Caminhos do amadurecimento político da ética profissional do(a)

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II Semana de Economia Política
GT 3 – Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo:
CAMINHOS DO AMADURECIMENTO POLÍTICO DA ÉTICA PROFISSIONAL DO
(A) ASSISTENTE SOCIAL
AUTORA: BRUNA FERNANDA BÓLICO PEREIRA
Mestranda em Política Social pela Universidade Federal de Mato Grosso
RESUMO
O presente trabalho tem a difícil tarefa de realizar um resgate histórico da trajetória do serviço
social no campo da ética. Iniciaremos o texto discutindo os fundamentos do serviço social
brasileiro à partir do Movimento de Reconceituação e seu significado para a categoria
profissional na atualidade, na sequência realizamos uma breve análise pelos Códigos de Ética
que fazem parte da história da profissão no Brasil e demarcam os valores defendidos ao longo
dessa trajetória até chegarmos no código vigente - 1993, onde são realizados alguns
apontamentos acerca dos princípios que norteiam este código que tem a Liberdade como valor
ético central, e este ano completa 20 anos. Essa contextualização é fundamental para
compreendermos o serviço social que temos hoje, assim como o Projeto Ético-Político do
Serviço Social brasileiro, e as dificuldades de coloca-lo em prática. O preço de uma
intervenção profissional comprometida com os princípios estabelecidos no Código de 1993
deve ser aferido com base na lógica perversa do atual estágio do modo de produção
capitalista, que no tempo presente viola inúmeros preceitos de civilidade. Com o esgotamento
cada vez mais notório dessa ordem social, o significado social da profissão no processo de
reprodução das relações sociais deve ser questionado e problematizado no tocante aos seus
valores e a internalização dos mesmos.
Palavras Chave: Serviço Social, reconceituação, código de ética.
1. INTRODUÇÃO
Sabemos que o serviço social surge atrelado a doutrina social da igreja católica, e nos anos
60 e 70 há um movimento de renovação na profissão que se expressa em termos tanto da
reatualização do tradicionalismo profissional, quanto de uma busca de ruptura com o
conservadorismo. O serviço social se laiciza e passa a incorporar nos seus quadros segmentos
dos setores subalternizados da sociedade. Estabelece interlocução com as ciências sociais e se
aproxima dos movimento sociais.
Uma intervenção profissional comprometida com os princípios estabelecidos no atual
Código de ética é um desafio que deve ser medido com base na lógica do atual estágio do
modo de produção capitalista, tendo em vista que este viola inúmeros preceitos de civilidade.
O significado social da profissão no processo de reprodução das relações sociais deve ser
questionado e problematizado no que tange aos seus valores e a internalização dos mesmos.
Iniciaremos o texto discutindo os fundamentos do serviço social brasileiro à partir do
Movimento de Reconceituação e seu significado para a categoria profissional na atualidade,
na sequência realizamos uma breve análise pelos Códigos de Ética que fazem parte da história
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da profissão no Brasil e demarcam os valores defendidos ao longo dessa trajetória até
chegarmos no código de 1993, onde é são realizados alguns apontamentos acerca dos
princípios que norteiam o código que este ano completa 20 anos. Essa contextualização é
fundamental para compreendermos o serviço social que temos hoje, assim como o Projeto
Ético-Político do Serviço Social brasileiro.
II. SERVIÇO SOCIAL E RELIGIÃO: DA RELAÇÃO EMBRIONÁRIA À INTENÇÃO
DE RUPTURA
O serviço social brasileiro é fruto da ação desenvolvida pela igreja no campo social.
Muitas das escolas de serviço social nascem de grupos que participaram dos cursos de
formação social e das semanas sociais promovidas pela ação católica. A participação do clero
no controle direto do operariado industrial remonta, por sua vez, ao surgimento das primeiras
grandes unidades industriais, em fins do século passado “é viva a presença de religiosos no
próprio interior dessas unidades, que muitas vezes possuíam capelas próprias, onde
diariamente os trabalhadores eram obrigados a assistir à missa e outras liturgias”
(IAMAMOTO e CARVALHO, 2004:169).
