Departamento de filosofia ÉTICA E FELICIDADE Aluna: Yasmine Victoria Burdman Hamaoui Orientador: Danilo Marcondes Introdução Ética e Felicidade são dois temas que possuem grande relação e que podem ser comparados ao longo da história da filosofia desde o seu início, onde muitas vezes a busca pela felicidade era um ponto de discussão prática e teórica, o que causaria quase um estranhamento hoje em dia, se aplicado na filosofia contemporânea. Esses termos se conectam principalmente pelo fato de que a felicidade é a finalidade da ética. O desenvolvimento da consciência de cada um e os níveis de moralidade são construtos utilizados para pensar a ética com foco no sujeito. Como a felicidade só se realiza através do próprio indivíduo, a forma como a pessoa constrói o seu modelo de realidade determina a sua capacidade de ser feliz, mesmo sem a certeza de que seu conhecimento seja a exata representação da realidade. Tendo em vista que ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade e que tem como finalidade a presença do equilíbrio e bom funcionamento social, é necessário descobrir de que forma ela se relaciona com a felicidade, sendo este um conceito profundo em sua relatividade de acordo com diferentes épocas e sociedades. Será possível identificar a relação entre Ética e Felicidade, estudando a ética dentro da filosofia que difere por exemplo da ética social ou religiosa, que é um corpo de doutrina que diz respeito o que é correto e incorreto, bom e mau, relativamente ao caráter e à conduta. Neste sentido, há, por exemplo, uma ética cristã, religiosa, que aponta para a doutrina que a verdadeira felicidade não pode ser alcançada plenamente neste mundo. Logo, o que o nos cabe fazer é ter fé, acumular virtudes e evitar pecados, para que possamos gozar plenamente da felicidade em um plano superior. Já a ética na filosofia, sobretudo a partir da Ética a Nicômaco de Aristóteles, consiste no estudo dos assuntos morais, do modo de ser e agir dos seres humanos, além dos seus comportamentos e caráter. A ética na filosofia procura descobrir o que motiva cada indivíduo a agir de um determinado modo e diferencia também o que significa o bom e o mau, e o mal e o bem. Investiga também em que valores o indivíduo se baseia para tomar suas decisões Sendo assim, ela estuda os valores que regem os relacionamentos interpessoais, como as pessoas se posicionam na vida, e de que maneira elas convivem em harmonia com as demais. O termo “ética” é oriundo do grego ethos, significa “hábitos, costumes e também“aquilo que pertence ao caráter”. Departamento de filosofia Tendo em vista estas considerações, esta pesquisa teve como ponto de partida as éticas de Aristóteles e as suas possíveis relações com o tema “felicidade. Depois de investigar mais a fundo esta relação, seguindo uma ordem não cronológica, foi escolhido abordar o tema através do aprofundamento da visão de felicidade sob o ponto de vista dos Estóicos. Após esta reflexão, serão analisados alguns conceitos e diversas formulações, entre elas, principalmente, a visão do estoicismo sobre o tema e os conceitos de Enkrateia e Acrasia. O conceito de acrasia, em particular, leva a uma reflexão sobre as tragédias gregas, já que elas também se tornaram uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. Com isso, a pesquisa se volta para a investigação das tragédias gregas mediante os conceitos filosóficos já estudados e introduz uma reflexão sob o aspecto moral, além de pesquisar sua relação com as ações, questionando sua validade ética e aprofundando o conhecimento mítico. A ética aristotélica Para compreender a relação entre ética e felicidade, é fundamental investigar a visão aristotélica sobre o tema. Segundo Aristóteles, elementos considerados positivos, como a riqueza e a saúde, não possuem nenhum valor, se a alma do indivíduo em questão não for boa. Ele ressalta que a melhor coisa a ser feita é promover o que há de melhor na melhor parte do sujeito, o que seria ser tão racional quanto possível, pois da mesma forma que a alma é superior ao corpo, a parte racional da alma é superior a parte irracional. Este estado virtuoso já seria bom em si mesmo e traria consigo suas próprias recompensas. De acordo com o filósofo, é natural e certo que os homens se tornem animais racionais, e caso não o façam, podem até serem homens vivos, mas não estariam vivendo como homens e não haveria prazer algum em viver. A única maneira de viver a natureza humana é realizando a natureza divina. A mente seria o elemento divino presente na natureza humana, com ela é possível se aproximar do estado dos deuses. Tomando como ponto de partida o valor que Aristóteles atribui à razão, é preciso levar também em conta, qual seria para ele a utilidade da filosofia. Segundo o filósofo, algumas coisas são boas pelo que são capazes de proporcionar e outras são boas em si mesmas. Seria exatamente este o caso da filosofia. O fato de que ela é fundamental mesmo sem proporcionar algo a mais, não significa que ela seja inútil, mas sim, um dos bens mais elevados. Através deste ponto inicial percebemos como Aristóteles tem uma visão racionalista e coloca a razão como um bem superior, o que provavelmente irá guiar suas idéias e concepções mais adiante. No que diz respeito à ética, existem duas compilações estreitamente relacionadas, a Ética a Nicômaco e a Ética a Eudemo, é importante compreender seus principais pontos, eles serão analisados mais detalhadamente no que se segue. Ética a Nicômaco Ética a Nicômaco é a principal obra de ética de Aristóteles. Nela, o autor expõe sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência na Ética. O título da obra vem do nome de seu filho, e também discípulo, Nicômaco. Departamento de filosofia Supõe-se que a obra resulte das “anotações de aula” deste e publicadas pelos discípulos de Aristóteles depois da morte prematura, em combate, de Nicômaco. A idéia fundamental de Aristóteles é o Bem Supremo. E esse bem supremo é sempre a felicidade. O livro começa com o questionamento sobre o que é o bom ou o bem. Porém há também a seguinte afirmação: “Todo o indivíduo, assim como toda ação e toda escolha, tem em mira um bem e este bem é aquilo a que todas as coisas tendem.” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 3) Para ele, o fim das ações dos indivíduos é o Sumo Bem, mas, como o conhecimento de tal fim tem grande importância para a vida, é necessário determiná-lo para saber de qual ciência o Sumo Bem é objeto. Ele diz que tal ciência é a ciência mestra, que é a Política, e seu estudo caberá à Ética. É objeto da política porque as ações belas e justas admitem grande variedade de opiniões, podendo até ser consideradas como existindo por convenção, e não por natureza. O fim que se tem em vista não é o conhecimento do bem, mas a ação do mesmo; e esse estudo será útil àqueles que desejam e agem de acordo com um princípio racional, por isso, segundo ele, não será útil ao jovem que segue suas paixões e não tem experiência dos fatos da vida. Mas, se todo o conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens? O fim certamente será a felicidade, mas o vulgo não a concebe da mesma forma que o sábio. Para o vulgo, a felicidade é uma coisa óbvia como o prazer, a riqueza ou as honras; aqueles que identificam a felicidade com o prazer vivem a vida dos gozos. Com isso, a honra é superficial e depende mais daquele que dá do que daquele que recebe; a riqueza não é o sumo bem, é apenas algo útil e nada mais. Dessa forma, devemos procurar o bem e indagar o que ele é. Caso exista uma finalidade para tudo o que fazemos, a finalidade será o bem. A melhor função do homem é a vida ativa que tem um princípio racional. Consideramos bens aquelas atividades da alma, a felicidade identifica-se com a virtude, pois à virtude pertence à atividade virtuosa. Neste ponto, Aristóteles encara a felicidade relacionada com o prazer como algo inferior e é possível perceber, com isso, uma fraqueza em seu argumento. Afinal, a felicidade em si não gera prazer em última instancia? Provavelmente, excluir as paixões ou diminuí-las, não levaria á uma felicidade plena. No entanto, ele levanta que o Sumo Bem está colocado no ato, porque pode existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado: “Como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 19) Sendo a felicidade a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e tendo a identificado como uma atividade da alma em consonância com a virtude, não sendo propriamente a felicidade a riqueza, a honra ou o prazer, a felicidade necessita igualmente desses bens exteriores, porque é impossível realizar atos nobres sem os meios: Departamento de filosofia “O homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade; e por essa razão, alguns identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude" (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 27) Por isso, pergunta-se se a felicidade é adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento. Se é conferida pela providência divina ou se é produto do acaso. Se for a felicidade a melhor dentre as coisas humanas, seguramente é uma dádiva divina – mesmo que venha como um resultado da virtude, pela aprendizagem ou adestramento, ela está entre as coisas mais divinas. Logo, confiar ao acaso o que há de melhor e mais nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma atividade virtuosa da alma; os demais bens são a condição dela, ou são úteis como instrumentos para sua realização. Figura 1. Quadro das Virtudes morais de Aristóteles Ética a Eudemo A ética a Eudemo consiste em sete “livros”. Desses sete, três são exatamente os mesmos três livros da ética a Nicômaco. Existem duas possíveis respostas para essa questão, ou o próprio Aristóteles os utilizou nas duas séries de palestras, ou, porque algum editor da antiguidade os copiou de uma obra para preencher uma lacuna na outra. A ética a Eudemo é a obra mais Departamento de filosofia antiga de acordo com estudiosos, e a Ética a Nicômaco comunica uma versão posterior do pensamento de Aristóteles, apesar da diferença entre as duas seres relativamente pequenas. Ética e felicidade A Ética a Nicomaco começa levantando a questão de que em suas várias ações, o homem tende sempre a precisos fins, que se configuram como bens. Assim começa o assunto: “Toda arte e toda pesquisa e, do mesmo modo, toda ação e todo projeto parecem visar a algum bem: por isso, com razão, o bem foi definido como „aquilo a que tendem todas as coisas‟” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 17) Segundo Aristóteles, não restam dúvidas, todos os homens, sem distinção, consideram que o bem supremo é a eudemonia, ou seja, a felicidade: “Quanto ao seu nome, à maioria está praticamente de acordo: felicidade o chamam, tanto o vulgo como as pessoas cultas, supondo que ser feliz consiste em viver bem e ter sucesso.” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 35) Então, a felicidade seria o fim que conscientemente buscariam todos os homens. Mas o que seria a felicidade? A maioria dos homens pode considerar que a felicidade consiste meramente no prazer superficial. Porém, para Aristóteles, uma vida dedicada aos prazeres a torna “semelhante aos escravos” e é uma “ existência digna dos animais”. Segundo o filósofo, as pessoas mais evoluídas e mais cultas colocam o bem supremo e a felicidade na honra. E buscam a honra, sobretudo, aqueles que se dedicam ativamente à vida política. Contudo, este não pode ser o fim último, porque, segundo Aristóteles, seria algo exterior: “Ele, de fato, parece depender mais de quem confere a honra do que de quem é honrado: nós, ao invés, consideramos que o bem é algo individualmente inalienável”. (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 32) Portanto, os homens buscam a honra não por ela mesma, mas como prova e reconhecimento público da sua bondade e virtude, as quais demonstram ser mais importantes que a honra. Se o tipo de vida dedicado ao prazer e o dedicado à busca das honras, embora inadequados pelas razões vistas, tem uma aparente plausibilidade, não se pode dizer o mesmo do tipo de vida dedicado a acumular riquezas, o qual, a juízo de Aristóteles, não teria sequer esta aparente plausibilidade: “A vida [...] dedicada ao comércio é contra a natureza, e é evidente que a riqueza não é o bem que buscamos; com efeito, ela só existe em vista do lucro e é um meio para outra coisa”. (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 41) Departamento de filosofia Ou seja, prazeres e honras são buscados por eles mesmos, já as riquezas, não. A vida dedicada a acumular riquezas é a mais absurda e a mais inautêntica, pois é gasta para buscar coisas que no máximo valem como meios e não como fins. Mas o bem supremo do homem não poderia ser nem mesmo o que Platão e os platônicos indicaram como tal, vale dizer, a Ideia do Bem, ou seja, o transcendente Bem-em-si: “Se, de fato, o bem fosse uno e predicável em geral, e subsistisse separado [como justamente, é a idéia do Bem] é evidente que não seria realizável nem adquirível pelo homem, mas é justamente isso que nós buscamos.” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 13) O bem, para Aristóteles não é uma realidade única e unívoca, mas, a propósito do conceito de ser, é algo polívoco, diferente nas diversas categorias e diferente também nas diversas realidades que entra em cada uma das categorias, mas sempre ligado por uma relação de analogia. Logo, qual seria o bem supremo realizável pelo homem? Segundo Aristóteles, sua posição está em harmonia com a concepção tipicamente helênica de Arete (do grego ἀρετή aretê,ês, "adaptação perfeita, excelência, virtude"). O bem do homem só poderá consistir na obra que só ele pode realizar, assim como, em geral, o bem de cada coisa consiste na obra que é peculiar a cada coisa. A obra do olho é ver, do ouvido, ouvir, e assim por diante. Com isso podemos nos perguntar, qual seria a obra do homem? Não poderia simplesmente viver, pois o viver é próprio de todos os seres vegetativos. Também não poderia ser o sentir, dado que este é comum também aos animais. Resta então que a obra peculiar do homem seja a razão e a atividade da alma segundo a razão. O verdadeiro bem do homem consiste nessa atividade de razão, e mais precisamente, no perfeito desenvolvimento e atuação dessa atividade. Esta é a virtude do homem e aqui deve ser buscada a felicidade. Para compreender melhor esta visão de Aristóteles, observamos um trecho da Ética Nicomaquéia: “Se, pois, é assim, então o bem próprio do homem é a atividade da alma segundo a virtude, e se múltiplas são as virtudes, segundo a melhor e a mais perfeita. E isso vale também para uma vida realizada. Com efeito, uma única andorinha ou um único dia não fazem verão, assim também um único dia ou breve tempo não proporcionam a beatitude ou a felicidade.” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 28) A felicidade consiste numa atividade da alma segundo a virtude. Evidentemente, qualquer ulterior aprofundamento no conceito de “virtude” depende de um aprofundamento no conceito de alma. Segundo Aristóteles, a alma se divide em três partes, duas irracionais, ou seja, a alma vegetativa e a alma sensitiva, e uma racional, a alma intelectiva. Cada uma dessas partes tem a sua atividade peculiar, cada uma tem uma virtude ou excelência. Entretanto, a virtude humana só é aquela na qual entra a atividade da razão. A alma vegetativa é comum a todos os viventes: “A virtude de tal faculdade mostra-se, pois, como coisa comum a todos os seres e não especificamente humana”. (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO) Departamento de filosofia O que difere da questão no que concerne à alma sensitiva e concupiscível, a qual, embora sendo por si irracional, participa de certo modo da razão: “Entretanto, é preciso supor que também na alma há algo contra a razão, que se opõe e resiste a ela. Não importa de que modo se dá essa oposição. Também este elemento parece participar da razão [...] dado que ele obedece à razão, quando pertence a um homem continente. E se pertence a um homem moderado e corajoso, ele é, talvez, ainda mais dócil; tudo nele está, de fato, em harmonia com a razão. Portanto, a parte irracional mostra-se de duas espécies: uma, vegetativa, não participa em nada da razão; a outra, ao invés, concupiscível e, em geral, apetitiva, participa dela de certo modo, enquanto é obediente e dócil à razão.” (ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO, pág 38) É evidente que existe algo virtuoso nessa parte da alma especificamente humana, que consiste em dominar, por assim dizer, essas tendências e impulsos que são por si desmedidos. Esta é a chamada “virtude ética”. Enfim, dado que existe nos indivíduos uma alma puramente racional, então deverá haver também uma virtude peculiar dessa parte da alma, e esta será a “virtude dianoética”, ou seja, a virtude racional. Os melhores modos de vida Depois de levar em conta as considerações de Aristóteles á respeito da felicidade, resta descobrir, qual seriam pra ele, os melhores modos de vida. A melhor maneira de viver, para um homem, é viver de acordo com sua natureza, ou seja, ser uma criatura guiada por uma alma racional. A verdadeira função das almas humanas racionais é fazer que homens vivam bem, logo, de uma maneira racional. Essa é a definição provisória que Aristóteles dá da felicidade: viver uma vida de atividade inteiramente virtuosa, por todo o tempo de sua vida. Mas uma vida próspera também depende de um pouco de boa sorte. Segundo ele, é difícil ser feliz se se nasce feio, em uma posição humilde ou se está decepcionado com seus filhos. Por outro lado, nem a sorte, nem a prosperidade em excesso são benéficas. A melhor quantidade é aquela que promove o eu racional autentico tanto quanto possível. Para Aristóteles, tal homem será um bom indivíduo se fizer correto uso dos bens que a sorte coloca em seu caminho e que merece gozar das vantagens que goza. Em relação aos melhores modos de vida, enquanto a vida de prazer convém apenas á crianças, escravos e animais, o homem é o tipo de animal cuja natureza é viver em uma comunidade política. Este é um bom e digno modo de vida, que o filósofo não critica. Porém, ressalta que ele é bom e digno, apenas se tem as virtudes necessárias e se está preparado para servir o público. O tipo de vida política gananciosa ou em busca de fama, não pode ser recomendado. Entretanto, o mais elevado modo de vida possível é aquele que expressa o elemento mais elevado dos seres humanos, o elemento divino da razão. Essa é a vida dedicada á apreciação da verdade, a atividade que Aristóteles chama de contemplação intelectual. Seria absurdo preferir qualquer elemento presente dentro dos seres humanos, porque isso seria optar em viver fora de si mesmo. Departamento de filosofia O homem é um animal racional e está em seu melhor estado quando usa sua razão da melhor maneira. O melhor e correto uso da razão é conhecer a verdade. As disposições da mente que nos permitirem conhecer a verdade são chamadas “virtudes intelectuais”, a fim de distinguilas das virtudes morais, as disposições das emoções que ajudam a dar as respostas corretas às situações práticas. Logo, Aristóteles opta pela felicidade através de uma vida dedicada á filosofia. Conclui-se que para Aristóteles, tanto a ética quanto a felicidade estão diretamente ligadas ao uso da razão. A natureza racional seria a mais elevada possível, equiparando-se nossa alma racional, com aspectos similares a dos deuses. O uso da felicidade e dos prazeres dentro da ética e da filosofia pode ser abordado, a partir de Aristóteles como ponto de partida, em diversos pontos da história da filosofia. Para o filosofo analisado, conclui-se que uma vida de felicidade, é uma vida dedicada ao estudo da filosofia, já que ela não precisa oferecer recompensas ou utilidades, a filosofia, para Aristóteles, é boa em si mesma. Não necessariamente, é preciso encarar esta percepção como a resposta definitiva para a busca da felicidade, afinal, a natureza humana não é unicamente racional, ela também é intuitiva, perceptiva e rodeada de paixões. Provavelmente a paixão humana não nos leva a felicidade plena, entretanto, a alegria passageira pode ser bastante enriquecedora tanto para a vivência do homem, quanto para o próprio estudo da filosofia. A felicidade segundo os estóicos Um segmento dentro da filosofia que também levanta importantes considerações sobre ética e felicidade é o estoicismo. Segundo os estóicos, a tarefa essencial da filosofia é a solução do problema da vida. Ou seja, a filosofia é cultivada exclusivamente visando à moral para firmar a virtude e assim garantir ao homem a felicidade. Os estóicos distinguem três partes dentro da filosofia: Uma lógica, uma física e outra ética. A lógica trata da gnosiologia, a física seria o mesmo que a metafísica e a ética é o fim último e único de toda a filosofia, inclusive da política e da religião. Uma analogia interessante, usada para facilitar a compreensão deste pensamento é a comparação clássica dos estóicos entre a filosofia e um pomar. Para eles, a cerca em volta do pomar seria a lógica que serve para defender e filtrar o que vai entrar no pomar. A física seria representada pelas árvores que são a estrutura da filosofia. Já os frutos das árvores seriam a ética que é o objetivo da existência do pomar. O papel da lógica é produzir um critério de verdade. A física é monista e panteísta e a ética é aquilo que vai dirigir o modo de proceder dos homens. O objetivo desse caminho é finalmente, conquistar a felicidade. Os estóicos dividem a lógica em dialética e retórica, correspondendo ao discurso interior