complicacoes oftalmologicas em anestesia

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1
ANTONIO TIAGO MOTA PINHEIRO
COMPLICAÇÕES OFTALMOLÓGICAS EM ANESTESIA
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
como requisito parcial para término da
Residência Médica em Anestesiologia do
Hospital Geral de Fortaleza, vinculado a
Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará.
Orientador: Prof. Dr. Rogean Rodrigues Nunes
FORTALEZA
2016
2
ANTONIO TIAGO MOTA PINHEIRO
COMPLICAÇÕES OFTALMOLÓGICAS EM ANESTESIA
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
como requisito parcial para término da
Residência Médica em Anestesiologia do
Hospital Geral de Fortaleza, vinculado a
Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará.
Aprovada em ____/____/______
BANCADA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Rogean Rodrigues Nunes
Corresponsável CET Hospital Geral de Fortaleza
_______________________________________
Dr.a Nely Marjollie Guanabara Teixeira
Anestesiologista do CET-SBA Hospital Geral de Fortaleza
_______________________________________
Dr. Francisco de Lucena Cabral Junior
Anestesiologista do CET-SBA Hospital Geral de Fortaleza
3
AGRADECIMENTOS
À Dr.a Aglais Gonçalves da Silva Leite, pela coordenação e empenho destinado ao serviço de
Anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza, por sua constante batalha em busca do
crescimento profissional de seus aprendizes.
Ao Dr. José Carlos Rodrigues Nascimento, por todo apoio que destina aos residentes sob sua
orientação.
Ao Prof. Dr. Rogean Rodrigues Nunes, orientador desta monografia, por todas as orientações
acadêmicas, competência, resiliência e perseverança com seus alunos.
A todos os preceptores em Anestesiologia dos hospitais de ensino (HGF, HGWA, HGCC,
HIAS, HM, Hospital da Mulher e ICC) que, com paciência e confiança, contribuíram com
ensinamentos fundamentais para minha formação.
A minha mãe pelo empenho, amor, carinho e dedicação que possibilitou a realização de meus
sonhos.
A meu pai (in memorian) que partiu dessa vida muito cedo, mas que soube deixar belas lições
que levo comigo para sempre.
A minha irmã, por seu entusiasmo na vida acadêmica e pelo incentivo e carinho fraterno.
Aos amigos que, com um sorriso, um abraço ou uma palavra de motivação e alegria,
amenizaram os momentos mais difíceis.
A todos os pacientes que, nesses anos de treinamento em Anestesiologia, confiaram suas
vidas em minhas mãos.
4
RESUMO
As complicações oftalmológicas perioperatórias são situações raras, porém ameaçadoras à
visão do paciente. A anestesia regional orbital é a técnica de escolha nos procedimentos
oftalmológicos. A execução da técnica anestésica requer conhecimentos das ciências básicas
para minimizar as chances dessas complicações. São descritas as técnicas de anestesia
regional orbital e as suas principais complicações de acordo com a literatura médica atual.
Também são descritas complicações oculares perioperatórias em procedimentos não
oftalmológicos. O bloqueio retrobulbar está em desuso por ser a técnica mais associada a
complicações locais e sistêmicas. A anestesia regional mais usada em Oftalmologia no Reino
Unido e da América do Norte é a anestesia subtenoniana, executada principalmente por
oftalmologistas. No Brasil, a anestesia tópica e o bloqueio peribulbar são as técnicas mais
utilizadas. A literatura médica atual mostra redução nas taxas de complicações oftalmológicas
perioperatórias que provavelmente está relacionada ao desenvolvimento de técnicas
oftalmológicas menos invasivas.
Palavras-chave: Anestesia regional; Complicações oftalmológicas.
5
ABSTRACT
Perioperative eye complications are rare, but they threaten patient’s vision. The orbital
regional anesthesia is the technique of choice in ophthalmic procedures and the correct
performance requires basic sciences knowledge to minimize the chances of these
complications. Regional orbital anesthesia techniques and their main associated complications
are described according to current literature. Perioperative ocular complications in nonophthalmic procedures are also described. Retrobulbar block is currently obsolete for being
the most associated local and systemic complications technique. In the UK and North
America centers, sub-Tenon anesthesia is preferred, performed mainly by ophthalmologists.
In Brazil, topical anesthesia and peribulbar block are the most widely used techniques. Recent
medical literature shows reduction in perioperative ophthalmic complication rates, probably
related to the development of less invasive techniques in ophthalmic procedures.
Keywords: Regional anesthesia; ophthalmic complications.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7
CAPÍTULO 1 – CIÊNCIAS BÁSICAS APLICADAS À ANESTESIA OCULAR. ................ 8
1.1 ANATOMIA OCULAR ................................................................................................... 8
1.2 FISIOLOGIA OCULAR................................................................................................. 11
1.2.1. FORMAÇÃO E DRENAGEM DO HUMOR AQUOSO ....................................... 12
1.2.2 MANUTENÇÃO DA PRESSÃO OCULAR ........................................................... 12
1.2.3 EFEITOS DA ANESTESIA E ADJUVANTES NA PRESSÃO INTRAOCULAR
........................................................................................................................................... 13
1.3 REFLEXO ÓCULO-CARDÍACO ................................................................................. 13
1.4 CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS DOS FÁRMACOS OFTALMOLÓGICOS ...... 14
1.5 FÁRMACOS OFTALMOLÓGICOS SISTÊMICOS .................................................... 16
CAPÍTULO 2 - TÉCNICAS ANESTÉSICAS EM OFTALMOLOGIA E POTENCIAIS
COMPLICAÇÕES ................................................................................................................... 17
2.1 PREPARO ANESTÉSICO DO PACIENTE OFTALMOLÓGICO .............................. 17
2.2 BLOQUEIO RETROBULBAR ...................................................................................... 18
2.3 BLOQUEIO PERIBULBAR .......................................................................................... 21
2.4. BLOQUEIO SUBTENONIANO OU PARABULBAR ................................................ 22
2.5 ANESTESIA TÓPICA OCULAR .................................................................................. 23
CAPÍTULO 3 - COMPLICAÇÕES OCULARES PÓS-OPERATÓRIAS EM CIRURGIAS
NÃO OFTALMOLÓGICAS .................................................................................................... 24
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 26
REFERENCIAS ....................................................................................................................... 27
7
INTRODUÇÃO
A anestesia para cirurgia oftalmológica requer cuidados além da rotina de
checagem de material e monitorização do paciente, sendo indicada a presença de um
anestesiologista no período perioperatório mesmo nos casos de anestesia tópica.1
Conhecimentos em anatomia, fisiologia e farmacologia ocular são quesitos para o
anestesiologista planejar e executar a técnica anestésica de forma satisfatória.
