Artigo original Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão Doping in sport and nandrolone: a review Simone Krause Ferrão1 Cristan Baltezan de Luiz2 Jerri Luiz Ribeiro3,4 Valesca Cardoso Casali4 Marcello Avila Mascarenhas3,4 RESUMO Os hormônios esteróides anabólicos androgênicos (EAA) compreendem a testosterona e seus derivados. Na medicina, os EAA são utilizados geralmente no tratamento do hipogonadismo, câncer e osteoporose. Nos esportes, são utilizados para o aumento da força física e da massa muscular. Os EAA podem causar diversos efeitos colaterais, como psicopatologias, doença coronariana e câncer de fígado. Estudos epidemiológicos apontam a problemática acerca do uso de EAA entre atletas e praticantes de atividades físicas. todavia, no Brasil não existem publicações substanciais sobre esse tema. Esta revisão analisa esse assunto, procurando despertar o interesse para a produção científica de novos trabalhos relacionados ao tema. PALAVRAS- CHAVE Esporte- Nandrolona-Doping -Esteróídes Anabolizantes. Farmacêutica, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Reabilitação em Centro Universitário Metodista-IPA. 2 Educador Físico, Mestrando) do Programa de Pós- Graduação em Biociências e Reabilitação em Centro Universitário Metodista-IPA. 3 Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Inclusão em Centro Universitário Metodista-IPA. 4 Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Reabilitação em Centro Universitário Metodista-IPA. 1 Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 35 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão ABSTRACT Anabolic androgenic steroids (AAS) are hormones that include or are derivatives of testosterone. They are applied as a general rule in the treatment of hypogonadism, liver cancer, and osteoporosis. In relation to sports, they are used to increase strength and muscle mass. AAS can cause several side effects, such as mental disease, liver cancer and coronary disease. Epidemiologic studies shows the use of AAS in Brazil by athletes and fitness enthusiasts. This review intends to deal with this matter widely and aims at stimulating interest in order to provide new publications about this issue. KEYWORDS Sport- Nandrolone- Doping -Anabolic Steroids. 36 Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão Introdução dores, com o objetivo de aumentar a massa muscular, melhorar o desempenho físico e a estética Os Esteróides Anabólicos Androgênicos (EAA) são um grupo de compostos naturais ou sintéticos corporal (Creutzberg, 1999; Cunha et al, 2004; Kanayama, Pope, 2012). formados pela testosterona e seus derivados, cuja Apenas nos EUA, existem mais de 45 produtos indicação terapêutica está associada ao hipogona- contendo EA disponíveis no mercado.. A Food and dismo e a deficiência do metabolismo protéico Drug Administration (FDA) estima que 1 a 3 milhões (Thein et al, 1995; Shahidi, 2001; Kicman, 2008). de pessoas nos EUA usem essas drogas por razões Existem disponíveis no mercado vários tipos de EAA não medicamentosas, alimentando um mercado ne- que desencadeiam efeitos anabólicos e androgêni- gro que, por estimativa, excede os 300 milhões de cos. Há relatos na antiguidade do emprego de ór- dólares por ano. (Pope et al., 1988; Buckley et al., gãos sexuais e as suas secreções como afrodisíaco, 1988; DuRant et al., 1993; Macedo et al, 1998). para o tratamento da impotência e ainda melhora No Brasil, o uso de EA para fins não medicamen- no desempenho esportivo, ingerindo testículos de tosos também parece ser bastante difundido, em- touro para obter melhoras em seus resultados es- bora os dados a respeito de sua prevalência na lite- portivos (Rubinow, Schmidt 1996; Hoberman, Yesa- ratura sejam escassos . Araújo e cols. (2002), em lis 1995). estudo conduzido em 14 academias cadastradas à Durante a II Guerra Mundial foram descritos es- Federação de Culturismo em Goiânia, demonstram tudos descrevendo uma melhora no desempenho uma prevalência de 24% (n= 183) para o uso de atlético de soldados, no tratamento de pacientes EAA e suplementação. Silva e Moreau (2003), ava- terminais com debilidade crônica, depressão e re- liando 3 grandes academias de