O Cotidiano Como Elemento Discursivo Na Comunicação

Propaganda
 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). O Cotidiano Como Elemento Discursivo Na Comunicação Publicitária: Análise Do Caso Da
Empresa VIVO1
Karla Caldas Ehrenberg2
UMESP
Resumo
Este artigo analisa a presença do cotidiano como cenografia de comerciais publicitários e o seu papel como
um elemento propulsor da interpretação e compreensão do discurso proferido no ambiente da comunicação
mercadológica. O objeto da análise é composto por peças televisivas da empresa de telefonia VIVO e o que
se busca é analisar a estratégia discursiva da empresa em que o aparelho celular aparece como um facilitador
na solidificação das relações sociais e familiares representadas nos seus comerciais de TV. Os estudos
teóricos apresentados ao longo do texto e a análise dos comerciais permitiram o entendimento de que o uso
do cotidiano como cenografia garante o reconhecimento por parte do consumidor, facilitando o entendimento
da mensagem e podendo impulsioná-lo ao ato da compra.
Palavras chave: publicidade; cotidiano; consumo; análise de discurso; comunicação.
Introdução
O consumo de produtos e serviços sempre fez parte da vida humana. Seja para atender às
necessidades mais básicas ou para satisfazer aos desejos mais supérfluos, o ato de consumir
acompanha o homem há séculos e na atual sociedade está presente de maneira tão forte que pode
ser considerado como um elemento social importante.
Para que o consumo se estabeleça é necessário que existam produtores, produtos e
consumidores. E em um cenário de grande oferta de produtos e serviços a escolha por qual
elemento consumir não acontece de maneira simples, ao contrário, passa por filtros complexos que
vão desde a qualidade e a procedência, até a desejos e satisfações pessoais que podem ser realizados
pela posse de um bem. Assim, nesse universo de grandes ofertas, é importante que a comunicação
das marcas e dos produtos seja trabalhada de maneira eficiente, a fim de se destacarem e
despertarem o interesse dos consumidores, como comenta Semprini (2010, p.39):
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho “Comunicação, Consumo, Poder e Discursos Organizacionais”, do 3º
Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2013.
2
Jornalista formada pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), Mestre e Doutoranda no Programa de Pós
Graduação em Comunicação pela mesma instituição. Docente dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda do
UNASP. email: [email protected]
PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Diante de uma hiperescolha desconcertante, o consumidor pode decidir se orientar graças à
clareza do discurso ou à familiaridade de uma marca conhecida. Neste sentido, pode-se dizer
que a multiplicação da oferta torna ainda mais necessária a presença das marcas.
De acordo com Pinho (1996, p.14), a partir da Segunda Guerra Mundial as marcas passaram
a ser compreendidas como parte fundamental do sistema de produção e do desenvolvimento da
economia. Seja por meio do mais simples dos atos, como fazer um cartaz ou estar presente em
catálogos (como listas telefônicas), até as formas mais elaboradas (e caras) como os comerciais de
TV ou os eventos, divulgar uma marca passou a ser tão importante que técnicas específicas foram
desenvolvidas neste segmento. Desde meados do século passado, mais intensamente nas últimas
décadas, observou-se no Brasil uma intensificação e sofisticação no trabalho de comunicação de
marcas. A área da publicidade e propaganda cresceu de maneira veloz, permitindo que as marcas e
seus discursos passassem a fazer parte das práticas comerciais e da vida social.
Muitos slogans, mascotes, garotos propaganda e promoções passaram ser associados aos
momentos da vida social, às histórias familiares e estilos de vida. A frase “não é assim uma
Brastemp” significa muito mais do que comparar eletrodomésticos, passou a caracterizar pessoas,
lugares e situações. Assim como dizer que algo tem “mil e uma utilidades” não está restrito ao
universo das palhas de aço.
Os discursos utilizados pelas empresas para posicionar suas marcas passaram a ser
estruturados de forma profissionalizada, a fim de que a identidade, a imagem e todas as
características positivas da marca (e do produto) fossem evidenciadas e facilmente identificadas
pelo consumidor. A comunicação de marcas, e por que não dizer a própria publicidade, passou a
fazer parte de um conceito maior de comunicação empresarial. As agências de publicidade
passaram a atuar de maneira mais integrada com outros departamentos que cuidam de diferentes
aspectos da comunicação das empresas, sempre com o objetivo de que toda a linha comunicacional
(seus discursos) seja coerente, não importando para qual público ou com qual objetivo se comunica.
