é um pouco maior para a perífrase. Diferentemente, a tendência ao emprego de perífrases diminui à medida que a diferença de extensão entre predicadores complexos e simples aumenta (duas sílabas a mais para a perífrase – 0.42 – e três sílabas a mais para a perífrase – 0.33). A seguir, encontra-se a tabela para comparação entre pesos relativos indicados nos níveis selecionados em todas as rodadas realizadas e pesos relativos presentes no nível 1 de análise: 238 Nenhuma 1 sílaba 2 sílabas 3 sílabas Diferença a mais para a a mais para a mais para perífrase a perífrase a perífrase RODADAS 1 sílaba a mais para o verbo .84 .52 .42 .33 .96 .84 .53 .40 .36 .93 .86 .51 .42 .34 .96 Nível 1 (0,000) .86 .54 .39 .35 .93 D&G (dados com e sem nuance .76 .51 .42 .15 .96 .80 .54 .38 .19 .93 .77 .51 .40 .18 .96 Nível 1 (0,000) .79 .47 .37 .23 .92 Textos jornalísticos (dados com e sem .88 .46 .40 .39 .98 .86 .48 .39 .28 .97 .87 .46 .37 .35 .98 Nível 1 (0,000) .87 .47 .36 .31 .97 Textos para avaliação (dados com e .96 .55 .43 .21 .92 Nível 1 (0,008) .89 .48 .42 .27 .87 Textos para avaliação (dados sem .89 .52 .35 .95 .91 .50 .37 .87 Geral (dados com e sem nuance semântica) (0,026) Nível 1(0,000) Geral (dados sem nuance semântica) (0,047) semântica) (0,018) Nível 1 (0,000) D&G (dados sem nuance semântica) (0,028) nuance semântica) (0,018) Nível 1 (0,000) Textos jornalísticos (dados sem nuance semântica) (0,040) sem nuance semântica) (0,000) nuance semântica) (0,017) Nível 1 (0,001) Tabela 65: Pesos relativos da variável diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase em todas as rodadas Os resultados das demais rodadas e do primeiro nível de análise corroboram os da rodada geral, que levou em consideração as ocorrências coletadas em todos os corpora (cf. valores da segunda linha da tabela). Em negrito, grifaram-se os pesos relativos dos contextos que mais influenciam no emprego de perífrases dar + SN (nenhuma diferença e uma sílaba a mais para o verbo pleno); sublinhados estão aqueles pertencentes ao contexto neutro, ou seja, ambiente que influencia o uso de perífrases e verbos plenos na mesma proporção (uma sílaba a mais para a perífrase); e, em itálico, encontram-se os contextos que menos influenciam a escolha dos falantes por perífrases (duas ou três sílabas para a perífrase). Constata-se, então, a hipótese de que o emprego de perífrases tende a ser maior quando não há diferença de extensão silábica em relação ao verbo predicador e, principalmente, quando a perífrase apresenta menor extensão silábica. 239 5.3.2.3 Atuação da variável tipos de textos Rodada geral 117 Narrativas de Narrativas Relatos Notícias Editoriais Crônicas de (dados de todos os corpora) experiência recontadas pessoal opinião 7/124 13/128 4/60 16/123 11/331 5/210 Oco/Total 5% 11% 7% 13% 3% 2% Perífrases % dar+ SN Peso .49 .74 .62 .76 .41 .34 Relativo 117/124 115/128 56/60 107/123 320/331 205/210 95% 89% 93% 87% 97% 98% Predicadores simples Artigos de opinião 19/406 4% .52 387/406 96% Tabela 66: Atuação da variável tipos de textos Perífrases dar+ SN Redações Provas Oco/Total Percentual 8/117 6% 5/116 4% Peso Relativo .39 .29 109/117 93% 111/116 96% Predicadores simples Tabela 66: (continuação): Atuação da variável tipos de textos Quanto à distribuição percentual, em todos os tipos de textos investigados, encontra-se maior freqüência de predicadores simples. Os índices probabilísticos demonstram que, em narrativas de experiência pessoal e em artigos de opinião, a tendência ao emprego de predicadores simples e complexos é semelhante (com pesos relativos próximos de .50). Em narrativas recontadas, relatos de opinião e notícias, a tendência ao uso de perífrases dar+SN pode ser considerada alta. Não se esperava tal resultado nas notícias, pois se supunha que autores de textos jornalísticos e escolares, de maneira geral, demonstrariam maior inclinação ao emprego de predicadores simples, evitando naturalmente as perífrases, devido, possivelmente, a recomendações 118 de manuais de redações e/ou de professores quanto à necessidade de empregar itens verbais variados para demonstrar riqueza vocabular e para evitar a repetição de verbos (no caso, do verbo dar) que constituem predicadores complexos. A única rodada da amostra oriunda do projeto D&G que selecionou a variável tipo de texto foi a que abarcou dados com e sem nuance semântica especial. Constam, na tabela 117 Decidiu-se, na codificação dos dados referentes a essa rodada geral, não ler/considerar as narrativas de experiência pessoal, as narrativas recontadas e os relatos de opinião orais. Assim sendo, procedeu-se à comparação de dados provenientes de tipos de texto distinto, mas pertencentes à mesma modalidade. 118 Para checar mais detalhes quanto a essas recomendações, cf. seção 6.6. 240 abaixo, os pesos relativos do nível selecionado na rodada geral, na rodada específica D&G e do primeiro nível de análise: RODADAS Narrativas de experiência pessoal Narrativas recontadas Relatos de opinião .49 .53 .74 .77 .62 .64 (dados com e sem nuance semântica) Nível selecionado (0,018) .38 .70 .49 Nível 1(0,040) .42 .61 .50 GERAL (dados de todos os corpora ) Nível selecionado (0,026) Nível 1 (0,000) RODADA D&G Tabela 67: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral e na rodada D&G (dados de com e sem nuance semântica) Os pesos relativos pertencentes ao primeiro nível de análise são semelhantes aos encontrados no nível selecionado pelo programa, confirmando-os. Comparando os índices probabilísticos da rodada específica com os dados da amostra D&G com os da rodada geral, percebe-se que a tendência ao uso de perífrases em narrativas de experiência pessoal diminuiu (de .49 para .38) e que, nos relatos de opinião, a tendência ao emprego dessas formas deixou de ser alta (.62) para ser semelhante à inclinação pelo uso de predicadores simples (peso relativo .49, próximo ao ponto neutro .50). Essa diferença de resultados atesta a necessidade de separação de dados em função do corpus na investigação do fenômeno de alternância em foco. Não se confirma, então, a hipótese de que, nesses textos, a tendência ao uso de perífrases seria maior por não serem submetidos à avaliação. Na verdade, há tendência, mesmo nesses textos, ao emprego de predicadores simples. A alta tendência ao emprego de perífrases nas narrativas recontadas foi mantida (de fato, apenas houve uma discreta diminuição de .74 para .70). A fim de buscar justificativas para esse resultado distinto, procedeu-se a tabulações cruzadas 119 entre a variável tipos de texto e as demais. Os resultados mais relevantes foram obtidos com a associação entre tipos de texto e presença de nuance semântica: 119 Denominam-se tabulações cruzadas as relações que podem ser feitas entre dois grupos de fatores para depreender como os fatores co-atuam nas ocorrências sob análise. 241 RODADA com a amostra D&G Narrativas de experiência pessoal Narrativas recontadas Relatos de opinião Perífrases dar + SN Predicadores simples Perífrases dar + SN Predicadores simples Perífrases dar + SN Predicadores simples Com nuance semântica especial 3/7 43% 4/7 57% 10/14 71% 4/14 29% 4/9 45% 5/9 55% Sem nuance semântica 4/117 3% 113/117 97% 3/114 3% 111/114 97% 0/51 0% 51/51 100% Tabela 68: Tabulação cruzada entre tipos de texto (D&G) e presença de nuance semântica Conforme se visualiza na tabela 68, em narrativas de experiência pessoal, encontram-se 14% a mais de predicadores simples com alguma nuance semântica especial, o que, provavelmente, acarretou uma tendência relativamente baixa (.38) ao emprego de predicadores complexos nesse tipo de texto. (Ex.:202) Quando o ônibus foi chegando, nós também íamos chegando no ponto e foi aquela correria para não perdermos o ônibus. Eu gritava muito chamando os amigos e tentando segurar o motorista parado até o último amigo subir. [PB escrito, D&G, 3° ano do E.M., Narrativa de experiência pessoal, idade: 17, inf. 11] (Ex.:203) Eu poderia pular a aranha, mas tinha medo de dar um pulo curto ou errado e pisar em cima da aranha.[PB escrito, D&G, 8ª série do E.F., Narrativa de experiência pessoal, idade: 14 anos, inf. 35] Nos relatos de opinião, o percentual de predicadores simples e o de compostos que veiculam alguma nuance semântica são semelhantes (diferença de apenas 10%, o que, possivelmente, acarreta a tendência ao emprego de ambas as variantes (.49, próximo ao peso neutro .50). (Ex.:204) eu acho muito legal... porque os meus/ legal os meus amigos... porque eles sempre me dão muito ajuda quando eu... quando eu me machuco... e também me levam pra... enfermaria (...) [PB oral, D&G, CA infantil, Relato de opinião, idade: 06, inf. 89] (Ex.:205) As Nossas professoras encinam bem são boas e nos adoram assim como nós adoraMos elas. [PB escrito, D&G, 4ª série do E.F., Relato de opinião, idade: 11 anos, inf. 50] 242 Quanto aos dados pertencentes a narrativas recontadas, observa-se que, para veicular alguma diferença de sentido, os falantes optam, preferencialmente, por perífrases (71%). Esse alta produtividade parece ser o motivo pelo qual a tendência ao emprego de predicadores complexos é maior (.70) nesse tipo de texto do que nos demais. (Ex.:206) (...) e o rapaz saiu logo depois... saiu dando muito tiro... saiu pra matá-lo... lá fora... e... e nisso o motorista fecha a porta... ela disse “espera aí...” que ela teve que fazer força com a porta... todo mundo ajudar pra poder sair... porque se fosse todo mundo pra delegacia... isso já eram oito e pouco da noite... entendeu? [PB oral, Discurso e Gramática, CA supletivo, Narrativa recontada, inf. 77] (Ex.:207) eu caí no chão... fiquei com a cara... toda arranhada... aí meu pai/ aí minha mãe chegou em casa... (...) minha mãe telefonou rápido pro meu pai... meu pai quando chegou... ficou nervoso em casa... [PB oral, D&G, 4ª série do E.F., Narrativa recontada, idade: 9 anos, inf. 37] Por fim, é possível afirmar que, em geral, quando os falantes não têm necessidade de alcançar alguma nuance de sentido especial optam por verbos plenos (cf. percentuais em negrito da quarta coluna). Das duas rodadas realizadas com dados provenientes de textos jornalísticos, somente a rodada em que se analisam conjuntamente dados sem e com nuance semântica especial selecionou a variável tipo de texto. Para a comparação das duas rodadas (geral e específica, esta com base na amostra de “textos jornalísticos”) e para a checagem do comportamento dos fatores no primeiro nível de análise, fez-se a seguinte tabela: RODADAS Notícias Editoriais Crônicas Artigos de opinião Nível selecionado (0,026) .76 .41 .34 .52 Nível 1(0,000) .66 .35 .27 .47 .81 .42 .33 .54 Geral (dados com e sem nuance semântica ) Textos jornalísticos (dados com e sem nuance semântica ) Nível selecionado (0,018) Nível 1(0,002) .53 .77 .44 .35 Tabela 69: Pesos relativos da variável tipos de texto na rodada geral (dados com e sem nuance semântica) e na rodada com a amostra de “textos jornalísticos” (dados com e sem nuance semântica) Os pesos relativos obtidos no primeiro nível de cada rodada são relativamente semelhantes aos indicados no nível selecionado pelo programa, se se considerarem as 243 tendências quanto à influência desses fatores sobre o emprego da variante dar + SN. Em crônicas e em editoriais, a tendência ao emprego de perífrases mostra-se relativamente baixa nas duas rodadas (rodada geral – crônicas: .34 e editoriais: .41; rodada específica com textos jornalísticos – crônicas: .33 e editoriais: .42). Nos artigos de opinião, nas duas rodadas, a tendência ao uso de predicadores simples e complexos é semelhante, estando os pesos relativos próximos a .50 (cf. índices sublinhados). Acredita-se que a baixa tendência ao uso de perífrases em editoriais e crônicas se deva não somente ao fato de serem textos submetidos à publicação. Na verdade, esses tipos de texto exigem o comprometimento dos autores de expor a opinião do jornal (no caso, os editoriais) e de envolver o púbico-leitor em temas que lhe interessem (no caso, as crônicas). Por isso, acredita-se que os autores de textos com tais configurações estão mais atentos a recomendações de natureza normativa referentes ao emprego vocabular, tais como evitar repetições com verbos que formam perífrases que podem ser substituídas por outros itens verbais, no intuito de demonstrar riqueza vocabular. Para checar a hipótese de que a presença de nuance semântica especial acarreta os altos índices probabilísticos referentes ao uso de perífrases nas notícias, na rodada em que são considerados todos os dados jornalísticos, recorreu-se à tabulação cruzada entre tipos de texto e presença de nuance semântica: RODADA com a amostra D&G (dados com e sem nuance semântica) Notícias Perífrases dar + SN Predicadores simples Editoriais Perífrases dar + SN Predicadores simples Crônicas Perífrases dar + SN Predicadores simples Artigos de opinião Perífrases dar + SN Predicadores simples Com nuance semântica especial 11/11 100% 0/11 0% 3/7 43% 4/7 57% 0/2 0% 2/2 100% 5/9 55% 4/9 45% Sem nuance semântica 5/112 4% 107/112 96% 8/324 2% 316/324 98% 5/208 2% 203/208 98% 14/397 4% 383/397 96% Tabela 70: Tabulação cruzada entre tipos de texto (textos jornalísticos) e presença de nuance semântica 244 Em editoriais e em crônicas, o percentual de predicadores simples que veiculam nuance semântica especial é maior do que o de perífrases, o que também pode ter colaborado para a baixa tendência ao emprego de predicadores complexos com dar nesses tipos textuais em todas as rodadas (rodada geral e rodada específica considerando textos jornalísticos). Em artigos de opinião, a produtividade de perífrases e de predicadores simples que apresentam nuances de sentido é semelhante, o que, provavelmente, explicaria índices probabilísticos próximos a .50 (peso relativo neutro). Nota-se que, nas notícias, para atingir alguma diferença de sentido, os falantes recorrem ao uso de perífrases e não de predicadores simples equivalentes. O fato de o emprego das construções dar + SN ocorrer por motivações discursivas justifica o peso relativo alto (.81) encontrado na análise multivariada, que leva em conta dados com e sem nuance semântica da amostra do projeto D&G. As rodadas que contemplam somente textos para avaliação (provas e redações) não selecionaram a variável tipo de texto. 5.3.2.4 Atuação da variável tempo verbal Pres. Pret. Perf. Pret. Imp. Futuro Subjuntivo Indicativo Indicativo Indicativo Indicativo Rodada geral (do pres. + do pret.) (dados de todos os corpora) Perífrases dar+ SN Oco/Total Percentual Peso Relativo Predicadores simples 17/371 4% 45/330 13% 6/54 11% 2/34 5% 1/45 2% .44 .61 .45 .36 .28 354/371 95% 285/330 87% 48/54 89% 32/34 95% 44/44 98% Tabela 71: Atuação da variável tempo verbal Perífrases dar+SN Oco/Total Percentual Peso Relativo Predicadores simples Infinitivo 56/816 6% Gerúndio 4/156 2% Particípio 6/28 21% .53 .25 .77 760/816 94% 152/156 98% 22/28 79% Tabela 71: (continuação): Atuação da variável tempo verbal Quanto à distribuição percentual dos dados, percebe-se que os predicadores simples são mais produtivos que as perífrases em todos os tempos verbais encontrados no corpus. Os resultados probabilísticos demonstram que a tendência ao uso de perífrases é maior no particípio (.77) e no pretérito perfeito do indicativo (.61). No infinitivo, essa tendência fica 245 próxima ao ponto neutro (.50) e, nos demais tempos, é possível considerá-la baixa (cf. índices em itálico). A variável tempo verbal foi selecionada, ao todo, por cinco rodadas: (i) rodada geral que considera dados sem e com nuance semântica; (ii) rodada geral que considera apenas dados sem nuance semântica; (iii) rodada específica que considera ocorrências de textos jornalísticos com e sem nuance semântica; (iv) rodada específica que considera dados de textos jornalísticos sem nuance semântica; e (v) rodada específica com dados de provas e redações sem nuances semânticas. As rodadas realizadas com os dados da amostra do projeto D&G e a rodada com textos para avaliação com e sem nuance semântica não selecionaram a variável. A seguir, expõe-se a tabela comparativa dos pesos relativos das rodadas (primeiramente, do nível selecionado pelo programa e, em seguida, do nível 1): Pres. Ind. Pret. Perf. Indicativo Pret. Imp. Indicativo (dados com e sem nuance semântica) .44 .61 .45 .36 .53 .25 .77 .28 Nível1 (0,000) .40 .66 .51 .43 .50 .27 .79 .24 (dados sem nuance semântica) .44 .58 .47 .45 .52 .28 .82 Nível1 (0,007) .43 .64 .54 .38 .51 .31 .81 Não foram encontrados dados nesse tempo. RODADAS Futuro Ind. Infinitivo Gerúndio Particípio Subjuntivo Geral Geral Textos jornalísticos (dados com e sem nuance semântica) .36 .54 .06 .60 .27 .86 .28 Nível1 (0,023) .37 .53 .07 .62 .22 .88 .36 Não foram encontrados dados nesse tempo. Textos jornalísticos (dados sem nuance semântica) .36 .53 Nível1 (0,013) .40 .53 Textos para avaliação (dados sem nuance semântica) .76 .33 Nível1 (0,028) .73 .34 Não foram encontra dos dados nesse tempo. Não foram encontra dos dados nesse tempo. .58 .24 .85 .59 .28 .90 .26 Não foram encontrados dados nesse tempo. .29 Tabela 72: Pesos relativos da variável tempo verbal nas rodadas gerais, nas rodadas com a amostra de textos jornalísticos e na rodada com a amostra de textos para avaliação (dados sem nuance semântica) 246 Os pesos relativos pertencentes aos primeiros níveis de análises são semelhantes aos encontrados no nível selecionado em cada rodada. Isso significa que o grupo de fatores tempo verbal se comporta de forma bastante semelhante tanto na análise que leva em conta a coatuação de variáveis (no nível selecionado) quanto na análise em que o grupo é tratado isoladamente (nível 1). Como é possível visualizar no tabela 72, os pesos relativos relacionados aos fatores das rodadas gerais são semelhantes entre si (cf. comentários sobre a tabela 71). Nas rodadas em que se levam em conta apenas dados de jornais, diferentemente do que ocorre nas rodadas gerais, há uma diminuição nos pesos relativos referente ao pretérito perfeito, que passam a índices considerados neutros (.54 – rodada com dados sem e com nuance semântica – e .53 – rodada com dados sem nuance semântica). Isso significa que, na verdade, esse tempo verbal (pretérito do indicativo) não deve ser considerado um contexto que possibilita maior propensão ao uso de perífrases. Outra diferença nos resultados probabilísticos refere-se aos índices referentes ao infinitivo. Enquanto as rodadas gerais revelam tendências ao emprego de predicadores complexos com dar bastante semelhantes (.53 – rodada com dados sem e com nuance semântica – e .52 – rodada com dados sem nuance semântica) e a rodada específica com dados de redações e provas evidenciam pesos bem baixos (.26/.29), nas análises que consideram dados de textos jornalísticos, os pesos relativos são relativamente altos (.60 – rodada com dados sem e com nuance semântica – e .58 – rodada com dados sem nuance semântica). A tendência ao emprego de perífrases no particípio mantém-se bastante elevada nas rodadas com textos jornalísticos (.86 – rodada com dados sem e com nuance semântica – e .85 – rodada com dados sem nuance semântica). Este tempo verbal não ocorreu em dados pertencentes ao corpus de textos para avaliação. Na rodada que abarca baseada em textos para a avaliação, os pesos relativos referentes ao presente do indicativo (.76) não se apresentam baixos ou com um valor neutro (próximo ao .50), como esperado. A variável tempo verbal talvez não seja condicionadora do fenômeno por si só; isto é, os motivos pelos quais alguns tempos verbais apresentam pesos relativos elevados podemdevem estar relacionados à co-atuação de outra(s) variável(is) independente(s). Para verificar essa hipótese, recorreu-se a tabulações cruzadas entre a variável tempo verbal e as demais. Constatou-se, com os resultados das tabelas 73 e 74, que a maioria das perífrases que estão no infinitivo e no particípio pertencentes às duas rodadas dos textos jornalísticos e a maior parte 247 das perífrases no presente submetidas à rodada dos textos para avaliação (ocorrências sem nuance semântica) apresentam extensão silábica favorável a seu emprego (mesma extensão silábica do predicador, cf. percentuais em negrito, e uma sílaba a menos que o predicador, cf. percentuais em itálico). RODADAS Textos jornalísticos (dados com e sem nuance semântica) Textos jornalísticos (dados sem nuance semântica) Contextos (extensão silábica) Infinitivo Particípio 1 sílaba a menos para a perífrase 6/25 24% — Nenhuma diferença 11/25 44% 3/4 75% 1 sílaba a mais para a perífrase 4/25 16% 1/4 25% 2 ou mais sílabas para a perífrase 4/25 16% — 1 sílaba a menos para as perífrases 4/19 21% — Nenhuma diferença 10/19 53% 3/4 75% 1 sílaba a mais para a perífrase 3/19 16% 1/4 25% 2 ou mais sílabas para a perífrase 2/19 11% — Tabela 73: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e da perífrase e tempo verbal (apenas textos jornalísticos) RODADA Contextos Presente (extensão silábica) Textos para avaliação (dados sem nuance semântica) 1 sílaba a menos para as perífrases 3/4 75% Nenhuma diferença — 1 sílaba a mais para a perífrase — 2 ou mais sílabas para a perífrase 1/4 25% Tabela 74: Tabulação cruzada entre diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e da perífrase e tempo verbal (apenas textos para avaliação) 248 5.3.2.5 Atuação da variável graus de escolaridade (Apenas dados do corpus D&G e do corpus “textos para avaliação”) RODADA GERAL (dados de corpora) todos CA CA 8/29 27% .97 4a SÉRIE E.F 8a SÉRIE E.F. 10 ÚLTIMO 30 ANO E.M. PERÍODO PERÍODO E.S. E.S. 8/27 29% 15/186 8% 29/148 19% 14/171 8% 4/28 14% 8/182 4% .79 .71 .64 .34 .82 .43 os INFANTIL SUPLETIVO Perífrases Oco/Total dar+SN Percentual Peso Relativo Predicadores Simples 21/29 73% 19/27 171/186 119/148 157/171 24/28 71% 92% 81% 92% 86% Tabela 75: Atuação da variável graus de escolaridade 174/182 96% A tabela 75 demonstra que, em relação à distribuição dos dados em todos os corpora, predicadores simples são mais freqüentes em todos os níveis de escolaridade. Quanto à tendência ao uso de perífrases dar + SN, observa-se que os maiores pesos relativos se encontram nas primeiras séries da trajetória escolar (C.A infantil – .97, C.A supletivo – .79 e 4ª série – .71), na 8ª série (.64) e no primeiro período da universidade (.82). Registra-se a menor tendência de emprego dessas construções no 3° ano do Ensino Médio (.34) e no último período do Ensino Superior (.43). A rodada com textos para avaliação (redações e provas) não selecionou a variável. Além da rodada geral com todos os dados, essa variável também foi selecionada na rodada geral em que se levaram em conta apenas dados sem nuance semântica e nas rodadas específicas que consideraram dados da amostra do projeto D&G. Na tabela 76, apresentam-se os pesos relativos referentes às rodadas, considerando-se os pesos relativos do nível de seleção e o primeiro nível de análise de cada rodada. 