e ao exterior. Para eles, a mente humana é concebida como uma tabula rasa. Assim como em Aristóteles, o conhecimento parte dos dados imediatos do sentido, mas, apesar de o conhecimento ser limitado ao âmbito dos sentidos, os estóicos frequentemente se declaram a favor da razão. Para eles, o conhecimento intelectual nada mais é que uma combinação de elementos sensíveis. A visão socrática que busca respostas sobre a melhor forma de vida tem grande influência no estoicismo. Para ilustrar a importância do tema é possível ver o exemplo de Sêneca, um dos filósofos estóicos mais conhecidos na filosofia. Ele destaca a o quão importante é a felicidade na vida humana. Podemos perceber isso na abertura de seu Tratado 'Da vida feliz': Departamento de filosofia “Todos querem viver felizes, mas não tem a capacidade de ver perfeitamente o que torna a vida feliz. Realmente não é fácil atingir a felicidade, porque, se alguém desviado do reto caminho se precipita para alcançá-la, fica sempre mais afastado da felicidade. Correndo em sentido contrário, a nossa própria pressa torna-se a causa de um contínuo distanciamento (SÊNECA, 2009, p. 1).” Para compreender a investigação, segundo os estóicos, sobre qual seria a realização de uma vida feliz é necessário apresentar a concepção de mundo deles. Algo que esta escola filosófica defendia muito era “viver em conformidade com a natureza”, logo, a relação entre a natureza e a forma de vida se tornava bastante clara. A física Para começar, é preciso compreender o que é a natureza, assim é possível descobrir como se deve viver e qual será a opção perfeita de vida. O estóico Cícero destaca a importância de se conhecer a natureza, afirmando que: “Tampouco pode alguém julgar verdadeiramente as coisas como boas ou más, exceto pelo conhecimento de todo o plano da natureza.” (ALGRA apud INWOOD, 2006, p. 173). Segundo a visão dos estóicos, todo o cosmos, ou tudo aquilo que existe, é um ser vivente, animado e racional. A razão estaria presente em cada parte do cosmos e tudo faria parte dele. Deus seria imanente ao cosmos assim como uma alma ou princípio racional e governante. Já o homem, sendo parte desse cosmos racional, deveria viver em alinhamento com a razão universal, conforme o curso natural dos eventos e seguindo a parte do cosmos que está nele mesmo, a razão. Caso haja obediência às injunções da razão reta, conseqüentemente há também à razão divina que preside sobre a administração da realidade. Se o homem obedece a elas de modo consistente, alcança também a virtude e o 'suave fluir da vida', visto que todas as suas ações estarão de acordo com a harmonia entre o divino em dentro dele e a vontade daquele que administra o todo. Logo, viver de forma racional é exercitar a excelência humana. É importante ressaltar que sendo a natureza racional, ela é perfeita e tudo o que vem dela está em perfeita harmonia, não havendo nenhum mal ou bem natural. Hadot diz que: “Tudo acontece por uma necessidade racional” (HADOT, 2010, p. 191) Para o estoicismo, o mal se encontra sempre na ação do homem, que, incapaz de exercer de forma satisfatória a sua racionalidade, comete um erro moral, um vício de caráter. E o bem será sempre o bem moral, ou seja, agir conforme a razão ou de forma virtuosa. Todo o resto que existe é indiferente ao homem. Segundo eles, a impressão não depende dos seres humanos, mas da ação que os objetos exercitam sobre seus sentidos. Os homens não seriam livres para acolher essa ação ou se subtrair a ela, mas estariam livres para tomar uma posição diante das impressões e representações que se formulam dentro deles. O estóico Epicteto, em seu manual, confirma essa diferenciação entre as impressões causadas pelo mundo no homem e seu assentimento. Segundo ele: “As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas sim.” (DINUCCI; JULIEN, 2012, p. 19) Departamento de filosofia E, baseando-se na física estóica, divide tudo aquilo que existe em dois pólos: “Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o impulso, o desejo, a repulsa, em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos em suma: tudo quanto não seja ação nossa.” (DINUCCI; JULIEN, 2012, p. 15) Outra tarefa da lógica dentro do estoicismo é separar aquilo que compete ao sujeito daquilo que não teria controle algum. Segundo a filosofia estóica,é julgado de maneira habitual que coisas indiferentes são boas, tais como a saúde, a vida, o dinheiro, o afeto, a honra, e o conforto, ao passo que como males os opostos, e quaisquer juízos desse tipo são falsos. Esse juízo sobre as coisas indiferentes é visto como um mau funcionamento da razão. Somente com o treinamento e aperfeiçoamento se conseguiria a perfeita racionalidade e não seria possível que as paixões tomassem conta da alma. Com isso, conclui-se que certas coisas que são consideradas boas, para o estoicismo são vistas como apenas indiferentes. A ética eudaimonica A ética estóica pode ser considerada uma ética eudaimonica. Ela não se fundamenta no dever ou aquilo que deve ser feito segundo algum princípio, como as éticas ontológicas fazem, nem se fundamenta nas conseqüências das ações como nas éticas consequencialistas. A ética estóica se propõe a guiar o homem para o que é considerado a excelência humana e conseqüentemente a sua plena realização como ser humano. Se a física examina a natureza das coisas e a lógica auxilia no uso correto da razão e no assentimento ou não das