INICIAÇÃO DE POTROS Diogo Gonzaga Jayme: Médico Veterinário, Dsc Zootecnia, Professor Adjunto da Escola de Veterinária da UFMG. [email protected] Cristiano Gonzaga Jayme: Médico Veterinário, Dsc Zootecnia, Professor do Instituo Federal do Sudeste de Minas Gerais Campus Rio Pomba. [email protected] INTRODUÇÃO Conta à história que um homem levou um cavalo forte, belo e fogoso para ser vendido a um rei. O animal, contudo, era bravo (xucro) e ninguém conseguia montá-lo. O Rei, sabendo disso, não se interessou pelo animal. Contudo, Alexandre Magno, seu filho, convenceu-o a comprar o animal, dizendo que tentaria domá-lo. Desta feita, observando o temperamento e as reações do animal, Alexandre, muito inteligente, percebeu que o cavalo tinha medo de sua própria sombra e, por isso, reagia de forma agressiva. Então, começou a manejar o animal com muita paciência, perseverança e, sem maltratá-lo, conseguiu conquistá-lo. Quando o animal já não se assustava e estava bem dócil, foi montado por Alexandre, que, assim, cavalgou com segurança e tranqüilidade. Este fato demonstra que a doma, realizada de forma racional, vem sendo desenvolvida e aperfeiçoada há mais de dois mil (2.000) anos. Doma no dicionário significa domesticar, subjugar, reprimir, dominar, tornar manso, e racional significa que usa a razão, que raciocina. Desta forma a doma racional é um conjunto de técnicas utilizadas para amansar eqüinos e muares, a fim de que sejam condicionados a obedecer, sem brutalidade, aos comandos do homem, resultando em animais mais proveitosos, confiáveis e com melhor rendimento em suas vidas úteis. Hoje o termo mais apropriado para substituir doma racional seria manejo natural ou horsemanship natural, já que o conceito de doma foge aos princípios atuais de iniciação dos potros. O manejo tradicional tem as seguintes características: emprega dor para obter respostas do cavalo, permite que o cavalo imponha sua vontade sobre o treinador, pretende modificar o comportamento através da intimidação e cansaço, emprega procedimentos mecânicos de aprendizagem, baseados em repetições intermináveis e sem reflexão. A diferença entre os métodos não depende apenas de dar um agrado ou não, mas fazê-lo quando este é plenamente justificado. Devemos ser tão suaves quanto possível, mas tão duros quanto necessário. No horsemanship natural e no manejo tradicional os movimentos que esperamos do cavalo são os mesmos. Nós queremos que um cavalo de salto siga saltando, que um cavalo de adestramento clássico ou rédeas sigam fazendo as manobras, no entanto a única grande diferença é na forma como pedimos para que os movimentos sejam realizados. Então porque ainda hoje seguimos fazendo o manejo tradicional? A resposta é porque dá resultado. Porque quase sempre no final se consegue o que pretende. O cavalo de salto salta, o cavalo de rédeas esbarra, etc. A diferença é que o cavalo que aprende através do horsemanship natural faz os movimentos por sua vontade e não porque é obrigado, assim ele obtém maior rendimento. Esta vontade também permite que cavalos que não foram dominados pela força e pela dor possam ser úteis e em alguns casos apresentem grandes resultados. O horsemanship natural não é um método que pode ser empregado em determinados cavalos e em determinadas atividades, e sim uma forma de comunicação e entendimento, portanto, serve em qualquer momento, em qualquer animal, em qualquer atividade e em qualquer circunstancia. Então, esta maneira de trabalho com cavalos não teve nenhum nome particular, mas foi facilmente distinguida das demais por seu compromisso de ver o mundo através dos olhos do cavalo, por usar a natureza dos cavalos no lugar da força e à comunicação com o cavalo de forma que ele compreenda instintivamente. Hoje não quebramos um cavalo e sim o iniciamos. Os termos ligação ou conjunção são utilizados para identificar o momento especial onde o cavalo aceita o homem como seu líder. A sensibilização, a habituação, a hierarquia do domínio, a resposta condicionada, e o comportamento alfa, são agora parte do vocabulário do cavaleiro natural, porque os conceitos subjacentes são chaves a uma comunicação eficaz com o cavalo. O trabalho de chão através da manipulação de um cavalo do chão, são estudados até hoje. No passado era feito superficialmente para que o cavalo fosse logo montado. Hoje, o trabalho de