relato da aplicação do projeto o jovem e o mercado de trabalho

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Revista Entrelinhas – Vol. 6, n. 1 (jan./jun. 2012)
ISSN 1806 9509
RELATO DA APLICAÇÃO DO PROJETO O JOVEM E O MERCADO DE
TRABALHO: ANÁLISE DE REALIDADE E ESTRATÉGIAS PARA SER
BEM-SUCEDIDO
Adriana Teixeira Dutra1
[email protected]
O trabalho com projetos deve contemplar situações sociais que permitam a construção
de contextos pelos participantes, propiciando, assim, a verdadeira interação entre Escola e
sociedade. Nesse sentido, de acordo com Kleiman (1999), nas atividades de Língua
Portuguesa, a linguagem deve ser concebida como interação entre sujeitos em sociedade
(sociointeracionista), havendo estímulo para que desenvolvam a capacidade de criar ou de
construir contextos.
De acordo com a concepção de aula de Língua Portuguesa como prática social,
planejei um projeto voltado para os jovens que concluem o Ensino Médio, tendo como
objetivo a análise da realidade para quem pretende buscar um bom futuro profissional. Ao
longo das aulas, os jovens irão construir a sua própria visão sobre a realidade e pensar em
estratégias, para que o caminho rumo a um bom emprego não seja tão árduo.
Escola de aplicação do projeto: Centro Estadual de Formação de Professores General Flores
da Cunha - Porto Alegre/RS.
Turma-alvo: 502 – 3.º ano do Ensino Médio (noturno)
Tempo de aplicação do projeto: 20 horas-aula
Objetivos gerais
Estimular a reflexão sobre as condições atuais de emprego formal no Brasil, por meio
de leituras, de discussões e de produção escrita em sala de aula.
Procurar desenvolver a capacidade de análise linguística sem a necessidade de
nomenclatura gramatical.
Auxiliar no desenvolvimento de competências comunicativas que possam facilitar o
ingresso no mercado de trabalho.
1
Projeto orientado pela Prof.ª Janaína Pimenta Lemos Becker na atividade acadêmica Estágio Supervisionado no
Ensino Médio: Português (2011/1), na Unisinos.
Projeto de Ensino
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Objetivos específicos
Desenvolver habilidades de leitura e de interpretação de textos, tendo como base
textos jornalísticos e textos estatísticos de divulgação em sites governamentais.
Incentivar a expressão oral por meio de debate em sala de aula.
Explorar, com base no uso, o tópico gramatical oração substantiva, conforme
solicitação da escola.
Promover o ensino e a produção escrita do gênero artigo de opinião para divulgação na
escola, a fim de que os colegas se sintam motivados a continuarem os estudos.
Etapas do projeto
Primeira etapa. Introdução ao tema do projeto e atividade de integração. Solicita-se que os
alunos se reúnam em duplas e façam uma breve entrevista com o colega, perguntando, entre
outros questionamentos, quais suas metas após a conclusão do Ensino Médio.
Dá-se um tempo de cinco a seis minutos para as duplas conversarem. Em seguida,
cada integrante fará apresentação do colega, dizendo a meta dele; anota-se no quadro a meta
de cada um. Logo após, dirigem-se algumas perguntas ao grupo:
O que, inicialmente, poderia dificultar o alcance dessa meta?
O que precisa ser feito para que vocês atinjam esse objetivo?
Qual a opinião de vocês sobre o mercado de trabalho no Brasil?
Quais são as oportunidades de emprego para o jovem que conclui o Ensino Médio, na opinião
de vocês?
Ouve-se a opinião dos alunos e há uma discussão em grande grupo. Logo após,
introduz-se o tema do projeto: O jovem e o mercado de trabalho.
Na segunda parte desta etapa, apresentam-se aos alunos o texto jornalístico Menos
exigências na hora de contrata, publicado no jornal O Estado de São Paulo (16/04/11), e dois
gráficos divulgados pelo site do IBGE. O primeiro mostra a queda das taxas de desemprego;
os segundos, o aumento do emprego formal nos últimos anos.
O objetivo, nessa atividade, é fazer os alunos perceberem que existem vagas no
mercado de trabalho, mas que não há a qualificação necessária para a ocupação delas. Além
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disso, nos últimos anos, segundo dados do IBGE, houve uma queda na taxa de desemprego e
aumento do emprego formal no Brasil.
