H1N1 - Fernando Reinach

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As incertezas que rondam a pandemia de Influenza A (H1N1)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem caminhado na corda bamba. Ao mesmo tempo em que tenta
alertar para a possibilidade real de uma pandemia, tem o dever de evitar o pânico. Os epidemiologistas da
OMS sabem que os mil casos confirmados no primeiro mês não são suficientes para estimar a seriedade da
epidemia. Principalmente quando se trata de um vírus novo como o H1N1. Na pandemia de 1918 a maior
parte das mortes foi causada pela segunda leva de casos, que surgiu meses depois do primeiro surto. O que
sabemos é que na melhor das hipóteses o atual surto não será muito diferente do que vem ocorrendo nas
últimas décadas quando a cada ano uma nova cepa do vírus provoca ao redor de 100.000 mortes ao redor
do planeta. Mas na pior das hipóteses a pandemia pode ser comparável à gripe espanhola de 1918 que
matou quase 8% da população mundial. Teremos que aguardar os resultados das próximas semanas ou
meses para conhecermos nosso inimigo, mas isto vai depender dos governos continuarem a divulgar
abertamente o que ocorre em seus países. Por agora vale a pena entender as limitações dos dados
epidemiológicos coletados neste primeiro mês e como eles se relacionam com os dados da pandemia de
1918.
Quatro fatores são importantes para estimar a gravidade de uma pandemia de gripe. A taxa de letalidade, a
fração das pessoas infectadas que necessitam de internação hospitalar, a velocidade com que o vírus se
espalha e o número de pessoas infectadas no primeiro ano. Infelizmente nos primeiros meses de uma
epidemia tudo conspira para impedir que estes números sejam estimados com precisão.
Para obter a taxa de letalidade é preciso saber o número de mortes causadas pelo vírus e o número de
pessoas infectadas. No início da epidemia o número de mortes é difícil de determinar. Como a doença é
pouco conhecida, muitas mortes inicialmente atribuídas ao vírus podem ter outras causas. Por outro lado
em locais com sistema de saúde precário um número grande de mortes pode deixar de ser reportado. No
caso do H1N1, a inexistência de um teste simples capaz de identificar o vírus atrasa a obtenção de dados
confiáveis. A maioria dos países ainda não é capaz de executar os testes em larga escala, o que provoca um
acúmulo de casos suspeitos que mascaram as estatísticas (é o caso do Brasil). Se o número de mortes já é
difícil de estabelecer, o número de pessoas infectadas é ainda mais difícil uma vez que sequer o período de
incubação é bem conhecido. Existe ainda a possibilidade de o vírus ser relativamente brando e um número
grande de pessoas infectadas se curarem sem saber que foram infectadas. Como estas pessoas não são
incluídas nas estatísticas a taxa de letalidade pode ser superestimada. Um exemplo deste tipo de problema é
que em meados de abril foi divulgado que no México havia 2.000 casos e 200 mortes, o que corresponde a
uma taxa de letalidade de 10%, um número próximo ao observado em 1918. Duas semanas depois, em 6 de
maio, os números globais confirmados por testes de laboratório eram de 30 mortes e 1.516 casos, uma
mortalidade de 1,9%, ainda extremamente alta. No mesmo dia nos EUA haviam 403 casos confirmados e
uma morte (uma taxa de 0,25%). Taxas desta magnitude ainda são muito altas. Como a população do
planeta é de 6,7 bilhões de pessoas, se uma em cada três pessoas for infectada, isto significa que morreriam
5 milhões de pessoas.
Conhecer a fração dos doentes que necessita de tratamento hospitalar é importante pois determina o risco
do sistema de saúde colapsar. Se este número for alto existe o risco de não haverem leitos suficientes
durante o pico do número de casos o que pode aumentar a taxa de letalidade (em 1918, metade dos 40
milhões de óbitos ocorreu em um período de 10 semanas). Ainda estamos longe de saber a fração dos
doentes que necessitam de internação hospitalar, mas à medida que os médicos aprendem como tratar a
infecção, a taxa de internações pode ser gradativamente reduzida.
A velocidade com que o vírus se espalha também é difícil de determinar. O fato de terem aparecido focos
pequenos em muitos países, cobrindo uma grande área geográfica pode dar a falsa impressão que a doença
se espalha muito facilmente. Na verdade o que ocorreu é que viajantes aéreos levaram o vírus para um
número grande de cidades. Nas próximas semanas vamos saber com que velocidade estes focos vão
crescer, o que deve permitir uma melhor idéia da velocidade de propagação da doença nas metrópoles.
Com este dado será possível determinar em quanto tempo o H1N1 terá infectado uma fração significativa
da população mundial.
Se existe uma lição a ser aprendida com a gripe de 1918 é que o descaso com que os primeiros focos foram
tratados, a falta de ações coordenadas e a tentativa de diversos governos de ocultar ou minimizar o
problema contribuíram para aumentar o número de mortes.
Mais informações sobre a pandemia de 1918 pode ser encontrada no livro de John M. Barry, “The Great
Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History.” Penguim Books, 2005
Fernando Reinach ([email protected])
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