chão pode ser iniciado em um cavalo após seu nascimento e reforçado através de toda sua vida. A maioria dos problemas, que os cavalos apresentam quando são montados, podem ser resolvidos do chão. ETOLOGIA Etologia é o estudo do comportamento dos animais em seu ambiente natural, é descrever os padrões de comportamento instintivo. É através da etologia que podemos conhecer o a natureza dos animais de acordo com seus hábitos de vida e comportamento geral. É através dela que temos respostas de como os animais reagem frente a estímulos do ambiente. Para entender melhor sobre os princípios do horsemanship natural devemos primeiro saber sobre o comportamento dos cavalos e sua convivência social. Os cavalos são animais predados, e por esta razão sua anatomia, fisiologia e comportamento estão perfeitamente adaptados a proteger sua vida do ataque dos predadores. O mais importante para um cavalo é sobreviver a cada dia, e isto determina seu modo de ser e pensar. Como são animais predados, eles não atacam nem matam para comer, e dependem de sua velocidade para fugir e sobreviver. Esta capacidade de fuga que eles desenvolveram durante milhões de anos é uma de suas habilidades que os permitiu sobreviver e chegar até os dias de hoje. A mudança de comportamento é um método de modificação de conduta com base nas relações estímulo-resposta, sendo um dos fundamentos que sustentam as modernas teorias de aprendizagem e comunicação com os cavalos. Já a comunicação por definição é um processo de dar e receber informação. É um processo dinâmico que se produz um intercambio. Os cavalos se comunicam principalmente através de sinais, através de linguagem corporal. Para muitas pessoas trabalhar com os cavalos utilizando a linguagem corporal é uma tarefa difícil, pois a linguagem do cavalo é silenciosa. Quando se observa um grupo de cavalos nota-se que eles estão sempre em contato, porém este contato é silencioso através da leitura de sinais. O cavalo sempre escolhe o caminho da menor resistência evitando conflitos. O aprendizado da comunicação com os cavalos é como o aprendizado de outro idioma. Não é algo que se aprende de um dia para outro, leva tempo. Devemos considerar que o cavalo conhece e entende sua própria linguagem e fundamentalmente pode ler a nossa com grande precisão. O primeiro passo para aprender a comunicar com o cavalo é escutá-lo e respeitá-lo. Os cavalos têm uma organização social com regras de convivência, que eles respeitam naturalmente. Devemos conhecer e respeitar esta estrutura social, assim como respeitamos nossas próprias leis. Por serem animais predados os cavalos necessitam do grupo para se manterem vivos. Caso sejam atacados fogem rapidamente dificultando a escolha do predador. No entanto quando não estão na manada não possuem esta proteção se tornando presas fáceis. Esta é uma razão pela qual para o cavalo estar só é um grande castigo. Os cavalos têm sua própria organização social. A manada possui leis claras e precisas, que todos respeitam naturalmente. Na manada existe uma hierarquia que tem por função entre outras preservar a vida do grupo. Viver em grupo faz com que eles se sintam mais seguros e tenham mais possibilidade de encontrar melhores áreas para se alimentarem. Por isto o cavalo possui uma tendência natural de respeitar um líder, o que faz com que seja tão fácil educá-los e conquistar sua confiança em nós. Na manada há um líder macho que tem a função de servir as fêmeas e proteger o grupo, e também há uma líder fêmea que geralmente é a égua mais velha do grupo e indica para onde a manada deve ir, onde estão os melhores pastos e a melhor água, além de pôr ordem nos potros jovens. São elas que sabem como educar os mais jovens. Os líderes são firmes e confiáveis, assim como deveríamos ser para conquistar um laço de confiança com eles. A éguas são muito cuidadosas com seus potros, os limpam, os acariciam e os educam, além de dar-lhes leite, e com eles mantém laços de união por toda vida. As amizades são profundas íntimas, firmes e duradouras. Entre os cavalos de uma manada existe um comportamento de cuidado. Este comportamento afetivo é observado quando um põe sua cabeça contra a garupa do outro, e se limpam e massageiam em distintas partes do corpo. Os cavalos são animais tímidos e perceptivos, são os mais perceptivos de todos os animais domésticos. É esta