São Paulo, observa- cuperação de grandes procedimentos cirúrgicos ram que a prevalência de uso atual de EAA foi de (Hoberman, Yesalis 1995; Melchert, Welder 1995; 8% (n= 206). Ghaphery, 1995). O primeiro relato da utilização de Uma pesquisa envolvendo estudantes e profis- EAA com objetivos não terapêuticos ocorreu em sionais de educação física realizada em de Belém do 1954, na Áustria, onde androgênios foram utiliza- Pará mostrou que 31,6% destes já utilizaram ou uti- dos por atletas russos no campeonato mundial de lizam EAA (Abrahin et al, 2013). Uma pesquisa an- levantamento de peso (Hoberman; Yesalis, 1995; terior também envolveram professores e estudantes Hartegens; Kuipers, 2004; Fitch, 2008), difundido- de educação física realizada no rio de janeito encon- -se depois para outras modalidaes esportivas (Han- trou apontou resultado inferior 25,5 % (Palma; As- delsan; Heather, 2008). Porém, altas doses de EAA sis, 2005). podem acarretar vários efeitos colaterais tais como No estado do Rio Grande do Sul (RS), estudo atrofia do tecido testicular, alterações hepatocelu- realizado em 6 academias de Santa Maria mostrou lares, tumores hepáticos e próstata (Johnson, 1985; uma prevalência de 2% em 305 praticantes de mus- Yesalis et al., 1993), alterações no metabolismo li- culação (1998). Conceição e cols. (1999) realizaram pídico (Kuipers, 1991), alterações de humor (Gru- estudo em praticantes de musculação das acade- ber; Pope, 2000) e de comportamento (Bahrke et mias de Porto Alegre, demonstrando que 24,3% dos al., 2000). Um dos EAA mais utilizados no mundo é indivíduos estavam usando EAA. Da Silva e Czepie- o decanoato de nandrolona (KUTSCHER et al, 2002), lewski (2001) demonstram, no seu estudo piloto, que comparativamente à testosterona apresenta que entre 36 atletas competitivos e recreacionais maior ação anabólica e menor atividade androgêni- selecionados em 8 academias de musculação de ca (Wilson, 1998; Silva; Moreau, 2008; Evans, 2004; Porto Alegre, 95% dos seus entrevistados estavam Silva et al., 2007). usando ou já haviam utilizado pelo menos uma vez Estas substâncias vêm despertando a atenção EAA. O objetivo deste artigo foi verificar os riscos e de profissionais da área da saúde devido à sua benefícios do uso da nandrolona no esporte através grande utilização por atletas profissionais e ama- de uma revisão bibliográfica. Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 37 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão Metodologia gados entre si, ciclopentanoperidrofenantreno (Shahidi, 2001). A presente pesquisa foi construída através de uma O decanoato de nandrolona é um dos anabólicos revisão da literatura cientifica, as buscas foram reali- mais utilizados no mundo (KUTSCHER et al, 1972). zadas em além de livros e quatro bases de dados bi- Foi introduzido no mercado em 1962 como uma pre- bliográficos - PubMed, Science Direct, Scoopus e Scie- paração anabólica injetável com ação prolongada de lo, ao finalizar as pesquisas em cada base, as referên- até três semanas após a administração intramuscular cias duplicadas foram excluídas, selecionados artigos em humanos. A fórmula estrutural da nandrolona é escritos em inglês, português ou espanhol, entre 1990 muito similar a da testosterona, diferindo apenas pe- e 2014 com os descritores: esporte, doping, nandro- la substituição de um grupo metila no carbono 10, lona e esteróides anabolizantes no período. conferindo a molécula maior poder anabólico (SHAHIDI, 2001). Esteróides anabolizantes Os esteróides anabolizantes (EA) são um grupo de compostos naturais ou sintéticos formados pela testosterona e seus derivados. Referem-se aos hormônios sexuais masculinos, promotores e mantenedores das características sexuais associadas à masculinidade, desde o desenvolvimento do trato genital, até as manifestações das características secundárias, tais como: crescimento de pelos, crescimento da la- 38 ringe e espessamento das cordas vocais, maior ativa- Figura 1: Adaptado de SHAHIDI (2001) ção das glândulas sebáceas, espessamento da pele e a fertilidade. Os EA também promovem o efeito ana- Indicação terapêutica dos esteróides bólico dos tecidos, que está relacionado