No mundo atual, em que tudo é facilmente observável na internet, é imprescindível que a coerência
comunicacional das empresas se faça presente, tanto em um discurso para os consumidores ou para
a comunidade, quanto na comunicação com os funcionários, sob pena da credibilidade da marca e
da empresa ser colocada em descrédito.
A fim de encontrar essa unicidade nos discursos, os profissionais de comunicação buscam
elementos que simbolizem as marcas e que tenham ligação com seus públicos. Dessa forma,
produtos esportivos são divulgados com discursos que remetam à saúde, ao prazer esportivo, ao
2 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). desempenho, ao sucesso. Produtos de beleza apelam para a sedução, carisma, leveza, harmonia. A
área de alimentos trabalha com sabor, aparência, praticidade, seleção de produtos. Enfim, cada área
busca identificar aspectos físicos e simbólicos capazes de permitir o estabelecimento de laços entre
os produtos, as marcas e os consumidores.
Seguindo esse caminho, os discursos publicitários acabam por buscar no cotidiano do
consumidor elementos que despertem sua atenção, afinal quando algo é familiar ao indivíduo é
muito mais fácil de ser compreendido. Sendo assim, o cotidiano passa a ser fonte de ideias e temas e
também passa a ser representado no cenário publicitário a fim de se criar um elo relacional entre
marcas e consumidores.
A Cotidianidade E O Discurso Publicitário
A vida cotidiana é composta por diferentes ações e relações estabelecidas entre os
indivíduos. A posição das pessoas perante os seus grupos sociais, a interação entre esses grupos e
destes com as leis, regras e posturas sociais, além da própria individualidade dos seres, fazem parte
deste universo. Assim, a vida humana é formada por ações simples da vida rotineira, como andar de
ônibus, almoçar, estudar e trabalhar, e também por aspectos mais complexos, como as relações de
poder ou as diferenças culturais.
Sob esse prisma, Heller (2000, p.36-38) considera que a vida humana é composta por dois
campos distintos. O campo do humano genérico que abarca as situações mais profundas, os pontos
de reflexão mais densos sobre a vida social. E o cotidiano que é composto pelas ações simples e
rotineiras que formam o dia a dia. Para a autora, todo indivíduo vivencia essas duas esferas de
maneira complementar, influenciando-se mutuamente, não sendo possível a existência de vida
humana somente em um dos campos.
O fato de se nascer já lançado na cotidianidade continua significando que os homens
assumem como dadas as funções da vida cotidiana e as exercem paralelamente. Os choques
entre particularidade e genericidade não costumam tornar-se conscientes na vida cotidiana;
ambos submetem-se sucessivamente uma à outra do aludido modo, ou seja, “mudamente”.
(HELLER, 2000, p.38)
Complementando esse pensamento, Pereira (2007, p.67) considera que os pequenos atos da
vida cotidiana são os responsáveis pela configuração da vida social geral e que essa composição é o
caminho para que os grupos construam e mantenham suas identidades. O autor analisa que essa
construção de identidades está diretamente relacionada à cultura dos povos e que, apesar de na atual
3 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). sociedade essa elaboração cultural perpassar pelo caminho do consumo - comum a tantos grupos -,
as caraterísticas diferenciadoras entre eles permanece.
A cotidianidade é a qualidade, a adjetivação dos procedimentos da vida cotidiana. Na
sociedade de consumo, a cotidianidade pode se confundir com o bem-estar material,
produção de bens simbólicos, luxo “gaspillage” (desperdício). É preciso, sobretudo, pensar a
cotidianidade em relação ao imaginário social de cada povo: as riquezas estéticas traduzidas
nos ritmos, nas imagens e na fala. Isto é o que faz com que a vida cotidiana não seja igual
para os grupos sociais, mesmo que estes ocupem o mesmo espaço urbano. (PEREIRA, 2007,
p.67)
Assim, é possível compreender que a vida cotidiana é formada por pequenos atos diários
que, em conjunto, criam as identidades dos grupos, e que quando este universo é reconhecido,
compreendido e aplicado por seus pares toma uma proporção identitária capaz de se tornar
referência para diversas práticas sociais, formando a chamada cultura de um grupo.