percepção tão desenvolvida que os permite distinguir o que é benéfico e perigoso para sua vida. Esta grande habilidade para perceber e discernir é outra mostra de sua inteligência, que lhe permite saber quando deve fugir. Sem esta capacidade o cavalo viveria correndo. Esta é uma habilidade que desenvolveram durante milhões de anos, mediante a qual puderam sobreviver e adaptar-se as mudanças do meio. São perfeitamente adaptados anatomicamente, fisiologicamente e etologicamente para correr e fugir do perigo. Seus sentidos externos estão altamente desenvolvidos para captar a presença dos predadores no meio ambiente. Além de serem muito sociais e amistosos, com grande necessidade de afeto e comunicação. Entre eles estabelecem laços de amizade muito profundos e duradouros, até possuírem na manada um amigo ou amiga muito intimo, pelo qual relincham quando são separados. Além de tímidos são curiosos e amistosos, e isto nós podemos comprovar facilmente quando chegamos a um pasto. Se os animais já possuem alguma relação com o homem, estes chegam para cheirá-lo. Podemos notar que alguns são menos extrovertidos e chegam olhando mais de longe ou atrás de um mais confiante. Então devemos deixar sermos cheirados, pois isto é um meio de contato que facilita o nosso elo. Como vimos o cavalo é um animal que depende da sua capacidade de percepção e velocidade para sobreviver ao ataque de um predador. Assim desenvolveram enormemente seus sentidos externos, sobretudo o olfato e audição. Suas orelhas se movem em distintos ângulos e a forma das mesmas permite captar sons muito baixos, imperceptíveis para o ouvido humano. Isto explica porque muitas vezes não entendemos porque o cavalo se assusta e reage, não nos dando conta de que o cavalo está ouvindo algum som que para ele por ser um animal predado pode significar perigo e para nós não significa nada porque não somos capazes de escutá-lo, ou se escutamos não achamos perigoso. Outro sentido muito desenvolvido no cavalo é o sentido do olfato, diante do qual sentem o perigo e também seus companheiros de manada, amigos humanos ou de outra espécie. Por meio do olfato os cavalos se apresentam entre si, é comum vê-los olhar contra olhar, demorando um tempo até que a informação chegue ao cérebro e logo respondem com um forte grito, um relincho suave como murmúrio de boas vindas, com uma patada, com um som muito leve ou com indiferença de acordo com que o outro representa. Assim é bom deixarmos que eles nos cheirem mostrando nosso respeito e permitindo que eles nos conheçam. O APRENDIZADO Saber a teoria de como os cavalos aprendem faz com que o mesmo sistema possa ser aplicado a todos os tipos de treinamento e situações, e dão aquelas que não têm o sentido intuitivo de como treinar um cavalo, uma oportunidade de maximizar seu treinamento. Além disto, impedem a aprendizagem de maus hábitos que não são próprios do comportamento eqüino. Os princípios de aprendizagem aplicam-se a todas as situações seja sob a sela ou no chão. Na psicologia comportamental, a aprendizagem é definida como a mudança permanente no comportamento adquirida após uma situação e sua repetição. Através da repetição reforçamos a aprendizagem através de uma recompensa ou incômodo frente à situação apresentada para canalizarmos a resposta na direção desejada. O cavalo tem uma fantástica memória fotográfica do mundo físico, e igualmente suas respostas a ele se manifestam como respostas automáticas. A expressão destas reações é efetuada pelo comportamento instintivo tal como a resposta do medo, a movimentação hierárquica, as respostas à fome, a sede, etc. O resultado da aprendizagem está no estabelecimento dos hábitos, ou em respostas automáticas. Os hábitos existem no cérebro como caminhos nervosos e substâncias químicas específicas. Nas fases iniciais de formação dos hábitos, estas estruturas são frágeis, e tornam-se mais contínuas e permanentes com repetição e com o tempo. Geralmente, uma resposta passa a se tornar um hábito após três a sete repetições consecutivas, contanto que o cavalo receba um reforço positivo imediatamente após a resposta, que pode ser sob a forma da retirada da pressão da mão e/ou do pé. Quanto maior o reforço positivo, mais rápido é o ajuste do hábito. É importante evitar a resposta por medo. No treinamento, a formação de hábitos pode ser acelerada adotando-se