A RELAÇÃO ENTRE HABILIDADES SOCIAIS E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM relationship between social skills deficits and learning disabilities Lívia Fernanda de Oliveira* Jurany Leite Rueda** RESUMO Habilidades sociais são reconhecidas como fatores de proteção no curso do desenvolvimento humano. Estudos nessa área sugerem uma relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, apesar de haver contradições quanto à natureza e funcionalidade dessa relação. Este artigo pretende fazer uma descrição de alguns estudos que indicaram a relação entre déficits em habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem. Palavras-chave: Desempenho social; habilidades sociais; déficits; dificuldades de aprendizagem. ABSTRACT Social skills are recognized as a protective factor in the course of human development. Studies in this area suggest a relationship between social skills and learning difficulties, although there are contradictions as to the nature and functionality of this relationship. This article aims to provide a description of some studies that indicate the relationship between social skills deficits and learning disabilities. Keywords: Social performance; social skills; deficits; learning difficulties. *Professora de Educação Básica, graduada em pedagogia, com especialização em Educação Especial e graduanda em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Santa Catarina. [email protected] ** Professora de Educação Básica, graduada em Pedagogia, com especialização em Educação Especial e mestranda em Educação pela UFSCAR/campus Sorocaba. [email protected] DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. Introdução O homem, como um ser social, depende de interações para seu pleno desenvolvimento e, desde os primeiros dias de sua existência, procura formas de interagir com outros. Desde muito cedo, procura seus pares para brincar, conversar, fazer amizade e, através destas, aprende as noções básicas de socialização. Segundo Del Prette e Del Prette (2005), a socialização é uma das mais importantes tarefas do desenvolvimento da criança e é caracterizada pela ampliação e refinamento dos comportamentos sociais e pela compreensão gradual dos valores e normas, fundamentais para o funcionamento da vida em sociedade. Durante os primeiros anos de vida, o indivíduo vivencia uma sequência de experiências em seu ambiente, que podem favorecer comportamentos pró ou antissociais. Diante dessa perspectiva, o campo teórico-prático denominado Treinamento de Habilidades Sociais (THS) tem demonstrado a importância de um repertório elaborado de habilidades sociais nos mais diversos contextos de vida, inclusive o escolar (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1996; 1999). Destaca-se, portanto, a importância da aprendizagem de habilidades sociais para o desenvolvimento social, emocional e acadêmico da criança. Este artigo tem por objetivo analisar a literatura sobre habilidades sociais e dificuldade de aprendizagem, não na forma de revisão sistemática e exaustiva acerca do assunto, mas buscando clarificar a relação estreita entre essas duas variáveis a fim de possibilitar futuras discussões e encaminhamentos de pesquisa e intervenção. O campo teórico-prático do THS Para compreender essa área de investigação e intervenção, três conceitos são Página 36 fundamentais: desempenho social, habilidades sociais e competência social, definidos por Del Prette e Del Prette da seguinte forma: EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48 Desempenho Social refere-se à emissão de um comportamento ou sequência de comportamentos em uma situação social qualquer; Habilidades Sociais refere-se à existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais; Competência Social tem sentido avaliativo que remete aos efeitos do desempenho social nas situações vividas pelo indivíduo, [...] qualifica a proficiência desse desempenho e implica a capacidade do indivíduo de organizar pensamentos, sentimentos e ações em função de seus objetivos e valores, articulando-os às demandas imediatas e mediadas do ambiente. (DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2008, p. 31) A capacidade de discernir corretamente os comportamentos sociais (habilidades sociais) exigidos em uma demanda social é uma condição para a competência social de um indivíduo. Del Prette e Del Prette (2007) elucidam competência social como a capacidade de um indivíduo estabelecer pensamentos, sentimentos e ações a partir de objetivos pessoais e de exigências situacionais