Como uma iniciativa da Igreja Católica, o Serviço Social brasileiro não surgiu para
que houvesse uma clara diferenciação entre assistência social religiosa e a profissional, mas
para qualificar o apostolado.
Além desta marca religiosa, o Serviço Social nascente passa a recrutar, basicamente,
mulheres que, em um primeiro momento fazem parte da elite social e, em um período
posterior, quando há ampliação dos cursos de formação, tem uma origem social mais
modesta. Carvalho e Iamamoto (1982) afirmam que agir assistencialmente, de forma
missionária, era uma tarefa eminentemente feminina.
O conservadorismo católico que caracterizou os anos iniciais do Serviço Social
brasileiro, a partir dos anos 40 passa a ser tecnificado, ao entrar em contato com o Serviço
Social norte-americano e suas propostas de trabalho permeadas pelo caráter conservador da
teoria social positivista, é quando começamos observar uma espécie de função dos valores
cristãos com o tecnicismo funcional positivista na formação universitária em serviço social.
Contudo, na década de 1960 o serviço social brasileiro passa a trilhar novos caminhos
na busca da superação do conservadorismo e da construção de outra identidade profissional.
Tal período é reconhecido como Movimento de Reconceituação, que constitui um marco
inarredável e incontornável da história do Serviço Social latino-americano.
O maior resultado do Movimento de Reconceituação veio se firmar na transição da
década de 70 para 80, com a constituição da hegemonia do bloco denominado “intenção de
ruptura” (idem), que defendia a aproximação do serviço social com a tradição marxista. São
perceptíveis os indícios de que nesse período a profissão começava a ser permeada por
rebatimentos das lutas sociais que sinalizavam para a problematização do conservadorismo
que até então parecia inalterável, decorrente do processo de abertura do regime militar e
sinalização da redemocracia brasileira.
A ruptura com a herança conservadora expressa-se como uma procura, uma luta por
alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do assistente social, que
reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício profissional, busca
colocar-se objetivamente, a serviço dos interesses dos usuários dos seus serviços.
Atualmente são mais 300 escolas de serviço social no território brasileiro, com
existência do curso em quase todas as Universidades Federais, com projeto de formação
profissional claro e expresso nas Diretrizes Curriculares elaborada pela Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). O serviço social tem se consolidado
gradativamente no âmbito da pós-graduação, com programas que tem contribuído com a
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realização de pesquisas e produção de conhecimento para as diversas áreas das ciências
sociais e humanas.
III. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ÉTICA: CONTRADIÇÕES
RESSIGNIFICAÇÕES NA RELAÇÃO RELIGIÃO E SERVIÇO SOCIAL
E
A ética é parte integrante da prática social do ser humano. Comportar-se de maneira
ética faz parte de um processo histórico na qual o ser humano vem rompendo as suas
características primitivas e instintivas, ampliando o seu domínio sobre a natureza e
principalmente sobre a si mesmo. Porém, falar em comportamento ético exige rigorosa
atenção em decorrência da complexidade que a temática exige.
É nesse campo complexo que se insere o debate sobre a crise de valores na formação
em serviço social, pois defendemos que “uma ética sem ontologia do ser social seria
impensável, posto que a direção ontológica constitui mesmo o fundamento da ética e da
liberdade (apud NETTO, 2004) Dentro desta perspectiva Barroco (2010) ressalta:
"o homem originalmente um ser natural como outros seres vivos, rompe com o padrão de intercâmbio imediato e instintivo estabelecido com a
natureza, para dar seus primeiros passos na direção da construção de si
mesmo como um novo ser. É nesse processo histórico que são tecidas as
possibilidades de o homem se comportar como um ser ético: enquanto o
animal se relaciona com a natureza a partir do instinto, o ser social passa a
construir mediações - cada vez mais articuladas -, ampliando seu domínio
sobre a natureza e sobre si mesmo." ( p. 19).