programações de treinamento de três a sete repetições de uma tarefa, intervaladas com momentos de descanso. O reforço é uma palavra usada extensivamente na teoria da aprendizagem e significa basicamente algo que aumenta ou diminui a probabilidade do comportamento associado à determinada situação. Os reforços são divididos em preliminares e secundários, positivos e negativos. Um reforço preliminar é aquele que atua diretamente nos instintos do cavalo, tais como o alimento, toque, dor, etc. Já os reforços secundários são aqueles que devem ser associados aos preliminares no processo de aprendizagem, por exemplo, elogio da voz tal como “bom” ou “não”. Os reforços secundários não têm nenhum poder a menos que o cavalo aprenda a associá-los com algum reforço preliminar. Dar ao cavalo uma recompensa durante ou imediatamente após o comportamento desejado é chamado um reforço positivo. A recompensa atrasada não é eficaz comparada ao reforço positivo por causa da diferença no sincronismo, porque o cavalo simplesmente não pode fazer a conexão. As melhores recompensas para o bom trabalho são aquelas dadas durante o trabalho, precisamente após a resposta desejada. Uma rédea frouxa no segundo da resposta correta é a recompensa mais poderosa disponível ao cavaleiro. A maior parte do treinamento de cavalos é realizado com o reforço negativo, mas não o confunda com a punição; não tem nada a ver com punição ou violência. O reforço negativo é definido como a remoção de algo que incomoda o cavalo (como por exemplo, sua pressão do pé) para produzir a resposta desejada no momento que o cavalo cumpre o desejado. O reforço negativo ocorre durante o comportamento indesejável e não após ele. Pode ser a batida o chicote que é usado como o reforço negativo, cessando exatamente o momento onde a resposta incorreta termina e a resposta correta começa. Em contraste, a punição é a entrega de um estímulo doloroso após um ato indesejado. O uso da punição no treinamento do cavalo é reflexo de nossa tradição cultural, e é baseada na falsa premissa que o cavalo pode conectar a causa e o efeito dos eventos separados no tempo. De fato, a punição é somente eficaz se ocorre imediatamente depois da resposta incorreta, e se está usada judiciosa e uma vez somente. Não deve ser usada para qualquer coisa a exceção das resistências perigosas. O resultado da punição atrasada é que a resposta correta não estará incorporada na memória, e a resposta do medo estará no alerta vermelho. O comportamento, bom e mau, foi colocado lá pelo mundo físico que atua em cima do cavalo, e geralmente são gerados pelo cavaleiro. Você deve saber recompensar cada tentativa do cavalo no comportamento desejável através do toque acoplado com as palavras “bom”, etc. Tornar as coisas um hábito é a maneira mais simples do cavalo aprender. Dessensibilizar o animal com vários estímulos e objetos faz parte de seu aprendizado e criação de hábito. Objetos e sons que no início parecem incomodar o animal se tornam parte da sua rotina e com o tempo se tornam habituais. Dá mesma forma um potro se acostuma com a pressão da sela e de uma pessoa no seu dorso e isto passa a não incomodálo mais. Isto também faz parte do processo de dessensibilização. É importante lembrar que o tempo de colocação e retirada dos estímulos é crítico, ou o cavalo pode se acostumar àqueles sinais ininterruptos e não mais reagir a eles. Daí surgem os animais com “boca dura”, o cavalo se acostuma àquela pressão constante e não mais reage para tentar se livrar dela e sim vão de encontro a ela. Nestes casos o animal passa a ter menor sensibilidade na boca, reduzindo sua sensação de dor e desconforto, o que resulta na falta de resposta. Outra forma de aprendizagem é a de tentativa e erro. Um potro recém nascido não sabe onde ficam as tetas da mãe, mas à medida que ele procura e encontra, ele recebe a recompensa que é o leite, desta forma cada vez que ele faz uma nova tentativa ele reforça o aprendizado de onde é o local correto. A tentativa e o erro também ensinam o cavalo a responder aos estímulos físicos de fatores externos, e cada vez que ele encontra a resposta para sair daquela pressão e obtém a recompensa que é o alívio. Assim a repetição do mesmo estímulo cria no cavalo uma resposta cada vez mais rápida e consistente, na tentativa de buscar o alívio, fazendo com que aquela