A LEITURA COMO PONTE PARA A CRÍTICA Maria Emilia Oliveira de Santana Rodrigues, Mestranda em Educação. PPGE/FACED/UFBA, SSA/BA. [email protected] Resumo: Pretendemos discutir neste trabalho conceitos de leitura e de crítica, propondo uma articulação entre os mesmos, expandindo-os para uma outra significação – leitura crítica. Apresentaremos algumas acepções de leitura, Orlandi (1993), Silva, (2003), Paulo Freire (2005) e de crítica, (KANT apud ROHDEN, 1992), Japiassu (1991) e do processo decorrente dessa articulação. Destacaremos ainda algumas questões sobre o uso da palavra crítica, examinando fragmentos de situações comunicativas, tanto na mídia impressa, quanto na virtual, nos quais o uso dessa palavra acontece e ilustra o potencial dessa junção. Trataremos também sobre a incompletude dos processos de leitura e crítica, indicando a (re) significação da associação dos mesmos. Palavras-chaves: leitura, crítica, leitura crítica, sujeitos-leitores, produção de sentido. Introdução Analisar leitura e crítica reserva variadas possibilidades de sujeitos leitores, “caçadores que percorrem terras alheias” (CHARTIER, 1999, p.77) e mares desconhecidos, encontrarem elementos importantes que afetam o seu posicionamento crítico diante do mundo. Será que a leitura pode ser ponte para essa postura crítica de sujeitos-leitores? Refletir sobre essa questão é a pretensão deste trabalho que arrisca apreciar: a leitura e a crítica numa visão polissêmica, permitindo o levantamento de distintas acepções, enviesando para a ampliação de sentido da junção desses processos. Neste artigo, também procuramos delimitar nossa análise à seleção de manchetes e notícias retiradas de jornais on-line que utilizam a palavra crítica, embasando-as nas acepções teóricas referenciadas e ilustrando o acoplamento dos termos leitura e crítica, trazendo, pois, uma leitura crítica dos mesmos. 1 Caráter Polissêmico das Palavras: Leitura e Crítica Para adentrar a discussão, fundamentamos o caráter polissêmico das palavras - leitura e crítica. Iniciemos pela primeira, considerando as acepções, na perspectiva de: Orlandi (1993), Silva (2003) e Paulo Freire (2005). Os múltiplos conceitos de leitura definidos ultimamente podem ser agrupados em duas grandes acepções, geralmente vistas como antagônicas: leitura como decodificação e leitura como construção de significado. Escolhemos trabalhar com base na leitura enquanto construção de significados. Para tanto, resolvemos inicialmente trazer à discussão os conceitos de leitura parafrástica e polissêmica (ORLANDI, 2003). A partir dos diversos níveis de sujeito e os variados tipos de discurso, pode-se determinar o grau de relação entre o que Orlandi (2003) denominou, como de “leitura parafrástica e leitura polissêmica”, numa perspectiva da Análise do Discurso. (ORLANDI, 2003, p. 200). A leitura parafrástica é caracterizada pelo reconhecimento, que pode ser reprodução ou reformulação do sentido dado pelo “texto-fonte”, para a produção de um “texto-derivado”(MANOEL, 2003, p. 69). A paráfrase concebe o retorno aos mesmos espaços do dizer. São produzidas diversas formulações do mesmo dizer apresentado. Ao se considerar uma leitura parafrástica, está se colocando que o leitor utiliza-se de paráfrases para realizar suas leituras. Paráfrase enquanto processo no qual o enunciado reformulador mantém com o enunciado anterior uma relação de equivalência semântica (explicação, reiteração, ênfase), com o objetivo de assegurar a intercompreensão entre os participantes da leitura. A leitura polissêmica é definida pela “atribuição de múltiplos sentidos ao texto” (ORLANDI, 2003, p. 200). A polissemia garante necessária flexibilidade para expressar a multiplicidade de significados necessários à comunicação humana, conferindo outras formas e sentidos para exprimirem todos os inumeráveis aspectos da realidade. Para continuar tratando das acepções de leitura, recorremos também a Freire (2005), que na sua compreensão crítica do ato de ler considera que a “leitura não se esgota na decodificação pura da palavra escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo” (FREIRE, 2005, p. 11). A amplitude dessa acepção nos revigora, oportunizando essa escolha como apropriada para também corroborar com Freire e referir o seu conceito de “leitura do mundo”, como possibilidade de instalação de posturas críticas, frente ao que é lido pelos leitores e leitoras. Ainda trazemos Freire (2005) ao tratar que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 