A autora entende a ética como um "modo de ser socialmente determinado" que tem
sua gênese no processo de autoconstrução do ser social, concepção que se diferencia
explicitamente dos valores religiosos.
Enquanto os animais possuem uma atividade vital instintiva, imediata e limitada, a
atividade humana se diferencia pelas mediações que estabelece, pois responde às carências de
forma consciente, racional, projetiva, transformando os sentidos, de forma livre e criativa.
O indivíduo nasce em uma sociedade que já conta com um sistema normativo e com
costumes instituídos, através da família, dos amigos, da escola, esse indivíduo aprende uma
série de valores e comportamentos que passam a fazer parte do seu referencial de moral, "uma
espécie de código moral que orienta suas escolhas e influencia seus julgamentos de valor"
(BARROCO,2010:62,63).
A discussão sobre ética nos conduz a pensar na liberdade, visto que a liberdade é o
valor ético central do Código de Ética profissional do/da assistente social. No entanto se faz
necessário refletir sobre o que é liberdade, e além disso, de que liberdade estamos tratando.
Segundo Barroco (2010), as tendências éticas dos antigos - em sua razão filosófica e
da liberdade articulada à práxis política democrática - são negadas na Idade Média, quando a
religião passa a organizar de forma dominante, o conteúdo moral das ações humanas. Deste
modo, “as instituições tidas como fundamentais - família e igreja - funcionavam como
mediadoras entre o indivíduo e a comunidade” (p.103). Neste contexto, a ética adquire uma
configuração subordinada ao poder espiritual da igreja e da doutrina cristã, que introduz
noções de dever e de culpa, tornando problemática a noção de autonomia.
A ética cristã, que influencia fortemente a cultura ocidental, baseia-se na Bíblia,
“revelada por Deus”, que não pode ser contestada racionalmente. “A liberdade cristã expressa
o sentimento de ser servo e a dependência da criatura ao criador, na pessoa de Jesus Cristo”
(ASSIS, 2008).
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Deste modo a liberdade cristã, consiste em ser livre para servir a Deus. Nesse conceito
de liberdade se insere a humildade religiosa gerada pelo sentimento de dependência e medo,
de ser criatura diante do criador, e que é necessária para que se estabeleça a condição de ser
livre para servir ao Deus vivo e soberano.
A comunidade cristã que vive a liberdade num relacionamento pessoal com
Deus e com o próximo encontra em Deus a força necessária para o serviço,
força esta que a sustenta, levando-a a superação das dificuldades e
propiciando a fé que remove as montanhas das desigualdades, das
diferenças culturais, do egoísmo, e tantas outras mais que vierem a impedir
a existência dessa comunidade livre. E essa força de origem transcendente é
o amor e não normas, preceitos ou um receituário de procedimentos
(BAUMAN apud ASSIS, 2008).
Neste sentido compreendemos que a religião se apropria da fé e da crença dos
indivíduos para que assim possa exercer seu poder. As pessoas possuem o livre-arbítrio, mas
o não cumprimento dos preceitos religiosos trará punições para estes indivíduos, nesta vida ou
depois dela.
No contexto do pensamento social progressista, que influencia o ideário iluminista da
Revolução Francesa no século XVII, o inglês John Locke funda a teoria liberal, segundo a
qual “os homens têm determinados direitos naturais, como o direito a vida, à propriedade e a
liberdade”. (BARROCO, 2010:107). O Liberalismo apresenta como ponto principal a defesa
da liberdade política e econômica, os liberais são contrários ao forte controle do Estado na
economia e na vida das pessoas. Tem como princípios básicos: defesa da propriedade privada;
liberdade econômica (livre mercado); mínima participação do Estado nos assuntos
econômicos da nação (governo limitado); igualdade perante a lei (estado de direito)
(BARROCO, 2010; MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011).
A tradição liberal possui uma compreensão formal de liberdade, que atenta
exclusivamente para a ausência de impedimentos à realização das escolhas por parte dos
agentes individuais.
