PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social MÉTODO COMO LINGUAGEM SOCIAL E A PROPOSTA CONSTRUCIONISTA SOCIAL Franciele Cabral Leão Machado(*) (Mestrado em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Murilo dos Santos Moscheta (Grupo de Estudos em Comunicação e Processos Grupais, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR, Brasil). Contato: [email protected] Palavras-chave: Construcionismo social. Metodologia. Pesquisa em psicologia O método é tradicionalmente entendido como um conjunto de procedimentos usados pelo pesquisador para conhecer a realidade ou fenômeno que se propõe estudar (Moscheta, 2011). Neste trabalho, pretendo discutir as possibilidades de descrição do método de pesquisa em psicologia a partir da postura construcionista social e da indissociabilidade entre a produção do conhecimento e a intervenção. Assim, minha opção parte de um modo de narrar as metodologias de pesquisa enquanto linguagens sociais. Referir-me aos métodos científicos enquanto linguagem social significa considerar os discursos produzidos em um determinado sistema, por uma sociedade em um período histórico localizado, como linguagens que, ao se difundirem através dos processos de socialização possibilitam a construção de sentidos. Este é um argumento defendido por Spink (2003) que aponta: “Como toda linguagem social, ‘a linguagem dos métodos’ tem funções identitárias que geram jogos de posicionamentos e processos de defesa identitária. E, como todo processo de defesa identitária, também os métodos, vistos como linguagens sociais, têm funções estratégicas no jogo concorrencial entre as diversas correntes da psicologia social, desta com os demais domínios da psicologia e desta com o campo científico.” (p. 8) Este modo de falar sobre a metodologia corresponde às propostas construcionistas sociais que emergiram no contexto pós-moderno em resposta aos dilemas do fazer científico na modernidade. Uma das possibilidades de descrever a metodologia relacional fundamentada no construcionismo social é a pesquisa realizada por meio de grupos de pessoas. Brigagão et al., (2014) apontam que pessoas em interação permitem a vivência de situações similares às do cotidiano, assim, a formalidade das entrevistas semi estruturadas são substituídas por conversas descontraídas, que podem facilitar a demonstração de idéias e afetos. PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social A escolha pela estratégia de pesquisa em grupo se diferencia das entrevistas, pois quando as pessoas estão se relacionando nos grupos, é possível olhar para a produção de sentidos sustentada pelas interações, enquanto que nas entrevistas a produção discursiva fica restrita à dupla entrevistador/a e entrevistado/a. Para exemplificar o método relacional e a pesquisa interventiva com grupos, fundamentada no construcionismo social, descreverei uma proposta de investigação que utiliza o dispositivo grupal como ferramenta e cujo foco da análise está nas interações entre os participantes, nos repertórios lingüísticos, nas práticas discursivas construídas e na negociação de sentidos produzidos por este contexto. O tema da pesquisa é a construção de sentidos de humanização produzidos por profissionais de saúde e usuários em suas interações na Atenção Básica, e se refere a uma proposta de pesquisa de mestrado. Para orientar a construção de um método de pesquisa, assumo a hipótese de que os profissionais de saúde e os usuários dos serviços de atenção primária à saúde apresentam descrições divergentes acerca da humanização da assistência. Uma vez que essa distinção reverbera em uma dificuldade para a consolidação do atendimento humanizado em saúde, os objetivos da pesquisa são construir sentidos compartilhados de humanização com profissionais de saúde e usuários de uma UBS e com isso, possibilitar uma reflexão sobre as aproximações e divergências nos sentidos de humanização. A expectativa é de que esta intervenção favoreça a construção de um cuidado em saúde, no qual os sentidos de humanização sejam compartilhados. Esta pesquisa contempla como ferramenta metodológica três encontros grupais que ocorrerão com profissionais de saúde, usuários e com ambos. A primeira atividade em grupo terá como tema norteador a humanização, em que será solicitado que o grupo de profissionais compartilhem narrativas de quando sentiram que seus atendimentos foram humanizados, como também, que aspectos consideram como facilitadores ou como obstáculos para a humanização do atendimento em saúde. No final do encontro, será proposto que o grupo construa uma síntese dos sentidos de humanização, elaborando também a forma com que essa síntese será apresentada ao grupo de usuários da UBS. O segundo encontro será realizado com um grupo de usuários da UBS que