Fármacos oftalmológicos que atuam sobre o sistema nervoso autônomo
potencializam os efeitos adversos da anestesia, assim como os fármacos anestésicos e a
manipulação ocular influenciam diretamente a dinâmica intraocular.
Parte significativa dos pacientes dessa especialidade figuram extremos de idade e,
muitas vezes, são portadores de comorbidades de interesse do anestesiologista. A população
idosa apresenta alta prevalência de diabetes melito, doença arterial coronariana, hipertensão
arterial sistêmica, doença pulmonar crônica, além de problemas da senilidade como a
demência. Na criança, há possibilidade de prematuridade e de doenças congênitas.
A lista de procedimentos oculares é extensa, mas pode ser dividida basicamente
em procedimentos extraoculares e intraoculares. Essa divisão é essencial para as
considerações anestésicas. Os procedimentos intraoculares requerem acinesia (relaxamento da
musculatura extraocular) e controle meticuloso da pressão intraocular (PIO), enquanto que o
reflexo óculo-cardíaco, embora possa se manifestar em qualquer manipulação ocular, torna-se
mais relevante nos procedimentos extraoculares.
O presente estudo tem o objetivo de revisar as principais complicações
oftalmológicas em Anestesia a partir da literatura médica atual, visto que os livros-textos, em
sua última edição, ainda apresentam referências desatualizadas.
8
CAPÍTULO 1 – CIÊNCIAS BÁSICAS APLICADAS À ANESTESIA OCULAR.
1.1 ANATOMIA OCULAR
O conhecimento da anatomia ocular é necessário para a execução segura e efetiva
da anestesia regional em oftalmologia.
A anatomia ocular apresenta cinco subdivisões: órbita; globo ocular; musculatura
extraocular; pálpebras e sistema lacrimal.
O par de órbitas são cavidades de formato piramidal, cada uma com quatro
paredes compostas por sete ossos. Cada globo ocular é situado anteriormente na órbita e
ocupa um terço da cavidade orbitária. O restante da órbita é preenchido basicamente por
tecido adiposo. A órbita tem um volume de aproximadamente 30 ml, e o globo ocular do
adulto tem volume médio de 7 ml. As medidas da abertura anterior da órbita são 35 mm de
altura e 45 mm de largura, com a profundidade média de cerca de 40 mm, variando com a
raça e o gênero.2
No vértice da órbita, está situado o forame óptico, que detém o nervo óptico,
artéria oftálmica e as fibras simpáticas originadas do plexo carotídeo, assim como estão
localizadas a fissura orbital superior e a fissura orbital inferior, por onde emergem as
estruturas vasculares e nervosas maiores do globo ocular. Através do forame infraorbital,
localizado 4 mm abaixo da borda orbital maxilar (ou borda orbital inferior), passam o nervo, a
artéria e a veia infraorbital. A fossa lacrimal contém a glândula lacrimal no terço lateral da
margem supraorbital. A incisura supraorbital localiza-se na junção do terço medial com os
dois terços temporais da margem supraorbital, por onde cruzam nervo, artéria e veia
supraorbital.
O globo ocular do adulto (figura 1) tem formato parcialmente esférico, com 23,5
mm de diâmetro médio, variando de 21 mm a 26 mm. Ao nascimento, o diâmetro ocular é de
cerca de 16 mm e atinge 23 mm aos 3 anos de idade, chegando ao tamanho máximo na
puberdade.2 A parede do globo é composta de três camadas: esclera, trato uveal e retina.
A esclera é a camada fibrosa mais externa, formada basicamente de colágeno, que
dá sustentação, rigidez e proteção ao globo ocular. A cápsula tenoniana recobre o globo
ocular da córnea até o nervo óptico. Os músculos extraoculares estão inseridos no globo
ocular através de aberturas na cápsula tenoniana. Na porção anterior da esclera, observa-se a
córnea que é transparente, permitindo a passagem de luz para as estruturas internas. O arco
formado pela córnea inicia o processo de focalização das imagens na retina.
9
O trato uveal é a camada intermediária da parede do globo ocular, em aposição
direta com a esclera, ricamente vascularizado. O espaço supracoroidal é um espaço virtual
entre a esclera e o trato uveal que pode ser preenchido de sangue, no caso de hemorragia,
situação crítica, associada a desastre cirúrgico. A íris, o corpo ciliar e o plexo coróide
compõem o trato uveal. A íris inclui a pupila que controla a quantidade de luz que entra no
globo ocular pela ação de três grupos musculares: O músculo dilatador da íris, com inervação
simpática com receptores α1, o esfíncter e o músculo ciliar, ambos com inervação
parassimpática com receptores muscarínicos M3. Posteriormente à íris, estão situados os
corpos ciliares que produzem o humor aquoso. Os músculos ciliares do corpo ciliar ajustam o
formato do cristalino para acomodar o foco a várias distâncias. Os capilares coróides são
ramos das artérias ciliares que nutrem a camada mais anterior da retina.
Figura 1 – Estruturas do globo ocular
Reprodução da imagem Globo ocular e estruturas intraoculares de Cangiani e colaboradores.3
A retina é uma membrana neurossensorial composta de 10 camadas que
convertem os estímulos luminosos em impulsos neurais. Os impulsos neurais de cada olho são
conduzidos pelo nervo óptico para o cérebro.
O cristalino está localizado na porção anterior do olho, posterior à pupila.
Promove refração dos raios luminosos, focalizando as imagens na retina. A contração ou
relaxamento dos músculos ciliares levam a mudanças na espessura do cristalino para ajustar o
foco das imagens na retina, em um processo de acomodação visual. Os fármacos cicloplégicos
promovem relaxamento dos músculos ciliares.
10
No núcleo do globo ocular, está a cavidade vítrea preenchida pelo humor vítreo de
aspecto gelatinoso. O humor vítreo está aderido aos 3 mm mais anteriores da retina, assim
como aos vasos de maior calibre e ao nervo óptico. O humor vítreo pode tracionar a retina
causando hemorragia e/ou descolamento de retina.
A musculatura extraocular é constituída por seis músculos de cada globo ocular.
Quatro músculos retos – superior, inferior medial e lateral, e dois músculos oblíquos, superior
e inferior. O ânulo de Zinn, no vértice da órbita, é a origem dos músculos retos. Apenas o
músculo oblíquo inferior tem origem fora do tendão comum no vértice da cavidade orbitária e
surge da face maxilar da parede nasal da órbita, com inserção na superfície inferoposterior do
globo ocular, perto da mácula. Os músculos se projetam anteriormente e estão inseridos à
parede do globo ocular no plano equatorial (figura 2). Os músculos retos delimitam o espaço
intraconal e extraconal, que é um conceito prático para a realização da anestesia regional
ocular. Os músculos extraoculares são inervados pelos nervos oculomotor, troclear e
abducente. O músculo levantador da pálpebra está sobreposto ao músculo reto superior e tem
inervação motora pelo n. oculomotor.