resposta se torne um hábito. Tente ser rápido em recompensar cada esforço do cavalo em encontrar a resposta certa por menor que ele seja, principalmente no início dos treinamentos. O aprendizado pelo método da tentativa e erro é dificilmente esquecido da memória do cavalo, tornando o aprendizado sólido, ao passo que as respostas obtidas através do medo e dor são facilmente esquecidas. Portanto as repetições das situações são necessárias para que um cavalo aprenda e tenha respostas sólidas. PRINCÍPIOS DO HORSEMANSHIP NATURAL A palavra natural no dicionário quer dizer não artificial; formado pela natureza; Horseman é definido como cavaleiro ou treinador de cavalos. " Horse-man-ship" por sua vez é a relação entre homem e cavalo. Agora vamos unir os dois. HORSEMANSHIP NATURAL. A arte do trabalho, da formação e da montada com cavalos é uma maneira que trabalhe com o comportamento, instintos e personalidade do cavalo de uma maneira fácil e amigável. Horsemanship natural é um método para comunicar e interagir com os cavalos baseado na confiança, respeito e comunicação, em uma linguagem que os cavalos possam entender, ao invés de utilizar o medo, intimidação e dispositivos mecânicos. Assim trabalhamos com os cavalos utilizando uma linguagem que eles já entendem e não tentamos ensiná-los nossa linguagem. O maior erro de uma pessoa que esta tentando ensinar um cavalo é usar a psicologia de um predador sobre um predado. Devemos olhar as coisas do ponto de vista do cavalo par facilitar que ele entenda o que estamos tentando ensinar. A grande capacidade de adaptação dos cavalos é uma mostra de sua inteligência. O fato de serem animais tímidos está relacionado ao fato de serem animais predados que estão em desvantagem na cadeia alimentar. Podemos entender como sua inteligência está relacionada com suas necessidades. O cavalo tem a capacidade de ler a linguagem corporal do homem, porém um grande número de pessoas não se deu conta deste fato. Para que nos serve esta informação? Nos serve para compreender estes animais e suas reações frente ao medo e situações que arrisquem suas vidas. Freqüentemente alguns cavaleiros imaginam que montar a cavalo é apenas a capacidade de dominar o animal por qualquer meio. Se o animal não obedecer por bem terá de obedecer por mal. Mas a boa equitação é, sobretudo, um exercício de liderança. E a liderança como tudo na vida, pode ser exercida de maneira inteligente e de maneira burra. É inteligente quando o líder consegue promover a satisfação dos seus liderados e é burra quando a liderança serve apenas para satisfazer o desejo de poder do líder, e que terminará sempre com a sua queda do poder. Um dos princípios do horsemanship natural é a liderança que no dicionário significa chefiar, capacidade de liderar que por sua vez significa governar, orientar. Mas para o cavalo o líder é aquele que o serve e o protege. Portanto a liderança sobre o cavalo como forma de interação com ele exige todas as qualidades da liderança humana, acrescida da necessidade do cavaleiro compreender as motivações do cavalo. É por isto que é difícil estabelecer a liderança sobre eles e fácil perdê-la. É por esta razão também que não podemos estabelecer a liderança de cima do cavalo a partir de uma posição superior de domínio e força. Isto lhe impede de nos aceitar como líder. Para o cavalo iniciar desta forma a relação fica clara que buscamos apenas nosso proveito próprio. A liderança eqüina envolve respeito, confiança, comunicação e união. Entre os cavalos a diferença entre o líder e os seguidores praticamente se limita à função. Em uma manada o verdadeiro líder é a égua mais velha, simplesmente porque ela é a que possui maior experiência, já que não é a mais forte. Assumir uma liderança ou se submeter a ela é, para o cavalo, natural e necessário, porque é dessa maneira que ele sobreviveu como espécie há milhões de anos. De fato os demais animais do grupo só se submetem voluntariamente as suas decisões do líder porque é mais conveniente para eles. O reconhecimento de superioridade é espontâneo, firme e verdadeiro, não imposto ou conquistado com força. O poder de um líder eqüino esta no respeito e confiança voluntária de seus seguidores. O desafio do líder está em fazer com que os liderados queiram fazer o que é preciso ser feito e não fazer com que os liderados façam o que é preciso. Liderar