Esse reconhecimento de códigos, ações e sentimentos é fator determinante para que as
relações sociais sejam estabelecidas e o cotidiano tome forma de vida social. Uma regra, uma lei,
um hábito ou um costume só se tornam parte da vida coletiva quando passam a ser absorvidos e
compreendidos pelos indivíduos. Vale destacar que essa compreensão não significa aceitação, já
que alguns temas, atos ou leis são compreendidos mas podem não ser aceitos ou aplicados por parte
dos indivíduos. É importante observar que a identificação, interpretação e compreensão do
conteúdos sociais é que dão ao indivíduo a possibilidade de pertencer a um grupo. Os discursos
elaborados por um indivíduo ou um grupo podem ser utilizados como elementos de análise das
práticas sociais, pois eles são carregados de simbologias e significados capazes, muitas vezes, de
refletir o modo como esse determinado grupo (ou indivíduo) atua frente às práticas sociais.
Para Pêcheux (2002) todo discurso é carregado de elementos que demandam uma
interpretação que será realizada com base na história, referências e memória daquele que recebe o
discurso. Para ele, as intenções do enunciador (quem fala) podem não ser compreendidas pelo
enunciatário (quem recebe a mensagem) se este desconhecer os códigos que compõem a mensagem.
E é neste ponto que se encontra a questão das disciplinas de interpretação: é porque há o
outro nas sociedades e na história, correspondente a esse outro próprio ao linguajeiro
discursivo, que aí pode haver ligação, identificação ou transferência, isto é, existência de
uma relação abrindo a possibilidade de interpretar. E é porque há essa ligação que as
filiações históricas podem-se organizar em memórias, e as relações sociais em redes de
significantes. (PÊCHEUX, 2002, p. 54)
4 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Para o autor, todo enunciado, e aqui podem ser incluídas as simples conversas do dia a dia,
os discursos políticos e empresariais ou ainda as produções dos meios de comunicação, deve ser
percebido como algo não estático, capaz de ter o seu sentido alterado de acordo com a situação em
que se encontra e, principalmente, devido às características dos envolvidos no processo discursivo.
Para Pêcheux, os enunciados podem tomar formas diferentes daquelas propostas em sua concepção,
de acordo com a interpretação que lhes é aplicada, sendo esse um ponto fundamental para que se
possa estudar os significados das mensagens ou discursos.
[...] todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo,
se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro[....]. Todo enunciado,
toda sequencia de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série (léxicosintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação.
É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso. (PÊCHEUX, 2002, p.53)
Nesse sentido fica claro que um discurso, ou uma mensagem, sempre poderá ter mais de um
sentido, já que a interpretação acontece de acordo com os universos de quem a cria e de quem a
recebe. Assim, quanto mais conhecimento sobre as referências, história e percepções do
enunciatário o enunciador tiver, mais chances da mensagem ser interpretada com os mesmos
sentidos com os quais ela foi criada, minimizando a possibilidade da mensagem receber um
tratamento diferente daquele previsto por seu produtor.
Poder-se-ia resumir esta tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc. mudam de
sentido segundo as posições mantidas pelos que as empregam, o que significa que elas
tomam seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações
ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. (ORLANDI, 2001, p.108)
Com esse paralelo entre o reconhecimento dos pares, e o sentimentos de pertencer a um
grupo social, e as teorias apresentadas sobre a análise de discurso, é possível perceber que o uso de
cenas do cotidiano em diferentes campanhas publicitárias é uma tentativa de facilitar a compreensão
da situação encenada, permitindo que o consumidor entenda com mais facilidade o conteúdo da
mensagem, sendo seduzido por ela, já que esta representa uma situação que faz parte do seu dia a
dia. Neste caso, quem fala (empresa) lança mão de uma situação reconhecível por parte do seu
interlocutor (consumidor), afim de que seja estabelecido um elo capaz de fornecer o entendimento
do discurso proferido (oferecimento de um produto).
Para que qualquer discurso seja interpretável é recomendado que ele esteja presente em uma
contextualização, a fim de que seja facilitado o processo dialógico entre quem fala e quem recebe a
mensagem.
