UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR MESTRADO EM DIREITO NELSON ROSA DOS SANTOS A PROMOÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E DO ESTADO MARÍLIA 2011 NELSON ROSA DOS SANTOS A PROMOÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E DO ESTADO Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Prof.(a) Dr.(a) Marlene Kempfer Bassoli. MARÍLIA 2011 Santos, Nelson Rosa dos A promoção do trabalho humano no Brasil e a ressocialização do presidiário: responsabilidade da empresa e do estado/ Nelson Rosa dos Santos -- Marília: UNIMAR, 2011. 120p. Dissertação (Mestrado em Direito) -- Curso de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2011. 1. 1. Ressocialização 2. Responsabilidade do Estado 3. Responsabilidade da empresa I. Santos, Nelson Rosa dos. CDD – 341.5 NELSON ROSA DOS SANTOS A PROMOÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E DO ESTADO Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília UNIMAR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Marlene Kempfer Bassoli. Aprovado pela Banca Examinadora em 03/06/2011. Profª. Dra. Marlene Kempfer Bassoli PUC/SP Profª. Dra. Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador UFPR/PR Prof. Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza USP/SP Dedico este trabalho a meus familiares, que souberam compreender a importância de minha dedicação aos estudos nos finais de semana, quando ficaram privados de minha companhia. AGRADECIMENTOS Agradeço inicialmente a Deus, o Grande Arquiteto do Universo, fonte de luz que me deu a graça de participar de mais esta luta em prol do conhecimento. Agradeço a minha orientadora Professora Dra. Marlene Kempfer Bassoli a quem tive a satisfação de conhecer e admirar por sua inteligência e pela forma que me orientou dandome toda a liberdade para a realização da pesquisa e chamando-me à responsabilidade no momento certo. Á direção e demais professores que fizeram parte dessa conquista, sempre demonstrando interesse na evolução do aprendizado e trabalhando sempre com competência e zelo. Aos meus colegas de curso, que nos momentos de dificuldades não mediram esforços para ajudar e juntos terminarmos nossa caminhada. Basta tratar o delinquente como um ser humano, e não como uma besta, para se descobrir nele a chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar. Francesco Carnelutti SANTOS, Nelson Rosa dos. A promoção do trabalho humano no Brasil e a ressocialização do presidiário: responsabilidade da empresa e do estado. 122 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2011. RESUMO A pesquisa que se apresenta tem como fundamento a obra da escritora espanhola Adela Cortina denominada Ética da Empresa – chaves para uma nova cultura empresarial - escrita com a colaboração dos escritores Jesús Conill, Augustin Moratalla e Domingo Garcia Mazá. Tem como infoque uma nova concepção e gestão de empresa, que deve ter a ética como marco inicial na sua maneira de atuar, interagindo com a sociedade na qual está inserida. A violência é foco de grande preocupação da sociedade no século XXI. Dentre os meios para equacionar o problema está a ressocialização do preso que cumprindo a pena e posto no meio social tende a se sentir excluído e a maioria torna-se reincidente. Inicialmente o problema está no desafio da recuperação daquele que cometeu o delito e necessita cumprir, encarcerado, a pena privativa de liberdade. A lei brasileira proporciona alguns meios que podem colaborar na resssocialização, como o direito que tem o apenado de trabalho, inclusive com remuneração e redução do prazo da pena por tempo de serviço prestado. O Estado, enquanto responsável pelo sistema penitenciário, tem a obrigação de propiciar ao preso capacitação profissional. Conta ainda o Estado com as políticas públicas principalmente quando tem a obrigação de viabilizar meios para que as classes menos favorecidas possam ser (re)incluídas socialmente. No caso do ex-preso para as políticas públicas é importante a participação das empresas, pois, um processo eficaz se da por meio da valorização do trabalho, essencial para se reconhecer o ser humano como cidadão. Às empresas quanto à participação na ressocialização tem papel fundamental, pois a Constituição lhes impõem responsabilidade social diante dos interesses da comunidade. As ações empresariais com responsabilidade e ética excluem o objetivo exclusivo do lucro e cria uma responsabilidade moral principalmente com os consumidores. A empresa atuando de forma ética deve dar oportunidade de trabalho formal ao egresso possibilitando reaver sua cidadania. Nesse agir ético, a sociedade saberá retribuir àqueles que assumem o seu papel de responsáveis socialmente. Com um sistema penitenciário adequado que possibilite a capacitação do preso e a participação das empresas por meio da oportunidade do trabalho para os egressos tem-se ações efetivas para reinclusão do preso na sociedade, fórmula para diminuição de parte da violência. Palavras-chave: Ressocialização. Responsabilidade do Estado. Responsabilidade da Empresa. SANTOS, Nelson Rosa dos. The valorization of human labor in Brazil and the resocialization of prisoner: responsability of the enterprise and of the state. 122 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2011. ABSTRACT The present research is founded on the Spanish work written by Adela Cortina called Ética da Empresa – chaves para uma nova cultura empresarial – written in collaboration with the writers Jesús Conill, Augustin Moratalla and Domingo Garcia Mazá. Focused on a new conception and enterprise‘s management, which must have ethic as the initial mark in its manner of actuation, interacting with the society where its insert. The violence is the focus of great concern to society in the XXI century. Among the means to solve the problem is the resocialization of the prisoner that fulfilling the sentence and put in the social environment tends to feel excluded and the most become recidivist. Initially the problem is in the challenge of recovery that the offense and need to fulfill, imprisoned, the custodial sentence. Brazilian law provides some resources that can assist in resocialization, such as the right of the convict labor, including wages and reducing the term of sentence for time in service. The State, as responsible for prisons systems, has an obligation to provide professional training to the prisoner. There is also the State with public policies especially when you have an obligation to facilitate means to the lower classes can be (re) included socially. In the case of ex-prisoner for public policy is important to involve business, therefore, an effective process is through the appreciation of the work, essential to recognize the human like a citizen. The enterprises‘ regarding participation in the resocialization has a fundamental role, because the Constitution imposes the social responsibility of community interests. Shares business with responsibly and ethic exclude the sole purpose of profit and creates a moral responsibility especially with consumers. The company acting ethically must give formal job opportunity enabling graduates to regain their citizenship. In this ethical act, society will know how to repay those who take their role as socially responsible. With a prison system that allows for appropriate training of prisoners and the participation of enterprises through job opportunities for graduates has been effective actions for reinsertion into society of prisoners, the formula for reduction of the violence. Key-words: Resocialization. State Responsibility. Responsibility Company. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CF/88 Constituição Federal Brasileira de 1988 CNJ Conselho Nacional de Justiça DEPEN/PR Departamento Penitenciário do Paraná DIED Divisão de Educação do Departamento Penitenciário do Paraná DIPRO Divisão de Ocupação e Produção do Paraná FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FUNAP Fundação de Amparo ao Preso IBCCRIM Instituto Brasileiro De Ciências Criminais IBGE Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística LCP Lei de Contravenções Penais LEP Lei de Execuções Penais PNQ Plano Nacional de Qualificação STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça UEM Universidade Estadual de Maringá SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 1 1.1 1.2 1.3 A ÉTICA DA EMPRESA .......................................................................................... 12 ÉTICA EMPRESARIAL.............................................................................................. 13 ÉTICA EMPRESARIAL NO CONTEXTO DE UMA ÉTICA CÍVICA .................... 19 QUADRO ÉTICOECONÔMICO DA EMPRESA MODERNA ................................. 23 2 A ÉTICA DO DIREITO E A ORDEM JURIDICOECONÔMICA CONSTITUCIONAL DE 1988: PACTO SOCIAL PARA PROMOVER O TRABALHO HUMANO ............................................................................................ 30 ORDEM JURÍDICAECONÔMICA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ........................ 33 Princípio da Livre Iniciativa e os Limites da Ordem Econômica................................. 39 Dignidade e Justiça Social Como Fins da Ordem Jurídicoeconômica Brasileira......... 44 Valorização do Trabalho Humano ................................................................................ 50 Busca do Pleno Emprego .............................................................................................. 54 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.1.4 3 3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.2 3.2.1 3.3 3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.4 3.4 A PROMOÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E DO ESTADO ...................................................................................... 64 RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL NA RESSOCIALIZAÇÃO ..................... 68 Nova Forma de Gestão ................................................................................................. 71 A Ressocialização por Meio da Responsabilidade Social ............................................ 74 A Responsabilidade Social e a Oportunidade ao Trabalho para o Presidiário ............. 77 A RESPONSABILIDADE ESTATAL NA RESSOCIALIZAÇÃO ........................... 79 Responsabilidade Estatal: Competência na Execução Penal ........................................ 84 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO: OPORTUNIDADES DE TRABALHO ................................................................................................................ 89 Redução de Impostos para Empresas Que Contratam Ex-Presidiários ........................ 98 Programa Pró-Egresso do Paraná ............................................................................... 100 Incentivos às Empresas na Contratação de Egressos do Sistema Penitenciário ......... 102 Usina de Itaipu. Copa do Mundo de 2014 .................................................................. 105 EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO ................................... 107 CONCLUSÃO....................................................................................................................... 111 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 114 10 INTRODUÇÃO Um dos desfio do século XXI que preocupa a sociedade e o Estado é a violência. É preciso considerar soluções de prevenção e repressões adequadas ao infrator de modo a diminuir a criminalidade. O atual sistema de aplicação de sanção pelo Estado ao condenado se mostra ineficiente para que a criminalidade se mantenha em índices aceitáveis. Esta pesquisa concentra-se em avaliar as medidas para equacionar o problema e que apontam para a ressocialização do ex-presidiário. Para alcançar a eficácia desejada é importante um processo de integração entre o Estado, as organizações empresariais. Não será considerado nesta pesquisa, por opção de um corte metodológico, o fundamental envolvimento da sociedade organizada nesse tema. A participação das instituições empresariais na ressocialização do egresso do sistema penitenciário é indispensável. As empresas têm papel fundamental para incrementar a reinserção social. Para tanto deve atuar eticamente e não se buscar somente o lucro, o progresso econômico, mas, também, assumir a responsabilidade de uma atuação com função social. As empresas devem fazer a opção pelo ser humano. Analisa-se a responsabilidade empresarial pelas mudanças sociais que visem melhorar a comunidade como um todo, não podendo sua preocupação limitar-se aos seus funcionários e clientes. Oferecer oportunidades para a reinserção social do apenado é uma questão social e, portanto, também de sua responsabilidade. O trabalho é a forma mais eficaz de se propiciar dignidade humana, e ao colocar em seus quadros funcionais o egresso do sistema penitenciário estará promovendo a vivência com o princípio da valorização do trabalho humano. Demonstra-se que as ações empresariais com responsabilidade e ética criam uma relação de confiança e respeito principalmente com os consumidores, reconhecendo-se, então, que a ética não é somente individual, mas, também corporativa e comunitária. É a legitimidade social das empresas, conforme estudo da escritora Adela Cortina, com a colaboração dos também escritores Jesús Conill, Augustin Moratalla e Domingo Garcia Marzá – Ética Empresarial: chaves para uma nova cultura empresarial, que serve de fundamento teórico para um atuar éticoempresarial onde se valoriza o ser humano. O Estado tem participação imprescindível no processo de ressocialização. Neste trabalho estuda-se, também, o comportamento estatal que deve ser responsável por possibilitar a aplicação e cumprimento de pena de modo digno, capacitando o preso profissionalmente e não permitindo que se subtraia a sua dignidade. Argumenta-se que essa participação do ente 11 público continua após o cumprimento de pena quando, então, surge a responsabilidade pela implementação de políticas públicas de reinserção do ex-presidiário ao mercado de trabalho, elaborando projetos e leis que incentivem as empresas a contratarem empregados nesta condição. Mostra-se que o Estado embora ainda timidamente, vem buscando criar e colocar em prática algumas medidas que motivem as organizações empresariais a participar efetivamente do processo de ressocialização, por meio de políticas fiscais para aquela empresa que contratar ex-detentos e outras políticas de fomento garantindo, por exemplo, vantagens quando de parcerias e contratos com o poder publico. 12 1 A ÉTICA DA EMPRESA Nesta primeira seção traz-se como fonte principal de estudo e que será fundamento para o desenvolvimento de todo o trabalho acadêmico, a obra da escritora espanhola Adela Cortina1 denominada Ética da Empresa – Chaves para uma Nova Cultura Empresarial2, (tradução nossa) – escrita em colaboração com os escritores Jesús Conill3, Augustin Moratalla4 e V. Domingo Garcia Marzá5. Mostra-se um resumo da obra e do pensamento da autora e de seus colaboradores a respeito de ética nas empresas. Na obra citada, a autora entende que no conceito moderno de empresa não se admite que ela seja, como já foi outrora, uma organização voltada unicamente para o objetivo lucro. Exige-se que a tomada de decisão se fundamente também no sentido moral que venha ao encontro das exigências da sociedade. Cada instituição deve constituir o seu ‗código ético‘ e agir como impulso para uma nova e/ou renovada realidade social. Assevera que os valores da empresa constituem um dos temas centrais dos tempos modernos e passam a ser objeto de estudos mais aprofundados, haja vista a proliferação de revistas especializadas e na constante publicação de livros sobre o tema. Criam-se instituições específicas de ética empresarial e novas faculdades de ciências econômicas com ênfase na filosofia e humanidade, além da multiplicação de simpósios, conferências e palestras focadas também no mesmo tema. Para a autora isso acontece porque, segundo os especialistas que se debruçam no estudo do tema, mostra uma sociedade de organizações em que a empresa constitui-se no paradigma de todo o restante. A salvação dos homens não se pode esperar unicamente da sociedade ou do Estado, mas a transformação das organizações é que está a salvação e dentre elas a empresa é o exemplo. Importante, ressalta a obra, que a sociedade em geral preste atenção na conduta dos empresários, na forma como os mesmos atuam, pois são eles os paladinos do novo tempo. Hoje o empresário que atua de forma ética é lembrado como personagem admirado, coisa 1 CORTINA, Adela. filósofa espanhola, nascida na cidade de Valência, em 1947, catedrática de Ética da Universidade de Valência e diretora da fundação ÉTNOR para a ética dos negocios e das organizações. 2 ÉTICA de la Empresa – Claves para una Nueva Cultura Empresarial, editado pela primeira vez em 1994 e a oitava edição em 2008, pela Editora Trotta S.A., Madri, Espanha 3 SANCHO, Jesús Marcial Conill. Filósofo espanhol, professor da Universidade de Valência – Espanha, patrono fundador da fundação ÉTNOR para a ética dos negócios e das organizações. 4 MORATALLA, Augustin Domingo. Professor titular de filosofia jurídica, moral e política da Universidade de Valencia, Espanha. 5 MARZÁ, Domingo García. Professor titular de Filosofia Jurídica, Moral e Política da Universidade Jaume I de Castllón, e coordenador da Fundação ÉTNOR para ética dos negócios e das organizações. 13 impensada a alguns anos atrás. Os empresários são os arquitetos de uma nova ordem social: gerando riquezas e evitando os defeitos de modos de agir anteriores. Contra os males das velhas instituições entende então, que uma empresa que atua eticamente, isto é, a que persegue os objetivos pelas quais uma empresa existe que é satisfazer as necessidades humanas, se caracteriza pela agilidade e a iniciativa e por fomentar a cooperação – não o conflito – entre seus membros, pois entre todos move-se um interesse comum, uma solidariedade, um risco razoável, uma corresponsabilidade. 1.1 ÉTICA EMPRESARIAL Explicita a autora de que a opção não pode ser por um liberalismo selvagem, mas qualquer proposta deve realizar-se dentro dos limites de um quadro social e democrático de direito, como também com um nível moral de justiça colocando-se um no lugar do outro procurando a satisfação geral e não a de um determinado grupo. O termo ética deriva-se do grego ethos que quer dizer caráter, modo de ser e de agir de uma pessoa, podendo ainda ser definido como o conjunto de princípios e valores morais pelos quais se busca nortear a vida e mais precisamente a conduta humana na sociedade. A ética está intrinsecamente ligada ao sentimento de valorização da pessoa e de justiça social. A construção de referenciais éticos pela sociedade é alicerçada com fundamento em valores culturais e históricos. Cada sociedade produz seus códigos éticos e, muitas vezes seus e princípios éticos não são aceitos por outra sociedade. Quando se estuda ética sobre o ponto de vista empresarial, não se pode olvidar da definição utilizada por Adela Cortina que serve de fundamento para esse estudo: [...] a ética é um tipo de conhecimento daqueles que pretendem orientar a ação humana com sentido racional; isto é, pretende-se agir racionalmente. A diferença entre os conhecimentos preferentemente teóricos, comtemplativos, aos que não importa em princípio orientar a ação, a ética é essencialmente um conhecimento para agir de um modo racional.6 (tradução nossa) Verifica-se que a ética é um tipo de conhecimento prático preocupado em averiguar qual deve ser o fim de nossas ações para decidir sobre quais hábitos assumir, como ordenar as 6 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 17. La ética es um tipo de saber de los que pretende orientar la acción humana en um sentido racional; es decir, pretende que obremos racionalmente. A diferencia de los saberes preferentemente teóricos, contemplativos, a los que no importa em principio orientar la acción, la ética es esencialmente um saber para actuar de un modo racional. 14 metas intermediárias, quais valores que são referenciais e incorporá-los com objetivo de agir com prudência e tomar decisões acertadas. Agir racionalmente seria analisar um contexto, avaliar as alternativas e escolher aquelas que promovam a finalidade desejada. Os ensinamentos de Adela Cortina são esclarecedores. A ética, em princípio, tem como tarefa nos mostrar como deliberar bem com objetivo de fazermos boas escolhas. Mas, como temos dito não se trata só de escolher bem em um caso concreto, mas sim, ao longo de nossas vidas. Por isso a ética convida desde a sua origem na Grécia a formar um bom caráter, para se fazer boas escolhas, como indica o significado etimológico do termo ‗ética‘ .7 (tradução nossa). O caráter humano é fundamental no transcorrer da vida, pois, ainda que circunstâncias o coloquem diante de situações diferentes daquelas que embasaram a sua formação poderá confrontar-se com o dever de promover escolhas. Embora as circunstâncias possam, de um ou de outro modo, interferir na formação do caráter e até mesmo nas decisões e escolhas que se faz durante a vida, o ser humano nasce com uma determina constituição genética, psicológica e não escolhe o meio social em que nasce e muitas vezes está predestinado a viver ao longo de sua existência. Como é dotado de liberdade, cabe a ele, pautado nessa liberdade reforçar a continuidade no mundo em que nasceu, ou transformar essa realidade. A questão da formação e das circunstâncias que influenciam o caráter tem interessante exposição de Adela Cortina A ética é, pois, em princípio, o tipo de conhecimento que pretende nos orientar na formação do caráter, de maneira que, sendo bem conscientes de que não está em nossas mãos modificar esses elementos, então transformemos o que se pode modificar, conseguindo um bom caráter, que nos permita fazer boas escolhas e tomas decisões prudentes.8 (tradução nossa). 7 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p.18. La ética, en primer sentido, tiene por tarea mostrarnos cómo deliberar bien con objeto de hacer buenas elecciones. Pero, como hemos dicho, no se trata solo de elegir en un caso concreto, sino a lo largo de nuestra vida. Por eso la ética invita desde su Orígenes em Grécia a forjarse un buen carácter, para hacer buenas elecciones, como indica el significado etimológico del término ―ética‖. 8 Idem, Ibid., p.19. La ética es, pues, em um primer sentido, el tipo de saber que pretende orientarnos em la forja del carácter, de modo que, siendo bien conscientes de qué elementos no está en nuestra mano modificar, transformemos los que sí pueden ser modificados, consiguiendo un buen carácter, que nos permita hacer buenas elecciones y tomar decisiones prudentes. 15 Se o homem pode averiguar quais são os objetivos e metas que pretende alcançar, entende-se que são livres para atuar num sentido ou outro, independentemente da forma como se apresenta essa liberdade. O homem pode escolher o seu caminho. A liberdade é, então, fundamental para a ética, estando diretamente ligada com a responsabilidade, já que cada um se torna responsável pelas suas escolhas. Atuar tendo a ética como parâmetro traz inúmeras vantagens. Um investimento que gera muito lucro. Se o empresário agir corretamente dentro da sua organização e nos seus negócios, as pessoas passarão a confiar em si mesmas, no seu trabalho e também no seu produto. Expõe com propriedade Cortina: Pode-se dizer, pois, que a ética, em princípio, é um tipo de conhecimento prático, preocupado por averiguar qual deve ser o fim da nossa ação, para que possamos decidir que hábitos temos que assumir, como ordenar as metas intermediárias, quais são os valores pelos quais temos de nos orientar, que modo de ser ou caráter temos de incorporar, com objetivo de agir com prudência, e assim, tomar decisões acertadas.9 (tradução nossa). Ao expor sobre a interação entre liberdade e ética, mostra-se que se tem intercomunicação positiva. A ética pressupõe liberdade. Assim, vegetais, animais e até mesmo seres humanos, quando coagidos, não exercem qualquer ato ético, pois não atuam com liberdade. Para se mover, a liberdade necessita de referências éticas para dar-lhe legitimidade. A liberdade é essencial no mundo ético. Faz um liame direto com a responsabilidade, pois quem tem a possibilidade de escolha fica responsável por ela. Como escreve Adela Cotina ―liberdade e responsabilidade são, pois, indispensáveis ao mundo ético [...]10‖ Mas para que haja responsabilidade pela escolha feita, necessário que essa escolha tenha um impacto social para que se responda perante a sociedade. Por exemplo, conforme expõe Adela Cortina na obra estudada, ―[...] neste sentido ninguém desconhece que as organizações e as instituições têm responsabilidade social inegável, não só porque suas opções repercutem na sociedade, mas também porque os fins que perseguem são sociais.‖11 (tradução nossa). 9 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 20. Podemos decir, pues, que la ética, en un primer sentido, es un tipo de saber práctico, preocupado por averiguar cuál debe ser el fin de nuestra acción, para que podamos decidir qué hábitos hemos de asumir, cómo ordenar las metas intermédias, cuáles son los valores por los que hemos de orientarnos, qué modo de ser o carácter hemos de incorporar, con objeto de obrar con prudência, es decir, tomar decisiones acertadas. 10 Idem, Ibid., p. 21. Libertad y responsabilidad son, pues, indispensables en el mundo ético. 11 Idem, Ibid., p. 21. Em este sentido, a nadie se le oculta que las organizaciones y las instituciones tienen una responsabilidad social innegable, no solo porque sus opciones repercuten en la sociedad, sino también porque los fines que persiguen son sociales. 16 Muitas vezes, depara-se com concepções de liberdade que não correspondem à realidade. Prega-se que o homem pode fazer o que quiser ou utilizar-se de todos os meios, legítimos ou não, para conseguir êxito nas competições que a vida apresenta. Isso não corresponde à verdade, pois, a liberdade deve ser exercida dentro de um espaço socialmente delimitado e legítimo com definição precisa do que é certo ou errado e do que pode ou não pode ser utilizado e defendido. Os apontamentos acima são aplicáveis diante das relações humanas, também no campo das atividades econômicas. São as pessoas que decidem sobre ações na convivência profissional. Assim, as instituições, organizações, empresas são julgadas pela sociedade, pelas atitudes éticas ou não de seus gestores. As ações devem ser orientadas racionalmente e são fundamentalmente dois modos: aprender a tomar decisões prudentes e aprender a tomar decisões moralmente justas. Expõe a autora Adela Cortina Agir racionalmente significa, em princípio, saber escolher bem antes de tomar uma decisão com objetivo de fazer a escolha mais adequada e agir da forma como havia sido escolhido. Quem não pensa antes de agir sobre os diferentes cursos da ação e seus resultados, quem não analisa qual deles é mais conveniente e que, por último, age contra a decisão que ele mesmo havia tomado, não age racionalmente.12 (tradução nossa). O caráter que o homem possui é fundamental por toda vida, porque mesmo que fatores externos possam interferir e o direcione para um caminho ou outro, sempre o caráter assumido é o responsável pela tomada da última decisão. É correto afirmar que cada ser humano é constituído de uma determinada constituição genética e psicológica da qual não lhe é permitido escolha, como também não lhe é permitido escolher o meio social em que se desenvolverá. Conforme expõe Adela Cortina ―[...] no entanto, diferente dos animais, os homens se vêem obrigados a modificar nossa herança ou reforçá-la, escolhendo nosso próprio caráter, mesmo porque, nessa tarefa nos encontramos sumamente condicionados.‖13 ( tradução nossa). Quem conseguir atuar de modo consciente e valorizando o caráter adquirido, será 12 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 20. Obrar racionalmente significa, en principio, saber deliberar bien antes de tomar uma decisión com objeto de realizar La elección más adecuaday actuar según lo que hayamos elegido. Quien no reflexiona antes de actuar sobre los distintos cursos de acción y sus resultados, quien no calibra cuál de ellos es más conveniente y quien, por último, actúa en contra de La decisión que él mismo reflexivamente há tomado, no obra racionalmente. 13 Idem, Ibid., p. 19. Sin embargo, a diferencia de los animales, los hombres nos vemos obligados a modificar nuestra herencia o bien reforzala, eligiendo nuestro próprio carácter, aunque em esa tarea nos encontremos sumamente condidionados. 17 considerado sábio não por acumular conhecimentos, mas por agir com prudência e saber fazer boas escolhas. Para se projetar uma configuração inteligente do caráter, necessário de início perceber onde se pretende chegar e o que queremos atingir com nossa maneira de agir. Ter consciência de qual é o fim que queremos alcançar em nossa vida. Nesse sentido escreve Adela Cortina Desde então, podemos ir fixando os modos de agir que nos permitirão alcançá-los, as metas intermediárias e os valores que é preciso encarnar para chegar tanto aos objetivos intermediários como aos objetivos finais. Se descobrirmos tudo isso, o inteligente é orientar as ações por esses valores e incorporar a nossa conduta esses modos de agir, de forma que não nos vejamos obrigados a fazer um esforço cada vez que queiramos atuar nesse sentido, mas sim que ―que nos dê prazer‖ sem fazer esforço e forme já parte de nosso caráter.14 (tradução nossa). Essa fixação de modos de agir, não significa converter-se em um autômato, agindo sempre da mesma maneira, usando sempre os mesmos meios, sem qualquer inovação. Devese habituar-se a fazer boas escolhas, estando bem consciente dos objetivos que se quer alcançar, fazendo as escolhas relacionadas com eles e procurar adequar os meios mais eficientes para se conseguir os objetivos. Como assevera Adela Cortinana obra em estudo: ―ter consciência dos fins que se persegue e habituar-se a escolher e agir em relação com eles e a chave [...] de uma ética das pessoas e de uma ética das organizações, especialmente, das empresas.‖15 (tradução nossa). Esses modos de agir assumidos de forma intensa e que leva a um procedimento repetido e que vai se incorporando ao caráter em razão da repetição habitual é o que tradicionalmente se chama de hábito. Quando são hábitos saudáveis com objetivos pertinentes recebe o nome de virtude. Ao contrario, são considerados vícios. Não se pode discutir somente sobre o caráter das pessoas, mas também, certas organizações e instituições adquirem hábitos que acabam se incorporando ao caráter, que é perceptível tanto pelos seus membros como por aqueles externos que têm contato com elas. 14 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 1920. Desde él podemos ir fijando entonces los modos de actuar que nos permitirán alcanzarlo, las metas intermédias y los valores que es preciso encarnar para llegar tanto a los objetivos intermédios como al fin último. Si descubrirmos todo esto, lo inteligente es orientarse en la acción por esos valores e incorporar a nuestra conducta esos modos de actuar, de forma que no nos vemos obligados a hacer um esfuerzo cada vez aque queramos obrar en esse sentido, sindo que ‗nos salga‘ sin apenas esfuerzo y forme ya parte de nuestro carácter. 15 Idem, Ibid., p. 20. Tener consciência de los fines que se persiguen y habituarse a elegir y obrar en relación con ellos es la clave – como veremos – de una ética de las personas y de una ética de las organizaciones, muy especialmente, de las empresas. 18 Cada organização tem uma meta na qual coloca todo o seu sentido. Importante averiguar qual essa meta, sua finalidade e que se estabeleçam um conjunto de regulamentos e normas. Nesse aspecto autora Adela Cortina esclarece: O fim das organizações é sem dúvida um fim social, porque toda organização se cria para proporcionar bens à sociedade, em virtude dos quais se legitima sua existência perante a sociedade, e este é um ponto central na elaboração de um código ético [...]. Diferente das pessoas, cuja existência não necessita legitimação, as organizações têm que proporcionar bens à sociedade para ser aceita por ela. E, logicamente, no caso de que não produza, a sociedade tem direito a reclamar e, por último, a deslegitimálas.16 (tradução nossa). Assim, importante que as diferentes organizações recuperem o verdadeiro sentido de suas atividades e que haja reflexão sobre quais bens internos fazem parte de sua atividade, como também os meios adequados para atuar e ainda colocando como objetivo principal atuar eticamente. Para formalização de uma ética empresarial no entendimento da autora Adela Cortina alguns passos são fundamentais: 1) determinar claramente qual é o fim específico, o bem interno à atividade que lhe corresponde e pelo que cobra sua legitimidade social; 2) verificar quais são os meios adequados para produzir esse bem e que valores é preciso incorporar para alcançá-lo; 3) indagar que hábitos tem que ir adquirindo a organização em seu conjunto e os membros que a compõem para incorporar esses valores e ir formando um caráter que lhes permita deliberar e tomar decisões acertadas em relação às metas; 4) discernir que relação deve existir entre as diferentes atividades e organizações, 5) como também entre os bens internos e externos e elas.17 (tradução nossa). No entendimento de Adela Cortina ―[...] toda empresa está obrigada a respeitar o direito de seus membros, dos consumidores e fornecedores, e não pode atropelá-los com o 16 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 22. El fin de las organizaciones es in duda un fin social, porque toda organización se crea para proporcionar a la sociedad unos bienes, en virtud de los cuales queda legitimada su existência ante la sociedad, y este es un punto central en la elaboración de un código ético [...]. a diferencia de las personas, cuya existencia no necesita legitimación, las organizaciones han de proporcionar unos bienes a la sociedad para ser aceptados por ella. Y, lógicamente, em el caso de que no los produzcan, la sociedad tiene derecho a reclamárselos y, por último, a desligitimarlas. 17 Idem, Ibid., p. 24. 