Ortodontia: especialidade de meio ou de resultado?

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TÓPICO ESPECIAL
Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):536-539.
Ortodontia: especialidade de meio ou de resultado?
Orthodontic: especially of the environment or the result?
Kléuber Walquires Machado Bezerra1
Adriano Barbosa Gonçalves Castro2
Resumo
A evolução da técnica ortodôntica ampliou as possibilidades de tratamento e, sem dúvida, trouxe ao
paciente maiores expectativas em relação ao resultado estético e ao tempo de tratamento. Desta forma,
torna-se imprescindível o aprofundamento dos debates quanto à caracterização da relação contratual existente entre ortodontista e paciente. Este trabalho tem por objetivo apresentar termos jurídicos e revisar a
literatura referente ao tema para que o ortodontista possa compreender suas responsabilidades na relação
comercial com o paciente baseado na legislação vigente. Pode-se concluir que o assunto é controverso e
sem posicionamento jurídico definitivo, e que maiores debates e publicações são necessários.
Descritores: Termos jurídicos, responsabilidade civil, Odontologia, ortodontista, resultados de tratamento ortodôntico.
Abstract
The evolution of the orthodontic technique has provided more possibilities of treatment, and certainly
brought has raised patients’ expectations about the aesthetic result and duration of the treatment. By this
way, the depth of the debates about the characterization of the contract relationship between orthodontist and the patient becomes essential. This work aims at presenting legal terms and a literature review
about the theme in order to make clear to orthodontists which are their responsibilities in the commercial
relationship with the patient according to current legislation. It could be concluded that the subject is controversial and does not have a stated legal placement, requiring further debates.
Descriptors: Legal terms, civil responsability, Dentistry, orthodontist, results of orthodontic treatment.
1
2
Especialista em Ortodontia – UCB, Especialista em invetigação criminal – Academia de Polícia Civil/DF.
Professor Doutor em Ortodontia - UCB.
E-mail do autor: [email protected]
Recebido para publicação: 08/12/2011
Aprovado para publicação: 17/02/2012
Como citar este artigo:
Bezerra KWM, Castro ABG. Ortodontia: especialidade de meio ou de resultado?. Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28): 536-539.
Introdução e proposição
A especialização dos diversos segmentos das atividades
produtivas é característica do mundo moderno. Tais atividades
geram uma relação comercial específica caracterizada pelo produto ou serviço fornecido. Quanto à Odontologia, a Ortodontia
é a especialidade que tem por objetivo corrigir problemas dentários e esqueléticos com o intuito de obter resultados estéticos e
funcionais estáveis1,4,10,15,17. Diante desta realidade, faz-se necessário o estudo das relações jurídicas que orientam as obrigações
contratuais do cirurgião dentista quando se propõe a executar o
tratamento ortodôntico proposto a um paciente. Atualmente, o
Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/1990, é um dos instrumentos legais que rege as relações jurídicas dos ortodontistas,
tanto os que atuam como profissionais liberais quanto àqueles
vinculados às empresas3. O objetivo deste trabalho é apresentar e conceituar termos jurídicos que permitam ao ortodontista
compreender suas responsabilidades na relação comercial com o
paciente, além de revisar a literatura pertinente acerca dos principais conflitos existentes sobre o tema.
Revisão de literatura
Conceitos (jurídicos) preliminares
Grande parte das palavras do nosso dialeto possui sentidos
diferentes de acordo com o contexto em que estão inseridas. O
vocabulário jurídico não é diferente, por isso para a compreensão do tema proposto, apresentaremos alguns conceitos jurídicos pertinentes, partindo dos mais genéricos para atingirmos a
especificidade da área que abrange a Ortodontia.
Responsabilidade é o dever jurídico de responder pelos
próprios atos e os de outrem, sempre que estes atos violam
os direitos de terceiros protegidos pela lei. Veja: a responsabilidade abrange os seus atos e omissões, e vão além da esfera
individual, podendo ser responsável pelos atos e omissões de
outrem6,8,9,14,16,18.
Um conceito mais específico caracteriza a responsabilidade
quando esta engloba a obrigação de reparar o dano causado6.
Define-se por Responsabilidade Civil, a obrigação em que se
encontra o agente de responder por seus atos ante a autoridade competente e de reparar os danos causados. A reparação
dos danos abrange tanto o âmbito material (que é composto
pelos patrimônios atingidos) quanto o moral (que se compõe
dos bens jurídicos atingíveis e mensurados pelo atingido em relação à sua imagem perante si e diante da sociedade)6,8,9,14,16,18.