Os liberais compreendem a liberdade e a competitividade como formas de autonomia
do indivíduo para decidir o que é melhor para si e lutar por isso. Não reconhecem que a
liberdade e a competitividade não asseguram a igualdade de condições nem de oportunidades
para todos.
A ética marxista é apoiada na teoria da emancipação humana, Marx concebe o
proletariado como sujeito histórico, potencialmente “capaz de subverter essa ordem social”,
segundo ele o proletariado não pode se libertar sem libertar a humanidade (BARROCO,
2007:190).
Marx faz uma crítica radical à sociedade burguesa, mostrando que a liberdade e a
igualdade prometidas com as revoluções burguesas não podem se realizar de forma universal.
Em seu livro A questão judaica ele discute os direitos da Declaração dos Direitos do homem,
de 1789, explica que a liberdade liberal destina-se a proteger a propriedade:
“a liberdade, equivale, portanto, ao direito de fazer e promover tudo que não
prejudique a nenhum outro homem. O limite dentro do qual cada um pode
mover-se de modo a não prejudicar o outro é determinado pela lei do
mesmo modo que o limite entre dois terrenos é determinado pelo poste da
cerca. Trata-se da liberdade do homem como mônada isolada recolhida
dentro de si mesma” (2010:49).
Fica evidente que a ética fundada em Marx possui um caráter revolucionário, exige a
criticidade radical e a perspectiva de totalidade, em termos de valores se apoia na liberdade e
na emancipação humana. Libertar a humanidade em Marx, não é transferir a função
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ideológica da moral burguesa para a moral proletária, supõe um projeto societário de
superação da alienação da exploração e das classes sociais.
A concepção de liberdade que compartilhamos em nosso Projeto Ético Político, não se
referencia ao conceito de "liberdade burguesa", sob o qual submete a liberdade em seu
conceito liberal que, por sua vez, comunga da liberdade enquanto ação do homem livre para
negociar no mercado. Para nós, liberdade está fundada nos princípios de emancipação
humana, na qual o sujeito individual só pode alcançá-la com o outro no coletivo.
IV.
CAMINHOS
DO
AMADURECIMENTO
POLÍTICO
DA
PROFISSIONAL: ANALISANDO OS CÓDIGOS DE 1947, 1965 e 1975.
ÉTICA
A dimensão ética da profissão, no período que antecede a ruptura, tem sua
centralidade afirmada nas Escolas de Serviço Social. Através das disciplinas de filosofia e
ética, são reproduzidos os princípios éticos buscados na filosofia tomista, no positivismo e no
pensamento conservador. De acordo com Netto (2011:40), “o pensamento conservador é uma
expressão cultural particular de um tempo e um espaço sócio-histórico muito precisos”.
Segundo Barroco (2007:93), a ação profissional é tida como uma vocação a ser
exercida por indivíduos dotados de um perfil ético-moral dado por qualidades inatas. “O
assistente social deve ser um exemplo de integridade moral, o que é concebido a partir do
conservadorismo ético”, essa ética irá impor ao profissional normas de conduta e
comportamento.
A moral se apresenta como um elemento funcional à implementação de programas
educativo-assistenciais formulados pelo empresariado e pelo Estado e viabilizado por vários
profissionais, dentre eles o/a assistente social.
“a formação assim recebida predispõe as assistentes sociais a uma apreensão
moralizadora das situações materiais [...] são, finalmente, os valores do
militarismo católico que dão lirismo particular à exaltação do serviço ao
próximo, como sentido da profissão”(VERDÉS-LEROUX apud
BARROCO, 2007).
Nesse contexto, a ação profissional tinha por objetivo eliminar os “desajustes sociais”
através de uma intervenção moralizadora de caráter individualizado e psicologizante.
Os pressupostos neotomistas e positivistas fundamentam os Códigos de Ética
Profissional, no Brasil, de 1947 à 1975. “A ética é concebida como a ciência dos princípios e
das normas que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal; sua importância é afirmada
em face da atuação profissional voltada às pessoas humanas desajustadas ou empenhadas no
desenvolvimento da própria personalidade” (ABAS apud BARROCO, 2007). Em 1948, a
ação profissional é claramente direcionada à intenção ético-moral dos seus agente, entendida
como uma decorrência natural da fé religiosa.