2005, p. 11). Nesse entendimento, apesar de também nos associarmos a Orlandi (1993), em relação ao uso comum e generalizado do conceito “leitura de mundo”, consideramos que essa significação ainda deva ser refletida e discutida nos âmbitos escolares, junto às professoras, professores e alunos da Educação Fundamental. Nessa discussão, igualmente a presença de Ezequiel Teodoro da Silva (2003) é marcante e não poderíamos deixar de apresentar algumas de suas idéias, que se associam às já colocadas, ampliando para as questões de aprendizagem. Se a leitura for concebida como uma forma de percepção dos fenômenos, como uma mediação primeira para a compreensão e internalização de determinados conteúdos, processos, princípios, etc, veremos que o ato de ler se coloca como imprescindível para a realização de qualquer tipo de aprendizagem. (SILVA, 2003, p. 01). Certamente que a leitura é essencial a todos os sujeitos na sua percepção do mundo e possibilita o seu entendimento, vivência e aprendizado. Com todas essas contribuições, notamos a diversidade e a semelhança entre as acepções sobre leitura. O caráter polissêmico observado nessa palavra poderia continuar sendo mostrado. (vide: LAJOLO, 1982/1996; LARROSA, 1988; FOUCAMBERT, 1994; ZILBERMAN, 1996; MANGUEL, 1997; KLEIMAN, 2002; KOCH, 2005). Entretanto, consideramos que as acepções colocadas dão conta do que trataremos a seguir. Para continuar adentrando a discussão, experimentemos também o caráter polissêmico da palavra crítica e vamos atentar a duas acepções, na perspectiva de (KANT apud ROHDEN, 1992), Japiassu (1991). Ao pesquisar sobre o vocábulo crítica, constatamos que o mesmo foi introduzido por Kant para designar “... a atitude ou a capacidade de distinguir entre o verdadeiro e o falso, tendo seus critérios e razões para tal e não aceitando afirmações de outros sem o seu prévio exame”. (ROHDEN, 1992, p. 177). Japiassu (1991) traz ainda uma acepção da palavra crítica que julgamos importante apresentar: Crítica é um juízo apreciativo, seja do ponto de vista estético (obra de arte), seja do ponto de vista lógico (raciocínio), seja do ponto de vista intelectual (filosófico ou científico). (JAPIASSU, 1991, p. 246). Conceber a crítica como a principal energia para movimentar as leituras é definir uma atitude de fazer uma ponderação apreciativa. Ponderação que reflete argumentos diferenciados, de acordo com o ponto de vista: estético, lógico ou intelectual. Volta e meia, deparamos-nos com reportagens, artigos, entrevistas e comentários em jornais, revistas, livros, reportagens em rádios e TVs, e muitas delas repletas da palavra crítica. Jornalistas, políticos, professores e estudantes empregam-na em muitas situações do cotidiano. Mas em que sentido é empregada a palavra crítica? Será que as pessoas que a usam conhecem o sentido da palavra respaldado no cenário teórico? 2 A palavra crítica na mídia Com essa curiosidade instalada, resolvemos investigar a mídia, principalmente a virtual para recolher situações comunicativas (SC), através de pesquisa na Internet e observar o uso das palavras: crítica (substantivo) e critica (verbo). Para nossa surpresa, a pesquisa virtual nos trouxe uma infinidade de possibilidades. No site da Folha Online, encontramos 15.075 resultados até a data do último acesso. Também no site do Globo Online, 16.700 entradas foram registradas. Após lermos muitas delas, examinamos as que eram voltadas para temas como: política, economia, futebol, artes, literatura, entre outros. Resolvemos escolher somente vinte entradas, datadas em 2006 e 2007, para avalizar o sentido que queremos trazer à discussão: SC 01 – “Para a crítica Americana, Fernanda Montenegro e a filha devem concorrer ao Oscar” (GLOBO ONLINE, 22/06/2006). SC 02 – “Representante de Schumacher critica Ferrari” (GLOBO ONLINE, 29/08/2006). SC 03 – “Você viu o filme? Quer publicar sua crítica? Escreva no formulário abaixo” (GLOBO ONLINE, 08/09/2006). SC 04 – “Governo critica regulamentação da Internet” (GLOBO ONLINE, 07/11/2006). SC 05 – “Lula critica imunidade parlamentar” (GLOBO ONLINE, 07/11/2006). SC 06 – “Deputados comentam críticas de Aldo ao PT” (GLOBO ONLINE, 29/01/2007). SC 07 – “Índia critica propostas de países desenvolvidos”(GLOBO ONLINE, 22/02/2007). SC 08 – “OAB critica deficiência do ensino no Rio”. (GLOBO ONLINE, 11/03/2007). SC 09 – “Público e crítica participaram da seleção de filmes que o Cinesesc apresenta a partir desta terça como os melhores do ano”. (GLOBO