cavalos é como liderar homens, o sucesso esta na capacidade de influenciá-los. Isto faz da equitação um delicado e sutil exercício de liderança, e os bons cavaleiros sempre demonstram também um dom natural para a liderança de grupos humanos. Quando se fala em liderança entre homens e cavalos só existem três possibilidades: você é o líder ou seu cavalo é o líder. A terceira é que não há nenhuma relação entre você e seu cavalo e cada um segue sua vida. Devemos ter em mente que o cavalo é um sujeito, não um objeto, que tem a capacidade de analisar as situações e optar pela que mais lhe interessa. É mais importante à comunicação que a força e mediante seu emprego o cavalo pode aprender e executar ações sem repetições absurdas e intermináveis. Qualquer sensação é um sinal para o cavalo, por mais sutil que seja, pois devemos entender que estamos nos relacionando com o animal domestico com a maior capacidade de perceber todo tipo de sensação. A melhor atitude do cavalo é a mais relaxada, pois lhe permite alcançar a maior flexibilidade de seu aparelho locomotor aliada à liberdade de movimentos permite ao cavalo utilizar a melhor maneira possível sua estrutura corporal para realizar os movimentos de maior demanda física. O primeiro passo é estabelecer a liderança, abrindo um canal de comunicação com o cavalo para podermos ensiná-lo a seguir nossas sugestões. Sempre criamos situações favoráveis e desfavoráveis para o cavalo com o intuito que ele busque o seu conforto. Aí então quando o cavalo faz a escolha certa imediatamente suspendemos o estímulo. Para influenciarmos nas decisões do cavalo temos que fazer com que a escolha errada seja desagradável e a escolha certa seja agradável, inofensiva e confortável. A retribuição com a retirada do estímulo frente a cada avanço, por menor que seja, é o estímulo para que ele se esforce cada vez mais para buscar o conforto e a resposta certa. Após a escolha certa diante do problema apresentado devemos repetir a situação várias vezes para fixar melhor qual decisão tomar diante daquela situação. Nunca podemos esquecer de reforçar positivamente as escolhas certas com recursos tais como descanso, carícias, etc. O segundo passo é dessensibilização para se estabelecer à confiança. Sem uma razoável capacidade de aprendizagem a domesticação dos cavalos seria extremamente difícil. Eles possuem um grande senso de observação, uma excelente memória e habilidade de ler o ambiente em sua volta. Se a inteligência fosse medida pela velocidade de aprendizagem os cavalos seriam brilhantes. Eles se lembram de um simples sinal especialmente se este esta ligado a algum componente emocional. Os cavalos podem aprender movimentos novos com um menor número de repetições que outras espécies de animais domésticos. Ensinar um cavalo é uma questão de método. Um cavalo aprende por repetições, mas é necessário que o cavalo possa refletir sobre o que esta fazendo. Não é uma incansável seqüência de repetições irracionais que determinará o aprendizado, mas sim uma seqüência de repetições onde o cavalo seja capaz de refletir e escolher a ação que melhor lhe convir. O cavalo reage frente a cada estímulo que causamos nele e aprende quando retiramos o estímulo. Ou seja, aprende no alívio da pressão e não com a pressão. Desta forma precisamos deixar claro para o cavalo quando geramos uma pressão ele só terá o alívio quando escolher a resposta certa. O aprendizado do cavalo funciona então da seguinte forma: criamos um estímulo, caso o cavalo escolha à resposta errada nós mantemos ou aumentamos o estímulo até o momento em que ele faça a escolha certa, aí imediatamente interrompemos o estímulo. Devemos retribuir o menor esforço do cavalo em fazer o que pedimos. É o esforço para nos atender que gera a retribuição e não a perfeição na execução do movimento. Então fazemos as repetições desta situação para que o animal compreenda qual o melhor caminho a seguir. O bom ditado para seguir se quer ter um bom cavalo é: “comece pedindo pouco, se conforme com menos e retribua muito”. Devemos fazer de tudo para manter o cavalo relaxado o tempo todo. Nunca devemos pedir um cavalo para galopar se ele não sabe andar e trotar relaxado. Cavalos são animais sensitivos e tem aversão a punição física ou psicológica. Eles mordem e dão coice uns nos outros para estabelecerem a ordem no rebanho, mas