Figura 2 – Musculatura extraocular
Reprodução da imagem Vista frontal da órbita direita, mostrando o trajeto dos músculos extrínsecos do olho de
Cangiani e colaboradores.3
O sistema lacrimal é composto pelas glândulas lacrimais que promovem a
formação contínua do filme lacrimal mantendo a umidade e lubrificação da superfície anterior
do globo ocular e pelo sistema de drenagem lacrimal composto pelo orifício, canalículos, saco
lacrimal e ducto lacrimal que drenam para a cavidade nasal. Parte da absorção sistêmica de
fármacos oftalmológicos ocorre na mucosa nasal a partir desse sistema de drenagem. Os
efeitos sistêmicos de colírios no perioperatório podem ser minimizados pela compressão do
11
ducto lacrimal, próximo à carúncula, durante a instilação conjuntival. Disfunção do sistema de
drenagem leva à necessidade de intervenção cirúrgica, a dacriocistorrinostomia, que é a
anastomose do saco lacrimal diretamente na mucosa nasal.
A conjuntiva é a membrana mucosa que cobre a superfície do globo e parte
posterior das pálpebras. Ela apresenta capacidade absortiva e é um local comum de
administração de fármacos oftalmológicos.
As pálpebras protegem os olhos do meio externo. Cada pálpebra é composta de
quatro camadas – conjuntiva, placa cartilaginosa tarsal, camada muscular orbicular e
levantador da pálpebra, pele. Através do piscar das pálpebras, o filme lacrimal é espalhado
pela superfície do olho, mantendo a córnea umidificada. O ato de piscar eleva
momentaneamente a PIO entre 5 mmHg e 10 mmHg. Essa variação de pressão pode ser
suficiente para causar extrusão do conteúdo ocular no período intraoperatório de
procedimentos intraoculares. Nesse contexto, pode-se realizar o bloqueio do nervo facial para
obter a acinesia da pálpebra em complemento à anestesia regional orbital.
A inervação ocular sensitiva e motora do olho e anexos é complexa. Um ramo do
n. oculomotor se dirige para a raiz motora do gânglio ciliar, que controla o esfíncter da pupila
e o músculo ciliar. A inervação mais complexa das estruturas oculares ocorre pela divisão
oftálmica do n. trigêmeo, que se divide em nervos frontal, lacrimal e nasociliar após entrar na
órbita pela fissura orbital superior. O ramo zigomático do n. facial se divide em ramos
superiores para o músculo frontal e músculo orbicular palpebral superior e ramos inferiores
para o músculo orbicular palpebral inferior, promovendo a oclusão palpebral, enquanto que a
abertura palpebral se faz sob o controle do n. oculomotor.
A vascularização do globo ocular e da órbita é feita por ramos de ambas as
carótidas externas e internas. A artéria oftálmica emerge da carótida interna e emite a artéria
central da retina e a irrigação para o globo e estruturas periorbitais. A drenagem venosa da
órbita é realizada pelas múltiplas anastomoses das veias oftálmicas superiores e inferiores. A
drenagem venosa do globo ocular e do nervo óptico é feita principalmente pela veia central da
retina. Todo o sistema venoso ocular é tributário do seio cavernoso.
1.2 FISIOLOGIA OCULAR
Na perspectiva do anestesiologista, a fisiologia da formação e drenagem do humor
aquoso são de maior relevância para a correta manipulação da pressão intraocular.
12
1.2.1. FORMAÇÃO E DRENAGEM DO HUMOR AQUOSO
Dois terços do humor aquoso é formado na câmara posterior pelos corpos ciliares
por processo ativo envolvendo a anidrase carbônica e o sistema citocromo-oxidase. O terço
restante é formado por filtração passiva do humor aquoso dos vasos na superfície anterior da
íris. O volume da câmara posterior é de 60µL e da câmara anterior é de 250µL.2
No epitélio ciliar, o íon sódio é transportado ativamente para o humor aquoso da
câmara posterior. Bicarbonato e cloreto são transportados passivamente concomitantes ao íon
sódio. Esse mecanismo ativo torna a pressão osmótica do humor aquoso maior que a do
plasma. Esse gradiente de osmolaridade promove a formação de humor aquoso numa taxa de
2 µL.min-1.
O humor aquoso flui da câmara posterior para a câmara anterior pela abertura
pupilar, banhando o cristalino e o epitélio posterior da córnea. Quando a pupila dilata, reduz o
espaço de Fontana para circulação do humor aquoso e a resistência do fluxo de saída aumenta,
e o acúmulo de humor aquoso eleva a PIO. Como a midríase é indesejada nos casos de
glaucoma de ângulo fechado e de ângulo aberto, soluções oftalmológicas com agentes
mióticos são usados em pacientes com glaucoma. Na periferia da câmara anterior, o humor
aquoso é drenado pela rede trabecular, canais de Schlemm e pelo sistema venoso episcleral. O
sistema venoso conflui para a veia cava superior, até chegar ao átrio direito. Qualquer
obstrução venosa no trajeto do olho ao átrio direito impede a drenagem aquosa, elevando a
pressão intraocular.
1.2.2 MANUTENÇÃO DA PRESSÃO OCULAR
A pressão intraocular (PIO) varia normalmente de 10 mmHg a 22 mmHg. Acima
de 25mmHg é considerada alterada.
A manutenção da pressão intraocular se faz por um conjunto de fatores: O
conteúdo
líquido
(principalmente
humor
aquoso);
volume
sanguíneo
intraocular
(principalmente venoso); pressão extraocular (contração muscular, congestão venosa,
compressão extrínseca) e midríase.
O volume sanguíneo intraocular influencia a pressão intraocular principalmente
pela dilatação e vasoconstrição das camadas esponjosas do plexo coróide. Alterações na
pressão arterial tem menor efeito na PIO do que flutuações na pressão venosa. Na hipertensão
arterial crônica, após um período de adaptação, ocorre redução do volume sanguíneo total,
mantendo a PIO constante.
13
1.2.3 EFEITOS DA ANESTESIA E ADJUVANTES NA PRESSÃO INTRAOCULAR
Os fármacos anestésicos, assim como as manobras de laringoscopia e bloqueios
regionais alteram a pressão intraocular. Durante a anestesia, uma elevação da PIO pode
produzir perda visual permanente. Se a incisão do globo ocorrer com a PIO excessivamente
elevada, há risco de ruptura de capilares e consequente hemorragia. Após a incisão do globo
ocular, a PIO assume a pressão atmosférica e qualquer aumento súbito da pressão pode
produzir prolapso da íris e do cristalino ou perda de vítreo.