ONLINE, 02/04/2007). SC 10 – “Braff Torres e Menalton são veteranos contistas e romancistas, donos de estilos marcantes, premiados pela crítica e reconhecidos pelo público”. (FOLHA ONLINE, 13/03/2006). SC 11 – “Bispo critica Lula e pede resistência à transposição” (FOLHA ONLINE, 12/08/2006). SC 12 – “Os Sertões se tornou um dos maiores sucessos de público e de crítica do Brasil, com mais de 50 edições em língua portuguesa e traduções...” (FOLHA ONLINE, 06/03/2007). SC 13 – “Aécio Neves critica governo Lula” (FOLHA ONLINE, 21/03/2007). SC 14 – “Diretor de "Tapa na Pantera" põe novo curta no YouTube e critica Cicarelli” (FOLHA ONLINE, 11/04/2007). SC 15 – “... movimento modernista, que, embora sem ter-se preocupado com aspectos ideológicos, ajudou a tornar mais crítica a percepção da sociedade sobre a ordem vigente”. (FOLHA ONLINE, 17/04/2007). SC 16 – “Políticos minimizam crítica do papa à mídia que ‘vulgariza a virgindade’" (FOLHA ONLINE, 11/05/2007). SC 17 – “Diretor da OMC critica desigualdade na globalização e defende Doha” (FOLHA ONLINE, 21/06/2007). SC 18 – “A crítica do positivismo revela esse modelo do saber científico como propaganda do status quo. Para Adorno, tal concepção de conhecimento (amplamente dominante no Ocidente) apenas na aparência se opõe ao que acontece no totalitarismo. Nos anos 60, ele formulou a questão com as seguintes palavras:[...]" (FOLHA ONLINE, 21/02/2007). SC 19 – “Lula critica oposição e falta de divulgação do PAC no Rio e SP” (FOLHA ONLINE, 02/07/2007). SC 20 – “Chávez critica declaração de Amorim e ameaça ficar fora do Mercosul” (FOLHA ONLINE, 03/07/2007). Em todas as situações comunicativas escolhidas, o sentido kantiano de crítica, amparado filosoficamente, foi observado, ao se referir a uma atitude, ou mudança de atitude ou postura que os sujeitos vivenciam a partir dos seus fundamentos e causas. Também a concepção trazida por Japiassu (1991) pode ser observada em muitas das situações comunicativas selecionadas, uma vez que ela é vista como um juízo apreciativo, de acordo com o ponto de vista: estético, lógico ou intelectual. Ao retornar a essas, encontramos nas SC 01; SC 03; SC 09; SC 10; SC 12; SC 14 e SC 15, ressonância no que conceitua Japiassu, quando as mesmas trazem referências aos argumentos basicamente estéticos, utilizados nas artes para o desenvolvimento de um posicionamento crítico frente aos livros, filmes, atores, entre outros. Mais uma vez a acepção de crítica colocada através de um conceito de apreciação e escolha retrata uma posição de tendência e que “não admite nenhuma afirmação sem reconhecer sua legitimidade racional”, conforme ainda Japiassu (1991, p. 247). Em todas as situações comunicativas selecionadas, esse reconhecimento de legitimidade de quem faz a crítica manifesta-se com plenitude. Com essas acepções, crítica pode ser considerada tradicionalmente, como arte, habilidade de julgar ou uma atividade, e por extensão de acepção, de examinar e avaliar detalhadamente qualquer coisa e comportamento de analisar, apreciar, examinar, julgar ou fazer juízo sobre as coisas do mundo. Assim, poderemos fazer crítica de obras de artes, de trabalhos científicos, de costumes dos povos ou de seus comportamentos ou posicionamentos, observando que a base para tais críticas está na possibilidade de versáteis leituras, de variados sujeitos-leitores. Voltemos a observar as situações comunicativas, SC 02; SC 04; SC 05; SC 06; SC 07; SC 08 e SC 11; SC 13; SC 16; SC17; SC 19; e SC 20, em matérias voltadas à política, nas quais as acepções de dar juízo de valor e de examinar aparecem claramente, quando as manchetes e noticias trazem o uso da palavra crítica. Isso é marcado nos dois empregos dessa palavra, tanto como verbo ou como substantivo, sendo que a crítica é posta como argumentação contrapondo o ponto de vista de outras pessoas. Vemos também a mídia voltada quase que exclusivamente para as questões de crítica. Analisamos ainda que historicamente, os veículos de comunicação, apesar de demonstrarem estar menos comprometidos com os interesses da sociedade, vinculando-se a interesses mercadológicos e empresariais, eles são espaços-decrítica, de manifestação de argumentações variadas, mesmo que inflamadas de outros conceitos. Com esse desenho, consideramos que a crítica é o porto seguro, tanto para a mídia quanto para o sujeito-leitor. Esse dispõe desse processo para apreciar, argumentar e escolher os sentidos que quer dar às suas leituras, enfim, posicionarse no mundo. Como se posicionar no mundo nos retorna às questões de leitura e de crítica, resolvemos refletir, na próxima parte, sobre como demarcar uma leitura enquanto leitura crítica. 