1) determinar claramente cuál es el bien interno, a la actividad que le corresponde y por el que cobra su legitimidad social; 2) averiguar cuáles son los medios adecuados para producir ese bien y qué valores es preciso incorporar para alcanzarlo; 3) indagar qué hábitos han de ir adquiriendo la organización en su conjunto y los miembros que la componen para incorporar esos valores e ir forjándose un carácter que les permita deliberar y tomar decisiones acertadas en relación con la meta; 4)discernir qué relación debe existir con las distintas actividades y organizaciones, 5) como también entre los bienes internos y externos a ellas. 19 argumento de que sua meta é buscar benefícios econômicos.‖18 Toda e qualquer empresa tem que buscar sua legitimidade social, e para isso deve produzir bens de sua competência e acima de tudo respeitar direitos reconhecidos pela sociedade em que está inserida e compartilhando de seus valores. Para que se instale essa interação entre empresa e sociedade, segundo Cortina dois outros pontos devem ser acrescidos aos acima mencionados: ―6) quais são os valores da moral cívica da sociedade em que se insere; 7) que direitos reconhece essa sociedade às pessoas. E dizer, qual é a consciência moral alcançada pela sociedade.‖19 (tradução nossa). Ao se projetar o caráter de uma organização se busca, portanto, uma interação entre os valores que derivam da atividade empresarial e os da sociedade, entre a ética da empresa e a ética social, sendo necessário que ambas estejam presentes para dar legitimidade. 1.2 ÉTICA EMPRESARIAL NO CONTEXTO DE UMA ÉTICA CÍVICA A ética cívica pressupõe a possibilidade de convivência entre cidadãos diferentes na sua maneira de pensar e agir, mas, no entanto, compartilhando de alguns valores e normas mínimas que se interagem. Cada membro tem o direito de por em prática seus projetos sem que isso impeça o outro de realizá-lo. Importante as colocações de Adela Cortina quando descreve um dos pontos da ética cívica: [...] porque a ética cívica consiste nesse mínimo de valores morais e normas que os membros de uma sociedade moderna compartilham, qualquer que seja sua visão do mundo religioso, ateu ou agnóstico, filosófico, políticas ou culturais: mínimo que os leve a compreender que a convivência de concepções diversas é proveitosa e que cada um tem o direito de tentar realizar seus projetos[...]. Essa a razão pela qual consideramos a ética cívica como um mínimo ético contemporâneo.20 (tradução nossa). A ética cívica é uma ética de mínimos, porque numa sociedade moderna cada cidadão 18 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 25. [...] a respetar los derechos de sus miembros y los de los consumidores y proveedores, y no pude atropellarlos aduciendo que su meta es lograr un beneficio económico. 19 Idem, Ibid., p. 25. 6) cuáles son los valores de la moral cívica de la sociedad en la que se inscribe; 7) qué derechos reconoce esa sociedad a las personas. Es decir, cuál es la conciencia moral alcanzada por la sociedad. 20 Id., Ibid., p. 37. ―[...] porque la ética cívica consiste en esse mínimo de valores y normas que los miembros de una sociedad moderna comparten, sean cuales fueren sus cosmovisiones relgiosas, politicas, agnósticas o ateas, filosóficas, políticas o culturales; mínimos que les lleva a comprender que la convivência de concepciones diversas es fecunda y que cada quien tiene perfecto derecho a intentar llevar a cabo sus proyectos [...]. esta es la razón por la que consideramos a la ética cívica como una ética moderna de mínimos. 20 tem seu projeto de vida, seu projeto de felicidade, não sendo possível que um imponha a sua forma de ideal de vida a outro. Existe um pluralismo moral, definido assim por Adela Cortina, Contudo, ‗pluralismo‘ não significa que não há nada em comum, mas sim, pelo contrário. O pluralismo é possível em uma sociedade quando seus membros, apesar de terem ideais morais distintos, têm também em comum um mínimo moral que lhes apresentam inegociáveis, e que não são compartilhados não porque algum grupo impôs pela força aos outros, mas porque os diferentes setores vão chegando por si próprios à convicção de quais são os valores e normas a quais uma sociedade não pode renunciar sem ter que deixar o legado à humanidade.21 (tradução nossa). A ética cívica parte do princípio de que os homens são capazes de agir com autonomia moral sem ter necessidade de se valer de projetos impostos pela autoridade. Tem-se a ideia de que os homens são capazes de criar seus próprios projetos que consideram ideais, dentro de suas convicções morais, sejam elas religiosas, filosóficas ou agnósticas. Os homens são cidadãos capazes de tomar decisões próprias e como escreve Adela Cortina, [...] os homens são cidadãos capazes de tomar de um modo moralmente autônomo e, portanto, de ter conhecimento suficientemente acabado do que consideramos bom, como para ter idéias moralmente adequadas sobre como organizar nossa convivência sem necessidade de recorrer aos projetos de autoridades impostas. Não é, pois, de estranhar que o primeiro dos valores que compõem nossa ética cívica seja o da autonomia moral com transcrição política de cidadania, nem tampouco que a lhes acompanhem a noção de igualdade.22 (tradução nossa). Assim, deve haver tolerância e respeito ao projeto de cada cidadão e nesse sentido expõe Cortina conforme adiante: Naturalmente, é impossível a convivência de diferentes projetos de vida feliz se quem os busca não são tolerante com aqueles que têm um ideal de 21 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 38. Sin embargo, ―pluralismo‖ no significa que no haya nada em común, sino todo lo contrario. Precisamente el pluralismo es posible em una sociedad cuando sus miembros, a pesar de tener ideales morales distintos, tienen también en común unos mínimos morales que les parecen innegociables, y que no son compartidos porque algún grupo los haya impuesto por la fuerza a los restantes, sino porque los distintos sectores han ido llegando motu próprio a la convicción de que son los valores y normas a los que una sociedad no puede renunciar sin hacer dejación de sua humanidad. 22 Idem, Ibid., p. 39.‖[...] los hombres somos ciudadanos capaces de tomar decisiones de un modo moralmente autónomo y, por tanto, de tener un conocimiento suficientemente acabado de lo que consideramos bueno e como para tener ideas moralmente adecuadas sobre cómo organizar nuestra convivencia, sin necesidad de recurrir a los proyectos de autoridades iimpuestas. No es, pues, de extrañar que el primero de los valores que componen nuestra ética cívica sea el de autonomia moral con su trasunto político de ciudadania, ni tampouco que a ellos acompañe la noción de igualdad. 21 felicidade diferente, pois a ética cívica nasceu do calor de vários escritos sobre tolerância, numa atitude extremamente valiosa.23 (tradução nossa). O fato de haver diferentes projetos dentro da sociedade por cada um dos seus membros, não significa que não possa haver uma convivência harmônica e compartilhada. A tolerância serve para a construção de um mundo onde, mesmo que não haja concordância, deve-se respeitar os projetos alheios. Entendendo que todos que convivem em sociedade estão de acordo com os valores morais e de liberdade aceitos cultuados por essa mesma sociedade, a empresa, por sua vez, não pode colocar-se à parte desses preceitos, conforme ensina Cortina, ―Por isso todas elas têm que se impregnar dos mencionados valores, respeitar e promover os direitos morais, e incorporá-los às suas tarefas cotidianas, já que, em caso contrario, ficam moralmente desligitimadas.‖24 (tradução nossa). Toda organização empresarial ao aplicar em suas atividades esses valores, deve atentar para atender as especialidades de sua atividade, tendo em vista que a ética cívica é ampla e heterogênea e terá que estar adaptada à sua realidade. A escolha desses valores inerentes a cada organização deve ser minuciosa, pois a cada dia os clientes se tornam mais exigentes, restando às empresas analisar criteriosamente antes de oferecer produtos ou serviços que possam causar prejuízo à sua imagem. Ao conduzir-se desse modo, as empresas estão agindo eticamente. Dentre desses valores que devem ser analisados pela organização empresarial e aplicados na sua atividade, alguns são partes integrantes desse processo de atuar eticamente e não podem ser colocados à parte, sendo imperioso para as empresas que querem agir eticamente. Nesse sentido, vale o ensinamento de Cortina conforme se expõe: É nesse sentido que a recém-nascida ética da empresa tem por valores irrenunciáveis a qualidade dos produtos e gestão, a honestidade no serviço, o respeito mútuo nas relações dentro e fora da empresa, a cooperação pelo que conjuntamente aspiramos quanto a qualidade, a solidariedade para cima que consiste em explorar o máximo das próprias capacidades de maneira que o conjunto de pessoas possa beneficiar-se delas, a criatividade, a iniciativa, o 23 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 4. Naturalmente, resulta imposible la convivência de diferentes proyectos de vida feliz si quienes los persiguen no son tolerantes com aquellos que tienen un ideal de felicidad distinto, de ahí que la ética cívica fuera naciendo al calor de distintos escritos sobre la tolerância, como uma actitud sumamente valiosa. 24 Idem, Ibid., p. 42-43. Por eso todas ellas han de impregnarse de los mencionados valores, respetar y promocionar los derechos Morales, e incorporalos a su quehacer cotidiano,ya que, en caso contrario, quedan moralmente desligitimadas. 22 espírito de risco.25 (tradução nossa). Caso as empresas não se comportem dessa maneira, não assumam esse estilo de gerenciamento, não sobreviverão em nossos tempos, pois não estarão satisfazendo as necessidades humanas de seus empregados, de seus fornecedores e acima de tudo de seus consumidores que, ao tomarem conhecimento de que determinada organização empresarial não está cumprindo com seus valores éticos tendem a exclui-la, deslegitimando-a. Nos tempos atuais não há como não reconhecer a importância desses valores na organização empresarial. No entanto, por ignorância ou não compreensão da realidade, alguns gestores ainda não se conscientizaram dessa nova realidade Esse gerenciamento agrega como fonte principal o ser humano como capital indispensável ao desenvolvimento de suas atividades, de sua forma de atuar e, com clareza expõe Adela Cortina: O objetivo da atividade empresarial é a satisfação de necessidades humanas através da aplicação de capital, do qual é parte essencial o capital humano – os recursos humanos -, ou seja, a capacidade de todos que participam na empresa. Portanto, o bem interno da atividade empresarial consiste em buscar satisfazer essas necessidades e, de modo inseparável, desenvolver o máximo das capacidades de seus colaboradores, objetivos que não poderá alcançar se não promovendo valores de liberdade, igualdade e solidariedade de maneira específica como a empresa pode e deve fazer.26 (tradução nossa). Do mesmo modo que não é possível uma ética empresarial sem uma ética cívica, também não é possível uma ética cívica sem uma ética empresarial, pois a ética das empresas têm alguns valores que são irrenunciáveis como a qualidade dos serviços e nos produtos, o respeito no relacionamento e a cooperação conjunta. Sempre se depara com críticas quanto a imoralidade de políticos, jornalistas, empresários, etc., entendendo-se que é impossível comportar-se corretamente exercendo alguma dessas atividades profissionais. Em sua obra, 25 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 43. Es en este sentido em el que la recién nacida ética de la empresa tiene por valores irrenunciables la calidad en los produtos y en la gestión, la honradez en el servicio, el mutuo respeto em las relaciones internas y externas a la empresa, la cooperación por la que conjuntamente aspiramos a la calidad, la solidariedad al alza, que consiste em explotar al máximo las propias capacidades de modo que el conjunto de personas pueda beneficiarse de ellas, la creatividad, la iniciativa, el espiritu de riesgo. 26 Idem, Ibid., p. 43. La meta de la actividad empresarial es la satisfación de necesidades humanas a través de la puestra en marcha de un capital, del que es parte esencial el capital humano – los recursos humanos – es decir, las capacidades de cuantos cooperan en la empresa. Por tanto, el bien interno de la actividad empresarial consiste en lograr satisfacer esas ncesidades y, de forma inseparable, em desarrolar al máximo las capacidades de sus colaboradores, metas ambas que no podrá alcanzar si no es promocionando valores de libertad, igualdad y solidariedad desde el modo especifico em que la empresa puede y debe hacerlo. 23 Adela Cortina destaca que ―[...] o que se quer é que as diferentes organizações se apresentem moralizadas, pois, segunda a autora, estamos em tempo das responsabilidades e não só das exigências.‖27 (tradução nossa). 1.3 QUADRO ÉTICOECONÔMICO DA EMPRESA MODERNA Não há como analisar ética econômica ou ética empresarial sem que se analise o modelo econômico aplicado pelos governos a uma determinada sociedade. Cumpre expor que cada vez mais a ética está diretamente ligada à economia e esta deve ser regulada pela ética, onde o cidadão deve ser o centro e o principal objetivo dos projetos que são implantados. Em todo projeto econômico não podem faltar valores éticos fundamentais como solidariedade, dignidade humana, justiça social, entre outros. Se não há uma priorização do ser humano e da vida sobre, principalmente, o lucro e a concorrência, estes devem estar, no mínimo, no mesmo parâmetro. Tema recorrente nas discussões que envolvem ética econômica e ética empresarial é a perspectiva de compatibilidade entre ética e lucro. Entende-se que existe plena compatibilidade e que além de serem compatíveis, devem ser analisados como complementares um da outro. O balanço de uma organização empresarial deve ter duas faces: o lucro e a ética. As instituições empresariais devem buscar uma interação entre esses dois conceitos. A ética empresarial ou ética dos negócios conforme esclarece a autora Adela Cortina [...] se concentra principalmente na concepção da empresa como uma organização econômica e como uma instituição social; isto é, como um tipo de organização que desenvolve uma atividade peculiar a qual tem por fundamento a função diretiva e o processo de tomada de decisões.28 (tradução nossa). Para parte do empresariado ainda não consciente, a ética que deve fazer parte da empresa é a do mínimo, bastando que se cumpra com o que determina a lei, seja do 27 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 44. Es indispensables que las distintas organizaciones se apresten a remoralizarla, a poner em forma sus peculiares actividades, ya que estamos en el tiempo de las responsabilidades y no solo de las exigências. 28 Idem, Ibid., p. 51. [...] se centra principalmente en la concepción de la empresa como una organización econômica y como una institución social; es decir, como un tipo de organización que desarolla uma peculiar atividad y en la que resulta fundamental la función directiva y el proceso de toma de decisiones. 24 ordenamento jurídico, seja as dominantes e respeitadas pelo mercado. A preocupação da organização empresarial é ganhar dinheiro, buscar o lucro, enquanto que o que diz respeito à responsabilidade social, os problemas sociais da comunidade em que a empresa está inserida é questão que cabe ao poder público que, na visão do gestor empresarial, ao arrecadar os tributos assume essa obrigação. Conforme se extrai da obra estudada, até que se iniciou todo o processo específico da modernidade, a atividade econômica estava ligada à ordem institucional tradicional (a família, a política e a religião). Com o capitalismo, entretanto, apresenta-se um novo modelo e a economia ganha uma nova força e integra-se à sociedade com grande força. Assim, se pôs em marcha uma enorme transformação, substituindo os modelos tradicionais, trazendo uma nova forma de ver o mundo e as instituições. Conforme expõe Adela Cortina: [...] ‗se converteu gradualmente no princípio básico da organização de toda a economia‘: e a partir daí impulsionou um processo de modernização e racionalização social, em cuja base se encontra a liberdade, porque o modo de produção capitalista necessitava de um espaço livre para as atividades econômicas. [...] O capitalismo foi uma inovação radical, a maior realização da humanidade em toda a sua história: uma cultura e uma civilização, ao mesmo tempo um sistema econômico, que se converteu em uma poderosa força econômica e social.29 (tradução nossa), (grifo do autor). Do capitalismo exige-se uma ética, pois lhe é destinado um enorme espaço de liberdade, sem contar que ao atuar eticamente as organizações empresariais reduzem o custo. Alguns benefícios têm sido alcançados pelo capitalismo: a) o mais alto nível de vida material: eficiência progressiva, crescimento econômico ―sustentável‖, revolução constante dos meios de produção de bens mediante economia de mercado como sistema competitivo que estimula a criatividade e favorece o bem-estar; b) a distribuição menos desigual da riqueza (segundo a curva de Kuznets: se o crescimento econômico perdura, há maior diminuição das desigualdades); c) mais liberdade e pluralismo, porque permite o pluralismo social e a efetiva distinção (repartição) dos 29 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 52. El capitalismo ‗se convirtió gradualmente en el principio básico de organización de toda la economía‘; y desde aí impulso un proceso de modernización y de racionalización social, en cuya base se encuentra la libertad, porque el modo de producción capitalista requeria un espacio libre para las actividades econômicas. El capitalismo fue una innovación radical, el mayor logro de la humanidad en toda su historia; una cultura y una civilizaición, al tiempo que un sistema econômico, em el que la razón se convirtió en una potente fuerza econômica y social. 25 poderes, com a conseqüente liberação da tirania.30 (tradução nossa). O chamado capitalismo democrático propicia oportunidade de solução de problemas. Possibilita que não haja a estagnação dos meios de produção em razão da inércia, tendo em vista que a competitividade incentiva a criatividade e assim tem por consequência uma melhor distribuição de renda. A princípio pode parecer que o capitalismo seja aparentemente carente de moralidade e que, segundo alguns críticos, não põe a econômica a serviço do homem, mas sim, serve-se dela para obtenção do maior lucro possível, constituindo-se a ganância em seu principal motivo instaurando o egoísmo como base na sua forma de atuar. No entanto, existem outras formas de se visualizar o capitalismo, conforme expõe a autora afirmando que: [...] há também uma concepção do capitalismo que não só o considera capaz de produzir riqueza e bem-estar, mas sim que insiste também em seu caráter moral, e é esta concepção a que foi se consolidando ultimamente, isto é, que propunha cada vez com mais força que a ética é um de seus pilares fundamentais.31 (tradução nossa). Estuda que o capitalismo tem seu desenvolvimento atrelado a alguma forma de sentido moral, mais ou menos aparente. Embora seu objetivo seja o lucro proveniente de suas atividades, embutido no modelo capitalista está também a busca pelo bem-estar. Como explicita Adela Cortina ―[...] a progressiva transformação ética do capitalismo e da empresa moderna tem produzido inegáveis frutos de progresso social.‖32, acrescentando que: [...] Nesse ‗capitalismo de rosto humano‘ o problema básico no é o que 30 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 64 a) el más alto nível de vida material: eficiência progresiva, crecimiento econômico ―sostenido‖, revolución constante de los medios de producción de bienes mediante la economia de mercado como sistema competitivo que estimula la creatividad y favorece el bienestar; b) la distribuición menos desigual de la riqueza (según la curva de Kuznets; si el crecimiento económico perdura, a larga disminuyien las desigualdades); c) más libertad y pluralismo, porque permite el pluralismo social y la efectiva distinción (reparto) de poderes, con la consiguiente liberación de la tirania. 31 Idem, Ibid., p. 55. [...] ha existido una concepción moral del capitalismo que no sólo le considera capaz de producir riqueza y bienestar, sino que insiste además en su carácter moral,y es esta concepción la que se ha consolidado ultimamente, es decir, la que propugna cada vez con más fuerza que la ética es uno de sus pilares fundamentales. 32 Idem, Ibid., p. 55. La progresiva transformación ética del capitalismo y de la empresa moderna há producido innegables frutos de progreso social. [...] En este ‗capitalismo de rostro humano‘ el problema básico no es el que deriva de los intereses contrapuestos entre el capital y el trabajo, de ahí que algunos piensen que en realidad la transformación del capitalismo acontecida nos situa más bien em una etapa de transición hacia un denominado ‗postcapialismo‘, algunos de cuyos caracteres indican que el capitalismo empresarial ha desejado de ser la fuente principal de la dominación. Por consiguinte, para estar a la altura de los tiempos, habrá que resituar la empresa en este nuevo contexto ético-económico y actuar en consecuencia. 26 deriva dos interesses contraditórios entre o capital e o trabalho, daí que alguns pensam que na realidade a transformação do capitalismo acontecida nos coloca em uma etapa de transação para um denominado ‗póscapitalismo‘, alguns cujas características indicam que o capitalismo empresarial desejou ser a fonte principal da dominação. Por conseguinte, para estar a altura dos tempos, terá de reposicionar a empresa nesse novo contexto ético-econômico e agir consequentemente. (tradução nossa). Entretanto, enquanto o ser humano não for capaz de produzir alternativas que se mostrem realmente eficazes, necessário que se fortaleça a ética dos modelos e mecanismo econômicos e que essa ética das organizações se materialize na maneira consequente de atuar das instituições. O interesse geral é pela escolha social e essa teoria (escolha social) tem como objeto tratar de que modo pensam os economistas sobre questões de justiça econômica e a busca de um fundamento para uma decisão justa de decisões alternativas com fundamento nos instrumentos apresentados pela economia. Nesse contexto houve uma preocupação em se conceber uma ‗justiça econômica‘ buscando alcançar um nível ético que possibilitasse boas escolhas. Conforme ensina Adela Cortina: Acreditava-se que através da teoria da escolha social seria possível aclarar o problema de uma racionalidade moral das escolhas coletivas e também explorar as condições de possibilidade de justiça social e da racionalidade moral para os fins sociais. [...] O objeto próprio da justiça econômica é a distribuição, não somente do dinheiro, mas também, dos benefícios e encargos gerados pela renda global da comunidade: isto é, a justiça econômica tem a ver com a distribuição social do bem-estar que produz a renda comunitária; entendendo-se por bem-estar o benefício que produz uma determinada renda, se satisfaz uma preferência.33 (tradução nossa). A distribuição, que simboliza a justiça econômica, quando não se realiza por falta de adequação do mercado para a escolha certa, tem-se a intervenção estatal na economia. A ordem estatal levantando os problemas define uma preferência social. O importante é definir as características que permitem considerar justo um critério adequado de justiça distributiva e ter-se, então, uma decisão socialmente válida. Nos parâmetros da obra estudada, essa distribuição que possibilita a justiça econômica 33 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 59. Se creia que a través de la teoria de la elección social seria posible aclarar el problema de una racionalidad moral de las elecciones colectivas y asimismo explorar las condiciones de posibilidad de la justicia social y de la racionalidad moral para los fines sociales. [...] El objeto próprio de la justicia econômica es la distribución, no solo del dinero, sino de los benefícios y cargas que genera la renta global de una comunidad; es decir, la justicia econômica tiene que ver con la distribución social del bienestar que produce la rena comunitária; entendiendo por bienestar el beneficio que produce una renta dada, si satisface una preferência. 27 já tem alguns seguidores, empresários considerados ―excelentes‖, que se importam, antes de tudo ter claros os fins, mais que as normas e os regulamentos, porque quem tem presentes os fins e sabe ordenar os objetivos intermediários em relação com eles, saberá adaptar aos novos meios que aparecem e imaginar outros novos. Pelo contrário, quem vive em um mundo totalmente regulado, de normas e regulamentos, quem só é capaz de utilizar meios já conhecidos, será incapaz de imaginar, de inovar, e, portanto, de alcançar melhor os fins que, em definitivo, dão sentido a toda escolha. Ter consciência dos fins que se persegue e habituarse a escolher e agir em relação com eles é a chave de uma ética das pessoas e das organizações, muito especialmente das empresas. Quando se cria projetos éticos, busca-se por meio deles a busca da satisfação plena, da felicidade e como expõe a autora: [...] por ‗felicidade‘ pode entender-se por bem-estar, uma vida o mais prazerosa possível, repleta de satisfação, ou bem o sucesso da perfeição, ou também a autorrealização, é dizer, alcançar aquelas metas que nos parecem justas e desejáveis, produzindo ou não esse sucesso, uma satisfação sentida.34 (tradução nossa). Todos buscam a felicidade, mas pode ocorrer das mais diferentes maneiras, em relação às organizações, expõe Adela Cortina: No que se refere às organizações, careceria de sentido entender-se de que seu fim seja a felicidade, porque felizes são as pessoas, não o coletivo. E convem ter cuidado nesse ponto, porque em um grupo aparentemente feliz a felicidade pode estar distribuída entre seus membros de forma bem desigual. A felicidade que importa, pois, é a de cada um de seus indivíduos e as organizações têm outro tipo de metas. Com efeito, cada organização tem uma meta pela qual busca todo seu sentido; daí seria mais importante averiguar qual é a sua meta, sua finalidade, e que seus membros se esforcem para alcançá-la, que estabeleçam um conjunto de regulamentos e normas: o sentido de suas atividades vem de seus fins e as regras só podem fixar-se tendo em conta os fins.35 (tradução nossa). 34 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 22. Por felicidad puede entenderse bienestar, una vida lo más placentera posible, repleta de satisfacciones sensibles, o bien el logro de la perfección, o también la autorrealización, es decir, alcanzar aquellas metas que nos parecen justas y descables, produzca o no ese logro una satisfacción sensible. 35 Idem, Ibid., p. 22. En lo que se refiere a las organizaciones, careceria de sentido empenãrse en que su fin sea la felicidad, porque felices son las personas, no los colectivos. Y conviene tener cuidado en ese punto, porque en un grupo aparentemente feliz la felicidad puede estar distribuída entre sus miembros de forma bien desigual. La felicidad que importa, pues, es la de cada uno de los indivíduos y las organizaciones tienem otro tipo de metas. Em efecto, cada organización tiene una meta por la que cobra todo su sentido: de ahí que sea más importante averiguar cuál es su meta, su finalidad, y que sus miembros se esfuercen por alcanzar-las, que diseñar un conjunto de regulamentos y normas: el sentido de las actividades viene de sus fines y las reglas solo pueden fijarse reniendo en cuenta los fines. 28 Para que ocorra essa justiça distributiva e consequentemente se atinja a felicidades dos membros internos e externos que se relacionem com as instituições, há necessidade de haver uma democratização das organizações, e isso significa tomas decisões pela maioria, não se entendendo como maioria somente os membros dos cargos diretivos, mas sim, todos os integrantes do grupo. Como já exposto neste trabalho, o fim das organizações é um fim social, entendendose que toda instituição desde a sua criação tem por finalidade proporcionar bens à sociedade em que está inserida. As empresas devem buscar o sentido de sua atividade própria, com reflexão séria sobre quais são os bens inerentes a essa atividade e quais as medidas a serem adotadas para atuar na direção da busca da satisfação de seus membros, residindo nesse ponto o principal foco de uma ética das organizações. Quando o empresário decide empenhar-se na criação de uma organização empresarial, antes de calcular o lucro que essa atividade poderá proporcionar, deve, em primeiro plano, analisar de que forma irá retribuir à sociedade que o acolheu e, também, quais os benefícios que essa atividade e a sua maneira de atuar irá contribuir para a satisfação dessa própria sociedade e dos membros internos e externos envolvidos em todo o processo de criação e atuação da instituição. Adela Cortina tem interessante posicionamento sobre o tema: Com efeito, toda organização desenvolve suas atividades em uma época determinada, e não pode nem deve ignorar, se quiser ser legítima, que na sociedade em que atua se alcançou um grau determinado de consciência moral, que se refere não só aos fins que se persegue, como também aos direitos que é preciso respeitar e que não pode atropelar com a desculpa de que constituem um obstáculo para seus fins. Em nosso tempo uma empresa está obrigada a respeitar o direito de seus membros e o dos consumidores e fornecedores, e não pode atropelar-los aduzindo que sua meta é buscar benefício econômico, expresso na conta de resultados.36 (tradução nossa). Assim sendo a obra37 que serve de base para o trabalho que se apresenta deixa a certeza de que o fim de toda empresa é buscar a satisfação das necessidades humanas e para 36 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 25. En efecto, toda organización desarrolla sus atividades en una época determinada, y no puede ni debe ignorar, si quiere ser legitima, que en la sociedad en la que actúa se há alcanzado um grado determinado de conciencia moral, que se refiere no tanto a los fines que se persiguen, como a los derechos que es preciso respetar y que no puede atropellar con la excusa de que constituyen un obstáculo para sus fines. A la altura de nuestro tiempo una empresa está obligada a respetar los derechos de sus miembros y los consumidores y proveedores, y no puede atropellarlos aduciendo que su meta es lograr un beneficio econômico, expresado en la cuenta de resultados. 37 Idem, Ibid. 29 isso tem que contar com a obtenção de benefícios, mas não pode satisfazer essas necessidades à custa de suprimir direitos de empregados, de consumidores ou de fornecedores. Toda organização empresarial há de ter uma legitimidade social, respeitando os direitos reconhecidos por essa sociedade. A organização empresarial para atuar com ética tem caminhar atrelada ao direito e reafirmar sempre o pacto social a que está moralmente vinculada, respeitando princípios como a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho humano e o princípio da busca do pleno emprego. 30 2 A ÉTICA DO DIREITO E A ORDEM JURIDICOECONÔMICA CONSTITUCIONAL DE 1988: PACTO SOCIAL PARA PROMOVER O TRABALHO HUMANO O que se extrai da obra que serve de base para o trabalho que se apresenta, é que é comum confundir-se direito com ética. No entanto, nem sempre os princípios que os norteiam estão em sintonia, sendo que, em determinados momentos a ética é vista como um claro desafio ao direito seja de forma implícita ou explícita. São dois tipos de conhecimento estritamente ligados entre si e que, em certas ocasiões se pensa que basta cumprir com o ordenamento jurídico vigente para estar se agindo de forma ética. Embora possam guardar inúmeras semelhanças e estejam, de certa forma, ligados entre si, podem ser analisados como complemento um do outro, no entanto não se identificam. Iniciando pelas semelhanças existentes entre ambos, reporta-se aos ensinamentos de Adela Cortina que são esclarecedores. Quanto às semelhanças podemos dizer que: 1) ambos são conhecimentos práticos que buscam orientar a conduta individual e institucional; 2) ambos se servem de normas para orientar a ação; no caso do direito, sempre, através de um ordenamento jurídico; no caso da ética, quando trata – como dissemos – de normas de justiça, não quando somente pretende ajudar a tomas boas decisões. O âmbito da ética é muito mais amplo que o das normas, mas também trata delas, que se assemelha ao direito. 3) Além disso, as semelhanças aumentam quando alguns éticos da corrente Kantiana, como é o caso dos representantes da ética discursiva, insistem que é tarefa da ética valer-se das normas e determinar quais são os procedimentos que nos garantam que uma norma é moralmente correta. As normas morais nascem nos diferentes campos da vida cotidiana e a ética é aquele conhecimento que busca decidir quais são os procedimentos racionais para decidir que uma norma é correta.38 (tradução nossa). Essas semelhanças estariam no sentido de que ambos têm como finalidade orientar as ações humanas seja em suas atividades individuais, sejam em suas atividades empresariais ou 38 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 47. Em lo que hace a las semejanzas podemos decir que: 1) ambos son saberes prácticos que intentan orientar la conducta individual e institucional; 2) ambos se sirven de normas para orientar la acción; en el caso del derecho, siempre, a traves de um ordenamiento jurídico; en el caso de la ética, cuando se ocupa –como dijimos – de normas de justicia, no quando sólo pretende ayudar a tomar buenas decisiones. El âmbito de la ética es bastante más amplio que el de las normas, pero también se ocupa de ellas, lo cual le asemeja al derecho. 3) A mayor abundamiento, las similitudes se acrecientan cuando algunos éticos de tradición Kantiana, como es el caso de los representantes de la ética discursiva, insisten em que es tarea de la ética ocuparse de las normas y determinar cuáles son los procedimientos que nos garantizan que una norma es moralmente correcta.las normas Morales nacen en los distintos campos de la vida cotidiana y la ética es aquel saber que trata de decirnos cuáles son los procedimientos racionales para decidir que una norma es correcta. 