Em situações que não permitem variações da pressão intraocular, como no trauma
ocular penetrante, as manobras de laringoscopia e intubação traqueal devem ser realizadas em
plano anestésico profundo, uma vez que a PIO pode elevar-se mesmo sem reação perceptível
do paciente à intubação.
Condições anestésicas que elevam a PIO: Succinilcolina, hipoxemia, hipercapnia
e cetamina. A succinilcolina é um bloqueador neuromuscular despolarizante que produz
fasciculações e contrações tônicas da musculatura extraocular, vasodilatação coroidal e
relaxamento da musculatura lisa orbital, com pico de elevação médio de 8 mmHg da PIO 1 a
4 minutos após a administração venosa e retorno a linha de base da PIO após 7 minutos. O
pré-tratamento com bloqueadores neuromusculares adespolarizantes é controverso, e a
succinilcolina é contraindicada em pacientes com trauma ocular penetrante. A hipoventilação,
e consequente hipoxemia e hipercarbia, elevam a PIO, pois ocorre alteração na pressão
intracraniana secundária à vasodilatação. Estudos4 da década de 1970 com cetamina
inicialmente mostraram elevação da PIO, mensurada por tonometria de indentação. Porém, ao
usar a tonometria de aplanação, método mais sensível, não foi observada elevação da PIO.
Mesmo assim, o nistagmo e blefarospasmo produzidos pela cetamina tornam esse agente
pouco indicado em oftalmologia.
A hiperventilação promove vasoconstrição e redução do fluxo sanguíneo cerebral,
reduzindo a PIO.
A hipotermia está associada à redução na formação de humor aquoso e
vasoconstrição, com efeito líquido de redução da PIO.
1.3 REFLEXO ÓCULO-CARDÍACO
Inicialmente descrito em 1908 por Aschner e Dagnini, o reflexo óculo-cardíaco
(ROC) consiste na redução da frequência cardíaca em resposta à pressão e à tração sobre
14
estruturas da órbita e do globo ocular. Pode ser desencadeado ainda por bloqueio retrobulbar,
trauma ocular e por pressão sobre o ápice da órbita após enucleação.
A via aferente é trigeminal e a via eferente é vagal. A manifestação mais comum é
a bradicardia sinusal, mas outras disritmias podem ocorrer, incluindo ritmo juncional,
bloqueio atrioventricular, bigeminismo ventricular, ritmo idioventricular e assistolia. A maior
incidência envolve crianças pelo maior tônus vagal.
A prevenção do ROC com agentes anticolinérgicos é ineficaz, inclusive com
relatos de disritmias mais graves e refratárias. Os bloqueios regionais orbitais têm
reconhecido efeito protetor contra o reflexo óculo-cardíaco, com as desvantagens dos riscos
inerentes a esses procedimentos, inclusive de desencadear o ROC.
A abordagem inicial no caso de arritmia é interromper o estímulo sobre o olho e
imediatamente assegurar a ventilação adequada do paciente. A frequência e o ritmo
geralmente retornam aos valores iniciais em até 20 segundos. Com a estimulação repetida,
ocorre fadiga do reflexo. Em casos de ROC persistente, alguns autores advogam o uso de
anticolinérgicos.
1.4 CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS DOS FÁRMACOS OFTALMOLÓGICOS
Agentes anticolinesterásicos de longa duração como ecotiofato, usados como
agentes mióticos em pacientes com glaucoma, prolongam a ação da succinilcolina. Esse
agente miótico é absorvido na circulação sistêmica após instilação no saco conjuntival. A
atividade da pseudocolinesterase plasmática pode estar reduzida a menos que 5% do normal
após 1 mês de terapia e requer 4 a 6 semanas para retornar aos valores normais após a
interrupção da droga.
O ciclopentolato é um agente midriático comum, que apresenta efeitos colaterais
neurológicos, como disartria, desorientação e reações psicóticas francas. Esses efeitos são
mais comuns com soluções a 2% do que a 1%. Em crianças já foram descritos casos de
convulsão, portanto são recomendadas soluções de 0,5% a 1%.
Epinefrina tópica ocular a 2% é usada como agente midriático no perioperatório,
mas promove efeitos sistêmicos de hipertensão, angina, taquicardia sinusal e arritmias além
de nervosismo.
Solução oftalmológica de fenilefrina produz midríase e vasoconstrição. Em doses
tópicas usuais, efeitos colaterais são incomuns, mas estão descritos efeitos sistêmicos como
hipertensão arterial, cefaleia e bradicardia. Pacientes com doença arterial coronariana são
15
suscetíveis à isquemia severa, infarto do miocárdio e disritmias após administração de colírio
de fenilefrina a 10%. Crianças apresentam resposta sistêmica dramática à instilação ocular de
fenilefrina, inclusive com relato de edema agudo de pulmão.5,6 Dessa forma, é recomendado o
uso de solução a 2,5% de fenilefrina em crianças e também em idosos. O uso de fenilefrina é
contraindicado após incisão ocular no perioperatório.
Apraclonidina é um agente alfa-2 agonista de uso oftalmológico no tratamento de
glaucoma e aplicado como vasoconstritor em cirurgia de estrabismo. Apresenta molécula
mais polar que a clonidina, sendo menos lipofílica, com menor potencial de atravessar a
barreira hemato-encefálica e, portanto, com menos risco de hipotensão. No entanto, o efeito
agonista periférico do fármaco nos receptores α1 e α2 pode produzir vasoconstrição
pronunciada, aumentando o retorno venoso e causando hipertensão arterial.6
Colírio de atropina é usado como agente midriático e cicloplégico. Absorção
sistêmica pode ser suficiente para produzir disritmias como taquicardia supraventricular e
fibrilação atrial.
Timolol é um betabloqueador adrenérgico não seletivo muito usado na forma
tópica no tratamento de glaucoma, com melhor aceitação dos pacientes do que outras drogas.
Os efeitos sistêmicos podem ocorrer pela absorção conjuntival significativa da droga,
inclusive produzindo bradicardia severa em pacientes com distúrbios de condução cardíaca.
Timolol foi descrito como causa de exacerbação de miastenia gravis e de ocorrência de apneia
pós-operatória em neonatos e lactentes.
