A animação de personagens nos processos digitais Maurício Mazza - Character Animator, com formação em Ciência da Computação, especialização em Design de Hipermídia e mestrando em Design. [email protected] Resumo O presente estudo, propõe uma análise dos aspectos relacionados à animação digital de personagens no cinema de animação e suas relações com os campos do design, da arte e da tecnologia. Dentro deste contexto, um dos estudos que mais se desenvolve é o acting. O acting é a tradução do roteiro e a condução da narrativa através da expressão corporal. É a capacidade de um ator ou de um personagem de animação, seja analógica ou digital, de estabelecer a tradução do roteiro por meio da expressão corporal. Neste sentido, foi utilizado como estudo de caso, o filme The Pearce Sisters, Aardman, Luis Cook, 2007. Palavras-chave: animação, design, tecnologia. The Pearce Sisters A relação entre arte, design e animação, pode ser demonstrada através da análise do filme de animação The Pearce Sisters, (http://www.pearcesisters.co.uk/) produzido pela Aardman e dirigido por Luis Cook, 2007. O filme de animação The Pearce Sisters, já nasceu de uma relação entre design, arte e tecnologia. O diretor Luis Cook, tinha uma intenção muito clara. Ele queria tornar a sua empresa de animação, a Aardman, mais contemporânea. A Aardman é muito conhecida e respeitada no campo da animação. Ela existe desde a década de 1970, mas foi na década de 1990 que se consagrou com a série de Stop Motion Wallace and Gromit http://www.wallaceandgromit.com/, fazendo uma versão longa produzida pela Dream Works em 2005. Este filme foi fruto da experiência anterior com o filme A Fuga Das Galinhas. Assim como Wallace and Gromit, a Aardman sempre se destacou com seus projetos em Stop Motion. Stop Motion é a técnica de fazer animação com marionetes. Ou seja, bonecos reais, feitos de qualquer tipo de material, na maioria das vezes de massa e munidos de articulações. O filme é gerado a partir das fotografias sequenciais quadro-aquadro, definidas pelo animador com diferentes poses destes bonecos. Sob a massa, existe um projeto de design e engenharia para possibilitar que o boneco mude de pose. Depois do grande investimento no cinema de animação feito com computação gráfica e do consequente aumento da concorrência, a empresa precisava se mostrar atualizada e deixar claro que não fazia apenas Stop Motion. Precisava informar ao público, que a Aardman é uma grande empresa de animação, e que nela se produz animações de todos os tipos, independentemente do meio ou da técnica. Além disso, a Aardman sempre fazia filmes “alegres, limpos e bonitos” como o próprio diretor afirma. Desta vez, ele pretendia fugir desta característica. Chegou-se assim à decisão de fazer um filme de animação para cumprir essa necessidade. Cook já iniciou suas pesquisas no campo da arte, onde adaptou um roteiro original de um dos contos do livro Ten Sorry Tales, 2005, de Mick Jackson e analisando a galeria de arte virtual de St Ives (http://www.st-ives.net/) para a direção de arte do filme. As obras expostas são na maioria pintura, escultura e fotografia. Cook tinha a intenção de 2 utilizar traços soltos, naturais, sujos e ingênuos. Então ele se apropriou principalmente dos artistas Ben Nicholson e Alfred Wallis. FIGURA_01 – Quadros de Ben Nicholson e Alfred Wallis, St Ives (http://www.st-ives.net/). Para desenvolver a animação propriamente dita, ou seja, para gerar a ilusão do movimento, Cook pesquisou as ferramentas e os avanços tecnológicos e utilizou o que existe de mais sofisticado na computação gráfica. Mas antes de ir para o computador, mais uma vez ele se apropriou do campo da arte. Desta vez, da arte da escultura, para a modelagem dos personagens, utilizando ferramentas e tecnologias anteriores: mãos e argila. Quando o projeto partiu para a etapa da animação, a utilização de ferramentas digitais foi praticada, porém de uma maneira nova e experimental (figura_02). As esculturas digitais foram executadas, a engenharia de articulações digitais desenvolvida e a animação produzida normalmente. Mas o acabamento visual, não foi trabalhado nesta etapa. Todos os 3 elementos foram desprovidos de cores e detalhes. Tudo era cinza e os personagens não tinham rostos nem detalhes de roupas. Os cenários também não tinham acabamento visual. Tudo foi animado apenas através dos volumes que os elementos representavam. FIGURA_02 – The Pearce Sisters, Aardman, Luis Cook, 2007. Após a etapa da animação ser executada, com todos os cuidados e procedimentos necessários para ter um bom acabamento de ilusão do movimento, a relação com a arte e com a tecnologia, sobre uma coordenação de um projeto maior de design, sofreu outra alteração. Todos os quadros gerados pela animação digital, foram impressos em papel e trabalhados por ilustradores, que não necessariamente conhecem animação. Eles se sentiram livres, para se apropriar da arte de Ben Nicholson e Alfred Wallis, com as ferramentas que sempre dominaram: papel, lápis e borracha (figura_03). Assim, quadro a quadro, as poses geradas pelas ferramentas digitais, foram encapadas pelos traços artísticos de ilustradores e pintores, para dar o acabamento visual pretendido pelo diretor. Após esta etapa ser concluída, todos os desenhos orgânicos e físicos, foram digitalizados e aplicados novamente nas ferramentas digitais de composição, para dar a saída final do filme. 