e culturais, ocasionando resultados positivos para o indivíduo e para sua interação com os demais. Os resultados positivos para si e para os outros podem ser evidenciados pelo alcance dos objetivos da interação social, manutenção ou melhoria de sua interação com o outro, manutenção da autoestima e manutenção ou ampliação dos direitos humanos socialmente reconhecidos. Desta forma, a aprendizagem da competência social está diretamente relacionada com a aprendizagem das habilidades sociais, mas também com as oportunidades que um indivíduo tem, durante toda a vida, para participar efetivamente de diferentes contextos de interação, melhorando assim seu desempenho diante das diferentes situações sociais (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001). Ainda sobre a definição dos termos, Elliott e Gresham explicam que: “Habilidades Sociais são comportamentos aprendidos e socialmente aceitáveis que permitem ao individuo interagir efetivamente com outros e evitar ou fugir de comportamentos não aceitáveis que resultem em interações sociais negativas.” (2002, p. 91) As habilidades sociais são aprendidas de maneira não sistemática e sistemática, nas relações interpessoais. No primeiro caso, os pais, os amigos, o cônjuge, os colegas EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página habilidades sociais. No segundo caso, elas podem ser aprendidas por meio de 37 de trabalho e a mídia em geral são importantes agentes educativos no ensino de DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. Programas de Treinamento de Habilidades Sociais, tanto terapêuticos quanto preventivos. Portanto, as habilidades sociais têm sido consideradas, nesse campo de estudo, um fator que contribui para a prevenção de comportamentos problemáticos (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005). Em antítese, déficits em habilidades de comunicação e de interação social com colegas da mesma idade e adultos têm sido constatados em crianças de comportamento problemático, principalmente as que possuem uma conduta coercitiva, o que pode levar a uma rejeição pelo grupo, resultando em um risco de desenvolvimento futuro de relacionamentos interpessoais pobres (MARINHO, 2003). Del Prette e Del Prette (2009) propuseram a classificação das habilidades sociais em sete classes como relevantes na infância, entendidas como prioritárias para o desenvolvimento interpessoal: (1) Autocontrole e expressividade emocional: Reconhecer e nomear as emoções próprias e dos outros; controlar a ansiedade; falar sobre emoções e sentimentos; controlar o humor; tolerar frustrações; mostrar espírito esportivo; expressar as emoções positivas e negativas. (2) Civilidade: Cumprimentar pessoas; despedir-se; usar locuções como “por favor”, “obrigado”, “desculpe”, “com licença”; aguardar a vez para falar; fazer e aceitar elogios; seguir regras ou instruções; fazer perguntas; responder perguntas; chamar o outro pelo nome. (3) Empatia: Observar; prestar atenção; ouvir e demonstrar interesse pelo outro; reconhecer/inferir sentimentos do interlocutor; compreender a situação (assumir perspectiva); demonstrar respeito às diferenças; expressar compreensão pelo sentimento ou experiência do outro; oferecer ajuda; compartilhar. (4) Assertividade: Expressar sentimentos negativos (raiva e desagrado); falar sobre as próprias qualidades ou defeitos; concordar ou discordar de opiniões; fazer e recusar pedidos; lidar com críticas e zombarias; pedir mudança de comportamento; negociar interesses conflitantes; defender os próprios direitos; resistir à pressão de colegas. (5) Fazer amizades: Fazer perguntas pessoais; responder perguntas, oferecendo Página 38 informação livre (autorrevelação); aproveitar as informações livres oferecidas pelo interlocutor; sugerir atividade; cumprimentar; apresentar-se; elogiar; aceitar elogios; EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48 oferecer ajuda; cooperar; iniciar e manter conversação (“enturmar-se”); identificar e usar jargões apropriados. (6) Solução de problemas interpessoais: Acalmar-se diante de uma situação-problema; pensar antes de tomar decisões; reconhecer e nomear diferentes tipos de problema; identificar e avaliar possíveis alternativas de solução; escolher, implementar e avaliar uma alternativa; avaliar o processo de tomada de decisão. (7) Habilidades sociais acadêmicas: Seguir regras ou instruções orais; observar; prestar atenção; ignorar interrupções dos colegas; imitar comportamentos socialmente competentes; aguardar a vez para falar; fazer e