4 Leitura e Crítica = Leitura Crítica A experiência de leitura é uma das quais o sujeito realiza para conhecer, descobrir, ampliar, refazer, redescobrir, compreender, enfim, construir o seu mundo de sentidos. Associada a essa experiência, outra se agrega, a critica, na qual são apreciados e ou julgados os sentidos encontrados nos textos. Essa junção mostra uma perspectiva mais densa: a leitura crítica. Uma leitura crítica pode ser considerada como uma possibilidade de produção de outras idéias e tomadas de posição, enfim novas produções de sentidos. A leitura pode ser ponte entre os sentidos diversos encontrados pelos leitores e a crítica, porto escolhido entre os conhecimentos colocados no mundo e o fazer-ser desses sujeitos. É através desse processo de ler criticamente que a compreensão acontece como uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que “[...] requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes e sua reconstrução [...]” (KOCH, 2005, p. 17). Segundo Orlandi (2001) “há diferentes versões de leitura que constituem tantos modos de compreensão distintos” (ORLANDI, 2001, p. 70). Assim, percebemos que os modos de compreensão construídos a partir da leitura de textos podem promover o desenvolvimento do procedimento de criticidade - capacidade que as pessoas têm de serem críticas. Através do imbricamento desses dois processos – leitura e crítica – os sujeitos desenvolvem atitudes que os impelem acolherem ou não qualquer afirmação, cuja legitimidade conseqüente não seja aceita, construindo assim, decisão sobre a possibilidade ou impossibilidade transcendente que determina as suas fontes, os seus âmbitos e seus limites. Âmbitos esses considerados como espaços-de-crítica, fazendo com que a crítica se transforme em porto de sentido, uma vez que através dela os sujeitos-leitores descobrem novas e diversas possibilidades de significação e buscam outros e novos caminhos para as suas leituras. Percebemos, pois, que essa produção de sentidos é construída pelo produtor/planejador/leitor do texto, que procura viabilizar o seu ‘projeto de dizer’, ao recorrer a uma série de estratégias de organização textual, orientando-se, enquanto interlocutor, por meio de sinalizações textuais (indícios, marcas, pistas). Assim, a leitura crítica é, ao mesmo tempo, um ato subjetivo, social e de curiosidade, de superação da ingenuidade. E ler criticamente é compreender os processos de leitura já realizados, fazer as pontes entre os mesmos, observar as situações em que eles ocorrem e verificar a sua relevância no desenvolvimento de outros e mais amplos sentidos, chegando a um porto escolhido. Ainda segundo Freire (2004), a criticidade traz em seu bojo alguns elementos importantes que precisam ser considerados em uma reflexão analítica. Questões de certo e errado, de concordância e discordância, de superficialidade e profundidade perpassam pelo desenvolvimento da criticidade do sujeito. A concordância e discordância também são afetadas pelo posicionamento critico do leitor. Ao ler as situações comunicativas encontradas virtualmente, independente do tema abordado, ou ao gênero, o sujeito-leitor pode concordar ou discordar das idéias apresentadas pelo seu produtor/planejador. Nessa escolha, seu posicionamento frente a essa leitura também é crítico. Posicionamento esse que pode ser superficial ou profundo, dependendo do grau de importância que o sujeitoleitor imprime em sua análise, em seu julgamento. Assim, a depender de suas escolhas de posicionamento, de argumentação, sua leitura crítica pode ser ingênua ou pretensiosa. Deste modo, a leitura promove ou não a superação da ingenuidade. Segundo pensar de Freire (2004), no qual concordamos, uma vez que essa superação de ingenuidade leva à criticidade, há uma demanda de profundidade e superficialidade na compreensão e interpretação dos fatos. Freire (2004) diz que quem pensa certo, aqui colocado na visão de Bunge, como uma “dicotomia aplicável a idéias e ações de todas as espécies” (BUNGE, 2002, p.53), é quem busca seriamente a segurança na argumentação, e ao discordar do seu oponente, não tem o porquê contrair indignações. Pensamos que esse aspecto ainda traz à baila uma questão de incompletude do processo de leitura crítica. Sempre novas leituras poderão ser feitas pelos sujeitosleitores em momentos