A injeção intravítrea do gás hexafluoreto de enxofre é usada durante o reparo de
descolamento de retina, para auxiliar mecanicamente a aderência da retina. Se usado na
presença de óxido nitroso, a bolha de hexafluoreto de enxofre pode inflar e causar rápido
aumento da pressão intraocular, atingindo valor máximo em 24 minutos. Na presença de 70%
de óxido nitroso, 1,0ml de ar se expande para 2,85ml em 1 hora; essa expansão é ainda maior
com o hexafluoreto de enxofre que tem difusão mínima. Recomenda-se suspender a
administração de óxido nitroso 15 minutos antes da injeção vítrea de gás. Para pacientes que
necessitem de anestesia geral após injeção intravítrea de gás, a recomendação é evitar a
administração de óxido nitroso por 5 dias após a injeção de ar e evitar por 10 dias após a
injeção de hexafluoreto de enxofre.
16
1.5 FÁRMACOS OFTALMOLÓGICOS SISTÊMICOS
A acetazolamida administrada via oral ou endovenosa inativa a anidrase carbônica
e interfere com a bomba de sódio. O efeito resultante é a redução da formação de humor
aquoso e redução da PIO. No entanto, os efeitos na anidrase carbônica dos túbulos renais
promovem a perda de água e dos íons bicarbonato, sódio e potássio na urina, provocando
hiponatremia, hipocalemia e acidose metabólica.
Soluções hipertônicas como dextran, ureia, manitol, sorbitol elevam a pressão
osmótica do plasma, reduzindo a formação de humor aquoso e reduzindo a PIO. Manitol é a
solução mais utilizada com essa finalidade, com a vantagem de menos efeitos colaterais, com
pico de ação de 30 a 45 minutos e duração de ação por 5 a 6 horas, usada na dose de 1,5g.Kg-1
por via endovenosa. Como efeito colateral, ocorre rápida expansão do volume intravascular
por efluxo da água intracelular, com sobrecarga renal e cardíaca, além de resultar em
hiponatremia dilucional.
17
CAPÍTULO 2 - TÉCNICAS ANESTÉSICAS EM OFTALMOLOGIA E POTENCIAIS
COMPLICAÇÕES
2.1 PREPARO ANESTÉSICO DO PACIENTE OFTALMOLÓGICO
A atenção à anamnese do paciente com a pesquisa de comorbidades, além do uso
de colírios e de medicações sistêmicas é fundamental. Em cirurgia de catarata, a prevalência
de hipertensão arterial sistêmica, diabetes e doenças geniturinárias é alta, e até 40% dos
pacientes oftalmológicos são diagnosticados com comorbidades durante a avaliação préanestésica.7 A solicitação de exames pré-operatórios se baseia na condição clínica do paciente,
programação cirúrgica e técnica anestésica para o procedimento. A maioria das cirurgias
oftalmológicas são eletivas e, se o paciente é considerado clinicamente instável, o
procedimento pode ser adiado até a avaliação clínica e tratamento das comorbidades. A taxa
de mortalidade perioperatória em cirurgias oftalmológicas é baixa8, com a população
portadora de condições preexistentes graves apresentando o maior risco.
Pacientes com ptose congênita e estrabismo podem ter risco mais alto de
hipertermia maligna, devendo o anestesista tomar as medidas preventivas possíveis.9
Pacientes
em
uso
de anticoagulantes
merecem
atenção particular do
oftalmologista e do anestesiologista. Pelo risco de hemorragia retrobulbar ou intraocular
durante a cirurgia, a interrupção da anticoagulação ou a terapia antiagregante plaquetária é
recomendada em alguns casos. Por outro lado, o risco de interrupção do tratamento da doença
de base com antiagregante/anticoagulante expõe o paciente ao risco de desenvolver isquemia
cerebral, infarto do miocárdio ou embolia pulmonar.10
Estudo com 55000 casos11 mostrou que pacientes usando clopidogrel ou
cumarínico apresentaram maior risco de complicações hemorrágicas menores na anestesia
regional ocular, mas sem complicações potencialmente ameaçadoras à visão. Embora não
pareça ter aumento significante da incidência de eventos hemorrágicos maiores com anestesia
regional periorbital em pacientes em uso crônico de antiagregantes plaquetários ou
anticoagulantes, a avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios deve ser feita caso a caso, e, se
necessário, após consultar o clínico assistente. Uma meta-análise12 de 2008 revelou que
continuar o uso de cumarínico especificamente em pacientes com catarata foi associado com
risco aumentado de sangramento, mas quase todos autolimitados e clinicamente irrelevantes,
sem nenhum caso de sangramento que comprometesse a acuidade visual. Em pacientes com
doença arterial coronariana portadores de stents, a conclusão é que o risco de eventos
18
trombóticos é muito superior do que o risco complicações por sangramento, portanto
idealmente deve-se postergar a cirurgia oftalmológica de maior risco de sangramento até a
conclusão da terapia antiagregante.13
As condições necessárias para o procedimento oftalmológico seguro são acinesia
ocular, analgesia profunda, sangramento mínimo, minimizar ou abolir o reflexo óculocardíaco, prevenção da hipertensão intraocular, além de um despertar suave do paciente, sem
sintomas de náusea ou vômitos, sem tosse ou manobra de Valsalva. Atingir essas condições
requer a ativa participação do anestesiologista.
A escolha da técnica anestésica, principalmente entre anestesia regional ou
anestesia geral deve ser individualizada. As maiores considerações na escolha da técnica
anestésica incluem o tipo e a duração do procedimento, avaliação da coagulação do paciente,
capacidade de cooperação e comunicação do paciente e preferência da equipe cirúrgica.14 Por
exemplo, anestesia regional isolada não é a escolha ideal para o paciente com deficiência
auditiva, ou para pacientes com claustrofobia, ansiedade ou distúrbios cognitivos, assim como
existem outras contraindicações relativas, como tosse crônica, tremores e impossibilidade de
permanecer em decúbito dorsal. Estudo no Reino Unido, com mais de 55000 cirurgias de
catarata entre 2001 e 2006, mostrou que 56% dos bloqueios regionais foram realizados por
oftalmologistas, e a técnica subtenoniana foi usada em 47% dos casos, seguido pela técnica
peribulbar em 19% dos casos.15
A oferta de oxigênio suplementar por cânula nasal ou oxigenação indireta do
ambiente com fluxo de 2L.min-1 de O2 a 100% previne a hipoxemia em pacientes cobertos
pelos campos cirúrgicos, porém favorece o acúmulo de oxigênio, que é indesejável durante o
uso do eletrocaltério, por risco de combustão. A presença de campos cirúrgicos impermeáveis
leva ao acúmulo de gás carbônico sob o campo. Para prevenir os efeitos adversos hipercapnia
decorrente da reinalação de gás carbônico – taquicardia e elevação da PIO – a instalação de
um sistema de sucção sob os campos cirúrgicos é recomendada a todos os pacientes
submetidos à cirurgia oftalmológica.