Orientada pelos pressupostos neotomistas, e pelos dogmas da Igreja Católica e ética
profissional baseava-se em uma dicotomia entre o bem e o mal, traduzidas na moral
conservadora.
O Serviço Social assume um posicionamento moralizador face às expressões da
questão social. Essa concepção conservadora caracterizou nesse momento uma cultura
profissional acrítica, sem questionar suas ações profissionais.
A década de 60, é uma época revolucionária, especialmente por sua potencialidade de
ruptura ideológica. É também um momento de explicitação de conflitos éticos, que ocorrem
em situações de questionamento de valores morais da vida cotidiana.
O Código de Ética de 1965 aponta diferenças com relação ao primeiro, datado de
1947, as quais podemos citar alguns de seus deveres fundamentais, como destacado no artigo
7º “Ao assistente social cumpre contribuir para o bem comum, esforçando-se para que o
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maior número de criaturas humanas dele se beneficiem, capacitando indivíduos, grupos e
comunidades para sua melhor integração social”. O artigo 9º destaca “O assistente social
estimulará a participação individual, grupal e comunitária no processo de desenvolvimento,
propugnado pela correção dos desníveis sociais”.
Ainda na década de 60, o serviço social brasileiro, por intermédio de uma de suas
entidades representativas, a ABESS, publica um documento, o Código Moral de Serviço
Social, de origem europeia, cujos pressupostos remontam a um conservadorismo medieval,
em oposição a todas as conquistas da sociedade moderna, esse livro visava fornecer subsídios
para a formação moral do/da assistente social. (BARROCO 2007:113).
De acordo com o Código Moral, o/a assistente social deve ser:
“um modelo de polidez e cortesia por seu espírito serviçal espontâneo, seu
bom humor e amabilidade, sua linguagem correta e simples, seu trajar
alinhado, rejeitando todo o apuro, seus modos e atitudes distintas, livres de
toda afetação... Levará uma vida metódica, tanto quanto possível sem
excesso de fadiga; não se recusará, porém, a sacrificar parte de sua saúde,
desde que circunstâncias especialmente graves peçam um devotamento
esgotante” (HEYLER apud BARROCO, 2007:123).
As prescrições moralistas também se atém a vida privada do(a) profissional, e
determina o que o/a assistente social deve evitar:
“as paixões e desejos imoderados de riqueza, gozo, poder, a preguiça e a
falta de vontade[...] Fora do serviço, as relações dos assistentes sociais serão
selecionadas e cultivadas num nível moral digno de sua profissão. Cumpre
evitar a solidão, assim como os flertes e as companhias suspeitas, o excesso
de bebidas fortes, e outros tipos de diversões licenciosas, mas também a
falta de interesse pela atualização e progresso na própria formação. Os
assistentes sociais solteiros não receberam em seu domicilio privado a visita
particular de agentes casados não acompanhados de seus cônjuges, e, a
fortiori, de agentes solteiros, igualmente não aceitaram nenhum convite que
lhes façam circunstâncias análogas” (HEYLER apud BARROCO,
2007:124).
Percebemos a forte presença do conservadorismo moral, apontando para uma ação
profissional radicalmente contrária a qualquer tipo de transformação que modifique os
padrões da “sagrada família”. É notável o preconceito próprio do moralismo, revelado no que
diz respeito a sexualidade, a posição da mulher e do homem na família. E também no que diz
respeito a vida privada do/da profissional, que deveria ser um exemplo de boa conduta, uma
pessoa acima de qualquer suspeita. Tais prescrições são típicas de um comportamento
condizente com o pensamento tradicional católico, visto que o serviço social surge atrelado a
doutrina social da Igreja Católica, neste sentido o documento é claro em seu posicionamento
político – ideológico, mostrando a direção social que deve ser imprimida à ação profissional:
Conservadorismo Radical!
Segundo Barroco (2007), o Código de Ética de 1975, não só reafirma o
conservadorismo tradicional, mas o faz na direção de uma adequação às demandas da
ditadura, consolidada a partir de 1968. Este código já aponta para a tendência denominada por
Netto como reatualização do conservadorismo.
Essa perspectiva modernizadora pode ser verificada no Código de 1975:
“o valor central que serve de fundamento ao serviço social é a pessoa
humana. Reveste-se de essencial importância uma concepção personalista
que permita ver a pessoa como centro, objeto e fim da vida social”.
Percebe-se nesse código que o serviço social já não é mais tratado como uma atividade
humanista, os deveres profissionais já não apresentam como decorrência de um compromisso
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religioso, mas trata-se de uma obrigação formal dada pela legislação à qual a profissão é
submetida. No entanto se reafirma a posição acrítica em face a ação disciplinadora do Estado.
Em 1986, o Código de Ética é reelaborado, buscando-se garantir uma ética
profissional objetivadora da nova moralidade profissional. Esse processo é resultado do
engajamento e das lutas travadas pela categoria.
Temos então, que o processo de reformulação do Código de 1975 que culmina na
aprovação e publicação do Código de 1986 é base imprescindível para compreendermos a
construção do projeto Ético-Político Profissional.
Trata-se de uma nova era para a concepção ética profissional do Serviço Social,
demarcada pelos esforços no campo da politização, essa nova ética está clara no Código de
1986, apoiada no compromisso com a classe trabalhadora e na defesa de seus direitos, cujos
valores estão pautados numa visão histórica e na tradição marxista. Com isso, podemos
assinalar que o Código de Ética de 1986 trouxe:
[...] o rompimento com a pretensa perspectiva “imparcial” dos Códigos
anteriores; o desvelamento do caráter político da intervenção ética; a
explicitação do caráter de classe dos usuários, antes dissolvidos no conceito
abstrato de “pessoa humana”; a negação de valores a-históricos; a recusa do
compromisso velado ou explícito com o poder instituído (BARROCO,
2010, p.48).
A superação das fragilidades do Código de 1986 é objetivada em 1993, quando o
código é reelaborado, assim sendo, esse último código representa a direção dos compromissos
assumidos pelo Serviço Social nas últimas décadas do seu percurso histórico, observamos
nele uma perspectiva crítica à ordem econômica social estabelecida e a defesa dos direitos dos
trabalhadores.
V.
20 ANOS DE CÓDIGO DE ÉTICA E A LIBERDADE COMO VALOR ÉTICO
CENTRAL
O Código de Ética de 1993 representou a expressão formal da ruptura com o
conservadorismo no campo da ética. Em 2013 o Código de Ética dos/das Assistentes Sociais
comemora vinte anos de aprovação, no entanto percebemos que ainda existem inúmeros
desafios para que sejam materializados seus princípios no âmbito acadêmico e profissional.
Deste modo, se faz necessário analisar os princípios que norteiam este código que mudou o
rumo da profissão.
O primeiro princípio remete ao “Reconhecimento da liberdade como valor ético
central e das demandas políticas e ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão
dos indivíduos sociais” – significa, compreender a liberdade para além da concepção burguesa
individualizada, se vincula intimamente as ideias de autonomia, emancipação e plena
realização dos sujeitos individuais e coletivos. No entanto, sabemos que esse projeto de
realização da liberdade é um desafio, à medida que vai de encontro com a dinâmica social
capitalista, que impulsiona as pessoas ao individualismo e a competitividade como forma de
autonomia.
O segundo princípio nos conduz a posicionarmos pela “defesa intransigente dos
direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo” – esse princípio vêm demonstrar a
vinculação da categoria à luta em favor dos direitos humanos. Entendemos que o Código de
Ética constitui um instrumento de luta, que oferece respaldo às decisões e atitudes
profissionais, para que assim se possa buscar a efetivação dos direitos humanos.