responder perguntas; oferecer, solicitar e agradecer ajuda; buscar aprovação por desempenho realizado; elogiar e agradecer elogios; reconhecer a qualidade do desempenho do outro; atender pedidos; cooperar e participar de discussões. As Habilidades Sociais no contexto escolar Há uma relação existente entre aprendizagem e desenvolvimento, no aspecto social e emocional. Entretanto, o ato de aprender, bem como o fenômeno da aprendizagem em si, pode ter uma relação estreita com a presença, ausência ou desenvolvimento de habilidades sociais específicas. Caldarella e Merrell (1997) afirmam que as crianças que apresentam comportamentos sociais apropriados reúnem um conjunto de habilidades sociais importantes para a definição do sucesso das interações sociais em idade escolar tais como oferecer ajuda, cumprimentar, expressar sentimentos, cooperar, participar, elogiar, criticar positivamente, etc. Na prática social, esses déficits podem levar a criança ao não reconhecimento das demandas dos ambientes e ao desconhecimento das normas e padrões socialmente aceitáveis ou valorizados. Nesse contexto, pode dificultar: a identificação dos objetos relevantes para uma interação (exemplo: desconhecendo o sentido de diversão e camaradagem que os colegas atribuem a um jogo, a criança o vê somente como oportunidade de vencer); a seleção de estratégias apropriadas para alcançar os objetivos EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página uma regra de solicitar); o ajuste do comportamento às mudanças do contexto (exemplo: 39 de uma interação (exemplo: tomar à força um brinquedo quando o grupo já estabeleceu DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. fazer brincadeira de mau gosto com um colega que acaba de receber uma notícia desagradável). As dificuldades para compreender essas demandas podem estar associadas a padrões perfeccionistas de desempenho, autoavaliações distorcidas, baixa autoestima, expectativas, crenças e autorregras disfuncionais podendo levar os educandos a desenvolverem problemas de comportamento, restrições de oportunidades e modelos e ao excesso de ansiedade interpessoal. A qualidade da relação da criança com os colegas, enquanto uma das condições para sua aprendizagem social e acadêmica, pode ser em grande parte mediada pelo professor. Um relacionamento satisfatório entre professor e aluno é fundamental para aumentar a probabilidade de o professor alcançar não só os objetivos acadêmicos, mas também para promover a competência social das crianças. As crianças podem apresentar dificuldades nas relações interpessoais dependendo da frequência, proficiência e importância das habilidades sociais, permitindo inferir três tipos de déficits: de aquisição, de desempenho e de fluência (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005). É importante ressaltar que as habilidades sociais não têm apenas relação com o processo de aprender, mas também com o de ensinar. Segundo Del Prette e Del Prette (2008), habilidades sociais educativas (HSE) referem-se às classes de habilidades sociais intencionalmente direcionadas para promover o desenvolvimento e a aprendizagem do outro, seja em uma situação formal ou informal. Os mesmos autores denominaram habilidades sociais educativas como “aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou informal de ensino” (p. 95). Essas habilidades devem estar presentes nas interações entre educador (seja ele mãe, pai, professora ou agentes sociais) e o educando (filho ou aluno) e conferem, em relação a quaisquer respostas a serem modeladas, melhores resultados educativos, tanto no planejamento quanto na condução das ações adotadas. De forma mais específica, descrevem tais habilidades em quatro classes: 1) Estabelecer contextos interativos potencialmente educativos: o conjunto de ações que descrevem essa classe enfatiza que o educador tem a responsabilidade de Página 40 gerenciar o ambiente físico, materiais educativos e as relações entre os alunos, sugerindo ações que possam ser mediadas por ele, para que alcancem objetivos prévios EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48 determinados pelo professor. Por exemplo: quando o professor do ensino regular recebe em sua sala de aula um aluno com necessidades educacionais especiais ele pode, de acordo com a idade e nível dos educandos, planejar e envolver todos os alunos, buscando a melhor forma de atendê-los, bem como procurando informações e estimulando os alunos a buscá-las. Assim, incentiva e estabelece, através de atividades em duplas e em