2.2 BLOQUEIO RETROBULBAR
O bloqueio retrobulbar foi o “padrão ouro” da anestesia ocular no começo do
século XX, até a formalização do bloqueio peribulbar da técnica subtenoniana.16 É um
procedimento muito efetivo em estabelecer rápida anestesia e acinesia ocular, no entanto, essa
19
técnica está em desuso pelas complicações associadas, com incidência na ordem de <1 em
1000.15,17
A técnica do bloqueio consiste na inserção da agulha via transcutânea ou via
transconjuntival na junção do terço médio com o terço lateral da borda orbital inferior,
imediatamente acima da rima orbital. Para reduzir o risco de penetração do globo ocular, é
descrita a elevação do globo ocular com a ponta do dedo indicador antes da inserção da
agulha. A agulha então é introduzida paralela ao assoalho da órbita, com o bisel de frente para
o globo ocular. Conforme a agulha avança, o olho é inspecionado para identificar qualquer
movimento para baixo, que pode indicar contato da agulha com o globo ocular. Além disso,
pode-se realizar um movimento de vaivém no plano horizontal para detectar qualquer
movimento concomitante do olho por contato da agulha. Uma vez que a ponta da agulha
tenha ultrapassado o equador do olho, a agulha é redirecionada sutilmente para cima e
medialmente, no sentido da parte inferior da fissura orbital superior. A profundidade da
agulha deve ser avaliada cuidadosamente para evitar inserção excessiva. Uma vez a agulha
no espaço intraconal, a seringa é aspirada para assegurar ausência de sangue por punção
vascular. Aproximadamente 2 ml a 5 ml de anestésico local é lentamente injetada, com leve
movimentação em retirada da agulha para prevenir loculação do anestésico local. Após a
retirada da agulha, é realizada firme pressão por alguns minutos sobre o olho com a pálpebra
fechada para garantir a dispersão do anestésico local e auxiliar no retorno da pressão
intraocular ao valor basal.18
Hemorragia retrobulbar é considera a complicação mais comum, com incidência
de até 1% a 2% dos casos em estudos mais antigos.19 Estudos recentes mostram diminuição
na incidência, para cerca de 0,002% dos casos.15 A fonte do sangramento pode ser arterial ou
venosa. Uma hemorragia retrobulbar arterial se manifesta pela ocorrência aguda de proptose e
oftalmoplegia externa, com sinais externos de hemorragia subconjuntival e palpebral. O
principal fator de risco é a fragilidade vascular (diabetes, ateromatose), sendo mais relevante
do que distúrbios de coagulação.
16
Algumas vezes, pode desencadear o reflexo óculo-
cardíaco. Dependendo da severidade da hemorragia, pode haver perda da visão quando há
atraso no reconhecimento e tratamento.
Perfuração ocular (orifício de entrada e de saída) ou penetração ocular (somente
orifício de entrada) podem resultar em trauma significante para o olho e perda visual. Sinais e
sintomas incluem dor severa, perda visual súbita, presença de moscas volantes, hipotonia com
baixa PIO, perda do reflexo vermelho e hemorragia vítrea. Elevação da PIO após a penetração
20
ocular é resultado da injeção intraocular de anestésico local e pode resultar em disfunção
temporária da retina. Fatores de risco para perfuração ocular no bloqueio retrobulbar e
peribulbar incluem miopia axial (diâmetro do globo > 26,0mm),20 estafiloma posterior,
múltiplas injeções, paciente não cooperativo durante o procedimento. Estafilomas são mais
frequentes em grandes míopes. Estão localizados principalmente no polo posterior do globo
(casos de perfuração no bloqueio retrobulbar) e na região inferior do globo (casos de
perfuração na punção inferior lateral). Portanto, a medida do comprimento axial do globo
(biometria) deve ser avaliada, pelo menos em míopes. Comprimento axial ocular maior que
26 mm permanece uma clássica contraindicação de bloqueio regional orbital.16
Oclusão vascular da retina (venosa ou arterial) é complicação relatada em
bloqueio retrobulbar.21 Os mecanismos propostos incluem trauma vascular direto pela agulha,
embolização acidental, compressão vascular por distensão da bainha do nervo óptico,
hemorragia retrobulbar, vasoespasmo e finalmente efeito compressivo direto ou
farmacológico do anestésico local.
Neuropatia óptica/Perfuração do nervo óptico consiste na disfunção do nervo
óptico que pode ocorrer por trauma direto pela agulha ou por efeito compressivo da
hemorragia retrobulbar.22 Penetração da bainha do nervo óptico pode levar tanto à lesão do
nervo óptico como à oclusão vascular. Perda visual por lesão nervosa se manifesta por perda
da acuidade visual, redução de campo visual, perda de diferenciação de cores e falha aferente
no teste reflexo luminoso pupilar. A profundidade da órbita e o comprimento da agulha são
fatores de risco mais importantes nos bloqueios retrobulbar e peribulbar. É desaconselhável
usar agulhas maiores que 35 mm, e usar preferencialmente agulhas de até 31,5 mm para
bloqueio retrobulbar.23 A posição do olhar é outro fator importante a ser considerado durante
a realização do bloqueio. Recomenda-se que o olho esteja com o olhar em posição neutra ou
com o olhar para baixo e para dentro.
Diplopia tem como mecanismo proposto para essa complicação o trauma
muscular direto, contratura Volkmann-símile e miotoxicidade do anestésico local. O músculo
extraocular mais afetado nos bloqueios orbitais é o reto inferior, embora lesões dos músculos
reto superior e oblíquo inferior também estejam descritas.
Ptose após cirurgia de catarata não é incomum e apresenta múltiplos fatores
etiológicos. É atribuída principalmente ao trauma do complexo do músculo reto superior e
músculo elevador da pálpebra, mas outros fatores podem estar implicados, incluindo ptose
pré-existente, injeção de anestésico local na pálpebra superior na realização do bloqueio de
21
nervo facial, injeção retrobulbar, injeção peribulbar na pálpebra superior na posição de 12
horas, compressão ou massagem ocular, tração com espéculo palpebral, flap conjuntival
superior extenso, tampão ocular prolongado ou apertado no período pós-operatório e edema
palpebral pós-operatório.24 Estudo19 de 1990 declarava que o desenvolvimento de ptose póscatarata é multifatorial e nenhum aspecto isolado da cirurgia era considerado causador.
Embora os anestésicos locais sejam claramente miotóxicos, a injeção de anestésico local não
pode ser isolada como causa primária de ptose pós-operatória, pois essa também ocorre em
pacientes submetidos ao mesmo procedimento sob anestesia geral.