serão sugeridos pelos profissionais da equipe. Com o objetivo de atender a uma demanda, os profissionais serão questionados a respeito de um grupo de usuários com o qual entendam que fosse proveitoso abordar o tema humanização. PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social O encontro com o grupo de usuários tem como objetivo que eles compartilhem narrativas de quando sentiram que estiveram em atendimentos de saúde humanizados, discutindo também, que aspectos consideram como facilitadores ou como obstáculos para a humanização do atendimento em saúde. Da mesma forma que foi realizado com o primeiro grupo, será sugerido que os participantes elaborem uma síntese dos sentidos de humanização produzidos nesse encontro, planejando também uma maneira de apresentar essa síntese ao grupo de profissionais de saúde da UBS. A proposta final é de promover um último encontro com os profissionais participantes do primeiro grupo e com os usuários participantes do segundo. Através da reflexão sobre as aproximações e divergências do sentido de humanização que ambos, profissionais de saúde e usuários, constroem em suas interações, esta produção coletiva busca contribuir com a exploração de diferentes possibilidades de construção de sentidos de humanização em saúde. A partir deste exemplo podemos destacar três aspectos marcantes desta proposta metodológica: (a) a indissociabilidade da pesquisa e intervenção, (b) a postura colaborativa e (c) o foco no processo de construção de sentidos. A pesquisa com grupos na perspectiva construcionista social se constitui como uma estratégia interventiva de produção de sentidos e construção social, ou seja, a pesquisa produzirá novas realidades a partir de sua realização. De acordo com a proposta construcionista social, a realidade é produzida a partir das relações estabelecidas e através do uso da linguagem, e sendo assim, a partir desta perspectiva, as pesquisas assumem seu caráter interventivo. Esta característica marca uma diferença das pesquisas tradicionais, pois nesta, o pesquisador é posicionado como alguém que colherá informações sobre uma realidade já estabelecida como, por exemplo, as pesquisas com grupo focal. O método construcionista social também propõe que a produção do conhecimento se dá no processo de intercâmbio social. Os participantes ou sujeitos da pesquisa são convidados a serem copesquisadores, criando novos sentidos e produzindo novas realidades a partir desse encontro. Esta mudança promovida pela pesquisa é descrita como localmente útil e generativa: “Cada vez que nos engajamos com outros e com nosso ambiente, a possibilidade de criar sentidos novos e, assim, visões de mundo novas, está sempre presente” (McNamee, 2014 p. 112) Dessa forma, os autores construcionistas sociais consideram que o “objeto” de estudo são os processos interativos, o que abre caminhos para se enxergar a pesquisa como um PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social processo relacional. A pesquisa com grupos permite que as pessoas assumam posições sobre um determinado tema, compartilhem experiência, negociem e produzam sentidos conjuntamente, demarcando, portanto que o foco da pesquisa está no processo de construção de sentidos. (Spink, 2010) Esta proposta metodológica provoca mudanças no modo de pensar as investigações e implicam em mudanças no fazer científico. De acordo com McNamee (2014) concluímos que as indicações construcionistas sociais para o método científico se referem ao abandono de uma racionalidade individual para uma racionalidade compartilhada (o que define que a pesquisa não é mais uma “propriedade cognitiva” de um indivíduo), a exclusão do método empírico tradicional para o estudo dos fenômenos sociais e a compreensão de que a linguagem é concebida como ação social e não mais como representante da realidade. Referências Brigagão, J. I. M., et al. (2014). Como fazemos para trabalhar com a dialogia: a pesquisa com grupos. In: Spink, M. J. (org). A produção de informação na pesquisa social: compartilhando ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein. McNamee, S. (2014). Construindo conhecimento/construindo investigação: coordenando mundos de pesquisa. In: Guanaes-Lorenzi, C. (org), et al. Construcionismo social: discurso, prática e produção do conhecimento. Rio de Janeiro: Instituto Noos. Moscheta, M. S. (2011) Responsividade como recurso relacional para a qualificação da assistência a saúde de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Ribeirão Preto. 213p Dissertação (Doutorado em Psicologia) Universidade de São Paulo. Spink, M. J. (2003). Os métodos de pesquisa como linguagem social. Estudos e Pesquisas em Psicologia: Rio de Janeiro, 2(2), p. 9-21. Spink, M. J. (2010). Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.