249 CA Infantil CA Supletivo 4a Série 8a Série Geral (dados com e sem nuance .97 .79 .71 .64 .34 .43 Nível 1 (0,000) .80 .79 .69 .59 .35 .38 Geral (dados sem nuance semântica) Nível 1 (0,000) .86 .76 .85 .77 .63 .58 .74 .70 .16 .24 .21 .31 D&G (dados com e sem nuance .89 .80 .62 .73 .23 .27 .82 .76 .66 .77 .30 .35 .81 .73 .75 .68 .62 .67 .71 .77 .17 .20 .15 .19 RODADAS semântica) 120 30 Ano Último E.M. Período E.S. semântica) Nível 1 (0,000) D&G (dados sem nuance semântica) Nível 1 (0,000) Tabela 76: Pesos relativos da variável graus de escolaridade nas rodadas gerais e nas rodadas D&G escolaridade Ao ser verificada isoladamente (no primeiro nível de análise), a variável graus de escolaridade apresenta pesos relativos semelhantes aos detectados no nível selecionado nas rodadas. Na tabela 76, nota-se que, assim como nas rodadas gerais, nas rodadas específicas referentes ao corpus D&G, a tendência ao emprego de perífrases é alta em todos os níveis investigados (cf. índices em negrito), exceto no terceiro ano do Ensino Médio e no último período do Ensino Superior (cf. índices em itálico). A fim de conhecer melhor a natureza desses dados, tabulações cruzadas entre a variável graus de escolaridade e as demais foram feitas. Detectou-se que os resultados podem ter sido influenciados pela relação desse fator com as variáveis presença de nuance semântica e modalidade expressiva. 120 Para a comparação entre as rodadas, o 1° período do Ensino Superior não foi incluído no quadro, pois somente foi selecionado na rodada geral (dados com e sem nuance semântica), como pode ser verificado na tabela 76. 250 Perífrases CA infantil Predicadores Simples CA supletivo Perífrases Predicadores Simples Perífrases 4ª série Predicadores Simples Perífrases 8ª série Predicadores Simples 3ª série Perífrases Predicadores Simples Último período do Ensino Superior Perífrases Predicadores Simples Com nuance semântica 2/2 100% 0/2 0% Sem nuance semântica 6/27 22% 21/27 78% 4/6 67% 2/6 33% 4/21 19% 17/21 81% 10/11 91% 1/11 9% 5/175 3% 170/175 97% 15/16 94% 1/16 6% 12/74 16% 62/74 84% 7/13 54% 6/13 46% 1/99 1% 98/99 99% 1/1 100% 0/1 0% 6/93 6% 87/93 94% Tabela 77: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra D&G) A tabela 77 confirma, mesmo com poucos dados distribuídos pelos fatores, que a freqüência de verbos plenos é maior quando não há necessidade de veicular nuance semântica. Diferentemente, a produtividade das perífrases é maior quando nelas há alguma nuance de sentido especial. Em outras palavras, normalmente, falantes de diferentes níveis de escolaridade recorrem a construções com dar + SN, devido à necessidade de alcançar alguma diferença de sentido, ainda que sutil em relação ao predicador simples equivalente. Logo, a variável social clássica graus de escolaridade foi selecionada devido à co-atuação da variável presença de nuance semântica. Esse resultado colabora para sinalizar o fato de o estudo sobre alternância entre predicadores complexos com dar e verbos plenos cognatos dever ser orientado levando-se em consideração que os falantes recorrem às perífrases por motivações de natureza semântico-discursiva. 251 A relação entre graus de escolaridade e modalidade expressiva consta na tabela a seguir: Fala CA infantil Escrita CA supletivo Fala Escrita Fala 4ª série EF Escrita Fala 8ª série EF 3ª série EM Escrita Fala Escrita Último ano do Ensino Superior Fala Escrita Perífrases 5/8 63% 3/8 37% Predicadores Simples 4/8 50% 4/8 50% 10/19 53% 9/19 47% 10/15 67% 5/15 33% 80/171 47% 91/171 53% 20/27 74% 7/27 26% 27/63 42% 36/63 58% 7/8 88% 1/8 12% 22/104 21% 82/104 79% 6/7 86% 1/7 14% 23/87 26% 64/87 74% 15/21 71% 6/21 29% Tabela 78: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e modalidade expressiva (apenas dados da amostra D&G) Ao longo de todos os períodos escolares investigados, em geral a produtividade de perífrases é maior na fala em comparação à que se registra na escrita. A freqüência de predicadores simples é maior na fala dos informantes pertencentes ao C.A infantil. No C.A supletivo e na 4° série, há distribuição semelhante de verbos plenos na fala e na escrita. Ressalta-se que, a partir da 8ª série, o percentual de verbos plenos aumenta na escrita, chegando a uma diferença bastante elevada (de 58%) no 3° ano do Ensino Médio. Esses resultados estão de acordo com a hipótese de que os alunos mais escolarizados, provavelmente, têm maior nível de consciência sobre o uso da língua e sobre as recomendações normativas acerca da elaboração de textos escritos, tais como demonstrar riqueza vocabular e evitar repetições de termos (verbos, no caso). Sendo assim, essa pode ser uma motivação para o emprego de verbos predicadores nessa modalidade. 252 Apesar de a rodada com textos para avaliação não ter selecionado a variável graus de escolaridade, encontra-se, a seguir, uma tabela que a relaciona com a produtividade de perífrases e predicadores simples nas provas e redações. REDAÇÕES Perífrases 8ª série Predicadores Simples Predicadores Simples 6/59 10% 53/59 90% Perífrases — Predicadores Simples — Perífrases — Predicadores Simples — Perífrases 3ª série 1° período do Ensino Superior Último período do Ensino Superior 2/58 3% 56/58 97% 5. PROVAS — — — — 4/28 14% 24/28 86% 1/88 1% 87/88 99% Tabela 79: Atuação da variável graus de escolaridade (apenas dados da amostra de textos para avaliação) A tabela anterior revela que a produtividade de predicadores simples é bem elevada em redações e provas pertencentes a todos os níveis de escolaridade investigados. Tenciona-se, com a próxima tabela, demonstrar os resultados de uma tabulação cruzada entre níveis de escolaridade e presença de nuance semântica referente aos dados que pertencem a redações e a provas. Nota-se que a maioria das perífrases empregadas nesses tipos de texto veicula alguma nuance de sentido; ou seja, há uma razão de cunho funcional/discursivo para seu emprego. 253 Predicadores Simples Com nuance especial Sem nuance 4/6 67% 2/6 33% 2/53 4% 51/53 96% Com nuance especial Sem nuance 3/4 75% 1/4 25% 0/24 0% 24/24 100% Com nuance especial Sem nuance 1/1 100% 0/1 0% 0/87 0% 87/87 100% Com nuance especial Sem nuance 8ª série 3° ano 1° período do Ensino Superior Último período do Ensino Superior Perífrases 0/2 0% 2/2 100% 1/56 2% 55/56 98% Tabela 80: Tabulação cruzada entre graus de escolaridade e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra de textos para avaliação) (Ex.:208) Sendo assim, com esses conhecimentos, as pessoas vão em busca incessantemente da sua beleza, deixando de lado o seu aprendizado, ficando mais pobres, para dar mais cuidado ao seu corpo. [PB escrito, 3ª série E.M., redação, CPII-EN-EM-3-M-007] (Ex.:209) Podemos comparar a linguagem dos textos e dar alguns exemplos, que para a norma culta “bataia” está gramaticalmente incorreto e o certo seria “batalha” (...) [PB, 1° período do E.S., prova, ES-P1-M-003] (Ex.:210) No caso da “charge”, a mãe dá uma resposta inesperada ao filho e a moral da charge é que o significado para as coisas está na cabeça de cada um, portanto, é totalmente subjetivo (...). [PB, escrito, último período do E.S., prova, ES-P7-F-012] 5.3.2.6 Atuação da variável modalidade expressiva 121 (Apenas dados do corpus D&G) Oral (D&G) Escrita (D&G) Perífrases dar+ SN 49/226 22% 24/312 8% 177/226 288/312 Predicadores 78% 92% Simples Tabela 81: Atuação da variável modalidade expressiva 121 A variável modalidade expressiva não foi selecionada nas rodadas realizadas. Portanto, somente resultados percentuais são apresentados. 254 Os resultados expostos demonstram que se registram mais predicadores simples tanto na modalidade falada quanto na modalidade escrita. Tal resultado não está em consonância com o previsto pela hipótese inicial, qual seja: a de maior incidência de predicadores complexos com dar na fala. Tinha-se a impressão de que, na fala, os usuários do Português empregariam formas analíticas e que o fato de o verbo-suporte dar ser um item gramaticalizado acarretaria maior predomínio de construções que substituíssem predicadores simples. Com o intuito de investigar a hipótese de que perífrases com nuance semântica teriam maior freqüência na oralidade, recorreu-se à tabulação cruzada entre modalidade expressiva e presença de nuance semântica. Perífrases dar + SN FALA Predicadores Simples Perífrases dar + SN ESCRITA Predicadores Simples Com nuance especial 11/16 69% 5/16 31% Sem nuance 2/8 25% 6/8 75% 22/304 7% 282/304 93% 38/210 18% 172/210 82% Tabela 82: Tabulação cruzada entre modalidade expressiva e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra D&G) A tabela 82 revela que, quando não necessitam veicular nenhuma nuance semântica, os falantes usam, com maior freqüência, predicadores simples tanto na fala (82%) quanto na escrita (93%). Ademais, a hipótese de que haveria, na fala, mais predicadores complexos com nuance semântica do que verbos plenos foi comprovada (cf. tabela 82 - 38% a mais de perífrases com nuance de sentido em relação aos casos de predicadores simples). Nota-se que, na escrita, ainda que seja para marcar alguma diferença de sentido, os falantes optam pelo verbo pleno cognato. Provavelmente, os usuários da língua buscam o emprego de diferentes itens verbais, na escrita, com o intuito de evitar repetições do verbo dos predicadores complexos e de seguir recomendações de cunho normativo que possivelmente tenham recebido por meio da escola e/ou manuais de redação. 255 5.3.2.7 Atuação da variável faixa etária (Apenas dados do corpus D&G) RODADA GERAL ATÉ 12 ANOS 13-17 ANOS 18-35 ANOS 36-55 ANOS Oco/Total Percentual 23/209 11% 26/95 27% 22/218 10% 2/16 12% Peso Relativo .63 186/209 89% .65 69/95 73% .45 196/218 90% .04 14/16 88% (dados com e sem nuance semântica especial) Perífrases dar+SN Predicadores Simples Tabela 83: Atuação da variável faixa etária Apesar de a produtividade de predicadores simples ser maior em todas as faixas etárias investigadas, a tendência ao uso de perífrases dar + SN se revela maior em faixas etárias mais jovens (até 12 anos – 0.63; de 13 aos 17 anos – 0.65). Diferentemente, a partir da faixa de 18 a 35 anos, o emprego dessas construções tende a ser proporcional ao de predicadores simples (.45 - índice próximo a .50). O peso relativo associado ao grupo de falantes mais velhos é baixíssimo (de 36 aos 55 anos – .04). Além da rodada geral que considera dados com e sem nuance semântica, a variável faixa etária foi selecionada pelas rodadas específicas que abarcam apenas dados do projeto D&G. Na tabela abaixo, encontram-se os pesos relativos pertencentes aos níveis selecionados e ao primeiro nível de análise de cada rodada. RODADAS Geral (dados com e sem nuance semântica) Nível selecionado (0,026) Nível 1 (0,000) Geral (dados sem nuance semântica) Nível selecionado (0,047) Nível 1 (0,000) ATÉ 12 ANOS 13-17 ANOS 18-35 ANOS 36-55 ANOS .63 .65 .45 .04 .66 .69 .43 .07 .56 .47 .51 .11 .58 .50 .48 .16 D&G (dados com e sem nuance semântica) Nível selecionado (0,018) Nível 1 (0,001) .58 .62 .62 .07 .60 .71 .58 .07 D&G (dados sem nuance semântica) Nível selecionado (0,028) Nível1 (0,003) .56 .60 .30 .37 .42 .44 .05 .07 Tabela 84: Pesos relativos da variável faixa etária nas rodadas gerais e nas rodadas D&G Os pesos relativos referentes aos primeiros níveis de análise são semelhantes aos valores encontrados nos níveis selecionados pelas rodadas, confirmando-os. 256 Pode-se afirmar que a tendência ao emprego de predicadores complexos com dar diminuiu na rodada na qual se descartam dados com nuances semânticas (cf. pesos relativos referentes às duas rodadas do tipo “geral”). Na rodada específica com dados da amostra D&G que leva em conta dados com e sem nuances semânticas, nota-se que os mais jovens (pertencentes às duas primeiras faixas) apresentam maior tendência ao emprego de perífrases. Uma justificativa para esse resultado talvez seja o fato de os falantes mais jovens usarem um repertório de itens lexicais menor do que o dos adultos. Esse comportamento é previsto por Martinot 122 (1996). Segundo o autor, as crianças tendem a iniciar a fala usando perífrases e, com o amadurecimento e com as experiências lingüísticas, passam a dominar um repertório maior de verbos predicadores. A tendência ao uso de perífrases por falantes mais velhos (última faixa) permanece bem baixa, como esperado. No entanto, esperava-se que essa baixa tendência seria apresentada a partir da faixa intermediária, o que não ocorreu nesse nível selecionado (.62). A rodada específica D&G em que dados com nuance semântica foram descartados demonstrou que falantes mais jovens (até 12 anos) continuam tendo inclinação ao emprego de perífrases, mesmo que essas construções não apresentem nuance semântica. Diferentemente, os pesos relativos encontrados nas faixas de 13 a 17 anos (.30) e de 18 a 35 anos (.42) revelam que a tendência ao uso de predicadores complexos com dar diminui com a retirada de dados com nuance semântica especial. Os valores em negrito da tabela 85 corroboram a hipótese de que a quantidade de perífrases com nuance semântica em relação à de verbos plenos é maior nessas faixas, o que deve ter acarretado a presença de pesos relativos relevantes (de 13 a 17 anos: .62 e de 18 a 35 anos: .62) na rodada D&G que levou em conta dados com e sem nuance semântica. 122 O autor demonstra como um dos exemplos, a seguinte fala de criança: “Mamãe deu uma palavra” (deu uma palavra = falou). No francês, essa expressão não se apresenta com dar, mas com fazer: “Maman a fait um mot” (p. 83) 257 Perífrases Até 12 anos Predicadores Simples 13-17 anos Perífrases Predicadores Simples Perífrases 18-35 anos Predicadores Simples Perífrases 36-55 anos Predicadores Simples Com nuance especial 12/13 93% 1/13 7% Sem nuance 16/17 94% 1/17 6% 10/78 13% 68/78 87% 10/14 71% 5/14 29% 12/203 6% 191/203 94% 1/2 50% 1/2 50% 1/14 7% 13/14 93% 11/196 6% 185/196 94% Tabela 85: Tabulação cruzada entre faixa etária e presença de nuance semântica (apenas dados da amostra D&G) A hipótese de que a variável faixa etária não é por si só o condicionamento do fenômeno revela-se pertinente com o controle da co-atuação da variável presença de nuance semântica (cf. tabela 85). Os resultados referentes à relação entre faixa etária e modalidade expressiva encontram-se na tabela 86 123 e estão de acordo com o esperado. Fala Até 12 anos Escrita 13-17 anos Fala Escrita Fala 18-35 anos Escrita Perífrases 16/23 70% 7/23 30% Predicadores Simples 84/186 45% 102/186 55% 15/26 58% 11/26 42% 32/69 46% 37/69 54% 17/22 77% 5/22 23% 56/196 29% 140/196 71% Tabela 86: Tabulação cruzada entre faixa etária e modalidade expressiva (apenas dados da amostra D&G) 123 Decidiu-se não expor os resultados referentes à última faixa etária (35 a 55 anos) devido ao número baixo de perífrases (apenas 2 ocorrências) , que não permite tecer generalizações. 258 Nota-se que, nas faixas etárias referentes a falantes mais jovens (até 12 anos e de 13 a 17 anos) e na faixa intermediária (11-35 anos), há maior produtividade de perífrases na fala do que na escrita. A freqüência de predicadores simples aumenta na escrita à medida que a faixa etária também aumenta. Esse resultado, provavelmente, está relacionado com o fato de os falantes de 18 a 35 anos terem mais consciência sobre orientações de cunho normativo, especialmente as que se referem à elaboração de textos escritos, que recomendam o emprego de diversos verbos predicadores para demonstrar vasto arcabouço vocabular. 5.3.2.8 Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos 124 (Apenas dados do corpus “textos jornalísticos”) Perífrases dar+ SN Predicadores Simples O Povo 15/149 10% Extra 7/142 4% O Globo 15/321 5% Jornal do Brasil 14/458 3% 134/149 135/142 306/321 90% 96% 95% Tabela 87: Atuação da variável fontes dos textos jornalísticos 444/458 97% O maior emprego de formas verbais simples do que predicadores complexos dar+SN ocorre tanto em jornais menos populares (O Globo e Jornal do Brasil) quanto em jornais mais populares (Extra e O Povo), o que contraria a hipótese de que nestes haveria maior número de perífrases e menor número de predicadores do que naqueles. Imaginou-se que autores de textos jornalísticos para veículos considerados populares se voltassem mais para uma linguagem com número mais expressivo de estruturas consideradas informais, coloquiais, e/ou típicas da oralidade e com maior possibilidade de repetições de vocábulos. Esses resultados, então, suscitaram os seguintes questionamentos: “O que faz com que haja formas verbais complexas nesses textos jornalísticos? Haveria motivações funcionais?” Para responder a essas perguntas, decidiu-se checar a relação entre presença de nuance semântica nas perífrases e os jornais aos quais elas pertencem. 124 A variável fontes de textos jornalísticos não foi selecionada nas rodadas realizadas. Portanto, somente resultados percentuais são apresentados. 259 Perífrases dar+SN Predicadores Simples Com nuance especial Sem nuance Com nuance especial Sem nuance O Povo 1/15 6% Extra 2/7 29% O Globo 9/15 60% Jornal do Brasil 8/14 57% 14/15 94% 5/7 71% 6/15 40% 6/14 43% 1/134 1% 2/135 1% 3/306 1% 4/444 1% 133/134 99% 133/135 99% 303/306 99% 440/444 99% Tabela 88: Tabulação cruzada entre fontes dos textos jornalísticos e presença de nuance semântica Observa-se que, em geral, os verbos plenos, em todos os jornais, não são empregados para veicular nuances de sentido. Nos jornais considerados menos populares (O Povo e Extra), a produtividade de perífrases também não parece estar relacionada à necessidade de veicular alguma nuance de sentido, já que há mais freqüência de perífrases sem nuances (cf. percentuais em itálico). Diferentemente, a maioria de perífrases encontradas nos jornais menos populares (O Globo e Jornal do Brasil) veicula alguma nuance de sentido especial (cf. percentuais em negrito). Logo, constatou-se que o emprego de perífrases nos jornais menos populares ocorre devido a motivações pragmático-discursivas, enquanto em jornais mais populares os predicadores complexos com dar são empregados sem que haja alguma motivação funcional explícita. A seguir, apresentam-se alguns exemplos encontrados em O Globo e no Jornal do Brasil: (Ex.:211) sua vida tão ameaçada está plantada sobre uma Rocha inabalável, que lhe dá muitas forças para enfrentar qualquer perigo. [JB, 08-03-04, Crônica, “Umas e outras”] (um pouco diferente de fortalecer – intensificação do SN) (Ex.: 212) (...) Deu fartas provas de que não tolera dissidência, nem mesmo dentro da própria família. [O Globo, 04,10,02, Editorial, “Dar o Exemplo”] (um pouco diferente de provar – caracterização do SN) (Ex.: 213) (...) dei umas risadinhas amarelas etc. e tal, contei umas duas piadas de médico, ele me mandou calar a boca e respirar na máscara - minhas não sei das quantas de oxigenação estavam inferiores às da superfície da Lua. [O Globo, Artigo de opinião, 03-11-02, “Voltando, sem muita convicção”] (um pouco diferente de rir – caracterização do SN) (Ex.:214) Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das emissoras. E, quem sabe, dar uma ajudazinha a essas políticas. [JB, 03-06-03, Artigo de opinião, 260 Medo do melhor] (um pouco diferente de ajudar – estrutura dar+SN com menor grau de formalidade em função da inserção de sufixo no SN) (Ex.:215) Todos concordaram que o presidente Lula acertou ao dar bastante prioridade aos fundamentos econômicos. [JB, 03-06-03, Editorial, “Visão Realista”] (um pouco diferente de priorizar – intensificação do SN) 5.3.2.9 Considerações gerais O quadro abaixo demonstra a ordem de seleção das variáveis 125 que mais influenciam o emprego de perífrases dar + SN em todas as rodadas. São representadas da seguinte forma: P - Presença de nuance semântica; D - diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase; F - faixa etária; G - graus de escolaridade; T – tipos de texto; e V – tempo verbal. Rodadas gerais Rodadas específicas D&G Com todos os dados P Dados SEM nuance D Com todos os dados D F Rodadas específicas Textos jornalísticos Com todos os dados P Dados SEM nuance D F D G G G T T F Rodadas específicas Textos para avaliação Com todos os dados P Dados SEM nuance D P Dados SEM nuance D G D V D V F T V V Quadro 21: Ordem decrescente de seleção de variáveis Constata-se que, considerando os grupos de fatores que são comuns a todos os corpora, as variáveis que mais influem na alternância entre predicadores complexos com dar+SN e 125 Todas as variáveis contempladas nas rodadas foram: (a) rodada geral (dados com e sem nuance semântica): P, D, F, G, T e V; (b) rodada geral (dados sem nuance semântica): D, F, G, T, V; (c) rodada D&G (dados com e sem nuance semântica): P, D, G, T, F e V; (d) rodada D&G (dados sem nuance semântica): D, G, T, F e V; (e) rodada textos jornalísticos (dados com e sem nuance semântica): P, D, T e V; (f) rodada textos jornalísticos (dados sem nuance semântica): D, T e V; (g) rodada textos para avaliação (dados com e sem nuance semântica): P, D, T e V; (g) rodada textos para avaliação (dados sem nuance semântica): D, T e V. 261 predicadores simples cognatos são presença de nuance semântica (P) e diferença entre o número de sílabas do verbo predicador e o da perífrase (D). Nas rodadas que consideram textos jornalísticos, a variável tipo de texto demonstrou-se como a terceira (na rodada com todos os dados – com e sem nuance semântica) selecionada, além de, na rodada com a amostra D&G que abarca todos os dados, apresentar-se na quarta posição. A pesquisa demonstrou que os maiores pesos relativos apresentados em certos tipos textuais decorreram da presença de um grande número de perífrases com nuance semântica especial, ou seja, a variável tipo de texto co-atua com a variável presença de nuance semântica na alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores simples equivalentes. Tempo verbal (V), uma variável comum à análise de todos os corpora, foi selecionada, em última posição, nas rodadas gerais, nas dos textos jornalísticos e nas dos textos para avaliação (apenas dados sem nuance semântica). Constatou-se que essa variável não atua sozinha, mas tem relação com a variável diferença entre o número de sílabas do predicador e o da perífrase. Os pesos relativos mais relevantes pertencem a tempos verbais cujas estruturas dar+SN apresentam extensão silábica favorável a seu emprego (nenhuma diferença no número de sílabas ou uma sílaba a menos em comparação com o verbo pleno equivalente). Em ambas as rodadas gerais, a faixa etária é a terceira (na rodada com todos os dados) e a segunda (na rodada com dados sem nuance) variável selecionada. Entretanto, a realização de uma rodada específica com o corpus do projeto D&G apresenta um resultado distinto, demonstrando que é a variável escolaridade (G) que se encontra nessas posições. A variável faixa etária (F), das variáveis selecionadas, é, na verdade, a que menos pesa no fenômeno de alternância investigado no corpus do projeto D&G. A análise dessas variáveis “sociais clássicas” foi relacionada aos demais fatores investigados e concluiu-se que alguns resultados probabilísticos relevantes pertencentes a determinados graus de escolaridade e a determinadas faixas etárias parecem estar correlacionados à influência da variável presença de nuance semântica. Destaca-se que o fato de a variável presença de nuance semântica ter influenciado a atuação de outras variáveis, especialmente as extralingüísticas, demonstra que a alternância entre perífrases com verbo-suporte dar + SN e verbos plenos ocorre em função de algum grau de consciência do falante. Tal constatação suscitou outros questionamentos cujas respostas levarão à compreensão, de forma mais ampla, desse fenômeno: “Quais as características dos contextos discursivos que ‘exigem’ o emprego de predicadores complexos com dar e 262 descartam a possibilidade do uso de verbos plenos equivalentes ou vice-versa? O grau de formalidade da situação comunicativa? O papel social que os participantes desempenham no momento da interação verbal?”