da luz às trevas – um estudo sobre as representações de - PUC-Rio

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Departamento de Letras
DA LUZ ÀS TREVAS – UM ESTUDO SOBRE AS REPRESENTAÇÕES
DE HERMES NA CULTURA GREGA ANTIGA
Aluna: Anne de Araujo Correia da Silva
Orientadora: Isabela Fernandes Soares Leite
Departamento de Letras
Introdução
Na cultura grega antiga, Hermes é um deus ambivalente por natureza. Ele é o único
deus simultaneamente olímpico e ctônico. O deus acumula múltiplas funções, que justificam
os seus inúmeros epítetos. Esta pesquisa pretende analisar as representações de Hermes na
literatura grega arcaica e na iconografia de vasos gregos do período clássico. Trata-se de um
estudo que visa contribuir para o desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado: Um
estudo da Grécia antiga a partir das representações da morte na mitologia e na literatura,
coordenado pela Professora Isabela Fernandes em parceria com os programas de Graduação
em Letras e com financiamento da FAPERJ.
Objetivos
O objetivo central desta pesquisa é analisar a imagem de Hermes na cultura grega,
investigando seus epítetos e sua presença nas representações artísticas e literárias. Pretende-se
discutir a relação entre Hermes e o imaginário mítico da morte na tentativa de explicitar a
significado deste deus que pertence simultaneamente ao Olimpo, à terra e ao Hades.
Metodologia
Esta pesquisa se divide em duas fases. Na primeira fase foi realizado um estudo sobre
os epítetos do deus Hermes e suas representações nos dois poemas de Homero, a Ilíada e a
Odisséia, assim como em fontes iconográficas da cerâmica grega clássica. Nesta segunda fase
da pesquisa, o primeiro objetivo é fotografar e catalogar novas imagens de vasos gregos do
período clássico que relacionem o deus Hermes e a morte. Para tanto, foram selecionados
alguns vasos expostos no British Museum, em Londres. A partir deste trabalho de campo será
realizada uma análise da iconografia deste material, verificando a relação entre o deus Hermes
e o mundo dos mortos na cerâmica do período clássico. Este projeto de pesquisa encontra-se
no início de sua segunda fase. Portanto, neste trabalho serão apresentadas as conclusões
desenvolvidas no final da primeira fase.
Primeiras Considerações
Na primeira fase da pesquisa foram analisados os significados de alguns epítetos de
Hermes tais como eles surgem nas narrativas de Homero e na iconografia de vasos gregos do
período clássico. Estes epítetos cristalizam determinadas funções, tais como: Psychopompós o condutor de almas, cuja função é realizar a passagem da alma desde o túmulo até o reino de
Hades; Pyledókon - o vigia dos portais, cuja função é transpor as fronteiras entre mundos
opostos e diferentes níveis de existência; e Philánthropos1 - o amigo dos homens, epíteto que
não constitui uma função específica, porém permeia todos os demais [5]. A partir da
discussão em torno destes epítetos pudemos concluir que há uma articulação constante entre
eles nas representações de Hermes tanto na literatura quanto na iconografia dos vasos gregos.
1
Psychopompós: psyché (alma) + pompós (condutor); Pyledókon: pylé (porta) + dókon (do verbo dokéuo =
espiar, vigiar, observar) e Philánthropos: philéo (amar) + ánthropos (homem)
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Esta articulação entre os três epítetos fica clara, por exemplo, no canto V da Odisséia.
Este canto descreve como Hermes ajuda Odisseus a sair da ilha da ninfa Calipso, onde o herói
estava preso há sete anos como amante da deusa. Neste episódio vemos que Hermes exerce
sua função de Philánthropos quando é escolhido por Zeus para guiar e proteger Odisseus em
sua jornada de retorno [4]. O deus exerce também sua função de Pyledókon porque ajuda
Odisseus a fugir de uma prisão divina, ou seja, ele permite ao homem transgredir fronteiras
difíceis de serem transpostas. E, por último, a função de Psychopompós subjaz sutilmente à
função de Pyledókon e de Philánthropos neste canto V: pois, embora Odisseus não estivesse
deveras morto, na ilha de Calipso ele permanecia em um estado de morte simbólica,
mergulhado nas trevas, sem vontade própria, sem nome, sem memória e sem poder, como a
alma de um morto [2]. Ao libertá-lo da ilha da ninfa, Hermes metaforicamente traz Odisseus
de volta à vida após uma fase de prisão nas trevas, cumprindo sua função de Psychopompós.
No canto X da Odisséia também se percebe claramente a relação entre as funções de
Hermes. O deus oferece a Odisseus um amuleto para que o herói possa entrar no reino mágico
de Circe sem que a ninfa consiga transformá-lo em animal [4]. Nesta passagem Hermes
exerce de forma exemplar sua função de Philânthropos, pois se percebe o carinho e a amizade
do deus para com os homens. Neste canto Hermes também cumpre a função de Pyledókon,
pois ele permite que Odisseus consiga entrar e sair do palácio de Circe sem ficar preso nas
artimanhas da feiticeira, façanha impossível para um mortal. Graças a Hermes, Odisseus
conserva sua condição humana e preserva sua consciência no reino de encantos da ninfa.
A articulação entre as três funções de Hermes fica muito clara também em alguns
vasos gregos. No Museu Metropolitan, em Nova York, há uma cratera de figuras vermelhas
do período grego clássico que mostra a cena do retorno de Perséfone - tal como é descrita no
Hino Homérico à Demeter [1]. Hermes resgata a deusa do reino de Hades, onde ela estava
presa junto ao marido, e a traz de volta para a vida. Nesta imagem Hermes exerce as três
funções sobrepostas: como Psychopompós, o deus liberta Perséfone da morte e a traz de volta
para a vida; como Pyledókon, o deus ajuda a jovem a transpor as fronteiras entre o mundo dos
vivos e o mundo dos mortos; como Philánthropos, o deus amigo e benevolente ajuda
Perséfone a se encontrar com a mãe e restaurar a fertilidade na terra.
Conclusões
Hermes aparece como uma imagem de consolo para o homem. Sua presença é
apaziguadora. No cenário da vida, Hermes surge como imagem de conforto e consolo quando
ele permite que o herói perdido encontre seu caminho, preserve sua identidade e realize sua
jornada. No cenário da morte, quando leva as almas para o caminho certo, seja garantindo a
sua paz no Hades, seja permitindo o seu retorno à vida. Sendo um deus mediador, que
pertence ao mundo dos vivos e ao mundo dos mortos, Hermes vai apresentar à alma a sua
nova condição de existência. O deus vem assim atenuar o caráter cruel e inexorável da morte
e transformá-la em uma experiência aceitável, mais positiva e pacífica.
Referências Bibliográficas
1. Hinos Homéricos. Tradução, notas e estudos de Edvanda Bonavina da Rosa... [et al.];
Organização de Ribeiro Junior. São Paulo: UNESP, 2010.
2. FLORENZANO, Maria Beatriz. Nascer, Viver e Morrer na Grécia Antiga. São Paulo:
Atual Editora, 1996.
3. HOMERO. A Ilíada. Trad. Fernando Araújo Gomes. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
4. ________. Odisseia. Trad. Fernando Araújo Gomes. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
5. OTTO, Walter. Os Deuses da Grécia. São Paulo: Odysseus, 2005.
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