freqüentemente fazem apenas sinais de face ou levantam a perna como sinal de aviso. Algumas vezes precisaremos fazer o mesmo com eles para evitar intimidação. Alguns cavaleiros nunca controlam este tipo de comportamento e, portanto, só podem lidar com animais calmos. Não podemos permitir que os cavalos nos empurrem ou nos façam andar de costas. Este comportamento é comum e todos os cavalos vão tentar fazer isso alguma vez. O consenso moderno é que não devemos ser duros ou cruéis quando um cavalo é desobediente, mas também não podemos ser fracos. Devemos tomar uma atitude imediata e firme frente uma desobediência. O importante é saber quando, com qual cavalo e de que forma ser rigoroso, pois em alguns casos isto é necessário. Nunca use um chicote com raiva para educar um cavalo. Às vezes eles não respondem de forma correta porque se confundiram ou não entenderam o sinal. Os cavalos têm memória longa e a punição maliciosa é profundamente ressentida. Desta forma os cavalos construirão uma resposta apenas para a punição e para esquecê-la levarão muito tempo. Uma seção inicial de treinamento pode consistir em séries curtas intercaladas de revisão e outras atividades para acalmá-lo. Assim pode-se dar forma no comportamento em uma única lição simples e o cavalo pode entender o que esta sendo pedido mesmo que ele ainda não seja capaz de executá-lo. Seja cuidadoso para evitar que maus hábitos sejam aprendidos, pois estes são difíceis de serem esquecidos. A punição não é a solução e freqüentemente reforça o mau comportamento. A estratégia mais eficiente é evitar as situações onde o mau comportamento ocorre desta forma à falta de repetição daquela situação fará com que ela seja esquecida. Evite lutar com o cavalo, mantenha a calma do cavalo e peça claramente progressões pequenas. Se uma lição nova provoca resistência, ansiedade ou excitação indica que você excedeu a capacidade do cavalo para o que está sendo pedido. Cesse imediatamente este novo exercício e volte a praticar exercícios previamente aprendidos até que a calma seja restaurada. Faça uma completa preparação para a progressão seguinte antes de pedir outra vez. Se apesar disto, você é desafiado seriamente pela desobediência dos cavalos, você deve atuar de forma decisiva - seja persistente e nunca deixe o cavalo ter uma vitória sobre você. O medo, que desencadeia a manifestação característica do cavalo, a fuga, é o conceito pelo qual ele desenvolve seu comportamento em liberdade. O cavalo é um dos animais mais pacíficos do mundo, e não poderia ser de outra forma, pois enquanto outros animais apresentam grande espírito de luta quando sentem medo ou estão acuados, eles apenas procuram uma forma de fugir. A agressividade e ainda a violência são características de animais predadores e não de predados, como os cavalos. Outra pergunta que surge é como adquirir sensibilidade para saber em qual momento é necessário ser firme ou suave com o cavalo? A sensibilidade é uma conseqüência lógica da prática. Toda pessoa que deseja ter uma boa sensibilidade deve praticar, praticar e praticar, mas há um porem, praticar da forma correta. Todos que possuem boa sensibilidade praticaram muito, mas nem todos que praticaram muito adquiriram boa sensibilidade. Se você pratica de forma errada, se especializara naquilo que é errado. Portanto é melhor se preocupar com a qualidade que com a quantidade, isto é válido para humanos e cavalos. È muito importante saber o que se deve fazer e o que se deve evitar a fim de melhorar a relação com o cavalo. Este é o ponto de partida, depois devemos praticá-lo e fazê-lo bem. Precisamos saber se a origem da resistência que pede maior firmeza é falta de vontade ou de compreensão do cavalo. Os cavalos não executam alguns movimentos que pedimos por três motivos: porque não entendem, porque não podem ou porque não querem. É nosso papel identificar qual é este motivo e tentar resolvê-lo. Sempre devemos conceder ao cavalo o benefício da dúvida e nunca aumentar a pressão se não estamos seguros se a resistência se deve ao fato do cavalo não querer fazer o que pedimos. Frente a estas situações o pensamento humano é quase sempre de que o cavalo não quer. Porém na prática, o que geralmente ocorre é que eles não entendem o que pedimos e isto não é culpa deles e sim nossa, pois não soubemos nos comunicar. Talvez o mais