5 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). Uma contribuição importante para que se compreenda a utilização de cenas do cotidiano
como forma de reconhecimento dos discursos publicitários está na análise sobre os gêneros
discursivos de Maingueneau (2004), em que o autor alerta sobre aspectos particulares que
constituem cada um dos tipos de discurso. Uma dessas particularidades se refere à contextualização
que o autor denomina de “cena de enunciação”, composta de três planos: cena englobante, cena
genérica e cenografia.
A cena englobante e a cena genérica “definem o que se pode chamar de quadro cênico do
texto, no interior do qual o texto está pragmaticamente falando, em conformidade.”
(MAINGUENEAU, 2004, p.51). Este seria o contexto do tema central da mensagem. Contudo, o
autor afirma que não é com esse universo que o alocutário (quem recebe a mensagem) é
confrontado e sim com uma contextualização mais próxima de uma narrativa chamada de
cenografia, que se trata do ambiente em que a cena se desenrola. “A cenografia não é simplesmente
um quadro, uma decoração, como se o discurso viesse do interior de um espaço já construído,
independente desse discurso” (MAINGUENEAU, 2004, p.49). A cenografia é parte fundamental
para que se compreenda a mensagem e também faz parte de seu conteúdo, como em um processo
circular.
Desse modo, a cenografia aparece, ao mesmo tempo, como ponto de origem do discurso e
aquilo que o engedra; ela legitima o enunciado que, em contrapartida, deve legitimá-la, deve
estabelecer que esta cenografia da qual vem a fala é precisamente a cenografia requerida para
se enunciar como convém, de acordo com o caso, o político, o filosófico, o científico, para se
promover determinada mercadoria... (MAINGUENEAU, 2004, p.50).
No âmbito da publicidade as cenas do cotidiano são utilizadas como fonte de ideias e
também como cenografia, passando, muitas vezes, a constituir o próprio anúncio, ou seja, a própria
mensagem (ou discurso). Essa presença do cotidiano é entendida nos estudos da área como uma
influência da crônica na linguagem publicitária.
A crônica é um gênero literário que relata fatos cotidianos, cronologicamente, com uma
certa dose de análise, de crítica. Ela costuma apresentar como tema os problemas do modo de vida
urbano, do mundo contemporâneo, dos pequenos acontecimentos do dia-a-dia comuns nas grandes
cidades. A linguagem da crônica, que em geral se aproxima do dia a dia dos leitores, faz com que o
texto publicitário ganhe a empatia do público. Assim, o discurso publicitário se vale dos
acontecimentos triviais do cotidiano para demonstrar seus produtos inseridos em um contexto
(cenografia) em que o consumidor é capaz de reconhecer e interpretar, facilitando assim o
entendimento da mensagem (discurso) proferida.
6 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). O Cotidiano Como Cenografia Dos Comerciais Da Vivo
Para ilustrar essa presença do cotidiano como cenografia nos discursos publicitários, o
presente artigo analisou quatro comerciais de TV da empresa de telefonia VIVO. Em toda linha
criativa da empresa é possível perceber que existe uma narrativa cotidiana, cenas comuns a todo
cidadão, seja no campo familiar, do trabalho ou das relações sociais de maneira mais geral. A
empresa, assim como muitas outras de diferentes segmentos, sempre lança mão de uma cena do dia
a dia para inserir o seu produto, no caso o celular, como um facilitador das relações sociais. Ou seja,
o argumento principal é o de que em qualquer situação da vida o celular pode ser útil para que o
consumidor resolva alguma questão.
Os comerciais analisados foram: “Namorido” e “Enteados”, pertencentes à campanha
“Família Ilimitada VIVO”, criados em 2009, “Pai e Filha”, pertencente à campanha “VIVO
Favoritos”, criado em 2010 e “Saudade do Vovô”, da campanha “VIVO Sempre”, criado em 2011.
A escolha por esses comerciais se deu por serem representativos do estilo de discurso
comunicacional empregado pela empresa e por terem sido criados em momentos diferentes (em três
anos consecutivos), o que reafirma a intenção da empresa em utilizar esse tipo de linguagem com
frequência.
Cada um desses comerciais tem como temática principal as relações familiares. Diferentes
situações, envolvendo as trocas sociais no campo familiar, são apresentadas em cada um deles e o
ponto em comum é que todos os personagens conversam por meio de um celular, apesar dos
diálogos variarem de conteúdo. Em alguns casos (“Namorido” e “Enteados”) o conteúdo é
direcionado para as promoções e serviços da empresa, em outros (“Pai e filha” e “Saudade do
Vovô”) os diálogos são de temas do cotidiano e a promoção ou serviço aparece apenas no final do
comercial.
Nos filmes “Namorido” e “Enteados” os personagens conversam pelo celular questionando
quais pessoas da família poderão fazer parte da promoção “Família Ilimitada” (em que números do
celular de familiares são cadastrados para falar sem limites por um preço fixo). As grandes dúvidas
dos personagens são se o namorado que já mora junto com a filha da família e se todos os enteados
da outra família podem entrar no plano. A empresa introduz essas circunstâncias familiares no
comercial, lançando mão de uma linguagem lúdica e de humor para transmitir sua mensagem.
No comercial “Pai e filha” a situação apresentada é de um pai que, ao se separar de sua
esposa, explica para a filha que não irá mais morar em casa, mas que eles estarão sempre próximos
7 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). pois poderão conversar pelo celular. São apresentadas diferentes situações da vida cotidiana da
criança em que ela interage com o pai por meio do celular. Aqui, a linguagem lúdica permanece, e o
humor e a emoção
dão o tom do discurso publicitário. No final é transmitida a mensagem
promocional do serviço da empresa.
Por fim, no comercial “Saudade do Vovô” um avô liga para seus três netos perguntando se
eles estão com saudade. Os dois primeiros respondem que sim, mas na sequência uma garotinha
responde que não e, assim, avô e neta começam um diálogo bem humorado sobre essa relação de
saudade. Também na parte final é apresentada a promoção da empresa.
Sobre os aspectos estéticos dos filmes é possível afirmar que não existe grande interferência
por parte da direção artística e de fotografia. Para que seja mantida a ligação com o cotidiano, os
figurinos, os cenários e a iluminação são simples e remetem diretamente para a vida comum. A
busca pela representação mais fiel possível da realidade cotidiana fez com que os recursos gráficos
e as linguagens estéticas mais sofisticadas não fossem utilizados na produção dos filmes, já que esse
tipo de complexidade poderia exigir um repertório intelectual e social mais profundo por parte do
receptor para que a mensagem fosse compreendida, algo não desejado pelos produtores dos filmes.
Outro aspecto importante de se observar é a escolha dos enquadramentos. Diferentemente de
outros comerciais já produzidos pela empresa, em que o objetivo era mostrar o tamanho da
cobertura de serviços e para isso eram utilizadas cenas amplas de paisagens nacionais, nos casos
analisados neste artigo o foco está nos diálogos e na representação da vida cotidiana e por isso os
enquadramentos buscam mostrar as expressões e a ambientação dos personagens. Os planos
utilizados não pretendem uma contextualização ampla e sim mais reduzida, a fim de trazer maior
proximidade entre o ambiente familiar proposto na narrativa e os diálogos dos personagens. No
filme “Saudade do Vovô”, por exemplo, são utilizados planos médios e fechados que valorizam o
diálogo entre os personagens e não a sua localização no cenário. Já no filme “Pai e Filha” a
ambientação se faz necessária, mas em um contexto menor. Não é necessário, por exemplo, mostrar
em que lugar da cidade está a lanchonete ou a escola de ballet que a menina se encontra, mas
simplesmente que a personagem está inserida nesses ambientes.
É importante perceber que nos quarto comerciais as cenas familiares apresentadas podem ser
facilmente reconhecidas pelo consumidor. Mesmo que ele não vivencie diretamente essas situações,
ele é capaz de reconhecer o universo, compreender a cena e interpretar a mensagem transmitida. De
acordo com Maingueneau (2004), esse reconhecimento acontece pois ele entende a cena englobante
e a cena genérica, compreendendo que se trata de um texto publicitário com um objetivo
8 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). determinado: vender o produto e reforçar uma imagem positiva da empresa (que se mostra capaz de
entender as necessidade das relações sociais e oferecer uma solução para elas, no caso o celular).
Esse uso do cotidiano como cenografia da mensagem publicitária pode ser considerado
como um dos elementos discursivos do comercial, pois ele funciona não só como contextualização,
mas também como conteúdo. Sem a presença do cotidiano o discurso seria outro, a mensagem
transmitida seria outra e o entendimento também não seria o mesmo.