a retenção anabolizantes de nitrogênio, ao crescimento de massa muscular. Os esteróides anabólicos incluem a testosterona e seus A indicação mais comum para a terapia androgê- derivados (Thein et al., 1995; Shahidi, 2001; Kunh, nica é o hipogonadismo masculino, onde o trata- 2002; Cunha et al., 2004; Kicman, 2008). mento é capaz de restabelecer os níveis normais de Com o objetivo de diminuir o seu efeito androgê- testosterona plasmática e as suas funções. Além do nico mantendo elevado o efeito anabólico derivados tratamento da disfunção hipogonadal, os androgé- da testosterona vem sendo desenvolvidos Apesar nos foram aplicados na terapia do retardo da puber- dos dois efeitos não terem ainda sido completamen- dade e na promoção do crescimento corporal. Devi- te dissociados, alguns esteróides já apresentam uma do aos seus efeitos benéficos no aumento, manuten- diminuída androgenicidade (Shahidi, 2001). ção e promoção do ganho de massa corpórea. Os EA A atividade anabólica da testosterona e dos seus tem sido empregados no tratamento de queimadu- derivados manifesta-se primariamente na sua ação ras, na recuperação pós operatória, politraumatis- miotrófica, que resulta em ganhos de massa muscu- mos, osteopatologias e outras doenças com perda lar e força. Estes efeitos, em conjunto com os efeitos de massa muscular (Goodman; Gilman, 1990; Evans, que exercem ao nível do sistema nervoso central, co- 2004; Demling, 2005). mo euforia e agressividade, tornaram os esteroides No tratamento de anemia por falência da medu- anabolizantes muito procurados e consumidos por la óssea, mileofibrose ou doença renal crônica, a uti- atletas e praticantes de atividades físicas (Maravelias lização do EA é justificada pelo estímulo da eritro- et al., 2005). Os EA que têm uma estrutura básica de poiese. Neste sentido, estudos clínicos, envolvendo 17 átomos de carbono dispostos em quatro anéis li- pacientes com doença renal crônica têm demonstra- Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão do eficientes resultados na regressão do quadro de do peso corporal) 3x/ por semana, durante cinco se- anemia após a administração de decanoato de nan- manas. A associação destes promoveu ação modula- drolona. (Gauchan et al., 1997; Basaria; Wahlstrom; tória sobre os tipos de fibras. Houve hipertrofia das Dobs, 2001; Cunha et al., 2004; Delev et al, 2013). fibras de contração rápida (tipo II) em comparação Alguns estudos clínicos realizados sobre a reposi- com as fibras de contração lenta (tipo I). Por fim ob- ção androgênica em pacientes com síndrome da imu- servaram que estas variáveis aliadas causaram au- nodeficiência adquirida (SIDA) tem obtido resultados mento da área de secção transversa muscular e alte- benéficos com diferentes tipos de EA. Os pacientes raram o fenótipo das fibras, não houve efeito gradu- tratados com decanoato de nandrolona apresenta- al em doses mais elevadas. ram um aumento significativo de massa magra quando comparado aos pacientes tratados com testoste- Processos e ciclos de periodização rona. (Grispoon et al., 1998; Bhasin et al., 2000; Hen- da nandrolona no esporte gge et al., 2003; Dornas; Nagem; Oliveira, 2006; Gold et al, 2006; Ashby; Goldmeier; Sadegui-Nejad, 2014). Em relação à forma de uso, os esteróides anabó- Embora a indicação do tratamento de EA para licos são administrados em “ciclos” que duram de 4 pacientes com doenças crônicas tem sido frequente- a 12 semanas, que podem envolver várias drogas mente recomendado para atenuar a perda de massa simultaneamente. As doses são gradualmente au- corpórea associada a estas enfermidades, a sua apli- mentadas até a dosagem máxima e após diminuídas cação deve ser criteriosamente avaliada, consideran- progressivamente até o final do tratamento, admi- do a toxicidade e os efeitos adversos atribuidos ao nistradas por via oral e via intramuscular associada- uso dos esteróides androgênicos (Snyder, 1984; Kic- mente, com períodos de abstinência que variam en- man, 2008). tre um mês e um ano (Guimarães Neto, 2003). Se- Os efeitos ergogênicos dos EAA acabaram desper- gundo Silva (2002), as formas com que os esteróides tando o uso não clínico destes medicamentos por