Teorias: responsabilidade objetiva ou subjetiva?
Os aplicadores do Direito norteiam as suas decisões por
teorias que compõem as fontes do Direito. No que se aplica
ao tema, são duas as principais teorias: a da Responsabilidade
Objetiva e a da Responsabilidade Subjetiva5,8,9,16,18.
Responsabilidade objetiva é a teoria que não considera
a relação de culpa por parte do agente e, sim, se o resultado prometido fora alcançado. Nesta, o direito de indenizar
se vincula ao resultado prometido6. Por exemplo: o particular que contrata um ortodontista para o fechamento de um
diastema entre os dentes 11 e 21. Por esta teoria, entende-se
que o profissional responderá caso o tratamento ortodôntico
contratado não seja executado, ou seja, prestado de forma
inadequada, sem avaliar os motivos que levaram a não prestação ou a prestação inadequada do serviço.
Já a outra teoria avalia a conduta do agente focada na
culpa e no nexo de causalidade. O nexo de causalidade é a
relação da ação com o resultado produzido, em outras palavras, avalia se a força exercida sobre aquele elemento dental é
capaz de gerar, nas condições existentes, a reabsorção óssea
do dente em análise. Em paralelo com o nexo de causalidade,
deve-se apurar a culpa. Para a caracterização da conduta é
preciso avaliar a vontade de produzir o resultado ou as medidas necessárias e cabíveis para a prevenção do mal ou obtenção do bem. São 3 as modalidades de culpa:
Imprudência: é o agir precipitado; em desconformidade
com as normas do procedimento prescrito10. É o desprezo
pelas cautelas requeridas em sua atividade; afoiteza. Quando o profissional age de forma precipitada, sem os cuidados
necessários que o ato exige, de maneira intempestiva e sem
preocupar-se com os efeitos colaterais ou os resultados nocivos, diz-se que atuou com imprudência, situação contrária
à negligência. O ortodontista é imprudente quando simplesmente leu ou viu um colega fazer determinado procedimento
e nunca o fez, então resolve fazê-lo sem desenvolver previamente a técnica causando dano ao paciente.
Negligência: é a falta de cuidado por conduta omissiva.
Ocorre, geralmente, por omissão das precauções às quais o
agente deveria se obrigar7. Vinculado à desídia. A negligência é
o descuido, a falta de atenção do profissional para com o todo.
O profissional é negligente quando prescreve o uso de elásticos
para intercuspidação por telefone, ou ainda orienta a ativação
de determinado aparelho ortopédico sem ter contato direto com
o paciente. A falta de cuidado em apresentar os dispositivos inerentes ao tratamento, sem considerar o paciente como alguém
desconhecedor da técnica ortodôntica, caracteriza a conduta
omissiva do profissional. É importante esclarecer que o detentor
do conhecimento científico tem o dever de informar, enquanto
o contratante tem o direito à informação. No exemplo do fechamento de um diastema entre os dentes 11 e 21, se pela perda
óssea já existente não é possível atingir o resultado em sua totalidade ou de forma estética e funcional, o paciente tem o direito
de ser previamente informado a fim de poder fazer a opção por
consentir ou não com a proposta de tratamento, sob pena de
reparar moral e materialmente pelos danos gerados (o profissional), ainda que tenha utilizado todos e recursos disponíveis.
Imperícia: é a inabilidade para executar atos específicos
inerentes à determinada arte ou profissão por incompetência,
desconhecimento e/ou inexperiência10. A imperícia caracteriza-se pela falta de habilitação efetiva, falta de conhecimento
técnico necessário e suficiente para a realização da ação que
os supõe ou os exige. É a ação executada por quem não possui conhecimento técnico específico a respeito do modo de
realizá-la e, mesmo assim, a realiza. É o emprego de técnica
ortodôntica por profissional não previamente habilitado.
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Natureza da obrigação do ortodontista – obrigação
de meio e obrigação de resultado
A obrigação de meio é aquela em que o contratado se
compromete em disponibilizar todos os seus conhecimentos
e recursos técnicos ao seu alcance para chegar a um determinado resultado, sem, contudo, responsabilizar-se por ele2,11,12.
Em contrapartida, a obrigação de resultado, como explicitada
pelo nome, é aquela em que o prestador de serviços se compromete com o contratante a atingir um determinado resultado. Ao não alcançá-lo é considerado inadimplente, ficando
obrigado a responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso – independente de dolo ou culpa2.