31 em sociedade, sempre guiados por normas, sendo as normas jurídicas mais restritas e as normas éticas mais amplas, mas, ambas reguladoras de atividades. Na obra, Adela Cortina além das semelhanças, apresenta também as diferenças entre ética e direito: Da diferença entre ética e direito tem se ocupado um grande número de autores, mas, para o que aqui nos importa, começaremos por relembrar: 1) que as normas jurídicas e as morais, como temos visto, não diferem muito pelo conteúdo, que em certas ocasiões pode ser o mesmo, por sua forma, ou seja: qual é sua origem, o que obriga a que seja cumprida, qual é o tipo de punição que pode receber pela transgressão, de quem cabe esperar o cumprimento; 2) As normas jurídicas são promulgadas pelos órgãos competentes pelo Estado e é ele quem está legitimado para exigir seu cumprimento mediante coação, tendo o poder de castigar aos transgressores; os cidadãos se vêem então, obrigados pelo Estado a agir de um modo determinado, se não quiserem receber as punições correspondentes. 39 (tradução nossa). A diferença situa-se na punição: no direito a coação que obriga ao cumprimento da lei é externa e qualquer transgressão vem acompanhada de uma punição predeterminada de cunho também externo. Na ética, quando o cidadão transgride uma norma ele próprio se sente culpado pela sua consciência através do remorso. Alguém pode até não concordar com uma norma que lhe é imposta pelo ordenamento jurídico, mas terá de cumpri-la com receio da punição. Moralmente, e aí se entende também a ética, para que o cidadão se sinta obrigado ao cumprimento precisa estar convencido de que é correta, pois a punição só vem da própria pessoa. Quanto à ética empresarial, os valores, os princípios e as atitudes são próprios de uma organização empresarial que a ela são incorporadas. Portanto, aquele cidadão que participa de uma instituição deve assumir o tipo de conduta padronizado por aquela empresa até para que possa buscar objetivos dentro da corporação. Nesse sentido escreve Adela Cortina: 1) quem exige uma forma determinada de comportamento, se traduz ou não 39 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 48. De las diferencias entre ética y derecho se há ocupado un gran número de autores, pero, para lo que aqui nos importa, empezaremos por recordar: 1) Que las normas jurídicas y las Morales, como hemos visto, no difieren tanto por el contenido, que en ocasiones puede ser el mismo, como por su forma, es decir: cuál es su origen, que obliga a cumplirlas, cuál es el tipo de sanción que puede recibirse por transgredirlas, de quién cabe esperar cumplimiento; 2) las normas jurídicas son promulgadas por los órganos competentes del Estado y es el quien está legitimado para exigir su cumplimiento mediante coacción teniendo el poder de castigar a los transgresores; los ciudadanos se saben entonces obligados por el Estado a obrar de un modo determinado, si no quieren recibir la sanción correspondiente. 32 em código de conduta, é a própria atividade empresarial e, portanto, a empresa entendida como organização. 2) quem participa das atividades e na organização empresarial são os destinatários dessas exigências. 3) tais destinatários deve responder pela satisfação ou não das exigências perante a sociedade pela qual a atividade empresarial está legitimada. Ainda convém relembrar que no caso da ética as punições não são legais, mas sim, morais. 4) e, por último, é daqueles que participam na atividade empresarial de quem se espera que atuem segundo as exigências morais.40 (tradução nossa) Ao analisar a complementação entre ética, moral e direito, prossegue a autora 1) As leis nem sempre protegem suficientemente todos os direitos que são reconhecidos por uma moral cívica ou por uma moral crítica. 2) As vezes exigem comportamentos que não se apresentam justos a quem está obrigados a ela. 3) As reformas de lei são lentas, e uma sociedade nem sempre pode esperar que uma forma de atuação esteja reconhecida em uma lei para considerá-la correta. Por isso muitas vezes a ética se antecipa ao direito. 4) Além disso, as leis não contemplam casos particulares que, no entanto, necessitam de orientação. 5) Um bom número de empresários pensa que mais vale não ter que se ver julgado por descumprimento e que, nesse sentido, uma conduta eticamente correta pode evitar um infração legal e o correspondente julgamento. 6) Por último, ―juridificar‖ é um tipo de procedimento próprio das sociedades com pouca liberdade, enquanto que nas sociedades mais livres a necessidade de regulamentação legal é menor porque os cidadãos já agem corretamente. Podemos dizer então, que a ética é rentável, entre outras coisas, porque agir corretamente evita gastar com direito, isto é, em leis, julgamentos e punições.41 (tradução nossa). Nesse entendimento, as leis não são suficientes para abranger todos os direitos que são inerentes à moral cívica. O direito tem a característica de impor tipos de atuação a quem muitas vezes não está preparado para aceitá-las, e sem levar em consideração que a sociedade 40 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p.49. 1) Quien exige una forma determinada de comportamiento, se plasme o no en códigos de conducta, es la actividad empresarial misma y, por tanto, la empresa entendida como organización. 2) Quienes participan en la actividad y en la organización empresarial son los destinatarios de esas exigências. 3) Tales destinatários deben responder de la satisfacción o no de las exigencias ante la sociedad por la que la actividad empresarial queda legitimada. Aunque conviene recordar que en el caso de la ética las sanciones no son legales, sino, morales. 4) Y, por último, es de aquello que participan em la actividad empresarial de quienes se espera que actúen según las exigências morales. 41 Idem, Ibid., p. 49-50. 1) La leyes no siempre protegen suficientemente todos los derechos que son reconocidos por una moral cívica o por una ética crítica. 2) A veces exigen comportamientos que no parecen justos a quienes se saben obligados or ellas. 3) Las reformas legales son lentas y una sociedad no siempre puede esperar que una forma de actuación esté recogida em una ley para considerarla correcta. Por eso muchas veces la ética se anticipa al derecho. 4) por outra parte, las leyes no conteplan casos particulares que, sin embargo, requieren uma orientación. 5) buen número de empresários piensa que más vale no tener verse juzgado legalmente por incumplimiento y que, em ese sentido, una conducta éticamente correcta puede evitar uma infracción legal y el correspondiente juicio. 6) Por último, ―juridificar‖ s un tipo de acción próprio de sociedades con escasa libertad, mientras que em las sociedades más libres la necesidade de la regulación legal es menor porque los ciudadanos ya actúan correctamente. Podemos decir entonces que la ética es rentable, entre otras cosas, porque actuar correctamente ahora gastar en derecho, es decir, em leyes, juícios e sanciones. 33 caminha cada vez mais rápida movida pela globalização e pelos avanços tecnológicos, enquanto que a elaboração de lei para regulamentar esse caminhar da sociedade em evolução, em especial da atividade empresarial, não tem a mesma velocidade, tendo por consequência que a sociedade e os cidadãos têm que se valer da ética. Contempla que o direito ao regulamentar determinada situação, editando normas de comportamento e possíveis sanções a quem infringi-las, o faz de maneira geral ou para um grupo específico, não levando em consideração as particularidades do caso concreto individual. Por final, quando se atua eticamente, menos se necessita da regulamentação do direito, porque os cidadãos agem de forma correta e assim, economiza-se, pois não há necessidade de se gastar com criação de leis, a sua colocação em vigência e o mais caro, com as punições. Dentre as situações que compete ao direito regulamentar, pois somente a ética não seria suficiente, tem-se o legislador positivando o modelo de ordem econômica. Para a iniciativa privada, estabelece a forma de atuar reconhecendo direitos como os da livre iniciativa e livre concorrência, mas também impondo obrigações, como entre outros, a valorização do trabalho humano, a busca do pleno emprego e a responsabilidade social. Nesse contexto, da relação ética e direito, tem o Estado o poder de intervenção quando os resultados da ordem econômica não atingem o objetivo maior que é a justiça social. 2.1 ORDEM JURÍDICAECONÔMICA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Há diferentes definições para o que se denomina ordem econômica inserida no texto constitucional brasileiro. Moreira explica a ordem econômica brasileira em três sentidos: - em um primeiro sentido, ‗ordem econômica‘ é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato (é conceito do mundo do ser, portanto); o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou a normas reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fenômenos econômicos e matérias, ou seja, relação entre fatores econômicos concretos; conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como fato; - em um segundo sentido, ‗ordem econômica‘ é expressão que designa o conjunto de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc.), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica; - em um terceiro sentido, ‗ordem econômica‘ significa ordem jurídica da 34 economia42. O ordenamento jurídico brasileiro incorporou a ética capitalista que deverá adaptar-se aos pressupostos de um Estado Social, da oportunidade para todos, tanto no campo econômico quanto social. Desta forma acredita-se será possível viver um conceito material de justiça social. A positivação em nível constitucional de uma ordem jurídicoeconômico é de extrema relevância face a hierarquia da Constituição na pirâmide normativa. No Brasil, a partir de 05 de outubro de 1988, com a promulgação da CF/88, instaura-se um Estado que deve intervir para que os agentes econômicos e os governos viabilizem este capitalismo social. As diretrizes que obrigatoriamente devem nortear o domínio econômico estão previstos de modo concentrado, no capítulo VII, artigos 170 a 192, objetivando disciplinar as atividades econômicas oferecendo ferramentas para controle dessa atividade. Fica devidamente demonstrado que o legislador optou pelo capitalismo social, as diretrizes deixam claro essa opção, como já mencionado na CF/88 em seu artigo 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.43 O jurista Grau em análise ao artigo mencionado conceitua que: [...] neste art. 170 a expressão [ordem econômica ] é usada não para conotar o sentido que supunha nele divisar (isto é, sentido normativo), mas sim para indicar o modo de ser da economia brasileira, a articulação do econômico, como fato, entre nós (isto é, ‗ordem econômica‘ como conjunto das relações 42 MOREIRA, Vital In: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 38. 43 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008, art. 170. 35 econômicas). [...] cumpre neles identificar, pois, os princípios que conformam a interpretação de que se cuida [se referindo à interpretação da ordem econômica].44 Percebe-se a preocupação do legislador, embora dentro de um modelo econômico capitalista, em fazer inserir no texto constitucional normas éticas, entendendo-se como éticas as normas de alcance social, de conduta das empresas, pois insere textualmente a opção pela existência digna dentro dos ditames da justiça. Como princípios destacam-se a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e a valorização do trabalho. O modelo econômico brasileiro traz características próprias, onde se buscou um capitalismo que fosse autônomo, que não dependesse de forma extrema do capitalismo mundial. Interessante os ensinamentos de Silva: [...] se formos ao rigor dos conceitos, teremos que concluir que, a partir da Constituição de 1988, a ordem econômica brasileira, ainda de natureza periférica, terá de empreender ruptura de sua dependência em relação aos centros capitalistas desenvolvidos. Essa é uma tarefa que a constituinte, em última análise, confiou à burguesia nacional, na medida em que constitucionalizou uma ordem econômica de base capitalista. Vale dizer, o constituinte de 1988 não rompeu com o sistema capitalista, mas quis que se formasse um capitalismo nacional autônomo, isto é, não dependente. Com isso, a Constituição criou as condições jurídicas fundamentais para a adoção do desenvolvimento autocentrado, nacional e popular, que, não sendo sinônimo de isolamento ou autarquização econômica, possibilita marchar para um sistema econômico desenvolvido, em que a burguesia local e seu Estado tenham o domínio da reprodução da força de trabalho, da centralização do excedente da produção, do mercado e a capacidade de competir no mercado mundial, dos recursos naturais e, enfim, da tecnologia.45 O texto constitucional vigente não rompeu explicitamente com o capitalismo tradicional, no entanto, criou um modelo próprio, onde há a prevalência da livre iniciativa e livre concorrência, sem, entretanto, deixar determinado que é direito de todos a vida digna, a valorização do trabalho humano, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego, entre outros. Não esqueceu o legislador de procedimentos éticos que devem fundamentar a atuação empresarial. Como assevera Adela Cortina ―[...] a história tem mostrado que se o modelo capitalista se completa com uma ética social, que inspire um quadro social e político, pode se transformar em uma ―economia social 44 45 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 40. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 87. 36 de mercado‖ que conserva a aquisição moderna de liberdade e da subjetividade.‖ 46 (tradução nossa). Incorporada na CF/88 a ordem econômica brasileira traz como fundamentos a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa voltada toda ação para a justiça social. Adotou-se o sistema capitalista de produção, mas, no entanto, preservaram-se valores e princípios constitucionais, que no ensinamento de Carvalho ―[...] trazem em sua expressão valores fundamentais concebidos pela política e inseridos no ordenamento jurídico, que são inatingíveis por comportamentos presentes nas relações econômicas.‖47 Pelo caput do artigo 170 da CF/88 entende-se que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos os cidadãos uma vida digna e assim, a atividade econômica deverá caminhar sempre no intuito e com objetivo de alcançar a justiça social. Tem o dever de servir a toda a coletividade e não somente o Estado. Relevante o ensinamento de Silva Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria.48 Com a globalização a economia ganhou importância ainda maior e os Estados diante da necessidade imperiosa passaram a destinar capítulos especiais de sua Carta Maior a esse tema, surgindo daí, o que os juristas denominam de Constituição Econômica. Como constituição econômica entende-se a competência, dentro do texto legal, para definir as ações essenciais dentro desse campo de ação, tanto da atividade privada como da atividade do Estado. Determina para o particular e o público o que pode e o que não pode ser posto em prática dentro de uma ordem jurídicaeconômica. Esse novo modelo capitalismo é o que se denomina de capitalismo ético. O processo de globalização que extinguiram as barreiras antes quase instransponíveis e possibilitaram o surgimento e concretização de um capitalismo ético, pois, conforme expõe Adela Cortina: [...] o principal motivo consiste na obtenção [pelo capitalismo] do maior lucro possível e também pressupõe uma visão do homem como homo oeconomicus, que no fundo instaura o egoísmo como base antropológica e 46 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 62. La historia ha mostrado que si el modelo capitalista se completa com una ética social, que inspire un marco social y político, puede transformarse en una ‗economía social de mercado‘, que conservela adquisición moderna de la libertad y la subjetividad. 47 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 8. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 40 48 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 39. 37 moral do sistema.49 (tradução nossa). Por outro lado, segue a doutrinadora: Não obstante, há também uma concepção do capitalismo que não só o considera capaz de produzir riqueza e bem-estar, mas sim que insiste também em seu caráter moral, e é esta concepção a que foi se consolidando ultimamente, isto é, que propunha cada vez com mais força que a ética é um de seus pilares fundamentais.50 (tradução nossa). Percebe-se que a ordem econômica se caracteriza pela livre iniciativa com liberdade de produção, mas, com a possibilidade de participação do Estado também como agente econômico, em situações especiais como no caso do artigo 173 da CF/88. Para melhor esclarecer constituição econômica no sistema constitucional brasileiro, importante as colocações de Bercovici definindo que: [...] a constituição econômica vincula o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário à promoção de políticas públicas econômicas. [...] Tal função se ajusta ao objetivo de uma Constituição diretiva que se propõe a transformar o Estado e a sociedade, reduzindo as desigualdades, assegurando o bem-estar da população, estabelecendo uma democracia econômica e social, efetivando direitos econômicos e sociais e modificando uma ordem econômica e social injusta e desigual. Assim, é uma Constituição diretiva: mais do que simples instrumento de governo, enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade.‖51 O trabalho humano e a livre iniciativa com a CF/88 passaram a ser fundamentos da ordem econômica brasileira e nos termos do art. 170 da Carta Magna formam a base e orientam na construção e aplicação de políticas públicas. Busca-se através dessa fundamentação uma chamada democracia econômica procurando erradicar a pobreza e diminuir a desigualdade social e regional, instituindo-se a justiça social. A ideia de relação entre economia, que de inicio tem-se a como sinônimo de busca do lucro, e princípios fundamentais inerentes ao ser humano, repita-se, encontra-se devidamente 49 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 62. El móvil fundamental consiste en la obtención de la mayor ganância posible y además presupone una visión del hombre como homo oeconomicus, que en fondo instaura el egoísmo como base antropológica y moral del sistema. 50 Idem, Ibid., p. 55. No obstante, también há existido una concepción moral del capitalismo que no sólo le considera capaz de producir riqueza y bienestar, sino que insiste además em su carácter moral, y esta concepción la que se ha ido consolidando últimamente, es decir, la que propugna cada vez con más fuerza que la ética es uno de sus pilares fundamentais. 51 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 88. 38 caracterizado no texto constitucional do Brasil. A propósito confira-se o artigo do professor Correa: O próprio texto constitucional incorpora essa preocupação ao apresentar uma pauta de relações entre a economia (e a idéia de lucro) e diversos outros princípios, tais como: a soberania nacional; a propriedade privada; a função social da propriedade; a livre concorrência; a defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente; a redução das desigualdades regionais e sociais; a busca do pleno emprego; [...]. Com isso não se quer ceder à tentação de dizer o absurdo de que a economia de nada vale para o empreendedorismo humano. [...]. Se a economia é indispensável, deve-se admitir que sua prática não está dissociada de outras práticas (sócio-culturais, éticas, políticas, jurídicas, costumeiras...), e, nesse sentido, deve adequar-se para que convirja em fins com as demais que a circundam.52 Esse modelo denominado capitalismo social propiciou uma grande mudança no mundo empresarial e no entender de Adela Cortina: [...] se converteu gradualmente no princípio básico da organização de toda a economia: e a partir daí impulsionou um processo de modernização e racionalização social, em cuja base se encontra a liberdade, porque o modo de produção capitalista necessitava de um espaço livre para as atividades econômicas.53 (tradução nossa). A promulgação em 05 de outubro de 1988 da Constituição Federal Brasileira, caracterizou-se como um divisor de águas do sistema econômico brasileiro. Com o capitalismo voltado para a busca da justiça social, os direitos sociais e humanos, antes esquecidos, foram encampados e reconhecidos como prioridade. Tem-se o capitalismo, mas com atuação de normatização e regulamentação por parte do Estado. A ordem econômica vem alicerçada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Essa liberdade vem atrelada a um compromisso com a justiça social. Essa limitação imposta pela busca do princípio da justiça social é responsabilidade de um Estado intervencionista que tem a obrigação de fiscalizar, objetivando sempre o bem-estar social. A ordem econômica tem a sua direção, mas, no entanto, não pode perder de vista a sua função social. 52 CORREA, Leonildo. Disponível em <http://www.leonildocorrea.adv.br/texto27.htm>. Acesso em: 15 abr. 2010. 53 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 32. ―se convirtió gradualmente en el principio básico de organización de toda la economia‖ y desde ahí impulso un proceso de modernización social, en cuya base se encuentra la libertad, porque el modo de producción capitalista requeria un espacio libre para las actividades econômicas. 39 2.1.1 Princípio da Livre Iniciativa e os Limites da Ordem Econômica O princípio da livre iniciativa é fundamento da ordem econômica brasileira, pois atribui à iniciativa privada o principal papel na produção, circulação e manutenção de bens e/ou serviços. Ao Estado cabe uma função ―secundária‖, já que a sua atuação direta se da apenas quando diz respeito à segurança nacional ou matéria de relevante interesse econômico. A livre iniciativa é assim, a base do modelo econômico brasileiro e tem uma colocação interessante por parte de Ferraz Junior: Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade econômica, aceitando sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao fracasso a uma ‗estabilidade‘ supostamente certa e eficiente. Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada nas atividades das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. Isto não significa, porem, uma ordem do ‗laissez faire‘ posto que a livre iniciativa se conjuga com a valorização do trabalho humano.54 A CF/88 é considerada por muitos como o ponto que marcou a institucionalização, no Brasil, dos direitos humanos, pois proporcionou a introdução e expansão dos direitos sociais, colocando o Estado como intervencionista visando sempre o bem estar social, como escreve Piovesan ao ensinar que ―[...] o sistema constitucional de 1988 traz o delineamento de um Estado intervencionista, voltado ao bem-estar social na medida em que reforça a ideia de que a participação estatal é imprescindível [...] em especial no campo social.‖55 O princípio da livre iniciativa, como qualquer outro princípio, não pode ser considerado absoluto como ensina Silva: No entanto, como qualquer princípio, a livre iniciativa não pode ser considerada absoluta uma vez que há restrições que a própria ordem econômica, refletida em lei, impõe sobre ela, como por exemplo, quando há exigência legal para a obtenção de autorização para o exercício de determinada atividade econômica, como é o caso dos bancos comerciais e sociedades seguradoras, que precisam obter autorização do Banco Central do Brasil e da Superintendência de Seguros Privados, respectivamente para 54 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Congelamento de preços: tabelamentos oficiais. Revista de Direito Público, n. 91, 1989, p. 77. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_14/DIALOGO-JURIDICO14-JUNHO-AGOSTO-2002-LUIS-ROBERTO-BARROSO.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2010. 55 PIOVESAN, Flávia. A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 45, p. 216-236 out./dez. 2003. 40 funcionarem.56 Tendo um sistema econômico híbrido, o Estado tem papel de fiscalizar, incentivar e planejar a atividade econômica, agindo sempre no intuito de evitar e sanar irregularidade. É caso de intervenção do Estado na economia devidamente autorizada pela lei. Na concepção de Bastos a livre iniciativa é: [...] uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa.57 Muito mais que um princípio estritamente econômico, o princípio da livre iniciativa como ensina Ferraz Junior é um atributo inalienável do ser humano: [...] Particularmente a afirmação da livre iniciativa, que mais de perto nos interessa neste passo, ao ser estabelecida como fundamento, aponta para uma ordem econômica reconhecida então como contingente. Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade econômica, aceitando a sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao fracasso a uma ‗estabilidade‘ supostamente certa e eficiente. Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade das pessoas e dos grupos e não na atividade do Estado. [...] Na iniciativa, em termos de liberdade negativa, da ausência de impedimentos e da expansão da própria criatividade. Não há, pois, propriamente, um sentido absoluto e ilimitado na livre iniciativa, que por isso não exclui a atividade normativa e reguladora do Estado. Mas há ilimitação no sentido de principiar a atividade econômica, de espontaneidade humana na produção de algo novo, de começar algo que não estava antes.58 Esse princípio possibilita que o empresário tenha liberdade ampla de decidir o que deve produzir, como deve produzir, a quantidade a produzir e determinar a forma de vender 56 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2000, p. 102. 57 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coment.). Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988: arts. 170- a 192. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 7, p. 72. 58 FERRAZ JUNIOR apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 232. 41 esses produtos e/ou serviços. No entanto, não pode, segundo ditames constitucionais, ser exercida de maneira absoluta, sem controle. A liberdade é a regra e a intervenção do Estado a exceção. Merece destaque a interação que faz Moreira Neto entre os princípios dentro da ordem econômica brasileira: O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função social da empresa; o princípio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de competição, moderam-se com o da repressão do abuso do poder econômico; o princípio da liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do trabalho e da harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; e, finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se com o princípio da função social da propriedade59. A livre exploração deve respeitar os princípios sociais, o que faz com que o princípio da livre iniciativa deva ser analisado em sentido amplo como ensina Silva: A evolução das relações de produção e a necessidade de propiciar melhores condições de vida aos trabalhadores, bem como o mau uso dessa liberdade e a falácia da ‗harmonia natural dos interesses‘ do Estado liberal, fizeram surgir mecanismos de condicionamento da iniciativa privada, em busca da realização de justiça social, de sorte que o texto supra transcrito do art. 170, parágrafo único, sujeito aos ditames da lei, há de ser entendido no contexto de uma Constituição preocupada com a justiça social e com o bem-estar coletivo.60 Atuar com liberdade valendo-se do princípio da livre iniciativa, não significa que o empresário que está à frente das instituições tenha como objetivo única e exclusivamente a busca do lucro e o sucesso cada vez maior de suas empresas. Deve a empresa visar o bem comum da coletividade em que está inserida. Não se pode conceber que o sistema econômico esteja vinculado estritamente ao que se denominou capitalismo selvagem. Toda essa liberdade deve vir acompanhada de uma nova ordem moral, mudando-se os paradigmas o que só será possível quando estiver consolidada a justiça social. Essa justiça social só será alcançada com um procedimento ético das instituições e, nesse aspecto, 59 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, 1989, p. 28 apud BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: CAJ Centro de Atualização Jurídica, n. 14, jun./ago. 2002, p. 6-7. Disponível em: <www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 7 fev. 2011. 60 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 90. 42 importante as colocações de Passos: Assim, para se introduzir ou reforçar a ética empresarial, a empresa precisa rever a relação que estabeleceu entre meios e fins, colocando o ser humano como o centro de tudo; eleger a ética como parte do negócio; estabelecer novas relações entre os bens públicos e privados, assumindo que é seu dever, pelo poder que possuem, participar da construção de uma sociedade com mais justiça social.61 Esse sistema de liberdade aparentemente ilimitada tem que ser complementada com uma legislação estatal e uma atuação confiável da justiça, que tem que proteger a cada membro da sociedade diante das injustiças e da opressão. Tanto isso é verdade que o legislador fez constar do texto constitucional o princípio da livre concorrência – paralelo ao princípio da livre iniciativa - que faz com que todos possam agir livremente desde que suas atuações estejam dentro dos limites legais, proibindo o Estado qualquer maneira de agir que não respeite o texto legal. Traçando um perfil entre livre iniciativa e livre concorrência, Silva ensina que esses dispositivos caminham paralelamente, vez que se completam: A livre concorrência está configurada no art. 170, IV, como um dos princípios da ordem econômica. Ele é uma manifestação da liberdade de iniciativa e, para garanti-la, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira antissocial. Cabe, então, ao Estado coibir este abuso.62 Quando se detecta que determinada empresa está concorrendo deslealmente, evidenciando atuação contrária ao preconizado pelo texto constitucional, O Estado está legitimado a proceder a repreensão aplicando as sanções legais. Os princípios fundamentais devem ser sempre respeitados diante dos princípios regulados pelo artigo 170 da CF/88. O Estado deve estar atento para que não haja supressão dos mesmos. Ferraz Junior descreve sobre o tema: 61 62 PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 15. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 88. 43 Em conseqüência, deve se dizer, portanto, que o sentido do papel do Estado como agente normativo e regulador está delimitado, negativamente, pela livre iniciativa que não pode ser suprimida. O Estado, ao agir, tem o dever de omitir a sua supressão. Positivamente, os limites das funções de fiscalização, estímulo e planejamento estão nos princípios da ordem, que são a sua condições de possibilidade. O primeiro delas é a soberania nacional. Nada fora do pacto constituinte. Nenhuma vontade pode se impor fora do pacto constitucional, nem mesmo em nome de alguma racionalidade da eficiência externa e tirânica. O segundo é a propriedade privada, condição inerente à livre iniciativa. O terceiro é a função social da propriedade, que tem a ver com a valorização do trabalho humano e confere o conteúdo positivo da liberdade de iniciativa [...].63 A intervenção do Estado se faz necessária, pois a função social e a responsabilidade social são valores inquestionáveis do ordenamento jurídico. Assim, impede-se o uso irrestrito da liberdade ao atuar na atividade com conteúdo econômico e admitida a livre iniciativa, mas não como valor absoluto, pois quando houver desigualdade e causar, por exemplo, o desemprego, isso deve ser evitado pelo Estado por meio do seu poder intervencionista garantido constitucionalmente. Oportuno os ensinamentos de Nunes quando ao escrever sobre a livre iniciativa e o consumo, afirma: É verdade que a livre iniciativa está garantida. Porém, a leitura do texto constitucional define que: a) o mercado de consumo aberto à exploração não pertence ao explorador; ele é da sociedade e em função dela, de seu benefício, é que se permite sua exploração; b) como decorrência disso, o explorador tem responsabilidades a saldar no ato exploratório; tal ato não pode ser espoliativo; c) se lucro é uma decorrência lógica e natural da exploração permitida, não pode ser ilimitado; encontrará resistência e terá de ser refreado toda vez que puder causar dano ao mercado e à sociedade; d) excetuando os casos de monopólio do Estado (p.ex. do art. 177), o monopólio, o oligopólio e quaisquer outras práticas tendentes à dominação do mercado são proibidos; e) o lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do empreendedor. Ele escolheu arriscar-se: não pode repassar esse ônus para o consumidor.64 Com esse modelo econômico e mais que isso, com esse pensamento econômico, as empresas têm que se posicionar de forma a mudar, para melhor, a sociedade em que está inserida, agindo de forma ética e com responsabilidade social. A livre iniciativa associada a ideia de uma justiça social forma a concepção de 63 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Congelamento de preços: tabelamentos oficiais. Revista de Direito Público, n. 91, 1989, p. 77. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_14/DIALOGO-JURIDICO14-JUNHO-AGOSTO-2002-LUIS-ROBERTO-BARROSO.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2010. 64 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 66. 44 existência digna estabelecida na CF/88 em seu artigo 170 e incisos. Não é concebível a busca desenfreada e incessante pelo lucro sem que as instituições participem ativamente de uma distribuição nem tanto de renda, mas acima de tudo de valores. Se a justiça social pode ser concebida como o modo de vida em que todos os cidadãos de uma determinada sociedade podem contar com o básico para satisfação de suas necessidades básicas, cabe às empresas agindo de forma ética e responsável, assumir o seu ônus, por exemplo, em relação ao ex-presidiário e possibilitar que tenha uma vida digna e assim evitar que volte à deliquência diminuindo a violência, voltando, inclusive a participar da cadeira produtiva e consumidora. O artigo 170 da CF/88 ao determinar que a ordem econômica é fundamentada na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano tendo por objetivo a existência digna de todos, mostra um modelo econômico que toda empresa que se predispõe a exercer uma atividade econômica tem necessariamente que seguir, sob pena de não ter garantida a proteção constitucional. 