As cenas cotidianas utilizadas nos comerciais da Vivo podem ser enquadradas no que
Charaudeau (2006) chama de “regulação do cotidiano” no campo das funções do discurso
circulante. Para o autor, o discurso circulante pode ser considerado como a soma de enunciados
sobre os seres, as ações, os acontecimentos e outras situações da vida que tomam uma forma
discursiva, aparecendo por meio de fragmentos textuais como provérbios, ditados ou frases feitas
utilizadas no seio social (CHARAUDEAU, 2006, p. 118). O autor explica que esse discurso
circulante possui três funções. Uma que se refere à instituição do poder e contra poder,
correspondendo à construção do discurso político ou da sociedade cidadã, por exemplo. A função
de regulação do cotidiano que é aquela capaz de estabelecer a ordem social. E a função de
dramatização que aborda as questões da vida humana num âmbito mais profundo e reflexivo.
(CHARAUDEAU, 2006, p. 118 e 119). Neste ponto é possível fazer um paralelo com o pensamento
de Agnes Heller (2000), apresentado no início do artigo, compreendendo que a dramatização pode
ser considerada o elemento discursivo do campo do humano genérico que, de acordo com a autora,
abrange as questões mais densas da vida humana.
Dentro deste pensamento de Charaudeau, os diálogos apresentados no comerciais da Vivo
fazem parte do universo de regulação do cotidiano pois abordam temas relacionados às normas,
regras e posicionamentos sobre situações cotidianas. Em um dos exemplos o pai discorda do fato
da filha não estar casada com o namorado, mas já morando com ele, enquanto a mãe não se
incomoda com a situação, essa dualidade de opiniões é facilmente observável na vida real e sempre
abre espaço para grande debate. Em um outro comercial, apesar de não estar mais morando na
mesma casa que a filha, o pai se mostra preocupado em manter os seus laços afetivos,
demonstrando que a separação não será prejudicial para a vida da criança. Este tema também é
muito comum quando se aborda a nova configuração da vida familiar, com pais separados e até
constituindo novas famílias (vale lembrar que este mesmo universo é abordado no comercial
“Enteados”). Seguindo essa linha é possível perceber que, por meio do humor, é colocado no quarto
comercial um destaque de algo incomum à sinceridade da neta ao dizer que não está com saudades
9 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). do avô (já que para o bem estar social, espera-se que a menina diga que está com saudade). Por
mais triviais que os diálogos dos comerciais possam parecer eles carregam elementos comuns da
vida social, como temas, pensamentos e sugestões das regras e normas que regulam a vida
cotidiana.
O uso de cenas do cotidiano e desse tipo de diálogo não é feito de maneira aleatória e sem
intencionalidade por parte dos produtores dos comerciais. Essa escolha reflete o desejo de que a
mensagem seja entendida com facilidade, para que em seguida o consumidor alvo tome a atitude de
agir (efetuando a compra). Como não é possível controlar a compreensão da recepção sobre uma
mensagem (já que esse processo depende de elementos não dominados pelo produtor, como por
exemplo a história e as referências de vida de quem recebe a mensagem), busca-se trabalhar na
produção do discurso um contexto e um conteúdo de fácil compreensão geral, minimizando os
possíveis ruídos que poderiam significar o não entendimento da mensagem. Sobre essa relação entre
produtores e receptores dos discursos Charaudeau afirma,
A instância de produção e a instância de recepção se acham engajadas num processo de
transação, no qual a primeira instância desempenha um duplo papel de testemunha do mundo
e de interpelador de um público-cidadão, e a segunda, um papel reativo de espelho
deformante, pois o discurso que circula entre os dois depende de imaginários sociais.
(CHARAUDEAU, 2006.p.124)
Esses imaginários sociais a que se refere o autor são utilizados como conteúdo dos
comerciais em uma tentativa (aparentemente bem sucedida) de fortificar o laço relacional entre
enunciador e enunciatário. Assim, o enunciado (no caso o discurso publicitário) passa a ser
compreendido e absorvido sem grandes barreiras, fazendo com que a intenção do produtor seja
alcançada.
Com esta análise é possível concluir que a linguagem empregada nos comerciais da empresa
VIVO facilitam o processo persuasivo de sedução e conquista do seu público-alvo, sendo essa
situação garantida, em grande parte, pelo reconhecimento que o consumidor tem com a narrativa
(no caso cotidiana) ali encenada.