Tópico especial / Special topic
Discussão
Fundamentação para obrigação de meio
A Odontologia é uma atividade que, na sua relação contratual de prestação de serviços odontológicos aos pacientes,
tem como regra geral obrigações de meios e não de resultado7,18. No caso específico da Ortodontia, o profissional tem
o dever de utilizar todos os meios possíveis para atingir as
expectativas do paciente, sem, entretanto, ter a obrigação
de atingir o resultado idealizado. Deve ser considerada uma
obrigação de meio, onde o ortodontista deve ser responsabilizado somente quando incorrer em imprudência, negligência,
imperícia ou em caso de propaganda enganosa.
A evolução tecnológica que revolucionou o mundo contemporâneo não excluiu a Odontologia, tampouco a Ortodontia. Apesar do avanço das técnicas, materiais, instrumentais e equipamentos odontológicos, o ortodontista ainda
possui limitações para o restabelecimento integral do paciente em suas necessidades bucais, devido às restrições impostas
pela complexidade do quadro clínico de cada paciente. Tratar
um paciente que possui má oclusão de Classe I e biprotusão
dentária utilizando como terapia a extração de 4 pré-molares,
implica em resolver a biprotusão dentária, entretanto, o perfil
facial é modificado e isto é uma limitação para este tipo de
planejamento. Informar todas as possibilidades de tratamento, suas vantagens e limitações, tempo e custo do processo é
dever do ortodontista.
Diversos fatores geram limitações estéticas e funcionais
para os tratamentos ortodônticos. Doenças periodontais podem gerar perda de inserção, migração patológica dos dentes, além de perda de elementos dentários. Características
anatômicas das estruturas periodontais como posição, espessura e largura da mucosa ceratinizada são fatores a serem
considerados. Fatores sistêmicos como uso contínuo de medicamentos, drogas ou cigarros e doenças degenerativas do
tecido de suporte são, também, fatores que podem interferir
no êxito e estabilidade do tratamento ortodôntico4,11.
Muitos são os casos em que são diagnosticadas más oclusões de resolução cirúrgica. Quando há a negativa por parte
do paciente em optar por este tratamento – quer seja pelo
custo, quer seja pela aversão aos procedimentos cirúrgicos
- existe a possibilidade de se realizar um tratamento compen-
satório. Nesses casos, é muito importante que o ortodontista
explique ao paciente todas as especificidades de cada planejamento, evidenciando, principalmente, as limitações impostas pelo tratamento eleito1,10.
Assim, determina-se que a obrigação do profissional é de
meio, ou seja, ter o compromisso de usar todos os meios ao
seu dispor para restabelecer a saúde bucal do paciente dentro
dos parâmetros ortodônticos e limitações apresentadas pelo
quadro clínico e radiográfico existente, não havendo o que
comentar acerca do resultado obtido ou esperado1,10,15,17.
Por este prisma, teoria da responsabilidade subjetiva,
cabe ao paciente demonstrar que o resultado insatisfatório
do tratamento deveu-se à culpa do ortodontista em uma de
suas modalidades: imprudência, negligência ou imperícia.
Ao utilizarmos o termo ortodontista, o amparo legal que
embasa o enquadramento desses profissionais na teoria da
responsabilidade subjetiva está expresso no Art. 14, parágrafo 4º do CDC: “A responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” Este
mesmo artigo mantém como pressuposto da responsabilidade a verificação da culpa, isto é, não se aplica a teoria da responsabilidade objetiva, mas a subjetiva; para os profissionais
liberais a culpa dependerá de sua comprovação3.
A obrigação de meio é a própria relação contratual, sem
que para isso se atinja determinado resultado, ou seja, existem fatores fora do alcance do contratado, de difícil resolução que impedem que ele alcance o êxito total ao término
do tratamento. São os contratos que estabelecem obrigação
de meios. Assim, o contratado se compromete a utilizar-se
de todos os meios ao seu alcance para realizar os objetivos
previstos no contrato, mas, sem precisar alcançar na íntegra
o resultado final1,10,15,17.
Para evitar litígios, o ortodontista deve ter uma boa conduta profissional, registrar e manter arquivadas todas as etapas do tratamento, efetuando diagnósticos diferenciados,
baseados nas características individuais, escolhendo e conduzindo adequadamente o plano de tratamento1,4,11.
Se o ortodontista não age com imprudência, imperícia ou
negligência ao atender o paciente e realiza corretamente os
procedimentos que se propôs, não há como se atribuir culpa
ou evento danoso à sua conduta.