O terceiro princípio remete a “ampliação e consolidação da cidadania, considerando
tarefa primordial de toda sociedade, com vista à garantia dos direitos civis sociais e políticos
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das classes trabalhadoras” – entendemos que a atuação profissional deve se pautar na
viabilização e na ampliação do acesso aos direitos sociais, contribuindo para o enfrentamento
das expressões da questão social. A cidadania consiste na universalização dos direitos sociais
políticos e civis, deste modo, os/as assistentes sociais estão comprometidos com a luta para
que o nível de possibilidade de atendimento das necessidades e demandas dos usuários seja
amplo, e que haja contemplação integral dos direitos sociais.
O princípio seguinte apresenta a “defesa do aprofundamento da democracia, enquanto
a socialização da participação política da riqueza socialmente produzida” – refere-se,
sobretudo a uma democracia que oferece igualdade de acesso, condições e oportunidades a
todos os sujeitos. A concepção de democracia preconizada pela categoria aponta para a
necessidade de socialização da riqueza e distribuição de renda. Lutamos por igualdade de
acesso e oportunidade para que todos os indivíduos tenham direito a condições dignas de
trabalho, moradia, saúde, educação, cultura e lazer.
O quinto princípio remete o “posicionamento em favor da equidade e justiça social,
que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas
sociais, bem como sua sugestão democrática” – significa dizer que em uma sociedade que
produz desigualdades é necessário tratar singularidades e particularidades, a fim de buscar a
igualdade de condições de acesso aos bens e serviços, visando a universalização dos mesmos.
Equidade e justiça social constituem valores essenciais ao compromisso ético do/da assistente
social, atrelados com a realização da democracia e da liberdade.
O princípio seguinte, implica o “empenho na eliminação de todas as formas de
preconceitos, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente
discriminados e á discussão das diferenças” – a sociedade em que vivemos é permeada de
valores sexistas, racistas e homofóbicos, desta forma, este princípio se compromete com a
liberdade, autonomia, respeito e a emancipação dos indivíduos, combatendo essas relações de
desigualdade.
O sétimo princípio nos traz a “garantia do pluralismo, através do respeito às correntes
profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e do compromisso com o
constante aprimoramento intelectual” – significa dizer que deve ser garantido o debate livre,
aberto e democrático, assegurando que as vertentes e correntes teóricas possam confrontar
ideias que melhor expliquem a realidade social.
O próximo princípio postula pela “opção por um projeto profissional vinculado ao
processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação exploração de classe,
etnia e gênero” – esse princípio expressa a visão ontológica do ser social. As relações de
classe, etnia e gênero apresentam-se como determinações do ser social por confrontarem
individualidades e particularidades, tomando-se não só de diferenciação dos sujeitos, mas
sobre tudo, de expressão de desigualdade entre eles. Deste modo, a luta pela superação da
dominação e exploração significa transformar a ordem societária vigente, enquanto uma
categoria politizada, assumimos um posicionamento crítico frente à ordem capitalista.
Constitui o nono princípio a “articulação com os movimentos de outras categorias
profissionais que partilhem dos princípios deste código e com a luta geral dos trabalhadores”
– percebemos que a materialização dos princípios que norteiam o Projeto Ético Político,
liberdade, justiça social, equidade, dentre outros, não será possível sem articulação para além
da categoria dos/das assistentes sociais. A profissão está comprometida com a luta dos
trabalhadores, a construção de uma sociabilidade sem dominação e exploração de classe,
etnia, gênero, que assegure a emancipação plena dos indivíduos.
O princípio seguinte aborda o “compromisso com a qualidade dos serviços prestados a
população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional” –
este princípio revela o compromisso da categoria com os usuários dos serviços sociais, para
que os mesmos possam ter acesso a bens e serviços de forma competente, comprometida e de
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qualidade. No entanto, hoje nos deparamos com um imenso desafio no que tange a formação
profissional em serviço social, as Escolas de Ensino a Distância – EAD. Esses cursos de
graduação à distância inviabilizam o processo formativo na perspectiva de totalidade e
criticidade, não garantem a articulação entre, ensino, pesquisa e extensão, pois estão
direcionados apenas aos interesses do mercado.