atle- anabólicos são utilizados obedecendo, basicamente, tas profissionais e amadores, com o objetivo de au- a três metodologias: a primeira, conhecida como “ci- mentar a massa muscular, melhorar o desempenho clo”, refere-se a qualquer período de utilização de físico e a estetética corporal (CUNHA et al., 2004). tempos em tempos, que varia de quatro a 18 semanas; a segunda é denominada “pirâmide”, começa Uso experimental dos EA com pequenas doses, aumentando-se progressivamente até o ápice e, após atingir esta dosagem má- Os EAA são frequentemente utilizados em com- xima, existe a redução regressiva até o final do perí- binação com programas de treinamento e ingestão odo; e a terceira, conhecida como “stacking” (uso de proteínas, a fim de melhorar o desempenho em alternado de esteróides de acordo com a toxicidade), esportes que demandam força e velocidade6 (Yersa- refere se à utilização de vários esteróides ao mesmo lis CE, Bahrke MS 1995; Cunha et al., 2004) Araldi et tempo, orais e injetáveis. Há também entre os atletas al., 2013). o hábito comum de utilizar a mistura dos três méto- Verlengia et al (2013), avaliou a influência de di- dos descritos acima. Os EAA são administrados, ge- ferentes doses de decanoato de nandrolona associa- ralmente, em doses suprafisiológicas que poderão do ao Treinamento de Força sobre o fenótipo de fi- chegar a até 500mg por dia consumidas por varias bras e área de secção transversa do músculo extensor semanas ou meses (Santos, 2002; Silva et al., 2002). longo dos dedos em ratos “Wistar”. As amostras foram divididos em 7 grupos: controle e grupos de Efeitos colaterais do uso de EA acordo com a concentração de nandrolona (0,1, 1, 2, 5, 10 e 20 mg/kg) administrada de forma intra- A nandrolona, assim como os demais esteróides muscular 3 vezes/semana. O Treinamento de Força anabolizantes pode causar diversos efeitos colaterais consistiu de saltos em meio líquido (carga 50-70% que variam de reações psicológicas como alterações Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 39 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão de humor, euforia, agressividade e irritabilidade (Hall ca. Através dessas evidencias, em 1990, o Congresso et al, 2005), mudanças físicas como ginecomastia em dos EUA aprovou lei que torna essas drogas medica- homens ou hirsutismo em mulheres (Santos, 2003). mentos de uso controlado, ou seja, estas exigem re- Pode-se observar também danos no tecido hepá- ceita especial, controlada pelo governo, para sua tico com o aumento da atividade das enzimas o au- obtenção (Brower, 1993). mento dos níveis das enzimas hepáticas aspartato No Brasil a venda de anabolizantes é controlada aminotransferase (ASP), alanina aminotransferase desde 2000 pela Lei 9965 sancionada pelo presiden- (ALT) e lactato desidrogenase (LDH), podendo levar te Fernando Henrique Cardoso e regulada pela por- a distúrbios como peliose hepática, hepatocelularhi- taria 344/98. A lei 9965 restringe a venda de anabo- perplasia e adenoma hepatocelular (Saborido et lizantes a apresentação e retenção de receita pela al.,1993; Shahidi, 2001, Frankelfeld et al., 2014). En- farmácia ou drogaria, da cópia da receita emitida por tretanto um estudo de Oubel e colaboradores (2012) médico ou dentista devidamente registrados nos res- sobre o efeito da administração de decanoato de pectivos conselhos profissionais (BRASIL, 2000) e a nandrolona sobre os parâmetros físicos e biológicos Portaria nº 344/98 aprova o Regulamento Técnico em ratos wistar, verificou que o uso sub-crônico de sobre substâncias e medicamentos sujeitos a contro- Decanoato de Nandrolona, quando administrado em le especial (BRASIL, 1988). doses terapêutica, intermediária e supra-terapêutica não apresenta sinais de hepatotoxicidade do ponto EA e o doping de vista bioquímico. 