impressões vindas do mundo, caberá, então, a ética guiar a ação, isto é, o que deverá ser feito para se viver de acordo com a natureza e, principalmente, de acordo com o que é entendido como natureza humana. Para os estóicos o escopo do viver é a obtenção da felicidade. E a felicidade se persegue vivendo segundo a natureza. Para os estóicos, alguma coisa vive de acordo com a natureza quando exercita sua excelência, quando faz bem feito aquilo que foi projetado para fazer. O que deverá guiar o homem em sua vida plena e realizada é a razão, pois é nela que se encontra a virtude humana. Para o real exercício da virtude, o primeiro passo da ação estóica estará na aceitação daquilo que não se pode controlar, conforme a divisão sobre aquilo que há na natureza de Epicteto. Além disso, também deve ser receptivo ao que o destino trouxer, ainda que o que aconteça pareça ser ruim. Olhando somente do ponto de vista pessoal, o acontecido pode estar de acordo com um projeto maior, com a razão divina ou natural. A esse respeito Epicteto diz: “Não busques que os acontecimentos aconteçam como queres, mas queiram que aconteçam como acontecem, e tua vida terá um curso sereno.” (DINUCCI; JULIEN, 2012, p. 21) Outra etapa da ética estóica é a busca de perfeição humana, vista como o desenvolvimento das virtudes ou excelência de caráter. Se o que o homem tem de comum com a natureza é a razão, e aquilo que o diferencia dos outros animais é também a sua racionalidade, seu objetivo de vida e sua felicidade estarão no uso correto dessa característica racional. “Pois quem é feliz possui um juízo reto; é feliz quem está contente Departamento de filosofia com os seus bens presentes, quaisquer que sejam, coisas materiais ou amigos; é feliz quem confia à razão todas as situações da sua vida” (SÊNECA, 2009, p. 16) Já o que é visto como inimigos da vida feliz são as paixões e os sentimentos. Quem tem uma vida entregue a elas faz mal uso daquilo que o homem compartilha com o universo. As paixões são vistas como erros da razão, que, incapaz de funcionar de forma correta, acaba levando a opiniões errôneas a respeito das coisas. O mal uso da razão, ou juízo errado acerca das coisas, leva a paixões e,conseqüentemente, ao sofrimento. Assim, os estóicos dividem as paixões em quatro tipos: Desejo, medo, prazer e dor. Desejo é a opinião de que alguma coisa futura é um bem, de modo que se deve alcançá-la. Medo é a opinião de que alguma coisa futura é um mal, de modo que se deve evitá-la. Prazer é a opinião de que alguma coisa presente é um bem, de modo que se deve se exultar perante ela. Dor é a opinião de que alguma coisa presente é um mal, de modo que se deve se afastar dela. Assim, o seguidor do estoicismo deverá identificar suas paixões e impulsos e, através da razão, direcioná-los somente para aquilo que é visto como um bem. A sabedoria, a moderação, a justiça e a coragem são entendidas como coisas boas, virtudes a serem buscadas. Todo o resto, como saúde, doença, riqueza, reputação e morte são indiferentes e não merecedoras da atenção do homem. Apesar de algumas condições serem preferíveis a outras, como no caso da saúde e posse de algum dinheiro, elas não são nec essárias para uma completa realização do ser humano. Assim, Sêneca reforça a tese: “Afirmo que as riquezas não são um bem, pois se o fossem fariam bons os seus possuidores.”(SÊNECA 2009, p. 66) E só o que é intrinsecamente bom é digno de ser buscado. Apesar da forte menção ao controle dos desejos, conhecida como apatia estóica, os estóicos não descartavam todos os tipos de paixões. Segundo eles existiam três tipos de boas afecções da alma, que são causadas por um movimento racional. São eles: a alegria que é uma paz de espírito causada quando se busca a virtude, a precaução, sendo um sentimento racional de aversão ao vício, e a vontade sendo outro sentimento racional que demanda a virtude do homem. Assim, o estóico não pode ser visto como alguém que busca extinguir todos os sentimentos de sua vida e sim somente aqueles que são prejudiciais, aqueles que não estão baseados no uso correto da razão e na natureza. Aqui, Sêneca, mais uma vez, destaca a importância da virtude para guiar o homem em sua existência: “Eleve-se o sumo bem ao lugar donde nenhuma força o arranque, aonde não tenha acesso nem a dor, nem a esperança, nem o temor como coisa alguma que enfraqueça o direito do sumo bem. Ora só a virtude pode ascender até lá; essa ladeira deve ser escalada somente pelos passos da virtude: esta permanecerá de pé, firme, não apenas resignada, mas também de bom grado suportará tudo o que acontecer” (SÊNECA, 2009, p. 41). A virtude ou excelência humana estará no viver de acordo com a razão, seguindo a natureza, aceitando o curso natural dos eventos. A virtude que irá garantir a tranqüilidade e a firmeza do homem independente dos fatores externos. Não se poderia pensar em natureza humana sem pensar na natureza do todo. É somente após esse entendimento do todo, do universo racional e Departamento de filosofia ordenado que o estóico estará pronto para achar o seu lugar no cosmo. E o achando passará a se questionar e analisar suas emoções para, então, encontrar sua felicidade ou excelência no viver. Acrasia X Encratéia Para compreender o que significa acrasia, é importante compreender primeiramente o conceito de enkrateia. Enkrateia vem do adjetivo “enkratês” que significa possessão, poder sobre algo ou