. Para preencher essas lacunas, é necessário expandir o trabalho Sociofuncionalista com a utilização de outros materiais (testes de atitude) que possibilitem a análise de dados da escrita e da oralidade não somente do ponto de vista do pesquisador, mas da perspectiva do falante, para que se descubram as motivações pragmáticodiscursivas relacionadas ao emprego das formas alternantes em questão. 5.4 Testes de atitudes referentes ao fenômeno de alternância entre perífrases com verbosuporte dar e verbos predicadores de sentido equivalente 5.4.1 Objetivo dos testes Objetiva-se, com a aplicação de dois testes relacionados ao fenômeno de alternância, verificar se, nos contextos apresentados, há ou não relação de equivalência entre os predicadores simples e complexos, além de detectar as nuances de sentido e as funções pragmático-discursivas que levam os falantes a optarem pelo emprego de uma dessas formas 126 . 5.4.2 Configuração dos testes de atitude Um dos testes contém 13 contextos comunicativos em que se apresentam duas opções: uma construção dar + SN e um verbo predicador cognato ao SN da perífrase. Foi realizado em duas etapas : na primeira, o informante (no ensino fundamental, médio ou superior) marcou uma dessas opções ou as duas, de acordo com o que considerou mais apropriado para o contexto no qual as estruturas em destaque se encontravam; em seguida, participou de uma conversa gravada na qual o pesquisador indagou as razões de cada escolha. Na primeira versão desse teste, havia um espaço para os informantes justificarem, por escrito, suas escolhas 127 . Percebeu-se, entretanto, que mesmo os indivíduos 126 mais As hipóteses quanto às respostas dos informantes são apresentadas durante a exposição dos resultados dos testes. 127 Na primeira fase, o teste configurava-se desta forma:: ( ) Acho que as formas sublinhadas possuem o mesmo sentido, porque___________________________ 263 escolarizados demonstravam certa dificuldade em expor, por escrito, as razões por que marcavam determinada opção. Diferentemente, apesar de estarem numa situação de gravação, os informantes ficaram mais à vontade ao explicar oralmente as respostas que marcaram no teste. Além disso, o método da “entrevista” foi adotado por possibilitar ao pesquisador formular e refazer perguntas de forma a extrair do informante respostas mais condizentes com as opções selecionadas 128 . O segundo teste tem como alvo professores de Português que avaliaram uma redação que apresenta diversas estruturas com verbo-suporte dar + SN. Objetiva-se, com esse teste, checar se os informantes percebem alguma nuance de sentido nessas estruturas em comparação a seus verbos cognatos e, principalmente, averiguar se os professores manifestam algum tipo de rejeição ao uso de perífrases com verbo-suporte dar. Deseja-se, portanto, investigar a hipótese de que os professores relacionam o emprego de perífrases ao uso da norma coloquial e não ao da norma culta padrão e, por tal razão, recomendam a substituição dessas construções ao avaliarem um texto. Essa hipótese está baseada em observações existentes em certas orientações de redação nesse sentido (cf. seção 6). 5.4.3 Análise dos resultados obtidos Com base na análise das justificativas dos informantes em ambos testes 129 , identificaram-se estes padrões de comportamento lingüístico: (i) opção por forma simples ou complexa em virtude de adequação ao gênero textual (padrão I); (ii) opção por forma simples ou complexa de acordo com o tipo de jornal (popular ou não) em que ocorre (padrão II);. (iii) opção pela forma simples ou complexa menos extensa, para que a comunicação seja mais rápida/objetiva (padrão III); ( ) Acho que as formas sublinhadas dão sentidos diferentes para os dois fragmentos, porque_______________ 128 Sabe-se que a intervenção constante do pesquisador pode vir a influir nas respostas dos informantes. Porém, as intervenções durante o primeiro teste tiveram o intuito de fazer com que os informantes não se restringissem a respostas do tipo “escolhi dar esculacho e não esculachar porque sim” ou “não sei por que escolhi uma e não a outra”. Logo, particularmente nesses casos, o pesquisador procurou levar os informantes a refletirem sobre suas respostas, com base em questões, tais como: “Você acha que dar um esculacho e esculachar têm o mesmo sentido? Qual é esse sentido? Qual dessas opções seria empregada em uma notícia do jornal “Extra” ? Ou as duas seriam empregadas?” Nas primeiras versões desse teste (com justificativas por escrito), os informantes não forneceram tantas informações como já fizeram na fase em que se solicitaram justificativas oralmente. 129 Exemplos de justificativas que levaram à constituição desses padrões estão identificados em trechos enunciados pelos informantes. 264 (iv) opção pela forma simples ou complexa que dá mais ênfase ao fato descrito (padrão IV); (v) opção por forma simples ou complexa de acordo com o registro formal do contexto e com a norma culta da língua(padrão V); (vi) opção por forma simples ou complexa de acordo com o registro informal (em especial em contexto situacional que indique tom de ironia, sarcasmo, humor, gentileza, etc.) (padrão VI); (vii) opção por forma simples ou complexa em gêneros escritos (padrão VII); (viii) opção por forma simples ou complexa em gêneros orais (padrão VIII); (ix) opção por forma simples ou complexa de acordo com a escolaridade e/ou a faixa etária do interlocutor (padrão IX); (x) opção por forma simples ou complexa de acordo com o grau de intimidade entre os interlocutores (padrão X). INSTRUÇÃO DO TESTE 1: A) Leia com atenção as situações a seguir. Analise o SENTIDO das estruturas marcadas entre parênteses e marque a mais adequada ao tipo do trecho/situação. Se você achar as duas adequadas, marque as duas. Trecho 1) Bilhete de um colega de trabalho para outro Flávio, deixei os documentos na gaveta para você assinar. Não terei tempo para conversar com você na reunião, por isso deixei umas anotações sobre minha posição acerca da indicação do novo coordenador do departamento. Assim que eu voltar, te ligarei para saber se compreendeu tudo, pois essa reunião está me ( A- preocupando muito / B- dando muita preocupação ). Quantidade de informantes preocupando muito dando muita preocupação as duas opções Ensino Fundamental 9 0 1 Ensino Médio 7 0 3 Ensino Superior 10 0 0 Total (30) 26 0 4 Percentual 87% — 13% Tabela 89: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PREOCUPANDO MUITO e DANDO MUITA PREOCUPAÇÃO No contexto “bilhete de um colega de trabalho para outro”, um alto índice de informantes (87%) optou pela forma preocupando muito. Em geral, para justificar sua escolha 265 pelo predicador simples, esses informantes referiram-se ao fato de o bilhete ser um texto escrito e veiculado em ambiente de trabalho, o que o tornaria mais formal, e de “preocupando” ser uma forma menos extensa e, por isso, mais adequada para um gênero que exige texto curto/objetivo. Transcrição 1) I: Eu botei preocupando muito porque eu acho que dentro do local de trabalho as pessoas tentam manter a fala padrão, padronizada (PADRÃO V). D: e você acha que... I: Eu acho que ele não ia falar dando muita preocupação, pode até ser. (...) mesmo num bilhete. D: Uhum. I: Que é a forma informal, né, no caso, mas mesmo assim... acho que até porque as pessoas têm medo de se expor e de repente parecer ridículas. D: Ah, entendi I: Achei isso. D: Entendi. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) “I: Eu botei a A. D: Por quê? I: Porque eu achei que ia ficar uma sentença um pouco longa colocar iniciando pelo gerúndio dando muita preocupação. (...) no caso, assim, o bilhete de um colega como uma coisa rápida, né? (PADRÃO III)” (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Eu pus me preocupando muito mas se for um bilhete muito pessoal, ele colocaria dando muita preocupação, mas se fosse para um chefe ele deveria dizer preocupando muito. (PADRÃO X). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) De um colega para o outro, eles poderiam ter o grau de intimidade maior ou menos, poderiam ser colegas de trabalho, mas de inferior para superior ou até mesmo uma relação só de colegas de trabalho, ou não...eles poderiam ser fora dali colegas também, mas, pelo contexto, eu botei preocupando muito (PADRÃO V), eu acho dando muita preocupação menos formal. (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 5) Pus preocupando muito porque ficaria melhor num bilhete (PADRÃO I), você fala logo preocupando muito...dando muita preocupação não está muito certo porque você deve diminuir a frase (PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Fundamental) Merecem destaque as transcrições 3 e 4 que explicitam claramente a escolha das duas opções em função do grau de intimidade entre o remetente e o destinatário do bilhete. Além disso, o informante do trecho 1 afirma que as pessoas que “têm medo de se expor” evitariam o emprego da construção dar muita preocupação. Essa opinião revela uma visão tão 266 estigmatizada da construção com dar que pode julgar “ridículas” as pessoas que a empregam no contexto apresentado. Todos os informantes entrevistados alegaram que preocupando muito e dando muita preocupação apresentam o mesmo significado. Trecho 2) Notícia do Jornal Meia Hora BOPE sobe o morro e ( A- esculacha o / B- dá um esculacho no ) chefe do pó da Mineira. Quantidade de informantes esculacha o dá um esculacho no as duas opções Ensino Fundamental 9 1 0 Ensino Médio 3 6 1 Ensino Superior 8 2 0 Total (30) 20 9 1 Percentual 67% 30% 3% Tabela 90: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESCULACHA e DÁ UM ESCULACHO No contexto “notícia do jornal Meia Hora”, 67% dos informantes optaram pela forma plena “esculacha”. As principais justificativas relacionam-se ao fato de o emprego do predicador simples ser considerado mais apropriado ao gênero textual “notícia”, que se caracteriza por apresentar uma linguagem mais objetiva (cf. transcrição 1), e a uma publicação em jornal (cf. transcrições 2 e 3). Diferentemente, aqueles que optaram pela construção com verbo-suporte (30%) revelaram que o predicador complexo enfatiza a ação do sujeito, “BOPE” (cf. transcrição 6), que a expressão seria mais adequada para “chamar atenção” e que o tipo de jornal usa formas lingüísticas mais informais (cf. transcrições 9 e 4). Um dos informantes, inclusive, citou que a forma do predicador simples é “vazia” (cf. transcrição 9), ou seja, não provocaria impacto, diferentemente da construção com dar + SN. Além disso, alguns ressaltaram que o fato de o jornal “Meia Hora” ser popular também permitiria o emprego da perífrase. Em geral, os informantes alegaram que “dá um esculacho” e “esculacha” apresentam o mesmo significado básico. Transcrição 1) I: Eu coloquei a:: A. O BOPE sobe o morro:: e esculacha... (risos) o chefe do pó... né? Da Mineira. D: Por que, hein? Há alguma diferença de sentido primeiramente? I: Ao meu ver não. Mas... a questão do:: do uso, né? Pelo jornal... notícia, né? (PADRÃO I). No caso da Meia Hora, né, que é um jornal popular que tem um linguajar mais::... menos no 267 caso::... padrão::, tal, é uma linguagem mais prática, né? Eu acho que... mais rápida (PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) I: (...) o Meia Hora ele tenta trazer uma linguagem um pouco mais popular D: Sei. I: Até pras pessoas poderem compreender, de uma vez só, impactar (PADRÕES II e IV). Poderia ser também dar um esculacho no chefe do pó da Mineira, mas é... por ser um jornal eu achei que... eles tentam buscar essa forma popular, mas também não pode desmerecer porque é um jornal, tem que tentar manter uma qualidade (PADRÃO I). D: Hum:: I: Aí eu botei esculacha... (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Pus esculacha (...) o Meia Hora é direcionado para classe menos abastada e tudo mais, apesar disso até pelo linguajar você percebe que é uma norma mais coloquial, né? Mas mesmo assim, por ser um texto jornalístico, eu acho que ele se detém mais à regra mesmo (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) Eu botei dá um esculacho. Eu escolhi esse trecho porque eu já cheguei a ler o Meia Hora e eles têm uma forma muito cheia de gírias (PADRÃO II). Eu acho que nenhuma das duas formas deveria estar num jornal (...) Isso não dá prestígio a um jornalista (...) mas como é um jornal que já dizem que é para o povo, o povão (PADRÃO IX), uma gíria pode ser utilizada. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 5) I: esculacha porque o jornal é uma situação mais formal, tem que passar formalidade (PADRÃO V). Não há diferença de sentido, só a questão de formalidade, né? (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 6) “I: porque esculacha fica uma coisa mais geral, né? Seria dar um esculacho porque ele (o jornal) vai querer dá uma ênfase no que o BOPE vai fazer lá (PADRÃO VI). D: E por que o Meia Hora gostaria de dar essa ênfase? I: ah, porque ele gosta dessas coisas, de chamar atenção pra isso, é popular.” (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 7) I: ... para mim o sentido é o mesmo na frase, tanto esculacha quanto dá um esculacho normalmente é bem usado, não faz diferença ... pra dar uma ênfase maior ele (o 268 jornal) colocaria o verbo dar (PADRÃO IV), dá um esculacho no chefe, porque o objetivo do jornal seria esse, né? (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 8) D: aí, olha só... você lê o Meia Hora? I: Eu? Eu leio sempre. É mole? I: eu botei dá um esculacho assim eu achei melhor, ainda mais “prum” chefe assim de morro... dá um esculacho fica muito bonito. Eu marquei dá um esculacho nele (...) dá um esculacho nele pra todo mundo ver que ele vai ser esculachado mesmo (PADRÃO IV) (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 9) Acho que esculacha é muito vazio, mas é o modo mais certo de falar (PADRÃO V) (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 10) Eu não leio muito o Meia Hora, mas, por ele ser um jornal comprado por quem trabalha, pega ônibus, eu acho que dá um esculacho não dá uma diferença no sentido, mas fica mais extenso...aí por isso que eu marquei esculacho (PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 3) Depoimento escrito para o autor de um artigo científico acerca do filme que desenvolveu para área de odontologia. Gostaria de ( A- parabenizar / B- dar parabéns ) pelo filme, muito didático, e muito bem desenvolvido. Gostaria de saber se poderia utilizá-lo em uma apresentação sobre PCR em tempo real, a ser ministrada na Fiocruz, em outubro. Caso seja possível, gostaria de saber como fazer para salvar a apresentação. Grata. Mestranda-Ciência de Alimentos - Instituto de Química/ UFRJ. Quantidade de informantes parabenizar dar parabéns as duas opções Ensino Fundamental 10 0 0 Ensino Médio 9 0 1 Ensino Superior 10 0 0 Total (30) 29 0 1 Percentual 97% — 3% Tabela 91: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR e DAR PARABÉNS 269 No contexto situacional apresentado, a maioria dos informantes consultados (97%) optou pelo predicador simples “parabenizar”. As principais justificativas fundamentam-se no fato de o texto organizar-se em registro formal, ter sido produzido por um indivíduo com alto grau de escolaridade e pertencer à modalidade escrita. Apenas um informante (cf. transcrição 5) declarou que as duas formas poderiam ser empregadas no contexto dado; no entanto, chegou a mencionar que, em um primeiro momento, escolheu parabenizar, devido à escolaridade da autora do texto (mestranda). Notou-se que, apesar de parabenizar ter sido considerado mais adequado para um contexto formal, a perífrase dar parabéns não foi classificada como informal, apenas como pertencente a um vocabulário considerado comum/ordinário (cf. transcrições 4 e 6), podendo ser usado em contextos informais e formais. Ademais, de acordo com todos os informantes entrevistados, as duas formas propostas apresentam o mesmo significado. Transcrição 1) Eu coloquei gostaria de parabenizar porque para a escrita fica melhor (PADRÃO VII) do que dar parabéns, porque dar parabéns é mais fala (PADRÃO VIII). Eu até colocaria gostaria de parabenizar-te. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) Eu vi que é um depoimento escrito (PADRÃO VII), né? Eu acho que a autora ia usar parabenizar mesmo, é mais formal (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) I: Eu coloquei a opção A... por essa forma, por ser um texto... digamos assim... é:: a gente sabe, né? Com relação à questão de da norma padrão (PADRÃO V) da do nível social, a questão da... da escrita (PADRÃO VII), do falar, ele fica mais rebuscado (PADRÃO V), né? Então, a opção A seria, ao meu ver, mais conveniente do que... utilizar um verbo auxiliar [num] substantivo. (Escolaridade: Ensino Superior) Tanscrição 4) I: Ah, eu acho também que fica uma coisa...ah, sei lá, pelo que eu li aqui, fica uma coisa mais formal assim (PADRÃO V), uma coisa mais bonita mesmo, dar parabéns eu acho que é uma coisa muito normal assim, sei lá... (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 5) I: Botei gostaria de parabenizar pelo filme. D: Por que, hein? I: Achei que a, que ela de repente por ser uma aluna, porque no final tá dizendo que ela é uma mestranda 270 (PADRÃO IX) D: Sei. I: Pensando bem, podia ser as duas opções, as duas pra mim caberiam aí. (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 6) porque parabenizar fica mais culto, uma coisa mais social (PADRÃO V) e dar parabéns fica mais comum. Tem o mesmo sentido. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 7) “Acho que seria parabenizar porque como você está querendo se comunicar com uma pessoa mais culta (PADRÃO IX), eu acho que ficaria mais bonito.” (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 4) Testemunho em um culto evangélico Agora eu sou cristão... minha vida mudou completamente... eu ( A- entristecia / B- dava muita tristeza pra) minha família... Quantidade de Informantes entristecia dava muita tristeza as duas opções Ensino Fundamental 4 6 0 Ensino Médio 2 7 1 Ensino Superior 2 8 0 Total (30) 8 21 1 Percentual 27% 70% 3% Tabela 92: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ENTRISTECIA e DAVA MUITA TRISTEZA Os resultados da tabela anterior revelam que 70% dos informantes optaram pela forma perifrástica deu muita tristeza. Normalmente, as justificativas relacionadas a essa escolha referem-se ao fato de o contexto situacional (“testemunho em um culto evangélico”) desenvolver-se na modalidade oral (cf. transcrição 1) e de a construção com verbo-suporte dar propiciar mais ênfase (cf. transcrições 1, 2, 5, 6 e 8). Muitos informantes tiveram opiniões diversas quanto ao grau de formalidade da situação. Logo, aqueles que compreendem que um testemunho em um culto evangélico requer registro formal, uma linguagem mais trabalhada, recorreram à opção entristecia (cf. transcrições 3 e 7). Diferentemente, aqueles que avaliam a mesma situação como informal, já que, neste caso, é 271 até possível considerarem algum grau de intimidade entre seus participantes, escolheram a segunda opção deu muita tristeza (cf. transcrições 1, 4, 5, e 8). Transcrição 1) I: Eu coloquei dava muita tristeza D: Sei. I: Pra minha família. D: Sei. I: Porque geralmente quando a pessoa ta... falando, assim, na oralidade (PADRÃO VIII). D: Sei. I: E ela vai, às vezes, se perdendo e não se preocupa tanto com a norma padrão (PADRÃO VI). D: Sei. I: E, um culto evangélico , tentei pensar na situação e achei que... D: Uhum. I: Ele ia falar assim... Pra ir tentar até enfatizar que ele realmente era uma pessoa problemática. (...) Acho que entristecia eu acho que aqui, nesse contexto, ia deixar o discurso dele pobre demais, porque ia ta reduzindo pra uma única palavra. D: Sei. I: E dava MUIta tristza pra minha família, ele ia ta alongando o discurso dele, e de repente até ... tentando ali... botar mais ainda a tristeza que ele causava, ratificando mais ainda a dor que ele causava aos próximos dele (PADRÃO IV) (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) I: Nessa opção eu coloquei a a letra B dava muita tristeza pra família. Por assim, por ser um testemunho... foi feito por a pessoa, digamos, pertence a esse meio... eu achei que eu dava muita tristeza pra família ficou uma linguagem mais é propício pra esse momento. E a questão aqui do sentido... eu acho que intensifica um pouco mais a tristeza que ele dava pra família e tal (PADRÃO IV). D: Então... I: Aqui é questão de de reforço, ênfase. D: Entendi. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Eu botei entristecia porque eu acho que a pessoa falaria melhor (PADRÃO V), questão de beleza mesmo, fica mais bonito, mais claro. D: Então, você acha que dava muita tristeza não fica tão claro? I: Não, não é isso não, mas eu acho que fica menos formal. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) Eu pus a B, dava muita tristeza, porque o povo usa muito o verbo dar (...) já que é uma situação que as pessoas estão no mesmo estilo (PADRÃO IX) e está dando um depoimento pessoal, não vai se lembrar que tem que utilizar uma forma formal, vai usar a que ele usa em casa (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior) 272 Transcrição 5) Geralmente, o pessoal da igreja, né, tem mais, é mais humilde, né? (PADRÃO IX) Ainda mais a situação, dava muita tristeza enfatiza mais (PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 6) Acho que entristecia aqui não fica legal. Acho que dar muita tristeza está dando mais ênfase (PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 7) eu achei que a A, entristecia, fosse uma coisa mais fina (PADRÃO V), não se pode falar gíria no culto, o dava mais tristeza fica mais comum. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 8) Eu dava muita tristeza... porque a impressão que dá, parece representar a fala informal (PADRÃO VI), eu acho que é mais usada esta forma. O dava muita tristeza dá uma impressão de dava MUITA tristeza mesmo, parece que aumenta um pouco, dá uma impressão de mais (PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 5) Uma criança contando uma história para seus amiguinhos. Eu fui brincar com meus colegas... fui jogar futebol... aí... eu, na brincadeira, eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu ( A- goleei / B- dei um gol ) de cabeça... Quantidade de informantes goleei dei um gol as duas opções Ensino Fundamental 1 9 0 Ensino Médio 0 10 0 Ensino Superior 0 10 0 Total (30) 1 29 0 Percentual 3% 97% — Tabela 93: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções GOLEEI e DEU UM GOL Percebe-se, pelos resultados expostos acima, que 97% dos informantes escolheram “dei um gol” para preencher o trecho referente à situação de uma criança contando uma história para seus amiguinhos. Em geral, os informantes afirmaram que o sentido das formas apresentadas é o mesmo e que uma criança somente poderia recorrer à segunda opção, por 273 esta ser mais comum a seu vocabulário, já que o predicador simples goleei seria usado com menos freqüência. Inclusive, na transcrição 2, a informante afirma que esta forma não seria normalmente usada nem mesmo por um adulto. Outro motivo que fundamentou a escolha dos informantes foi o fato de não julgarem que dei um gol e goleei veiculam o mesmo sentido. Logo, muitos informantes alegaram que a criança diria dei um gol por se tratar de um único gol (cf. comentário 4). Apenas um informante, diferentemente, escolheu goleei por entender que a criança poderia querer dizer que fez vários gols de cabeça para impressionar seus destinatários (cf. comentário 5). Transcrição 1) I: ...Eu botei dei um gol de cabeça, que eu achei que uma criança nunca ia falar goleei. (risos) Num sei, eu acho que não... mesmo que fosse filho de um professor, de alguma coisa assim D: Por que, hein? I: Que eu acho que não é uma linguagem que uma criança emprega assim ela ta falando com os seus amiguinhos, é o ambiente dela... (PADRÃO IX) D: Agora há alguma diferença de sentido entre essas duas expressões? I: Não... eu não vejo, assim, a princípio eu não vejo não, diferença não. D: No âmbito do futebol... não há diferença? I: Não... goleei, dei um gol... (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) Tem diferença de sentido porque golear tem sentido de fazer muitos gols e dei um gol não, é um gol. D: E no emprego, você acha o quê? I: a criança normalmente fala dei um gol de cabeça (PADRÃO IX), que é o que a gente ouve mais, nunca ouvi uma criança falar goleei, e nem pessoa, por mais que meu marido tenha feito vários gols, ele nunca fala goleei, ele fala fiz três gols, aí ele vai descrevendo, fiz assim e assado e aí eu finjo que estou gostando (risos). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Eu escolhi a opção B, dei um gol, porque a criança não usa a norma mais culta, ela usa a mais informal (PADRÕES IX e VI), a impressão que dá é que a forma composta dá impressão de menos formalidade. Os sentidos são iguais. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) Pus dei um gol porque ele está falando com os colegas, né (...) acho que tem diferença de sentido sim, porque goleei são vários gols, goleada e dei um gol é um só. (Escolaridade: Ensino Fundamental) 274 Transcrição 5) Eu acho que é goleei porque o menino queria falar que fez muitos gols, arrasou, aí ele ia usar goleei...e ainda foi de cabeça, quer impressionar. Se fosse dei um gol não iria impressionar tanto, ia ser normal, só um gol. Não é a mesma coisa. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 6) Uma mulher contando para uma amiga sobre sua ida ao médico. E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se suspeitava: meu pâncreas estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo abaixo da crítica, uma vergonha. ( A- Rezei um pouquinho / B- Dei uma rezadinha), encomendando minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer era isso, interessante. Quantidade de Informantes rezei um pouquinho dei uma rezadinha as duas opções Ensino Fundamental 0 9 1 Ensino Médio 0 10 0 Ensino Superior 0 9 1 Total (30) 0 28 2 Percentual — 93% 7% Tabela 94: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções REZEI UM POUQUINHO e DEI UMA REZADINHA A tabela anterior mostra que 93% dos informantes optaram pela perífrase dei uma rezadinha, devido, principalmente, ao fato de a julgarem apropriada ao contexto informal (cf. transcrições 1, 2, 3, 4, 5, e 6) e de haver certo grau de proximidade/intimidade entre os interlocutores (cf. transcrições 1, 7 e 8). Dois informantes afirmaram que, por terem mesmo sentido e serem adequadas ao registro informal, tanto a forma composta quanto a simples poderiam ser empregadas na situação (cf. transcrições 4 e 8). Ressalta-se que apenas dois informantes marcaram a opção dei uma rezadinha, alegando que o sentido das formas era distinto (cf. transcrições 1 e 9). Para estes falantes, a letra B remete à idéia de que a pessoa rezou bastante, em menos tempo e, por isso, imprime ênfase em comparação com a estrutura rezei um pouquinho. 275 Transcrição 1) I: (..) botei dei uma rezadinha, mas poderia ser também rezei um pouquinho... D: Sei. I: É um relato também informal (PADRÃO VI) (...) O dei uma rezadinha aqui é como se ela realmente tivesse assim: ah eu... tô precisando então vou me lembrar de... pedir agora, que eu tô precisando (PADRÃO IV), nessa situação que eu... to achando que to passando por alguma coisa difícil. E rezei um pouquinho é como se fosse alguma coisa coti... é diária que a pessoa faz, só que naquele dia ela só pode rezar só um pouquinho só... Eu botei aqui dei uma rezadinha porque ela ta achando, no caso, que ela ta com algum problema, como ela ta conversando com a amiga (PADRÕES VIII e X)... aí o emprego realmente seria diferente... o sentido aqui é diferente. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) Acho que ela diria dei uma rezadinha porque isso aqui está muito informal, parecendo brincadeira, ironia (PADRÃO VI); então, dei uma rezadinha encaixaria melhor aí, na brincadeira. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) I: Bom, como o texto é BEM engraçado, né? Tem um toque assim de humor (PADRÃO VI) (...) então.. é o sentido, assim, não muda (...) o emprego aqui, no no contexto, seria dei uma rezadinha. Ao meu ver, né? (...) Ficaria melhor, pra mim, porque é reflete em torno da da história. Assim, é meio cômica (PADRÃO VI), né? (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) I: Eu achei que qualquer uma das respostas pode ser empregada, eu não vi rezei como uma forma utilizada só em contextos formais, acho que pode ser utilizada em contextos informais (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 5) I: Geralmente, como está contando para as amigas (PADRÃO X) usaria a letra B, porque é uma situação mais informal (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 6) I: Dei uma rezadinha...eu acho que ela usaria aí de uma forma mais cômica (PADRÃO VI), entendeu. (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 7) I: dei uma rezadinha porque ela está se comunicando com uma pessoa que ela conhece. (PADRÃO X). (Escolaridade: Ensino Fundamental) 276 Transcrição 8) I: Acho que pode ser as duas formas, porque ela estava falando para uma amiga (PADRÃO X)...acho que é o mesmo sentido. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 9) Botei dei uma rezadinha...se for rezei um pouquinho parece que rezou a metade e está bom, mas a letra B parece que ela rezou bastante, mas em menos tempo (PADRÃO IV). (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 7) Artigo de Opinião do jornal “O Globo” Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das emissoras. E, quem sabe, (A- ajudar / B- dar uma ajudazinha) a essas políticas. Ao manter ícones como os que estamos vendo e patinar em fatias insignificantes do mercado, parece bastante claro que elas não estão dando certo. Quantidade de informantes ajudar dar uma ajudazinha as duas opções Ensino Fundamental 8 0 2 Ensino Médio 8 2 0 Ensino Superior 10 0 0 Total (30) 26 2 2 Percentual 86% 7% 7% Tabela 95: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AJUDAR e DAR UMA AJUDAZINHA Os resultados acima revelam que 86% dos informantes escolheram o predicador simples ajudar por crerem que essa é a forma mais adequada a ser utilizada em um jornal (cf. transcrição 1), no gênero artigo de opinião (cf. transcrição 3), na modalidade escrita da língua (cf. transcrições 3 e 5) e para os leitores (considerados escolarizados) do jornal “O Globo” (cf. transcrição 7), pois alegam que ajudar é mais indicada ao registro formal (cf. transcrições 1, 3 e 6) em comparação com dar uma ajudazinha, considerada mais pertinente no registro informal. Alguns informantes, apesar de terem optado por ajudar, afirmaram que, se o intuito do artigo de opinião fosse passar um tom irônico ou até mesmo sarcástico, o escritor poderia optar pela forma perifrástica (cf. transcrições 2 e 4). 277 Transcrição 1) I: Eu coloquei ajudar:: D: Hum:: I: Porque é jornal (PADRÃO V) também... e não acreditei que... de repente eles colocasse uma frase assim tão informal, dá uma ajudinha, ajudazinha, D: Sei. I: No diminutivo (...) achei que poderia des... desmerecer a opinião. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) I: (...) eu coloquei a opção A... no caso ajudar seria uma forma mais direta de ele dizer (PADRÃO III), tal. E dar uma ajudazinha, surgiria um tom meio que de ironia (PADRÃO VI). (...) Se o sentido do artigo de opinião do Globo fosse realmente de ironizar a questão do, da política de programação das emissoras e tal, dar uma ajudazinha seria interessante nesse sentido. E ajudar... estaria sendo mais direto, né? [questão] específico. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) I: no artigo do jornal “O Globo” com certeza viria ajudar porque é artigo de opinião (PADRÃO I). A gente falando, ela falaria dar uma ajudazinha, mas como ela escreve isso, ela colocaria ajudar (PADRÃO VII). Dar ajudazinha na escrita não vai porque fica aquele aspecto informal. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) I: acho que é dar uma ajudazinha, porque é uma opinião própria e a expressão soa como um sarcasmo, dá uma ajudazinha fica um pouco sarcástico (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 5) I: acho que apareceria ajudar porque é mais formal (PADRÃO V), né? O texto aqui está mais formal mesmo, está mais ligado à escrita (PADRÃO VII), mais culta. (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 6) I: Botei ajudar porque é o modo mais certo de falar (PADRÃO V) (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 7) I: ajudar... porque eu acho que o jornal O Globo é um jornal que fala mais de política (...) o Globo acho uma coisa mais fina (...) porque, tipo, advogados lêem, pessoas de um patamar maior (PADRÃO IX). Não há diferença de sentido, mas ajudazinha fica mais com sentido de povo, não dá pra botar no Globo (PADRÃO II). (Escolaridade: Ensino Fundamental) 278 Transcrição 8) I: olha, para mim, pode os dois neste contexto, os dois ficam bons, não há nenhuma diferença de sentido. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 8) Opinião de uma senhora sobre a situação dos hospitais Você pode (A- educar bem/ B- dar uma boa educação ao) seu filho... e tendo... bons hospitais para qualquer problema de saúde... ele consertar seu físico... até mental ... até mesmo espiritual... Quantidade de informantes educar bem dar uma boa educação as duas opções Ensino Fundamental 1 7 2 Ensino Médio 2 7 1 Ensino Superior 1 6 3 Total (30) 4 20 6 Percentual 13% 67% 20% Tabela 96: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções EDUCAR BEM e DAR UMA BOA EDUCAÇÃO Os resultados acima demonstram que a maioria dos informantes (67%) optou pela forma dar uma boa educação. Em geral, os informantes justificaram essa escolha alegando que o falante tem mais liberdade de usar a língua ao expor sua própria opinião e, por isso, a senhora que produz o trecho tenderia a escolher a forma perifrástica que, segundo alguns informantes, é a mais facilmente lembrada para usar em uma situação informal (cf. transcrição 1). No entanto, outros julgam que, por se expor, a senhora recorreria à forma que avaliasse como mais formal, educar bem (cf. transcrição 5). Dois informantes (cf. transcrições 3 e 4) consideraram que os sentidos de educar bem e dar uma boa educação são distintos. Escolheram o predicador complexo, alegando que este revela mais preocupação do falante, certa ênfase e significa prover educação escolar, além de ensinar “boas maneiras” (educar bem). Além disso, aqueles que fizeram as duas opções consideram que ambas podem ser usadas em contextos de oralidade e informais (cf. transcrição 2). 279 Transcrição 1) I: Eu coloquei dar uma boa educação... mas acho também que educar bem... caberia aí. (...) I: Ela poderia utilizar os dois mas... eu to imaginando que é opinião (PADRÃO I) e que ela ta sendo abordada, de repente na rua então ela não ia se preocupar muito em falar educar bem o seu filho. D: Uhum. I: Ela ia falar o que ela tivesse pensando assim na hora (PADRÃO VI). D: Uhum. I: E ela ia falar dar uma boa educação ao seu filho. D: Entendi. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) Eu botei os dois. Nesse contexto eu acho que tanto faz. Os sentidos são iguais e eu acho que o verbo educar não se comporta de forma que pareça formal (PADRÃO VI), é utilizado na fala (PADRÃO VIII), não soa estranho. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Pus dar boa educação, porque quando a pessoa fala ah vou dar uma boa educação parece que ela está mais preocupada com a educação (PADRÃO IV), mas quando a pessoa fala ah educar bem parece que ela está falando superficial. A mãe, acho que ela não falaria educar bem porque ela é mais preocupada. (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 4) Eu acho que tem sentidos distintos porque educar é tipo dar bom dia, boa tarde, mas dar boa educação pode ser educar os filhos, dar bom dia, modos e dar estudo, educar na escola (PADRÃO IV). Então, eu marquei dar boa educação. (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 5) Acho que educar bem ela diria porque fica mais bonito, né? Mais sério, mais formal (PADRÃO VI) ... mas acho que se fosse dar uma boa educação também não ficaria errado, né? (Ensino Fundamental) 280 Trecho 9) Notícia do jornal “O Povo” Após quebrar os vidros do veículo com um pedaço de madeira, Paulo (A- esfaqueou/ B- deu algumas facadas em) Mari e só parou quando ela disse que o amava. Quantidade de informantes esfaqueou deu algumas facadas as duas opções Ensino Fundamental 5 5 0 Ensino Médio 3 7 0 Ensino Superior 4 6 0 Total (30) 12 18 0 Percentual 40% 60% — Tabela 97: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESFAQUEOU e DEU ALGUMAS FACADAS Verifica-se uma pequena diferença entre a quantidade de informantes que julgaram esfaqueou mais adequado para o trecho (40%) e a daqueles que escolheram a perífrase deu algumas facadas (60%). A maioria dos indivíduos que indicou a primeira opção declarou que esfaqueou seria a forma mais apropriada a um texto jornalístico, ao gênero notícia (cf. transcrição 8), uma vez que esse tipo de texto deveria manter o registro formal. Porém, os outros informantes salientaram que, apesar de numa notícia, o fato de esta pertencer a um jornal bastante popular, “O Povo”, fez com que a forma mais adequada se tornasse deu algumas facadas (cf. transcrições 3, 4, 5, 6, e 7). Dois informantes disseram que a escolha do predicador complexo decorreu do fato de perceberem uma diferença de sentido entre este e o verbo cognato (cf. transcrições 1 e 2). Deu algumas facadas, de acordo com esses informantes, seria mais adequado porque seu emprego leva à idéia de que o ato não gerou morte, ao contrário do predicador simples, que expressaria o ato de esfaquear sem interrupção, até a morte da vítima. Transcrição 1) I: Vejo uma diferença de sentido, porque a segunda ...no meio das facadas ela informou que o amava e ele parou, o mais apropriado seria deu algumas facadas, o esfaqueou tem sentido que ele deu as facadas e acabou, mas ela continuou viva. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) I: tem diferença de sentido, eu botei deu algumas facadas porque esfaqueou daria a idéia de que ele esfaqueou e a mulher ficou morta e dar algumas facadas não, ele 281 estava lá dando algumas facadas e a mulher falou eu te amo e ele parou. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) I: O Jornal O Povo eu botei deu algumas facadas em Mari, porque é um jornal que ele é muito... também... é parecido com o Meia Hora, mas ele é um... o nível dele é bem menor (PADRÃO II) D: Uhum. I: Ele é pra abordar classes bem menores D: Sei. I: no caso eles tentam botar mesmo frases de impacto pra chamar a atenção (PADRÃO IV) mesmo... (...) esfaqueou seria de repente, até uma uma linguagem um pouco difícil... de repente não teria o prestígio que ele quer ter, que é naquela classe... que gosta de pegar coisas bem assim... tipo, escracha, palavras mais assim... não dentro da norma (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) I: Eu coloquei as duas opções. (...) I: Olha, a questão do... do deu... algumas facadas em... ela ela sugere assim... que... não foram muitas. Assim... meio que... descaracteriza que foram assim... inúmeras. Foram algumas, mas não... muitas. e o esfaqueou (...) não passa... essa posição de quantidade. (...) eu acho que, é, deu algumas facadas... caberia ao jornal O Povo. D: Por quê? I: Por que é um Jornal mais voltado pro sensacionalismo (PADRÃO II). É, e digamos assim, pra violência, né? Que, digamos, é o que, é, ta mais presente nas camadas mais populares (PADRÃO IX). Mas não que isso seja algo, assim, que eu acho que as camadas populares gostem que aconteça. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 5) I: acho que seria dei umas facadas porque é um jornal do povo, procura se aproximar do povo (PADRÃO IX). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 6) I: eu coloquei esfaqueou... mas acho que por ser popular o jornal O Povo empregaria deu algumas facadas (PADRÃO II), mas ia ficar muito estranho, mesmo sendo jornal popular. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 7) I: eu acho que é dei algumas facadas, porque o tipo de jornal (PADRÃO II) usa um vocabulário bem chulo (PADRÃO VI) (Escolaridade: Ensino Médio) 282 Transcrição 8) I: eu botei esfaqueou porque acho que fica melhor numa notícia, deu umas facadas ficaria feio numa notícia (PADRÃO I), não cairia bem. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 10) Uma menina contando para a amiga o que aconteceu quando sua mãe foi assaltada no ônibus. Minha mãe não quis entregar nada pro assaltante... não quis entregar... eram dois caras... ela não quis entregar... então ela ( A- estapeou o / B- deu uns tapas no ) cara... o cara começou a ( C- atirar / D- dar tiros) pro alto... foi o maior rebu... ela... ela segurou no relógio... não queria que o cara pegasse o relógio dela... Quantidade de informantes estapeou o deu uns tapas no as duas opções Ensino Fundamental 0 9 1 Ensino Médio 0 10 0 Ensino Superior 0 9 1 Total (30) 0 28 2 Percentual — 93% 7% Tabela 98: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ESTAPEOU e DEU UNS TAPAS Quantidade de informantes atirar dar tiros as duas opções Ensino Fundamental 1 9 0 Ensino Médio 3 5 2 Ensino Superior 1 6 3 Total (30) 5 20 5 Percentual 17% 66% 17% Tabela 99: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções ATIRAR e DAR TIROS Os resultados demonstram que a maioria dos informantes do teste (93%) optou por dar uns tapas, alegando que essa forma é a mais adequada a uma conversa (contexto informal e modalidade oral – cf. transcrições 2, 3, 4, e 6) cujos participantes revelam algum grau de intimidade (cf. transcrições 4 e 5). Um informante (cf. transcrição 1) afirma, ainda, que, por ter imaginado uma criança, escolheu deu uns tapas. Apesar de terem escolhido apenas o predicador complexo deu uns tapas, todos os informantes consideraram que as opções possuem o mesmo significado. 283 Quanto ao emprego de atirar e dar tiros, 66% dos informantes afirmaram que dar tiros é a forma mais apropriada ao contexto, principalmente, por ter caráter informal (cf. transcrição 2). No entanto, aqueles que optaram por atirar (17%) consideraram que esta forma é mais freqüente no contexto (cf. transcrição 5). A justificativa mais comum dos informantes que marcaram as duas opções é o fato de julgarem as duas adequadas a um contexto informal (cf. transcrições 1 e 4). Transcrição 1) I: Eu imaginei também uma menina... pequena, de repente de oito, até dez anos (PADRÃO IX). D: Uhum. I: Então dentro do universo de la, ela ia falar deu uns tapas no cara D: Sei. I: E o cara começou a dar tiros pro alto, seria o mesmo... D: Agora, em relação ao sentido? Há diferença entre estapeou o e deu uns tapas? I: Não, não vejo diferença. D: E você vê diferença entre atirar e dar tiros pro alto? I: Também não vejo não. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) Eu pus dei uns tapas, por ser uma situação de fala (PADRÃO VIII), por ser comum. Quando a gente está falando, na verdade, a gente não pensa no que é errado, a gente também, por mais que a gente seja escolarizado, a gente também é influenciado... Se fosse algo assim mais formal seria atirar, não seria esse verbo dar (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Eu coloquei deu uns tapas no cara. D: humm I: Porque geralmente quando se está conversando você não fala estapeou, deu uns tapas no cara, assim, é uma conversa (PADRÃO VIII). (...) como ela estava conversando ... eu acho que é por causa disso mesmo, ela ia dizer dar tiros mesmo (...) têm o mesmo sentido. Transcrição 4) Olha, eu coloquei deu uns tapas, porque ela está contando uma coisa, uma situação que aconteceu para uma colega (PADRÃO X), ela não ia dizer estapeou. Ela está usando termos muito comuns, nenhum momento ela está usando termos mais padrões, assim, está sendo muito informal (PADRÃO VI), acho que ela não usaria estapeou. Os sentidos são iguais. (...) eu coloquei atirar... pro alto. Mas pode ser, agora olhando aqui, mas pode ser também dar tiros pro alto. D: É o mesmo sentido? I: Dá o mesmo sentido. D: E o emprego? I: No emprego também, a mesma coisa para uma amiga (PADRÃO X), serve os dois.” (Escolaridade: Ensino Médio) 284 Transcrição 5) Eu botei a B porque é uma menina contando para uma amiga (PADRÃO X), eu acho que ela não ia botar estapeou, ia falar, tipo, deu uns tapas. Sendo uma amiga, ela ia falar, acho eu, mais normalmente, não vai precisar botar, tipo, estapeou, apesar do mesmo sentido, né? Eu acho que deu uns tapas para uma amiga fica melhor. O estapeou ficaria mais correto, assim, mais formal. Eu pus atirar porque acho que é mais normal, comum (PADRÃO III). (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 6) deu uns tapas, porque se ela está falando que ela foi assaltada no ônibus, ela não pode estapear, porque ia ficar estranho ela lembrar desse verbo... uma conversa (PADRÃO VIII)... (...) também pus dar tiros porque me parece mais interessante porque eu já tinha colocado dar, deu uns tapas, então dar tiros fica mais legal... atirar acho...é... fica estranho. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 11) Artigo de opinião do jornal “Extra” Nada mais incongruente do que ver na mesma noite, quase no mesmo momento, Regina Duarte com uma cara trincada de (A- amedrontar/ B- dar medo) (...) e em seguida Fernando Henrique que seguro, sereno, tranqüilizando as pessoas em relação ao futuro (...) Quantidade de informantes amedrontar dar medo as duas opções Ensino Fundamental 3 6 1 Ensino Médio 2 6 2 Ensino Superior 1 9 0 Total (30) 6 21 3 Percentual 20% 70% 10% Tabela 100: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções AMEDRONTAR e DAR MEDO A tabela acima mostra que 70% dos informantes optaram pela construção dar medo. A maioria desses falantes justificou sua escolha afirmando que dar medo é mais adequado ao contexto artigo de opinião do jornal Extra, cuja linguagem, em geral, é informal (cf. transcrição 2) e mais apropriada também ao público ao qual o jornal se destina (cf. transcrições 3 e 5). Destacam-se os comentários presentes na transcrição 3, pois o informante relaciona o emprego do verbo e do predicador complexo com graus de escolaridade que o 285 autor do artigo de opinião possa ter. Apenas alguns (20%) alegam que o fato de a opinião se destinar a publicação em um jornal exige a forma que está (mais) consoante a norma culta, o predicador amedrontar. Os informantes foram categóricos ao afirmar que dar medo e amedrontar possuem o mesmo sentido. Transcrição 1) I: Coloquei amedrontar Também é um jornal poderia ser dar medo, também. Acredito que o emprego... o significado é o mesmo... são sinônimos... mas eu coloquei amedrontar por ser opinião de um jornal (PADRÃO I) ... mas... por ser opinião (PADRÃO I), poderia é ele botar na, no jeito dele de se expressar... dar medo... D: Uhum. I: Mas como é de jornal... publicação... meu... apelei pro amedrontar (PADRÃO V). (...) a opinião no caso dele ali pode estar sendo ouvida por qualquer tipo... por qualquer... indivíduo de qualquer classe. D: Sei. I: Então ele poderia... optar por dar medo, mas poderia estar desmerecendo a opinião dele. D: Uhum. I: Amedrontar caberia, no caso, como uma forma mais padronizada (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) Bom, eu acho que eles colocariam dar medo, apesar deles colocarem palavras menos usadas “incongruentes”, mas aí daqui a pouco ele virou com uma CARA TRINCADA, ah, aí eu falei, é de dar medo (risos)...ele começou tão formal e daqui a pouco ele virou à esquerda (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) No texto de opinião, depende muito de quem escreve, né? (...) se fosse um jornalista (PADRÃO IX) usaria a forma não composta, amedrontar, e se fosse um leitor poderia ser até amedrontar também, mas eu acho que dependendo do nível de escolaridade do leitor, uma escolaridade menor (PADRÃO IX) porque é um jornal popular (PADRÃO II), né? Seria a forma B, dar medo. (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) Eu coloquei dar medo porque amedrontar ficaria para o público do jornal Extra muito culto (PADRÕES II e IX), o dar medo ficaria uma coisa legalzinha para o povo (PADRÃO IX). (Escolaridade: Ensino Médio) 286 Transcrição 5) Botei dar medo porque achei que é menos culto (PADRÃO VI), eu acho que o Extra é melhor recebido pelas pessoas da minha idade do que o Globo porque o Globo é mais para intelectuais (PADRÃO IX). O sentido é o mesmo. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Transcrição 6) Eu escolhi a primeira, amedrontar, porque, assim, num jornal (PADRÃO II), todo mundo gosta de escrever certinho (PADRÃO V), entendeu? Dar medo ia ser a mesma coisa, tem o mesmo sentido, mas acho que para um jornal é amedrontar mesmo. (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 12) Comandante-geral da PM transmitindo o cargo para um novo comandante numa cerimônia. Além de ( A- parabenizar o / B- dar parabéns ao ) novo comandante, torço para que desempenhe bem essa função tão árdua e gratificante. Quantidade de informantes parabenizar dar parabéns as duas opções Ensino Fundamental 10 0 0 Ensino Médio 9 0 1 Ensino Superior 10 0 0 Total (30) 29 - 1 Percentual 97% - 3% Tabela 101: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções PARABENIZAR e DAR PARABÉNS A maior parte dos entrevistados justificou a escolha de parabenizar alegando que é a forma mais apropriada para o contexto formal (cf. transcrições 1, 2, 3 e 4). Observa-se que os informantes das transcrições 5 e 1 afirmam que suas escolhas foram feitas em função do grau de escolaridade do indivíduo que proferiu o trecho – um comandante da PM. No entanto, enquanto os comentários presentes na transcrição 5 revelam que esse cargo, para o informante em questão, exige formalidade, a transcrição 1 indica que, para o informante entrevistado, o mesmo cargo não goza de tanto prestígio, um motivo a mais para não haver formalidade e, assim, optar pelo emprego da perífrase (dar parabéns). Transcrição 1) Apesar de ser uma situação formal, né, mas ele está falando, a gente perde um pouco isso, a formalidade, então, acho que um comandante geral da PM, ihhh... esse falaria dar parabéns mesmo (PADRÃO VI). (risos) (Escolaridade: Ensino Superior) 287 Transcrição 2) I: Eu acho que de forma direta o parabenizar ele fica mais adequado. E o dar parabéns nesse, nesse ... contexto aqui eu acho que não. D: Uhum. Por que, hein? I: Porque eu acho que é a questão do... do sentido aqui, que eu... Por exemplo, o comandante geral da PM é um posto digamos que superior, né? É comandante, aliás. Né? E ele passa esse cargo prum outro comandante, que, digamos assim, tem o mesmo nível. Tem o mesmo... digamos tem o mesmo nível hierárquico que ele... Então, assim, a forma com que ele fala... é teria que ser mais rebuscada (PADRÃO V). E o uso do parabenizar como verbo infinitivo direto, assim... é mais... adequado e o dar parabéns fica mais pessoal mais (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) Como essa aqui é o comandante, negócio da PM, né, parabenizar ficaria mais certinho (PADRÃO V), mas pode ser até essas duas aqui (...). (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 4) Pus parabenizar. Por se tratar de estratégia militar, acho que tem que ser formal (PADRÃO V). (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 5) parabenizar... porque um comandante geral da PM tem que falar isso, para ficar mais bonito. Um comandante ele ia botar parabenizar (PADRÃO IX). (Escolaridade: Ensino Fundamental) Trecho 13) Rapaz paquerando moça durante festa de carnaval. Colega, se você ficar comigo, vou te ( A- beijar muito / B- dar muitos beijinhos). Fica comigo!!! Quantidade de informantes beijar muito dar muitos beijinhos as duas opções Ensino Fundamental 7 3 0 Ensino Médio 10 0 0 Ensino Superior 6 4 0 Total (30) 23 7 0 Percentual 76% 24% — Tabela 102: Resultado de teste de atitudes sobre o emprego das construções BEIJAR MUITO e DAR MUITOS BEIJINHOS Entre dar muitos beijinhos e beijar muito, 76% dos informantes indicaram o predicador simples como a forma mais adequada para o contexto situacional “festa de Carnaval”. O 288 motivo mais alegado para tal opção é o fato de “beijar muito” parecer mais direto (cf. transcrições 2 e 5), diferentemente da perífrase que exprime um tom mais carinhoso ou respeitoso, o que não seria apropriado para a situação. No entanto, alguns informantes indicam o predicador complexo justamente por acreditarem que uma conquista exige termos que sejam mais carinhosos. Também alegam que as perífrases são opções mais informais (cf. transcrições 1 e 3) e podem dar ênfase ao fato descrito (cf. transcrição 2). Transcrição 1) I: é uma situação bem informal, (risos) coloquei dar muitos beijinhos e dar muito carinho. D: você vê diferença de sentido entre beijar muito e dar muitos beijinhos? ... I: Dar muitos beijinhos e beijar muito... Não o sentido é o mesmo... (...) dar muitos beijinhos fica uma coisa mais assim informal (PADRÃO VI), né? Beijar muito de repente a pessoa pode... não gostar dar muitos, geralmente diminutivo dá uma sensação mais de informalidade... (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 2) I: Eu empreguei a B, né? B e depois D. (...) Eu acho que eu coloquei a questão do do uso direto, né? Aqui... é, no caso não seria tão direto assim. Dar MUItos beijinhos, ele vai:: intensificar... (PADRÃO IV) beijar muito, mas ele vai DAR muitos beijinhos. Ele meio que... intensifica. Né? (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 3) I: dar muitos beijinhos é um contexto super, mais que informal (PADRÃO VI) (...) ele está tentando ganhar a menina de qualquer jeito e então usa a forma composta porque a forma composta soa mais carinhosa. (...) você já imagina a cena, né? Imagina até a figura (risos), ah você imagina aquele cara bem alto, bem magro, completamente desengonçado e cara de pau! (risos). (Escolaridade: Ensino Superior) Transcrição 4) I: eu botei beijar muito, porque dar muitos beijinhos fica muito meiguinho (PADRÃO VIII), o que geralmente não acontece em festa de Carnaval... (Escolaridade: Ensino Médio) Transcrição 5) I: beijar muito, com certeza, porque normalmente é o que eles mais falam, o dar muito carinho é um modo mais carinhoso (PADRÃO VI). (Escolaridade: Ensino Fundamental) 289 TESTE 2 Os professores de Português foram requisitados a avaliar um texto redigido por um aluno de oitava série 130 : INSTRUÇÃO DO TESTE 2: Caro professor, observe o texto a seguir (dissertação feita por um aluno de oitava série). Substitua as palavras, expressões ou trechos que você considera inadequados para a coesão e/ou coerência do texto. Não se esqueça de expor as justificativas para as modificações que fizer! TEXTO 131 : Em busca da perfeição Hoje em dia, a busca pela perfeição está ficando cada vez pior do que já foi. Muitas mulheres fazem o que for possível e até o aparentemente impossível para alcançar a perfeição e isso tudo só para dar satisfação ao o próprio ego, para se sentir a mulher mais bonita do mundo, fazendo tudo o que for preciso para conseguirem se transformarem no que querem. Elas sempre acabam com sua personalidade, não dão importância se realmente gostam daquela roupa ou daquele cabelo, só querem dar pinta de celebridade. O que muito impressiona é ver que as mulheres estão se deixando tomar conta dessa obsessão de ser a mais bonita, de fazer mais sucesso, de ser a melhor. Apenas desejam que todos lhes dêem elogios. No entanto, será que elas são felizes assim? Infelizmente, na verdade, elas não dão cuidado para o bem estar mental, o que faz com que busquem, muitas vezes, um terapeuta para lhes dar uma ajuda, para dar força para elas saírem da depressão. O resultado das mulheres que não procuram ajuda é se tornarem seres sem personalidade, que dão ênfase a apenas coisas fúteis, que não sabem viver e, quando se encontram em depressão, desejam dar fim a sua própria vida. Os resultados da pesquisa demonstram que 60% dos informantes (total de 15 professores) se manifestaram sobre as estruturas com dar+SN da dissertação avaliada 132 . 130 O texto foi produzido por um aluno de oitava série do Colégio Pedro II e, para que se prestasse ao objetivo do teste, passou por algumas modificações. 131 As estruturas com dar não aparecem sublinhadas quando o texto é apresentado para os professores. Decidiuse marcá-las para o leitor identificá-las mais rapidamente. 132 Os comentários dos professores que não se manifestaram sobre as estruturas com dar + SN, geralmente, referem-se a questões de coesão ou a poucas modificações no texto. A maioria desses informantes alegou que a redação está boa para um aluno da oitava série. 290 Confirmou-se a hipótese inicial de que os professores substituiriam algumas dessas construções, alegando que o aluno deveria evitar tantas repetições do verbo dar (cf. trechos em negrito e itálico dos comentários). Os demais professores que mencionaram as estruturas com dar, em geral, justificaram as substituições afirmando que tais perífrases não pertencem à norma culta, mas ao registro informal, à oralidade e, portanto, são inadequadas a um texto dissertativo submetido à avaliação. Comentário 1) Há muito uso do verbo dar+complemento. Essa estrutura, em linhas gerais, a meu ver, é bem informal (PADRÃO VI), produtiva na fala. Na escrita padrão, temos que ter cuidado com seu uso recorrente. (5 anos de magistério) Comentário 2) Dar uma ajuda => ajudar Na gramática normativa, bem como na prescritiva, o uso repetido de estruturas é estigmatizado para o texto escrito, ainda mais tratando-se de uma dissertação (PADRÃO I). Aqui a aluna faz o uso excessivo de estruturas de Vsup + SN, o uso ocasional pode ser tolerado, mas a sua repetição caracteriza o seu uso que é comum no texto oral (PADRÃO VIII). (4 anos de magistério) Comentário 3) dar satisfação =>‘satisfazer’ Para não usar Vsup + SN e sim o verbo no infinitivo, justifica-se apenas pelo fato de ser um texto dissertativo (PADRÃO I) e exigir estruturas que atendam os pré requisitos da Norma Culta Padrão (PADRÃO V). (4 anos de magistério) Comentário 4) não dão cuidado => não se importam com seu bem estar mental é mais adequado à norma padrão (PADRÃO V), evite repetições. (6 anos de magistério) Comentário 5) dar satisfação => satisfazer; dar fim a sua própria vida => cometer suicídio; não dão importância...cabelo => utilizam roupas e tipos de cabelo inadequados ao seu estilo. Retirei as palavras e expressões sinônimas ou repetidas, para “enxugar” o texto, torná-lo mais conciso. (23 anos de magistério) Comentário 6: “As mudanças sugeridas são para dar mais coesão ao texto e evitar repetições, mas considero um bom texto, pois apresenta coerência e deixa só um pouco a desejar no que se refere à coesão, mas nada tão sério, pois para um aluno da 8ª série ainda há tempo para melhoras” (13 anos de magistério). Comentário 7: “As inadequações vocabulares, redundâncias e repetições de palavras em nada prejudicam a coesão e/ou coerência do texto. Sendo assim, não se faz necessária modificação alguma” (1 ano de magistério) 291 5.4.4 Considerações gerais sobre os resultados dos testes de atitude Os padrões de comportamento depreendidos das respostas dos informantes demonstram que os aspectos pertencentes ao contexto interacional que mais influenciam na escolha por construções com verbo-suporte dar são o tipo de registro, a modalidade expressiva, o gênero textual, o grau de intimidade entre os interlocutores e seu perfil social (faixa etária, escolaridade e status social). No que tange ao registro, o falante tende a associar construções com verbo-suporte a contextos que não sejam formais, chegando a considerá-las, a depender da forma perifrástica, desvios “da norma”. Alguns informantes, em certos comentários, ao alegarem que essas estruturas são mais adequadas à oralidade, vinculam a modalidade escrita ao registro formal da língua e a modalidade falada ao informal, não levando em conta que há textos escritos informais e textos orais formais. Os informantes costumam justificar a escolha por perífrases ou por verbos plenos em função da gênero textual no qual a construção é produzida. Em gêneros publicados em jornais, passíveis de avaliação (como a dissertação do segundo teste) ou com alto grau de formalidade (em situações como a do trecho 3), exige-se o emprego da norma culta, o que faz com que os informantes recorram a predicadores simples e não às estruturas dar + SN. Por outro lado, há muitos gêneros textuais que, em geral, têm caráter menos formal e, por isso mesmo, também servem para marcar algum tom “especial” (de ironia, gentileza, brincadeira, entre outros); e, para compor textos com essas características, os usuários da língua recorrem, entre outras expressões lingüísticas, a predicadores complexos que levem, por exemplo, à intensificação (dar muita tristeza), ênfase (dar uma boa educação) e/ou demonstração de afetividade (dar um beijinho). O padrão de comportamento referente à escolha de estruturas de acordo com o gênero textual, portanto, pareceu mais relevante que o da modalidade expressiva. Provavelmente, isso ocorre porque a observação do gênero textual implica a análise dos motivos pelos quais se empregam tais estruturas que, por sua vez, estão intimamente veiculados aos perfis dos participantes da interação comunicativa (suas características, como faixa etária e nível de escolaridade e o papel profissional/social que desempenham). Constatou-se que muitos informantes dão preferência ao emprego de estruturas com verbo-suporte dar em notícias cujos jornais possuem como público-leitor uma classe mais popular de indivíduos (pessoas normalmente com menor poder aquisitivo). 292 Diferentemente, em situações cujos participantes apresentam alto grau de escolaridade, os informantes tendem a optar pelo emprego de predicadores simples. A posição dos professores de português em conceber as construções dar+SN como inapropriadas ao emprego culto ou formal da língua, provavelmente, influencia o ponto de vista de muitos informantes sobre o uso dessas expressões. Logo, os informantes acabam generalizando a opinião dos professores e considerando estruturas que não apresentam qualquer grau de informalidade (como por exemplo: dar preocupação e dar (muita) tristeza) inadequadas ao contexto formal. Essas atitudes levam à conclusão de que, em geral, não há uma avaliação positiva por parte dos falantes sobre o emprego de predicadores complexos com dar. 293 6. CONSTRUÇÕES DAR +SN NO ENSINO DE PORTUGUÊS 6.1 A abordagem de construções dar + SN em alguns materiais didáticos Em Redação em construção, Carneiro (2001), no capítulo intitulado “Como adequar o vocabulário?”, denomina “adequação vocabular” o emprego coerente de termos de acordo com as situações comunicativas em que aqueles se encontram e define os seguintes tipos de adequação vocabular: (i) adequação ao referente; (ii) adequação ao ponto de vista; e (iii) adequação à situação de comunicação. A adequação ao referente relaciona-se à precisão dos vocábulos, que podem ser divididos em gerais e específicos. Estes abrangem poucos ou apenas um referente, enquanto aqueles podem designar diversos referentes. Exemplifica-os usando o verbo ver – um vocábulo geral (visto que tem emprego mais amplo do que observar, contemplar, distinguir, espiar, fitar, entre outros) e Mona Lisa – um vocábulo específico, que remete à obra de Leonardo da Vinci. Os vocábulos distinguem-se em positivos, neutros e negativos ao serem classificados em relação à adequação do ponto de vista. O autor enfatiza que o que determina essa classificação é o contexto e, por isso, um mesmo vocábulo pode caracterizar-se em três tipos distintos a depender do contexto situacional do qual participa. Um exemplo dado pelo autor é “gelado(a)” (negativo – “O café que tomei estava gelado”; positivo – “Após o banho no mar, tomei um banho gelado”; e neutro 133 – A Antártida é gelada”). A adequação à situação de comunicação refere-se ao emprego de vocábulos formais ou informais em função do registro (formal, semi-formal e informal) do contexto comunicativo. Além de explicações bastante claras quanto a esses tipos de adequação vocabular, o autor apresenta uma série de exercícios de “aplicação”. Dois desses exercícios abordam diferentes empregos do verbo dar: página 170 9) Substitua o verbo dar, nas frases a seguir, por outro verbo de sentido equivalente. 134 1. Deu todos os seus pertences ao convento. doou 2. O relógio deu sete horas. bateu 3. O jogo deu confusão. 133 resultou, provocou Carneiro (2001) não apresenta este exemplo. Decidiu-se acrescentá-lo para uma descrição mais detalhada das classificações dos vocábulos quanto ao ponto de vista. 134 As respostas relativas aos exercícios apresentados por Carneiro (2001) foram sugeridas no exemplar destinado ao professor (“Livro do Professor”). 294 4. O pomar deu muitos frutos. produziu 5. Os jornais deram a notícia. publicaram 6. O pai deu sinais de preocupação. 7. A mãe daria a vida pelo filho. mostrou sacrificaria 8. Saramago deu novos rumos à narrativa portuguesa. imprimiu, traçou 9. O governo deu-lhe uma difícil missão. confiou, atribuiu 10. Não dava para essa profissão. servia É possível notar que o enunciado da questão apenas trata da substituição em função do sentido equivalente; logo, não leva em consideração a questão da adequação vocabular de acordo com a situação de comunicação, já que as frases estão desprovidas de qualquer contexto situacional. Um exercício como esse poderia ser (re)elaborado para valorizar o fato de dar ser um verbo polissêmico, um vocábulo geral (cf. adequação ao referente), e seria possível discutir as implicações do emprego desse elemento e dos seus equivalentes semânticos se fossem explorados diferentes contextos situacionais associados a cada oração apresentada. O outro exercício que também aborda construções com verbo dar segue abaixo: página 181 38) Substitua as expressões destacadas por um só vocábulo de valor equivalente. 1. A editora deu à luz uma nova coleção de Monteiro Lobato. 2. Quando viu o perigo, deu no pé. 3. A funcionária decidiu dar uma colher de chá ao cliente. 4. Ele não dava conta de todas as tarefas. publicou fugiu, escapou, escafedeu-se favorecer, ajudar, auxiliar realizar 5. O delegado deu fim a todos os prisioneiros. liquidou, acabou com 6. Com o discurso ele dava o troco às ofensas. respondia 7. Ele deu uma topada na saída da sala. tropeçou 8. A vítima deu de cara com o criminoso. deparou com, encontrou 9. Guilherme deu as costas à profissão. desprezou a, abandonou a, largou a 10. A criada dava pontos na roupa. costurava, cosia, remendava 295 No exercício acima, o autor usa a expressão “valor equivalente”, que, devido à natureza da atividade, é uma alternativa para “sentido equivalente”. Questiona-se a eficácia desse exercício por não encaminhar qualquer relação das formas predicantes (simples ou complexas) com a questão da adequação lingüística na construção de textos. As frases curtas, sem o contexto situacional claro, não permitem que os alunos reflitam apropriadamente acerca da situação comunicativa. Ao observar as respostas sugeridas, percebemos que a expressão “deu no pé” parece pertencer a um contexto menos formal (cf. adequação à situação de comunicação) e, por isso, seria mais indicado substituí-la por, por exemplo escafedeu-se, o emprego mais informal dentre as três possibilidades sugeridas, e não por fugiu e escapou, cujo registro parece ser neutro (cf. adequação ao ponto de vista) e que não indicam, por si só, traço de formalidade ou de informalidade. Não se acredita que a expressão dar uma colher de chá, em todos os seus contextos de uso, seja equivalente ao emprego dos verbos favorecer, ajudar e auxiliar. Crê-se que a expressão pode ser usada para marcar uma ajuda ou um favorecimento que normalmente não ocorre (Não costumo deixar ninguém que seja menor de idade entrar na festa, mas vou dar uma colher de chá para João porque ele é filho do organizador.) e, por isso, os verbos favorecer, ajudar e auxiliar careceriam dessa nuance semântica. Essa questão somente poderia ser discutida se diferentes contextos discursivos fossem apresentados. Em suma, acredita-se que os exercícios anteriores poderiam estar repletos de questões que relacionassem o tema de “adequação vocabular” com empregos do verbo dar em construções dar+SN. Acredita-se que essa seria uma forma produtiva de fazer com que os alunos refletissem sobre o uso da língua em diversos contextos discursivos e sobre os critérios de adequação vocabular que Carneiro (2001) enfatiza na parte teórica de seu capítulo (especialmente, sobre a adequação ao referente, ao ponto de vista e à situação de comunicação). Nicola (2006:146) é um livro didático que apresenta considerações acerca de verbosuporte no capítulo em que trata do “emprego expressivo de tempos e modos”. Crê-se que seria mais adequado tratar dessa categoria ao mencionar as categorias de verbos auxiliares, já que o verbo-suporte se comporta como um verbo semi-auxiliar para a verbalização do elemento que o acompanha. Apesar disso, compreende-se que essa organização, provavelmente, se deve ao fato de o autor desejar ressaltar os “empregos expressivos” das construções com verbo-suporte. Após o título – verbo-suporte –, há uma reportagem, extraída 296 de um site (http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2003/festivaldecannes/blog.shtml), sobre uma atriz: (...) A atriz australiana contou que, quando adolescente, fez o mesmo pelo grupo musical Abba (sim, ela disse Abba, mas deu uma risadinha (grifo nosso) depois de pronunciar esse nome) e pelo ator Mel Gibson (aqui ela não riu). Ainda disse se lembrar de que, ao ver Gibson passar, gritou para as amigas: “Meu Deus, ele olhou pra mim”. Em seguida, aparece a definição de verbo-suporte da seguinte forma: Pelas diferentes combinações possíveis na nossa língua, alguns verbos podem ser empregados como suporte sem conteúdo semântico, transferindo toda a carga significativa ao seu complemento. Os exemplos usados para fundamentar a definição são: Dei uma olhada nas vitrines da galeria comercial. (olhei (as vitrines da galeria comercial)); Nós não temos conhecimento do assunto. (conhecemos (o assunto)); Eles fizeram uma distinção entre titulados e não titulados. (distinguiram (titulados e não titulados)) De fato, o conteúdo semântico dos verbos das construções acima encontra-se bastante esvaziado, mas afirmar que eles transferem “toda a carga significativa ao seu complemento” não parece ser coerente, visto que, no primeiro exemplo, dar uma olhada significa olhar rapidamente para as vitrines e é possível detectar nesta ação ainda uma transferência, mesmo que metafórica, visto que o sujeito destina ou transfere sua visão para um determinado elemento (neste caso, as vitrines). Da mesma forma, em ter conhecimento, o verbo ter, ainda que metaforicamente, pode indicar a posse de algo bastante abstrato – o conhecimento. Vale lembrar que a permuta de ter por tomar acarretaria uma perífrase de sentido distinto, resultante da articulação da carga semântica que ainda permanece no verbo-suporte com o valor do nome que a este se alia. Observa-se também que o autor apenas envolve o critério semântico na definição do termo, desconsiderando o fato de que, diferentemente de um verbo predicador, o verbo-suporte partilha com o elemento não verbal a função de projetar argumentos. Um aspecto bastante positivo da descrição proposta nessa obra é o enfoque nos efeitos de sentido que as expressões com verbo-suporte podem apresentar: Tal emprego permite criar novos efeitos por meio da modificação nominal e do emprego de afixos. Compare os enunciados extraídos do texto acima: (sim, ela disse Abba, mas deu uma risadinha depois de pronunciar esse nome) • O emprego do verbo suporte dar seguido de complemento sugere um tom informal (pois está se fazendo um comentário à maneira de fofoca) • O substantivo risada vem acrescido do sufixo diminutivo –inha, que, entre outras coisas, pode revelar acanhamento, ironia, menosprezo. 