Considerações Finais
A construção dos discursos publicitários sempre é feita com o objetivo de que uma marca,
um produto ou um serviço seja reconhecido e desejado pelo consumidor e que em seguida seja
efetuado o ato da compra. Para isso, os profissionais da área utilizam diferentes recursos, que
variam entre a escolha da mídia em que será veiculado o conteúdo (jornal, revista, televisão, rádio,
10 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). internet ou ainda em eventos) até a linguagem e os aspectos estéticos que comporão a mensagem. A
determinação de quais elementos constituirão os discursos publicitários é feita com base na
mensagem que se deseja transmitir e em quem a receberá (o público-alvo da empresa). As perguntas
“como?” e “para quem” são fundamentais para que qualquer comunicação mercadológica seja
realizada com o sucesso esperado pelos seus produtores.
Essa clara realidade do meio publicitário é encontrada também nas análises dos discursos
sociais. No campo da Análise de Discurso, mais importante do que a estrutura léxica do texto é a
sua intencionalidade e o seu destino. Por essa aproximação de realidades, esse artigo se propôs a
analisar os discursos de comerciais para TV da empresa de telefonia VIVO.
Com base nas teorias apresentadas ao longo do texto foi possível perceber que o universo de
compreensão das mensagens é extremamente importante no campo da Análise de Discurso e que ele
invade tanto o âmbito da produção quanto da recepção. Para que essa compreensão seja alcançada,
os produtores (enunciadores) lançam mão de estratégias discursivas variadas, sendo uma delas a
contextualização do assunto, feita por meio, por exemplo, do uso da cenografia. Nos comerciais
analisados foi possível perceber de maneira clara o uso dessa estratégia discursiva para que a
mensagem publicitária pudesse ser compreendida de maneira fácil pelos consumidores da empresa.
O ponto em comum observado nos quatro comerciais analisados foi a presença de cenas
cotidianas como cenografia discursiva. A empresa utilizou situações da vida comum (no caso
específico de relações familiares) em que o seu produto aparece inserido, permitindo uma
identificação rápida entre a cena criada e a vida real do consumidor.
A representação do cotidiano como contextualização temática dos discursos publicitários é
utilizada pela empresa por ela permitir uma compreensão simples da mensagem transmitida. O
consumidor não tem dificuldades em entender aquelas cenas e percebe facilmente que tudo que está
ali encenado também faz parte da sua vida real. Assim, ele é capaz de compreender rapidamente
que o produto inserido na narrativa publicitária também pode estar inserido na sua vida,
interpretando de maneira clara (e sem muitos ruídos) o discurso da empresa.
A análise realizada neste artigo permitiu observar que nos comerciais da empresa VIVO
todos os aspectos contribuem para que o cotidiano seja percebido e reconhecido pelos
consumidores. A escolha dos temas, a caracterização dos personagens, os diálogos e os
enquadramentos de câmera foram empregados visando uma maior aproximação entre a mensagem
proferida e o seu público. Essas escolhas fazem parte de uma estratégia comunicacional da empresa
que quer se mostrar próxima da vida do seu público-alvo, mostrando para ele que em uma vida
11 PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013). comum, como a dele, o produto divulgado (no caso o celular) deve estar inserido a fim de facilitar
as tarefas e as trocas sociais.
Com o objeto de análise escolhido para a elaboração deste artigo foi possível perceber de
maneira empírica os conceitos de contextualização, cenografia e compreensão propostos por
Maingueneau e Pêcheux e ainda exemplificar o conceito de discurso regulador do cotidiano
apresentado por Charaudeau. Desta forma, fica evidente que os estudos no campo das análises
discursivas podem, e devem, ser realizados em diferentes extratos sociais a fim de serem ampliados
os conhecimentos sobre os discursos proferidos socialmente, proporcionando um maior
entendimento, e por que não uma maior criticidade, das dinâmicas sociais. Ao analisar um discurso
proferido por uma empresa, no campo da comunicação mercadológica, é possível refletir sobre as
influencias que as organizações têm sobre a vida social e vice-versa, aprofundando o conhecimento
acerca dessa relação entre sociedade e o universo corporativo e compreendendo melhor as escolhas
feitas na construção de seus discursos.
Referências
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HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução: Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder. São Paulo:
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