alguém. Três discípulos de Sócrates, Isócrates, Xenofonte e Platão, transformaram o adjetivo Enkratês no substantivo Enkrateia e deram um diferente significado para a palavra. Enkrateia deixa de significar poder sobre algo ou alguém e passa a significar poder sobre si mesmo, poder sobre suas paixões e instintos, ou seja, autocontrole. Enkrateia, para Aristóteles é o antônimo de acrasia que significa exatamente falta de autocontrole. Logo, enkrateia está relacionado ao ato de fazer o que se sabe ser uma escolha positiva por causa de suas consequencias positivas ao contrário de acrasia que é o estado de fazer o que é sabido não ser uma escolha positiva, por causa de suas consequências negativas, mas ainda assim fazê-lo por causa de seus prazeres imediatos. Para Xenofonte, enkrateia é vista como "a base de todas as virtudes". Sócrates apresenta no diálogo Protágoras, de Platão uma problematização do conceito de akrazia. Se um sujeito julga que uma determinada ação é a melhor coisa a ser feita, como ele pode fazer outra coisa se não essa? Sócrates resolve esta questão dizendo que se o sujeito conhece a regra moral, ele agirá conforme esse conhecimento, caso o indivíduo aja diferentemente ao que a regra moral determinada é porque, então, ele não possuía verdadeiramente o conhecimento moral. O filósofo Donald Davidson resolve o problema dizendo que, quando uma pessoa age dessa maneira, ela acredita provisoriamente que o pior curso de ação seria o melhor. Isso quer dizer que ela não teria feito um juízo considerando todas as coisas, mas apenas um juízo baseado em um conjunto menor de considerações. Outra possibilidade é que há diferentes formas de motivação, e uma pode estar em conflito com a outra. Pode haver conflito entre a razão e a emoção, e isso de alguma forma prejudicaria a escolha a ser tomada. Dentro da filosofia é bastante usada a definição de acrasia como a mesma coisa que a fraqueza da vontade. Entretanto, alguns filósofos questionam a relação entre acrasia e fraqueza da vontade. É possível ver a fraqueza da vontade como uma tendência a revisar muito facilmente o próprio juízo sobre o que é melhor. Assim pode-se acreditar que o ideal é se livrar de um mau hábito, mas o prazer deste hábito supera o próprio juízo. Tal pessoa teria uma vontade fraca, mas não seria acrática. O conceito de acrasia gera uma reflexão acerca das tragédias gregas, já que elas também tornaram-se uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O estóico Sêneca escreveu peças bastante trágicas como uma espécie de advertência para mostrar o desespero que cometem aqueles que se deixam guiar pelas paixões ao não saberem impor limites. Departamento de filosofia A acrasia nas tragédias gregas Para compreender melhor a presença ou não da acrasia nas tragédias gregas, serão analisadas duas obras: Medéia e As Bacantes, ambas de Eurípedes . Em Medéia,é interessante ter ciência do que aconteceu na trajetória da protagonista, antes do acontecimento trágico, para chegar á conclusão se havia ou não liberdade de escolha e até que ponto a ação trágica de matar os próprios filhos como forma de vingança, foi algo que fugia ou não do controle da personagem. Jasão, com quem Medéia se casaria futuramente, ao atingir a maioridade deveria, por direito, assumir o trono de Iolcos. Enquanto seu pai o preparava para o reinado, ele entregou o poder á um primo chamado Pélias, mas chegada à hora de devolvê-lo, Pélias se recusou. Depois de um tempo afastado, Jasão resolveu voltar Iolcos. O rei não o reconheceu, mas conseguiu ver nele, alguém, que segundo um oráculo, poderia colocar seu reinado em risco. Jasão fez muitos amigos e admiradores em Iolcos, devido á sua inteligência e força física e algum tempo depois se apresentou a Pélias e exigiu seu trono de volta. Como Jasão era muito popular, Pélias se sentiu intimidado e tentando resolver a situação, lembrou a Jasão que Aites, rei da Cólquida, tratou desumanamente Frixo, parente de ambos, e o matou para se apoderar do velocino de ouro. Pélias disse então, que era muito idoso para realizar uma viagem com o objetivo de puni-lo e exortou Jasão para fazê-lo, prometendo seu trono, caso ele voltasse vitorioso. Chegando à nau Argo, Aites que, segundo a lenda era filho do Sol, promete entregar o velocino de ouro, caso Jasão conseguisse em um mesmo dia, realizar quatro tarefas consideradas impossíveis: domar um touro de cascos e chifres de bronze, que soprava chamas pela boca e narinas; arar, com esse touro, um campo consagrado ao deus da guerra; semear nesse terreno os dentes de uma serpente monstruosa, de cujo ventre sairiam guerreiros armados, prontos a devorar quem tentasse arar o campo sagrado e por último, matar um dragão muito feroz, que montava guarda dia e noite ao pé da árvore em cujos galhos estava pendurado o velocino de ouro. Apesar do pavor em realizar tais tarefas, Hera, deusa mulher de Zeus, simpatizava muito com Jasão e fez com que Medéia, filha do rei Aites e neta do Sol, ficasse perdidamente apaixonada por ele e prometesse a ajudá-lo a vencer se este se comprometesse a casar com ela e lhe ser eternamente fiel. Medéia era conhecida por seus poderes mágicos e a vencer todas as provas com eles. Jasão aceitou a proposta e conseguiu vencer com sucesso todas as provas. Porém, Aites, ao saber que a filha havia ajudado Jasão e estava fugindo com ele, mandou seu filho Absirtes persegui-los. Com isso, Medéia matou o irmão