2.1.2 Dignidade e Justiça Social Como Fins da Ordem Jurídicoeconômica Brasileira Dentre os direitos fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana é com certeza aquele que melhor desafia os estudiosos do direito para um conceito que seja abrangente e que traduza a grandeza e dimensão desse princípio constitucional. Quanto à sua dimensão tem-se que a dignidade nasce com o ser humano e o acompanha por toda a existência. A ela não cabe renúncia nem alienação e está sempre em evolução, cabendo ao Estado acompanhar o ciclo e implementar meios de sua concretização efetiva. O Estado deve reconhecer a dignidade em todo ser humano e, individualmente, assegurar direitos que o resguarde de todo e qualquer ato que possa interferir de forma degradante. Ainda compete garantir as condições mínimas para uma vida digna e saudável, além de assegurar e promover a participação social com os seus pares. propiciando que valorize a existência e se seja corresponsável pelo seu destino. Por essa perspectiva, se a dignidade humana é própria do ser humano e com ele nasce desempenhando função de extrema importância na vida econômica e social e quando o Estado usa o seu poder de intervenção para regular a economia deve sempre observá-la, pois as instituições mesmo dotadas da prerrogativa da livre iniciativa devem possibilitar que os indivíduos que compõe o núcleo social em que está inserida, tenham, no mínimo, uma vida 45 digna, pois, ainda, com muita propriedade, segundo Sarlet Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para sua existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem jurídicoconstitucional a concepção de homemobjeto (ou homeminstrumento), com todas as consequências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, não possa ser, por sua vez, exclusivamente formulada no sentido negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.65 Sendo considerada a dignidade da pessoa humana como direito fundamental e, portanto, tendo influência em todo o ordenamento jurídico, não poderia ser diferente quando se trata da ordem econômica. O art. 170 da CF/88 traz estabelecido que a ordem econômica tem por fundamento a valorização do trabalho humano assegurando a todo cidadão o direito a uma existência digna. O Estado quando intervêm na economia deve sempre levar em consideração o principio da dignidade humana como um bem a ser preservado. Expõe Silva ―[...] que a dignidade humana se encontra no epicentro da ordem jurídica brasileira, tendo em vista que concebe a valorização da pessoa humana como sendo razão fundamental para a estrutura de organização do Estado e para o direito.‖66 O princípio da dignidade humana transcendendo a qualquer outro princípio constitucional tem prioridade na aplicação do direito. Assim ensina Petter: Quando a Constituição Federal identifica a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, que se estrutura como um Estado Democrático de Direito, fácil notar que sua importância transcende aos próprios princípios constitucionais, pois a dignidade, sendo o fundamento mais solidamente alicerçado em nossas estruturas, imanta, por assim dizer, todos os aspectos culturais da vida em sociedade e, de um modo muito especial, o Direito.67 65 SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 3ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 23. 66 SILVA, José A. da. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 146. 67 PETTER, Josué Lafayete, Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 172. 46 A abrangência do princípio da dignidade humana é de tal lastro que constitui critério para interpretação constitucional quando, principalmente, o judiciário se encontra diante de situações atípicas relativas a pretensões individuais de ordem constitucional. Deve-se buscar nesse princípio a solução para embasar um direito a ser concedido. O princípio da dignidade humana é importante, pois passa, necessariamente, pela questão econômica, já que exige um mínimo de condições materiais para que se possa reconhecer uma existência digna. Não há dignidade humana e consequentemente justiça social sem uma alimentação saudável, uma saúde consistente, uma educação no mínimo básica e como afirma Fonseca ―[...] um regime de justiça social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política.‖68 Nesse sentido, enfoca-se o estudo de Bulos quando menciona que, [...] este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço da integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser pensar e criar etc) e materiais (trabalho, renda mínima, saúde, moradia, educação etc). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão69. (grifo do autor). Consagra-se o princípio da dignidade humana como valor supremo dentro do ordenamento jurídico brasileiro e nele reside todo o fundamento da República Federativa do Brasil e como leciona Godinho, ―[...] trata-se de princípio próprio, núcleo do sistema constitucional do país e núcleo de todo o sistema jurídico, político e social.‖70 Partindo-se do principio de que justiça social só se realiza com uma existência digna, importante os ensinamentos de Ferraz Junior: Existência digna, conforme os ditames da justiça social, como vimos, não é um bem subjetivo e individual, mas de todos, que não admite miséria nem 68 FONSECA, Maria Helena Ferreira. O princípio da dignidade da pessoa humana e os princípios da ordem econômica: viabilidade de conformação dos agentes econômicos pela economia de comunhão. 2004. 85 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade de Direito de Curitiba, Curitiba, 2004. 69 BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constituicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 34 70 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Del Rey: Livraria Jurídica. São Paulo, 2008, p. 23. 47 marginalização em parte alguma e distribui o bem-estar e o desenvolvimento com eqüidade. Protege, não privilegia. É fraternidade e ausência de discriminação. Não se mede por um absoluto, mas é, conforme certos limites de possibilidade estabelecidos, um sentido de orientação para não excluir ninguém. Assegurar, como fim da Ordem, é velar para que não ocorram impedimentos na realização de valores.71 A ordem econômica da forma como se encontra inserida no texto constitucional brasileiro, valoriza o ser humano e a existência digna seguindo sempre os ditames da justiça social acima de qualquer outro princípio. Contempla Petter: Essa assertiva fica bem mais esclarecida, quando tomada em consideração à finalidade da ordem econômica, que deve estar direcionada à potencialização do homem, seja em sua dignidade existencial, seja na substantivação das qualidades que o singularizam – humanidade – mais bem percebida no quadrante solidarista e fraternal da justiça social. [...]. Com o capitalismo em alta passaram surgir desigualdades que afetaram essa relação, criando um distanciamento, sendo então necessária uma readequação dos parâmetros para que pudesse surgir o equilíbrio, que se percebeu imprescindível para um desenvolvimento econômico saudável sem necessidade de sacrifício de uma das partes.72 Para o alcance desse princípio é necessário que haja uma justiça econômica, conforme a exposição de Adela Cortina: O objeto próprio da justiça econômica é a distribuição, não somente do dinheiro, mas também, dos benefícios e encargos gerados pela renda global da comunidade: isto é, a justiça econômica tem a ver com a distribuição social do bem-estar que produz a renda comunitária; entendendo-se por bemestar o benefício que produz uma determinada renda, se satisfaz uma preferência.73 (tradução nossa). Correta a exposição de Passos quando afirma que para as instituições ―[...] o ser humano deve ser seu valor maior, seja ele parte da estrutura interna – gerentes, funcionários, demais pessoas relacionadas à equipe de trabalho -, ou sua clientela externa – parceiros e 71 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; DINIZ, Maria Helena (e outros). Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São Paulo: Atlas, 1989, p. 102. 72 PETTER, Josué Lafayete. Principios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 154 73 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 59. El objeto próprio de la justicia econômica es la distribuición, no sólo del dinero, sino de los benefícios y cargas que genera la renta global de una comunidad; es decir, la justicia econômica tiene que ver con la distribuición social del bienestar que produce la renta comunitária; entendiendo por bienestar el beneficio que produce una renta dada, si satisface una preferecia. 48 clientes em geral, assim como toda sociedade.‖74 A comunidade necessita visualizar nas organizações empresariais que estas têm o individuo como o mais importante em todo o processo. Quando se disserta sobre justiça social, significa entender que toda a ação dos órgãos estatais precisam pautar-se na efetivação desse princípio. Assim, toda diretriz estatal quando tratar-se de matéria econômica deve ter por objetivo ser socialmente justa. Qualquer confronto a esse princípio caracteriza-se como violação às normas constitucionais e assim, são inconstitucionais. Merece apresentação a exposição de Bandeira de Mello Tal qual ocorre em relação a todo princípio expresso na Constituição, a violação ao Princípio da Justiça social constitui ofensa não apenas a um mandamento obrigatório, mas a todo um sistema de comandos. Contudo, uma vez que o Princípio da Justiça social capta a partir dos próprios fins perseguidos pelo Estado brasileiro e de determinados direitos fundamentais do ser humano, violá-lo representa uma das mais graves formas de inconstitucionalidade. Isso porque tal modalidade de inconstitucionalidade atenta contra todo o cerne do sistema constitucional brasileiro face à subversão dos seus valores cardeais e a corrosão da sua estrutura mestra.75 Não se concebe o princípio da dignidade humana em um sentido estritamente particular. Transcende a particularidade para alcançar a esfera social. Escreve Delgado: [...] a ideia de dignidade não se reduz, hoje a uma dimensão estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao contrario, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é, também, ao lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano.76 Partindo-se da afirmação de que para as instituições como para o Estado o ser humano deve ser o seu valor maior e assim o epicentro de todo o sistema, inclusive do direito, tem, então, responsabilidade o Estado e as instituições para que o homem alcance uma vida digna e que possa ser reconhecido como cidadão. Importante a exposição de Rosenvald: 74 PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 53. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ato administrativo e direitos dos administrados, p. 88; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In: Anais da IX Conferência Nacional dos Advogados, p. 193-194. 76 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 43. 75 49 [...] o Princípio da Dignidade Humana como fundamento do Estado Democrático de Direito coloca o homem como centro de toda a organização política e do próprio Direito. Não é o homem que está a serviço do aparelho Estatal, é este que deve servir ao homem para consecução do integral desenvolvimento de sua personalidade, para que atinja seus ideais de vida e de sua própria realização pessoal, que em última instância é a busca incessante de sua felicidade. Temos ainda que a Constituição de 1988 adotou uma decisão política fundamental: inserir o princípio da dignidade humana como princípio fundamental da República Federativa, proporcionando um conteúdo substancial ao sistema jurídico. Essa meta é uma demonstração da subserviência do Estado ao ser humano; da posição de anterioridade da pessoa ao ordenamento e, principalmente, da supremacia dos valores, agora positivados em princípios.77 Fatos históricos, como a utilização de trabalho escravo para o desenvolvimento de determinados países, a adoção de regimes totalitários que não respeitavam o cidadão e o extermínio de povos por ideais religiosos ou questão racial, deram causa para que o ser humano fosse identificado como objeto desprovido de valores. O modelo republicano é o fato de transformação dessa realidade. Nesse sentido afirma Canotilho: Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa o reconhecimento do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve ao homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade da pessoa humana justificará a conformação constitucional da República Portuguesa onde é proibida a pena de morte (artigo 24.º) e a prisão perpétua (artigo 30.º/1). A pessoa ao serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida.78 Muito mais do que um texto constitucional organizando social e politicamente instituindo princípios e declarando direitos é imprescindível que o poder estatal propicie a vivência com esses princípios para fazer do ser humano um cidadão, sem necessidade – muitas vezes - de que o poder judiciário tenha que intervir para que esses princípios e direitos sejam realmente vivenciados. 77 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e a boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p.51. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, p. 225. 78 50 2.1.3 Valorização do Trabalho Humano A valorização do trabalho humano cada vez mais vem despertando o interesse do Estado e das próprias empresas, pois têm papel de grande importância no sistema econômico de qualquer país. Na realidade, é pelo trabalho que toda a riqueza é produzida. Se é dessa forma que se produz não é interessante para qualquer economia não valorizar esse princípio. O trabalho humano não se fundamenta apenas na produção, mas sim está ligado em linha direta com o princípio da dignidade humana. Nessa valorização deve estar inserido além da oportunidade de desempenhar uma atividade que lhe de prazer, também colocá-lo dentro da sociedade como um cidadão e com direito a realizar-se como pessoa. Mencione-se os ensinamentos de Marques sobre respeitar a integridade do trabalhador: Observa-se, portanto, que a valorização do trabalho consequentemente irá proporcionar uma vida digna ao trabalhador, evitando que ele se sinta mera engrenagem, ou apenas mais um número naquela empresa ou folha de pagamento. [...] É inquestionável, portanto, que o trabalho é elemento essencial à vida. Logo, se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, deve-se respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por conseqüência, atingir a dignidade da pessoa humana.79 O artigo 170 do texto constitucional brasileiro faz questão de reconhecer a liberdade de atuação das organizações empresariais e concilia duas formas que a princípio soam antagônicas, mas que guardam relação entre capital e trabalho. Desse modo o texto constitucional agrega valor social às atividades empresariais. Interessante a exposição de Silva Neto: Diríamos, então, que incorporar um valor social ao trabalho humano, já faz parte da história constitucional brasileira e, nesse passo, a mais eloquente ideia a surgir quando observamos tal exaltação é que o trabalho não pode, de maneira alguma, ser assumido friamente como mero fator produtivo; é, sim, fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador.80 As empresas devem investir no desenvolvimento do ser humano. Isso se faz, dentre outras formas, no oferecimento de oportunidade para que possa valorizar-se profissionalmente possibilitando a sua vivência com dignidade. O ser humano não pode ser apenas mais uma 79 80 MARQUES, Christiani. A proteção ao trabalho penoso. São Paulo: LTr, 2007, p.21 SILVA NETO, Manoel Jorge. Direito constitucional e econômico. São Paulo: LTr, 2001, p. 96 51 peça da engrenagem do sistema, mas o sistema deve atuar pelo ser humano. O trabalho é o eixo pelo qual circundam os direitos fundamentais. Pertinente o escrito de Marques sobre essa relação: Considerando-se que os fundamentos da dignidade humana, valores sociais e livre iniciativa, devem ser respeitados e aplicados, pois regem as condições de convívio e participação social, ter-se-á o trabalho como vetor para alimentar e manter tal mecanismo. É por meio do trabalho que se constroem pontes, ruas, avenidas, cidades, criam-se meios de comunicação e locomoção; produzem-se bens e serviços e proporcionam meios de subsistência.81 Preleciona Martins que ―a ética na atividade empresarial é este olhar desperto para o outro, sem o qual o eu não se humaniza; a atividade dirigida para o outro".82 Quando cria empregos que vai gerar renda possibilitando ao cidadão a obtenção de moradia, educação, saúde, etc., a empresa está agindo eticamente e terá retorno já que a organização empresarial estará bem se todos estiverem bem. O Estado e as corporações devem ter ciência de que a economia depende do trabalho humano e consequentemente deve ser valorizado. Quando se está diante de uma crise financeira a primeira providência que via de regra é adotada pelas empresas é a demissão de seus empregados o que pode parecer uma boa estratégia para diminuir custos. No entanto, esse tipo de procedimento proporciona um impacto negativo na economia, pois diminuirá a circulação de riqueza e isso atingirá a todos com maior ou menor gravidade. Seguindo o estudo de Tavares A Constituição brasileira atual consagra uma economia de livre mercado, capitalista. Entretanto, não deixou de consignar a Constituição que a ordem Econômica brasileira confere prioridade também aos valores do trabalho humano.83 Com a leitura do texto constitucional, percebe-se que de propósito ou não, o princípio da valorização do trabalho humano antecede ao princípio da livre iniciativa, entendendo-se que o legislador fez questão de priorizar o trabalho. Uma livre iniciativa eficaz só será possível, se acompanhada do respeito ao ser humano, onde então, unindo-se o capital, 81 MARQUES, Christiani. A proteção ao trabalho penoso. São Paulo: LTr, 2007, p.46. MARTINS, Yves Gandra da Silva. Questões de direito econômico. 6. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1999, p. 23. 83 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2006, p. 81. 82 52 representado pelo livre iniciativa e o trabalho na presença do ser humano, tem-se a justiça social que é a finalidade da ordem econômica. Importante o posicionamento de Delgado quanto à proteção e regulamentação do trabalho pelo direito: O emprego, regulado e protegido por normas jurídicas, desponta, desse modo, como o principal veículo de inserção do trabalhador na arena socioeconômica capitalista, visando a propiciar-lhe um patamar consistente de afirmação individual, familiar, social, econômica e, até mesmo, ética.84 Esse equilíbrio deve vir de duas vertentes: em uma ponta o Estado garantindo ao empresariado e instituições a livre iniciativa, o empreendedorismo e a produção, inclusive com incentivos legais; de outro ponto o mesmo Estado sempre vigilante para quando houver distanciamento entre o principio da valorização do trabalho humano com a livre iniciativa, valendo-se do seu poder de intervenção regular as relações para que não ocorra a chamada injustiça social. Ao inserir no texto constitucional, especificamente no artigo 170, o princípio da valorização do trabalho humano, trouxe em consequência procedimentos jurídicos que não permitem qualquer tipo de interpretação extensiva de renúncia ou suprimento de tais direitos e que, porventura, como ensina Petter ―[...] venham a desdenhar do trabalho, por valorizar o não-trabalho; que considerem a remuneração pelo labor como uma caridade, feita ao bel prazer de quem paga; como também interpretações que incentivem a desigualdade na sociedade brasileira.‖85 Embora o modelo econômico adotado por um Estado seja a base estrutural por onde permeiam e tem origem todos os outros fundamentos de uma república, o trabalho – e sua valorização - visto como fonte ou por alguns visto como a própria dignidade humana se sobrepõe ao próprio modelo econômico adotado por um Estado. Assim é o entendimento de Nascimento: [...] esses valores dizem respeito não só à defesa biológica, além da proteção econômica fundamental para o trabalhador, e que se volta para a indispensabilidade de dotar a sociedade de mecanismos estatais para 84 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 36. 85 PETTER, Josué Lafayete, Principios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 49 apud MORAES, Debora Brito, OLIVEIRA, Lourival José de. Aspectos sobre a valorização do trabalho humano. São Paulo <http://www.diritto.it/pdf/24024.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2011. 53 proteger a sua saúde e integridade física no trabalho, mas, também, à defesa de sua personalidade para cujo fim deve ser cercado de garantias legais mínimas, cuja preservação é necessária para que se possa crescer como pessoa digna e participante integral do processo éticocultural em que devem estar inseridas todas as pessoas, segundo uma perspectiva de concepção do trabalho como valor fundamental da democracia e do progresso das civilizações.86 Muito embora a valorização do ser humano seja objeto principal da economia moderna, isso ainda não é reconhecido e aplicado pelas organizações empresariais que buscam, dentro da liberdade de mercado, que os modelos econômicos aparentemente permitem o lucro como fim principal de suas atividades, relegando a segundo plano a questão social. O direito ao lucro e a busca da excelência não deve vir isolado dos compromissos sociais devendo estes constar, também, da planilha de objetivos das organizações. A importância da pessoa humana para o trabalho traz exposição de Renault em dois sentidos que merecem destaque, em especial no sentido subjetivo: Objetivamente considerado, o trabalho humano envolve o domínio do homem sobre a natureza, como o trabalho pelo trabalho. O homem explora a terra, domestica os animais, plante e colhe, extraindo de suas atividades o que necessita para viver. Mesmo assim, sob a ótica objetiva o trabalho continua a ser visto como resultado da força criativa do homem. No sentido subjetivo, o trabalho ganha outra dimensão. Não existe o resultado do trabalho sem que antes constatemos a existência da pessoa que o realiza. Assim, o homem passa a ser sujeito de direito. Com essa visão fica fácil admitir que o trabalho possui um valor ético insuperável.87 Interessante atentar para as colocações de Deon sobre o processo de globalização e o avanço tecnológico que tem grande influência sobre o modelo e a forma de atuar das economias, sem, no entanto, deixar para segundo plano a questão social: [...] a globalização da economia, por meio de seus instrumentos, como a revolução tecnológica, inferiorizou o homem à condição de mero instrumento de trabalho, substituindo-o pela máquina e priorizando o capital sobre o valor da dignidade humana. É claro que se deve buscar o processo econômico do país, no entanto, o desenvolvimento político, o econômico e o social devem estar harmonizados com o ordenamento jurídico, para que os 86 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O novo âmbito de protecionismo do direito brasileiro. Revista LTr, v. 66, n. 8, ago. 2002, p. 905. 87 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Direito do Trabalho: evolução, crise, perspectivas. São Paulo: LTr, 2004. v. 1, p. 45. 54 direitos fundamentais não sejam ignorados na relação de trabalho.88 O processo de globalização da economia e os avanços tecnológicos tendem a inferiorizar o ser humano que passa a ser substituído pela máquina. Cabe ao Estado dentro de suas prerrogativas de criação e/ou manutenção do modelo econômico, valorizar o trabalho humano para que esse processo não ocorra – substituição do homem pela máquina – ou sejam amenizadas as suas consequências. Merece estudo as colocações de Bocorny: A valorização do trabalho humano, esclareça-se, não somente importa em criar medidas de proteção ao trabalhador, como foi destacado nos Estados Sociais. [...], o grande avanço do significado do conceito que se deu no último século foi no sentido de se admitir o trabalho (e o trabalhador) como principal agente de transformação da economia e meio de inserção social, por isso, não pode ser excluído do debate relativo às mudanças das estruturas de uma sociedade. Assim, o capital deixa de ser o centro dos estudos econômicos, devendo voltar-se para o aspecto, talvez subjetivo, da força produtiva humana.89 Não se pode cultivar a ideia de que valorização do trabalho humano esteja vinculada somente à criação de medidas que visem assegurar a integridade física dos trabalhadores. Esse princípio deve primar pelas mudanças estruturais, pois se é pelo trabalho que se da a produção de riqueza, quem executa a tarefa para alcançar esse objetivo é o ser humano. 2.1.4 Busca do Pleno Emprego Não é possível se medir a abrangência ou a maior ou menor importância de um princípio constitucional, mas o princípio da busca do pleno emprego está entre aqueles que gera maiores controvérsias pela dificuldade em se chegar ao seu significado. Ferreira Filho se mostra sucinto ao proclamar que se define como ―[...] criar oportunidades de trabalho, para que todos possam viver dignamente, do próprio esforço.‖90 Com um pouco mais de alcance é a definição de Tavares: 88 DEON, Rodrigo. Os impactos sociais diante do ressurgimento das ideias liberais, e a dignidade da pessoa humana, como limite à flexibilização do direito do trabalho. DireitoNet, São Paulo, 4 fev. 2004. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/14/52/1452/>. Acesso em: 23 jan. 2011 89 BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no estado democrático de direito. Porto Alegre: SAFE, 2003, p.42. 90 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 35. 55 [...] na criação e aplicação de medidas de política econômica deverá o Estado preocupar-se em proporcionar o pleno emprego, ou seja, situação em que seja, na medida do possível, aproveitada pelo mercado a força de trabalho existente na sociedade.91 No Brasil, que tem uma Constituição social e conforme preceitua Assis, ―o pleno emprego [...] é uma condição do mercado onde todos os que são aptos a trabalhar, e está disposto a fazê-lo encontram trabalho remunerado.‖92 Complementa esse escritor: O Pleno Emprego, entendido como a condição do mercado de trabalho na qual todo cidadão disposto a trabalhar encontra ocupação remunerada segundo suas aspirações, qualificações e habilidades, é condição indispensável para construir uma sociedade efetivamente democrática, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, e possibilitar aos que não dispõe de renda da propriedade a realização individual segundo suas potencialidades. Nesse sentido, é a contrapartida social do direito individual de propriedade, e a proteção constitucional daqueles que nascem sem direito a herança, mas com direitos de cidadania. 93 Dentro desse contexto de Estado Social em que está integrado o Brasil, importante a exposição de Baylos: A conformação do pleno emprego como um direito é uma expressão do Estado Social, que tem como pressuposto a intervenção estatal na ordem econômica que pode definir a função e até mesmo do conteúdo de determinados direitos. Sendo assim, a noção de direito ao trabalho remunerado ou o pleno emprego nasce a partir da conformação desses direitos sociais, como direitos fundamentais de segunda dimensão. Dessa feita, o poder público tem o compromisso de promover as condições para que a liberdade e a igualdade na obtenção de um trabalho digno e remunerado sejam real e efetivamente reconhecidas aos indivíduos, devendo para isso remover os obstáculos que impedirem ou dificultarem sua plenitude.94 Para que uma política de busca do pleno emprego alcance êxito, necessariamente Estado e iniciativa privada tem que comungar do mesmo propósito, apoiando-se mutuamente. A intervenção estatal requer a participação efetiva da maneira de agir das instituições. Ao agir 91 TAVARES, André Ramos. 1988 2008: vinte anos da constituição cidadã. São Paulo: Imesp, 2008, p. 30 ASSIS, José Carlos de. Trabalho como direito: fundamentos para uma política de pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002, p. 17. 93 Idem, Ibid., p. 122-123. 94 BAYLOS, Antônio. Proteção de direitos fundamentais na ordem social: o direito ao trabalho como direito constitucional. Revista Trabalhista Direito e Processo, Rio de Janeiro, v. 10, p. 22-51, abr./maio/jun. 2004, p. 267. 92 56 exercendo a atividade econômica mantendo e criando empregos, teria, então, garantido o direito à livre iniciativa, promovendo a justiça social. Cabe também à sociedade, em todos os seus seguimentos, exigir que esse princípio seja respeitado e aplicado legitimamente através da criação de políticas públicas pertinentes e atuação ética das empresas na pessoa de seus gestores. Confira-se o que escreve Alves a respeito: A população tem direito ao pleno emprego e cabe à sociedade estabelecer as leis e as normas que possibilitem a utilização integral da oferta de trabalho e cabe ao Estado implementar políticas micro e macroeconômicas direcionadas para a criação de oportunidades e para o aumento geral da produtividade dos fatores de produção. Cabe ainda ao Estado regulamentar as atividades produtivas, combater as ações especulativas e atuar para reduzir as desigualdades e as injustiças que possam surgir no processo de desenvolvimento do país. O pleno emprego é uma pré-requisito para a dignidade dos trabalhadores e uma condição essencial para a estabilidade e o progresso da sociedade.95 O princípio da busca do pleno emprego não pode ser analisado somente em seu aspecto literal, restringido à oferta de trabalho simplesmente. Seus propósitos devem atingir a empresa na sua essência, na sua maneira de agir eticamente, buscando a efetivação da sua função social, determinada constitucionalmente. Na interpretação de Silva a busca do pleno emprego é: [...] um princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas. Pleno emprego é expressão abrangente da utilização, ao máximo grau, de todos os recursos produtivos. Mas aparece no art. 170, VIII, especialmente no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade produtiva. Trata-se do pleno emprego da força de trabalho capaz. Ele se harmoniza, assim, com a regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Isso impede que o princípio seja considerado apenas como mera busca quantitativa, em que a economia absorva a força de trabalho disponível, como o consumo de mercadorias. Quer-se que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba tratamento de principal fator de produção e participe do produto da riqueza e da renda na proporção de sua posição na ordem econômicas, [...].96 Não basta simplesmente a criação de empregos. De acordo com a Organização 95 ALVES, José Eustáquio Diniz. O direito ao pleno emprego e ao trabalho decente, artigo de José E. D. Alves. Eco Debate, 11 ago, 2010. Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/ 2010/08/11/o-direito-ao-plenoemprego-e-ao-trabalho-decente-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/>. Acesso em: 1 mar. 2011. 96 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo : Malheiros, 1967, p. 675. 57 Internacional do Trabalho, o emprego deve vir acompanhado da decência e, trabalho decente é aquele que melhora a condição de vida de todos os cidadãos e assim proporciona: - oportunidade para encontrar um emprego que seja produtivo e proporciona um rendimento justo, o que garante a eles e suas famílias desfrutarem uma qualidade de vida decente; - liberdade para escolher o trabalho e a livre participação em atividades sindicais; - condições para que os trabalhadores possam ser tratados de forma justa, sem discriminação e sejam capazes de conciliar trabalho e responsabilidades familiares; - condições de segurança para proteger a saúde dos trabalhadores e proporcionar-lhes a proteção social adequada; - condições de dignidade humana para que todos os trabalhadores sejam tratados com respeito e possam participar na tomada de decisão sobre suas condições de trabalho.97 O princípio da busca do pleno emprego se contrapõe a qualquer política pública que tenha como resultado a recessão da economia. Todos aqueles que se encontrem aptos devem ser inseridos no mercado de trabalho, o que não ocorre quando as medidas econômicas adotadas pelo Estado são recessivas. As políticas públicas devem ser postas em evidência para evitar, por exemplo, a proliferação do trabalho na informalidade. No entanto, aplicar esse princípio na ordem econômica, não deve limitar-se somente à colocação do ser humano no mercado de trabalho, mas, que essa atividade possa gerar cidadania e justiça social nos ditames do artigo 170 da Constituição Federal. Mas esse princípio encontra um desafio significativo nos tempos atuais, representado pela necessidade de qualificação profissional, pois as empresas exigem cada vez mais o aperfeiçoamento de seus profissionais. Confira-se o texto que se apresenta, O mercado de trabalho brasileiro projeta-se para uma década marcada pelo contínuo avanço tecnológico e pela maior competitividade das empresas. Nesse cenário, o principal desafio para as políticas públicas de emprego e renda será ampliar a oferta de qualificação profissional, garantindo o ingresso e permanência de trabalhadores no segmento formal — e o consequente equilíbrio da relação entre capital e trabalho. Como as empresas tendem a exigir do trabalhador uma formação mais elaborada e diversificada, a oferta de cursos públicos é estratégica para evitar que o crescimento econômico seja refreado pela eventual falta de mão-de-obra especializada.98 Por essa vertente, a busca do pleno emprego deve ser o objetivo e preocupação 97 Disponível em <http://opensadorselvagem.org/ciencia-e-humanidades/demografia/pleno-emprego-e-trabalhodecente>. Acesso em: 15 abr. 2010. 98 TRABALHO E EMPREGO. Disponibilizado em: <http://www.sae.gov.br/brasil2022/?p=3>. Acesso em: 18 abr. 2011. 