Por fim, temos o décimo primeiro princípio “exercício do serviço social sem ser
discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe, gênero, etnia, religião,
nacionalidade, orientação sexual, idade e condição física” – este princípio assegura direitos
para os/as assistentes sociais e também, exige o respeito para com as diferenças dos/das
usuários(as) e dos/das outros(as) profissionais. Revela a reciprocidade do reconhecimento das
diferenças, abominando a prática pautada no juízo de valor e do subjetivismo e reconhecendo
que a superação das formas de discriminação que permeiam nossa sociedade pode ser
combatida, no cotidiano profissional, mas a superação deste, cabe a sociedade como um todo.
Compreendemos que durante o exercício profissional o/a assistente social irá se deparar com
inúmeras culturas, credos e etnias e não deve julgar, muito menos agir de forma
preconceituosa, nem pautar a sua atuação através de crenças religiosas.
Enquanto expressão do debate ético-profissional, o código de ética de 1993 é base
constitutiva do projeto profissional e subsidia a organização da categoria. Um determinante
que tem sido fundamental para a manutenção da hegemonia desse projeto, é o nível de
organização política da categoria profissional. Esta organização se constitui como força
impulsionadora na materialização das projeções coletivas, construídas ao longo das últimas
décadas.
VI.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos ser de fundamental importância compreender a dimensão histórica do
serviço social, desde seu surgimento, pois a partir destas constatações percebemos o quanto
caminhamos e o quanto ainda falta caminhar para que o Projeto Ético Político da profissão se
consolide.
Não queremos aqui problematizar a hegemonia do projeto ético-político do serviço
social, muito menos os princípios e valores defendidos pela categoria profissional trazidos
pelo Código de 1993, mas é importante pontuar que apesar dos grandes avanços obtidos
através da renovação do código de ética, percebemos que ainda se fazem presentes diversas
contradições e limites na ação dos/das assistentes sociais, muitos(as) profissionais não se
comprometem integralmente com uma prática transformadora, isso resulta em um
atendimento precário preocupado em cumprir projetos institucionais sem priorizar o/a
usuário(a) como preconiza o décimo princípio deste código.
Muitos(as) profissionais não conhecem profundamente o código de ética, e com o
passar do tempo, ou quando se deparam com as dificuldades no cotidiano de trabalho, acabam
por ter uma conduta imediata, não buscam a totalidade dos fatos. Não participam de debates,
não refletem sobre a prática, e nem buscam se atualizar.
Um dos desafios para a efetivação deste projeto na atualidade é torna-lo um guia
efetivo para o exercício profissional, o que exige comprometimento e esforço tendo em vista
que ele vai de encontro com o atual modo de produção capitalista.
Compreendemos que os/as profissionais devem ter clareza do projeto ético político da
profissão, tendo em vista que tais desafios requisitam uma profunda atuação teórico-política,
desde o universo do ensino, perpassando pelos locais de trabalho e das entidades
organizativas da categoria. À medida que o profissional assume o compromisso com a
transformação dessa ordem societária e institui como estratégia de ação, no atual momento
histórico, a luta por direitos sociais, comprometendo-se com a qualidade dos serviços
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prestados e com o fortalecimento dos usuários, seus perfil tem que ser crítico e questionador.
Sem deixar de mencionar o conhecimento teórico e metodológico, que permitem uma
apreensão da realidade numa perspectiva de totalidade.
Desta maneira, compactuamos com Netto (2005:18), que em seu artigo: O movimento
de reconceituação quarenta anos depois afirma que, “a existência deste serviço social – que
hoje implementa o chamado projeto ético político – é a prova conclusiva da permanente
atualidade da Reconceituação como ponto de partida da crítica ao tradicionalismo: é a prova
de que quarenta anos depois, a reconceituação continua viva”.
VII.
REFERÊNCIAS
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