Para
exploração
dos
textos,
primeiramente,
desenvolvem-se
atividades
de
identificação de elementos contextuais, tais como a diferença da fonte de publicação dos
textos, a identificação do público-leitor, a finalidade da inclusão de dados estatísticos no
primeiro texto e a leitura e interpretação da imagem gráfica.
Nas atividades de estrutura dos textos, é necessário que os alunos percebam se há a
autonomia do autor, ao longo do texto, ou se ele se vale de dados estatísticos, ou cita
autoridades no assunto. Os alunos devem perceber que não há uma conclusão expressa ao
final do texto, sem haver, de fato, um posicionamento do autor sobre o tema.
Com relação aos gráficos, a partir da imagem, devem discutir a importância da
interpretação das informações. Alguns gráficos possuem mais elementos expressos que
auxiliam a compreensão das informações. Desenvolve-se, nesta parte do trabalho, a leitura da
imagem.
Nas atividades de análise linguística do texto e dos gráficos, prioriza-se o estudo do
sentido que as palavras assumem no texto. Destaca-se, como exemplo, a preposição para,
usada no texto para expressar finalidade e, noutro parágrafo, para indicar a avaliação de
alguém (Para o professor...). Além disso, elementos que retomam referentes também são
abordados, bem como o uso da palavra que em duas sentenças. Na primeira, ela funciona
como uma informação a mais, introduzindo uma oração relativa, e na segunda, para completar
um verbo, introduzindo uma oração substantiva.
A finalidade, nesta etapa do trabalho, é desenvolver ao máximo a reflexão linguística,
sem nomenclatura gramatical. Aos poucos, os alunos vão estabelecendo relações e
entendendo os sentidos dos termos de acordo com sua função em determinados contextos.
Segunda etapa. Ensino da funcionalidade das orações substantivas nas sentenças, sem
nomenclatura gramatical. Exploração do tema Emprego em cartuns e em anúncios de
emprego. Estudo do sentido das orações substantivas nesses textos.
Na primeira parte desta etapa, os alunos devem ler o texto O que fazer ao decidir
sobre uma proposta de emprego, publicado no Jornal do Comércio, em 25/04/11. Seguem-se
perguntas orais sobre o conteúdo do texto e, logo após, inicia-se o trabalho para
reconhecimento da funcionalidade das orações substantivas, partindo-se da identificação do
assunto das sentenças (o sujeito). Para isso, são apresentadas duas sentenças do texto lido.
Uma está na ordem direita; a outra, na indireta. O objetivo é fazer os alunos perceberem que
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aquilo de que se trata na sentença nem sempre é o primeiro termo. Da mesma forma,
progressivamente, vai-se ensinando aos alunos a funcionalidade de outras orações
substantivas, sem a nomenclatura gramatical: completa um nome (oração completiva
nominal), é uma explicação (apositiva), expressa um atributo do assunto da sentença
(predicativa), completa um verbo (objetiva direta) e é o assunto da sentença (subjetiva).
Atividades de comparação entre as orações devem ser feitas, para que os alunos possam
visualizar as diferenças lógicas entre elas.
A atividade é dirigida no sentido de os alunos chegarem às conclusões por si próprios,
com a mínima intervenção do professor, que, somente ao final dos questionamentos, constrói
o conhecimento junto com a turma.
Na segunda parte desta etapa, há a exploração do tema Emprego nos gêneros cartum e
anúncio de emprego, e o estudo do sentido das orações substantivas nesses gêneros.
Para a introdução ao estudo do gênero cartum, leva-se para a aula um exemplo de
charge e de uma história em quadrinhos, apenas com imagens. O objetivo é identificar a
presença de linguagem verbal e não verbal, bem como a característica caricatural da charge e
a crítica política e social, que sempre está presente nesse gênero.
Logo após, distribui-se aos alunos um cartum em que dois jovens conversam sobre
emprego e fazem-se perguntas, que devem ser respondidas por escrito.