58 constante e as políticas públicas devem ser eficazes e permanentes no sentido de preparar o cidadão para as atividades laboriais. Hoje não se admite mais o profissional que não esteja atualizado e apto para exercer suas funções, já que isso interfere diretamente na produção e, em contrapartida impõe às empresas a obrigatoriedade de oferecer melhores condições de trabalho. Alguns avanços recentes podem ser detectados quanto às políticas públicas que objetivam implementar o princípio da busca do pleno emprego. O desenvolvimento da economia vivenciado no Brasil mostra redução no nível de desemprego o que visualiza melhores dias nesse aspecto. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)99, o desemprego nas principais regiões metropolitanas gira em torno de sete e meio por cento. Ao atingir seis por cento, no entender do mesmo instituto, o Brasil estará no cenário do pleno emprego. Dentre os avanços, destacam-se alguns deles: 2003: Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (Lei nº 10.748/2003). 2003: Lançamento do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae. 2004: Instituição do Convênio Plurianual Único – integração entre os sistemas seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, qualificação e certificação profissional. 2004: Criação dos Planos Setoriais de Qualificação – PlanSeQ. 2006: Criação do Conselho Nacional de Economia Solidária. 2006: Instituição de nova modalidade do Programa Primeiro Emprego – Juventude Cidadã. 2006: Criação do Sistema Integrado de Relações do Trabalho – SIRT. 2007: Criação do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS, Lei nº 11.491/2007). 2007: Regulamentação do trabalho no comércio aos domingos (Lei nº 11.603/2007); 2008: Implantação do Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil – SITI. 2008: Lançamento do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (2008). 2008: Fixação de Diretrizes do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) para transferências de recursos do FAT para ações de qualificação. 2009: Ampliação do pagamento do seguro-desemprego por um período de cinco a sete meses para setores cujo aumento das demissões esteja fora do padrão histórico. 2009: Fixação de regras mais claras para condicionar o empréstimo de recursos públicos à geração/manutenção de postos de trabalho como contrapartida social das empresas. 2010: Proposta de regulamentação do trabalho terceirizado.100 Dentro desses projetos destaca-se o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), instituído pela Resolução nº 333 de 10 de julho de 2003, amparado na Lei nº 7.998 de 11 de janeiro de 99 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/ xml/noticias_xml.php>. Acesso em: 18 maio 2011. 100 TRABALHO e emprego. Disponibilizado em: <http://www.sae.gov.br/brasil2022/?p=3>. Acesso em: 18 abr. 2011. 59 1990, que estabelece critério para a transferência de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a PNQ, com o fim específico de qualificação dos trabalhadores. Confira-se: Art. 1º Instituir o Plano Nacional de Qualificação-PNQ no âmbito do Programa do Seguro Desemprego, para a execução de ações de qualificação social e profissional (QSP), cujas transferências de recursos do fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT – serão efetuadas pelo Departamento de Qualificação da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (DEQ/SPPE/TEM), com base em convênios plurianuais e outros instrumentos firmados nos termos da legislação vigente, obedecendo ao disposto nesta Resolução e a orientações emanadas deste Conselho.101 A contribuição do PNQ é relevante no processo de qualificação profissional, promovendo a integração das políticas e assim universalizando o direito do trabalhador à qualificação. Esse modo de gestão contribui para que o cidadão tenha maior probabilidade de obter emprego e assim diminuir os níveis de desemprego além de possibilitar a permanência por maior tempo no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e, diretamente, participando da formação técnica, cultural e intelectual do cidadão. Todas as ações voltadas à qualificação profissional viabilizando o princípio do pleno emprego vão ao encontro de determinadas categorias de trabalhadores que estejam excluídas do mercado de trabalho. De modo a atingir essa camada social, o PNQ determina qual o público-alvo a ser beneficiado, com prioridade para algumas classes: Assim, dentre os grupos de trabalhadores a serem beneficiados, serão priorizados [...] trabalhadores/as em empresas afetadas por processos de modernização tecnológica e outras formas de reestruturação produtiva; pessoas beneficiárias de políticas de inclusão social, inclusive do programa Bolsa Família, de ações afirmativas de combate à discriminação; de políticas de integração e desenvolvimento regional e local; trabalhadores/as internos e egressos do sistema penal e jovens submetidos a medidas sócio-educativas, trabalhadores/as libertados/as de regime de trabalho degradante e de familiares de egressos do trabalho infantil; trabalhadores/as de empresas incluídas em arranjos produtivos locais, setores considerados estratégicos da economia; [...] pessoas com deficiência.102 (grifo nosso). 101 RESOLUÇÃO nº 333 de 10/07/2003. Disponível em: <http://mte.gov..br/pnq/planseq.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2011. 102 PNQ - Plano Nacional de Qualificação. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/resolucoes/ 2008/r_20080428_575tr.pdf >. Acesso em: 18 abr. 2011. 60 As diretrizes impostas pelo PNQ buscam alcançar trabalhadores vulneráveis social e economicamente. São pessoas que sofrem discriminações e que por consequência encontram dificuldades em conseguir uma atividade laboral formal. Nesse contexto inclui-se, entre outros, aqueles que possuem baixa ou nenhuma escolaridade, deficientes e os egressos do sistema penitenciário que, cumprindo a pena imposta pela sociedade e de volta ao convívio social não tem atividade que possa garantir a sua sobrevivência e de sua família. Ainda dentro das dificuldades de se viabilizar o princípio do pleno emprego, e que também é objeto do PNQ, tem-se, com justificada preocupação, a evolução tecnológica, objeto de estudos, pois, há o entendimento de que a população – trabalhadores e empresariado – não está preparada e não consegue equalizar o problema. Interessante o parecer Procurador Regional do Trabalho, da 21ª Região, Medeiros Neto: Orgulhosa do apogeu tecnológico alcançado, a sociedade contemporânea desconcerta-se diante de um inquietante paradoxo: quanto mais gera riqueza mais desvaloriza, discrimina e descarta o trabalho humano. Expressiva parcela da população cumpre, revoltada, a pena aviltante da exclusão do trabalho e assiste, indefesa, a contradição entre o aumento vertiginoso da produção de bens e a diminuição da utilização da mão-de-obra. Estão se confirmando as previsões de que apenas 20% da força de trabalho humano disponível serão suficientes para atender às necessidades da produção do mercado consumidor mundial. Facilmente se constata que não há, nem haverá, no futuro previsível, trabalho digno para a maior parte dos cidadãos do planeta.103 Dentro da mesma perspectiva, expõe Menezes: [...] o desemprego estrutural, decorrente do avanço tecnológico, é efeito colateral da revolução tecnológica e do elevado corte de gastos em busca de competitividade internacional. Ele compromete os princípios fundamentais do Estado do Bem-Estar Social, tais como o valor social do trabalho, da dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais.104 Dois pontos importantes e contraditórios: de um lado o avanço tecnológico que se moderniza a cada segundo; de outro lado, a preocupação justificada da população trabalhadora que assiste perplexa e quase que inerte a supressão do trabalho humano, sendo 103 MEDEIROS NETO, Tiago de. Disponível em: <http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/pub07.html>. Acesso em: 15 jan. 2011. 104 MENEZES, Mauro de Oliveira. Constituição e reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2004, p. 46 61 substituído pela máquina, havendo necessidade da tomada de medidas estatais urgentes para a solução do impasse trazido pelo desenvolvimento. A questão do avanço tecnológico vem trazendo grande preocupação para o Estado, já que é realidade que proporciona a diminuição da mão-de-obra e gera consequente desemprego. Importante a colocação de Petter sobre o tema: [...] pelo contrário, como o investimento na produção tem sua propulsão no lucro e não numa política social, pois o investimento privado não abre mão da eficiência para garantir maior taxa de emprego, a qual somente é tomada em consideração na medida em que implementa e garante o interesse particular, todas as políticas públicas ou decisões privadas que resultam em eficiências econômicas derivadas de transformações tecnológicas, modificadoras da realização da atividade econômica (seja do setor primário, secundário ou terciário), têm como conseqüência a menor necessidade de mão-de-obra, com agravamento da situação do emprego. A conclusão é que a concretização do princípio da busca do pleno emprego constitui diretriz fundamental na política econômica adotada, em especial nos papéis reservados ao Estado por força do art. 174 da Constituição Federal.105 O processo tecnológico vem alterando o mercado de trabalho e por consequência o perfil dos empregos. Algumas mudanças ocorrem e os efeitos são imediatos, conforme bem coloca Faria: [...] Emergência de novas profissões e especializações; [...]; ampliação dos níveis de concentração de renda; acentuação do fosso entre os ganhos das várias categorias de trabalhadores; aumento do desemprego dos trabalhadores menos qualificados; esvaziamento da proteção juridica contra o uso indiscriminado de horas extras, contra a modulação da jornada de trabalho e contra a dispensa imotivada; redução de benefícios de seguridade social, prestados pelo Estado e pelas empresas.106 As transformações vêem acompanhadas de discussões sobre direitos que devem ser limitadas pelo princípio da dignidade humana e da valorização do trabalho humano. Um mínimo deve ser preservado como assevera Brito Filho [...] e um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem 105 106 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica. São Paulo: RT, 2005, p. 259. FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 34 62 sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais.107 A evolução tecnológica mostra que o mercado de trabalho começa a necessitar de um novo tipo de trabalhador com conseqüente mudança na relação de emprego. O trabalhador deve procurar a qualificação profissional para que possa se adequar à nova realidade que exige cada vez mais conhecimentos técnicos. O PNQ se preocupa também com essa nova modalidade e em seu conjunto de medidas a serem implementadas busca perpetualizar o princípio da busca do pleno emprego. Por meio do emprego atinge-se de forma positiva a dignidade da pessoa humana. Toda essa seção tem como destaque os princípios que diretamente dizem respeito à promoção e valorização do trabalho humano, pois, é por meio de sua real aplicabilidade que se possibilita viver os valores da pessoa humana e da justiça social. Os princípios e valores, sem distinção, devem ser vivenciados por todo ser humano, incluindo o individuo que cometeu um delito e cumpriu a pena imposta pelo poder judiciário. Todos os esforços devem ser postos em prática para que ocorra uma ressocialização da forma como exige a lei e reclama a sociedade. Assim como a todo cidadão, as diretrizes da valorização do trabalho humano, dignidade da pessoa humana e busca do pleno emprego devem considerar o ex-presidiário. Conforme aponta Barroso ―[...] a dignidade humana representa superar a intolerância, a discriminação, a exclusão social, a violência, a incapacidade de aceitar o diferente. Tem relação com a liberdade e valores do espírito e com as condições materiais de subsistência da pessoa.‖108 O Estado e a iniciativa privada agindo em conjunto com o propósito de promover e valorizar o trabalho humano deve oferecer oportunidades aos presidiários. Se a violência é tema de discussão pela sociedade, a ressocialização deve fazer parte de todo esse enredo, já que a reincidência é a causa maior do aumento de criminalidade. O Estado e a empresa têm responsabilidade comum na reabilitação do encarcerado, com indiscutível afirmação de que essa só se concretiza por meio do trabalho, possibilitando que o ex-preso volte à sociedade e à sua família, concretizando-se o princípio da justiça social. Esses agentes – Estado e iniciativa privada – devem buscar por meio de ações efetivas o reconhecimento ao preso dos direitos fundamentais. O Estado encontra inúmeras 107 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004, p. 53. 108 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pósmodernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: Barroso, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 38. 63 dificuldades para por em prática o sistema jurídico que criou e atua na contramão do que legislou e usa a prisão como forma de punir e não de ressoalizar. Importante que o ser humano que se encontra encarcerado e que um dia voltará ao convívio social, perca o direito à liberdade, mas que permaneça com o direito ao trabalho e à dignidade humana que não podem ser subtraídos. 64 3 A PROMOÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE DA EMPRESA E DO ESTADO A Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu artigo primeiro 109 qualifica o Brasil como uma República em que vigora o Estado democrático de direito e conforme ensina Ataliba: [...] a simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial. Regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos seus atos. Todos são assim, responsáveis.110 Cabe a reflexão dos governantes de que a atividade produtiva, além de seu aspecto de busca do lucro, tem que fazer valer o seu aspecto social. Há respeito pelo direito de propriedade e os benefícios que são proporcionados, mas que não se sobreponha ou se exclua direitos dos cidadãos que afete a dignidade humana. Esse modo responsável de proceder ganha relevância no desenvolvimento do país, pois é nele que se estrutura a sociedade. O trabalho é a mola propulsora que ativa o crescimento e a prosperidade. Importante os ensinamentos de Gordilho quando afirma que ―A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito, portanto, consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social [...]‖.111 Em complemento, quanto a quais seriam as atuações do Estado Democrático de Direito, esclarece Silva: (a) princípio da constitucionalidade, que exprime, em primeiro lugar, que o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes, com as garantias de atuação livre de regras da jurisdição constitucional; (b) princípio democrático, que, nos termos da Constituição, há de constituir uma 109 BRASIL. Constituição (1988). São Paulo: Saraiva, 2008, ―Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.‖ 110 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 76. 111 GORDILHO, Pedro. Brasil: estado democrático de direito. In: Revista do Tribunal Regional Federal, da 1ª Região, v. 19, n. 2, fev. 2007 Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20880/brasil_ estado_democratico_direito.pdf?sequence=3>. Acesso em: 20 abr. 2011. 65 democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art. l°); (c) sistema de direitos fundamentais, que compreende os individuais, coletivos, sociais e culturais (titulas II, VII e VIII); (d) princípio da justiça social, referido no art. 170, caput, e no art. 193, como principio da ordem econômica e da ordem social; (e) princípio da igualdade (art. 5°, caput e 1); (f)princípio da divisão de Poderes (art. 2°) e da independência do juiz (art. 95); (g) princípio da legalidade (art. 5°, II); (h) princípio da segurança jurídica (art. 5°, XXXVI.112 As empresas também têm responsabilidades diante de um Estado Democrático de Direito. Nesse modelo, rompem-se as barreiras entre Estado e a Sociedade em todas as suas vertentes. O Estado de Direito corresponde à democracia, no sentido de liberdade, mas, sempre associada à participação popular nas decisões políticas ou reivindicatórias. O empresário neste contexto é agente de primeiro escalão, pois, detentor do direito de propriedade e inserido na livre iniciativa, tem a responsabilidade de, em conjunto com o Estado, valorizar o trabalho e fomentar o princípio da busca do pleno emprego. Este o caminho para, por exemplo, diminuir as desigualdades sociais e incluir os cidadãos que estão à margem da vida digna. Acolha-se os escritos de Canotilho: O empresariado brasileiro aparece nesses contextos como mais um ator ativo em combate das desigualdades sociais no país. Assim desenvolve seus negócios em meio às responsabilidades sociais. Cria-se uma consciência de cidadania, entre o empresariado e também na população. Cabe salientar que essa filantropia é adaptada com as vantagens e formas de lucro empresarial, ecoando um discurso neoliberal que prioriza o individual contra a ineficiência do Estado em solucionar os conflitos sociais. Cresce dessa maneira o elogio e inserção ao terceiro setor. Os empresários juntamente com outras organizações, contribuem para as políticas públicas, auxiliando uma carente parcela da população.113 A promoção do trabalho humano como responsabilidade do Estado e das empresas tem como objetivo beneficiar as classes sociais menos favorecidas e diminuir as desigualdades sociais possibilitando que o cidadão tenha respeitada a sua dignidade humana. O ex-presidiário, que encarcerado cumpriu a pena que lhe foi imposta, tem como fato futuro e certo o retorno ao convívio social, sendo importante que, durante o período em que esteve ausente do convívio comunitário não tenha suprimido os seus direitos fundamentais em especial a sua dignidade. 112 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 84. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 82. 113 66 Quando uma lei é promulgada e no seu contexto traz como objetivo a ressocialização através da reinserção do ex-presidiário na sociedade deve fundamentar-se, necessariamente, no princípio da dignidade humana. Esse princípio compõe o sistema penal brasileiro através de garantias constitucionais, como expõe o jurista Marchi Júnior: Princípios como os que garantem a estrita legalidade, a isonomia, a proporcionalidade, a culpabilidade, a exigência de lesividade para o reconhecimento da conduta proibida, a individualização da pena, o respeito à integridade física e moral do preso, a vedação de dupla punição pelo mesmo fato(ne bis in idem), a coisa julgada, o estado de inocência, o direito a não se autoincriminar(direito ao silêncio), o acesso à justiça, o contraditório e a ampla defesa, a cláusula fundamental do devido processo legal são princípios inafastáveis, sejam quais forem as conjunturas, sejam quais forem as circunstâncias do momento. 114 Presente está a inafastável prevalência do direito à liberdade sobre o poder de punição, pois trata-se de princípios fundamentais que não permitem concessões na amplitude de sua aplicação. Todo processo penal deve ser conduzido conforme dispositivos legais que por sua vez devem positivar os princípios garantidores da dignidade humana. Sobre a amplitude de um processo de ressocialização, que vai além de artigos inseridos dentro do contexto de uma lei, importante a posição de Rodrigues: [...] a ressocialização significa muito mais do que tentar reinserir o detento à vida social, pressupondo-se as formações intelectuais e espirituais do condenado, o despertar de sua consciência para a responsabilidade social: pela vida social, pelo convívio harmonioso, pelo não mais praticar crimes. 115 (grifo o autor). Ao descrever sobre o sistema penitenciário e mais especificamente sobre a forma de punição imposta pelo Estado, Montesinos citado por Costa tem interessante descrição: Convenceram-me enfim de que o mais ineficaz de todos os recursos em um estabelecimento penal, e o mais pernicioso também e mais funesto a seus progressos de moralidade, são os castigos corporais extremos. Está máxima deve ser constante e de aplicação geral nestas casas, qual a de não envilecer mais aos que degradados por seus vícios vem a ela [...], porque os maus 114 MARCHI JÚNIOR, Antonio de Padova. Execução penal: constatações, críticas, alternativas, utopia. Curitiba: Juruá, 2008, p.74 115 RODRIGUES, Anabela Miranda. A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa de liberdade: seu fundamento e âmbito. São Paulo: IBCCRIM, 2000, p.72. 67 tratamentos irritam mais que corrigem e afogam os últimos alentos de moralização.116 Quando se analisa o processo de ressocialização do preso, as mazelas do Sistema Penitenciário e consequente ausência do respeito ao princípio da dignidade humana se mostram a dificultar a sua efetivação como assinala Bianchini: O princípio da dignidade da pessoa exige que todos os esforços sejam empreendidos no sentido de se evitar os efeitos deletérios da prisionalização, e que não se abandonem, mas, até mesmo se intensifiquem, também, as preocupações no âmbito da reinserção social do condenado, criando, por exemplo, programas de auxílio ao preso, a fim de reduzir a reincidência e, então, proteger, de forma mais eficaz, a sociedade se – e quando – forem mais bem qualificados os indivíduos que a integram (e, bem visto, sociedade que inclui necessariamente o ex-presidiário).117 Conforme leciona Carvalho ―[...] A dignidade da pessoa humana é a pedra angular sobre que deve ser construído todo o monumento do sistema penal. O princípio constitucional da proteção e da promoção da dignidade do homem é a célula-mãe desse sistema e, por isso, também seu fundamento máximo.‖118 O fato de estar o cidadão encarcerado, não tira dele o direito a esse princípio fundamental, não podendo ser colocado à margem do processo de inclusão social. Para entendimento de dignidade humana relacionada com a ressocialização do expresidiário, é necessário detectar toda atrocidade que possam ser praticada contra quem se encontra encarcerado e combater esses desmandos, bastando para isso que se aplique a lei que se encontra vigente. Nunes tem estudo nesse aspecto: É por isso que se torna necessário identificar a dignidade da pessoa humana como uma conquista da razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente marca a experiência humana. Não é à toa que a Constituição Federal da Alemanha Ocidental do pós-guerra traz, também, estampada no seu artigo de abertura que ‗A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público‖. Foi, claramente, a experiência nazista que gerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana.119 116 MONTESINOS, Manuel apud COSTA, Marino Alexandre. O trabalho prisional e reintegração social de detento. Florianópolis: Insukar, 1999, p. 104. 117 BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 46. 118 CARVALHO, Márcia Dometila Lima. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Fabris, 1992, p.24-28. 119 NUNES. Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 55. 68 A pena não deve servir apenas para aplicação de punição e para justificar o desejo de vingança da sociedade. O Brasil ao pretender ser um Estado Social deve impor as sanções determinadas pela legislação penal, mas, ao mesmo tempo, respeitando o principio da dignidade da pessoa, implementar ações no sentido de amenizar o sofrimento da punição. É de se colocar à disposição dos encarcerados, meios para sua reinserção ao meio social. 3.1 RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL NA RESSOCIALIZAÇÃO A responsabilidade social da empresa tem uma abrangência significativa. Quando se estuda esse processo tem-se logo a ideia de ser um processo limitado, mas, na realidade ele é amplo atingindo empregados, fornecedores, consumidores e o próprio Estado. Essa extensão está incorporada, também, na relação de deveres e obrigações das corporações para com a sociedade. Ocorre quando, de forma voluntária, conscientizando-se, contribuem para uma sociedade mais humana e justa com suas gestões voltadas não só para o interesse único e exclusivo dos proprietários-empresários ou acionistas buscando somente o lucro. Deve-se preservar os interesses dos trabalhadores, dos clientes, da comunidade, do Estado e de todos os envolvidos direta ou indiretamente na cadeia produtiva. Importante a definição de Kapaz, presidente do Instituto Ethos sobre a responsabilidade social: Responsabilidade Social nas empresas significa uma visão empreendedora mais preocupada com o entorno social em que a empresa está inserida, ou seja, sem deixar de se preocupar com a necessidade de geração de lucro, mas colocando-o não como um fim em si mesmo, mas sim como um meio para se atingir um desenvolvimento sustentável e com mais qualidade de vida.120 A extensão da responsabilidade social empresarial pode ser em nível interno e externo. Internamente, quando relacionada com a própria empresa e às pessoas diretamente ligadas a ela e como é o entendimento de Camargo ―[...] não é a empresa que faz a pessoa ética, mas é esta que, possuindo energias éticas internamente cristaliza-se em comportamentos favorecendo a criação de um ambiente ético.‖121 A empresa que segue a tendência da supremacia do social investe, internamente, na melhoria de qualidade de vida de seus empregados, que por sua vez retribuem, naturalmente, com uma melhor produção e um ambiente saudável, refletindo, assim, na comunidade. Externamente, quando suas ações 120 121 KAPAZ, Emerson. Revista FAE BUSINESS número 9 setembro 2004, p. 64. CAMARGO, Marculino. Ética na empresa. 2. ed. Petropolis: Vozes, 2009, p. 10. 69 trazem consequências fora do âmbito da administração empresarial e atinge diretamente a sociedade de forma geral, em especial os consumidores e a comunidade em que está inserido. A responsabilidade social que agrega valor aos negócios é de estudo recente e tem profundidade com o conhecimento do consumidor e a exigência de transparência. Empresários se veem forçados a assumir posições mais responsáveis na direção de seus negócios. Responsabilidade social não é filantropia que segundo Silva ―[...] significa amizade do homem para com o outro homem. Significa ajuda e possui um caráter assistencialista.‖122 Assim, na filantropia, não existe interesse somente no bem-estar, mas, embutido está a busca da lucratividade através dessas ações. Importante não se confundir responsabilidade social com função social. A função social da empresa está no cumprimento determinado por uma ética jurídica, conforme enaltece Carvalhosa: Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. Considerando-se principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados [...] a segunda volta-se ao interesse dos consumidores [...] a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes [...]. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua.123 Praticando responsabilidade social a consequência será a melhora de sua imagem e reputação, recebendo em contrapartida a credibilidade do mercado e o respeito da coletividade. As empresas estão procurando aprimorar as atuações no sentido de reconhecimento dessa responsabilidade para diferenciar-se dentro do mercado consumidor. O Instituto Ethos, referência na matéria, traz o seguinte conceito: Responsabilidade social empresarial é uma forma de conduzir os negócios que torna a empresa parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, Governo e meio ambiente) e conseguir incorporá-los ao planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos, não apenas dos acionistas ou 122 SILVA, R. D. da O melhor caminho, para àquele que deseja trilhar o rumo da responsabilidade social e do marketing social. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em Administração de Empresas) – Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 123 CARVALHOSA, M. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 3, p. 237. 70 proprietários.124 A empresa tem responsabilidade social quando incorpora em seus negócios, os interesses da comunidade e se caracteriza por ações contínuas de integração empresa e sociedade. A filantropia, na maioria das vezes, não passa de ações esporádicas visando, unicamente, a divulgação publicitária do produto. O mesmo Instituto Ethos esclarece: A diferença entre ambos é que a responsabilidade social foca a cadeia de negócios da empresa e engloba preocupações com um público maior e a filantropia trata basicamente de uma ação social externa da empresa, tendo como beneficiária principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não governamentais, associações comunitárias etc.). Assim, a principal diferença é que a responsabilidade social trata diretamente dos negócios da empresa e tem ligação direta com sua forma de gestão, sempre visando beneficiar a sociedade e a preservação do meio ambiente, a partir de um comportamento ético. Esse termo, aliás, está diretamente ligado a responsabilidade social. A ética é a base, a essência da responsabilidade social, que se apresenta nos princípios e valores adotados.125 Desenvolver determinados projetos de cunho social com a finalidade única de divulgar a empresa não alcança objetivos reais e duradouros, pois tem na sua finalidade exclusiva a busca da compensação pelo que foi despendido nos referidos ‗programas sociais‘. Quando se desenvolve programas realmente voltados para a sociedade da qual a organização empresarial faz parte o retorno é permanente e a valorização da marca se consubstancia, proporcionando a lealdade do consumidor Faz-se necessário esclarecer que a concepção do que seja empresa nem sempre foi da forma como hoje se apresenta e sim, foi se transformando com o tempo, como escreve Adela Cortina: Por outro lado, a concepção da empresa mudou substancialmente nos últimos tempos, pois era entendida como campo dos homens, sem escrúpulos, movidos exclusivamente pela busca do lucro, considerada como uma instituição sócio-economica que tem uma séria responsabilidade moral com a sociedade, isto é, com os consumidores, acionistas, empregados e fornecedores. A empresa é uma organização, isto é, é um tipo de entidade prolonga no passado, presente e futuro e que não se reduz a uma simples soma de seus membros; por sua vez essa entidade tem que cumprir funções e assumir claras responsabilidades sociais, isto é, tem que tomar decisões 124 INSTITUTO ETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RevistaFAT03_ ethos.pdf> Acesso em: 15 abr. 2010. 125 Idem, Ibid. 71 morais. Isto não que dizer que a responsabilidade dos indivíduos se dissolva no conjunto da empresa, mas sim que a ética não é somente individual, mas sim, também corporativa e comunitária. (tradução nossa).126 Na obra da autora citada127 tem-se que um novo modelo de empresa, uma nova forma de organização empresarial é a exigência dos tempos de modernidade e as instituições devem estar voltadas para assimilar os impactos que suas ações causam no meio social, pois, caso as suas atuações não estejam voltadas para a responsabilidade social há uma grande possibilidades de que seu modo de agir não seja aceito pela sociedade. 3.1.1 Nova Forma de Gestão Há nos tempos modernos a necessidade de uma forma de gestão empresarial diferenciada. Todo o ordenamento jurídico brasileiro apresenta, em especial a CF/88, uma diretriz plenamente voltada para o social e exige das instituições empresariais um compromisso social. A valorização do trabalho humano em associação com a livre iniciativa e o princípio da busca do pleno emprego evidencia o propósito constitucional. O modo de agir das organizações ganhou outra forma como indica Dolan e Garcia: No passado, o progresso de qualquer entidade (i.e. organização, sociedade), determinava-se basicamente pela sua capacidade de crescer, enriquecer ou tornar-se mais rápida. Na arena global do século XXI, e no despertar de escândalos corporativos, guerras e desastres naturais, o progresso e sucesso vão também na direção da avaliação do que é essencial à nossa humanidade – os nossos valores. Os líderes e gestores estão porventura a enfrentar o maior desafio da história, ou seja, como criar e manter organizações bem sucedidas com base no que é bom tanto para os negócios como para as pessoas e sociedade.128 126 CORTINA, Adela. Ética de la empresa: claves de una nueva cultura empresarial. Madri: Trotta, 2008, p. 81. Por otra parte, la concepción de la empresa cambia sustancialmente en los últimos tiempos, desde entenderla como el terreno de hombres sin escrúpulos, movidos exclusivamente por el afán del lucro, a considerarla como una institución socioeconômica que tiene uma seria responsabilidad moral com la sociedad, es decir, com los consumidores, accionistas, empleados y proveedores. La empresa es una organización, es decir, tiene un tipo de entidad que se distiende em pasado, presente y futuro y que no se reduce la suma de sus miembros; por su vez esa entidad ha de cumplir unas funciones y asumir claras responsabilidades sociales, es decir, ha de tomar decisiones morales. No quiere decir esto que la responsabilidad de los indivíduos se diluya en la del conjunto de la empresa, sino que la ética no es sólo individual, sino también corporativa y comunitária. 127 Idem, Ibid., p. 81. 128 DOLAN, Simon L.; GARCÍA, Salvador. Gestão por valores: um guia organizacional para viver, estar vivo e ter qualidade de vida no mundo global do século XXI. Porto: Bio Rumo, 2008, p. 3. 