Um Antropólogo em Marte A Partida

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RESENHAS
A Partida
(Departures/Okuribito). Japão,
2008. Direção: Yojiro Takita.
Elenco: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Ryoko Hirosue,
Kazuko Yoshiyuki. 130 min.
Um
Antropólogo
em Marte
Autor : Sacks, Oliver W.
ISBN : 853590896X
Editora Companhia de Bolso
A Nona Sinfonia de Beethoven dá início a um filme sobre
o final da vida. Mas é também o fim da orquestra, dissolvida
por falta de público, e o violoncelista, desempregado, volta
para sua cidade natal com a esposa. Lá, consegue trabalho
como auxiliar de preparação de corpos, ritual que no Japão
é realizado na presença dos familiares e amigos do morto.
Antigamente feito pela própria família, passou a ser executado por profissionais. A preparação para o funeral é feita
respeitosamente: o corpo é lavado, vestido e maquiado de
forma que pareça como em vida. Com movimentos coordenados do preparador, o cadáver tem sua roupa trocada
com uma técnica que impede a exposição das partes do
corpo. Não é fácil, porém, a proximidade com a morte. O
aprendizado do ofício não tem amenidades, e o encontro
com os “clientes” é sempre sério e solene. Vários dramas
compõem o enredo. A família dos mortos, expondo durante
o funeral os mais variados problemas, da opção sexual do
falecido ao culpado no acidente causador da morte. O próprio protagonista, abandonado pelo pai, ainda na infância,
mais tarde perde a mãe, sem estar presente, e não conta
para a esposa qual é o seu novo emprego. A relação não
resolvida com o pai é, também, um dos pontos de apoio
da história.
No filme, a morte é apresentada como um momento de
partida. Estar perante o morto é participar de um cerimonial
de despedida para uma viagem, com encontro marcado no
futuro. É interessante também por mostrar algumas tradições do povo japonês: a submissão da mulher, as casas
de banho utilizadas pela população, seus rituais fúnebres e
suas crenças.
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em
2009, provavelmente a boa fotografia e a música contribuíram para o prêmio, embora algumas cenas sejam mais
longas que o necessário. Entretanto, o tema apresenta uma
tradição oposta à tendência que cada vez mais se instala
na sociedade ocidental: a morte no hospital, na ausência
da família, com uma despedida apressada e impaciente,
quando ocorre.
Oliver Sacks é um neurologista nascido na Inglaterra, formado em Medicina em Oxford, que desde a década de 60 trabalha em Nova York. Tornou-se conhecido principalmente por
suas obras que contam casos clínicos com um estilo literário,
em relatos semelhantes a contos ou romances. O mais conhecido é “Tempo de despertar”, best-seller que se tornou também um filme de sucesso. Em “Um antropólogo em Marte”, a
estrutura é a mesma. Sacks não somente diagnostica ou trata
síndromes neurológicas, mas convive com seus pacientes especiais, tornando-os personagens de suas histórias, apresentando seus dramas. As situações são descritas de forma que
o leitor possa compartilhar o cotidiano dos pacientes, desmistificando doenças que para muitos constituem tabus. No livro,
são apresentados sete “casos”, relatos da vida absolutamente
incomum de pessoas com problemas muito peculiares. Após
um trauma craniano, um pintor torna-se daltônico, passando a
enxergar somente em tons de preto, branco e cinza, mudando completamente sua vida. Um hippie que tem visões e fica
cego devido a um tumor cerebral vai a um show de rock. Um
cirurgião com a síndrome de Tourette realiza operações delicadas, tem crises em sua casa e é dono de um avião, que ele
mesmo pilota. Um massagista cego desde a primeira infância
é operado na idade adulta, começa a enxergar e, ao “ver” a
luz, cores e formas, passa por experiências que não somos
capazes de imaginar. Um pintor que tem uma só idéia na cabeça e um único tema, a vila onde nascera, na Toscana, para
onde não voltara há mais de trinta anos, reproduz em telas
todas as imagens do lugar, guardadas na memória como se
as tivesse fotografado mentalmente. Os autistas e “savants”,
misto de deficientes mentais e gênios do desenho e da música, com memória fotográfica, capazes de reproduzir imagens
ou músicas após uma única e fugaz exposição a um tema. E
a mulher autista que, incapaz de compreender sentimentos
humanos, tornou-se PhD, com vários artigos escritos sobre
autismo e sobre comportamento animal. Todas são histórias
reais, contadas em linguagem coloquial, não técnica, mas sem
sentimentalismo, fornecendo boa informação sobre assuntos
habitualmente pouco conhecidos dos não especialistas.
Rodrigo Bertoncini
Rodrigo Bertoncini
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REVISTA CREMESC
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