Os alunos devem identificar a presença da linguagem verbal e não verbal, bem como a
finalidade deste texto, que é desencadear o humor. Devem, também, observar as diferenças
em relação aos gêneros história em quadrinhos e charge, que lhes foram apresentados. Por
meio deste cartum, será possível trabalhar o sentido da oração substantiva objetiva direta,
observando que ela possui duas construções diferentes na fala do personagem. Os alunos
devem perceber que o deslocamento dos termos “nos meus tempos livres” e “o tempo inteiro”
propiciam a alteração de sentido.
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Observem: “Já não sei se nos meus tempos livres procuro trabalho o tempo inteiro, ou
se procuro o tempo inteiro trabalho para os meus tempos livres”. Os alunos devem constatar
que “o tempo inteiro” possui maior destaque na primeira oração. Já na segunda oração, há
ênfase na palavra “trabalho”.
Podem-se também trabalhar cartuns relacionados ao tema do projeto e explorar o
sentido dos verbos nesses textos. A exemplo do sentido do verbo deixar, no cartum abaixo,
que é diferente de deixar, no sentido de permitir. O verbo deixar expressa a despreocupação
do filho em relação ao desemprego.
È possível trabalhar anúncios de emprego e explorar a proximidade do gênero com a
linguagem publicitária, quando incentivam ( ou seduzem) os candidatos à busca deemprego.
Nesta parte da etapa, os alunos devem identificar, nos exemplos de anúncios de
emprego, se não há apenas exigências para quem se candidata às vagas. Neles, há frases de
efeito e expressões que são atraentes para os jovens: “Crescer é gerar oportunidades”,
“Conquiste o seu primeiro emprego” e “Empresa busca jovens que nunca tenham trabalhado”.
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Além disso, pode-se explorar a escolha dos verbos no infinitivo para dar força ao
crescimento da empresa, que está ligado à geração de novos empregos: “Crescer é gerar
oportunidades”, bem como o uso frequente, na atualidade, de expressões, como “É
necessário”, ou “É indispensável”, para introduzir depois as exigências ou necessidades.
Terceira etapa. Leitura e exploração do gênero artigo de opinião. Debate preparatório para a
produção de texto. Inicialmente, pergunta-se aos alunos se já expressaram sua opinião por
escrito sobre as necessidades da comunidade escolar, por exemplo. O interessante, nessa
conversa, é fazer os alunos perceberem que, ao apresentarem um ponto de vista, desejarão
convencer o interlocutor apresentando fatos, dados, ou fazendo comparações para embasar as
ideias. Logo após, mostra-se a seção de opinião do Jornal Zero Hora para os alunos e explicase que o artigo é um gênero jornalístico e que há um espaço destinado a sua divulgação no
jornal impresso e na versão digital de jornais e revistas. É importante falar da liberdade que os
autores têm para se posicionarem sobre temas variados.
Em seguida, há a leitura e exploração do artigo de ZH, Uma questão de mentalidade,
de Alfredo Fedrizzi, publicado em 28/05/11, em que o autor faz uma crítica aos arrozeiros de
Bagé (RS), cujas grandes propriedades empregam pouca gente e têm produtividade muito
baixa. É importante trabalhar as estratégias do autor para persuadir o leitor sobre a
necessidade de ser repensado o desenvolvimento da economia local. O articulista apresenta os
fatos e já se posiciona a respeito, discutindo o lado negativo de ser arrozeiro e mostrando uma
visão mais empreendedora, se eles pensassem como empresários rurais. É importante,
também, fazer os alunos perceberem que o jornalista aponta soluções para as críticas feitas e
se vale de exemplos de outros países para sustentar as suas afirmações.
No texto lido, o autor reconhece fatos contrários à sua tese, ao afirmar: “Não defendo
que abandonem o que os sustentou até hoje”. É possível mostrar que o sujeito argumentador
pode reconhecer fatos contrários à sua opinião, mas que ele tenta convencer o leitor de que o
seu ponto de vista é o correto.
Na segunda parte desta etapa, há a preparação para a escrita de um artigo de opinião
para divulgação na Escola, sobre o tema: A importância da qualificação profissional para a
inclusão do jovem no mercado de trabalho. Para o desenvolvimento da atividade, pode-se
trabalhar a técnica de discussão circular em sala de aula, que consiste na organização das
carteiras em círculo. Elaboram-se perguntas para serem respondidas por cada aluno
participante. Para cada pergunta, haverá uma rodada de respostas e, após cada colega
expressar a sua opinião, o seguinte deverá concordar ou discordar, acrescentando novas ideias.