4 FIGURA_03 – The Pearce Sisters, Aardman, Luis Cook, 2007. Podemos concluir uma relação clara entre os campos do design, da arte e da tecnologia no cinema e da animação. Neste e na maioria dos casos de filmes de animação, a necessidade dos procedimentos do campo do design, antes de iniciar o projeto são indispensáveis. Como foi dito antes, a animação na maioria das vezes está inserida em um projeto maior, e deve se desenvolver em uma relação íntima com designers. No caso específico do filme The Pearce Sisters, a relação com o design se deu antes mesmo do filme, pois o mesmo nasceu da necessidade de uma empresa em informar e difundir sua marca. O estudo e desenvolvimento das interfaces para possibilitar tantos caminhos de idas e vindas, entre diferentes técnicas, ferramentas e referências artísticas, são funções do campo do Design. A ação do design deixa bem definido o lugar da tecnologia e da arte. Sem um projeto em design, a tecnologia pode ser utilizada de maneira a interferir na proposta inicial e não atender a necessidade da referência ou apropriação artística, e o pior de tudo, não satisfazer o cliente. A utilização das ferramentas e das tecnologias foram dosadas através de um equilíbrio definido pelo papel de um designer. Podemos concluir que alguns elementos do design se apresentam em um filme de animação: o ato de projetar. Nenhuma animação é possível sem que a mesma seja projetada com antecedência. O entendimento da concepção da história e a adaptação do roteiro para as formas visuais, a linguagem e a direção de arte definidas de acordo com as referências culturais, são necessidades supridas pelo campo do design. 5 A ilusão do movimento também deve ser analisada e direcionada por um designer. De acordo com o público alvo, as poses dos personagens e a naturalidade dos movimentos, ou seja, a interface entre imaginário - produção - público final, deve ser avaliada. É preciso relacioná-la com as referências culturais em que se encaixam e interpretar o imaginário coletivo. “Proporção é um dos mais importantes fatores para se levar em conta quando for animar um personagem de animação. O animador deve ter na cabeça a idéia dos tamanhos relativos de cada parte do corpo, pois proporções específicas são usadas para criar tipos de personagens. Por exemplo um personagem pesado e bruto, tem uma cabeça pequena, peito largo, braços e pernas pesados e uma mandíbula e queixo geralmente protuberantes. O personagem bonitinho é baseado nas proporções de um bebê, com uma cabeça grande em proporção com o corpo oval, uma testa grande e olhos, boca, queixo pequenos. Os “desmiolados” tem partes e características exageradas" (BLAIR, 1995. pg. 32). Atenção para não confundir esta tarefa com a concepção do personagem. Estamos falando da tarefa de um animador. De manter a mesma proporção do desenho original, nas mudanças de poses. O mesmo personagem com os braços levantados e com as pernas agachadas não podem sofrer alterações em suas proporções, a não ser que isto faça parte do projeto original. Hoje em dia, com as ferramentas digitais, essa tarefa ficou bem mais simples. Tanto para o animador quanto para o designer. No campo da animação, esta tarefa é popularmente conhecida como rig ou rigging, do termo em inglês que pode ser traduzido como “equipamento”. Mas também é chamado de set up, engenharia de personagem ou mesmo de configuração para animação. Por exemplo, se o animador precisar animar um personagem que represente fielmente os movimentos humanos, o joelho jamais poderia dobrar para trás, o mesmo deve acontecer com os cotovelos. Sem as ferramentas digitais, este controle exige um domínio muito grande do desenho a mão livre. 6 FIGURA_04 – Representação de rigs ou equipamentos. Estruturas que possibilitam manter as proporções durante a animação (BLAIR, 1995. pg. 32). Este equipamento entre as proporções do personagem original e as diferentes poses que ele necessita, devem estar claramente definidas na mente do animador. No caso das ferramentas digitais, estas proporções podem ser controladas, a partir da criatividade do desenvolvedor da ferramenta. Desenvolvedor este, que não necessariamente é o animador. Por outro lado, ele tem habilidade e criatividade para acoplar diferentes ferramentas, em função da necessidade das proporções do personagem e as necessidades plásticas do animador. Um caranguejo e uma aranha podem apresentar muitas semelhanças, em alguns casos é difícil de distinguir, se são apresentados em imagens estáticas. Ambos apresentam várias pernas peludas e