72 Essa abordagem, denominada pelos autores citados como Gestão Por Valores (GPV) evidencia de que uma nova roupagem deve servir de rumo para as organizações empresariais. Uma filosofia em que se mantém a ideia original de empresa que é o enriquecimento e a busca do lucro, mas acompanhada de uma sustentabilidade agregada a outros objetivos estratégicos. A gestão por valores constitui-se, também, numa necessidade para que as empresas respondam às transformações vivenciadas no mundo competitivo dos negócios. Se num passado recente o território de ação das empresas eram delimitados e de atuação regionalizada, a globalização trouxe mudanças nesses paradigmas e na concorrência. As empresas têm que assumir a sua responsabilidade pelo futuro. As ações não podem se limitar ao tempo presente e isso se faz com uma plena comunicação entre as empresas e a sociedade criando-se um elo que legitima a empresa no contexto de mercado. As instituições ganham uma identificação própria e embora possam existir semelhanças, se diferencia das outras porque tem legitimação própria. Essa transformação na forma de agir das empresas vem ganhando corpo e muitas organizações empresariais tomam decisões de gestão socialmente responsáveis como parte de suas estratégias, principalmente como forma de aceitação no mercado. No entanto, maneira de atuar ainda não está devidamente enraizada no consciente do empresariado e na maioria das vezes são meramente pontuais. Importante o estudo do Instituto Ethos sobre o tema: Essas iniciativas, apesar de apresentarem resultados positivos, representam, na maioria das vezes, ações pontuais e desconectadas da missão, visão, planejamento estratégico e posicionamento da empresa e, conseqüentemente, não expressam um compromisso efetivo para o desenvolvimentosustentável. Em muitos casos, as empresas brasileiras acabaram por associar responsabilidade social à ação social, seja pela via do investimento social privado, seja pela via do estímulo ao voluntariado.129 Embora relevante, pois de trata de uma forma de participação social que traz benefícios à comunidade, esse proceder pontual, na maioria das vezes é colocado de forma isolada e não integra a linha de conduta efetiva da empresa. Com isso, ações que quando implementadas produzem lucro social considerável, terminado o seu ciclo são descartadas e não há continuidade o que de certa forma descaracteriza a ação. A perpetuação das ações ética e socialmente responsáveis no tempo é que produzirão resultados consistentes. Para que a empresa atue na vertente ético social exige-se uma transformação na cultura 129 INSTITUTO ETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RevistaFAT03_ ethos.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2010. 73 empresarial. O mercado, diante do modelo econômico que vigora, exige que as empresas diminuam as despesas e aumente os lucros, vigendo a ideia de que agir com objetivos socialmente responsáveis geram gastos e não investimentos. Ainda não faz parte da cultura empresarial que ao incorporar ações socialmente responsáveis no planejamento das instituições resulta em satisfação interna e externa trazendo recompensas que viabilizam esse modo de agir. Para o agir ético e socialmente responsável há necessidade de reconhecer que o resultado das atividades empresariais deve abranger campo bem mais amplo do que o limitado apenas aos seus sócios e em algumas situações aos seus membros internos. Nesse sentido pertinente as colocações de Tinoco: [...] a responsabilidade social [...], enfatiza o impacto das atividades das empresas para os agentes com os quais interagem: empregados, fornecedores, clientes, consumidores, colaboradores, investidores, competidores, governos e comunidades. Explicitam, ademais, que este conceito expressa compromissos que vão além daqueles já compulsórios para as empresas, tais como o cumprimento das obrigações trabalhistas[...]. Expressa, assim, a adoção e a difusão de valores, condutas e procedimentos que induzam e estimulam o contínuo aperfeiçoamento dos processos empresariais, para que resultem em preservação e melhoria da qualidade de vida das sociedades, do ponto de vista ético, social.130 Partindo desse proceder éticosocial, os critérios para se avaliar o sucesso ou fracasso de uma empresa exigem a incorporação de outros valores que não apenas os resultados econômicos auferidos durante determinado tempo. A posição da organização no comprometimento com os problemas da sociedade em que está inserida e a atuação participativa na solução desses entraves é que irão determinar o sucesso e conseqüente legitimação da instituição. Um dos desafios que se apresenta às empresas quanto a sua forma de gerir suas atividades consiste na comprovação de que seu modo de atuação vai ajudar na inclusão social, possibilitando que seus colaboradores (empregados, fornecedores, clientes, etc.), tornem-se cidadãos. Nesse contexto alinha-se a qualificação e capacitação profissional não só daqueles que estão a nível interno das instituições, mas, também, os membros da sociedade em que está inserida. Esses paradigmas dão abertura para o consumo ético que vem ganhando espaço a cada 130 TINOCO, João Eduardo Prudêncio. Balanço social: uma abordagem da transparência e da responsabilidade pública das organizações. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.67. 74 dia, resultado das ações de responsabilidade social ética que integra a nova forma de gestão, que traz ao cidadão a consciência de que deve-se valorizar empresas que protegem e incentivam valores importantes para a sociedade. Esse novo modo de administrar serve de crédito na competitividade de mercado, cada vez mais acirrada. O gestor quando aplica a responsabilidade social ética em seus negócios, obtém vantagens significativas no seguimento a que pertence. Explica Martinelli. [...] a correta prática da responsabilidade social pode melhorar o desempenho e a sustentabilidade a médio e longo prazo da empresa, proporcionando: valor agregado à imagem corporativa da empresa; motivação do público interno; vantagem competitiva; facilidade no acesso ao capital e financiamento; reconhecimento dos dirigentes como líderes empresariais; melhoria do clima organizacional, dentre outros.131 Essa forma de gestão faz com que as empresas assumam nova postura dentro do contexto social, responsabilizando-se e contribuindo para a solução das desigualdades sociais e promovendo o bem-estar da sociedade. Dentro desse universo, faz parte a ressocialização do preso, pois além de se devolver a dignidade humana que estava oculta quando do cumprimento da pena, tem-se, ainda, que oportunizar trabalho para que possa haver a reinclusão social. Ao oportunizar trabalho formal ao egresso do sistema penitenciário e possibilitar a ressocialização, a organização empresarial está agindo eticamente e de modo social e responsável. Por meio desse procedimento adquire a simpatia e confiança da sociedade que irá refletir no consumo. O consumidor consciente vai preferir esta e não aquela empresa que não interage com a realidade social. 3.1.2 A Ressocialização por Meio da Responsabilidade Social A ressocialização do preso para alguns autores é missão impossível, destacando-se o posicionamento de Roures afirmando que ―[...] falar em reabilitação é quase o mesmo que falar em fantasia, pois as penitenciárias em vez de recuperar os presos os tornam piores e menos propensos a se reintegrarem no meio social‖.132 131 MARTINELLI, Antonio Carlos. Empresa – cidadã: uma visão inovadora para uma ação transformadora. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 37. 132 ROURES, Denise de. Panorama dos processos de reabilitação de presos. Revista Consulex, Brasília, ano 3, n. 20, ago. 1998, p. 15. 75 Antes que se possa desenhar o papel das corporações na ressocialização do preso, necessário que se exponha sobre a execução da pena aplicada pelo Estado. O cumprimento da pena imposta deve estar sempre voltado para a ressocialização, também compreendida como reabilitação do preso e partindo desse entendimento não cabe a aplicação de pena com sentido de vingança sem levar em conta o grau de culpabilidade. Importante escrito de Marchi Junior: Há que se destacar ainda, que naturalmente, toda atividade ‗ressocializadora‘ ou ‗reabilitadora‘ há de se pautar pelo respeito às opções pessoais do condenado, à sua integridade psíquica, à sua intimidade, enfim, à dignidade que lhe é inerente, jamais podendo implicar uma transformação moral forçada, mas limitando-se a evitar os efeitos mais deteriorantes do encarceramento e a fornecer um apoio objetivo que facilite um retorno menos traumático ao convívio extramuros.133 Agindo de forma socialmente responsável as empresas têm sua cota de participação na ressocialização do preso e deve haver uma interação com o Estado no sentido dessa recuperação. A legislação brasileira por meio da lei penal e da lei de execução penal traz como objetivo maior a ressocialização. Nesse sentido importante o estudo do jurista Mirabete A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior [...]. A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação. Sozinha a pena não consegue reintegrar o indivíduo apenado, se faz pertinente a junção de outros meio.134 Ao Estado cabe, após o devido processo legal, a função de aplicação de uma punição justa a quem comete um delito e as instituições de participar do processo de ressocialização desse cidadão. Ao Estado é atribuída a participação efetiva consistente em implementar políticas públicas que possibilitem ao encarcerado, ao ex-presidiário e às empresas apresentar resultados práticos e efetivos de reinserção na sociedade, devolvendo-lhe a cidadania.. É este o pensamento de Carnelutti: 133 MARCHI JUNIOR, Antonio de Padova. Execução penal. Curitiba: Juruá, 2008, p. 154. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal: comentários à lei nº 7.210, de 11-7-1984. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 73. 134 76 [...] a política de ressocialização deve ser constituída nas relações entre o presidiário e membros da sociedade, mutuamente. Deve haver reciprocidade na experiência, envolvimento do próprio preso nesta política. Colocamos isso, pois caso não haja uma troca entre os atores desta, se não houver interesse por parte do presidiário, a experiência tenderá à ruína. Devemos como sociedade civil instigar o preso, mostrar a importância da ação, tentar conquistá-lo, encorajá-lo, caso haja interesse.135 Sem que haja a interação entre o Estado, a comunidade e a empresa haverá maiores obstáculos ao processo de recuperação. Ao gerar oportunidade a empresa estará cumprindo a sua responsabilidade social incorporando em seus negócios interesses da sociedade. O cidadão recuperado será membro de sociedade consumidora formando-se uma cadeia em que todos participam de um processo importante para o ser humano. Esse processo só se materializa com a participação das instituições, pois é justamente no momento em que cumpre a sua pena e volta para a sociedade que o ex-preso encontra as maiores dificuldades. Extremamente pertinente as palavras de Carnelutti: Quando chega, enfim, o momento mais esperado pelo condenado que é a liberdade, deixa ele para trás os portões fechados das masmorras nas quais se transformou a prisão, esperando encontrar abertos os portões da sociedade, para onde está retornando. Porém, o que encontra pela frente é um outro portão fechado, muito maior do que aqueles que deixou para trás,que é a estigmatização da sociedade.136 Saindo do sistema prisional o ex-presidiário volta para a sociedade e terá que superar o desafio de encontrar trabalho para seu sustento e de sua família e na maioria das vezes, não encontra. Essa realidade estimula a viver na informalidade, quando não, volta para a prática de crimes. Partindo dessa premissa, a participação das organizações empresariais no processo de recuperação do ex-presidiário além de ser uma questão social é, também, questão ética. Escreve Passos ―[...] que está se criando um novo paradigma com a criação de instituições preocupadas com o ser humano dentro das organizações‖.137 Essa nova modalidade de empresa é a que ganha espaço no mercado globalizado. Há necessidade de que as organizações tenham uma visão humanista do processo produtivo, conforme assevera o citado autor: 135 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de José Antônio Cardinalli. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001, p. 61. 136 Idem, Ibid., p. 61. 137 PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 123. 77 Esse novo paradigma e as iniciativas que o seguem nos levam a entender que a verdadeira missão das organizações não deve ser fazer as pessoas produzirem, colocá-las a serviço do poder do capital, e sim ajudá-las a realizar seu potencial criador, pois só assim serão produtivas e felizes. Desfazem conceitos e preconceitos que afirmam que o ser humano é por natureza pouco produtivo e mostram que essa situação é conseqüência de sua infelicidade e insatisfação com o que faz.138 A prisão e o cumprimento da pena imposta pelo Estado não são suficientes para ajuste do comportamento do agente que praticou o delito, significando apenas a parte punitiva da questão. Esse modelo tem sido criticado e combatido, pois representa a destruição da personalidade e serve de fomento à criminalidade já que o ambiente carcerário favorece o desvio de caráter. 3.1.3 A Responsabilidade Social e a Oportunidade ao Trabalho para o Presidiário Não é tarefa fácil vivenciar a responsabilidade social das empresas a serviço da ressocialização. Embora algumas empresas tenham interesse no desenvolvimento de ações no sentido de oportunizar trabalho a egressos, esbarram na falta de estrutura do sistema carcerário que acaba por inviabilizar esse tipo de atuação. Conforme dados recentes da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Paraná,139 o Estado tem cerca de oitocentos presos, num total de trinta mil, que não sabem ler e nem escrever. Para tentar solucionar o problema, segundo a secretaria, está sendo criado projeto que pretende zerar o analfabetismo entre presos. Aliado a isso tem-se a falta de qualificação profissional, que nos tempos atuais é requisito essencial e porta de entrada para o mercado de trabalho, pois a falta de capacitação profissional é um entrave para que as empresas absorvam essa mão-de-obra. Nesse sentido, a secretaria citada, está desenvolvendo projetos que possibilitem a reinserção e que será objeto de estudo ainda dentro desse trabalho. Não menos preocupante e também motivo de intimidação das empresas na implementação de ações voltadas à reabilitação de ex-presidiário é o preconceito. Reside neste quesito uma das grandes dificuldades de resssocialização do ex-presidiário. Estudos realizados pela Fundação Perseu Abramo, publicado no jornal Diário de Maringá comprova 138 PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 123. PARANÁ. Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do Paraná. Disponível em <www.pr.gov.br> Acesso em: 15 maio 2011. 139 78 essa realidade: O preconceito contra ex-presidiários aparece como o segundo maior quando os entrevistados manifestaram sua aversão de maneira espontânea. [...] Os ex-presidiários despertam repulsa ou ódio em 5% dos brasileiros, antipatia em 16% e recebem a indiferença de 56% dos entrevistados. [...] De acordo com a promotora da Vara de Execuções Penais (VEP), Valéria Seyr, depois de cumprir pena em presídios, dificilmente a pessoa consegue entrar no mercado de trabalho. ‗Acompanhamos essa situação todas as semanas: o exdetento vem ao cartório para retirar a certidão de antecedentes criminais e, ao apresentar o documento para o empregador, é rejeitado para o trabalho.‘140 A sociedade e as empresas ainda não se deram conta de que a discriminação aos egressos do sistema penitenciário em nada beneficia a comunidade. Havendo essa exclusão, a tendência é que o agente volte a praticar delitos, até como forma de sobrevivência. A prisão é exceção e não regra. Quando se determina a punição pela perda de liberdade, sabe-se que o agente, após determinado tempo, voltará ao convívio social, motivo pela qual deve a sociedade e as instituições estar preparadas para esse retorno. No mundo contemporâneo já não se aceita uma organização empresarial que não esteja preocupada com os problemas sociais da sociedade em que está inserida. O direito e busca ao lucro faz parte das atividades e das metas das instituições, mas, não pode vir desacompanhada dos compromissos sociais. Cabe demonstrar a manifestação de Canotilho: Cabe ressaltar que o ganho fundamental das empresas que participam com projetos sociais é o reflexo de sua imagem perante a sociedade. Essa exposição faz com que sua imagem seja reforçada ocorrendo conseqüentemente um aumento nos negócios. Seu poder social, sobre as comunidades em que atua se afirma e esses pensamentos levam também a idéia de filantropia à fidelidade. A sociedade e consumidores enxergam à empresa por uma ótica mais otimista, sendo assim, criam uma certa fidelidade em comprar produtos de tal empresa ou que possuem tal marca. As realizações de trabalhos sociais tornam-se muitas vezes, como negócios, formado por acionistas e consumidores. Os resultados são tão positivos, que as empresas nacionais e as multinacionais, compreendem, claramente que as ações sociais promovem a imagem da empresa, chamando-as cada vez mais as empresas para a responsabilidade social.141 140 FUNDAÇÃO Perseu Abramo. Diário de Maringá, 25 abr. 2009. Disponível em: <http://maringa.odiario.com/maringa/noticia/215989/preconceito-impede-a-reabilitacao-de-ex-presos.>. Acesso em: 21 jan. 2011. 141 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p.182. 79 A responsabilidade social das empresas na ressocialização do preso, oportunizando trabalho formal, embora a princípio possa transparecer que se trata de um ônus para as instituições, pelo contrário, funciona como um marketing social. Ilustrando, tem-se a definição de Fontes para marketing social: [...] é a gestão estratégica do processo de introdução de inovações sociais, a partir da adopção de comportamentos, atitudes e práticas, individuais e colectivas. Estas inovações sociais são orientadas por preceitos éticos e fundamentadas nos direitos humanos, na equidade social.142 Desse modo a atuação das empresas voltadas para a solução de problemas sociais que afligem determinada comunidade, antes de acarretar prejuízo, traz como consequência a fidelidade do consumidor que passa a adquirir produtos da organização socialmente responsável como forma de reconhecer a maneira de agir ética e consolidando a marca no mundo dos negócios. 3.2 A RESPONSABILIDADE ESTATAL NA RESSOCIALIZAÇÃO A política de reinserção do apenado na sociedade integra expressamente o ordenamento jurídico como um objetivo a ser perseguido pelo Estado. No Brasil, conforme leciona Comparato, ―[...] a dignidade da pessoa humana é a pedra angular sobre que deve ser construído todo o monumento do sistema penal. [...] é a célula-mãe desse sistema e, por isso, também seu fundamento máximo‖. 143 A Lei de Execuções Penais ao tratar da reinserção do ex-presidiário tem a seguinte redação: ―Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. ―144 (grifo nosso) Sobre o tema, comenta o jurista Gomes: O artigo 1º da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) deixa claro o objetivo da (re)integração social do condenado e do internado. Entretanto, existem alguns requisitos materiais necessários para a consecução desse resultado. Esses requisitos dizem respeito à satisfação das condições para a existência digna e para o perfeito desenvolvimento da pessoa do condenado, 142 FONTES, Miguel. Marketing social revisitado: novos paradigmas do mercado social. Florianópolis: Cidade Futura, 2001, p. 78. 143 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p.32. 144 BRASIL. Código penal. Lei nº 7.210, de 11/07/1984. 13. ed,. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. 80 com a finalidade de viabilizar seu harmônico (re)ingresso no convívio social.145 É imprescindível, portanto, que a execução da pena imposta ocorra em estabelecimentos carcerários que – da mesma maneira que propiciem a necessária cominação do castigo nos moldes da política criminal – preservem a integridade do condenado e lhe garantam tanto a habilitação pessoal quanto à possibilidade de sua efetiva inclusão na família e na sociedade. O ordenamento jurídico penal brasileiro quando trata da execução e cumprimento da pena faz opção clara pela recuperação. Fundamenta-se no princípio da dignidade humana e seus imperativos demonstram que o processo – do início ao fim – tem por objetivo a ressocialização. O Instituto Ethos tem interessante estudo sobre esse posicionamento. Pode-se considerar que os impedimentos constitucionais de que sejam adotadas penas definitivas, como a prisão perpétua, o desterro e a pena de morte, respeitam a realidade brasileira e reafirmam os princípios da recuperabilidade do ser humano. Os princípios gerais de respeito à dignidade humana também impedem que sejam aplicadas ao condenado penas cruéis ou degradantes, como castigos físicos e trabalhos forçados. Proíbem ainda que os estabelecimentos penitenciários sejam construídos em lugares de difícil acesso e insalubres, como ilhas, florestas e desertos, ou que o preso seja mantido distante de sua família e do local onde vivia. 146 A finalidade do cumprimento de pena, ao contrário de ser a punição por si só, é a ressocialização. Esse procedimento faz com que aquele que praticou um ato ilícito e pagou sua dívida com a perda de liberdade volte a ser reinserido na comunidade. Mas, deve contar com a colaboração imprescindível da sociedade. Se a sociedade é quem vai receber o expresidiário para com ele conviver, deve participar do processo. Neste sentido importante demonstrar uma das conclusões do estudo realizado pelo professor Sá quanto à resistência da comunidade em aceitar o egresso do sistema penitenciário: [...] a sociedade tem muito medo de manter dentro dela, como um problema seu, os seus membros por ela tidos como criminosos, não só pelo perigo real que eles possam representar (o que até pode ser uma verdade da parte de um grupo deles), mas também pelo risco que ela corre de vir a se deparar com o crime como uma realidade inerente a ela, todos os seus membros. 147 145 GOMES, Luiz Flavio. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 46. INSTITUTO ETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br.>. Acesso em: 15 abr. 2010. 147 SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 33. 146 81 Percebe-se que a sociedade, embora tenha consciência da necessidade de solucionar a questão da criminalidade quanto à reinserção do ex-presidiário ainda não aceita essa realidade. A razão pode ser o receio de estar admitindo a questão da violência ou ainda o medo de conviver com alguém que praticou um delito. Incluir-se como membro da sociedade é importante na ressocialização. Assim, o empresário, que tendo interesse na equalização do problema de segurança pública tem responsabilidade no processo de reabilitação. Leia-se a exposição de Marcão: De inestimável valor a colaboração da iniciativa privada para alcançar a finalidade da execução penal, notadamente no que diz respeito à readaptação do sentenciado ao convívio social. Pequenas e grandes empresas, economia formal ou informal, podem colaborar com o fornecimento de bens e serviços e, principalmente, destinando vagas e emprego durante e após o encarceramento ou internação [...].148 Estudos demonstram que é por meio do trabalho que o individuo se torna um ser social. Nesse sentido, importante expor o pensamento de Iamamoto: O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens. Pelo trabalho o homem se afirma como um ser social e portanto, distinto da natureza. O trabalho é a atividade própria do ser humano, seja ela material, intelectual ou artística. É por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas necessidades. É pelo trabalho que as necessidades humanas são satisfeitas, ao mesmo tempo em que o trabalho cria outras necessidades. 149 Tem-se no ordenamento jurídico penal brasileiro quanto ao processo de ressocialização, o artigo 31 da Lei de Execução Penal150 dispondo que àquele que é condenado à pena privativa de liberdade é obrigatório o trabalho, respeitando suas qualificações e capacidade. Sobre a importância desse dispositivo legal, escreve Mirabete: Exalta-se seu papel de fator ressocializador, afirmando-se serem notórios os benefícios que da atividade laborativa decorrem para a conservação da personalidade do delinqüente e para a promoção do autodomínio físico e moral de que necessita e que lhe será imprescindível para o seu futuro na vida em liberdade. [...] É importante constituir uma formação tanto para o 148 MARCÃO, Renato Flavio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 84. IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 35. 150 BRASIL. Código penal. Lei nº 7.210, de 11/07/1984. 13ª ed,. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. 149 82 detento, suas famílias e para os profissionais que atuam mais diretamente aos apenados, pois vão estar caminhando ao lado dos encarcerados durante o processo de penalização além da família ser o seio que vai receber esse indivíduo quando da sua saída da penitenciária. 151 O artigo 6º do texto constitucional brasileiro152 determina que o trabalho é um direito social do cidadão. Logo estende-se esse direito ao encarcerado,. É este o sentido dos artigos 28 e 31 da Lei Execuções Penais153, determinando o trabalho ao preso como obrigatório. Ainda mais, traz em seu artigo 32, a determinação de capacitação profissional a todos que estão sob custódia. Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. § 1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo. § 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade. § 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado. Não há dúvidas de que a falta de aptidão profissional dos egressos do sistema penitenciário é uma das razões da dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. Com a qualificação profissional, umas das consequências imediatas é a diminuição dos altos índices de reincidência, pois propiciará ao ex-detento a possibilidade de reinserção no mercado de trabalho e no meio social, manter o seu sustento e da família. Embora o sistema prisional brasileiro, representado pela lei de execuções penais, seja considerado de vanguarda a sua aplicabilidade é ineficiente. Inúmeras são as críticas. Marchi Júnior assevera: A crise no sistema prisional é flagrante nos sistemas adotados nos mais diversos países, penalogistas, criminologistas, sociólogos e penalistas são 151 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal: comentários à lei nº 7.210, de 11-7-1984. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 56. 152 BRASIL. Constituição (1988). São Paulo: Saraiva, 2008. Art. 6º: São direitos sociais [...], o trabalho, [...]. 153 BRASIL. Código penal. Lei nº 7.210, de 11/07/1984. 13ª ed,. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. Art. 28: O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. Art. 31: O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. 83 unânimes em afirmar que as penas privativas de liberdade dificilmente reeducam o preso e o que é pior, muitas vezes acabam corrompendo aqueles que possuíam conduta irretocável perante a sociedade. Não é novidade que a fala de ocupação tem contribuído no estímulo de práticas ilícitas pelos detentos, contaminando as instituições prisionais, que se tornam reféns de ambientes hostis, propícios a rebeliões e motins. 154 Ao inserir no texto da lei de execuções penais o direito do preso ao trabalho e a uma qualificação profissional, fez demonstrar o legislador que o combate à ociosidade dentro dos presídios é o caminho a ser percorrido pelo poder público para que, em conjunto com a iniciativa privada, possa o ex-presidiário ser reinserido no convívio social. Expõe Marchi Junior: [...] agora, a administração pública tem uma missão importante na vida ocupacional dos presos [...] bem como, tem a obrigação de ofertar cursos de ensino educativo/profissionalizante para facilitar a inserção do detento no mercado de trabalho futuro. 155 Nessa linha de raciocínio continua o jurista que ―[...] o trabalho penitenciário está intimamente ligado à qualificação profissional do recluso [...] para atender perspectivas futuras em busca do emprego digno quando de seu livramento‖.156 Quando a lei de execução penal determina que dentre as condições de cumprimento de pena está o trabalho, não significa que o faça com o fim de punição, mas, sim, com intuito de prepará-lo, capacitando-o para reinserção na sociedade da qual um dia fez parte e a ela terá que retornar. Nesse seguimento, ensina Casella: A prestação de trabalho, por parte do presidiário, integra-se no regime de execução da pena (da sanção penal) concomitantemente como um direito e um dever, sem que, portanto, configure, em si, uma pena freqüente em tempos passados (trabalhos forçados). Múltiplas são as funções do trabalho do presidiário, reconhecido como verdadeira necessidade: favorece o estado psicológico para que o condenado aceite sua pena; impede a degeneração decorrente do ócio; disciplina a conduta; contribui para a manutenção da disciplina interna; prepara-o para a reintegração na sociedade após a liberação; permite que os presidiários vivam por si próprios. 157 154 MARCHI JÚNIOR, Antonio de Padova. Execução penal: constatações, críticas, alternativas e utopias. Curitiba: Juruá, 2008, p. 77. 155 Idem, Ibid., p.74. 156 Id., Ibid., p. 74. 157 CASELLA, João Carlos. O presidiário e a previdência social no Brasil. Revista de Legislação do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, ano 44, p. 422-434, abr. 1980. 84 O modelo adotado pelo sistema penal brasileiro visa combater a ociosidade dentro dos presídios, pois se entende que a falta de ocupação possibilita que o preso adquira vícios de difícil reparação e o cumprimento de pena que tem por escopo reabilitar, passa a ter a conotação de escola de crime. A importância do trabalho e a qualificação do encarcerado é matéria do Instituto Ethos que se descreve: O modelo de cumprimento progressivo da pena permite que o trabalho do preso seja concebido como um processo de formação contínua, que se inicia com testes de habilidade profissional, recrutamento, seleção, treinamento e empregabilidade. [...] para que, ao final dela, a pessoa tenha identificado sua vocação profissional, recebido o treinamento adequado [...] e adquirido um ofício certo pelo qual possa reconstruir sua vida, de preferência com um emprego assegurado. Essa concepção de formação contínua sugere que o trabalho do preso seja feito em esquema de rotatividade, dado-lhe a possibilidade de conhecer todas as etapas do ciclo produtivo, evitando-se as tarefas repetitivas e a visão segmentada do processo.158 Das várias justificativas e objetivos do trabalho do encarcerado, destaca-se a busca maior que é a reinserção na comunidade quando terminar de cumprir com as sanções impostas pelo Estado. Importante esclarecer como escreve Fudoli que ―[...] hoje o trabalho não é retributivo; constitui parte do tratamento penitenciário, [...] tendo como metas promover sua readaptação, profissionalizá-lo e incutir em seu modo de vida os hábitos laborais.‖159 3.2.1 Responsabilidade Estatal: Competência na Execução Penal Terminada a tramitação processual penal tem-se a absolvição ou condenação de quem praticou o delito e foi julgado. Quando o individuo é condenado à pena privativa de liberdade e o cumprimento da pena exige regime fechado, há necessidade de que cumpra a pena em um presídio/penitenciária. A partir do momento que se passa para a execução e cumprimento da pena, o processo é regulado pelo direito penitenciário, entendido como o conjunto de normas jurídicas tendo por finalidade regulamentar a situação dos que foram condenados criminalmente e são obrigados ao cumprimento de pena privativa de liberdade. Para cumprimento de pena, o Brasil, por meio do Código Penal de 1940, adotou o sistema progressivo, segundo o qual o 158 INSTITUTO ETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br.>. Acesso em: 15 abr. 2010. FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Da remição da pena privativa de liberdade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.45. 159 85 condenado poderia, conforme a sua conduta e trabalho, reduzir a pena inicialmente imposta. O sistema revestia-se de quatro fases: Isolamento, também chamado de ―período de prova‖ (no máximo três meses); Trabalho diurno e isolamento noturno; Colônia penal (após cumprida metade da pena, nos crimes com pena até de 3 anos; ou 1/3, nos crimes cuja pena fosse maior que 3 anos); e por último o livramento condicional. A Lei nº 6.416/77 trouxe as seguintes alterações ao sistema progressivo: a) passou a ser facultativo o isolamento celular inicial; b) criaram-se os regimes de cumprimento de pena: fechado, semi-aberto e aberto; c) o início do cumprimento da pena poderia se dar em regime menos rigoroso; d) passou a ser permitida a concessão de livramento condicional aos crimes com pena iguais ou superiores a dois anos. A União não tem se mostrado ineficiente na aplicação da pena com objetivo de reabilitação e não apenas de punição. Os meios de comunicação noticiam falta de vagas nos presídios e a precariedade do sistema de forma geral, o que elimina as expectativas de recuperação do apenado. Partindo dessa realidade a CF/88 determina que não compete somente à União, mas a todos os Estados-Membros a fixação de regras para o sistema penitenciário. O Brasil adotou para o sistema penal a competência concorrente determinada legalmente no inciso I do artigo 24 da CF/88,160 Entende-se por competência concorrente sempre que a responsabilidade em legislar sobre determinada matéria concorre mais de um ente federativo. Para o cumprimento da pena tem-se o regulamento pelo que se denominou direito penitenciário, que é o conjunto de normas jurídicas relativo à execução das penas e, portanto, responsável por acompanhar os procedimentos nos presídios quanto a direitos dos que se encontram presos. Embora o direito penal e o tempo de pena para cada delito praticado sejam de competência exclusiva da União nos termos do artigo 22, inciso I da CF/88161, o regime de execução da pena nos presídios não é regulado unicamente pela União. Cabe a esta fixar as normas gerais determinando os princípios e diretrizes pelos quais os Estados-Membros devem se orientar. Explicativo os ensinamentos do Ministro Mello: 160 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. Art. 24: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;[...]. 161 Idem, Ibid., Art. 22: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;[...]. 86 A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24) estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal, daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre as pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º,), [...] deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em inexistindo lei federal sobre normas gerais, a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que para atender as suas peculiaridades (CF, art. 24, § 3º).(1).162 Decisões de Segunda Instância comprovam a competência concorrente em matéria penitenciária. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 7º, INCISOS I E III, E 13, DA LEI DISTRITAL N. 3.669. ORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA DO DISTRITO FEDERAL. AGENTES PENITENCIÁRIOS. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 21, INCISO XIV, E 32, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Exame da constitucionalidade do disposto nos artigos 7º, incisos I e III, e 13, da Lei distrital n. 3.669, de 13 de setembro de 2005, que versa sobre a criação da Carreira de Atividades Penitenciárias. 2. A Constituição do Brasil --- artigo 144, § 4º --- define incumbirem às polícias civis "as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares". Não menciona a atividade penitenciária, que diz com a guarda dos estabelecimentos prisionais; não atribui essa atividade específica à polícia civil. Precedente. 3. A competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre os entes da Federação, nos termos do disposto no artigo 24, inciso I, da CB/88. (ADI 3916, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-01 PP-00062).163 Esse sistema, próprio do federalismo, permite a adequação do cumprimento da pena às particularidades de cada região. A independência dos Estados na elaboração de política penitenciária propicia formas diferenciadas de ação, pois, cada ente da Federação tem o seu nível de lotação, custo mensal dos presos, salários do material humano necessário, além das políticas próprias de reinserção, etc.. Dependendo do crime tem-se a competência para julgamento e cumprimento da pena. 162 163 MELLO, Celso de. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 2011. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Diário de Justiça, 14 maio 2010. 87 Por exemplo, os delitos definidos no artigo 109, inciso V da CF/88164, são classificados como crimes de competência da Justiça Federal. Logo, a execução da pena será de competência do sistema penitenciário Federal, isentando-se os Estados dessa responsabilidade. Sendo de competência da União, o cumprimento da pena dar-se-á nos presídios federais hoje no total de quatro unidades: Catanduvas (PR); Campo Grande (MS); Porto Velho (RO) e Mossoró (RN). O Sistema Penitenciário Federal é previsto na Lei de Execução Penal 165 e é composto pelos estabelecimentos penais federais, subordinados ao Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, cabendo sua gestão à diretoria do sistema penitenciário que entre outras funções tem a competência para promover a execução da política federal na área penitenciária. Cabe ressalvar de que há situações em que embora a condenação à pena privativa de liberdade tenha por origem a Justiça Federal, o condenado poderá ser conduzido a cumprir a pena em um estabelecimento de administração estadual, ficando submetido ao regulamento desta. Neste caso, havendo incidentes durante o cumprimento da pena, será do Juízo de Execução Estadual a competência para decidir, conforme matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça – súmula 192 – determinando que compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela justiça federal, militar ou eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual. Não estando o crime capitulado no artigo 109 da CF/88, citado no parágrafo anterior, os demais são de competência para julgamento e execução da pena da Justiça Estadual. Cada Estado é responsável pela estruturação, sendo chefiado pelo poder executivo e gerenciado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, órgão encarregado de supervisionar as delegacias de polícia, os presídios, os projetos que tenham por objetivo a ressocialização dos detentos e tudo que envolve a questão carcerária. O Estado do Paraná tem o seu Estatuto Penitenciário próprio, coordenado pelo Departamento Penitenciário do Estado, vinculado à Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, criado nos termos da Lei nº 4.788/98 de 20 de janeiro de 1998. Por esse estatuto criou-se o Patronato Penitenciário que coordena as ações do programa ―Pro-egresso‖, que tem por finalidade por em prática o cumprimento da Lei de Execução Penal, reconhecendo o 164 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. Art. 24: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;[...]. 165 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11.07.84. Institui a lei de execuções penal. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 23 nov. 2010. 88 cumprimento da pena como um processo jurídicossocial, incluindo-se o objetivo da ressocialização166. Por meio do patronato e do pró-egresso, o Estado do Paraná busca alcançar objetivos no processo de ressocialização do preso. Esse programa propicia que se acompanhe desde a sentença condenatória fiscalizando o que foi determinado na decisão como as condições de cumprimento da sentença, garantia dos benefícios e em especial do livramento condicional quando assim permitir e coordenar a prestação de serviços à comunidade, entre outros. Ainda, durante o período de cumprimento da pena, assistir ao condenado garantindo todos os direitos e benefícios, visando em especial a sua reabilitação social e objetivando sempre a sua reinserção à sociedade, oportunizando formação profissional o que possibilitará futuro vínculo empregatício, além da prestação de serviço psicológico e jurídico. Estendendo a atuação, fazer um trabalho junto às famílias do preso, conscientizando-a da necessidade de se fazer a reinclusão do ex-preso. Aliado a isso, e como parte do trabalho, gerenciar junto à comunidade para que reconheça a necessidade de recolocar o egresso como parte integrante de seu meio, inclusive como forma de reduzir a criminalidade. Todo o processo tem por finalidade permitir que dentro do presídio, mediante um acompanhamento de sua conduta, o preso tenha assegurada a sua dignidade humana e paralelo a isso, garantir que lhe seja propiciado qualificação e/ou capacitação profissional, possibilitando que ao retornar ao convívio social possa sentir-se útil e reintegrado socialmente. Na execução do programa, permite-se que o Estado celebre convênios com instituições públicas ou privadas para se alcançar esse objetivo. Assim, ao determinar no artigo 24 da CF/88, em seu inciso I, que o Direito Penitenciário é de competência concorrente, cabendo unicamente à União a determinação de normas gerais, conforme se lê no parágrafo primeiro do mesmo artigo, o legislador 166 PARANÁ (Estado). Lei nº 4.788 de 20 de janeiro de 1998. Do Patronato e Pró-Egresso. Art. 25 - O Patronato/Pró-Egresso tem por principais objetivos: [...] IV. fiscalizar e fazer cumprir, através dos respectivos órgãos, as condições impostas na sentença de concessão de benefício, notadamente no livramento condicional (quando houver expressa delegação), no cumprimento de pena no regime aberto, de prestação de serviços à comunidade, de limitação de fim de semana ou interdição temporária de direitos; V. promover a assistência ao condenado a que e refere o inciso anterior, objetivando a reeducação social e a reintegração à comunidade por meio de formação profissional, colocação empregatícia, habitação, transporte, saúde, educação, atendimento jurídico, psicológico, material e religioso, na forma do capítulo II da Lei Federal nº 7.210/87; VI. propiciar a conscientização da família do egresso, visando seu reingresso no meio social; VII. acompanhar e avaliar o desenvolvimento do processo de ressocialização do condenado e do egresso, mediante verificação sistemática da sua conduta em nova condição de vida, objetivando a redução da reincidência criminal; VIII. conscientizar a comunidade a fim de que facilite as condições necessárias à adequada reintegração social do egresso; Parágrafo Único - A Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, na execução do Patronato/Pró-Egresso, poderá celebrar convênios e ajustes com entidades e instituições públicas ou privadas, nos termos da legislação pertinente.166 89 reconheceu certa autonomia, significando uma conquista dos Estados-Membros, permitindo o que se denominou de equilíbrio no pacto federativo, considerando-se que não poderia ser diferente, haja vista que cada Estado da Federação tem suas particularidades e assim devem ser tratadas. Autoridade estadual para legislar sobre presídios não significa a isenção total do governo federal nessa área. Faz parte do Ministério da Justiça duas agências federais – Departamento Penitenciário e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - que cuidam da política prisional. O primeiro tem a responsabilidade com a construção de novos presídios e o segundo a orientação em políticas de funcionamento. Em recente pronunciamento, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo enfatizou que ―para solucionar os problemas penitenciários exigirá muito esforço e recursos da União e dos Estados.‖167 Embora os municípios não façam parte da competência concorrente quanto ao sistema penitenciário, existem propostas para que em cada município tenha política prisional voltada à inclusão, à educação; à capacitação e à aproximação do apenado junto à comunidade local. Pela proposta, o trabalho do apenado seria obrigatório e aqueles que não mostrassem condições de reinserção, seriam transferidos e cumpririam pena nos presídios federais de segurança máxima. Independentemente da competência estabelecida pela CF/88 determinando as responsabilidades da União e dos Estados quanto ao direito penitenciário e considerando-se o caos em que se encontram os cárceres brasileiro, imprescindível que haja uma corresponsabilidade para equacionar o problema social causado pela criminalidade. União e Estados, conforme colocado pelas autoridades competentes devem unir-se para que sejam disponibilizados meios de ressocialização do preso. 3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO: OPORTUNIDADES DE TRABALHO A sociedade tem compromissos com os seus presos. É fato notório de que o ideal é o investimento na criança, mas, no entanto, aqueles que se encontram encarcerados necessitam de intervenções estatais eficazes sob pena de permanecer o círculo vicioso da prática criminal: crime; prisão; liberdade; crime e assim invariavelmente. Se não houver uma participação efetiva do Estado através de políticas públicas consistentes estar-se-á diante da reincidência. 167 BRASIL. Ministério da Justiça. Disponível em: <www.minesteriodajustiça.gov.br>. Acesso em: 2 maio 2011. 90 Dentre os inúmeros conceitos de políticas públicas podemos destacar o apresentado por Guareschi: [...] o conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público. 168 Partindo-se da primissa de que políticas públicas são ações do poder público e que tem por fundamento, no entender de Breus ―a existência de direitos sociais, aqueles que precisam se concretizar mediante prestações positivas do Estado‖169, pode-se analisar que estão divididas em três fases: elaboração, execução e avaliação. No processo de elaboração, detecta-se qual o problema específico objeto de ação pelo poder público. Tratando-se de questão social, como no caso da ressocialização, analisa-se os problemas que estão impedindo ou dificultando o exercício de direitos fundamentais dos envolvidos e, após a colheita das informações disponíveis e as que se tornarem evidentes durante as pesquisa, e a partir daí passa-se para a construção de alternativas. Estas são criteriosamente avaliadas, principalmente quanto a efetividade dos resultados que se pretende obter e o custo que essas ações exigem como a projeção de receitas e despesas e o tempo de aplicação das ações, e que são de responsabilidade do erário público. Após esse processo, constatada a viabilidade das medidas a serem adotadas, toma-se a decisão de implementação e passa-se à fase de execução. Cientes da necessidade de políticas públicas para equacionar um problema social e formalizada as ações a serem implementadas, surge o momento da execução, da materialização do que foi definido anteriormente. Importante, de início, uma adequação do orçamento disponível para materialização das políticas públicas, aliada ao controle social dessas ações, pois, não depende apenas de vontade política ou de reinvindicação da sociedade, mas, é preciso certificar-se de que existe viabilidade financeira para implantação de determinada política pública. Executar política pública é, após o reconhecimento de sua necessidade para 168 GUARESCHI, Neuza; COMUNELLO, Luciele Nardi; NARDINI, Milena; HOENISCH, Júlio César. Problematizando as práticas psicológicas no modo de entender a violência. In: Violência, gênero políticas públicas. STREY, Marlene N.; AZAMBUJA, Mariana P. Ruwer; JAEGER, Fernanda Pires (Orgs.). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. 169 BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no estado constitucional: problemática da concretização dos direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte; Forum, 2007, p. 219. 91 solucionar, por exemplo, uma questão social, viabilizar meios para que classes menos favorecidas como os egressos do sistema penitenciário, possam ser incluídos socialmente, concretizando objetivos sociais relevantes, promovendo o incentivo, entre outros, para se desenvolva parcerias entre os Estados e as organizações empresariais, oportunizando trabalho, por meio da capacitação profissional e trabalho de interação entre o Estado, as empresas e a sociedade. Essa execução deve vir acompanhada de estratégias que levem em conta a situação regional, tanto na questão economica, como também dos cidadãos que compõem a comunidade a ser beneficiada com a política pública implementada. A terceira fase consiste na avaliação dos resultados da política pública que foi implementada, analisando-se os efeitos gerados e ter-se consciência até que ponto as medidas adotadas atingiram os objetivos a que se propunham. De posse dessa avaliação será possível tomar decisões sobre o futuro e a proposição de novas ações. È a verificação dos efeitos que foram produzidos pelas políticas públicas que foram adotadas. Partindo-se do pressuposto de que políticas públicas são adotadas, entre outras possibilidades, para solucionar questões sociais, onde se enquadra a ressocialização do preso, importante no desenvolvimento de polítcas nesse seguimento que, já na fase de elaboração, se conheça a realidade carcerária brasileira em especial as causas da criminalidade. O Instituto Ethos apresenta um perfil da criminalidade em relação à pessoa do preso: [...] não é hereditária, isto é, não é transmitida de pais para filhos; não é congênita, isto é, ninguém nasce criminoso; não é biológica, isto é, não é característica específica de gênero, de raça ou de etnia; não é geográfica, isto é, não está limitada a determinados espaços geográficos; não é cultural, pois não afeta apenas pessoas de baixa cultura ou baixa escolaridade; não há uma causa única para explicar por que uns se tornam criminosos e outros não.170 Não há como apresentar uma causa principal para a criminalidade. Na realidade atual a criminalidade está presente em toda hierarquia social nao se limitando às camadas que que vivem abaixo do nível de pobreza. Exodo rural que provoca a criação de guetos na periferia das grandes cidades, a migração regional na procura de empregabilidades, a criação de núcleos residienciais sem planejamento, o consumo exagerado estimulado pela midia, tudo isso contribui para alternância de valores e costumes que desencadeiam na prática de delitos. A situação da população carcerária brasileira é proveniente também da atuação do Estado ao não agir como Estado Social e criar mecanismos para solucinar tais problemas ou 170 INSTITUTO ETHOS. Disponível em <hhtp//www.ethos.org.br.>. Acesso em 15 abr. 2010. 92 evitar que se proliferem. O sistema penitenciário brasileiro não dispõe de políticas públicas suficientes e as que estão disponsibilizadas enfrentam dificuldades na execução, conforme se verificará ainda nesta seção. O reflexo é o aumento da população carcerária impulsionados também pela reincidência. A União, embora timidamente, tem procurado promover ações no sentido de reintegração do ex-presidiário na comunidade. Dentre elas destaca-se o programa ―Começar de Novo‖ lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem por objetivo sensibilizar a sociedade para a necessidade de se buscar alternativas para reinclusão no mercado de trabalho e na sociedade, presos que já satisfizeram sua obrigação com o Estado, cumprindo suas penas e assim retornarão ao convívio de sua comunidade. A Corte Suprema, idealizadora do projeto, formalizou convênio com o governo do Distrito Federal em que serão incorporados quarenta egressos do sistema penitenciário e trabalharão administrativamente no Tribunal. Com esse programa procura-se incentivar a participação de outros orgãos, em especial do Poder Judiciário na absorção de mão-de-obra dos egressos presos, firmando convênios que envolvem as secretarias públicas de Estado, responsáveis pela adminstração carcerária em nível estadual, seguindo o exemplo da Suprema Corte. Na defesa do programa expôs o ministro Melo: [..] a partir do momento em que a propria presidência do STF, o orgão de cúpula da Corte, revelou preocupação com a situação dos custodiados no país, eu teria que somar força a esse esforço maior, para dar ao homem, acima de tudo, o que é a mola mestra, ou seja, a esperança. Aquele que foi condenado pelo Estado-juiz não é um excomungado para o resto da vida. [...] o Estado é responsável pela ressocializaão daquele que claudicou na vida em sociedade [...] e quanto a essa reintegração não pode haver preconceito, muito menos por um orgão público. 171 O programa em análise possui alguns princípios que o norteiam. De início, atua junto à população buscando sensibilizá-la para a necessidade de reincluir na sociedade e no mercado de trabalho aqueles que já cumpriram pena. Mediante essas ações almeja dar cumprimento ao disposto na lei de execução penal como avaliar a situação individual de cada preso no cumprimento da pena incentivar convênios com entidades e associações. Dentre os objetivos do programa está a sugestão para que os Tribunais Estaduais incentivem ações para 171 MELLO, Marco Aurélio. Disponível em <www.org.gov.br.> Acesso em: 20 set. 2010. 93 recuperação do preso e a tomada de medidas concretas de capacitação profissional. Ainda quanto a políticas públicas de alcance social e diretamente ligadas ao preso, tem-se o auxilio-reclusão, instituido pelo Regime Geral da Previdência Social, Lei nº 8.213 de 14 de junho de 1991 em seu artigo 18, inciso II, letra ‗b‘ combinado com o artigo 80172. Entretanto, esse benefício só será concedido se o preso de baixa renda comprovar exercício de atividade remunerada que o identifique como contribuinte da previdência social. O valor é dividido entre os beneficiários do preso e nao impede que trabalhe nos presídios. O objetivo dessa lei é propiciar sustento àqueles que estavam sob dependência do preso. A justificativa é a de que se o preso se mantem às custas do Estado, nao é justo que seus dependentes, de momento para outro, se encontrem sem o mínimo sequer para sobrevivência. O auxílio-reclusão, como ação do Estado, está inserido no texto constitucional brasileiro em seu artigo 201, inciso V.‖ 173 Esse benefício, embora tenha por requisito base a prisão do individuo, está ligado diretamente à família do detento que é quem usufrui do benefício. Pela portaria nº 568 de 31.12.2010, o valor do auxilio-reclusão a partir de 01 de janeiro de 2011 é de no máximo, R$862,11(oitocentos e sessenta e dois reais e onze centavos),174 pois o valor é calculado com base no último salário do preso. Entretanto, não há nenhuma Política Pública direcionada ao preso que alcance resultados práticos e possibilite a sua ressocialização que não tenha como parâmetro o trabalho. Deve-se aproveitando a aptidão natural do preso e levando-se em consideração o labor que praticava antes da reclusão, capacitá-lo e qualificá-lo para quando regressar ao convívio social esteja preparado para exercer uma profissão. Merece destaque a posição de Araújo Junior quando discorre sobre o tema demonstrando a importância de se ofertar trabalho ao recluso: O trabalho e o estudo ofertado nos presídios pode ser uma solução para inúmeras ''doenças carcerárias''. Se pensarmos bem, é lógico o que pode ser feito até mesmo como forma de ressocialização destes presos, o que também 172 PREVIDÊNCIA Social. Lei n. 8.213/91. Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: II - quanto ao dependente: b) auxílio-reclusão; Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço. 173 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008. Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: IV – [...] e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;[...]. 174 PORTARIA N. 868 de 29.21.10. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br>. Acesso em: 15 maio 2011. 94 está garantido em lei, como por exemplo, a Lei de Execuções Penais, que fornece garantias aos presos que trabalhos, tendo estes, redução de suas penas, remuneração (devemos levar em consideração que de este benefício é de suma importância), além da oportunidade de poderem exercer uma atividade que fará o possível para que não retornem aos depósitos de marginais (lugares conhecidos por delegacias, presídios, prisões).175 Partindo do princípio de que o trabalho é a principal fonte de ressocialização, o artigo 39176 do Código Penal brasileiro garante que o trabalho do preso será sempre remunerado, garantidos, inclusive, os benefícios da previdência social. Considera-se o trabalho como direito e dever do encarcerado, com remuneração que possa reparar o dano causado pela ação delituosa e ainda assistir à família, além de outros benefícios positivados pelo art. 29 da Lei de Execuções Penais.177 A atividade laboral afasta o apenado da inércia, da apatia, dos pensamentos negativos e recupera a auto-estima. Voltando ao convívio social, o trabalho é que garantirá uma identificação dentro da sociedade. A respeito do tema, pertinente exposição fez o jurista Alberto Silva Franco: [...] as pessoas costumam tolerar a injustiça, mas não podem tolerar a desesperança. É da essência do humano ter projetos e projetar-se. Não há existência sem projeto. A exclusão é desesperança, frustra todos os projetos, fecha todas as possibilidades, potencia todos os conflitos sociais [...] e os erros de conduta. A civilização industrial gerou uma cultura do trabalho, levada a definir a identidade pelo trabalho; a exclusão e o desemprego não apenas põem em crise a sobrevivência, mas também a identidade, sendo, portanto, fonte dos mais díspares erros de conduta. [...]. A violência estrutural não pode gerar senão respostas violentas. 178 Dentro do processo de ressocialização pelo trabalho, ganha importância as atividades desenvolvidas pelo Departamento Penitenciário do Paraná (DEPEN/PR) que desde o ano de 2002 integra a estrutura da Secretaria de Estado da Justiça do mesmo Estado. Esse órgão estatal compõem-se entre outras divisões do Divisão de Ocupação e de Produção (DIPRO) e também da Divisão de Educação do Departamento Penitenciário do Paraná (DIED). Ao 175 ARAUJO JUNIOR, João Marcello de (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do Colóquio Marc Ancel. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p.24. 176 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. Art. 39. O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social. 177 BRASIL. Código penal: lei nº 7.210, de 11/07/1984. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. Art. 29. O trabalho do preso será remunerado [...] não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: [...]; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado. [...]. 178 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 483. 95 DEPEN/PR cabe a administração do sistema penitenciário paranaense, coordenando, supervisionando a atuação dos estabelecimentos penais do Estado, além do controle de suas divisões na execução de ações objetivando o cumprimento da lei de execuções penais, incluindo-se a ressocialização do preso. Embora o trabalho seja a mola propulsora que irá viabilizar a reinclusão social do egresso, importante a posição do DIED, quando afirma que a implementação de qualquer projeto de ressocialização do preso passa pela educação. Para que não haja uma limitação dos cursos e profissões a serem desenvolvidas dentro do presídio e para que o aprendizado profissional não fique restrito à memorização, imprescindível uma escolaridade básica. Assim se posiciona o órgão citado. [...] O que deverá caracterizar o Programa de Qualificação Profissional para os Presos do Sistema Penitenciário é a idéia, em primeiro lugar, de que a preparação para o trabalho não pode, sob hipótese alguma, prescindir de uma sólida escolarização formal. Além disso, todos os cursos de qualificação de nível básico deverão contemplar, além da parte prática, conteúdos cujo eixo se situem na aquisição de conhecimentos técnico-científicos. [...]. O eixo deverá se basear num novo paradigma de educação profissional: aquela capaz de formar o indivíduo com capacidades intelectuais e técnicas que lhe permitam adaptar-se às exigências do mundo do trabalho atual [...].179 As ações desenvolvidas pelo DIPRO são todas direcionadas à ressocialização do preso pelo trabalho e uma das preocupações é promover a geração de novos empregos, inclusive com criação de indústrias dentro das penitenciárias, objetivando uma melhor qualificação profissional. Além das ações intramuros, projetos que buscam interação com a iniciativa privada também são desenvolvidos. Preenchendo um formulário a empresa pode requisitar o trabalho do preso. A visão do órgão é ampla: No programa de ressocialização pelo trabalho, todos saem ganhando, a empresa, o estado, o preso e sua família e a sociedade. O programa oferece trabalho qualificado dentro do presídio, acaba com a ociosidade do preso, diminui a tensão no interior das unidades penais, reduz despesas públicas, melhora o Sistema Penitenciário e, ainda, amplia a atividade das empresas privadas.180 É possível a duplicidade pena-trabalho. Exercendo uma atividade laboral enquanto cumpre pena, o preso terá maior facilidade em se reintegrar à sociedade e ressocializar-se. No 179 180 DIED. Disponível em: <www.depenpr.gov.br/modules/conteudophp->. Acesso em: 9 dez. 2010. Idem, Ibid. 96 entanto, é necessário o empenho dos governos criando e desenvolvendo projetos com esse objetivo. Importante iniciativa foi posta em prática pelo STF, conforme matéria veiculada por aquele órgão: [...] assinou dois acordos com a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) para dar melhores oportunidades aos ex-presidiários e também para divulgar o movimento pela conciliação. Inicialmente serão criadas 500 vagas de empregos para os ex-detentos de São Paulo. O primeiro acordo tem dimensão nacional – apesar de ser instalado inicialmente no estado de São Paulo, e vai beneficiar pessoas que cumpriram pena e tiveram suas oportunidades reduzidas no mercado de trabalho. Para evitar que essas pessoas voltem a praticar crimes, propôs a parceria com a Fiesp a fim de oferecer cursos de profissionalização e vagas nas indústrias, proporcionando um recomeço para os ex-detentos. [...]. [...]. Os maiores problemas enfrentados por eles são a falta de qualificação profissional; o preconceito no momento da busca por emprego; [...]. Com as oportunidades oferecidas pela Fiesp nas indústrias e com os cursos profissionalizantes e de alfabetização, os presos estarão mais bem preparados para serem inseridos no mercado de trabalho e, conseqüentemente, haverá diminuição da reincidência no crime.181 O processo que permite a reabilitação por meio do trabalho é o que realmente proporciona a ressocialização daquele que cumpriu sua pena e necessita inserir-se novamente no meio social. Para que não se sinta excluído e afaste definitivamente a possibilidade de reincidência, deve o cidadão estar preparado para um recomeço e o ponto de apoio imprescindível é o trabalho. Entretanto, não se pode exigir que uma empresa ao cumprir o seu papel ético, acolha dentro de seus quadros pessoas que não estão preparadas para desempenhar as funções exigidas. Surge daí, a importância da valorização do trabalho humano também nos presídios atingindo duas finalidades: primeiro, prepara o cidadão para seu retorno à sociedade e ainda, em complemento o prepara também para o mercado de trabalho. Avalia-se de que não cabe mais a idéia disseminada, principalmente pela mídia, que a solução para a criminalidade é a criação de novas penitenciárias. Na verdade são verdadeiros depósitos humanos, com a justificativa de que o criminoso não tem regeneração devendo permanecer na prisão. O preso deve pagar a pena na proporção de seu procedimento contrário à lei. Estado e organizações empresariais devem manter ações conjuntas para o processo de ressocialização. O Estado criando políticas públicas que incentivem as empresas a reconhecer 181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 23 out. 2010. 97 a mão-de-obra do encarcerado e contratá-lo formalmente. As instituições têm a responsabilidade perante a sociedade de, através de medidas efetivas oferecerem oportunidade àqueles que são egressos das penitenciárias permitindo assim que possam se sentir úteis e não sentir-se atraídas para retorno ao mundo do crime. Cite-se nessa linha da responsabilidade social das empresas com participação efetiva do Estado, a Fundação Amparo ao Preso (Funap) onde a empresa interessada em contratar, apresenta o espaço físico que disponibilizará, a energia que consome e o número de detentos que quer contratar. Diante das informações a Funap busca as unidades mais adequadas e apresenta opões ao empresário. Confirmado o interesse assina-e o convênio e inicia-se o trabalho. Observe-se que neste caso o agente ainda se encontra encarcerado e, cumprindo a pena já estará com mercado de trabalho disponível. As empresas devem colocar a inclusão do preso como metas a serem alcançadas emm seus programas de responsabilidade social. Certamente contribuirão para a redução significativa da reincidência. O Ministério da Justiça já distribuiu documento nesse sentido: Ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.182 A responsabilidade social deve, portanto, ser abrangente, atingindo todos os setores sociais. Tratando-se de ressocialização e reabilitação do ex-preso, a empresa que, valendo-se do pressuposto da responsabilidade social quiser desenvolver projetos com esse alcance, empregando de recursos próprios pode desenvolvê-lo dentro do próprio estabelecimento prisional, em especial para aquelas empresas que tenham necessidade de capacitação de seus empregados para desenvolvimento de suas atividades específicas. Esses projetos podem ter a características de cursos profissionalizantes ou mesmo o que se pode chamar de requalificação profissional. Para esses projetos a empresa pode ainda contar com recursos do Fundo de Assistência do Trabalhador (FAT). Não existem maiores dificuldades para implantação desses projetos, bastando formalizar uma simples parceria com o comprometimento de utilização da mão-de-obra formada. É importante esclarecer que não se pode exigir que as empresas em razão da exigência 182 BRASIL. Ministério da Justiça. Disponível em: <www.macielneto.adv.br/descritivo> Acesso em: 15 jan. 2011. 98 constitucional que determina ações institucionais voltadas para a responsabilidade social, assumam o papel do Estado nas obrigações que lhes são próprias. Arnoldi expõe sobre o tema: [...] atribuir alguns deveres sociais a essas entidades não significa esquivar o Estado de funções que lhe são próprias. Na economia moderna, ambos devem trabalhar juntos, pois é notório que a atividade empresarial assumiu dimensões extraordinárias [...] que sua contribuição à sociedade não significa uma diminuição dos lucros. Pelo contrário, podemos felizmente constatar uma sensível melhora nas condições econômico-financeiras das instituições que têm adotado medidas de caráter social. 183 O fato das empresas terem, além de sua função social, uma responsabilidade social com a coletividade não exime do Estado de cumprir com obrigação social. Não se trata de transferir a responsabilidade de um ente, no caso o Estado, para a iniciativa privada, no caso às empresas. Ambos devem trabalhar em conjunto sempre visando o bem comum, num sistema que se poderia chamar de parceria. Iniciativas estão sendo desenvolvidas para oportunizar trabalho aos detentos e possibilitar a sua reinserção social: 3.3.1 Redução de Impostos para Empresas Que Contratam Ex-Presidiários Dois projetos de lei tramitam pelo Congresso Nacional tratam de benefícios àquela empresa que contrate egressos do sistema penitenciário. O Projeto de Lei nº 70/10, de autoria da senadora Marisa Serrano propõe a dedução de encargos sociais para as empresas em caso de contratação de egressos do sistema prisional. A Ementa esclarece o propósito do projeto de lei: Estabelece que a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, os encargos sociais incidentes sobre a remuneração dos empregados egressos do sistema prisional, durante os primeiros dois anos de contratação, devidos à Previdência Social, ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ao salário-educação, às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao seguro contra os riscos de acidente de trabalho.184 183 MICHELAN, Taís Cristina de Camargo; ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista Jurídica da Universidade de Franca, ano 2, n. 3, 1999, p. 213-220. 184 PROJETO DE LEI Nº 70/10. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em 15 dez. 2010. 