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Inicialmente, lê-se para os alunos um texto divulgado pela Agência Brasil, empresa de
comunicação governamental, sobre um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) a respeito do problema da falta de qualificação para o mercado de trabalho. Logo
após, inicia-se a rodada de ideias, e durante as rodadas, os alunos devem fazer anotações no
caderno, as quais serão importantes para a escrita do artigo na aula seguinte.
Para a avaliação da produção textual, adota-se a correção classificatória, proposta por
Serafini (2000), que consiste na identificação não ambígua dos erros, segundo a autora. O
professor sublinha as palavras ou períodos e anota na margem o problema encontrado. È
importante ensinar previamente aos alunos os símbolos ou abreviaturas que dizem respeito
aos erros encontrados no texto.
Culminância do projeto
Após os textos serem devolvidos ao alunos, pergunta-se quais deles gostariam de
divulgar o seu texto no mural da Escola para leitura pela comunidade. Os alunos que irão
divulgar seus textos leem-nos em voz alta, e os colegas devem votar no texto que irá para o
mural. Além disso devem trazer, para a montagem do painel, textos relacionados ao tema O
Jovem e o Mercado de Trabalho que julgarem interessantes para divulgação. Ao final da
montagem do painel com os textos e com a produção de um colega, incentivando a
qualificação profissional, solicita-se que os alunos publiquem, no mural, frases de otimismo e
de incentivo para os colegas da Escola, dando ênfase ao fortalecimento da autoestima e da
capacidade que cada pessoa tem de alcançar o seu objetivo profissional.
Resultados
Confesso que, no início, não fiquei muito satisfeita por ter de trabalhar com um grupo
bastante heterogêneo, em que havia, por exemplo, pessoas de cinquenta anos, que voltaram a
estudar, e jovens de dezessete anos. Considero difícil desenvolver um trabalho que seja
eficiente em uma turma com diferentes níveis de ensino, porque cada aluno tem a sua história
de formação.
Encontrei, contudo, uma turma receptiva, que ajudou a desenvolver satisfatoriamente
meu projeto, embora alguns alunos não tenham sido assíduos às aulas. O tema do projeto O
Jovem e o Mercado de Trabalho rapidamente interessou a todos, e as leituras foram feitas
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com facilidade. As atividades de análise linguística foram as que demandaram mais tempo
para serem implementadas.
A falta de nomenclatura gramatical assusta, e o estudo do sentido parece, ainda, ser
um assunto de “outro mundo” para os estudantes. Foi difícil trabalhá-la, até mesmo com
textos interessantes, como o cartum e o anúncio publicitário. Acredito que a Escola, de um
modo geral, ainda engatinha no que diz respeito ao desenvolvimento do raciocínio linguístico,
uma vez que as aulas de Português são baseadas na memorização de termos gramaticais
dissociados do seu uso.
Por outro lado, avalio como satisfatória a atividade de produção textual, cujo tema foi
A importância da qualificação profissional para a inclusão do jovem no mercado de trabalho,
pois foi antecedida de um debate preparatório para a produção textual. O debate foi
fundamental para que os estudantes selecionassem ideias pertinentes ao tema a ser tratado. De
maneira geral, os alunos escreveram bastante, de forma clara e coerente. Credito essa
avaliação positiva à escolha tema, que mantinha relação estreita com a realidade de cada um
deles.
A divulgação do trabalho no mural da Escola foi estimulante para os alunos, que
ajudaram a organizá-lo. As mensagens positivas colocadas no mural por muitos deles
mostraram o quanto cada um acredita em si mesmo e no seu potencial para buscar um bom
futuro profissional.
Fotos da divulgação do mural
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Referências
BUNZEN, Clecio. Da era da composição à era dos gêneros: o ensino de produção texto no
ensino médio. In: BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.) Português no ensino
médio e formação do professor. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2006.
KLEIMAN, Angela B.; MORAES, Silvia E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes
nos projetos da escola. Campinas: Mercado de Letras, 1999-2003.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria da Silva. Ler e compreender: os
sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.
SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. 10. ed. São Paulo: Globo, 2000.
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