e espaços diversos. Outras leituras e atualizadas críticas, diversas leituras críticas. Consideramos, pois, que todo dizer é incompleto, não porque lhe faltem palavras, contudo porque ainda o que não é dito significa. Não havendo como dizer tudo se joga com a ausência dos sentidos, que dá justamente a incompletude do ato de ler. Voltamos a Silva (1998) para compartilhar uma citação que consideramos importante para este trabalho sobre leitura e criticidade. Em seu livro “Criticidade e leitura: ensaios” (1998), ele adverte sobre a criticidade: Pela leitura crítica o sujeito abala o mundo das certezas (principalmente as da classe dominante), elabora e dinamiza conflitos, organiza sínteses, enfim combate assiduamente qualquer tipo de conformismo, qualquer tipo de escravização às idéias do texto (SILVA,1998, p.26). Do mesmo modo, essa elaboração e dinamização de conflitos, a organização de sínteses, o combate ao conformismo e a escravização às idéias do texto, trazidos por Silva, compactualizam com Freire e ampliam para vertentes mais elaboradas nas esferas da: Lingüística, Sociologia, Pedagogia, Política, Psicologia e da Psicanálise. Todas essas ciências se associam para ampliar os processos do ato de ler e do ato de criticar, enfim do processo de leitura crítica. Ler criticamente o mundo, as situações, as notícias, principalmente usando aparelhos informacionais, em nosso caso virtualmente, nos mostrou a ampliação e detenção de poder que a sociedade ora globalizada e mundializada nos acena. Com isso, a responsabilidade dos leitores se amplia uma vez que esses precisam selecionar o que lêem, utilizando para tanto da crítica já construída. 5 Considerações finais, mas não conclusivas Os modos de compreensão construídos a partir da leitura de textos promovem a criticidade que é a habilidade que as pessoas têm de serem críticas. Essa criticidade pode ser construída através de variadas leituras, incluindo-se a de notícias de jornais virtuais e ou impressos. Nas situações comunicativas selecionadas e em que aparecem a palavra crítica, vimos que o processo de crítica, de busca de pontos de vista diferenciados é parte integrante da leitura de mundo que a mídia mostra à sociedade. Registramos também que os temas mais recorrentes são: política, artes (literatura, primordialmente) e economia. Ainda lembramos que de certo, a mídia tem a responsabilidade de trazer para a sociedade as situações que envolvem essas várias áreas. No entanto, também sabemos que, o trabalho da mídia implica numa leitura de textos variados (palavras, imagens, sons...); no entanto, a veracidade nem sempre está presente nesses elementos e nem também naquele sujeito que lê, uma vez que cada leitor tem determinada visão a respeito do assunto de um texto, por ser protagonista de sua própria história. Pensamos ainda que haja uma relação importante entre a leitura crítica e a leitura polissêmica trazida por Orlandi, que a define como atribuição de flexíveis sentidos. Nessa leitura, observam-se os deslocamentos, as rupturas dos processos de significação, tornando o discurso imprevisível. O que pode ser considerado como um discurso baseado em processo crítico. Ainda colocamos do mesmo modo que as matérias trazidas pelos jornais, revistas, tanto impressos quanto virtuais, mostram a questão de incompletude do ato de ler, bem como de variadas textualidades. Concluímos parafraseando Saramago, no filme Janelas da Alma, quando diz: “para conhecer as coisas, é preciso dar-lhes a volta”; e para conhecer a vida, para ler o mundo, o sujeito-leitor deve dar voltas neste mundo com os fios da leitura crítica. Referências BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Perspectiva. São Paulo: 2002. CHARTIER, R. A Aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução Reginaldo de Moraes. UNESP. São Paulo: 1999. FREIRE, P. A importância do ato de ler. Cortez Editora. São Paulo: 2005. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Paz e Terra. Rio de Janeiro: 2004. FOLHA ONLINE. Último acesso em 03/07/2007. FOUCAMBERT, J. A leitura em questão. Artes Médicas. Porto Alegre: 1994. GLOBO ONLINE. Último acesso em 03/07/2007. KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria & prática. Pontes. 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(Coleção com três obras: Leitura em Curso, Conferências sobre Leitura e Unidades de Leitura). http://www.autoresassociados.com.br. ZILBERMAN, R.; LAJOLO, M. A formação da leitura no Brasil. Ática. São Paulo: 1996.