e esquartejou o cadáver pelo caminho, para desnortear os que viessem em sua perseguição.Ao retornar a Iolcos, foram todos recebidos com grandes celebrações, como o pai de Jasão não poderia comparecer devido á idade, Medéia, com seus remédios mágicos, devolveu-lhe a juventude. Pélias, também quis ser rejuvenescido, mas Medéia, instigada por Josão, deu a ele uma receita propositalmente errada que o matou. A população se revoltou de tal forma, que Jasão e Medéia tiveram que fugir para Corinto, onde viveram muito bem por dez anos. Como se pode ver através dos acontecimentos, Medéia realizou diversas ações bastante perigosas e comprometedoras, abrindo mão de sua vida Departamento de filosofia anterior, para estar ao lado de Jasão. Isso, juntamente com a paixão que sentia por seu marido, explicam o tamanho furor da personagem, quando Jasão apaixona-se por Glauce, filha do rei de Corinto, e repudia Medéia, para se casar com a princesa. Esta humilhação ainda se soma ao fato de que Creonte, o pai da noiva de Jasão, decreta a expulsão de Medéia e seus filhos de Corinto. A partir deste ponto, Medéia toma a já conhecida decisão de matar os próprios filhos para se vingar de pior maneira possível de Jasão e podemos analisar a concepção de acrasia sobre esta ação. Levando em conta que acrasia é o estado de fazer o que é sabido não ser uma escolha positiva, por causa de suas consequências negativas, mas ainda assim fazê-lo por causa de seus prazeres imediatos, é possível dizer que o prazer da vingança e honra para Medéia era maior ainda mesmo que o amor que ela tinha com seus filhos. Medéia, obviamente, sofre ao tomar esta decisão. Lembrando que ela também enviou presentes envenenados para matar a princesa, mas não considera em momento algum matar o próprio Jasão. Ou seja, o sofrimento de seu amado e ainda, mas almejado que sua própria morte. Logo, Medéia tinha perfeita consciência de sua ação e o fez de maneira totalmente proposital, mesmo sabendo de suas conseqüências negativas. Com isso, não é possível enxergar nenhuma fraqueza de vontade, e sim, a entrega a uma vontade maior, a vontade de vingança, onde o ódio se torna maior do que o amor. Já na tragédia “As Bacantes”, temos um caso distinto. Como conseqüência da vingança de Dionísio para o rei Penteu, Agave acaba matando o próprio filho. Depois de ser mal recebido pelo rei, Dionísio investe em uma cruel armadilha, instiga Penteu a se vestir de mulher e acompanhar o rito das Bacantes, do qual, sua própria mãe Agave faz parte. Porém, meio ao transe dionisíaco, Agave não reconhece o próprio filho, ela e as outras bacantes o enxergam como um leão feroz e o destroçam. Como motivo de orgulho, ainda inconsciente, leva a Entretanto, diferente de Medéia, Agave encontrava-se em transe e realizou sua ação sem consciência alguma do que fazia. Este fato denota então, que não houve acrasia em sua ação, pois a personagem não agia de acordo com sua verdadeira vontade. Conclusão Ética e a busca da felicidade é um assunto que dá margem para diversos questionamentos e investigações filosóficas. É interessante neste ponto compreender como a concepção da felicidade e da ética pode variar de acordo com a filosofia, entretanto, sempre há algo que conecta ambos. De um modo geral, a ética se apresenta como o melhor modo de vida e a felicidade como sua busca e conseqüência final. Aristóteles foi um grande percussor do tema e seu desenvolvimento ressoa fortemente em inúmeras investigações, até a filosofia contemporânea. Mesmo que em sentido contrário, a ética aristotélica é forte base para a discussão sobre o tema. Entretanto, o seu questionamento é bastante válido. A visão aristotélica de felicidade é bastante racional, sendo que a felicidade é um estado, muitas vezes irracional. Logo, é bastante questionável se a fórmula única para alcançá-la seja mesmo a razão. Passando para o estudo da filosofia estóica, é interessante como a felicidade era quase segmentada na ética, o que apontava um caminho considerado infalível para alcançá-la. Novamente, é válido questionar se um mesmo sistema valeria para indivíduos tão únicos e particulares. Departamento de filosofia Já o que diz respeito á Encratéia X Acrasia, a reflexão dos conceitos entra não só dentro da filosofia, mas como na história humana e suas fraquezas. Por isso, a aplicação de sua análise nas tragédias gregas se torna tão rica. Avaliar duas personagens de Eurípedes, com tamanha força e poder, submetidas á situações limítrofes e considerar até que ponto há acrasia dentro de suas ações é um grande passo para compreender melhor tanto Medéia quando As Bacantes. . Bibliografia ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Martin Claret, 2001. São Paulo. Edição 1. EURÍPIDES, Medéia. Martin Claret, 2009. São Paulo. Edição 1. EURÍPIDES. As Bacantes. Tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Perspectiva, 2003. SÊNECA, L. A. Da vida feliz (De vida beata). 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. HADOT, P O que é a filosofia antiga? 4. ed. São Paulo: Loyola, 2010. INWOOD, B. (Org.). Os Estóicos . Trad.: Paulo F. T. Ferreira. São Paulo: Odysseus, 2006. SCHOFIELD, M. Ética estóica. In: INWOOD, B. (Org.).Os Estóicos . Trad.: Paulo F. T. Ferreira. São Paulo: Odysseus, 2006. p. 259-284. DAVIDSON, DONALD, “Psychology as Philosophy”, in Essays on Actions and Events, Oxford, Oxford University Press, 1980, p. 233. Departamento de filosofia