grupo, interações sociais habilidosas para todos os integrantes da sala de aula. 2) Transmitir ou expor conteúdos sobre habilidades sociais: com essa classe, os autores descrevem ações do educador mediadas (ou não) por recursos visuais e auditivos que visam a apresentar conteúdos de habilidades sociais. Dentre os comportamentos que estão previstos para essa classe, estão os de sondar e desafiar a participação do aluno durante uma atividade; estar atento às colocações dos mesmos sobre conteúdos acadêmicos e de situações sociais, com a finalidade de organizá-los; motivar o aluno a se expor em aula, apresentando objetivos para as atividades, dicas e modelos de como se comportar e instruções verbais sobre conteúdos sociais e acadêmicos. 3) Estabelecer limites e disciplina: para essa classe, são descritas ações verbais e/ou não verbais do educador que designa, justifica, sugere e negocia regras, normas ou valores. Sabe-se que o educador, conseguindo se comportar dessa maneira, consegue maior domínio sobre a sala e uma interação que incentive o aluno a se habituar à socialização. 4) Monitorar positivamente: a proposta dos autores com essa classe é apresentar um conjunto de ações verbais e/ou não verbais dos educadores envolvidos em monitorar de maneira educativa o comportamento diretamente observável ou o comportamento relatado pelo educando. Os autores sugerem que o educador deve apresentar consequências reforçadoras para comportamentos sociais desejáveis imediatamente observáveis. Outro comportamento importante envolve estabelecer condições de maior acesso a comportamentos do educando (passados ou futuros), reunindo informações e/ou consequenciando relatos. Dentre as HSE, pode-se destacar: a criatividade para idealizar condições EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página do desempenho do educando; a observação; a análise dos progressos obtidos; o 41 diversas de atividades educativas; a flexibilidade de mudar as próprias ações em função DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. encorajamento para tentar obter a solução de problemas e a capacidade de apresentar novos desafios. Ainda no contexto da educação, é importante lembrar que o fracasso escolar é um fenômeno recorrente na história educacional brasileira. Nesse assunto as dificuldades escolares constituem um dos efeitos e um agravante da baixa competência social. Por sua vez, esta dificulta o rendimento escolar e contribui para o isolamento social da criança na escola. Por isso, alguns programas de treinamento introduzem, de modo didático, os fundamentos da análise do comportamento aplicada, instruindo os pais a motivarem os filhos a se comportarem bem e supervisionando-os na aplicação de técnicas de incentivo, de atenção ao bom desempenho e de retirada de atenção quando a criança não se comporta da maneira combinada. Dificuldades de aprendizagem O campo de estudos sobre dificuldades de aprendizagem iniciou-se através do empenho de um grupo de pais que procuravam soluções para a dificuldade na aprendizagem da leitura de seus filhos que, então, decidiram se reunir com profissionais que pudessem ajudá-los. Isso aconteceu no ano de 1963, na cidade de Chicago. Dentre os profissionais, estava o psicólogo Samuel Kirk, que trabalhava com crianças com atraso mental, dificuldades da linguagem e de leitura. Foi nessa ocasião que ele propôs que esses inexplicáveis obstáculos observados na aprendizagem da leitura poderiam ser chamados de “Distúrbios de Aprendizagem” (DA) ou, na expressão original, Learning Disabilities (LD), propondo o modelo Test Illinios de Aptitudes Psicolinguísticas (ITPA) para avaliação e intervenção consequente e que serve de justificação teórica para a identidade do campo recém-criado. Segundo o National Joint Committee for Learning Disabilities (NJCLD) a expressão Página 42 “distúrbio de aprendizagem” pode ser definida como: [...] um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Esses transtornos são intrínsecos ao indivíduo e presume-se que sejam devido à disfunção do sistema nervoso central. Apesar de que uma dificuldade de aprendizagem pode ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes (por exemplo, deficiência sensorial, retardo mental, distúrbio social e emocional) ou influências ambientais (por EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48 exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fatores psicogênicos), não é o resultado direto dessas condições ou influências (NJCLD, 1981; 1985 apud GARCIA, 1998, p. 34). O Individuals with Disabilities Education Act (Lei de Educação das Pessoas Portadoras de Deficiência), define distúrbios de aprendizagem da seguinte forma: [...] (um) transtorno em um ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou na utilização de linguagem falada ou escrita, que pode manifestar-se em uma habilidade imperfeita para ouvir, pensar, falar, ler, escrever, soletrar, ou fazer cálculos matemáticos [...]