Um tratamento de Ortodontia traz consigo um risco, pois
normalmente dura alguns anos e é preciso contar com fatores
de difícil controle por parte do ortodontista, dentre eles fazer
com que o paciente utilize os inúmeros acessórios inerentes
à técnica aplicada, assim como motivá-los a manter uma higiene impecável durante todo o tratamento. A falta de colaboração é u m dos motivos para não assegurar a cura ou a
resolução total do problema, dessa forma, mais uma vez, não
se pode falar em obrigação de resultado4,11.
Assim, conclui-se que na atividade odontológica existe ou
pode existir responsabilidade contratual, mas existe também
como em qualquer outra profissão, uma obrigação genérica
de não causar dano por negligência, imprudência ou imperícia.
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Considerações finais
Observa-se pelo exposto que ambas as obrigações de
meio e de resultado têm fundamentação jurídica. Com isso,
não define-se em um contrato a modalidade obrigacional,
apesar de existir uma tendência a considerar os procedimentos odontológicos como de resultado1,10.
Na dúvida, aconselha-se ser cauteloso ao mencionar as
chances de sucesso no tratamento, atingindo-se mais uma
obrigação de meio, sem eximir o ortodontista das responsabilidades de todo o tratamento1,10,15,17.
Pode-se inferir que existe na Odontologia, como em qualquer outra profissão, uma obrigação genérica de não causar
dano por negligência, imprudência ou imperícia1,10,15,17.
Cabe ao ortodontista propor o melhor tratamento e ao
paciente aceitá-lo após discussão significativa e exaustiva do
mesmo, onde todas as dúvidas devem ser sanadas, criando-se
o respeito mútuo.
No entanto, é importante o profissional manter-se em
atualização constante, pedir opinião de colegas em casos de
tratamentos multifatoriais, ter um arquivo de tudo o que foi
feito e pedido, além de esclarecer o plano de tratamento,
informando a técnica, material a ser utilizado e as possibilidades de insucesso do tratamento1,10,15,17.
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Bezerra KWM, Castro ABG.
Fundamentação para obrigação de resultado
A obrigação de resultado é quando o contratado se obrigou, no momento da aquisição da obrigação, a executar determinado trabalho, sendo essa promessa o objeto da celebração
do contrato. Nem o fato do serviço ser de execução incerta
ou impossível, poderá aproveitar o devedor (ortodontista), pois
a promessa de obtenção do resultado pretendido pelo credor
(paciente) foi determinada na celebração do contrato, e é o
devedor (ortodontista) melhor que ninguém, por ter o conhecimento científico, que pode avaliar ou não a obtenção de êxito
na execução do tratamento proposto inicialmente5,6,8,9,12.
O artigo 313 do Código Civil Brasileiro diz: “o credor de
coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que
mais valiosa” e o inciso I do art. 35 do Código de Defesa do
Consumidor que traz a previsão de que o consumidor pode
“exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da
oferta, apresentação ou publicidade” compõem o embasamento legal positivo para enquadrar o prestador de serviços
como sendo sujeito passivo de obrigação de resultados13,19.
Alguns doutrinadores defendem a obrigação odontológica como de resultado. Acreditam que o devedor deve alcançar determinado fim, pois, sem isso, não se chegará ao
resultado pretendido. Entendem que o resultado equivale à
própria obrigação12,18.
A grande parte dos conflitos entre pacientes e ortodontistas se dá pelo fato de que alguns juristas consideram a
Ortodontia uma especialidade de fim, quando, na verdade,
sua prática está sujeita aos fatores que a caracterizam como
atividade de meio1,10,15,17.
O ortodontista deve respeitar os limites impostos pelo
quadro clínico e radiográfico existente a fim de expor, antes
do início do tratamento, todos os fatores locais e sistêmicos
que podem interferir no sucesso da terapia ortodôntica em
questão1,10.
Partindo da premissa de que todas as áreas do conhecimento são falíveis, a Ortodontia também o é, por isso, o profissional que executa as atividades e causa prejuízo a outrem
não pode eximir-se do direito alheio quando agir com culpa,
mesmo naqueles contratos em que pressupõem um perigo,
uma obrigação de garantia.
Apesar das dúvidas estabelecidas sobre definir a obrigação odontológica de meio ou fim, existe uma tendência
em considerá-la fim. Contudo, essa inclinação não deve ser
concretizada sem que haja maior debate sobre o tema, pois
como relatado acima, não se pode considerar que todos os
resultados negativos em relação ao tratamento sejam culpa
do profissional, tendo, assim, que arcar com o ônus.
Se o diagnóstico for correto e a conduta terapêutica adequada e, mesmo assim, surgiu o dano, não existe nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado, isentando o autor
da responsabilidade de indenizar4,5,6,7,8,9,10.
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