297 • Se, no lugar de “deu uma risadinha”, tivéssemos a forma riu, mesmo com advérbios que a modifiquem e intensifiquem (riu ironicamente, riu de modo acanhado, etc.), não seriam possíveis as entrelinhas sutis de significação: Aqui ela não riu. (indica que não efetuou a ação de rir). Percebe-se que o autor faz observações coerentes acerca da relação entre a inserção de elementos e mudança de sentido. Logo, levou em conta que a escolha por perífrases com verbo-suporte pode ocorrer devido às funções semântico-discursivas que seu emprego permite alcançar. O autor ainda poderia usar os exemplos “dei uma olhada”, para comentar as funções ligadas ao aspecto verbal (mais momentâneo), e “fizeram uma distinção”, para discutir sobre a valência (a depender do contexto, não há necessidade de detalhar o complemento “entre titulados e não titulados”). Além disso, poderiam ser contempladas expressões com verbossuporte cujo equivalente verbal não é cognato ao elemento não verbal da perífrase, tais como dar conta do trabalho e dar as costas. Quanto às atividades propostas em Nicola (2006), encontrou-se apenas um exercício em que o emprego de verbo-suporte foi levado em conta: página150 8) Compare os pares e comente suas sutis diferenças de significação, ênfase, aspecto. b) I. Fotografaram o momento da votação de Celina Guimarães Viana. II. Tiraram uma foto histórica do momento da votação de Celina Guimarães Viana. Essa proposta de exercício está coerente com o que o autor enfatiza na parte teórica de seu texto – algumas funções semântico-discursivas. Será muito produtivo que os alunos exponham suas impressões acerca do emprego dos pares acima na constituição do discurso. Devem, provavelmente, perceber a versatilidade sintática da perífrase (possibilidade de inserção de elementos – uma/histórica) e a diferença de seu sentido em relação ao verbo “fotografaram”. Logo, é possível que os alunos comentem, em relação ao trecho II, que um indivíduo que ouve ou lê esse trecho pode compreender que apenas uma foto foi batida (e não duas, três...), enquanto uma pessoa pode interpretar a ação presente no trecho I como “muitos fotografaram”, ou seja, a ação resultou em várias fotografias. Martins Filho (1992) constitui um manual de redação e estilo do jornal O Estado de São Paulo cujo objetivo é “definir princípios que tornem uniforme a edição do jornal.” (MARTINS FILHO, 1992:11). Prevê, também, que a obra possa ser aproveitada por outras pessoas que não sejam jornalistas: Embora destinado a jornalistas, o livro também pode constituir eficiente auxiliar de todos aqueles que precisem escrever com regularidade, estejam se preparando para exames de redação ou queiram conhecer as principais particularidades da 298 língua portuguesa. Os erros mais comuns do idioma mereceram atenção especial e não apenas se alerta o leitor para eles, como se mostra a melhor maneira de evitálos, sempre que possível por meio de regras práticas. (MARTINS FILHO, 1992:1, grifo nosso) Levaram-se em conta algumas considerações encontradas no manual que se relacionam, diretamente ou não, ao emprego de construções com verbos-suporte. Acerca do emprego de verbos, locuções ou expressões, destacam-se as seguintes advertências no manual: (...) Não diga em duas palavras o que você puder exprimir em uma. (...) mencionar substitui com vantagem fazer referência (...) (MARTINS FILHO, 1992:73, grifo nosso) Entre os chavões mais freqüentes, estão as locuções e combinações invariáveis de palavras (sempre as mesmas, na mesma ordem) que também comprometem o texto. Neste caso se enquadram ainda as frases feitas que, embora originárias da literatura popular (dar a volta por cima, por exemplo), terminam por se repetir à exaustão, produzindo o mesmo efeito do lugar comum Eis os principais exemplos: (...) dar com burros n’água, dar mão forte a, dar o último adeus (...) (MARTINS FILHO, 1992:49, grifo nosso) “Fazer erro”, “fazer falta”. Em bom português, fazer não substitui cometer ou praticar. Use, pois: cometer erros, praticar faltas, cometer equívocos, distrações, enganos, etc. (MARTINS FILHO, 1992:172, grifo nosso) Ter. Use o verbo ter nos seus verdadeiros significados, em vez de transformá-los em mais um coringa dos títulos. Veja exemplos de seu mau emprego: Médicos ingleses têm controvérsias sobre a Aids │ Crianças têm campanha no colégio para Constituinte │ Assassinos de Joana têm 15 anos de cadeia │ Fiscais têm 50 denúncias por dia │ Senador tem aplausos dos eleitores. (MARTINS FILHO, 1992:82, grifo nosso) Ter (abuso). Use o verbo ter livremente, nos seus sentidos habituais e corretos; evite, porém, transformá-lo em verbo-ônibus (como sinônimo de praticamente todos os demais), especialmente nos títulos, apenas por causa de seu reduzido número de letras. Veja alguns exemplos reais e no mínimo discutíveis: (...) Ladrão de carro tem pena até o ano 2000 / Fiscais têm 50 denúncias, mas não autuam a empresa. (MARTINS FILHO, 1992:281, grifo nosso) Os três primeiros trechos destacados demonstram a atitude de aversão ao emprego de perífrases verbo-nominais que alguns têm. Nas palavras de Martins Filho, tais estruturas podem comprometer o texto e não fazem parte do bom português. Além disso, ao mencionar sobre os verbos “ter” e “fazer”, ele demonstra claramente que tais itens não devem ser empregados com acepções distintas de seu sentido básico (respectivamente, “possuir” e “construir/realizar”), pois outras acepções não configuram sentidos habituais e corretos. O autor ignora, portanto, alguns aspectos fundamentais: (i) a necessidade do emprego dessas 299 construções para veicular mais apropriadamente funções pragmático-discursivas; (ii) o emprego do que o autor denomina frases feitas (dar a volta por cima) não está vinculado necessariamente a textos de registro informal, de origem popular, podendo haver diversas construções (como dar conta, dar sorte, dar baixa, etc.) adequadas a gêneros textuais formais e informais sem que o bom português seja comprometido; e (iii) o emprego de verbos polissêmicos/polifuncionais como ter, fazer e dar com acepções distintas de, respectivamente, “possuir”, “construir” e “entregar” não empobrece a língua, pois decorre de um processo natural de expansão do uso que, muitas vezes, pode favorecer o esvaziamento de significado e, conseqüentemente, a mudança categorial do item, de verbo predicador para verbo-suporte. Na verdade, compreende-se o autor quando critica a “repetição”, pois se acredita que o usuário da língua deve buscar ser coerente em seus textos e, especialmente naqueles pertencentes a gêneros formais, a repetição pode se tornar um aspecto negativo. No entanto, não se compartilha a idéia de evitar ou banir determinadas expressões ou verbos da língua, pois seu emprego pode estar relacionado a alguma necessidade discursiva e, portanto, adequado à situação comunicativa em que se inserem. 6.2 Possíveis abordagens das construções dar + SN em aulas de Português As orientações e propostas de atividades apresentadas nesta seção devem ser encaradas como pontos de partida para reflexão (especialmente, por parte de professores de português) a respeito de como lidar com formas predicantes que viabilizem ao aluno desenvolver habilidades relacionadas à seleção de formas lingüísticas na leitura e na construção textual/discursiva, pois considerar este material implica adequá-lo às condições encontradas em sala de aula. Logo, as atividades aqui utilizadas como ilustração de possibilidades de trabalho com o tema podem ser alvos de reelaboração, levando-se em conta, entre outros aspectos, a seleção de gêneros textuais condizentes com os interesses e com as necessidades dos alunos. Uma das formas de encaminhar a reflexão sobre o uso de dar em estruturas dar + SN em sala de aula é solicitar que os alunos se manifestem sobre alguns dos sentidos que dar veicula em contextos discursivos distintos (cf. exemplos desses contextos no quadro 22). Uma proposta de atividade que leve em conta essa orientação pode ter, entre outros objetivos, possibilitar que os alunos: (i) reconheçam que, em alguns exemplos, dar não se apresenta como predicador pleno, com significado transferencial (como, normalmente, é tratado por gramáticas normativas); (ii) compreendam a noção de significado básico; (iii) analisem as 300 características sintáticas (valência quantitativa) e semânticas (acepção e tipos de argumentos selecionados) do verbo dar apresentado em cada contexto; (iv) com base na depreensão de características sintático-semânticas semelhantes e distintas pertencentes aos diversos empregos de dar, sistematizem informações sobre a atuação de dar como verbo predicador pleno, verbo predicador não pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte; e (v) reflitam sobre a possibilidade de substituição de dar, nas categorias depreendidas, por outros verbos, enfocando a discussão sobre em que medida a comutação é adequada às características 135 do gênero textual em que a forma se apresenta (cf. quadro 23 com um exemplo de atividade com a categoria de verbo predicador a verbo-suporte.). A) Uma notícia – Jornal do Brasil Brasil é fiador da paz histórica entre Peru e Equador Documento assinado em Brasília encerra cinco décadas de conflito e cerimônia leva FH às lágrimas Sete presidentes e os reis da Espanha assistiram ontem, em Brasília, à assinatura do acordo de paz entre Peru e Equador, numa cerimônia marcada pela emoção. O discurso do presidente equatoriano, Jamil Mahuad, fez Fernando Henrique Cardoso chorar. Mahuad roubou a cena e deu ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, o cantil que seu avô usara no confronto com os peruanos em 1941. (27.10.1998) B) Uma conversa entre duas amigas Amiga 1: Você esperou seu namorado por uma hora? Amiga 2: Claro que não! Deu três horas quando eu me arrumei e fui à festa. C) Um testemunho para a igreja Eu era um rapaz muito bagunceiro... muito, saía muito... dava muito desgosto à minha mãe. D) Propaganda – Jornal Extra A TED é a maior organização de empregos e ensino comercial prático do País, dando plena garantia de encaminhamento a emprego para seus alunos. E) Notícia – Jornal do Brasil O delegado, tendo ontem denúncia de que, na Gamboa, se achava um homem de nome José Vieira Pinto, que diziam ser o protagonista do crime de Copacabana, deu ordens, para que se descobrisse tal indivíduo. 135 Considera-se que a reflexão sobre as características discursivas dos gêneros (quem escreveu/falou; para quem escreveu/falou; como escreveu/falou; onde/quando escreveu/falou; com qual finalidade escreveu/falou; o porquê escreveu/falou) deve ser diretamente relacionada à análise das expressões lingüísticas do texto, processo que, por sua vez, leva à ativação dos conhecimentos lingüísticos, de mundo e de organização textual do leitor (cf. MOITA LOPES, 2003). Logo, as atividades que apresentam textos que possibilitem a percepção dos contextos discursivos podem ser usadas para gerar frutíferas discussões no intuito de demonstrar/ensinar estratégias de leitura, tal como a ativação desses conhecimentos. Por exemplo, a interpretação de itens lexicais como “11 de setembro” e “Osama” na crônica apresentada será adequada se os alunos/leitores acessarem seu conhecimento de mundo. Além disso, a observação de outras expressões, como “tomando todas” e “dar vacilo”, faz com que alunos/leitores tenham consciência de que esse gênero permite veicular um registro menos formal. 301 F) Crônica – webartigos. com (14/02/08) Hoje é dia de Fla x Flu Nada mais interessa nesse dia, porque... Hoje é dia de "FLA x FLU"! (...) Como não tem jeito, a galera vai pro "sacrifício", fazer hora pro tempo passar, tomando "todas" e mais algumas, nos botequins da vida. As "patroas", malandramente sábias, conhecem muito bem a "importância" do dia de hoje que nem chegam perto pra não dar vacilo. Qualquer palavra mal colocada, qualquer cobrança na hora errada, qualquer cara amarrada e a situação vira "Oriente Médio". A casa cai mais rápido que no "11 de setembro". É terrorismo brabo, que nem o "Osama" se atreve a idealizar. Quadro 22: Alguns contextos discursivos que apresentam dar em diferentes categorias funcionais. Situação A) Palestra para empresários 1) “É necessário que se façam investimentos que dêem retorno.” 2) “É necessário que se façam investimentos que proporcionem retorno.” Possíveis questões para discussão: O sentido da frase mantém-se com a substituição do verbo dêem por proporcionem? Por quê? Dêem e proporcionem são verbos adequados para a situação comunicativa (a palestra para empresários) ou o emprego de um seria mais adequado, neste caso, do que o outro? Por quê? Situação B) Locutor de futebol narrando um jogo ao vivo Ronaldinho driblou, olhou, deu um chute...a bola bateu na trave e foi pra fora! Possíveis questões para discussão: O sentido da frase mantém-se com a substituição do verbo deu por desferiu? Por quê? Deu e desferiu são verbos adequados para a situação comunicativa (um locutor de futebol narrando um jogo ao vivo) ou o emprego de um seria mais adequado, neste caso, do que o outro? Por quê? Situação C) Locutor de boxe narrando uma luta ao vivo Cruzado de direita, knockout!!! Popó deu um cruzado de direita e levou seu adversário à lona!!! O sentido da frase mantém-se com a substituição do verbo deu por desferiu? Por quê? Deu e desferiu são verbos adequados para a situação comunicativa (um locutor de boxe narrando uma luta ao vivo) ou o emprego de um seria mais adequado, neste caso, do que o outro? Por quê? Quadro 23: Alguns contextos discursivos e questões relacionadas às implicações da substituição do verbo dar (como verbo predicador a verbo-suporte) por outro item verbal. 302 Com a utilização de testes de atitude (entrevistas orais) para ampliar a investigação do fenômeno de alternância entre predicadores complexos com dar e predicadores simples, foi possível depreender diversos padrões de comportamento (cf. seção 5.4.3) dos falantes em relação ao emprego das formas alternantes em diversos contextos discursivos. Uma maneira de promover a discussão sobre esses padrões em sala de aula é solicitar aos alunos que se manifestem quanto ao emprego dessas formas em: (i) situações comunicativas que apresentem gêneros textuais orais formais (tais como exposições acadêmicas (seminários), discursos oficiais e conferências) e informais (tais como conversas espontâneas e entrevistas pessoais) e/ou gêneros escritos formais (tais como artigos científicos, contratos comerciais e requerimentos) e informais (tais como cartas pessoais, bilhetes, e-mails e volantes de rua); (ii) gêneros jornalísticos (notícias, editoriais, crônicas, anúncios, entre outros) pertencentes a veículos de natureza mais/menos popular; e (iii) eventos comunicativos cujos interlocutores apresentem pouco/muito grau de intimidade, alto/baixo nível de escolaridade, iguais/distintas faixas etárias e diferentes/semelhantes níveis sociais. Abaixo, encontram-se os exemplos de algumas situações discursivas. Após lerem cada situação, os alunos poderiam discutir as seguintes questões centrais: “É possível substituir a construção com verbo dar por um verbo cognato ao substantivo (SN) dessa construção e, ainda assim, manter as características do contexto discursivo apresentado? 136 Por quê?”. 1) Crônica (site: http://www.viniciuswerneck.com/2006/03/crnica-de-uma-infncia.html Acesso em fevereiro de 2008) Crônica de uma infância Chegando no colégio a “tia” (até os 20 anos chamei uma das professoras assim, acredite) perguntou onde estava minha mãe. Feliz eu disse que hoje eu tinha deixado ela ficar em casa sem mim. E ela nem tinha chorado! Coisa de criança. Entrei no colégio, orgulhoso, e fui direto para o pátio. Num daqueles dias eu havia visto um garoto mostrar o tênis novo dele de maneira, digamos, bem sutil... Primeiro ele deu uma tossidinha. 2) Notícia (site: http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/MostraNoti.asp?par=220 Acesso em agosto de 2007) Serviço para o desempregado 136 Na verdade, é possível discutir/analisar o emprego de outras formas lingüísticas para veicular sentidos semelhantes aos da perífrase dar + SN e ao do verbo pleno cognato. Esse procedimento pode ocorrer de acordo com as possibilidades encontradas nos contextos discursivos. Por exemplo, no texto 6, o emprego de “dar um beijinho”, de “beija” e de “tascar beijos” pode ser alvo de uma discussão que enfoque as nuances semânticodiscursivas atingidas pelo uso de cada uma das três formas no contexto apresentado. 303 Quem quer emprego deve procurar um dos 27 postos espalhados pela Cidade com o RG, CPF e carteira de trabalho. Quem ainda não tem uma pode conseguir a primeira num desses postos. O trabalhador que acaba de perder o emprego também pode se habilitar a receber o seguro-desemprego numa daqueles postos. Eles também se prestam a dar orientação trabalhista. 5) Depoimento escrito para o autor de um artigo científico acerca do filme que (site: desenvolveu para área de odontologia. http://www.fob.usp.br/nied/Fidela_Tecnologias_FOB-USP.pdf Acesso em agosto de 2007) Gostaria de dar parabéns pelo filme, muito didático, e muito bem desenvolvido. Gostaria de saber se poderia utilizá-lo em uma apresentação sobre PCR em tempo real, a ser ministrada Fiocruz, em outubro. Caso seja possível, gostaria de saber como fazer para salvar a apresentação. Grata. Mestranda-Ciência de Alimentos Instituto de na Química/ UFRJ 6) Notícias (site: http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,AS0-9798,00.html – Acesso em abril de 2008) Conheça as celebridades que só querem saber de trocar selinhos Rodrigo Scarpa, o repórter Vesgo, não perde uma oportunidade de tentar dar um beijinho em seus entrevistados (...) O que parecia ser apenas uma moda virou rotina entre as celebridades. O caso mais recente aconteceu no aniversário de Mauricio Mattar e no show de Preta. Os dois tascaram beijos em seus convidados. Com as orientações mencionadas e os exemplos de exercícios, objetivou-se demonstrar que é possível explorar, no ensino de Português, as diferentes categorias funcionais de dar e a alternância entre construções com dar+SN e predicadores simples. Com o acesso a esses conhecimentos, “o usuário da língua poderá desvendar as implicações semântico-discursivas das escolhas gramaticais que faz e perceber as vantagens envolvidas no emprego de uma ou outra possibilidade estrutural (perifrástica ou simples)” (MACHADO VIEIRA, 2004). 