corpo escuro no centro. Geralmente cercado de pedras, lama ou vegetação, sempre camuflados com o ambiente. Porém, os movimentos desses animais no 7 mundo “não lúdico”, são muito diferentes. Diferentes proporções, diferentes velocidades, diferentes sincronismos, diferentes ritmos. A aranha anda para frente, o caranguejo anda para os lados. Porém, se observarmos com detalhes críticos, analisando como e porque ele se movimenta, veremos que ele não apenas anda para os lados. O caranguejo anda para frente e para trás também. Na verdade, ele anda para todas as direções que precisar. No meio em que vive, é mais cômodo para ele andar de lado. FIGURA_05 - Exemplos das relações entre rigs e personagens. (BLAIR, 1995. pg. 32) 8 FIGURA_06 - Exemplo de rig definido através da ferramenta digital. Mauricio Mazza (2006) FIGURA_07 - Exemplo de rig para pernas e mãos definido através da ferramenta digital. Mauricio Mazza (2006) 9 Estes rigs servem para facilitar o trabalho do animador. Por exemplo, para animar a representação dos dedos da mão humana, o animador que utilizar lápis e papel deve observar como a mão humana se movimenta, interpretar as causas e efeitos dos movimentos e representar em forma de desenho. FIGURA_08 estudo de poses das mãos (BLAIR, 1995. pg. 32) No caso das ferramentas digitais, o animador requer tempo e dedicação para aprender a linguagem da ferramenta, que geralmente pertencem ao campo das ciências lógicas. Dentro de um software de animação digital, existem várias etapas e cada uma delas requer conhecimentos de áreas diferentes. No caso dos rigs, a área mais próxima é com a lógica, pois são rotinas, comandos e equações matemáticas que constituem os controles do rig. Ou seja, esta é uma etapa do processo em que muitas vezes os animadores não tem aptidão, tempo ou predisposição para desenvolver, uma vez que, a animação está diretamente relacionada com práticas mais artísticas. Para manter a estrutura de hierarquia, articulações, funcionamento da anatomia e respeitar as proporções, as ferramentas digitais necessitam de scripts, ou seja, rotinas específicas desenvolvidas na linguagem de programação da respectiva ferramenta. Estas rotinas, na 10 maioria das vezes são equações matemáticas, que calculam os limites impostos pela concepção do objeto ou personagem que será animado. E na maioria das vezes, os animadores não tem muita afinidade com o campo da matemática ou do domínio das linguagens de programação das ferramentas digitais. Então entra o rig. Para animar os movimentos da mão humana, o animador não precisa aprender nenhuma linguagem de programação. Outro profissional desenvolve um esqueleto para o personagem. Na indústria da animação, este profissional é reconhecido como Technical Director. Ele tem o domínio da linguagem de programação da ferramenta em questão e é capaz de criar controles de funcionamento do esqueleto do personagem ou objeto a ser animado, de acordo com as necessidades do animador. Neste sentido, sob a direção de um designer, este profissional desenvolve uma interface muito mais amigável para facilitar o trabalho do animador, além de torná-lo mais produtivo e confiável. O animador terá que aprender a utilizar os controles desenvolvidos pelo Technical Director, que geralmente é extremamente mais simples do que aprender a linguagem de programação da ferramenta. O controle pode ter por exemplo, um botão que fecha e abre a mão. Assim o animador vai economizar muito tempo de trabalho. Do contrário, o mesmo gastaria um tempo enorme animando osso por osso, dedo por dedo, para abrir e fechar a mão do personagem. O esqueleto do personagem pode ter limites, assim como os seres humanos, como impedir que os joelhos e cotovelos dobrem para trás. Estando estes limites pré definidos no rig pelo Techincal Director, é uma preocupação a menos para o animador. Isto significa que o animador deve estar em sintonia estreita com o designer, pois este gerencia a relação entre as necessidades do animador e o desenvolvimento do rig pelo Technical Director. Assim o animador não precisa se preocupar com todas as outras questões que envolvem o personagem e se concentrar no objetivo maior, que é a interpretação do acting. Dificilmente os rigs são reaproveitados para outros personagens. Além de correr o risco de gerar mais trabalho, o desafio está em suprir as necessidades específicas de cada personagem para cada cena. Não há fórmula. 11 Isto torna clara a idéia de que a animação digital se relaciona mais com a linguagem dos marionetes a desenhos a mão livre. Mais próxima da linguagem do cinema, onde temos um estúdio cinematográfico virtual para marionetes digitais. 12 Referências Bibliográficas AUBERT, Charles. The Art of Pantomime, New York:- Paperback , 2003. JOHNSTON, Ollie & THOMAS, Frank. The Illusion of life: Disney Animation. New York: Hyperion, 1995. BLAIR, Preston. Cartoon Animation, New York : Walter Foster Pub.,1995 HOOKS, Ed. 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