40 No coração, as altas doses de EA aumentam o Para o Comitê Olímpico Internacional (COI), do- risco de doenças cardiovasculares, possivelmente de- ping é definido como “o uso de qualquer substância vido a aumento do colesterol total e lipoproteínas endógena ou exógena em quantidades ou vias anor- baixa densidade (LDL) e a diminuição dos níveis de mais com a intenção de aumentar o desempenho do lipoproteínas de alta densidade (HDL) levando ao au- atleta em uma competição” (COI, 2001). Segundo o mento da pressão arterial, trombose, enfarte do mio- mesmo órgão, o combate ao doping se fundamenta cárdio e insuficiência cardíaca (Sulivan et al. 1998). nos seguintes princípios: proteção à saúde dos atle- Em uma pesquisa experimental o decanoato de na- tas, defesa da ética médica e do esporte e chances drolona por quatro semanas consecutivas induziu de iguais para todos os competidores (Castilho; Nasci- forma significativa hipertrofia cardíaca e renal porém mento, 2003; Vaz, 2005). A Agência Mundial Anti- sem a alteração da pressão arterial (Graceli, 2010). doping (AMA) e a World Antidoping Agency (WADA) Araldi e colaboradores (2013) verificaram a clastogenicidade e genotoxicidade do decanoato de são as agências responsáveis pela detecção de doping em competições desportivas. nandrolona mediante o teste de micronúcleos em O primeiro registro histórico da utilização de EA eritrócitos e verificaram o efeito mutagênico quando com objetivos não terapêuticos datam de 1954, on- utilizado em doses de 7,5mg/g. Sua utilização, em de androgênios foram utilizados por atletas russos altas doses, não é recomendada como recurso ergo- no Campeonato Mundial de Levantamento de peso génico, pois podem promover danos ao DNA, poden- realizado na Austria, difundindo-se por atletas de eli- do ocasionar o desenvolvimento de neoplasias hepá- te na década de 60. (Hoberman; Yesalis, 1995; Hart- ticas e hematológicas. gens; Kuipers, 2004; Fitch, 2008). O Comitê Internacional de Jogos Olímpicos reconheceu o problemas Legislação vigente sobre o uso de doping esportivo em 1967, quando anunciou a de anabolizantes sua primeira lista de drogas proibidas, após mortes de ciclistas competitivos pelo uso abusivo de estimu- Considerando os possíveis efeitos colaterais (psi- lantes, sendo que o uso de andrógenos foi proibido quiátricos ou não), esses dados mostram que o uso apenas em 1974. (HOBERMAN; YESALIS, 1995; HAR- de EAA pode se tornar um problema de saúde públi- TGENS; KUIPERS, 2004). Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão De acordo com a legislação do COI, a lista de sível de triagens (Pereira et al., 2010). Todas as amos- substâncias proibidas contém as seguintes classes tras suspeitas encontradas são confirmadas a partir farmacológicas: estimulantes, narcótico-analgési- da reanálise da urina, usando uma nova fração da cos, diuréticos, canabinóides, beta-2 agonistas e mesma, por um método altamente específico e sen- agentes anabolizantes (WADA, 2011). sível de identificação são regulamentados pela AMA através de documentos técnicos, a fim de harmoni- Métodos antidoping zar os procedimentos entre os trinta e cinco laboratórios de controle de dopagem acreditados no mun- O controle de dopagem é realizado empregando do atualmente, gerando resultados defensáveis (Pe- métodos padrões validados em laboratórios do COI reira et al., 2010). Durante o processo de análise, (AQUINO NETO et al., 2002). As matrizes biológicas amostras controle são usadas contendo proposita- utilizadas para estas análises são sangue e urina. As damente a substância de dopagem que se quer ana- amostras podem ser solicitadas em todo término de lisar para fins de comparação, bem como amostras prova ou durante toda e qualquer hora da vida ativa de urinas sem contaminação. Todas as amostras em campeonatos e competições do atleta (WADA, (amostra suspeita e controles) devem ser preparadas 2009). A análise em competição pesquisa todas as ao mesmo momento. substâncias e métodos proibidos e os controles fora Normalmente, busca-se analisar a droga de do- de competição compreendem apenas a pesquisa de pagem, ou droga mãe, podendo ser analisados um anabolizantes, diuréticos e hormônios peptídicos, ou dois metabólitos, dependendo das características além dos métodos proibidos. Em seus controles fora da transformação da droga no organismo,. No caso de competição, o Comitê Olimpico Brasileiro (COB) da nadrolona, por exemplo, é pesquisado a presença inclui a benzoilecgonina (cocaína) e o tetrahidrocan- de norandrostenodiol e norandrostenodiona, além nabinol (THC) devido à freqüência relativa de seu uso da nandrolona (Aquino Nneto et al., 2002; Pereira no esporte e a importância da imagem dos atletas et al., 2010). No teste anti-doping para a detecção para a coletividade (De Rose et al, 2004). de nandrolona no organismo é observado o produto Os principais métodos para a detecção de dopa- do metabolismo da nandrolona, a 19-norandroste- gem são a cromatografia gasosa acoplada ao espec- rona, a qual é excretada na urina. O Comitê Olímpico trômetro de massas (GC-MS), cromatografia líquida Internacional considera normais os níveis abaixo de acoplada ao aspectrômetro de massas (LC-UV), e o 2 ng/ml de urina (MAY, 2000) analisador de imunoensaio, por seu fácil No caso de resultado positivo, a corte judicial po- manuseio,praticidade das análises e reprodutibilida- de requerer informações adicionais sobre o padrão de, sendo atualmente os mais utilizados em análises de uso dessas substâncias, como aconteceu durante laboratoriais de dopagem por esteróides. (Aquino o “tour” da França, onde o cabelo foi coletado jun- Neto, 2001; Castilho; Nascimento, 2003: Deventer; tamente com outras matrizes alternativas. (AQUINO Delbeke, 2003). NETO et al., 2002). Wu (1999), em um estudo em- A análise das substâncias banidas pela AMA é pregando diferentes procedimentos analíticos, com- dividida em duas categorias,a análise por triagem e provou que é possível detectar no cabelo, nandrolo- a de confirmação. O objetivo da triagem é apontar na de dois a seis meses após a administração de 50 amostras suspeitas para análise posterior. Um méto- mg de decanoato de nandrolona. do de triagem ideal deve ser simples, rápido, seletivo, sensível e gastar o menor volume possível de urina. Considerações finais Em função do grande número de substâncias banidas, métodos de triagem multi-resíduos, ou seja, mé- Os EAA são drogas de uso exclusivo na medicina todos capazes de detectar várias drogas ao mesmo para o tratamento de diferentes tipos de patologias, tempo, são desenvolvidos com o objetivo de englo- causando melhoria das condições da saúde do pa- bar todas as substâncias em um menor número pos- ciente, quando administrados corretamente. As puCiência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 41 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão blicações referentes ao uso de EAA nos esportes cau- tenção, pela farmácia ou drogaria, da cópia carbo- sam resultados, na maioria das vezes, benéficos do nada da receita emitida pelo profissional da saúde desempenho, como a hipertrofia muscular e o au- devidamente registrado em seu Conselho, desde mento da força física. 1990 segundo a lei 9965 (Brasil, 1990). E a produção, No entanto, o uso destas substâncias em doses comércio e manipulação reguladas pelas autoridades elevadas provocando muitas vezes danos irreversí- sanitárias do Ministérios da Saúde, da Fazenda, da veis à saúde física e mental. Há vários anos, os EAA Justiça e seus congêneres nos Estados, municípios e vem sendo utilizados indiscriminadamente por atle- Distrito Federal, de acordo com a Portaria 344/98 tas e praticantes de atividade física para prática es- (Brasil, 1998). No entanto, mesmo com este meca- portiva recreativa (Silva et al., 2002). nismo de fiscalização, alguns EAA acabam sendo ad- No Brasil, a dispensação e venda de medicamen- quiridos no comércio e em academias. tos do grupo de esteróides e peptídeos anabolizantes Dessa forma, fazem-se necessárias campanhas de uso humano estão restritas à apresentação e re- educacionais que alertem sobre os efeitos colaterais do uso de anabolizantes 42 Ciência em Movimento | Ano XVI | Nº 33 | 2014/2 Doping no esporte e a nandrolona: uma revisão Referências ABRAHIN, O.S.C.; SOUZA, E.C. Esteroides anabolizantes androgênicos e seus efeitos colaterais: uma revisão crítico-científica. Revista de Educação Física, v.12, n.4, 2013. CASTILHO, E. G.; NASCIMENTO, E. S. Aspectos analíticos do controle da dopagem de agentes anabolizantes em urina de atletas: avaliação de critérios de positividade. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 39, n. 1, p. 41-53, 2003. AQUINO NETO, F.R.D. 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