304 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente dissertação permitiu aprofundar o que se conhece sobre o comportamento sintático e semântico do verbo dar em construções dar + SN e de formações com esta estruturação que atuam, morfossintática e semanticamente, como unidades verbais. Com a concepção funcionalista de que a língua é instrumento de interação social entre seus fundamentos, destaca-se a função das formas lingüísticas na organização dos discursos, na construção de textos. A investigação criteriosa sobre as propriedades de seleção de dar e seu comportamento semântico em construções dar + SN contou com dados pertencentes a corpora escritos e orais de PB e de PE e forneceu subsídios para se descreverem diferentes empregos de dar nesse tipo de estrutura e, assim, se delinear uma cadeia de gramaticalização de dar (de verbo predicador a verbo-suporte) com base em Heine et alii (1991). Demonstrou-se que a gramaticalização é o processo responsável pela transferência categorial gradual de dar de verbo predicador a verbo-suporte. Neste continuum, sobressai o parâmetro de persistência (HOPPER, 2001), segundo o qual, durante esse processo, o item manifesta traços da forma fonte e da forma alvo, configurando uma categoria intermediária: a categoria verbo predicador a verbo-suporte, que contempla os casos em que dar pode ser interpretado como predicador, o núcleo sintático-semântico da predicação, e como verbo-suporte, forma semigramatical que compartilha a função predicante com o SN que, sob atuação daquele, se torna o núcleo semântico do predicador complexo que formam. Para compreender melhor a configuração de propriedades sintáticas e semânticas característica de cada categoria, compararam-se, com base em Dik (1997), os marcos predicativos de alguns exemplos do corpus com o marco predicativo básico de predicações com dar como verbo predicador. No exame da literatura lingüística existente sobre o tema, fica evidente que, em obras de caráter normativo, dar é descrito apenas como verbo predicador (“principal”) em construções dar + SN, diferentemente do que já se reconhece em obras de orientação teórico-descritiva e pesquisas lingüísticas que levam em conta a possibilidade de dar apresentar um comportamento mais gramatical (categoria de verbo-suporte). Ocorre que, entre os autores dessas obras/pesquisas, há aqueles que não exploram, em suas análises, extensões de sentido associadas à categoria verbo-suporte, limitando-se à questão do esvaziamento semântico envolvida no processo que desencadeia esse emprego de dar (NEVES, 2000 e GOMES, 305 2005) e outros (BORBA, 1996; LAPA, 1973; ALLAN, 1998; BARON e HERSLUND, 1998), por sua vez, que consideram a hipótese a hipótese de esse verbo, nessa condição, servir para poder expressar extensões de sentido. O presente estudo dialoga com essas obras, uma vez que a elaboração da cadeia de gramaticalização de dar e dos marcos predicativos relacionados a cada categoria contribui para a comprovação dessa hipótese ao demonstrar que, em diversas construções, o verbo-suporte dar pode revelar valores não-transferenciais (A empresa dá lucro), transferenciais metafóricos (O presidente deu boas notícias/O jogador deu bananas à torcida) e o valor genérico de ação/atividade (Para ganhar a partida, os atletas deram saltos). Ao pertencer às categorias verbo predicador a verbo-suporte e verbo-suporte, o verbo dar constitui mais um recurso do sistema (cf. parâmetro de estratificação), além de morfemas formadores de verbo, para derivar “unidades verbais” a partir de nomes, para verbalização. Encontraram-se diversos predicadores complexos passíveis de substituição por predicadores simples cognatos a seus SNs (dar pulo = pular; dar susto = assustar), o que suscitou o interesse pela pesquisa de condicionamentos que geram essa possibilidade de alternância. A investigação desse fenômeno em dados do Português Brasileiro fundamentou-se na conjugação de pressupostos sociolingüísticos e funcionalistas (Sociofuncionalismo), com base nos quais se consideram aspectos semântico-discursivos, além dos aspectos estruturais e sociais como condicionadores dessa alternância. Tanto no estudo de gramaticalização de dar quanto na investigação da alternância entre predicadores complexos e simples, contou-se, além de amostras de dados do comportamento lingüístico de usuários do Português, com outro tipo de material: testes de atitude, que permitiram revelar como o emprego das construções dar + SN se apresenta na perspectiva do falante da língua. Destacam-se os seguintes resultados em relação à freqüência de ocorrência do verbo dar na categoria semi-gramatical de verbo predicador a verbo-suporte e na categoria gramatical de verbo-suporte: é mais expressiva do que a categoria lexical de verbo predicador (pleno ou não) em ambas variedades nacionais e modalidades expressivas, no século XX e no século XXI, em notícias e artigos de opinião (em comparação a anúncios e a editoriais), e em narrativas recontadas e de experiência pessoal (em comparação a relatos de opinião). Os aspectos sintático-semânticos que mais significativamente colaboram para que o verbo pertença a categorias (semi-)gramaticais e para que, conseqüentemente, os componentes dos predicadores complexos apresentem altos graus de integração são estes: (i) quanto ao verbo, a 306 impossibilidade de comutação com qualquer outro item, a possibilidade de substituição apenas por outro verbo-suporte, e a presença do traço [+foco] na ação; e (ii) quanto ao SN, a presença do traço [+ quantificação universal], sua natureza predicante, e a impossibilidade de anteposição e de substituição por outro. Sendo assim, confirmou-se a hipótese de que Os maiores níveis de integração entre verbo e SN manifestam-se entre estruturas em que dar expressa noção de ação/atividade. Os resultados dos testes de atitudes aplicados para checar a pertinência da análise dos predicadores complexos em função de critérios que envolvem certa subjetividade (possibilidade de anteposição do SN, de inserção de elementos intervenientes na perífrase e de substituição do verbo e do SN) colaboraram para uma descrição mais refinada do fenômeno. Os resultados do estudo sobre alternância entre predicadores complexos e verbos plenos revelam a maior produtividade destes do que daqueles em relação à distribuição geral dos dados. No entanto, a análise probabilística permitiu constatar que a tendência ao emprego de predicadores complexos ocorre, principalmente, quando o falante deseja marcar alguma nuance de sentido especial e quando não há diferença de extensão silábica em relação ao verbo predicador ou quando a perífrase apresenta menor extensão silábica. Quanto à variável modalidade expressiva, apesar de a hipótese de que predicadores complexos seriam mais produtivos na fala não se confirmar (há mais verbos plenos em ambas as modalidades), comprovou-se a hipótese de que há mais predicadores complexos com nuance semântica especial na fala. Relacionando esses resultados à faixa etária dos falantes, constatou-se que falantes mais jovens (até 17 anos) e na faixa intermediária (11-35 anos) apresentam maior produtividade de perífrases na fala do que na escrita. Além disso, o emprego de predicadores simples na escrita é proporcional ao aumento da faixa etária (falantes mais velhos – 18 a 35 anos –, empregam mais verbos plenos). Tais resultados indicam que os falantes apresentam certas restrições quanto ao uso de perífrases na escrita decorrentes, provavelmente, de recomendações de cunho normativo provenientes da escola e/ou manuais de redação. Quanto ao grau de escolaridade, a tendência ao uso de perífrases é alta em todos os níveis investigados, exceto entre falantes do 3° ano do Ensino Médio e do último período do Ensino Superior. Os dados de perífrases obtidos entre estes grupos de informantes apresentam, em geral, nuance semântica especial, revelando que, para falantes com esses graus de escolaridade, o emprego dessas construções ocorre para alcançar funções semântico-discursivas. 307 A investigação de dados pertencentes a textos jornalísticos revela que a maior tendência ao uso de dar ocorre em notícias e artigos de opinião (em comparação com editoriais e crônicas). Não foi confirmada a hipótese de que em textos jornalísticos provenientes de jornais mais populares (Extra e O Povo) haveria maior produtividade de perífrases do que de verbos plenos. No entanto, a relação entre as fontes dos textos jornalísticos e a variável presença de nuance semântica permitiu a conclusão de que os predicadores empregados nesses jornais não apresentam nuance de sentido especial, presente nas perífrases encontradas em jornais menos populares (O Globo e Jornal do Brasil), o que leva a crer que motivações de natureza pragmático-discursiva geram o emprego dessas construções nesses jornais. Destacase, portanto, que a consideração da variável presença de nuance semântica como condicionadora do fenômeno de alternância entre predicadores complexos e formas verbais simples revelou que os falantes empregam essas formas com algum grau de consciência. Os resultados dos testes de atitude aplicados com o objetivo de verificar as opiniões dos falantes sobre o emprego das formas alternantes demonstraram que os usuários da língua consideram as perífrases adequadas, principalmente, a contextos informais e à fala. Uma parte da presente dissertação foi dedicada a considerações sobre o ensino das construções dar + SN. Apresentaram-se apreciações críticas quanto às recomendações, presentes em um manual de redação, de evitar o emprego de verbos-suporte. Ademais, analisaram-se como algumas, Carneiro (2001) e Nicola (2006), tratam de expressões com verbos-suporte, já que a primeira propõe alguns exercícios e a segunda oferece alguma teorização sobre essa categoria. Além disso, desenvolveram-se orientações relacionadas à abordagem de construções com dar + SN em aulas de Português, levando-se em conta, principalmente, o emprego de gêneros textuais distintos para que se faça um trabalho de “análise de lingüística” (MENDONÇA, 2006) que possa considerar os principais resultados das pesquisas acerca de gramaticalização de dar e de alternância entre predicadores complexos com dar e verbos plenos. Logo, acredita-se que, em linhas gerais, esta dissertação possa contribuir com: (i) a ampliação do entendimento do processo de gramaticalização de verbos, (ii) a investigação, por meio de testes de atitudes, de condicionamentos semântico-pragmáticos que envolvem o emprego de formas alternantes (e não “variantes” em sentido estrito), (iii) a possibilidade de articulação entre Sociolingüística e Funcionalismo (Sociofuncionalismo) para fundamentar os estudos sobre o fenômeno de alternância e (iv) o ensino de estruturas lingüísticas com base na análise de seu emprego em diversos contextos situacionais. 308 Ainda há muito que pesquisar sobre a configuração sintático-semântica de construções dar+SN. Temas que podem ser revistos e, por conseguinte, gerar novos estudos são a lexicalização dessas estruturas, a polifuncionalidade e/ou gramaticalização de dar e a alternância de formas predicantes simples e complexas. É possível acrescentar ao estudo da gramaticalização de dar uma análise das construções dar + SPrep (dar de si). É possível ainda investir na alternância entre construções dar uma X-ada e formas simples (dar uma finalizada/finalizar). Em outras palavras, as construções com verbo dar continuarão dando muito trabalho para outros pesquisadores! 309 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALKIMIN, Tãnia Maria. Sociolingüística Parte I. In: Mussalim, Fernanda & Bentes, Anna Christina (orgs.) Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 5ª ed. São Paulo: Cortês, 2005 2. ALLAN, Quentin. Delexical verbs and degrees of desemanticization. Word, 49 (1), 1998, p. 1-17. 3. AMARAL, Luís I.C. A importância de variáveis estilístico-discursivas para as análises de fenômenos lingüísticos variáveis. In: Variação e mudança no português falado na região Sul, 2002, p. 47-68. 4. BARON, Irène. e HERSLUND, Michael. Support verb constructions as predicate formation. In: OLBERTZ, H., HENGEVELD, K. & GARCÍA, J. S. 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(ibidem, p. 1) (p.48) I find that make and to a lesser extent give and have typically retain most of their ful, intuitive meaning, whereas take is largely, and at times fully devoid of its intuitive meaning (ibidem, p. 1) (p.49) an answer exists, however fleetingly, in time and space. (ibidem, p. 6) (p.50) after the action has been performed, it might be argued that it has a new position, but this is clearly very different from possessing a turn. (ibidem, p. 7) (p.50) verbs which, without a very specific or characteristic meaning of their own, combine rather narrowly with a verbal or non-derived noun with or without a determiner (BARON & HERSLUND, 1998:99) (p.51) (…) support verbs have a very general and “bleached” meaning: the objetct noun denotes the result of an activity which consists in creating something; so that all that is left for the verb to express is the general idea of a cration, this “creation” being of course different in each case as a function of the specific object constituent (…) (ibidem, p. 103) 315 (p.51) (...) goes far beyond the limits of the verb phrase, insofar as it constitutes a type of predicate formation which interacts crucially with the formation of complex noun phrases and compounds. As such, VNPs constitute a very important phenomenon in the frontier region between verbal and nominal syntax (…) (BARON & HERSUND, 1998:114) Seção 3 (p.57, nota 31) Since participants have a theory about the pragmatic information of the other, they can also estimate what is shared and what is not shared between their own and the other’s pragmatic information. This estimate of shared and non-shared information is of obvious importance for the success of verbal interaction. One rather common strategy is for S to start from estimated shared information, and to proceed from there to estimated non-shared information in order to have this added to, or substituted for, pieces of A’s pragmatic information. This strategy, which has been termed the “Given-New Contract” is psychololinguistic work (Clark-Clark 1997), also has its impact on the pragmatically relevant structuring of linguistic expressions. (DIK, 1997:11 v.1) (p.58) - All lexical items of a language are analysed as predicates. - Different categories and subcategories or types of predicates are distinguished, according to their different formal and functional properties. Thus, many language have at least verbal (V), adjectival (A), and nominal (N) predicates, and various subtypes within these categories. - All predicates are semantically interpreted as designating properties or relation. - Predicates may be basic or derived. They are basic if they must be known as such in order to be used in appropriate ways. They are derived if they can be formed in regular ways by synchronically productive rules of predicate formation. - Basic predicates may be stems, words, or combinations of words. If a basic predicate consists of a combination of words, it will be an idiom: although it consists of different words, it cannot be semantically derived by productive rule. - All basic predicates are listed in the lexicon. The lexicon thus contains the full stock of basic predicates of the language. - Predicates are not regarded as isolated elements, to be inserted into independently generated structures of some kind; they are considered to form part of structures called predicate frames. - Each basic predicate frame in the lexicon is associated with s number of meaning postulates, through which the predicate is semantically related to other predicates of the language. - Derived predicates will likewise consist of (derived) predicate frames. - Predicate frames are supposed to have no linear order: the order in which they are presented (predicate first, then argument positions) is purely conventional. (ibidem, p.59 e 61) (p.58) - All linguistic expressions which can be used to refer to entities in some world are analysed as terms. - Terms range from very simple items such as pronouns (he, she, they) and proper names (john, Mary) to extremely complex noun phrases (…) - Terms may also be used to refer to higher-order entities such SoAs (the defeat of the enemy), possible facts (that John sold the car) or speech acts (John’s questions what he should do). Such terms will often contain embedded predications, embedded propositions, or embedded speech acts. (ibidem,p.59 e 61, v.1) 316 (p.61) the conception of something that can be the case in some world (DIK, 1997:1) (p.62, nota 35) Propositions are things that people can be said to believe, know or think about; they can be reason for surprise or doubt; they can be mentioned, denied, rejected, and remembered; and they can be said to be true or false. that people can be said to believe, know or think about; they can be reason for surprise or doubt; they can be mentioned, denied, rejected and remembered; and they can be said to be true or false. (ibidem, p. 52) (p.66) The opposition [±exp] does not necessarily have a deep impact on the grammatical organization of natural languages. (ibidem, p. 116) (p.66) (i) Semantic functions (Agent, Goal, Recipient, etc.) specify the roles which the referents of the terms involved play within State of Affairs designated by the predication in which these terms occur. (ii) Syntactic functions (Subject and Object) specify the informational status of a constituent within the wider communicative setting in which it occurs (that is, in relation to the pragmatic information of S and A at the moment of use). (ibidem, p.26 v.1) a. b. c. d. e. (p.69) Nuclear predicate frames never contain more than one instance of a given semantic function. In all predicate frames, A1 has one of the functions in [1]; In two-place predicate frames, A2 has one of the functions in [2a], or [2b]; In three-place predicate frames, A2 has the function in [2a], and A3 has one of the functions in [2b]. [-dyn] SoAs are incompatible with semantic functions implying movement (Direction and Source). (ibidem, p. 120) 317 Seção 3.1.2 (p. 72, nota 48) The unidirectionality of grammaticalization is the most important constraint on morphosyntactic change. Most cases of "degrammaticalization" that are cited in the literature do not show the reversal of grammaticalization (or "antigrammaticalization"), but something else. (HASPELMATH, 2002, p.17) The basic generalization stands unchallenged as long as nobody shows that degrammaticalization is as common as grammaticalization. (ibidem, p.23) (p.74) For each preposition, we recognize a central or prototypical sense. The prototypical sense, rather than being highly general, may well profile a very specific configuration. Polysemy comes about when the preposition is used in a sense which is closely related to, but distinct from the prototypical instance. (…) The various senses of the word thus radiate out from the central prototype like the spokes of a wheel. Senses at the periphery might well have little in common either with each other or with the central sense (…). (TAYLOR, 1988:301 apud HEINE, 1991) (p.75) (a) maximize the number of attributes shared by members of the category; and (b) minimize the number of attributes shared with members of other categories. (ROSC, 1973b apud TAYLOR, 1995:51) (p.75) Semantic criteria surely play a role in any intensional definition of word classes (…). This is not claim that all the members of a grammatical category necessarily share a common semantic content. (But neither do all the members of a grammatical category necessarily share the same syntactic properties). (…) Grammatical categories have a prototype structure, with central members sharing a range of both syntactic and semantic attributes. Failure of an item to exhibit some of these attributes does not of itself preclude membership. (TAYLOR, 1995:196) (p.77) 1. (…) concept formation and naming are two different things and that in the process grammaticalization the former precedes the latter. (…) 2. (…) the use of a given linguistic term for a new concept involves a process whereby two different concepts are metaphorically equated and that the term used for one of them is extended also to refer to the other; 3. (…) conceptual transfer is a creative act. (HEINE et alii, 1991:29) (p.78, nota 57) 318 transfer from a basic, usually concrete, meaning to one more abstract (…) Metaphorical processes are processes of inference across conceptual boundaries, and are typically referred to in terms of “mappings”, or “associative leaps” (HOPPER E TRAUGOTT, 1993:77) (p.78 nota 57) involves specifying one, usually more complex, thing in terms of another not present in the context. (ibidem, p. 87) (p.79) While metaphor is correlated primarily with solving the problem of representation, metonymy and lexicalizing of conversational meanings are correlated with solving the problem of expressing speaker attitudes. (…) metonymy and metaphorical inferencing are complementary, not mutually exclusive, processes at the pragmatic level that result from the dual mechanisms of reanalysis linked with the cognitive process of metonymy, and analogy linked with the cognitive process of metaphor. (ibidem, p. 87) (p.80) (…) both metaphor and metonymy are part and parcel of one and same process, grammaticalization, although in the case of a particular grammatical function one of them may be more prominent than the other. (HEINE et alii, 1991: 74) a) (p.81) The network may be described in terms of a divergency model that can be represented graphically in the form of a tree diagram. b) The various senses are connected with one another by means of lines of conceptual shift. c) This shift is unidirectional and proceeds from “more concrete” senses at the top to “more abstract” senses at the bottom. d) The top-most item A is typically, but not obligatorily, a lexical entity. (Ibidem, 1991, p.98) (i) (p.86) Frequency of use leads to weakening of semantic force by habituation – the process by which an organism ceases to respond at the same level to a repeat stimulus. (ii) Phonological changes of reduction and fusion of grammaticizing constructions are conditioned by their high frequency and their use in the portions of the utterance containing old or backgrounded information. (iii) Increased frequency conditions a greater autonomy for a construction, which means that the individual components of the constructions (…) weaken or lose their association with other instances of the same item (…). (iv) The loss of semantic transparency accompanying the rift between the components of the grammaticizing construction and their lexical congeners 319 allows the use of the phrase in new contexts with new pragmatic associations leading to semantic change. (v) Autonomy of a frequent phrase makes it more entrenched in the language and often conditions the preservations of the otherwise obsolete morphosyntactic characteristics. (BYBEE, 2003:604) Seção 3.2 (p.87) (...) that heterogeneity is not only common, it is the natural result of basic linguistic factors. We argue that it is the absence of stule-shifiting and multilayered communication systems which would be dysfunctional (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968:101) (p.88) Speakers do not readily accept the fact that two different expressions actually “mean the same” and there is a strong tendency to attribute different meanings to them. If a certain grop of speakers uses a particular variant, then the social values attributed to that group will be transfered to that linguistic variant. (LABOV, 1972:251) (p.88) the fundamental sociolinguistic question is posed by the need to understand why anyone says anything. (ibidem, p.207) (p.88 e 89) (...) “the same thing” in several different ways: that is, the variants are identical in referential or truth value, but opposed in their social and/or stylistic significance. (ibidem, p 271) (p.89) totalmente condicionadas por factores extra-linguisticos, sino que reflejan uma elección funcional de parte del hablante, dirigida a servir sus propósitos comunicativos. (LAVANDERA,1985:14) (p.89) debilitar la condición de que el significado deba ser el mismo para todas las formas alternantes, y reemplazaria por una condición de compatibilidad funcional. (Ibidem, p. 45) Not all variability and heterogeneity in language structure involves change, but all change involves variability and heterogeneity (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968:188) Seção 3.3 (p.94) When asked which of several forms are characteristic of their own speech, their answers reflect the form which they believe has prestige or is “correct”, rather than the form they actually use. 320 (LABOV, 1972:209) (p.94) Speakers who have had extensive contact with the superordinate form no longer have clear intuitions about their vernacular available for inspection. (ibidem, p.114) Capítulo 4 (p. 98) (...) The problem is of course not insoluble: we must either find ways of supplementing the formal interviews with other data, or change the structure of the interview situation by one means or another. (LABOV, 1972:209) 321 TESTES DE ATITUDES o RELACIONADOS AO FENÔMENO DE GRAMATICALIZAÇÃO 1) Pesquisa de opinião Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior Qual é sua idade? Anos ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos. 1) Observe os dois trechos abaixo. No primeiro (A), a construção sublinhada está depois do verbo, enquanto, no segundo (B), está antes do verbo. Marque com um X em uma das alternativas de acordo com sua opinião. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.1? A.1) Leandrinho dá show no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos. B.1) Leandrinho show dá no Phoenix. Armador vira titular e faz 27 pontos ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.2? A.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para dar uma faxina no Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! B.2) O caso é outro. Os torcedores estão sendo convocados para uma faxina dar no Ninho do Urubu, que está sujo e abandonado. Programão! ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.3? A.3) nele (no peixe) assim mata ele, e dá umas porrada nele, aí bota na panela já limpinho né? B.3) nele (no peixe) assim mata ele, e umas porrada dá nele, aí bota na panela já limpinho né? 322 ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.4? A.4) Lúcia está solteira e, por isso, deu bola para João. B.4) Lúcia está solteira e, por isso, bola deu para João. ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.5? A.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem deu bola... pra ela... [ ] ele ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste... B.5) aí ela ficou assim super magoada com ele... ele/ mas só que ele nem bola deu... pra ela... [ ] ele ficou sabendo que ela estava magoada... que ela estava muito triste... ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.6? A.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de um calombo da rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... deu um pulo também B.6) aí... a gente está passando ali por Madureira... né? aí de repente passou por cima de um calombo da rua... né? aí o ônibus deu um pulo... nisso que deu/ que o ônibus deu um pulo... a minha mãe... um pulo deu também ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.7? A.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá, se der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa, né? Tem radar né? 323 B.7) tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente mole der lá, se der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa, né? Tem radar né? ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.8? A.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam todos rebentados... estava dando curto... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido... B.8) e o som não ficou bom depois que nós fomos/ que eu fui tocar... porque::.. so/ os... cabos estavam todos rebentados... estava curto dando... e aí eu/ o som ficou total/ totalmente distorcido... ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.9? A.9) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. B.9) Rosa Virgínia em seu livro ênfase dá ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. Você acha que seria possível alguém usar a palavra sublinhada antes do verbo, como no exemplo B.10? A.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros... B.10) [...] e ônibus ali... coletivos... que descem pra vazão dar aí a essa demanda de passageiros... Marque uma das alternativas abaixo e justifique sua escolha em seguida. ( ) Sim, acho que é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. ( ) Não, acho que não é possível que alguém use a construção sublinhada antes do verbo. MATE A NOSSA CURIOSIDADE: O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? ___________________________________________________________________________ Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: ___________________________________________________________________________ 324 2) Pesquisa de opinião Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior Qual é sua idade? Anos ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é descobrir suas opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos. 2) Reflita se é possível incluir outros elementos (palavras) na expressão sublinhada. Então, responda a questão que se encontra após a leitura de cada trecho. A) Desmaio - Na quarta-feira passada, ela começou a chorar ao saber que, mais uma vez, voltaria para Coqueiro Seco sem dinheiro. Subitamente, ela se deu conta de que as câmeras de TV a filmavam. Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “deu conta”: ( ( ( ( ( ) 1. ela se deu uma baita conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 2. ela se deu muita conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 3. ela se deu a conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 4. ela se deu uma indesejável conta de que as câmeras de TV a filmavam. ) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada. B) (...) não lá fora quem está pescando lá fora [mesmo na linha do navio] tem que ficar acordado não dorme não - tem que ficar olhando sempre olhando aí passa navio pra lá navio pra cá navio pra lá (...) e se a gente der mole lá der vacilo ele passa por cima mesmo não pára não e tudo que eles bater aqui acusa né? Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “der mole”: ( ( ( ( ( ) 1. ...e e se a gente der um mole lá ... ) 2. ...e e se a gente der muito mole lá ... ) 3. ...e e se a gente der mole bonito lá ... ) 4. ...e e se a gente der o mole lá ... ) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada. C) Eu acho que, eu acho que existe, cobrança, por exemplo, cobram, se você tá namorando há muito tempo, cobram, que você tem que casar, aí depois que você casa, cobram os filhos, isso eu vejo pelo meu irmão, é ... Se um adolescente dá um ataque, ah, isso é coisa de adolescente. Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá um ataque”: ( ( ) 1. Se um adolescente dá um ataque repentino... ) 2. Se um adolescente dá mais ataque... 325 ( ) 3. Se um adolescente dá um ataque de loucura... ( ) 4. Se um adolescente dá o ataque... ( ) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada. D) Numa época em que todos estão em clima de festa de fim de ano e esperançosos de que 2004 seja um ano melhor, a violência no Rio não dá trégua. Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá trégua”: ( ( ( ( ( ) 1. ... a violência no Rio não dá uma trégua. ) 2. ... a violência no Rio não dá a trégua . ) 3. ... a violência no Rio não dá boa trégua. ) 4. ... a violência no Rio não dá mais trégua. ) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada. E) isso vendo plásticos, vendo inoxes, vendo ... no verão vende-se tudo, não há tipo de artigo, no verão não há tipo de artigo que se venda mais, no verão sai tudo (...) Sai tudo, quer dizer e... há clientes que até dá gosto, pegam isto, pegam naquilo, pegam no outro, põe tudo em cima do balcão, faz a conta e pronto nem ... descontos Marque com um X uma ou mais alternativas que você acha que alguém poderia usar no lugar de “dá gosto”: ( ( ( ( ( ) 1. ... há clientes que até dá o gosto ... ) 2. ... há clientes que até dá muito gosto ... ) 3. ... há clientes que até dá bom gosto ... ) 4. ... há clientes que até dá um gosto ... ) 5. nenhuma alternativa poderia ser usada. MATE A NOSSA CURIOSIDADE: O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? ___________________________________________________________________________ Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: ___________________________________________________________________________ 326 3) Pesquisa de opinião Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Ensino Superior Qual é sua idade? Anos ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos. A) Fui jogar futebol... aí... eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... quando eu era jogador... eu..dei um gol de cabeça Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dei um gol de cabeça”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: ( ( ( ( ( ) 1. eu..fiz um gol ) 2. eu..tive um gol ) 3. eu..marquei um gol ) 4. eu..conquistei um gol ) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido. Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dei” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente: Fui jogar futebol... aí... eu na brincadeira eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... quando eu era jogador... eu..._________ um gol de cabeça B) Mas não adianta ela falar, por que a mãe sempre dizia a mesmas coisas. __ Isso não existe. __ E se você continua a falar nisso eu vou te dar uma surra Mais ela continuou a ver. Até que um dia ela saiu com a mãe e as irmães dela. Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar uma surra”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: ( ( ( ( ( ) 1. ... eu vou te aplicar uma surra ) 2. ... eu vou te meter uma surra ) 3. ...eu vou te enfiar uma surra ) 4. ... eu vou te passar uma surra ) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido. Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dar” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente: __ E se você continua a falar nisso eu vou te ________ uma surra 327 C) (...) avião eu não tenho medo e em elevador eu tenho. Se eu estiver num elevador que ele pare entre dois andares eu tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não dar escândalo. Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar escândalo”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: ( ( ( ( ( ) 1. ... pra não fazer, pra não provocar escândalo. ) 2. ... pra não fazer escândalo. ) 3. ... pra não proporcionar escândalo. ) 4. ... pra não fazer, pra não gerar escândalo. ) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido. Você se lembra de outro verbo que poderia substituir o verbo “dar” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com o verbo que vier à mente: ... tenho que me vi... violentar pra não gritar, pra não fazer, pra não _______ escândalo. AGORA É SOMENTE COM VOCÊ!!! Procure se lembrar de um verbo que tenha o MESMO SENTIDO do verbo dar no trecho 1, para preencher a lacuna do trecho 2: A.1) Rosa Virgínia em seu livro dá ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento. A.2) Rosa Virgínia em seu livro ___________ ênfase ao condicionamento intralingüístico. No texto temos os seguintes exemplos e irei exemplificar o condicionamento Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no trecho acima. B.1) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só se ele considera manipulação ter dado tanto destaque ao acontecimento em si... B.2) No caso do boletim de voto, achei uma capa até curiosa, pelo apagamento da informação (...). Só se ele considera manipulação ter ___________ tanto destaque ao acontecimento em si... Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no trecho acima. C.1) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objecto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. C.2) Nós só realmente damos, damos interesse, temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, ___________ -lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objecto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no trecho acima. 328 Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no trecho acima. D.1) No Rio de Janeiro, foi dado um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...). D.2) No Rio de Janeiro, foi _________ um primeiro passo nesta direção, no governo Garotinho, com a criação do Instituto de Segurança Pública [ISSO] (...). Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhum verbo para substituir “dar” no trecho acima. MATE A NOSSA CURIOSIDADE: O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? ___________________________________________________________________________ Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: ___________________________________________________________________________ 329 4) Pesquisa de opinião Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior Qual é sua idade? Anos ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos. A) Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão aulas. Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dão aulas”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: ( ( ( ( ( ) 1. ... onde os professores nos dão lições. ) 2. ... onde os professores nos dão classes. ) 3. .... onde os professores nos dão ensinamentos. ) 4. ...onde os professores nos dão conhecimentos. ) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido. Você se lembra de outra palavra que poderia substituir “aulas” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente: Eu acho ela muito espaçosa, tem ótimas inspetoras e professores, o ensino também e bom... Dentro do colégio tem uma quadra esportiva onde os professores nos dão ______. B) A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar uma prensa na gente... né? aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse] “cala a boca...” Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “dar uma prensa”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: ( ( ( ( ( ) 1. ... e foi... falar lá... dar uma chamada na gente... ) 2. ... e foi... falar lá... dar uma bronca na gente... ) 3. ... e foi... falar lá... dar um chega pra lá na gente... ) 4. ... e foi... falar lá... dar uma repreensão na gente... ) 5. Nenhuma alternativa tem o mesmo sentido. Você se lembra de outra palavra que poderia substituir “prensa” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente: A professora chamou a diretora... aí a diretora chegou lá... e foi... falar lá... dar ____________ na gente... né? aí a:: minha colega foi... não estava parando de falar... aí a professora falou/ a diretora [disse] “cala a boca...” 330 C) Com estas duas prestações num só dia, o ex-primeiro-ministro, que há mais de dois anos "anda por aí" sem saber bem como ensaiar um regresso ao palco, marcou dois pontos. Tanto sobre as "diretas" como sobre o "direto", deu voz àquilo que pensa ... Qual (ou quais) forma(s) proposta(s) abaixo você acha que revela(m) o mesmo sentido de “deu voz”? Marque a(s) alternativas(s) com um X: ( ( ( ( ( ) 1. ... deu fala àquilo que pensa ... ) 3. ... deu palavra àquilo que pensa ... ) 2. ... deu som àquilo que pensa ... ) 4. ... deu manifestação àquilo que pensa ... ) 5. Nenhuma tem o mesmo sentido. Você se lembra de outra palavra que poderia substituir “voz” no trecho dado? Caso se lembre, por favor, colabore conosco e preencha o trecho com a palavra que vier à mente: “... Tanto sobre as "diretas" como sobre o "direto", deu _______ àquilo que pensa ...” AGORA É SOMENTE COM VOCÊ!!! Procure se lembrar de uma palavra que tenha o MESMO SENTIDO da palavra sublinhada no trecho 1, para preencher a lacuna do trecho 2: A.1) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe banho, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. A.2) ... temos verdadeiro interesse por uma criança quando ela é nossa. Porque até aí pegar nela, dar-lhe ______________, dar-lhe de comer, não tem sentido, é um objeto, mas quando é nosso somos tomados dum sentimento de responsabilidade que nos apavora. Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir “banho” no trecho acima. B.1) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar vazão aí a essa demanda de passageiros... B.2) ... e ônibus ali... coletivos... que descem pra dar ____________ aí a essa demanda de passageiros... Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir “vazão” no trecho acima. C.1) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam até a vida por um pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos. C.2) Existem também aquelas pessoas que se mudam toda, dariam até a ______________ por um pedaço de fama. O estrelato está cada vez mais na cabeça daqueles que procuram a perfeição em seus corpos. 331 Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir “vida” no trecho acima. D.1) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com essas caras... ele respondeu que você nos deu maior susto aí eu comecei a rir e não parei mais. D.2) Logo depois eu acordei e fiquei perguntando onde estou o ouvi porque vocês estão assim com essas caras... ele respondeu que você nos deu maior _________ aí eu comecei a rir e não parei mais. Marque um X nesta opção se for o caso: ( ) Não consegui lembrar de nenhuma palavra para substituir “susto” no trecho acima. MATE A NOSSA CURIOSIDADE: O que achou sobre as estrutura com dar marcadas na pesquisa de opinião? Você costuma usá-las com freqüência? ___________________________________________________________________________ Você teve alguma dificuldade em preencher a pesquisa? Deixe sua sugestão e/ou reclamação: ___________________________________________________________________________ 332 o RELACIONADOS AO FENÔMENO DE ALTERNÂNCIA 5) Pesquisa de opinião Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Superior Qual é sua idade? Anos ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre as estruturas marcadas nos trechos que apresentamos. A) Leia com atenção as situações a seguir. Analise o SENTIDO das estruturas marcadas entre parênteses e marque a mais adequada ao tipo do trecho/situação. Se você achar as duas adequadas, marque as duas. Trecho 1) Bilhete de um colega de trabalho para outro Flávio, deixei os documentos na gaveta para você assinar. Não terei tempo para conversar com você na reunião, por isso deixei umas anotações sobre minha posição acerca da indicação do novo coordenador do departamento. Assim que eu voltar, te ligarei para saber se compreendeu tudo, pois essa reunião está me ( A- preocupando muito / B- dando muita preocupação ). Trecho 2) Notícia do Jornal Meia Hora BOPE sobe o morro e ( A- esculacha o / B- dá um esculacho no ) chefe do pó da Mineira. Trecho 3) Depoimento escrito para o autor de um artigo científico acerca do filme que desenvolveu para área de odontologia. Gostaria de ( A- parabenizar / B- dar parabéns ) pelo filme, muito didático, e muito bem desenvolvido. Gostaria de saber se poderia utilizá-lo em uma apresentação sobre PCR em tempo real, a ser ministrada na Fiocruz, em outubro. Caso seja possível, gostaria de saber como fazer para salvar a apresentação. Grata. Mestranda-Ciência de Alimentos - Instituto de Química/ UFRJ Trecho 4) Testemunho em um culto evangélico Agora eu sou cristão... minha vida mudou completamente... eu ( A- entristecia / B- dava muita tristeza pra) minha família... Trecho 5) Uma criança contando uma história para seus amiguinhos. Eu fui brincar com meus colegas... fui jogar futebol... aí... eu, na brincadeira, eu era goleiro... e depois fui jogador... depois fui zagueiro... e... e... e... e quando eu era... quando eu era jogador... eu... eu ( A- goleei / B- dei um gol ) de cabeça... 333 Trecho 6) Uma mulher contando para uma amiga sobre sua ida ao médico. E, depois de uma diabólica sessão de tomografia, confirmação do que já se suspeitava: meu pâncreas estava se preparando para ferro velho, meus pulmões meio infiltradinhos, meus isso, meus aquilo, tudo abaixo da crítica, uma vergonha. ( A- Rezei um pouquinho / B- Dei uma rezadinha), encomendando minha alma via São Lourenço, padroeiro lá da Ilha. Então morrer era isso, interessante. Trecho 7) Artigo de Opinião do jornal “O Globo” Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das emissoras. E, quem sabe, (A- ajudar / B- dar uma ajudazinha) a essas políticas. Ao manter ícones como os que estamos vendo e patinar em fatias insignificantes do mercado, parece bastante claro que elas não estão dando certo. Trecho 8) Opinião de uma senhora sobre a situação dos hospitais Você pode (A- educar bem/ B- dar uma boa educação ao) seu filho... e tendo... bons hospitais para qualquer problema de saúde... ele consertar seu físico... até mental ... até mesmo espiritual... Trecho 9) Notícia do jornal “O Povo” Após quebrar os vidros do veículo com um pedaço de madeira, Paulo (A- esfaqueou/ B- deu algumas facadas em) Mari e só parou quando ela disse que o amava. Trecho 10) Uma menina contando para a amiga o que aconteceu quando sua mãe foi assaltada no ônibus. Minha mãe não quis entregar nada pro assaltante... não quis entregar... eram dois caras... ela não quis entregar... então ela ( A- estapeou o / B- deu uns tapas no ) cara... o cara começou a ( C- atirar / D- dar tiros) pro alto... foi o maior rebu... ela... ela segurou no relógio... não queria que o cara pegasse o relógio dela... Trecho 11) Artigo de opinião do jornal “Extra” Nada mais incongruente do que ver na mesma noite, quase no mesmo momento, Regina Duarte com uma cara trincada de (A- amedrontar/ B- dar medo) (...) e em seguida Fernando Henrique que seguro, sereno, tranqüilizando as pessoas em relação ao futuro (...) Trecho 12) Comandante-geral da PM transmitindo o cargo para um novo comandante numa cerimônia. Além de ( A- parabenizar o / B- dar parabéns ao ) novo comandante, torço para que desempenhe bem essa função tão árdua e gratificante. Trecho 13) Rapaz paquerando moça durante festa de carnaval. 334 Colega, se você ficar comigo, vou te ( A- beijar muito / B- dar muitos beijinhos) e te (C- acariciar muito / D- dar muito carinho). Fica comigo!!! 6) Pesquisa de opinião Você dá aula de Língua Portuguesa há quanto tempo? ______ ATENÇÃO: Não existe certo ou errado aqui. Nosso objetivo é conhecer suas opiniões sobre o texto apresentado. 1) Caro professor, observe o texto a seguir (dissertação feita por um aluno de oitava série). Substitua as palavras, expressões ou trechos que você considera inadequados para a coesão e/ou coerência do texto. Não se esqueça de expor as justificativas para as modificações que fizer! Em busca da perfeição Hoje em dia, a busca pela perfeição está ficando cada vez pior do que já foi. Muitas mulheres fazem o que for possível e até o aparentemente impossível para alcançar a perfeição e isso tudo só para dar satisfação ao o próprio ego, para se sentir a mulher mais bonita do mundo, fazendo tudo o que for preciso para conseguirem se transformarem no que querem. Elas sempre acabam com sua personalidade, não dão importância se realmente gostam daquela roupa ou daquele cabelo, só querem dar pinta de celebridade. O que muito impressiona é ver que as mulheres estão se deixando tomar conta dessa obsessão de ser a mais bonita, de fazer mais sucesso, de ser a melhor. Apenas desejam que todos lhes dêem elogios. No entanto, será que elas são felizes assim? Infelizmente, na verdade, elas não dão cuidado para o bem estar mental, o que faz com que busquem, muitas vezes, um terapeuta para lhes dar uma ajuda, para dar força para elas saírem da depressão. O resultado das mulheres que não procuram ajuda é se tornarem seres sem personalidade, que dão ênfase a apenas coisas fúteis, que não sabem viver e, quando se encontram em depressão, desejam dar fim a sua própria vida. JUSTIFIQUE SUAS MUDANÇAS: 1ª MODIFICAÇÃO: 2ª MODIFICAÇÃO: