6819 os elementos fundantes do constitucionalismo

Propaganda
OS ELEMENTOS FUNDANTES DO CONSTITUCIONALISMO: UMA
ANÁLISE HISTÓRICA CONTRA-MAJORITÁRIA*
THE BASIC ELEMENTS OF THE CONSTITUCIONALISM: A CONTRAMAJORITY HISTORICAL ANALYSIS
Bernardo Augusto Ferreira Duarte
RESUMO
O intuito do presente artigo é apenas lançar luzes para uma análise histórica contramajoritária desses elementos fundantes, a fim de demonstrar que mesmo antes dos
contratualistas Hobbes, Rousseau e Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de
Pádua e Guilherme de Ockham acerca da distinção entre o poder temporal e o espiritual,
bem como a tese do dever de resistência decorrente dos ensinamentos dos luteranos e
calvinistas, já se apresentavam como embriões daquilo que, posteriormente, viriam a ser
os dois maiores pilares do Constitucionalismo moderno e contemporâneo: a soberania
popular e os direitos fundamentais. É o que, adiante, tentar-se-á desenvolver.
PALAVRAS-CHAVES: ELEMENTOS FUNDANTES; CONSTITUCIONALISMO;
CONTRA-MAJORITÁRIA;
SOBERANIA
POPULAR;
DIREITOS
FUNDAMENTAIS;
ABSTRACT
The aim of this article is to give light to a contra-majority historical analysis of the
Constitutionalism basic elements in order to show that even before the contractualists
Hobbes, Rousseau and Locke, theories by John of Paris, Marsilio of Padua and William
of Ockham (Guilherme de Ockham) regarding the distinction between the temporal and
spiritual powers as well as the must of resistance thesis derived from the teachings of
the Luterans and Calvinists had already appeared as embryos of what would then
become the biggest pillars of the modern and contemporary Constitutionalism: The
popular sovereignty and the fundamental rights.
KEYWORDS: BASIC ELEMENTS; CONSTITUCIONALISM;
MAJORITY; POPULAR SOVEREIGNTY; FUNDAMENTAL RIGHTS;
CONTRA-
INTRODUÇÃO
A pretensão de repensar teorias não é tarefa das mais simples. Além de demandar do
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
6819
pesquisador um ‘q’ de audácia, esse intento, necessariamente, exige de sua parte o
reconhecimento de suas limitações, as quais decorrem do mundo da vida que o constitui
e no qual está inserido.
Nada, absolutamente nada, surge simplesmente do brilhantismo intelectivo de um
observador. Todo pensamento possui uma fundação, um ponto de partida, uma raiz,
alicerces que se desvelam no-mundo a partir da linguagem que, por sua vez, é condição
sem a qual não existiria qualquer tipo de compreensão humana.
O fato é que os elementos fundantes de uma teoria são acessíveis aos homens apenas em
vista de uma atitude hermenêutica que não é puramente individual-reflexiva - como
queria Schleiermacher - mas possibilitada pelos preconceitos (pré-compreensões) do
sujeito/hermeneuta, construídos pela tradição desvelada pela linguagem[1].
Daí que, forte em Gadamer (2002), o processo de compreensão, que se dá no interior da
linguagem, deve ser entendido como um ‘ir e vir’, uma ‘construção de sentido da parte
para o todo e vice-versa’, um projeto de ‘antecipação de significados’ a partir das précompreensões do intérprete e de uma constante abertura para as possíveis alterações
desses conceitos prévios (preconceitos) por meio do horizonte advindo do objeto.
É essa permanente exigência de abertura e alteração de conceitos prévios inadequados, a
partir da fusão entre os horizontes do intérprete e do objeto[2], que dá ensejo a um
repensar dos elementos fundantes do Constitucionalismo, com base na influência do
pensamento político trilhado no período medieval.
O intuito do presente artigo é apenas lançar luzes para uma análise histórica contramajoritária desses elementos fundantes, a fim de demonstrar que mesmo antes dos
contratualistas Hobbes, Rousseau, Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de
Pádua e Guilherme de Ockham acerca da distinção entre o poder temporal e o
espiritual, bem como a tese do dever de resistência, decorrente dos ensinamentos dos
luteranos e calvinistas, já se apresentavam como embriões daquilo que, posteriormente,
viriam a ser os dois maiores pilares do Constitucionalismo moderno e contemporâneo: a
soberania popular e os direitos fundamentais. É o que, adiante, tentar-se-á desenvolver.
1 A SEPARAÇÃO ENTRE O PODER TEMPORAL E ESPIRITUAL
1.1 A teoria de JOHN OF PARIS
Jonh of Paris, também conhecido como Jonh Quidort, foi um dominicano
francês que viveu no século XIII, durante o período de 1255 a 1306. Discípulo de
Tomás de Aquino, durante sua vida ele lecionou na Universidade de Paris, e escreveu o
livro Sobre o Poder Régio e Papal, cuja data da primeira publicação é desconhecida[3].
6820
Em sua obra, Jonh of Paris, no contexto de um conflito político envolvendo o Papa
Bonifácio VIII e o Rei Felipe IV da França, propôs uma teoria que foi por ele
identificada como um ‘meio termo’[4] entre duas teses então vigentes em relação aos
poderes dos papas e dos príncipes: (a) a que dizia que os papas e bispos não possuíam
poder em questões de ‘natureza temporal’, sendo ilegal ao clero ter qualquer tipo de
propriedade temporal; e (b) a que sustentava que o Papa possuía jurisdição e poder
sobre os homens leigos e suas respectivas propriedades, e, ainda, a ‘autoridade
primeira’, derivada diretamente de Deus, enquanto o príncipe possuiria o seu poder
mediatamente de Deus, através do Papa.
Em síntese, John of Paris (1989) concebeu o que ele identificou como ‘a multidão
perfeita’, cuja causa eficiente principal é a atitude positiva de alguns homens mais bem
dotados do uso da razão[5], que resolveram abandonar a vida primitiva e instituir a vida
comunitária. Titular do poder legítimo instituído por Deus, a ‘multidão perfeita’ de John
of Paris é a cidade ou reino, em cuja vida em multidão é necessária. Para ele, ela se
diferencia da multidão doméstica ou da aldeia, que não são perfeitas. A cidade ou o
reino, portanto, é o que possibilita o governo da multidão perfeita.
Como fica evidente pela explicação acima desenvolvida, o conceito de ‘multidão
perfeita’ em Quidort coincidiria com o de ‘comunidade perfeita’ de Tomás de Aquino,
não fosse pela realidade de que, ao contrário da tese tomasiana, sua teoria estava
pautada em uma espécie de ‘pacto social fundante’, pautado no consenso.
O fato é que para John Quidort, a despeito de a ‘multidão perfeita’ possuir como uma
de suas causas a inclinação natural do homem para a vida social, sob clara influência de
Aristóteles e Tomás de Aquino, esta não seria suficiente para que os homens se unissem
socialmente em torno de um propósito comum. Assim é que, de modo original, propõe
uma espécie de ‘pacto social’ entre os mais bem dotados da razão como a causa
instrumental eficiente da constituição da ‘multidão perfeita’, a vida em comum
ordenada, sob a direção de um único chefe[6]. (LIMA, 2006: 137-138)
Essa constatação já demonstra o porquê de o ‘pacto social fundante’ quidortiano se
afastar da proposta que, séculos mais tarde, Rousseau apresentaria em sua obra Do
Contrato Social, publicada pela primeira vez em 1762. Ao contrário de Rousseau, John
of Paris não supõe o ‘pacto social’, mas o vê como um evento histórico efetivamente
ocorrido, envolvendo todos os indivíduos que inicialmente decidiram viver em
sociedade.
Além disso, em John of Paris os membros da comunidade perfeita prescindem de uma
alienação por inteiro à sociedade, porquanto esta já era uma característica subentendida,
uma vez que, à sua época, não era comum entender os homens em sua individualidade,
o que só se consubstanciaria definitivamente com a Reforma protestante.
As diferenças, no entanto, não param por aí. John of Paris (1989) parte do princípio de
que a vida em comum é boa, isto é, benéfica aos homens, porquanto corresponde à sua
inclinação natural. Nesse sentido, para ele, o ‘estado natural’ anterior ao pacto não
representa um estado ideal da vida humana, mas uma condição subhumana e indigna,
um estado péssimo.
6821
Rousseau, por sua vez, se afasta dessa ideia, defendendo que a vida social seria um mal
menor. Em sua ótica, o ‘estado natural’ anterior ao pacto seria bom, um estágio do viver
humano que deveria ser conservado. Contudo, por estar esse estado subvertido, seria
desejável firmar um pacto que tornasse a vida em sociedade possível. Pactua-se,
portanto, para manter a bondade natural do homem e a integridade de seus direitos
naturais, os quais, de outro modo, não seriam preservados. O pacto que torna possível o
viver em sociedade é menos prejudicial que o mal que adviria ao indivíduo se este não
se consorciasse. E isso porque, aos indivíduos, faltaria a vocação, tendência ou
inclinação para a vida social, defendida por John of Paris (LIMA, 2006: 141-142).
Não bastasse isso tudo, em John of Paris a ‘multidão perfeita’ detém apenas a
titularidade do poder, sendo que quem o exerce é a potestade, ou família real, eleita
diretamente pelos homens que integram a comunidade. O fato é que, em Quidort, o
regime racionalmente admitido é a monarquia, “governo de uma multidão perfeita,
ordenado pelo bem comum e exercido por um só indivíduo” (1989: 44 et seq.). Mas esta
monarquia é representativa, isto é, busca a sua legitimidade na vontade dos indivíduos
esclarecidos e consortes[7] que aceitaram viver em comunidade, na busca pelo bem
comum[8], e que pactuaram nesse sentido. Em suas palavras:
(...) o poder real não depende do papa nem em si mesmo, nem quanto à execução, mas
provém de Deus e do povo que elegeu e continua a eleger o rei, indicando uma
pessoa ou família para o cargo. (...) o rei é constituído pela vontade do povo, mas,
uma vez constituído rei, é natural que domine (QUIDORT, 1989: 73/118 – sem
destaque no original).
Daí que, em John Quidort, já se notam os primeiros germes do que, mais tarde, viria a
configurar o instituto/princípio da soberania popular.
A verdade é que a teoria de John of Paris já antecipa uma ideia que, à época, em vista
do conflito entre o Papa Bonifácio VIII e o Rei Felipe IV da França, já auxiliava em
muito a tentativa de solução da tensão entre o poder régio (isto é, dois reis) e o poder
papal. Sua proposta retira do Papa a legitimidade do poder temporal, e mesmo a
legitimidade de nomear aquele que deveria exercê-lo, para recolocá-la nas mãos de
Deus e nas mãos da comunidade perfeita. Isso significa que o poder régio advém de
Deus e do conjunto de cidadãos que elege o rei, e não de uma nomeação feita pelo
Papa[9], até então entendido, em vista da disseminação da tradição católica, como o
mandatário do Senhor na Terra. Assim, para Quidort, a causa remota do poder real é a
vontade de Deus, enquanto sua causa eficiente é a vontade da ‘multidão perfeita’, titular
e delegatária do poder político (1989: 73).
É assim que John of Paris rompe com as teses defendidas até então, enxergando no
Papa apenas a legitimidade do poder sobre as questões celestiais, não sobre as coisas
mundanas, temporais. Aliás, ele defende que mesmo o Papa seria um mandatário do
povo, podendo ser, inclusive, expurgado do cargo em caso de escândalo ou qualquer
outro tipo de impedimento. Nestes casos, o Papa deveria ser destituído a pedido do
‘povo’, pelo colégio dos cardeais, igualmente mandatários do poder. Aqui, portanto,
nota-se a influência da tese conciliarista desenvolvida por Huguccio e seus seguidores
6822
já no final do século XII (teoria que seria mais tarde revivida por Gerson e seus
seguidores)[10] sobre a teoria de John Quidort.
De fato, o poder e jurisdição do Papa, a partir de John of Paris, são enfraquecidos a
ponto de abrir as portas para que, mais tarde, se completasse a separação integral entre
as questões divinas e temporais, o que, consequentemente, resultaria no ‘nascimento’ do
Estado Laico. Por ora, no entanto, rompia-se apenas com a ascendência do Papa sobre o
Rei:
Both take their origin immediately from one supreme power, namely God. Hence the
inferior [the king] is not subject to the superior [the priest] in all things but only in those
matters in which the supreme power [God] has subordinated the inferior to the superior.
(John of Paris, On Royal and Papal Power, disponível em site
http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27
de julho/2009).[11]
É, contudo, no que tange à jurisdição sobre os bens, que a teoria de John of Paris
apresenta a sua faceta mais inovadora. A uma, porque ela rompe de vez com a ideia de
que os Papas pudessem exercer jurisdição sobre os bens particulares, porquanto esta
seria de competência do Rei[12], que a exerceria, no entanto, em nome da ‘comunidade
perfeita’, na busca pela concretização e defesa do bem comum. Daí porque apenas o Rei
seria legítimo para cobrar tributos para a manutenção e defesa dessa propriedade[13].
O fato é que Quidort(1989) sustenta a inexistência de qualquer tipo de jurisdição da
Igreja sobre questões temporais. Assim também, o Papa não possuiria esse tipo de
jurisdição, porquanto, em primeiro lugar, como homem Cristo não exercera esse tipo de
poder e, em segundo lugar, não passara esse direito a Pedro e a seus sucessores. A bem
da verdade, segundo John of Paris nem mesmo a propriedade clerical, isto é, da Igreja,
seria de titularidade dos sacerdotes, mas da comunidade. Daí que os sacerdotes
gozariam apenas do direito de administrar esses bens, mas nunca do direito de alienálos, seja em caráter gratuito (doação) seja oneroso (venda). Em vista disso, nem mesmo
sobre os bens da Igreja o Papa possuiria jurisdição[14].
Daí Quidort sustentar que à potestade cabe a competência, derivada da ‘multidão
perfeita’, para julgar e discernir, na busca pela realização do bem comum, sem pretender
qualquer coisa sobre os bens. Eis aqui o primeiro passo, o embrião que, séculos mais
tarde, propiciou o surgimento da ideia de um Estado Laico, em cujo fundamento de
legitimidade e exercício do poder político não mais decorreria de qualquer elemento
espiritual, apenas temporal.
Apenas para terminar essa breve exposição acerca da teoria de John Quidort, vale,
ainda, explicar que para ele não existia uma tensão entre o ‘bem comum’ e o ‘bem
particular’, mas uma relação de interdependência. Nas palavras de Lima:
6823
o “bem comum”, visto mesmo nessa perspectiva, não perde seu caráter de perfeição
para a “multidão perfeita” porque a perfeição da multidão resulta dos indivíduos
realizados economicamente, não cerceados em suas posses, nem desprovidos delas; seja
pelos concidadãos, seja pelo poder político que, antes de tudo, é sua salvaguarda, pois o
bem comum é algo de privativo da “multidão perfeita” não podendo ser alterado ou
perdido de vista por qualquer governante ou administrador religioso (2006: 152).
O fato é que, para Quidort, o bem comum seria oposto apenas ao bem particular do
governante, não à soma dos bens particulares dos membros da comunidade. Por isso ele
sustentou que os bens particulares deveriam ser salvaguardados dos abusos perpetrados
tanto pelos mandatários do poder temporal (reis), quanto espiritual (Papa)[15].
Daí porque sustentou ser a propriedade o bem mais primordial dos pactuantes, se
sobrepondo, exatamente por isso, a qualquer pretenso direto por parte do poder político.
Em suas palavras, sendo a propriedade particular anterior ao ‘pacto fundante’,
configurava um direito natural dos membros da comunidade. Por isso ela configurava
um direito do membro livre, devendo o poder político salvaguardá-la (LIMA, 2006:
153). Eis aí, já no século XIII, um germe daquilo que, séculos mais tarde, viria a
configurar o Direito à propriedade, antes mesmo da plena configuração do indivíduo
como portador de direitos.
1.2 A teoria de MARSÍLIO DE PÁDUA
Marsílio Mainardini, também conhecido como Marsílio de Pádua, sua cidade natal,
nasceu em 1280 e viveu durante um período de grande efervescência política, o qual foi
marcado pela disputa pelo poder temporal entre o Papa João XXII e o imperador Luíz
IV, da Baviera. Filho de uma família abastada[16], tudo indica que Marsílio tenha
estudado Direito em sua cidade de nascimento, grande centro de cultura jurídica à
época, ou em Bolonha, também na Itália. Morreu em 1347.
Grandemente influenciado pela filosofia de Aristóteles, publicou sua obra prima em
1324, a qual recebeu o título de O Defensor da Paz. Nessa obra, como não poderia
deixar de ser, Marsílio discorreu acerca de inúmeras questões, desde a noção de cidade,
povo, lei e paz, até, e principalmente, a polêmica relação entre o poder temporal e o
espiritual. O pano de fundo de toda sua obra foi o conflito já noticiado entre o Papa João
XXII e o imperador Ludovico (Luiz) da Baviera, o qual é marcado pela grande
discussão em voga na época, a saber, se era ou não legítimo ao Sumo Pontífice pleitear
a plenitude do poder[17].
Em sua obra, Marsílio atacou abertamente, e pelos mais diversos motivos, a teoria da
plenitude do poder papal (surgida com Inocêncio III, adotada por Bonifácio VIII e
radicalizada por João XXII). Sua teoria, nas palavras de Tôrres[18], representou um
golpe brutal para as pretensões de ampliação do poderio papal para além das questões
espirituais. Como se não bastasse, ela ainda lançou vários questionamentos que, um
6824
século depois, em 1517, viriam a ser repetidos por Martin Lutero em suas Noventa e
cinco teses[19] afixadas na porta da Igreja do Castelo, em Wittenberg, marco histórico
inicial da Reforma Protestante[20].
Basicamente, Marsílio (1997) pretendeu apresentar, por meio do Defensor da paz, uma
tese que expurgasse, de uma vez por todas, qualquer pretensão de legitimidade dos
papas, bispos, presbíteros, diáconos, ou quaisquer outros clérigos, à plenitude do poder,
isto é, à ingerência em questões civis/temporais[21].
Para tanto, ele dividiu sua obra em três partes: na primeira, discorreu acerca de sua tese
política, apresentando uma série de considerações que, levadas a sério, podem bem ser
consideradas como um embrião da teoria moderna da soberania popular; na segunda,
expôs todas as suas concepções acerca da questão atinente ao poder eclesiástico,
desferindo uma série de argumentos que, pautados nos textos e ensinamentos
bíblicos[22], tiveram por finalidade desautorizar a pretensão de plenitude do poder
papal, tanto no âmbito interno da Igreja[23], quanto externamente; na última parte,
apresentou as suas conclusões, as quais apontavam, entre outras coisas, para a
abusividade e perniciosidade da pretensão do Papa João XXII ao domínio das questões
temporais. (PÁDUA, 1997: 75 et seq.).
Invertendo-se a seqüência originalmente estabelecida no livro[24], é possível sustentar
que Marsílio, na segunda parte de seu Defensor da Paz, intentou primeiramente
demonstrar argumentativamente, com base nos exemplos comportamentais de Jesus, e,
ainda, nos seus conselhos aos apóstolos, o equívoco[25] dos dirigentes eclesiásticos em
relação à natureza da Igreja, ao supor que a eles fosse legítimo pleitear a extensão do
poder para além das matérias de cunho espiritual, especificamente, para questões legais,
políticas ou de qualquer outra espécie de jurisdição coercitiva. (PÁDUA, 1997: 231271)
Ainda na segunda parte do Livro, Marsílio (1997) criticou veementemente a hierarquia
clerical[26], a fim de, mais uma vez, desvelar a ilegitimidade bíblica da plenitude do
poder reivindicada pelos papas, agora, no entanto, com ênfase nas questões internas da
Igreja. Para tanto, o paduano desfilou uma série de argumentos, acompanhados de
citações bíblicas, que apontavam claramente para a realidade de que Cristo, em
momento algum de seu ministério, estabelecera qualquer tipo de pré-eminência entre os
Apóstolos, o que, por si só, já era suficiente para desautorizar a interpretação, propagada
pela Igreja de Roma, de que Pedro havia sido instituído por Jesus o caput (cabeça) da
Igreja na terra, isso é, o príncipe/líder dos Apóstolos e dos cristãos no mundo, direito
que, por herança, agora pertenceria aos Papas (PÁDUA, 1997: 419 et seq.). O que
Marsílio pretendia demonstrar nesse ponto era a igualdade entre todos os Apóstolos de
Cristo, bem como entre todos os seus sucessores. Alcançado esse intento, o paduano
questionou:
Porque, então, e apoiados em qual fonte alguns bajuladores sacrílegos se empenham em
afirmar que todos os bispos possuem a plenitude do poder que receberam de Cristo,
tanto sobre os clérigos quanto sobre os leigos, enquanto São Pedro e os outros
Apóstolos jamais pretenderam, em gestos e palavras, se atribuir tal poder?
6825
Os indivíduos que pretendem tal coisa devem estar brincando, não merecem crédito, e
muito menos respeito, pois o que reivindicam está em oposição frontal ao texto e ao
significado literal da Sagrada Escritura.
Na verdade, São Pedro nunca possuiu e exerceu esse poder sobre os apóstolos, nem
sobre as demais pessoas (PÁDUA, 1997: 425).
Marsílio ainda questionou a autoridade dos Bispos da Igreja sobre a comunidade,
alegando que, em verdade, não eles, mas Deus, e apenas Ele, poderia perdoar
legitimamente os pecados cometidos pelos fiéis. Além disso, sustentou que os Papas
não eram infalíveis, pelo que poderiam, inclusive, ser depostos pela vontade do ‘fiel
legislador humano’, a quem, inclusive, caberia a competência para convocar Concílios
Gerais, e, ainda, para apresentar, eleger e nomear as pessoas para exercerem as ordens
sacras[27]. Com base em todas essas questões, a pretensão dos clérigos, sobretudo dos
Papas, à plenitude do poder foi não apenas afastada, mas condenada por Marsílio de
Pádua.
Ocorre que, uma vez afastada a legitimidade dos clérigos ao exercício do poder
temporal, bem como a autoridade do Sumo Pontífice para eleger e nomear o príncipe ou
imperador, exsurgia uma lacuna incomensurável em relação ao fundamento de validade
do poder temporal. Exatamente em vista disso, restava a Marsílio tentar preencher essa
lacuna por meio de uma nova teoria da legitimidade do poder temporal. E foi justamente
esse o seu intento na primeira parte do Defensor da Paz: preencher a referida lacuna
mediante a teoria da soberania do fiel legislador humano[28].
Primeiramente, claramente sob influência do pensamento aristotélico, o paduano
entrelaçou os conceitos de pax, civitas e lex, no intuito de demonstrar que a paz[29] da
(e na) comunidade de cidadãos, só seria atingida caso fossem respeitadas as regras
reguladoras do convívio em sociedade. Em seguida, sustentou que essas regras
deveriam ser definidas pelo fiel legislador humano, constituído pela soma dos cidadãos,
ou, ainda, pelos melhores do povo. Em suas palavras:
O legislador ou o conjunto de cidadãos é a causa eficiente da escolha ou do
estabelecimento do governante da mesma forma que lhe cabe o poder legislativo (...) e
não apenas isso, mas também é de sua competência representar contra o governante e
ainda depô-lo se tal medida for útil ao bem comum (PÁDUA, 1997: 152).
A inovação da teoria paduana em relação à tese de John of Paris consistia em que,
agora, caberia ao conjunto de cidadãos não apenas eleger o príncipe, mas, ainda,
deliberar em relação às regras que limitariam o exercício do poder. Isso, sem a menor
sombra de dúvidas, já dá forma àquilo que Rousseau designou por teoria da soberania
popular.
6826
Interessante é que, ao contrário de Aristóteles, Marsílio não subjulgava aqueles a quem
designava por ignorantes do povo. Em sua visão, não era infundado dizer que os sábios,
sendo em menor número, pudessem julgar melhor o que deveria ser estabelecido para o
resto da sociedade. Isso, contudo, não implicava em que os sábios fossem mais capazes
que a multidão, constituída igualmente pelos ignorantes, de discernir o que deveria ser
estabelecido. Nas palavras de Marsílio:
(...) sendo mais fácil a um número pequeno de pessoas estar de acordo entre si, do que
um grande número de pessoas acerca de algo, não se pode inferir disso que a opinião
dada, ou por um número reduzido de pessoas ou por uma diminuta parcela das mesmas,
é superior àquela externada por toda a multidão, da qual, aliás, o número reduzido faz
parte, tendo em vista que este último não poderia discernir com exatidão o que convém
ao bem comum nem o almejaria tanto quanto a globalidade dos cidadãos. (PÁDUA,
1997: 141)
É certo que a noção paduana de povo ainda não era tão ampla quanto a atual, e nem
poderia ser, porquanto Marsílio escreve ainda no século XIV, antes mesmo da formação
dos Estados Nação, da instauração do Absolutismo, da queda do Antigo Regime na
França (Revolução Francesa) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
cidadão. À sua época, a noção de indivíduo ainda não era muito clara, a despeito de
alguns avanços já noticiados na tese de John Quidort. Cidadão, ainda era o sujeito
integrado à comunidade, tal como em Aristóteles. E era justamente esse conjunto de
cidadãos, excluídos os escravos, crianças e mulheres, que compunham o conceito
paduano de povo. Mesmo assim, não há como negar a originalidade e, sobretudo, o
caráter revolucionário de sua teoria.
Isso porque, em primeiro lugar, a tese de Marsílio centrou na vontade do conjunto
global dos cidadãos, de forma mais ampla que qualquer outra teoria até então
concebida, não apenas a competência para eleger a pessoa, ou o conjunto de pessoas (a
família, por ex.) que deveria governar, mas, também, a competência para deliberar
acerca das regras que regulariam o convívio em sociedade.
Além disso, a tese paduana ainda separou os conceitos de lei divina e lei humana,
desvinculando a concepção de pax na sociedade civil (civitas) da noção de paz eterna.
Essa separação, por sua vez, possibilitou a reformulação do conceito de sanção, que
deixou de ser ligado à noção de ‘paga no além’ para ser entendido como coação
material, isto é, no tempo presente e não no porvir, em decorrência do descumprimento
da lei. Acerca do tema é esclarecedora a colocação de Sánchez:
Cuando Marsilio de Padua se refiere a naturaleza de la ley, no la caracteriza como una
norma que esté basada en la teoría teocrática descendente, sino que la ley es un
«precepto coactivo», es decir, obligatorio, que le da toda la caracterización posible
como ley; así, son los hombres los que le dan sentido de obligatoriedad a las leyes para
que los gobierne: «el gobierno, como parte instrumental del Estado, recibe su poder de
6827
este pueblo, es decir «LEGISLATOR HUMANUS», en quien todo el poder civil» está
presente.(2005: 98)[30]
O fato é que Marsílio desvinculou a lei humana de questões transcendentes, chegando a
afirmar que seu objetivo precípuo seria o de “concorrer para o bem comum e para o
que é justo na cidade”, ao passo que o seu intento secundário consistia “em propiciar
uma certa segurança e estabilidade governamental” especialmente quando os príncipes
instituídos no poder usufruíssem desse direito em vista de sucessão hereditária
(PÁDUA, 1997: 119). Eis aí, já em Marsílio de Pádua, uma proposta condizente àquilo
que, mais tarde, seria chamado de monarquia constitucional, e, portanto, o embrião de
um governo limitado pelo direito instituído[31].
Em vista de todas essas especificidades, não restam dúvidas quanto à correição
da afirmação de Skinner (2004), no sentido de que a teoria paduana teria contribuído
essencialmente para a defesa da independência total das cidades-Estado italianas, de
iure, em relação à Igreja. Daí porque, igualmente, ser correto inferir que tese de
Marsílio contribuiu para a derrocada das pretensões eclesiásticas em relação ao poder
temporal, e, sobretudo, para a formação, ainda que um século depois, dos primeiros
Estados nacionais.
Assim, tanto quanto é correto dizer que a teoria paduana contribuiu para a formação do
pensamento político moderno, é possível sustentar que, já em Marsílio de Pádua,
identificam-se alguns dos elementos fundantes do Constitucionalismo.
1.3 A Teoria de GUILHERME DE OCKHAM
Guilherme de Ockham, tido por Ben (2006) como el último medieval, e para
Sánchez, como um pensador político moderno en el mundo medieval, foi um monge
franciscano que viveu durante o final do século XIII até meados do século XIV [1285134(7/9);(50)?]. Nominalista extremo, Ockham foi um crítico do platonismo, do
agostiniasmo, do aristotelismo e do tomismo. Seus estudos derivam de um período de
grandes instabilidades e questionamentos[32], em que se ‘desmoronam’ as estruturas
sociais, políticas e religiosas, como até então eram conhecidas, juntamente como os
vínculos existentes entre eles.
Basicamente, Ockham se opõe à Platão e Aristóteles ao sustentar que os universais
seriam meras criações dos seres humanos, isto é, ‘flactos vocci’, verdadeiras criaturas
signativas da linguagem. Em suas palavras, os universais seriam verdadeiramente meros
singulares, porquanto designariam as coisas existentes no mundo. Nesse sentido, os
universais seriam signos, e como signos (significantes de várias coisas), singulares, não
universais pela forma (Platão) ou pela substância (Aristóteles).
Em oposição ao pensamento de Agostinho e Tomás de Aquino, Ockham sustenta a
inutilidade da utilização de elementos platônicos e aristotélicos como instrumentos
6828
hábeis à explicação de questões inerentes à fé. Em suas palavras, enquanto o saber
racional estaria baseado na lógica, o saber teológico basear-se-ia na iluminação, tornada
possível pela fé. Exatamente por isso, esses dois saberes seriam independentes entre si,
não convergindo em ponto algum.
Nas palavras de Ben (2006), isso não significa que Ockham desconsidere a Teologia, ou
que considere que as conclusões decorrentes da fé não pudessem ser racionais, e sim
que, por não serem evidentes por si mesmos, advindo da revelação proveniente da fé, os
argumentos teológicos jamais poderiam ser tidos como simples demonstrações da razão.
A terceira marca do pensamento de Ockham (1988) afigura-se no seu intento de
estabelecer uma separação entre Igreja e Estado. De fato, como dominicano, sua
intenção era de promover uma reforma na Igreja, o que, necessariamente, passaria por
uma mudança de postura do Papa. Este deveria cuidar dos interesses da comunidade
num âmbito espiritual, e, portanto, zelar mais pela espiritualidade dessa comunidade,
que cuidar dos interesses do imperador. Ockham ainda criticará, nesse mesmo sentido e
com o mesmo intento de separar o Estado da Igreja, a posição de poder e os privilégios
ostentados por esta última, durante toda a idade média[33].
É certo que essas três marcas do pensamento de Guilherme de Ockham influenciarão
sobremaneira as futuras teorias epistemológicas relativas às mais diversas áreas da
ciência e da filosofia. A primeira delas propiciará um suporte que, mais tarde, servirá de
base para uma verdadeira revolução copernicana que, a começar por Descartes[34],
Hume e tantos outros, culminará na teoria de Kant, que empreenderá o questionamento
definitivo da relação objeto-objeto, própria da filosofia do ser[35]. A segunda justificará
o abandono das incessantes tentativas de explicação dos elementos divinos mediante
critérios da razão lógica. E, finalmente, a terceira dessas marcas servirá como um
elemento fundante para a cisão definitiva entre Igreja e Estado, entre poder político e
religioso, podendo, inclusive, ser considerada como uma antecipação das ideias
posteriormente defendidas pelos contratualistas modernos. E é exatamente essa última
marca que é de mais valia para o presente trabalho, porquanto auxilia a formulação da
tese de que os elementos fundantes do Constitucionalismo, mesmo antes dos
contratualistas modernos, já apresentavam seus germes nas teorias medievais, entre
elas, a de Guilherme de Ockham:
En Ockham se encuentra además del teólogo, al filósofo y al político, quien sorprendió
en gran medida a los pensadores políticos medievales com sus conceptos avanzados
sobre la política y el gobierno civil. En este sentido, esta corta reflexión no intenta
convertirse en una investigación novedosa em todos sus aspectos, sino en una
interpretación del presente político a la luz de los planteamientos Ockhamistas,
además se tratará de afirmar la tesis fundamental sobre el autor, como uno de los
primeros pensadores modernos, que, al igual que Marsilio de Padua, supo
distinguir entre el poder espiritual y el poder temporal, entre el régimen político
cívico y el de institución religiosa, y con el cual se daría en la posteridad el inicio a
las teorías del Contractualismo moderno de la política, representada en dos grandes
autores como lo son Thomas Hobbes y John Locke, caracterizados en los textos de
análisis de la política moderna como los padres del Contractualismo y del racionalismo
político moderno occidental y considerados posteriormente como los padres de la figura
6829
del estado moderno occidental europeo. (SÁNCHES, 2005: 94-95 – sem destaque no
original).
De fato, como bem ressalta Sanches (2005), a teoria de Ockham dá sequência às
inúmeras críticas desferidas por Marsílio de Pádua contra a tradição herdada do Papa
Inocêncio III, e ratificada pelo Papa Bonifácio VIII (em sua Bula Unam Sanctam),
segundo a qual o poder espiritual se encontraria acima do poder temporal. O problema é
que para Ockham isto configurava uma contradição ante a política, porquanto esta não
pode sustentar-se claramente como reflexão e ação no campo público se não está
sustentada em primeiro lugar pela razão, e em segundo, pela lei.
Daí que o pensamento político ockhamista já se apresenta como um elemento fundante,
um embrião que, posteriormente, em sociedades como Inglaterra, França e Espanha,
será assumido como compromisso pelas/com as instituições, o que resultará no
reconhecimento dos direitos dos cidadãos ante o governo, bem como, na legitimição do
poder político exercido pela autoridade civil (SÁNCHEZ, 2005: 99 et seq.).
A bem da verdade, Ockham (1988) é completamente contrário ao exercício, pelo Papa, e
mesmo pela Igreja, de funções que exorbitem os assuntos atinentes à espiritualidade.
Isso se deve ao fato de que, sob a sua ótica, o Papa não poderia discutir assuntos de
ordem civil, cuja competência pertenceria estritamente aos reis e juízes. É exatamente
por isso que ele condena o Papa de Avignon por dedicar-se a assuntos que, longe de ser
religiosos, pertenceriam muito mais ao âmbito secular/civil. É certo que Ockham não
está a negar, aqui, a importância da Igreja, mas apenas a sustentar que esta teria se
desviado de seus ofícios biblicamente determinados, a saber, a propagação da
mensagem de salvação da alma do homem e o serviço ao próximo.
A questão é que, para Ockham, nem por direito humano, nem divino, o Papa haveria
recebido um poderio tal que o permitisse, legitimamente, estender seu domínio, de
forma a atingir inclusive questões temporais. Isso porque, em sua ótica, o principado
apostólico fora instituído para os serviços acima descritos, não para o domínio:
Embora, enquanto Deus, Cristo fosse senhor e juiz de tudo, tendo a omnímoda plenitude
do poder, contudo, enquanto homem passível e mortal, não teve uma plenitude das
coisas temporais a ponto de tudo poder, sem que Deus Pai lhe fizesse nova doação de
poder.
(...)
Se, pois, Cristo quis abdicar da plenitude do poder durante o tempo em que veio
servir e não ser servido, segue-se que não concedeu a plenitude a seu vigário, o
papa (OCKHAM, 1988: 59-60 – sem destaque no original).
6830
O certo é que para Ockham, nem mesmo o poderio imperial dependeria da mediação do
Papa, porquanto derivaria diretamente de Deus aos homens do povo (ainda em um
sentido restrito e excludente tal como em John e Marsílio). Daí que o imperador
prescindiria da consagração Pontifícia, competindo a ele, e não à Igreja, instituir
tributos, inclusive sobre os benefícios eclesiásticos (OCKHAM, 1988: 129-180;
SÁNCHEZ, 2005: 107-108).
No tocante à função política, portanto, Ockham é de opinião que ela consiste em uma
ação reflexiva e prática que recairia fundamentalmente sobre as costas do governante
(rei), não sobre os ombros do Papa. Exatamente por isso, o político não poderia ser um
religioso (no sentido estrito da palavra, isto é, um sacerdote), mas um homem capaz de
dirigir os cidadãos ao caminho da virtude cívica, e, ainda, de converter a mera
obediência pelo medo em adesão, isto é, a simples imposição em legitimidade.
Diante disso, Sánchez (2005) afirma categoricamente que, em termos ockhamistas, em
vista dessas circunstâncias, o poder político se originaria dos indivíduos, criaturas de
Deus que teriam recebido um direito natural para decidir sobre as coisas que lhes
aprouvessem, desde, inclusive, conhecer a Deus, até decidir sobre quem deveriam ser
seus governantes. Daí ser plenamente plausível a Ockham conceber o sujeito como
titular de uma diversidade de direitos naturais e positivos, enraizados na vontade divina
e na história humana, os quais representariam verdadeiros baluartes de sua liberdade, e
que, a despeito de renunciáveis, só poderiam ser subtraídos em vista de motivos graves
e demonstráveis. Nas palavras de Sánchez:
Uno de los puntos centrales de su pensamiento político tiene que ver fundamentalmente
con el individuo, al reconocer a éste derechos y deberes independientes de la
comunidad. Este punto es el clave para entender los aportes de Ockham hacia las
democracias modernas; tanto en Hobbes como em Locke, el individuo es el agente
principal de la política, pues al reunirse esa voluntad de cada individuo y decidir sobre
cual es la mejor forma de gobierno que necesitan los individuos para vivir felices, es
como se puede conformar una comunidad política, alejada de la interpretación teológica
de la política.(2005: 108)
A verdade é que já em Ockham, isto é, mesmo antes da Reforma Protestante, a
ideia de indivíduo já começava a ser cunhada, assim como a ideia de direitos inerentes
ao homem. Ocorre que, nessa época, a concepção do conceito de indivíduo ainda estava
muito atrelada à noção de pertença à comunidade, tal como em Marsílio de Pádua.
Mesmo assim, já é possível enxergar em Ockham os germes de um pensamento
individualista, a começar pela concepção do sujeito (indivíduo) pensante,
posteriormente consagrado em Descartes.
Por tudo isso, é certo que a teoria de Ockham, proveniente de meados do século XIV,
influenciou não apenas a filosofia, mas, sobretudo, o pensamento político desenvolvido
na modernidade. Daí ser a compreensão de suas concepções sobremodo importante (tal
a compreensão teorias de Rousseau, Hobbes e Locke), para a intelecção das instituições
e do pensamento modernos[36].
6831
2 DO DEVER AO DIREITO DE RESISTÊNCIA
A alegação de que, na pretensão de justificar a separação entre os poderes
espiritual e secular/temporal, John of Paris, Marsílio de Pádua e Guilherme de
Ockham, ainda na Idade Média, teriam lançado os elementos fundantes daquilo que, na
era moderna, viria a ser identificado como Constitucionalismo, a despeito de correta, é
incompleta.
Não há como negar que, já em John of Paris, encontrem-se os embriões de um
‘pacto social fundante’ da vida em comum na sociedade, e de vinculação da
legitimidade do poder secular à vontade da multidão perfeita, manifesta por meio da
eleição. Essas ideias, sem sombra de dúvida, constituíram o primeiro passo, o embrião
que, séculos mais tarde, propiciou o surgimento de um Estado Laico, em cujo
fundamento de legitimidade e exercício do poder político não mais decorreria de
qualquer elemento espiritual, apenas temporal.
Também não há como negar que, já em Marsílio de Pádua, encontrem-se argumentos
em prol da ampliação da noção de soberania popular, bem como da total desvinculação
da lei humana, produto do exercício das deliberações do ‘fiel legislador humano’, de
questões de cunho transcendental. Essa realidade, sem sombra de dúvida, tornou
possível a identificação, na teoria paduana, do embrião de um governo limitado pelo
direito instituído/criado pelos cidadãos.
De igual modo, é inquestionável a contribuição de Guilherme de Ockham para o
firmamento da competência jurisdicional do príncipe no tocante às questões cíveis, entre
elas a instituição de tributos, em detrimento da pretensão de plenitude da Igreja.
Também já se percebem, em sua teoria, os primeiros germes da noção de um sujeito
titular de direitos (naturais e positivos), os quais, a despeito de renunciáveis, só
poderiam ser subtraídos em vista de motivos excepcionais.
Ocorre que a completude dos alicerces fundamentais do Constitucionalismo exigia,
ainda, a concepção de um último elemento, não menos importante, e sem o qual soçobra
a pretensão mesma de legitimidade da ordem constituída consensualmente pelos
cidadãos: a noção de Direito de resistência.
O fato é que sem a concepção do Direito de resistência, jamais se conceberia a noção de
direito da minoria, o que impediria as minorias de, legitimamente, se opor aos abusos
perpetrados pela maioria em prol da busca pelo ‘bem comum’. Por conseguinte, jamais
seria possível falar em Constitucionalismo, que dirá um Constitucionalismo
democrático, porquanto a vontade da maioria continuamente dominaria, ou mesmo,
suprimiria a da minoria. E exatamente em vista disso, continuaria a ser possível
suprimir os direitos constituídos (liberdades) dos cidadãos em nome de uma noção
majoritária, e ainda absolutista, de ‘bem comum’, o que impediria a sustentação da
legitimidade do ordenamento jurídico constituído, ao menos em face daqueles que
tivessem sido vencidos quando de sua construção/criação, ou subjulgados injustamente
quando de sua aplicação.
6832
É por isso que o Constitucionalismo, para que viesse a se manifestar, não
prescindia da noção de Direito de resistência; e essa noção foi concebida ainda na idade
Média, a partir das leituras atribuídas às teorias reformistas de Lutero e Calvino.
A bem da verdade, Lutero e Calvino nunca pretenderam construir uma teoria
política que fundamentasse o Direito de resistir. Como reformadores da Igreja, ambos
estavam mais preocupados com as questões espirituais, isto é, com a defesa dos fiéis
contra as heresias perpetradas pelo Papa Católico em nome de Deus. Ambos
despenderam esforços para reafirmar a ideia bíblica de salvação eterna, fruto da graça
de Deus, consubstanciada por meio da morte de Cristo na cruz, e que se confirmaria ao
cristão por meio da Fé, e Fé em Jesus Cristo apenas[37].
Ocorre que a revolução religiosa, provocada pelas teses de Lutero e Calvino, a
despeito de umbilicalmente ligada às questões da Fé, não se limitou a essa seara, dando
azo a que, à perseguição dos novos convertidos ao protestantismo a partir de 1530[38],
se opusessem teorias que culminaram na concepção do Direito/dever de Resistir.
De fato, como bem salienta Skinner, Lutero já se ocupara sobremodo com a questão
duvidosa relativa a se o cristão deveria acatar as ordens de um príncipe corrupto, ao que
respondera que “não, porque ninguém deve agir erradamente” (apud SKINNER, 2004:
299). A questão é que, até 1530, era evidente que Lutero não balizava a noção do
Direito ativo de resistência, porquanto sua posição consistia em que, diante de um
governante indigno, o cristão devesse, no máximo, desobedecer passivamente às suas
ordens. Nas palavras de Skinner:
A despeito de sua insistência na idéia de que jamais se deve obedecer um governante
ímpio, ele afirma com igual segurança que a tal príncipe nunca se deve opor uma
resistência ativa. Sendo todos os poderes ordenados por Deus, resistir a um deles
equivaleria, mesmo tratando-se de um tirano, a opor-se á vontade divina. Esse agudo
contraste entre os deveres da desobediência e da não-resistência à tirania se evidencia
melhor na parte central do tratado sobre a Autoridade temporal (2004: 299).
Daí dizer-se, e com razão, que Lutero coadunasse com as monarquias absolutistas, as
quais já começavam a surgir na Europa. Ocorre que “após anos de vacilações e
concessões, os governos católicos do Norte da Europa voltaram-se com violência
contra os reformadores”, o que, por conseguinte, ocasionou no rompimento da paz
entre o catolicismo e o protestantismo, a começar na Alemanha e seguida na Inglaterra,
Escócia e França. Essa ocasião levou os seguidores do luteranismo e do calvinismo a
reagirem, primeiro com pena, e depois com espada (SKINNER, 2004: 465 et. seq).
É certo, como bem noticia Skinner (2004), que no início da crise os Calvinistas ainda
manifestavam apoio à obediência política passiva, postura muito parecida com o dos
Luteranos de 1520. Portanto, eles não apoiavam a resistência ativa contra o governante
ímpio e opressor, mesmo porque a tese inicial de Calvino era completamente contrária a
uma tal postura.
6833
Ao contrário dos Calvinistas, os Luteranos encontraram pouca dificuldade para defender
a ideia da resistência ativa ao Imperador quando, em 1546, resolveram declaram guerra
a Carlos V, na Alemanha, ante a desconsideração do protesto[39] formal por eles
dirigido à ‘Dieta Imperial de 1530’. À época, duas teorias já haviam se afirmado para
fundamentar juridicamente o Direito de resistir: a Teoria do Direito Privado concebida
por Brück, a qual foi posteriormente seguida pelos Calvinistas do Norte Europeu, na
Escócia e na Inglaterra; e a Teoria Constitucionalista, de Felipe de Hesse (1529),
reiterada nos anos que se seguiram por Bucer, Osiander e outros autores luteranos, à
qual aderiram os Calvinistas do continente (centro da Europa).
De acordo com a Teoria do Direito Privado, que fazia remissão ao Direito Canônico e
Civil, afirmava que existiam basicamente três tipos de casos em que seria possível
resistir com violência contra o Potentado instituído. O primeiro teria lugar quando
previamente se houvesse feito uma apelação. O segundo, quando o Potentado
extrapolasse a sua jurisdição legal e a injuria resultante fosse notória e irreparável. A
terceira, quando o Potentado, a despeito de agir dentro de sua jurisdição, causasse danos
irreparáveis aos cidadãos. Essas três situações, inicialmente pensadas no âmbito civil,
justificavam o direito de resistência, segundo Brück, porquanto nelas, o juiz (no caso, o
imperador) já não seria entendido mais como juiz, mas apenas como cidadão privado
que estaria infligindo injurias notáveis aos seus jurisdicionados (SKINNER, 2004: 473474).
Por outro lado, a Teoria Constitucionalista afirmava basicamente que todas as vezes em
que um magistrado superior perseguisse seus súditos, o magistrado inferior, pela lei da
natureza, pela lei divina e pela verdadeira religião e reverência a Deus, deveria, por
ordem de Deus mesmo, resistir-lhe. Entretanto, foi ao próprio Calvino que se deveu o
principal desenvolvimento da teoria da resistência constitucional. (SKINNER, 2004:
483/487). Nas palavras de Skinner:
Há indícios seguros de que Calvino terá começado a modificar sua doutrina da
obediência passiva em fins da década de 1550, passando a demonstrar maior inclinação
para aceitar a teoria da resistência constitucional. Um desses indícios se lê na carta que
escreveu a Coligny em 1561, tratando do fracasso da conspiração de Ambroise (2004:
489).
O fato é que, desde então, Calvino passou a sustentar que se o supremo
magistrado falhasse em seu cargo e se, como parte da dádiva concedida por Deus ao seu
povo, tivesse concedido também magistrados inferiores, estes teriam condições de
reprimir o príncipe em seu cargo, e até mesmo coagi-lo pela defesa do bem o do
governo piedoso. E uma vez aceita pelos Calvinistas ortodoxos, já na década de 1560,
essa teoria passou a legitimar o movimento de resistência nos Países Baixos e depois na
Espanha, como bem atesta Skinner (2004: 489).
Posteriormente, essa teoria veio a ser mais uma vez reformulada, desta feita,
pelos Calvinistas Radicais. A partir daí, passou-se a entender que apenas os poderes
regular e legitimamente exercidos seriam instituídos por Deus. Isso possibilitou a
6834
conclusão de que a resistência aos governantes perversos não ofendia a Deus, antes,
representava uma tentativa de restabelecimento da sua vontade, pelo a oposição ao
magistrado desvirtuado passou a ser entendida não mais como mero direito, mas,
sobretudo, como dever.
O desenvolvimento do Radicalismo Calvinista ainda permitiu mais dois avanços no
tocante àqueles que passaram a ser entendidos como legítimos a se opor contra o
governante perverso. Além dos magistrados do povo, nomeados para restringir a
arbitrariedade dos reis (concebidos originalmente pelos Luteranos), os Calvinistas
passaram a defender que também magistrados eforais, eleitos e responsáveis
diretamente perante seus eleitores, deveriam se opor aos governantes corrompidos. E
isso foi apenas mais um passo para que, finalmente, anos mais tarde, concebessem a
possibilidade de oposição individual-privada, ou conjunta do povo, contra o governante
que se corrompesse no exercício de sua função. Com isso, estava finalmente lançado o
último germe fundante do Constitucionalismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista de tudo o que foi acima delineado, resta evidente que, mesmo antes dos
contratualistas Hobbes, Rousseau, Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de
Pádua e Guilherme de Ockham, acerca da distinção entre o poder temporal e o
espiritual, bem como a tese do dever de resistência, decorrente dos ensinamentos dos
Luteranos e Calvinistas, já se apresentavam como os embriões daquilo que,
posteriormente, viriam a constituir os maiores pilares do Constitucionalismo moderno: a
soberania popular, as limitações ao exercício do Poder constituído (entre elas os
direitos fundamentais), e, finalmente, o direito da minoria.
Para que isso fosse possível, foi preciso demonstrar, primeiramente, que já em John of
Paris encontravam-se os germes de um ‘pacto social fundante’ da vida em comum na
sociedade, e de vinculação da legitimidade do poder secular à vontade da multidão
perfeita. Demonstrou-se, ainda, que essas ideias constituíram o primeiro passo, o
embrião que, séculos mais tarde, propiciou o surgimento de um Estado Laico, em cujo
fundamento de legitimidade e exercício do poder político não mais decorreria de
qualquer elemento espiritual, apenas temporal.
Feito isso, passou-se à análise da teoria de Marsílio de Pádua, a fim de demonstrar que
a mesma já apresentava argumentos em prol da ampliação da noção de soberania
popular, bem como da total desvinculação da lei humana, produto do exercício das
deliberações do ‘fiel legislador humano’, de questões de cunho transcendental. Em vista
disso, concluiu-se que essa realidade tornou possível a identificação, na teoria paduana,
do embrião de um governo limitado pelo direito instituído/criado pelos cidadãos.
O terceiro passo para se atingir o intento inicialmente proposto foi analisar a teoria de
Guilherme de Ockham, o que permitiu a visualização de sua contribuição para o
firmamento da competência jurisdicional do príncipe no tocante às questões cíveis, entre
elas a instituição de tributos, em detrimento da pretensão de plenitude da Igreja. Além
6835
disso, essa análise tornou possível a percepção, em sua teoria, dos primeiros germes da
noção de um sujeito titular de direitos (naturais e positivos), os quais, a despeito de
renunciáveis, só poderiam ser subtraídos em vista de motivos excepcionais.
Finalmente, analisaram-se as contribuições de Lutero e Calvino, bem como de seus
seguidores, para a configuração do último elemento, não menos importante, e sem o
qual soçobraria a pretensão mesma de legitimidade da ordem constituída
consensualmente pelos cidadãos: a noção de Direito de resistência. Estava, assim,
lançado o último dos alicerces fundamentais para a configuração do
Constitucionalismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEN, Ada Sofía. Guillermo de Ockham: El último medieval. A Parte Rei. Revista de
Filosofa, nº. 45, Maio de 2006, p. 1-7.
CAMPAROTTO, Peterson Razente; TOLEDO, Cezar de Alencar Arnaut. O conceito de
poder na filosofia política de Marsílio de Pádua. Acta Scientiarum. Human and Social
Sciences. Maringá, v. 25, 2003, nº. 2, p. 267-276.
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Hermenêutica Jurídica e(m) debate. 1ª ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2007.
GADAMER, Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer, revisão Enio Paulo
Giachini. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
GADAMER, Verdade e método II. Trad. Enio Paulo Giachini, revisão Marica Sá
Cavalcante-Shuback. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
LIMA, João Nivaldo. O Poder Temporal em João Quidort. Dissertatio. Revista de
Filosofia da Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, nº. 24, 2006, p. 133 – 155.
6836
OCKHAM, Guilherme de. Brevilóquio sobre o principado Tirânico. Tradução: Luis
A. De Boni. Petrópolis: Vozes, 1988.
PÁDUA, Marsílio de. O Defensor da Paz. Tradução e notas: José Antônio Camargo
Rodrigues de Souza. Introdução: José Antônio Camargo Rodrigues de Souza, Francisco
Bertelloni e Gregório Piaia. Petrópolis: Vozes, 1997.
PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte:
Del Rey, 2007.
QUIDORT, João. Sobre o Poder Régio e Papal. Tradução e Introdução: Luís A. De
Boni. Petrópolis: Vozes, 1989.
SÁNCHEZ, Olmer Alveiro Munõs. Guillermo de Ockham. Um pensador político
moderno en el mendo medieval. Artigo de Livro ? 2006, p. 95-109.
Site http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. John of Paris,
On Royal and Papal Power. Último acesso em 27 de julho/2009.
Site http://www.fordham,edu/halsall/source/marsiglio1.html. Último acesso em 29 de
julho/2009.
6837
Site http://www.fordham,edu/halsall/source/marsiglio4.html. Medieval Sourcebook:
Marsiligio of Padua: Conclusions from Defensor Pacis, 1324. Último acesso em 30
de julho/2009.
Site http://www.monergismo.com/textos/credos/lutero_teses.htm. Último acesso em 31
de Julho/2009.
Site http://www.mb-soft.com/believe/txn/luther95.htm. Último acesso em 31 de
julho/2009.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Tradução
Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
TÔRRES, Moisés Romanazzi. A Filosofia Política de Marsílio de Pádua: Os Novos
Conceitos
de
Pax,
de
Civitas
e
de
Lex.
Disponível
em
www.revistamirabilia.com/numeros/num3/artigos/art9.htm
[1] Acerca do tema, vide (GADAMER, 1999:567; 2002: 79).
[2] Nas palavras de Gadamer, “o próprio horizonte do intérprete é, desse modo,
determinante, mas ele também, não como um ponto de vista próprio que se mantém ou
se impõe, mas antes, como uma opinião e possibilidade que se aciona e coloca em jogo
e que ajuda a apropriar-se de verdade do que diz o texto. Mais acima descrevemos isso
como fusão de horizontes” (1999: 566). Acerca do tema, vide também (PEREIRA,
2007: 35-36).
[3] ESSAS INFORMAÇÕES FORAM COLHIDAS EM JOHN OF PARIS, ON
ROYAL
AND
PAPAL
POWER,
DISPONÍVEL
EM
SITE
HTTP://WWW.FORDHAM,EDU/HALSALL/SOURCE/JOHN
PARISY67S14A.HTML. ÚLTIMO ACESSO EM 27 DE JULHO/2009.
6838
[4] É nítida aqui a influência de Aristóteles, no que tange à idéia de mesostese, isto é, de
que a virtude estaria no meio, sobre o pensamento de Quidort.
[5] Nas palavras de Quidort, “como os homens, pela comunidade das palavras, não
conseguiam passar da vida animal para a vida em comum correspondente à sua
natureza, (...), então alguns homens, que faziam maior uso da razão e sofriam sob a
falta de rumo de seus semelhantes, empreenderam a obra de, através de argumentos
persuasivos, convencer os demais a partir para uma vida comum ordenada” (1989: 46).
[6] Nas palavras de Quidort, “toda a multidão, na qual cada um persegue seu próprio
interesse, acaba por dissolver-se e dispersar-se em diversas direções, a não ser que
seja ordenada para o bem comum por um só pessoa, a quem foi confiado o cuidado
pelo bem comum, do mesmo modo como o corpo do homem se decomporia, se nele não
existisse uma certa força comum, que visasse ao bem de todos os membros”(1989: 45 –
sem destaque no original).
[7] Perceba-se que, em John of Paris, como não poderia deixar de ser para um frade
medieval, o conceito de povo ainda é bastante elitista. Portanto, a alegação de que “o
poder real (...) provém de Deus e do povo que o elegeu e continua elegendo o rei” há
que ser entendida tendo em vista essa realidade. (QUIDORT, 2006: 73).
[8] Nas palavras de Lima, “o bem comum, no tratado Sobre o Poder Régio e Papal de
João de Paris, atrai e orienta a atividade dos membros da comunidade política e evita
que esta se dissolva por egoísmos particulares. Este “bem” é o fundamento, a meta, o
télos da integração da “multidão perfeita”. O conceito de bonum comune é uma das
peças cardeais da filosofia tomista aportada pelo dominicano de Saint Jacques a
respeito da teleologia política” (2006: 148).
[9] “João de Paris efetivamente pensa que o poder político não vem pela via
descendente: de Deus diretamente aos potentados e destes aos seus ministros; mas, das
mãos divinas, pela ascendente: de Deus ao povo, e deste ao monarca ou à família da
qual este sairá” (LIMA, 2006: 145).
[10] Nas palavras de Skinner, “talvez a mais significativa vertente da teoria política
radical de fins da idade média tenha surgido a partir do movimento conciliarista. É
verdade que quando Huguccio e seus seguidores articularam a tese do conciliarismo,
em fins do século XII, contentaram-se em apresentá-la como uma série relativamente
ad hoc de argumentos acerca da necessidade de proteger-se a Igreja contra a
possibilidade de heresia ou mau governo do papa. Mas, quando a teoria veio a ser
revivida e desenvolvida por Gerson e seus discípulos, na época do Grande Cisma, a
6839
idéia da Igreja como uma monarquia constitucional foi deduzida de uma análise mais
geral das sociedades políticas – um gênero do qual a Igreja passava, agora a ser
considerada uma espécie (...) Por sua vez, isso significou que, ao defender a autoridade
dos concílios gerais sobre a Igreja, Gerson em particular se viu obrigado a enunciar
uma teoria a respeito das origens e da localização do poder político legítimo na
república secular. E ao expor esse argumento, contribuiu em dois pontos, de forma
notável e fadada a exercer profunda influência, para a evolução de uma concepção
racidal e constitucionalista do Estado Soberano.”(2006: 394-395 – sem destaque no
original)
[11] Tradução livre: “Ambos buscam a sua origem de um poder supremo,
nomeadamente Deus. Por essa razão o inferior [o rei] não é sujeito ao superior [o
sacerdote] em todas as coisas, mas apenas naqueles problemas nos quais o poder
supremo [Deus] tenha subordinado o inferior ao superior”.
[12] In respect of the goods of laymen, the pope does not have lordship or even
stewardship (chapter 7). Such goods do not come by gift or grant to a community, but
are acquired by individual laymen 'through their own skill, labour and diligence' (John
of
Paris,
On
Royal
and
Papal
Power,
disponível
em
site
http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27
de julho/2009).
[13] This means that the individual's right to property is not absolute. Some of it
can be taken even without the individual's consent when the common good requires it.
(Later Locke maintained that there should be no taxation without consent; here John
says that, although the ruler cannot treat as his own the subject's property, when
the common need justifies it he can levy compulsory contributions.) (John of Paris,
On
Royal
and
Papal
Power,
disponível
em
site
http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27
de julho/2009 – sem destaque no original).