99 O projeto recebeu parecer favorável da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, na pessoa do Relator, senador Pedro Simon: Assim, justifica-se plenamente que o Poder Público subsidie a empresa que colabore para possibilitar a reinserção do egresso ao mercado de trabalho e contribua para diminuir os índices de reincidência. Certamente o custo desse subsídio trará benefícios mais que proporcionais – não apenas em termos puramente financeiros, comparativamente à despesa que o estado tem com o prisioneiro – mas, principalmente, em termos de pacificação social e de reconstrução de famílias.185 Tem por finalidade incentivar as organizações empresariais a contratar egressos do sistema penitenciário. O argumento que prepondera é o que o condenado ao integrar-se no sistema carcerário, desintegra-se da sociedade e perde a sua cidadania. Com essas ações, que exige uma atividade profissional – trabalho – dentro da prisão, o detento vislumbra a possibilidade de, cumprindo sua pena, ter possibilidade de estar formalmente no mercado de trabalho. Note-se que o projeto prevê uma estabilidade de dois anos, pois, segundo estudos que constam dentro da justificativa do projeto, a reincidência ocorre em grande escala até os dezoito primeiros meses após o detento ser liberado novamente para as ruas. Outro projeto de grande alcance para o egresso do sistema penitenciário e que tem envolvimento direto das instituições privadas, é o de nº 7815/10, do deputado Inocêncio de Oliveira, que dispõe sobre incentivos fiscais à cooperação na recuperação de presos e a reserva de vagas para presos e egressos nos contratos com a administração pública. O projeto é pertinente e tem alcance social, pois, viabiliza, embora coercitivamente a uma interação entre o público e o privado no mesmo objetivo. A exposição de motivos do projeto 7815/10, enaltece a relação dos valores sociais do trabalho e a livre iniciativa que regulam o modelo econômico adotado pela CF/88: Ao estabelecer os valores sociais do trabalho como um dos pilares do sistema constitucional brasileiro resta claro que a garantia do exercício profissional, por um lado, é um acontecimento importante para o desenvolvimento social e, de outro, se apresenta como bem jurídico inerente à condição humana. O respeito aos valores sociais do trabalho e à livre iniciativa como um dos fundamentos da democracia brasileira, em sua repercussão para o âmbito do Direito Processual Penal, garante ao acusado, e mesmo ao condenado, o direito de exercer, dentro do possível, atividade profissional que lhe propicie cooperar com o sustento de sua família ou mesmo a formação de um pequeno fundo monetário a ser utilizado para 185 SIMON, Pedro. Parecer sobre o PLS nº 70/10 de autoria da senadora Marisa Serrano. Disponível em: <www.senado.gov.br> Acesso em: 14 set. 2010. 100 satisfazer suas necessidades futuras, principalmente para uso após a saída da prisão, em razão do cumprimento da pena ou da concessão de livramento condicional.186 Considerando-se que todo o sistema penal brasileiro tem sua fundamentação nos princípios constitucionais e que a Constituição Federal tem como princípios norteadores a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, imperioso que a iniciativa privada participe ativamente da recuperação dos encarcerados. 3.3.2 Programa Pró-Egresso do Paraná Com a promulgação pelo Governo Federal da Lei nº 7.210 – Lei de Execuções Penais – que determina a obrigatoriedade de prestação de assistência ao preso, foi criado pelo governo paranaense por meio do Decreto 4.788, de 23 de novembro de 1985, o Programa Estadual de Assistência ao Apenado e Egresso, com execução em todas as Comarcas do Estado. Pelo Decreto nº 609 de 23 de julho de 1991 do governo do Estado do Paraná passou à denominação de Patronato Penitenciário. É uma unidade do Departamento Penitenciário que no Paraná tem como função coordenar a execução, desenvolvimento e supervisão do programa Pro-Egresso, viabilizando infraestrutura objetivando o cumprimento da Lei de Execução Penal. A abrangência é para todas as Comarcas do Estado, embora, em 2011 esteja limitada a dezessete Comarcas. Dentre as Comarcas que mantem em atividade o Programa Pró-Egresso, tem-se a de Maringá, onde a Universidade Estadual de Maringá (UEM) desenvolve projeto de preparação para o reingresso do presidiário no convivio social e está diretamente vinculado ao Departamento Penitenciário do Estado do Paraná. É um trabalho amplo não se limitando à assistência judiciária, psicológica e social dos apenados, mas a análise de todo o sistema carcerário e de trabalho individualizado com os presos. Esclarecedor o artigo da profª Gonzaga expondo que o projeto: [...] trabalha com uma população que se encontra numa situação desfavorecidas e que é socialmente discriminada. Trata-se de um indivíduo que necessita ser informado de seus direitos e conscientizado de seus deveres, sem que haja um ônus que a propícia situação judiciária lhe causa. Por isso, faz-se necessário uma ação conjunta que inclua profissionais de 186 PROJETO DE LEI Nº 7815/10. Disponível em <www.camara.gov.br>. Acesso em: 23 jan. 2011. 101 áreas diversas para abarcar as necessidades despertadas pela população atendida 187 Com a participação não apenas de profissionais da área de direito, mas também da área de psicologia e assistência social, é desenvolvido um trabalho que busca orientar a população carcerária sobre seus direitos e ainda, prepará-lo psicologicamente para o tempo de permanência no presídio para cumprimento da pena e para seu retorno e conviver com o estigma produzido pelo sistema. Prepara o individuo para a convivência social. Com a efetivação desse projeto o preso ao retornar à comunidade está preparado para uma nova fase de sua vida Ainda no Estado do Paraná, na cidade de Guarapuava, outro programa de pro-egresso é desenvolvido com a finalidade de reinserção do apenado. Tem-se a justificativa apresentada em artigo da profª Leschuk: Sabendo da necessidade e da dificuldade do egresso no mercado de trabalho, o presente projeto busca a orientação, bem como o encaminhamento do egresso para cursos profissionalizantes. Preocupando-se com a situação da reintegração do egresso na sociedade e sua capacitação para o mercado de trabalho. Através dessas qualificações é possível que empresas e instituições proporcionem oportunidades de reconstruir sua vida, não como filantropia, mas como conduta que considera valores econômicos e sociais. Há uma procura pela intervenção nos fatores que dificultam a reinserção do expresidiário. Pesquisas mostram que o trabalho e a capacitação profissional auxiliam na recuperação do egresso na comunidade. Portanto, neste projeto há uma busca pelo sucesso do retorno do egresso ao convívio social, propiciando a capacitação com resultados de reabilitação e a ressocialização do egresso à sociedade 188 Esta exposição não deixa dúvidas de que toda a execução do projeto tem por finalidade a preparação para reinserção do presidiário na sociedade quando ao término do cumprimento da pena que lhe foi imposta. O desenvolvimento do projeto valoriza a capacitação do preso por meio de cursos profissionalizantes para que possa ser uma mão-deobra qualificada e tenha mercado de trabalho à disposição. Na mesma Comaca do oeste paranaense – Guarapuava - uma nova modalidade de administração penitenciária foi instaurada, cujo objetivo principal é o cumprimento da Lei de Execução Penais em sua plenitude, valorizando o trabalho, em especial capacitando os presos para sua reinserção social. Esse procedimento tem a participação efetiva do Estado do Paraná, 187 188 GONZAGA, Maria Tereza Claro. Disponível em: <www.depen.pr.gov.br>. Acesso em: 25 fev. 2011. LESHUK, Miguelina. Disponível em: <http://www.depen.pr.gov.br>. Acesso em 25 fev. 2011. 102 que através da Secretaria de Segurança Pública, firmou convênio com uma empresa particular, terceirizando a administração carcerária naquela Comarca. Esclarece Sbrissia, diretora do presídio: [...] O grande diferencial da penitenciária de Guarapuava é a possibilidade de cumprir a Lei de Execuções Penais. A ressalva é importante, pois o cumprimento da lei eliminaria boa parte dos problemas que afetam o sistema penitenciário: superpopulação nas cadeias e falta de trabalho para os presos, situações que abrem espaço para corrupção e violência. [...] um indicador que deve ser considerado na avaliação desse trabalho é a taxa de reincidência criminal, que em Guarapuava é de 6%; em Maringá, no mesmo estado, é de 30%, enquanto a média nacional é de 70%.189 Cabe uma análise mais aprofundada dos índices apresentados acima. Especificamente no Estado do Paraná, onde se executa o projeto Pró-egresso, na cidade de Maringá a reincidência é na ordem de 30%, enquanto na cidade de Guarapuava é de 6%. Trata-se de uma forma diferenciada de gestão. Na mencionada Comarca de Guarapuava o serviço de atendimento ao preso inicia-se após a audiência admonitória, quando o preso é submetido a longo questionário de ficha cadastral, a começar pelo grau de estudo e capacidade profissional. O preso não se limita à confecção de artesanatos ou bolas, mas tem instrução para exercício de várias atividades como marcenaria, eletricidade, mecânica, construção civil, etc. Reside nas várias opções de qualificação profissional o sucesso do proegresso em Guarapuava. Por essa iniciativa se observa o quanto o sistema carcerário brasileiro é deficiente em termos de estrutura. O grande diferencial do programa implantado é justamente o cumprimento da Lei de Execução Penal, que deveria estar sendo obedecida cumprindo o dever legal. Considerando os números apresentados percebe-se que se a lei fosse cumprida, a situação carcerária e a criminalidade teriam índices aceitáveis, já que diminuiria o fator da reincidência. 3.3.3 Incentivos às Empresas na Contratação de Egressos do Sistema Penitenciário Outras políticas públicas estão sendo empregadas no sentido de ressocializar o exdetento que cumpriu a sua pena e necessita voltar para o convivio social. O projeto de Lei n. 189 SBRISSIA, Dilse. Disponível em <www.policiaeseguranca.com.br/empresa> Acesso em 20 dez. 2010. 103 4.277/08190 inclui na lei das licitações191 vantagem no desempate às empresas que tenham como funcionário pelo menos 2% de ex-detentos. Para o deputado Rodovalho ―[...] a reinserção social do sentenciado não pode ser vista como única e exclusiva responsabilidade do ente estatal tendo em vista as suas limitações organizacionais para implementá-la de modo efetivo e total.‖192 Na justificativa para o projeto acima lê-se os fundamentos na palavra da Ministra do STF Rocha193: A ação afirmativa, que surgiu nos Estados Unidos no ano de 1965, passou a significar a exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente inferiorizadas, vale dizer, juridicamente desiguais, por preconceitos arraigados culturalmente e que precisam ser superados para que se atinja a eficácia da igualdade preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais. Naquela ordem se determinava que as empresas empreiteiras contratadas pelas entidades públicas ficavam obrigadas a uma ‗ação afirmativa‘ para aumentar a contração dos grupos ditos das minorias, desigualados social e, por extensão, juridicamente. A mutação produzida no conteúdo daquele princípio (de igualdade), a partir da adoção da ação afirmativa, determinou a implantação de planos e programas governamentais e particulares, pelos quais as denominadas minorias sociais passavam a ter, necessariamente, percentuais de oportunidades, de empregos, de cargos, de espaços sociais, políticos, econômicos, enfim, nas entidades públicas e privadas. A existência de minorias inferiorizadas no contexto social e da economia de mercado, exige que ações sejam desenvolvidas para superar as desigualdades. Planos que assegurem àquelas empresas que nao possuem o lastro das grandes corporações, possibilidade de concorrer, respeitando suas limitações, aos processos de atuação na administração pública são imprescindíveis para a supressão das desigualdades e garantia de participação, mesmo que proporcional, política e socialmente. Conforme explica Meirelles194o contrato de obra pública é um ajuste administrativo e cujo objetivo principal é a construção, reforma ou ampliação de imóvel também público ou ainda de um serviço público, e nesse sentido de que todo contrato tem por finalidade objetivar o bem público, não haveria qualquer inconstitucionalidade em se beneficiar uma empresa em 190 BRASIL. Projetos de leis e outras proposições. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet>. Acesso em: 3 jun. 2010. 191 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 8.666 de 21.6.93. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 4maio 2011. 192 Idem, Ibid. 193 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista Trimestral de Direito Público, n. 15, p. 85-99, 1996. 194 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 23. 104 processo licitatório, no desempate, aplicando por critério aquela que possui em se quadro de empregados aqueles que são egressos do sistema penitenciário. O interesse público está na reinserção do ex-presidiário, reintegrando-o à sociedade e evitando a reincidência e consequente aumento da criminalidade. Ao beneficiar as empresas que possuem empregados egressos da prisão, o poder público estaria agindo eticamente. Leia-se os argumento de Moraes: […] não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública. 195 O Administrador público deve sempre buscar conciliar as necessidades da administração com o interesse público. As decisões devem estar pautadas na ética e no interesse público, entendendo-se esse interesse na possibilidade de beneficiar o maior número de pessoas possíveis. Analise-se para melhor esclarecimento, o artigo 44 da Lei Complementar nº 123 de 14/12/2006: Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. § 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada. § 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.196 Se nas licitações está assegurado, como critério de desempate, a preferência para contratação das microempresas e empresas de pequeno porte, muito mais ou nas mesmas condições deve estar a preferência para as empresas que contratem ex-detentos, como a isenção de impostos, diminuição de encargos, entre outros benefícios, esclarecendo-se que alguns deles são objeto de apresentação nesta seção. Se o objetivo é sempre o interesse público, este está devidamente caracterizado na ressocialização do preso, entendendo-se como 195 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 90. BRASIL. Lei complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1ode maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar n o 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis nos 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp123.htm>. Acesso em: 25 abr. 2011 196 105 caso de segurança pública e que deve ser priorizado. Outras políticas públicas já foram implementadas com participação das empresas, fundamentadas na função e responsabilidade social com resultados altamente significativos. Exemplo clássico é a preocupação com a inclusão do deficiente físico. A lei nº 8.213/91 trata da inclusão social dos necessitados especiais, deixando de ser somente questão social para se tornar, também, uma questão legal, obrigando as empresas a manterem determinado número de vagas para esta classe. O preenchimento dessas vagas é simples, pois guarda relação com o número de empregados da empresa.197 3.3.4 Usina de Itaipu. Copa do Mundo de 2014 No mês de abril de 2010, a Usina de Itaipu, localizada em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, determinou de que todas as organizações empresariais fornecedoras ou que mediante contrato prestem qualquer serviço à Itaipu Binacional terão incentivo para que reservem pelo menos 3%(três por cento) das vagas para empregados ex-detentos. O coordenador do processo, Santos explica o projeto: A iniciativa faz parte do projeto ―Começar de Novo‖, criado ano passado pelo CNJ e voltado à ressocialização de presos e ex-presidiários por meio da profissionalização e colocação no mercado de trabalho. [...] tem duas frentes: a sensibilização, afastando o estigma de que todo preso é perigoso; e o estabelecimento de parcerias com associações de classe patronais, organizações civis e gestores públicos para a concretização de ações voltadas à redução dos índices de reincidência, que ultrapassam 60%198 Esse proceder tem origem no projeto ‗Começar de Novo‘ de iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e traz em seus objetivos a ressocialização daquele que se encontra cumprindo pena. A participação das empresas é fator relevante no processo de reinserção e o Estado, não tendo condições de sozinho, fazer cumprir a Lei de Execuções Penais, cria políticas públicas que venham a suprir as lacunas existentes. Estado e empresas buscam o 197 BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L8213cons.htm>. Acesso em: 30 jan. 2011, art. 93: Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados/2%; II - de 201 a 500/3%; III - de 501 a 1.000/4%; IV - de 1.001 em diante/5%. 198 SANTOS, Erivaldo Ribeiro dos. Itaipu incentiva contratação de ex-presidiários. Gazeta Maringá, Maringá, 14 abr. 2010. Caderno Cidadania. Disponível em: <www.gazetamaringa.com.br>. Acesso em: 30 jan. 2011. 106 mesmo objetivo: ressocializar o preso. Nesse mesmo seguimento, considerado um dos maiores eventos com envolvimento direto do Estado brasileiro, a copa do mundo de 2014 se aproxima e há necessidade da remodelação de toda a infraestrutura do país. Aeroportos, estradas, e principalmente os estádios de futebol que abrigarão as partidas terão que ser adaptados ou construídos integralmente para que reúnam condições de sediar a competição. Com fundamento também no projeto ‗Começar de Novo‘ do Conselho Nacional de Justiça foi criado um programa em que parte das obras será realizada utilizando-se mão-de-obra de presos e egressos do sistema carcerário brasileiro. Issler comenta a iniciativa: [...] essa oportunidade de trabalho auxilias os presos a ‗encontrar um caminho diferente‘ e inicia um processo de reintegração para um convívio saudável no futuro. ‗É fundamental essa integração do preso com a sociedade e, para isso, o programa Começar de Novo abre portas ao trabalho. E, como consequência, há a redução de incidências no crime.‘199 (grifo do autor). Foi firmado um termo de cooperação em que as construtoras se comprometem a destinar um percentual de 5% (cinco por cento) das vagas àqueles participantes do projeto que trabalharão nos canteiros de obras das construções. Diz o termo de cooperação: Os presidiários que integrarem o programa receberão uma Bolsa Ressocialização, cujo valor aproximado corresponde a um salário mínimo, além de auxílios para alimentação e transporte. Ademais, para cada três dias trabalhados, terão direito a um dia de redução de pena (remissão).200 O juiz Freitas, um dos responsáveis pela utilização de mão-de-obra carcerária nas construções visando a copa do mundo de 2014 enfatiza: ―Temos que dar chances às pessoas. Alguns podem criticar dizendo que um estuprador está trabalhando na obra da Copa do Mundo. É fácil falar de fora, mas esse homem já ficou sete anos preso e merece uma oportunidade.‖201 Todas as ações direcionadas ao Poder Público, às organizações e ao poder público, que permitam modos de agir voltados à reinserção do egresso do sistema penitenciário na sociedade caracterizam ações de cidadania e traz como consequência a diminuição da 199 200 201 ISSLER, Daniel. Disponível em: <www.ibcrim.org.br>. Acesso em 23 abr. 2010. Idem, Ibid. Id., Ibid. 107 reincidência, talvez a principal mazela resultante da criminalidade. A participação dos egressos nas obras de grandes eventos é uma forma de ressocialização, devendo ser incentivada pelo poder público e acolhida pela iniciativa privada. Segundo o programa ―Os detentos vão receber a Bolsa Ressocialização, com valor aproximado de um salário mínimo, mais os auxílios para alimentação e transporte. [...] cada três dias trabalhados correspondem a um dia a menos na duração da pena‖.202 3.4 EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO A eficácia dos programas de ressocialização é devidamente comprovada pelos resultados obtidos quando se implementam ações com conteúdo e objetivos claros. O Estado do Paraná por meio da Secretaria de Justiça e com base nos projetos que se desenvolvem com foco na ressocialização do presidiário aponta que neste ano de 2011, duzentos e dez presos paranaenses cumprindo pena em regime fechado ganharam uma profissão. O órgão oficial tem informações precisas: Trinta presos da Penitenciária Estadual de Piraquara e quinze presos da Penitenciária Feminina de Piraquara acabam de se profissionalizar em operação de máquina de costura para a indústria do vestuário. [...] eles concluíram 200 horas de curso, inciado em 02 de fevereiro passado. Neste período, 15 presos da Penitenciária de Maringá se tornaram encanadores profissionais, concluindo o curso de 160 horas. Nos meses de fevereiro e março deste ano, 30 presos da Penitenciária de Piraquara se profissionalizaram na aplicação de revestimento cerâmico. Quinze presos da Penitenciária de Maringá e outros 15 da Penitenciária de Foz do Iguaçu se tornaram eletricistas profissionais para instalação predial de baixa tensão.203 Esses profissionais qualificados durante o cumprimento de pena iniciam suas atividades no canteiro de obras do presídio desenvolvendo sua atividade em conjunto com as empresas que são parceiras dentro do projeto de ressocialização. A eficiência do projeto possibilita, também, que cada preso pelo serviço desempenhado recebe três quartos do salário mínimo , além da redução de um dia de pena para cada três dias trabalhados. Por se tratar de uma questão social, do salário que recebe o encarcerado oitenta por cento é destinado à família do preso e o restante – vinte por cento – é 202 ISSLER, Daniel. Disponível em: <www.ibcrim.org.br>. Acesso em 23 abr. 2010. PARANÁ. Secretaria de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: <http://www.seju.pr.gov.br/ modules/noticias/article.php?storyid=170>. Acesso em: 30 abr. 2011. 203 108 depositado em uma caderneta de poupança que será liberado quando obtiver a liberdade definitiva. Afirma a secretária da Justiça e da Cidadania do Paraná: Nossa meta é que 100% dos presos paranaenses tenham condições de se profissionalizar enquanto estão em nossas unidades penais. Com isso, eles terão as condições necessárias para a sua inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, sua reinserção na sociedade.204 A eficácia extramuros dos programas de ressocialização também fica comprovada. Segundo dados da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado,205 o Paraná tem 6.919 egressos do sistema penitenciário trabalhando. Essa reinserção dos egressos no mercado de trabalho resulta da atuação do programa pro-egresso e patronato penitenciário que tem por finalidade atender egressos beneficiados com a progressão de para o regime aberto, liberdade condicional, sentenciados com trabalhos externos, liberdade vigiada, por determinação da Vara de Execuções Penais, dos Juízes da Vara Criminal e Justiça Federal. Anuncia a Secretária Uille: Temos 5021 presos no regime aberto e liberdade condicional e 1898 beneficiários da Justiça Federal trabalhando em decorrência de articulação feita por técnicos da Secretaria da Justiça e das entidades parceiras. [...] O Paraná também pretende ocupar as vagas para detentos e ex-detentos captadas pelo Ministério da Justiça, por meio do programa Começar de Novo.206 A eficácia não atinge números mais relevantes porque muitas vagas exigem qualificação mais específica. Nesse sentido foi firmada parceria com a FIEP – Federação das Indústria do Estado do Paraná -, e os projetos que serão desenvolvidos e implementados a curto prazo já estão em estudo. Nessa parceria haverá a concentração de esforços no sentido, inclusive, de erradicação do analfabetismo que é um entrave para a qualificação profissional. Outro ponto que dificulta o alcance de objetivos mais significantes no processo de ressocialização reside na falta de estrutura dos presídios. A forma como o preso é obrigado a pagar sua pena, na maioria da vezes, não respeita princípios de humanidade. Se na teoria a Lei 204 PARANÁ. Secretaria de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: <http://www.seju.pr.gov.br/ modules/noticias/article.php?storyid=170>. Acesso em: 30 abr. 2011. 205 PARANÁ. Secretaria de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: <http://www.seju.pr.gov.br /modules/noticias/article.php?storyid=161&tit=>. Acesso em: 30 abr. 2011. 206 Idem, Ibid. 109 de Execuções Penais é considerada de vanguarda e um avanço na regulamentação do cumprimento da pena, na prática ainda se está longe do ideal. Importante esclarecer que a ressocialização quando resulta de um processo eficaz, neutraliza os efeitos próprios da punição. É uma intervenção positiva no cumprimento da penal e, ao contrário de deixar marcas ainda mais profundas no individuo, o habilita para participar da vida social de maneira digna, com uma reinserção sem traumas e valorizando sempre o cidadão que habita em cada ser humano. Vários são os projetos de ressocialização desenvolvidos o Brasil e com alcance significativo dos objetivos propostos. Na cidade de Uberlândia, Estado de Minas Gerais, foi criado o projeto ‗acreditar e agir‘ tendo como ponto de partida proporcionar trabalho produtivo e remunerado para os presos. Nesse contexto visualiza-se recuperar e integrar na sociedade o egresso do sistema penitenciário. Como ponto positivo e de eficácia do processo, as rebeliões que eram constantes diminuíram e quando ganharam liberdade estavam preparados para ingressarem no mercado de trabalho. Sobre o projeto assevera o Instituto Ethos que ―Foi dar o ponto de partida e imediatamente várias empresas, aderiram ao projeto. Lideradas pela Teletri, juntaram-se a Arezzo, o Center Shopping de Uberlândia, a American Express, a Maxitel e a TV Paranaíba‖.207 No Distrito Federal, Brasília, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, desenvolve um programa de abrangência nacional que consiste em convênios com as secretarias de Estado que têm a responsabilidade pela administração das prisões. Por meio desse projeto presos que cumprem pena no regime semiaberto, executam tarefas próprias dos correios. A remuneração mensal é de dois salários mínimos e outros benefícios. Para que possam participar do projeto é necessária autorização judicial. Na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, foi criada a Indústria Papel Feito à Mão Terra, que produz papel artesanal. A ideia do projeto é reciclar homens reciclando lixo. A estratégia do projeto dentro do sistema penitenciário consiste em não levar em consideração o crime praticado. A estratégia que no inicio resumia-se à conscientização ambiental, ampliou o alcance social e iniciou-se a parceria onde se instalou dentro de presídios, ocupando mão-de-obra em todo o Estado. No mesmo Estado – Santa Catarina - Importante pronunciamento tem o presidente da Real Food Alimentação, empresa que se utiliza do trabalho de presos nas suas atividades, refletindo o resultado eficaz de quem busca agir de forma ética e socialmente responsável: 207 INSTITUTO ETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br.>. Acesso em: 15 abr. 2010. 110 Sempre que divulgamos o nosso trabalho com egressos, despertamos muita simpatia e sensibilização junto às pessoas e empresas, pois responsabilidade social tornou-se o tema mais abordado no diálogo com as empresas, mas trabalho com presos e com egressos é o menos divulgado, e todos são unânimes em afirmar que todo mundo merece uma segunda chance.208 A modernidade exige novos modos de organização empresarial, com objetivos muito mais abrangentes e que não se limitam tão somente às questões intramuros. As empresas devem estar preparadas para assimilar toda repercussão que suas ações causam no mundo exterior, reflexos, sempre, da responsabilidade social praticada com ética. Os benefícios que as atuações voltadas para o social produzem compensam todo investimento, a partir do momento que essas ações legitimam as empresas e ganham a confiança da comunidade., refletindo em lucro financeiro e social. 208 OLIVEIRA, Anderson Christian Alves de. Disponível em: <www.realfood.com.br>. Acesso em: 30 abr. 2011. 111 CONCLUSÃO No mundo contemporâneo agir considerando uma ética social é uma necessidade e nisto se inclui a atuação do Estado e dos atores do domínio econômico. Diante das empresas busca-se uma ética empresarial de valorização do ser humano em todas as suas atuações. O desenvolvimento das atividades da organização empresarial tem por base legal o modelo econômico adotado em cada país. No Brasil a CF/88, trouxe um modelo econômico que se pode chamar de híbrido, pois tem na sua essência o princípio da livre iniciativa, sem, no entanto, deixar de ser uma constituinte de cunho social, pregando a valorização do trabalho humano, além de fixar a função e responsabilidade social da empresa e a busca do pleno emprego. Esse modelo de sistema econômico permite a intervenção estatal quando a instituição não cumpre o social evitando-se a exclusão, e, pelo contrário, impondo que todo cidadão deve integrar o processo, sentindo-se útil e respeitado. Responsabilidade social exige o reconhecimento das organizações empresariais de obrigações para com a sociedade. A ressocialização, que exige novo modelo de gestão empresarial, está diretamente ligada à ética e responsabilidade social das organizações. Liberdade de iniciativa, trabalho, dignidade humana e políticas públicas eficientes são bases estruturais nessa forma de agir no compromisso com a sociedade. O gestor empresarial tem o dever de viabilizar maneiras de agir voltadas para o interesse da coletividade e a reabilitação do ex-presidiário se inclui. A participação das empresas interagindo com a sociedade e cumprindo a responsabilidade social na questão da ressocialização do ex-presidiário se materializa quando as organizações oferecem oportunidade de emprego. O trabalho é o caminho natural para a reinserção social, pois é por meio da atividade laboral que se forma o elo do individuo com a comunidade. O ser humano será considerado parte integrante da sociedade quando lhe for oportunizado trabalho. O cidadão que não tem trabalho não tem cidadania, está excluído socialmente. Não se pode transferir toda a responsabilidade de ressocialização às organizações empresariais. Se às empresas é cobrado agir ético em seu modo de gestão, participando de forma efetiva da sociedade em que está inserida e sendo também corresponsável na diminuição da violência, ao Estado cabe a obrigação de estabelecer políticas públicas que alcancem esse objetivo. Políticas Públicas endereçadas ao sistema carcerário começa dentro dos presídios. Os detentos devem ter à disposição instrumentos necessários para qualificação e capacitação 112 profissional durante o tempo de cumprimento da pena e assim possibilitar a sua inclusão no mercado de trabalho. A segunda parte do processo ressocializador e também de responsabilidade do ente público – políticas públicas extramuros - deve estar interligada com as políticas adotadas para o sistema penitenciário, pois constitui continuidade do que foi colocado à disposição do preso. Se o tempo em que cumpriu pena possibilitou capacitação e/ou qualificação profissional, ao regressar ao meio social deve ter oportunidade de trabalho formal, desempenhando atividade laboral para a qual está preparado. Nesse ponto, a participação efetiva das empresas. As empresas têm que estar motivadas ou obrigadas a oportunizar emprego para os egressos. Se o Estado cumpriu com sua função qualificando o preso, as instituições empresariais têm a obrigação de disponibilizar vagas. As políticas públicas dentro e fora dos presídios se complementam e só alcançarão os objetivos se praticadas em conjunto e com a participação voluntária ou obrigatória das empresas. Essa forma de atuar do Estado e das empresas já viabilizaram projetos de repercussão nacional tendo por objetivo a ressocialização, servindo de exemplo o CNJ que criou em 2009 o projeto ‗Começar de Novo‘ que visa a recolocação do ex-preso no mercado de trabalho, começando pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que criou vagas com base nesse programa. O processo de ressocialização é realidade. Sensibilizado, o Congresso Nacional Brasileiro vem apresentando projetos que ao mesmo tempo em que obrigam, motivam instituições empresariais a contratar egressos. Projetos como o de nº 4.277/08 – vantagem nas licitações -, ou ainda o Projeto de Lei nº 70/10 – redução de encargos sociais - também o Projeto de Lei nº 7815/10 – empresas que contratarem com a Usina Binacional de Itapu -, e mais recentemente, a organização da copa do mundo para 2014, todos trazendo como objetivo a reinclusão social do preso. Todos estes projetos obrigam as empresas envolvidas com a União a contratarem egressos do sistema penitenciário como condição de viabilizar a parceria. A avaliação e os resultados positivos demonstrados com essa maneira de atuar apontam que havendo vontade política é possível encontrar soluções para amenizar a questão da criminalidade e, mais que isso, viabilizar o processo de reinclusão social do egresso. Importante não só a responsabilidade da União, mas também o comprometimento dos Estados-Membros nas políticas carcerárias de ressocialização permitido pela competência concorrente, possibilitando políticas públicas voltadas para as necessidades regionais respeitando as características e costumes de cada comunidade. 113 O sucesso do processo de ressocialização exige que as instituições empresariais cientes de sua responsabilidade social e agindo eticamente ao reconhecer as necessidades da sociedade em que está inserida, ofereçam oportunidade de emprego para os egressos do sistema penitenciário. Ao Estado, cobra-se a implementação de políticas públicas eficientes aplicadas durante e após o cumprimento da pena, viabilizando a reinclusão na família e na sociedade. Compete ainda criar leis que torne obrigatória a contratação da mão-de-obra de egressos, certos de que com o passar do tempo e o sucesso das iniciativas, as empresas se conscientizem dessa responsabilidade, não sendo mais obrigadas, mas, motivadas a participar do processo. A sociedade deve se livrar do preconceito e aceitar a realidade carcerária brasileira e que a violência não se resolve apenas com punição e aumento de presídios, mas sim, no esforço concentrados de todos os envolvidos: Estado, empresa e sociedade. 114 REFERÊNCIAS ALVES, José Eustáquio Diniz. O direito ao pleno emprego e ao trabalho decente, artigo de José E. D. Alves. Eco Debate, 11 ago, 2010. Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/ 2010/08/11/o-direito-ao-pleno-emprego-e-ao-trabalho-decente-artigo-de-jose-eustaquio-dinizalves/>. Acesso em: 1 mar. 2011. ARAUJO JUNIOR, João Marcello de (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do Colóquio Marc Ancel. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991. 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