. Dificuldades de Aprendizagem incluem condições como deficiências perceptivas, lesão cerebral, disfunção cerebral mínima, dislexia e afasia de desenvolvimento. Há ainda a definição de dificuldade de aprendizagem como uma constante gradação de performance escolar que agrega todos os determinantes orgânicos e relativos ao contexto, os quais influenciam o rendimento escolar interativamente (Feitosa; Del Prette; Matos, 2006). Nessa definição há uma perspectiva mais holística, mais abrangente das dificuldades de aprendizagem, incluindo problemas no sistema educacional, características próprias do indivíduo e demais possíveis influências advindas do ambiente. Essa abordagem rechaça o ponto de vista meramente biológico. Del Prette e Del Prette (1999; 2001; 2003) indicam que, independentemente de se caracterizar dificuldades de aprendizagem como distúrbio ou como dificuldade, há uma associação com déficits de habilidades sociais, e expõem duas possíveis explicações para a associação entre déficits de habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: 1) déficits no repertório de habilidades sociais levariam a dificuldades de aprendizagem porque prejudicariam a qualidade da relação com colegas de classe e professores, reduzindo o acesso à informação e à construção social de conhecimentos; 2) dificuldades de aprendizagem e/ou baixa competência social gerariam percepções e emoções negativas no aluno que, por sua vez, afetariam a motivação para o envolvimento na tarefa e funções cognitivas importantes para a apreensão dos conteúdos e a construção social de conhecimentos. Del Prette e Del Prette (2003) ressaltaram que, apesar das causas atribuídas aos distúrbios e dificuldades de aprendizagem, ambos retratam problemas típicos da escolarização inicial em leitura, escrita e matemática; incluem, entre os fatores EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página exclusivamente biológicas nos distúrbios ou essencialmente psicossociais no caso das 43 determinantes, aspectos do processamento cognitivo, sejam decorrentes de causas DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. dificuldades; e ambos possuem indicadores bastante semelhantes em habilidades sociais, ou seja, estão associados a um baixo repertório de habilidades sociais. Ao encontro disso, estes autores afirmam também que as habilidades sociais estão diretamente associadas ao bom rendimento acadêmico. Igualmente, os mesmos autores apontam que os déficits em habilidades sociais estão relacionados ao baixo rendimento acadêmico, configurado como dificuldades de aprendizagem. Feitosa (2003) identificou que, na avaliação dos professores, as crianças com dificuldades de aprendizagem tendem a apresentar déficits em diferentes habilidades sociais requeridas na interação com colegas, como, por exemplo, saber como abordar um grupo formado, pedir desculpas, interceder em conflitos e propor brincadeiras. Lopes (2009) aborda que dificuldade de aprendizagem é uma das principais maneiras pelas quais o fracasso escolar é evidenciado. Efeitos negativos no âmbito pessoal e mais amplo, na esfera social, poderiam ser evitados caso fosse dada uma atenção especial ao problema da dificuldade de aprendizagem e planejadas estratégias, intervenções e recursos que pudessem auxiliar os que sofrem em função desse problema. Dessa forma, para Del Prette e Molina (2006), é razoável conjeturar a existência de relações entre dificuldades de aprendizagem e déficits em habilidades sociais, já que a aprendizagem é um processo de construção social do conhecimento que ocorre na interação do sujeito com seu meio. Numa pesquisa realizada com 16 estudantes com dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita, sendo seis meninas e dez meninos entre sete e treze anos, os quais receberam um THS (Treinamento de Habilidades Sociais), Molina (2006) constatou que os ganhos no repertório social desses alunos foram acompanhados de ganhos acadêmicos também. Apesar do pequeno número de participantes, a autora defende que os resultados favorecem a ideia da relação funcional existente entre habilidades sociais e desempenho