[14] So far, then, it has been argued that the pope does not have supreme lordship over
goods - not even over the goods of the Church - and does not have supreme temporal
jurisdiction. (John of Paris, On Royal and Papal Power, disponível em site
http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27
de julho/2009 – sem destaque no original).
[15] Nas palavras de Quidort, “(...) nem o príncipe, nem o papa têm direito de posse ou
de administração sobre tais bens” (1989, 60).
[16] Seu pai, Bonmatteo, foi notório na Universidade de Patavina. Nesse sentido, vide
(PÁDUA, 1997: 14).
6840
[17] Acerca de todo o contexto que gerou o conflito entre Luiz IV da Baviera e o Papa
João XXII, vide (PÁDUA, 1997: 16 et seq.).
[18] Nesse sentido, confira-se A Filosofia Política de Marsílio de Pádua: Os Novos
Conceitos
de
Pax,
de
Civitas
e
de
Lex.
Disponível
em
www.revistamirabilia.com/numeros/num3/artigos/art9.htm.
[19] Vide site http://www.mb-soft.com/believe/txn/luther95.htm.
[20] A veracidade desse marco é questionada por Skinner (2004: 205).
[21] Em suas palavras, “seguindo o exemplo do Jesus que nos ensinou a Verdade,
mediante ela será possível extirpar da face da terra aquela peste, à qual já fizemos
referência [no caso as disputas pelo poder], provando que a mesma tumultua os
regimes civis, e principalmente àquelas pessoas que amam a Cristo observando a sua
doutrina reiteramos, ao se imiscuirem nos assuntos políticos da sociedade civil sem
estarem devidamente ocupados com a salvação eterna” (PÁDUA, 1997: 71).
[22] “My kingdom is not of this world;" that is, I am come not to reign by temporal
rule and dominion, as the kings of the world reign. It remains to show that Christ not
only refused the rule of this world and coercive jurisdiction on earth, whereby He gave
an example for action to His apostles and disciples and their successors, but that He also
taught by word and showed by example that all, whether priests or not, should be
subject in reality and in person to the coercive judgment of the princes of this world.
(Disponível no site www. Fordham.edu/source/margiglio4.html. Último acesso em 29
de Julho/2009)
[23] The general council of Christians or its majority alone has the authority to define
doubtful passages of the divine law, and to determine those that are to be regarded as
articles of the Christian faith, belief in which is essential to salvation; and no partial
council or single person of any position has the authority to decide these questions.
(Disponível no site www. Fordham.edu/source/margiglio1.html. Ultimo acesso em 29
de Julho/2009)
[24] Seguir-se-á, aqui, por questões didáticas, a mesma sequência exposta por Skinner
(2004: 40 et seq.).
6841
[25] Nas palavras de Marsílio, “o Bispo de Roma [Papa], e qualquer outro bispo ou
presbítero ou clérigo, sem exceção, por força das palavras da escritura, não pode
reivindicar para si próprio, nem se atribuir o governo coercitivo ou jurisdição
contenciosa, e ainda menos o supremo governo sobre todos os fiéis,clérigos ou leigos; e
que, de acordo com o conselho e o exemplo de Cristo, eles devem recusar tal tipo de
governo, especialmente nas comunidades cristãs, na hipótese de o mesmo vir a ser-lhes
oferecido ou outorgado por alguém que tenha autoridade para fazê-lo; e igualmente
que, todos os bispos, e as demais pessoas atualmente designadas por clérigos, sem
exceção, têm de estar subordinados ao julgamento coercitivo ou ao poder daquele que
governa por meio da autoridade do legislador humano máxime se ele for
cristão”(PÁDUA, 1997: 231).
[26] Proceeding from what has been demonstrated, we will show here first that no
one of the apostles was given pre-eminence over the other in essential dignity by
Christ. . . For Christ, giving to the apostles the authority over the sacrament of the
eucharist, said to them: "This is My Body which is given for you, this do in
remembrance of Me." . . . And he did not say these words more to Peter than to the
others. For Christ did not say: "Do thou this, and give the right of doing it to the other
apostles," but He said, "Do" in the plural, and to all without distinction. And later
Christ said to the apostles: "As My Father has sent Me, even so send I you. He breathed
on them and saith unto them, "Receive ye the Holy Ghost, whosoever sins ye remit,
they are remitted unto them, and whosoever sins ye retain, they are retained." Now
Christ said: "I send you as My Father sent Me;" He did not say to Peter or to any other
apostle in the singular, "I send thee as the Father, etc., do thou send the others." Nor
again did Christ breathe upon him, but upon them, not upon one through another. Nor
did Christ say to Peter: 'Receive the Holy Ghost, and afterwards give it to the
others," but he said, "Receive," in the plural and speaking to all indifferently(…)
(Disponível no site www.fordham.edu/halsall/source/marsiglio4.html - Último acesso
em 30 de julho/2009 – sem destaque no original)
[27] Nas palavras do paduano, “(...) nas comunidades cristãs já bem organizadas,
compete somente ao legislador humano ou à multidão dos fiéis da província onde o
ministro a ser indicado deverá agir, apresentar, eleger e nomear pessoas para
exercerem as ordens sacras, e ainda que não é permitido a nenhum bispo ou padre
individualmente, nem apenas ao grupo clerical, sem a autorização do legislador
humano ou do governante, por delegação de competência, cooperar na designação
dessas pessoas para exercer tais ministérios” (PÁDUA, 1997: 447-448).
[28] Acerca do tema, sugere-se a leitura de (CAMPAROTTO; TOLEDO: 2003: 267276).
6842
[29] Nas palavras de Tôrres, em Marsílio “o conceito de pax, repensado diretamente a
partir do princípio aristotélico, baseia-se em concepções puramente naturais, segundo
uma idéia de paz que corresponde ao estado terreno perfeito, tão-somente à ausência de
conflito, possível de ser realizada apenas no interior da sociedade civil (a cidade –
civitas). (Confira-se, nesse sentido, A Filosofia Política de Marsílio de Pádua: Os
Novos Conceitos de Pax, de Civitas e de Lex. Disponível em
www.revistamirabilia.com/numeros/num3/artigos/art9.htm)
[30] Tradução livre: “Quando Marsílio de Pádua se refere à natureza da lei, não a
caracteriza como uma norma que está baseada na teoria teocrática, mas está a dizer
que a lei é um preceito coativo, isto é, obrigatório, que lhe garante toda a
caracterização possível como lei; assim, são os homens que dão sentido de
obrigatoriedade às leis, a fim de que eles os governem: o governo, como parte
instrumental do Estado, recebe seu poder do povo, a saber, o legislador humano, em
quem todo o poder civil está presente” (2005: 98).
[31] “(...) é necessário estabelecer algo na sociedade civil que possibilite a realização
correta de julgamentos civis, e mediante o qual poderão ser efetivados de acordo com a
forma requerida, e na medida do possível estejam preservados das falhas dos atos
humanos. Esse é o caso da lei, pois o governante ou príncipe deverá proferir os
julgamentos civis de acordo com o que ela determina. Logo legislar é necessário à
comunidade civil” (PÁDUA, 1997: 119).
[32] Nas palavras de Sanches, “estos siglos son fundamentales no sólo para entender el
por qué en la sociedad medieval comienza una etapa de transición hacia nuevas
reformas, llevando con ello a un cambio en la mentalidad con respecto a lo político,
sino también porque es el momento en el cual se revalúan las concepciones sobre el
poder político, alejándose de una concepción teocrática del mismo y acercándose a una
civilista”(2005: 95).
[33] Nesse mesmo sentido, vide (BEN, 2006: 6).
[34] Nas palavras de Sánchez, os “aportes desde el nominalismo permite ver un
acercamiento a la concepción posterior del individuo de Descartes, es así como el
Cogito, la res cogitans del moderno puede verse claramente expresada en Ockham y su
nominalismo”(2005: 98).
[35] Nas palavras de Cruz, “na metafísica original ou ontologia – que preferimos
designar como filosofia do ser – o pensamento se volta para o exame daquilo que
6843
Aristóteles designa como ser. O logos, como razão que busca a lógica, examinaria a
essência das coisas, tanto no mundo natural como no social” (2007: 76).
[36] No mesmo sentido, vide (SÁNCHEZ, 2005: 95-109).
[37] Para uma noção das teses de Lutero,
soft.com/believe/txn/luther95.htm
ou,
http://www.monergismo.com/textos/credos/lutero_teses.htm.
vide
http://www.mbainda
[38] Acerca do tema, vide (SKINNER, 2004: 465-467).
[39] Daí terem eles recebido o nome de protestantes. Nesse sentido, vide (SKINNER,
2004: 471).
6844
Download