Amaurose e acinesia contralateral são indicadores que a solução de anestésico
local se espalhou além da órbita em direção ao sistema nervoso central, através da bainha do
nervo óptico, espaço subdural ou subaracnóide para o quiasma óptico, nervo óptico
contralateral e parte superior do tronco cerebral.
A injeção intratecal de anestésico local é uma complicação potencialmente letal,
que ocorre quando o anestésico local se dispersa para o líquor que envolve o tronco cerebral,
por causa de perfuração da bainha meníngea que envolve o nervo óptico. Estudos antigos25,26
mostravam incidência de 1:350 a 1:500 no bloqueio retrobulbar, porém, na anestesia atual,
essa complicação é rara. O início dos sintomas varia de 2 minutos a 40 minutos após o
bloqueio retrobulbar. Tipicamente ocorre perda gradual da consciência e apneia num período
de até 7 minutos, sem convulsões ou colapso cardiovascular. Eventualmente o anestésico
local pode se dispersar para regiões pontinas e causar manifestações cardiovasculares. A
severidade dessa complicação não é previsível, mas apresenta evolução favorável, desde que
haja manutenção dos sinais vitais e controle da ventilação pulmonar.23
2.3 BLOQUEIO PERIBULBAR
O bloqueio peribulbar é uma alternativa segura para evitar as complicações
oculares e neurológicas do bloqueio retrobulbar, mantendo efetividade semelhante.27,28
Na anestesia peribulbar, a agulha não entra no espaço intraconal, reduzindo riscos
de perfuração ou penetração no globo ocular, injeção intradural, lesão de nervo óptico ou
hemorragia retrobulbar. É um bloqueio mais fácil de proceder, com menor dor à injeção em
relação ao bloqueio retrobulbar e, muitas vezes, promove acinesia palpebral pela dispersão
anterior de anestésico local na órbita, normalmente dispensando o bloqueio do nervo facial.
As desvantagens incluem necessidade de maior volume de anestésico, equimose palpebral,
maior tempo de latência – 8 a 12 minutos e necessidade de injeções adicionais.
22
Comparativamente ao bloqueio retrobulbar, a anestesia peribulbar requer agulhas
com menor comprimento, da ordem de 25 mm,29 um maior volume de anestésico local, de
cerca de 8 a 12 mL, e uma trajetória diferente da agulha na órbita.30 Embora o ponto de
referência na rima orbital inferior seja o mesmo do bloqueio retrobulbar, na junção do terço
médio com o terço lateral da borda orbital inferior, a agulha então é direcionada ligeiramente
para a lateral e menos superiormente atrás do olho, permanecendo no espaço extraconal.
Estudo de 1994, com mais de 16000 pacientes31 submetidos ao bloqueio
peribulbar, mostrou incidência de 0,74% de hemorragia retrobulbar, e de 0,006% de
perfuração ocular, sem casos de perda visual significante em nenhum dos pacientes. Em um
estudo de 2012, com 33,363 casos de bloqueio peribulbar32, a incidência total de
complicações foi de 0,12% (41 casos) divididos em complicações sistêmicas - 18 casos
(0,053%) e complicações relacionadas à agulha - 23 casos (0,068%). Todos os casos de
perfuração estiveram associados a estafiloma posterior. Assim como no bloqueio retrobulbar,
estão descritos casos de amaurose e acinesia bilateral transitória após bloqueio peribulbar
unilateral.
2.4. BLOQUEIO SUBTENONIANO OU PARABULBAR
Na sua forma simplificada, o procedimento inicia-se com a anestesia tópica da
conjuntiva. Com uma tesoura romba, faz-se uma incisão na conjuntiva e cápsula tenoniana até
alcançar a esclera, de preferência, no quadrante ínfero-nasal. Após visualização da esclera
desnuda, com uma cânula romba é colocada e avançada posteriormente no espaço
subtenoniano, acompanhando o formato do globo ocular em direção ao espaço intraconal
inferior. Um volume pequeno de anestésico local (<1 ml) é injetado lentamente para abrir
espaços posteriores da órbita, permitindo uma segunda injeção de maior quantidade de
solução anestésica. Volumes de 5 ml a 7 ml são efetivos em promover alto grau de acinesia do
globo e da pálpebra. É um bloqueio que pode ser usado além de cirurgias de catarata, como
nos procedimentos vitreoretinianos, estrabismo33 e cirurgias para glaucoma.34
Hemorragia subconjuntival e quemose podem ocorrer, e outras complicações
incluem hemorragia orbital, trauma da veia vórtex, diplopia, oclusão da artéria central da
retina, neuropatia óptica traumática e perfuração ocular. Não há relatos de complicações
sistêmicas dessa técnica.29
23
2.5 ANESTESIA TÓPICA OCULAR
Consiste na administração tópica de solução de anestésico local diretamente no
olho. Com o avanço nas técnicas microcirúrgicas e no desenho das lentes intraoculares, essa
técnica ganhou popularidade nas cirurgias de catarata. Os agentes anestésicos usados
atualmente incluem colírios com bupivacaína a 0,75%, tetracaína a 0,5% e lidocaína a 2% ou
4% ou lidocaína na forma de gel. A forma em gel tem a vantagem da conveniência de menor
número de aplicações, ação sustentada e efeitos lubrificantes.35 A principal vantagem da
anestesia tópica é evitar os riscos associados às técnicas com injeção intraorbital, com
benefício de ser segura em pacientes em uso de anticoagulantes, menor necessidade de
ansiolíticos venosos, rápido início de ação, retorno imediato da visão, ausência de equimose
peripalpebral, ausência de diplopia pós-operatória.
Por outro lado, estudos sugerem pior controle da dor com a anestesia tópica. A dor
e o desconforto relatados pelo paciente durante o procedimento ocorrem em cerca de 30% dos
casos e estão frequentemente relacionadas à manipulação da íris e do corpo ciliar. A aplicação
intracameral de lidocaína a 1% sem conservantes promove melhor conforto ao paciente.36
Apesar do baixo risco do procedimento, ainda precisam ser estabelecidos critérios para a
seleção de pacientes candidatos à anestesia tópica. Com exceção da facoemulsificação, outros
procedimentos, como a extração manual extracapsular de catarata, a acinesia ainda é
necessária.37
Complicações da anestesia tópica são confinadas ao olho, e incluem: toxicidade
ao epitélio da córnea, maior dificuldade nas condições operatórias por falta de acinesia ocular
e palpebral (com aumento no risco de ruptura da cápsula posterior),37 além da dor
intraoperatória. A injeção intracameral de lidocaína pode resultar em cegueira transitória pela
toxicidade retiniana e do nervo óptico.1,36
24
CAPÍTULO 3 - COMPLICAÇÕES OCULARES PÓS-OPERATÓRIAS EM
CIRURGIAS NÃO OFTALMOLÓGICAS
A abrasão de córnea é a lesão ocular mais comum após cirurgia não
oftalmológica. Essa lesão ocorre tanto por contato inadvertido da córnea com alguma
superfície (campos cirúrgicos, máscara facial, dedos do anestesiologista) durante o preparo do
paciente para a cirurgia como por exposição e ressecamento da córnea por cerramento
inadequado da pálpebra (lagoftalmo) durante a cirurgia.39 O uso de lubrificante ocular ou
pomada aplicada ao olho, assim como o fechamento palpebral com esparadrapo diminuem o
risco de abrasão de córnea.