acadêmico. Semelhantemente, a pesquisa de Bandeira, Rocha, Pires, Del Prette e Del Prette (2006) avaliou características da competência acadêmica em sua relação com o repertório de habilidades sociais e com variáveis sociodemográficas de uma amostra de Página 44 257 crianças de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Foi aplicada a escala SSRS (Social Skills Rating System) a 185 crianças, seus pais e a 12 professores. O questionário Critério EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48 Brasil foi usado para avaliação socioeconômica. Os resultados mostraram que 7,9% dos estudantes apresentavam muita dificuldade de aprendizagem. As meninas obtiveram escores mais elevados do que os meninos em competência acadêmica. As crianças de escola particular apresentaram melhores índices do que as de escolas públicas. Uma melhor competência foi observada em crianças de nível socioeconômico mais elevado. Quanto maior era o nível das habilidades sociais das crianças, melhor era a competência acadêmica e menor o número de reprovações. O estudo conduzido por Lopes (2009) demonstrou que uma intervenção em habilidades sociais com crianças que apresentam algum tipo de dificuldade de aprendizagem resultou numa melhora no rendimento acadêmico. Após o programa de intervenção, percebeu-se a aquisição e/ou o aperfeiçoamento de habilidades sociais com mudanças significativas positivas no repertório das habilidades sociais. Além disso, pais e professores detectaram diminuição de comportamentos problemáticos depois da intervenção. A pesquisa de Lopes (2009) teve procedimento baseado nas vinhetas de vídeo do RMHSC-Del-Prette (2005) e reuniu dados sobre o repertório de habilidades sociais e competência acadêmica de crianças com dificuldade de aprendizagem antes e após o programa de intervenção. A promoção e o desenvolvimento do educando no seu contexto social e escolar tem grande vínculo com o repertório de habilidades sociais. Assim, Feitosa (2008) destaca que educandos com dificuldades de aprendizagem, por apresentarem uma tendência aos déficits nas habilidades sociais, constituem um grupo de risco que requer políticas e programas de intervenção específicos. É necessária atenção especial a esse segmento da população, desenvolvendo sua competência social através da elaboração e execução de programas de treinamento de habilidades sociais. Uma vez que elevarem a sua competência social, esses educandos serão postos em melhores condições para administrarem sua vida pessoal e interpessoal, tornando-se autores da própria adequação social e escolar, o que resultaria em maior quantidade de amigos, melhor relacionamento com os professores, mais autoestima e mais táticas para a resolução de problemas de caráter interpessoal. Há uma influência recíproca: não apenas a aprendizagem é afetada pelos déficits EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página aprendizagem, há por conseguinte uma dificuldade também no desenvolvimento ou 45 em habilidades sociais, mas também o contrário é verdade. Em havendo dificuldade de DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. aquisição de certas habilidades que, por sua vez, tornarão a ocasionar problemas na aprendizagem. É como se fosse um círculo vicioso. Daí, portanto, a importância de se verificar essa relação, identificar a fonte do problema e prover tratamento adequado. Considerações Finais Através do ponto de vista dos diferentes autores citados neste trabalho, podese concluir que um repertório deficitário em habilidades sociais está intimamente ligado às dificuldades de aprendizagem e que, através da promoção planejada de um treinamento em habilidades sociais, contribui-se para o rendimento acadêmico, além de melhorar o relacionamento interpessoal. Dessa forma, instalar ou aperfeiçoar o repertório de habilidades sociais pode ser requisito para a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais. Além disso, profissionais mais socialmente competentes podem prevenir, detectar e intervir precocemente e de forma ativa tentando ensinar e aperfeiçoar o conjunto de habilidades sociais relevantes na infância de seus alunos, contribuindo assim para a não exclusão escolar e social. Por meio de um bom planejamento e conhecimento prévio da importância que as relações sociais cotidianas têm para o desempenho acadêmico de qualquer aluno, é que o professor da sala de aula estará cumprindo também seu papel de educador. Portanto, as conclusões e resultados apontados neste trabalho colocam em destaque a importância das