importante seja recompensar a tentativa. Esta é a versão moderna da máxima do capitão Etienne Beudant, “Peça freqüentemente, fique feliz com pouco, recompense sempre”. O cavaleiro natural não exige a perfeição instantânea de seu cavalo; pede somente que o cavalo faça uma tentativa, e que a próxima vez seja um pouco melhor do que última, dando-lhe uma recompensa imediata. Com paciência, persistência e consistência em seu pedido o cavaleiro ajuda o cavalo a encontrar a resposta correta. A nova linguagem do cavaleiro reflete novas formas de pensar e novos padrões de comportamento. Esteja certo de que os cavalos sabem que algo especial aconteceu, fica claro quando um bom cavaleiro se aproxima de um cavalo nervoso, há uma mudança perceptível na sua atitude. O cavalo sabe quando o ser humano o compreende, apenas porque sabe quando o ser humano não o faz. Tom Dorrance um dos maiores horsemen da história tinha como princípios básicos: 1. Observe, lembre-se e compare. 2. Faça com que as coisas erradas sejam difíceis e que as certas sejam fáceis. 3. Deixei sua idéia transformar-se na idéia do cavalo. 4. Seja tão gentil quanto possível e tão firme quanto necessário. 5. Quanto mais lentamente você faz, mais rapidamente recebe. 6. Sinta o que o cavalo está sentindo 7. Faça menos para ter mais. 8. Gaste tempo onde ele gasta. 9. O cavalo tem a necessidade de auto preservação na mente, corpo e espírito. 10. O cavalo nunca está errado. Ray Hunt outro famoso horseman em seu livro reuniu alguns dizeres que são brilhantes em sua simplicidade e relevância, e dá forma a uma fundação útil para construção de uma linguagem baseada em sensações. Alguns deles são: 1. Se você vai ensinar algo a um cavalo e tem bom relacionamento com ele, você não o faz aprender, e sim o deixa aprender. 2. A sensação correta e o tempo trazem o equilíbrio. 3. Pense 4. Cavalgue um cavalo com seu corpo, e não apenas com braços e pernas. 5. Sinta as pequenas mudanças e as mais sutis tentativas, e recompense-as. 6. Ele sabe o que você sabe, e você sabe o que ele sabe. 7. Você não esta trabalhando com seu cavalo e sim com você mesmo. As três regras básicas no treinamento de cavalos segundo John Lyons são: 1. Você não pode se machucar. 2. O cavalo não pode se machucar. 3. O cavalo deve terminar o treinamento mais calmo do que ele iniciou. Para entender a mente dos cavalos e os fatores que determinam seu comportamento é necessário saber que existem os fatores genéticos que estão presentes desde o nascimento e os fatores resultantes da experiência adquirida por toda a vida. Os fatores genéticos do comportamento são resultado da seleção natural. A anatomia e a psicologia são fatores genéticos do comportamento essenciais para que o animal sobreviva no habitat em que ele se encontra. Lembre-se, um cavalo não correlaciona experiências do seu lado esquerdo com experiências idênticas do seu lado direito, pelo menos não no mesmo grau que nós fazemos. Eis porque nós devemos sempre trabalhar ambos os lados uniformemente; nós, de fato, estamos ensinando ambos os lados, educando ambos os hemisférios do seu cérebro, individualmente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os cavaleiros naturais aprenderam, sobretudo a linguagem corporal para transmitir ao cavalo o que querem. Aprenderam quando e como usar seus olhos, posição de seu corpo e partes de seu corpo, tom de voz ou falta da voz, o que usar como ferramentas para realçar comunicações eficazes. Não faz sentido querermos nos comunicar com nossos cavalos através de palavras. O mais importante é escutá-los? Quando forçamos um animal a fazer algo que desejamos, ele está fazendo o que queremos por medo ou por amizade? Os cavalos sentem medo dos seres humanos naturalmente. Nós somos predadores. Nós devemos ensiná-los a confiar em nós. Isto é feito através da comunicação com o cavalo. Enfim trabalharmos com um cavalo em alto grau de comprometimento precisamos que ele confie em nós e que não sinta medo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANNAMAN, B. Grounwork: The first impression. RanchoDeluxe Design, Marina Del Rey, CA: 1997. CAMERON, C.; KATHY, S. Ride smart: Improve your horsemanship skills on the ground and in the saddle. Western Horseman, Colorado Springs, CO: 2004. HUNT, R. Think harmony with horses. 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