Estudo mostrou aumento na incidência de abrasão de córnea em cirurgias
laparoscópicas e robóticas nos últimos 10 anos. As causas ainda são desconhecidas, mas os
mecanismos potenciais são o aumento da pressão intraocular decorrente da posição de
Trendelenburg acentuado39 e o edema conjuntival secundário ao aumento da pressão venosa
central e da PIO, levando à semiabertura palpebral.41
Lesão química superficial iatrogênica da córnea pode ocorrer por excesso de
solução antisséptica no rosto durante o preparo do paciente. Os sintomas de abrasão de córnea
são sensação de corpo estranho ocular, lacrimejamento, fotofobia, e dor exacerbada com a
movimentação ocular e com o ato de piscar.
Os casos de lesão abrasiva da córnea devem ter avaliação precoce do
oftalmologista, e o tratamento consiste no repouso ocular com tampão e uso de pomada
antibiótica. A regeneração geralmente ocorre em 24 horas, porém há possibilidade, ainda que
mínima, de sequela permanente.
Sintomas visuais leves após a anestesia, como fotofobia ou diplopia são comuns.
Visão borrada no período pós-operatório imediato pode ser efeito residual de fármacos
anticolinérgicos usados no perioperatório.
A hemorragia retiniana, também conhecida como retinopatia de Valsalva, referese à hemorragia que ocorre em pessoas saudáveis, relacionada às alterações hemodinâmicas
de manobras de vômitos ou despertar agitado da anestesia. São hemorragias venosas
autolimitadas com completa resolução de alguns dias até poucos meses. Embora a completa
resolução seja a norma, em casos de sangramento no nervo óptico, hemorragia massiva ou
atrofia óptica pode ocorrer, com dano visual permanente. Nos casos de hemorragia massiva, a
vitrectomia é uma medida auxiliar.
25
A isquemia retiniana pode ocorrer por sangramento arterial secundário a trauma.
Nesses casos, a fundoscopia revela exsudatos algodonosos, um sinal de isquemia conhecido
como retinopatia de Purtscher, com mau prognóstico visual. A isquemia da retina pode
ocorrer também por elevação da pressão intraocular por compressão extrínseca, como durante
a ventilação com máscara facial. Nesses casos, a pressão intraocular elevada comprime a
artéria central da retina com isquemia retiniana e do nervo óptico. Os episódios de hipotensão
sistêmica favorecem esse fenômeno.
A neuropatia óptica isquêmica (NOI), apesar de ser evento muito raro, é a causa
mais comum de perda visual após cirurgia não-oftalmológica. Os sinais e sintomas são perda
da acuidade visual central, defeitos do campo visual, discromatopsia e defeito pupilar aferente
relativo. Exceto pela neuropatia óptica glaucomatosa, a NOI é a causa mais comum de
disfunção do nervo óptico no idoso. A etiologia é a insuficiência vascular para o nervo óptico.
A forma anterior é a mais comum, caracterizada pelo edema do nervo óptico secundário à má
perfusão pelos ramos das artérias ciliares posteriores que suprem a cabeça do nervo óptico.42
Já a forma posterior se manifesta pela disfunção óptica com nervo óptico de aparência normal,
progredindo para palidez do nervo óptico em 4 a 6 semanas.43 A causa é a insuficiência
vascular de ramos da artéria oftálmica que nutrem a porção intraorbital do nervo óptico.42 No
contexto perioperatório, a neuropatia óptica isquêmica anterior está mais associada à cirurgia
de coluna e cirurgia cardíaca, enquanto a NOI posterior é associada à cirurgia de coluna e
cirurgia de cabeça e pescoço.44 . Em estudo retrospectivo, pacientes com NOI posterior pósoperatória tiveram pior prognóstico com maior perda visual e perda visual profunda final.43
A cegueira cortical é resultado do insulto bilateral aos lobos occipitais. A maioria
dos casos está descrita em cirurgia cardíaca, cirurgias cervicais e cirurgia de coluna.45 O
exame neurológico é normal, exceto pela profunda perda visual, confusão e desorientação e,
às vezes, negação de sintomas visuais (síndrome de Anton).
Glaucoma agudo pode se desenvolver no intraoperatório, sendo condição
extremamente rara. A aplicação tópica ocular de agentes midriáticos é sabidamente
contraindicada em pacientes com glaucoma pelo risco de descompensação da pressão
intraocular. No entanto, o uso sistêmico de drogas anticolinérgicas, como atropina e
escopolamina, é seguro e liberado para pacientes com glaucoma. Glaucoma agudo
perioperatório é um evento raro e multifatorial, ainda pouco compreendido. Não há evidências
sugerindo se está relacionado ao tipo de anestesia, à duração do procedimento, à quantidade
de fluidos infundidos ou à pressão arterial sistêmica.
26
CONCLUSÃO
Mudanças significativas ocorreram, nos últimos 20 anos, no campo da
Oftalmologia e da Anestesiologia, aumentando a segurança dos procedimentos e reduzindo o
tempo cirúrgico. O desenvolvimento de lentes intraoculares dobráveis permitiu realizar
incisões menores sem necessidade de sutura e menor manipulação ocular. Esses avanços
promoveram a aplicação de diversas técnicas anestésicas, com redução significativa da
morbidade da anestesia oftalmológica, confirmada pela literatura atual.
As complicações oftalmológicas em Anestesia são raras, mas potencialmente
graves. O anestesiologista deve estar atento às possíveis complicações da anestesia regional
orbital, pois o reconhecimento imediato das complicações oftalmológicas e sistêmicas pode
evitar a deterioração da situação do paciente.
Reafirma-se a necessidade de uma monitorização criteriosa dos pacientes
submetidos à anestesia em procedimentos cirúrgicos oftalmológicos e a rápida disponibilidade
de equipamento de suporte cardiovascular e respiratório com o qual são realizados esses
procedimentos.
As complicações oculares em cirurgias não oftalmológicas devem ser
prontamente identificadas pela equipe médica para o correto manejo clínico, com a avaliação
oftalmológica precoce.
27
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