habilidades sociais como um fator de proteção para o desempenho acadêmico das crianças, bem como seu desempenho social. Diante das implicações negativas causadas pelo baixo desempenho acadêmico no desenvolvimento posterior das crianças e sua estreita relação com o repertório de habilidades sociais, aponta-se a importância e a necessidade da implantação de programas de habilidades Página 46 sociais tanto clínicos quanto profiláticos nas escolas. EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48 Referências CABALLO, V. E. Manual de avaliação e treinamento das Habilidades Sociais. São Paulo: Santos, 2006. CADARELLA, P.; MERREL, K. W. Common dimensions of social skills of children and adolescents: a taxonomy of positive behaviors. School Psychology Review. n. 26. p. 264, 1997. CIASCA, S. M. Distúrbio e dificuldade de aprendizagem: Questão de nomenclatura. In S. M. Ciasca (Org.) Distúrbio e dificuldade de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. DEL PRETTE, A.; DEL PRETTE, Z. A. P. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes, 2001. DEL PRETE Z. A. P.; DEL PRETTE A. Psicologia das Habilidades Sociais: Diversidade teórica e suas implicações. Petrópolis: Vozes, 2009. DEL PRETE Z. A. P.; DEL PRETTE A. Psicologia das Habilidades Sociais na Infância: Teoria e Prática. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 2005. DEL PRETE Z. A. P.; DEL PRETTE A. Habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: Teoria e pesquisa sob um enfoque multimodal. In A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette (Orgs.). Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: questões conceituais, avaliação e intervenção. Campinas: Alínea, 2003. p. 167-206. DEL PRETE Z. A. P.; DEL PRETTE A. Psicologia das habilidades sociais: terapia e educação. Petrópolis: Vozes, 1999. DEL PRETE Z. A. P.; DEL PRETTE A. Habilidades sociais: Uma área em desenvolvimento. Psicologia Reflexão e Crítica, v.9, p. 233-255, 1996. ELLIOTT C.; PRING, T.; BUNNING K. Social skillstraining for adolescents with intellectual disabilities: A cautionary note. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, v.15, p. 91-96, 2002. FEITOSA, F. B. Relação família-escola: como pais e professores avaliam e reagem ao repertório social de crianças com e sem dificuldades de aprendizagem (Dissertação de Mestrado). São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos (SP), 2003. FEITOSA, F. B.; DEL PRETTE, Z. A. P.; MATOS, M. G. Definição e avaliação das dificuldades de aprendizagem (I): Os impasses na operacionalização dos distúrbios de aprendizagem. Revista de Educação Especial e Reabilitação, v.13, 33-35, 2006. FEITOSA, F. B. Habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem na interface da educação com a saúde. Revista Científica FACIMED, v.1, n.1, p. 01-19, 2008. GRESHAM, F. M. Social skills and learning disabilities: Causal, concomitant or correlational? School Psychological Review, v. 21, p. 348-360, 1992. GRESHAM, F. M. Social skills assessment and instruction for students with emotional and behavioral disorders. In: K. L. Lane, F. M. Gresham e T. E.Marturano, E. M. & Loureiro, S. M. O desenvolvimento socioemocional e as queixas escolares. Em Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (Orgs.). Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: questões conceituais, avaliação e intervenção Campinas: Alínea, 2002. p. 259-291. LOPES, D. C. Recursos multimídia na promoção de habilidades sociais em crianças com dificuldades de aprendizagem. (Dissertação de Mestrado). São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos (SP), 2009. EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015 Página 47 MARINHO, M. L. Comportamento anti-social infantil: Questões teóricas e de pesquisa. In: Del Prette, A.; Del Prette, Z. A, P. (Orgs.), Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: Questões conceituais, avaliação e intervenção. Campinas: Alínea, 2003. p. 61-82. DOSSIÊ OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L. MOLINA, R. C. Avaliação de programas de treinamento de professores para promover habilidades sociais de crianças com dificuldades de aprendizagem. (Tese de Doutorado). São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal de São Carlos (SP), 2007. Página 48 NJCLD - National Joint Committee for Learning Disabilitie .Learning Disabilities: Issue on definition, 1990. Disponível em: <www.ldonline.org/about/partners/njcld>. Acesso em 10 de dezembro de 2011. EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015