AVALIAÇÃO DA ESTABILIDADE FÍSICO-QUÍMICA E MICROBIOLÓGICA DE FORMULAÇÕES EXTEMPORÂNEAS LÍQUIDAS DE CAPTOPRIL PARA USO PEDIÁTRICO PHYSICAL-CHEMICAL AND MICROBIOLOGICAL STABILITY EVALUATION OF CAPTOPRIL LIQUID FORMULATIONS FOR PEDIATRIC USE Janaina Duarte Baumer1*, Felipe Amandos Retzlaff1, Simone Krug1, Melissa Zétola2, Giovana Carolina Bazzo2 RESUMO O captopril é o fármaco de escolha para o tratamento de crianças e neonatos que sofrem de hipertensão arterial e insuficiência cardíaca congestiva. Entretanto, este medicamento está disponível comercialmente apenas na forma de comprimidos, os quais não satisfazem as necessidades de crianças e neonatos, tornando-se necessária a preparação de formulações extemporâneas líquidas. O presente trabalho teve como objetivo desenvolver e avaliar a estabilidade físico-química e microbiológica de diferentes formulações líquidas de captopril para uso oral. Foram elaboradas 16 formulações variando-se os parâmetros: temperatura de armazenamento (4°C e temperatura ambiente), adição de acidificante (ácido cítrico), adição de quelante de íons (EDTA) e fonte de captopril (matéria-prima ou comprimidos). Durante o período de 11 semanas as formulações foram avaliadas quanto à contaminação microbiológica, pH e teor de ativo. Após este período de armazenamento, apenas uma das soluções, a preparada a partir de matéria-prima com adição de acidificante e armazenada em geladeira, ainda estava em conformidade com as especificações da Farmacopéia Brasileira e adequada para utilização. Palavras-chave: Captopril. Formulações líquidas. Estabilidade físico-química. Estabilidade microbiológica. ABSTRACT Captopril is the drug of choice for the treatment of children and infants suffering from hypertension and congestive heart failure. However, this product is only available commercially in the form of tablets, which do not meet the needs of children and new borns, making it necessary to prepare extemporaneous liquid formulations. This study aimed to develop and evaluate the physical-chemical and microbiological stability of different liquid formulations of captopril for oral administration. Sixteen formulations were prepared by varying the parameters: temperature storage (refrigerator and room temperature), addition of an acidifying (citric acid), addition of chelating agent (EDTA) and source of captopril (raw material or tablets). During 11 weeks the formulations were evaluated in regards to their microbial contamination, pH and drug content. After this storage period, only one of 1 Farmacêuticos formados pela Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Rua Paulo Malschitzki, 10, Campus Universitário - CEP 89219-710 – Joinville – SC – Brasil. 2Professoras do Departamento de Farmácia. Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). Rua Paulo Malschitzki, 10, Campus Universitário - CEP 89219-710 – Joinville – SC – Brasil. the solutions, which was prepared from raw materials, with addition of an acidifying agent and stored in the refrigerator, was still in accordance with the specifications and suitable for use. Keywords: Captopril. Liquid formulation. Physico-chemical stability. Microbiological stability. INTRODUÇÃO De acordo com Lopes e Drager (2009) a hipertensão é indiscutivelmente um dos problemas de saúde pública mais importantes no mundo. A hipertensão arterial sistêmica é geralmente um distúrbio assintomático que faz parte das doenças do aparelho circulatório, sendo um importante fator de risco para doenças decorrentes de aterosclerose e trombose, que se exteriorizam, predominantemente, por acometimento cardíaco, cerebral, renal e vascular periférico (SANTOS et al., 2009). A frequência da hipertensão arterial na faixa etária pediátrica varia de 1 a 4 %. O paciente pode estar assintomático ou apresentar sinais e sintomas compatíveis com encefalopatia hipertensiva, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) ou edema agudo de pulmão (MORAES et al., 2005). O captopril, pertencente à classe dos inibidores da enzima conversora de angiotensina, é o fármaco de escolha para o tratamento de crianças e neonatos que sofrem de hipertensão arterial e insuficiência cardíaca congestiva. A dosagem normalmente utilizada para o tratamento de neonatos é de 0,15 – 0,30 mg/kg e para crianças é de 0,5 mg/kg (TAKETOMO et al., 1990; LYE et al., 1997). Quando as especialidades farmacêuticas disponíveis de um determinado fármaco não atendem às necessidades do paciente em termos de concentração de ativo ou de forma farmacêutica, pode-se recorrer à preparação de formulações extemporâneas (PALMER, 1999; WOODS, 2011). O uso de medicamentos na forma líquida por via oral tem se justificado com base na facilidade de administração a pacientes que apresentam dificuldade para deglutir, a exemplo dos pacientes pediátricos. Recentemente, formas farmacêuticas líquidas têm atraído atenção quanto à sua estabilidade. Têm sido relatados dados clínicos que atestam complicações revelando contaminação microbiológica de produtos para administração oral, sendo importante lembrar também que a instabilidade de um fármaco é sempre aumentada quando em solução (LACHMAN et al., 2001). ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. O captopril, por ser susceptível de sofrer degradação, especialmente quando em solução aquosa ou quando exposto a níveis elevados de umidade (CONNORS et al., 1986; TAKETOMO et al., 1990; MARTINDALE, 1996; TRISSEL, 2000), está disponível comercialmente apenas na forma de comprimidos, nas dosagens de 12,5; 25; 50 e 100 mg (KATZUNG, 2007). Entretanto, estes comprimidos não satisfazem as necessidades das crianças e neonatos que necessitam de doses menores do que as disponíveis comercialmente e, além disso, apresentam dificuldade na deglutição de comprimidos. Portanto, a única forma de administrar este fármaco a crianças e neonatos é através do preparo de formulações extemporâneas líquidas. Estas formulações podem ser preparadas a partir de comprimidos, os quais são triturados, misturados com um adjuvante, seguido da adição de um veículo (água purificada, xarope ou outro) antes da administração ao paciente ou através da solubilização direta do fármaco em um veículo adequado (LYE et al., 1997; SOUZA, 2003). No entanto, diversos fatores estão envolvidos na manutenção de sua estabilidade, como por exemplo: qualidade da água utilizada no preparo das formulações, presença de íons metálicos, pH da solução, tipo de veículo utilizado, fonte de captopril (matériaprima ou comprimidos triturados) e temperatura de armazenamento (TAKETOMOTO et al., 1990; LYE et al., 1997; TRISSEL, 2000). O presente trabalho teve como objetivo preparar formulações orais líquidas de captopril para uso pediátrico, variando os seguintes parâmetros: temperatura de armazenamento (ambiente ou em geladeira), fonte de captopril (matéria-prima ou comprimidos triturados), adição de um agente acidificante (ácido cítrico) e adição de um agente quelante de íons (EDTA), bem como avaliar a sua estabilidade físicoquímica e microbiológica durante o período de 11 semanas. METODOLOGIA Preparo das formulações Foram elaboradas 16 formulações de preparações orais líquidas de captopril contendo 1 mg/mL de fármaco, variando-se a fonte de captopril (matéria-prima ou comprimido), a adição de ácido cítrico (acidificante), adição de EDTA dissódico (quelante de íons) e a temperatura de armazenamento (4°C ou temperatura ambiente), conforme o planejamento experimental descrito na Tabela 1. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. Tabela 1: Formulações de preparações orais líquidas de captopril 1mg/mL. Formulação Fonte de captopril 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Adição deAdição acidificante matéria-prima matéria-prima matéria-prima matéria-prima matéria-prima matéria-prima matéria-prima matéria-prima Comprimido Comprimido Comprimido Comprimido Comprimido Comprimido Comprimido Comprimido deTemperatura EDTA não sim não sim não sim não sim não sim não sim não sim não sim de armazenamento Não Não Sim Sim Não Não Sim Sim Não Não Sim Sim Não Não Sim Sim Geladeira Geladeira Geladeira Geladeira Ambiente Ambiente Ambiente Ambiente Geladeira Geladeira Geladeira Geladeira Ambiente Ambiente Ambiente Ambiente Cada solução foi preparada da seguinte maneira: pesou-se 1,0 g de captopril e transferiu-se juntamente com 500 mL de água purificada para um cálice com capacidade para 1 L. No caso das formulações que foram preparadas a partir dos comprimidos, os mesmos foram triturados em gral e foi pesada uma quantidade de pó equivalente a 1,0 g de fármaco. Quando necessário, adicionou-se 1,0 g de EDTA. Nas formulações que continham acidificante, adicionaram-se algumas gotas de solução a 30% de ácido cítrico até atingir pH próximo a 2,5. Completou-se o volume de todas as soluções com água purificada para um litro. As soluções foram armazenadas em frascos âmbar, devidamente fechados e acondicionados em geladeira ou à temperatura ambiente. Avaliação da estabilidade físico-química e microbiológica As formulações foram submetidas às análises de determinação do teor de ativo, determinação do pH e inspeção visual logo após o preparo e 1, 2, 3, 5, 7, 9 e 11 semanas após. A avaliação microbiológica foi realizada após 1, 7 e 11 semanas. Todas as análises foram realizadas em triplicata. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. A determinação do teor de ativo foi realizada por titulometria, conforme metodologia preconizada na Farmacopéia Brasileira para o captopril (F. Bras. V, 2010). A determinação do pH foi realizada em pHmetro digital da marca Gehaka. A avaliação microbiológica das formulações foi realizada conforme a metodologia descrita na Farmacopéia Brasileira (2010) para contagem geral de bactérias e de fungos em placa. RESULTADOS E DISCUSSÃO As formulações preparadas a partir da matéria-prima com adição de ácido cítrico e EDTA (4 e 8) foram descartadas após a primeira semana devido à formação de precipitado, o qual as torna inadequadas para utilização. Da mesma forma, na medida em que as formulações foram sendo reprovadas nas análises físico-química ou microbiológica, também foram sendo descartadas. Determinação do pH Os resultados do pH das formulações no tempo zero e após 1, 2, 3, 5, 7, 9 e 11 semanas de armazenamento estão descritos na Tabela 2. Tabela 2: Resultados da avaliação do pH, realizadas em triplicata, das formulações durante o tempo de estudo. pH médio (desvio padrão) Semana Formulação 1 2 3 4 5 6 Início 1ª 2ª 3ª 5ª 7ª 9ª 11 ª 3,15 (0,05) 2,71 (0,11) 3,65 (0,02) 2,53 (0,02) 3,33 (0,03) 2,63 3,38 (0,09) 2,56 (0,01) 3,62 (0,01) 2,49 (0,04) 3,33 (0,02) 2,63 3,4 (0,04) 2,61 (0,04) 3,65 (0,06) 3,49 (0,12) 2,55 (0,02) 3,61 (0,09) 3,74 (0,01) 3,07 (0,00) 3,95 (0,01) 3,37 (0,01) 2,66 (0,03) 3,42 (0,02) 3,38 (0,01) 2,60 (0,05) X 2,65 (0,01) X X I 3,53 (0,02) 2,77 I I I I I X 2,67 X X X X ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 (0,02) 3,58 (0,03) 2,55 (0,02) 3,03 (0,03) 1,86 (0,04) 3,26 (0,05) 2,24 (0,02) 3,08 (0,02) 1,9 (0,02) 3,02 (0,02) 2,15 (0,05) (0,05) 3,57 (0,02) 2,66 (0,09) 3,41 (0,13) 2,33 (0,04) 3,56 (0,03) 2,49 (0,12) 3,46 (0,02) 2,56 (0,02) 3,58 (0,04) 2,73 (0,03) (0,01) 3,68 (0,04) (0,03) X X X X X X X X X I 3,65 (0,04) 2,31 (0,02) 3,4 (0,04) 2,54 (0,01) 3,51 (0,04) 2,61 (0,01) 3,66 (0,00) 2,78 (0,05) I 3,64 (0,05) 2,34 (0,01) 3,42 (0,05) 2,52 (0,06) I 3,77 (0,01) 2,75 (0,01) 3,96 (0,04) 3,04 (0,00) I 3,47 (0,02) 2,27 (0,04) 3,28 (0,01) 2,5 (0,01) I 3,32 (0,03) 2,23 (0,02) 3,43 (0,04) 2,53 (0,06) I 3,27 (0,13) 2,33 (0,04) 3,35 (0,03) 2,57 (0,12) X 2,61 (0,04) 3,62 (0,04) 2,73 (0,01) X 2,94 (0,02) 3,93 (0,01) 3,14 (0,01) X 2,57 (0,12) 2,73 (0,01) 2,98 (0,02) X X X X X 2,62 (0,02) X 2,66 (0,03) X: Avaliação não realizada por reprovação em avaliação microbiana. I: Avaliação não realizada por incompatibilidade dos componentes da formulação. A acidez e a alcalinidade afetam fármacos pH dependendes. As soluções aquosas de captopril estão sujeitas à degradação oxidativa, a qual aumenta com o aumento do pH, especialmente acima de 4,0 (CONNORS et al., 1986; TRISSEL, 2000). O ajuste do pH de formulações líquidas é crítico tanto para uma administração segura, ou seja, compatível com o meio fisiológico quanto para a estabilidade do fármaco. No caso do captopril sob forma de soluções aquosas, a sensibilidade do princípio ativo à oxidação aumenta com o aumento do pH, especialmente acima de 4,0. Conforme pode-se observar na Tabela 2, os valores de pH de todas as formulações testadas durante as 11 semanas de estudo permaneceram abaixo dos valores críticos para soluções de captopril (inferior a 4,0), sendo que as formulações com adição de acidificante apresentaram valores de pH ligeiramente inferiores quando comparados às demais soluções. Avaliação microbiológica Embora os medicamentos para uso oral não necessitem cumprir com os testes de esterilidade (Farmacopéia Brasileira, 2010), a contaminação microbiana acima ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. dos limites permitidos para formas farmacêuticas não estéreis pode facilmente comprometer a estabilidade do produto e a saúde do paciente, especialmente de neonatos. Consequências deste comprometimento podem estar associadas com a perda de eficácia terapêutica por degradação do principio ativo, ou com alteração de parâmetros físico-químicos. É importante salientar que alterações nos parâmetros físico-químicos não estão, obrigatoriamente, relacionadas com a perda da eficácia terapêutica (PINTO et al., 2000; EGUCHI, 2001). Não há parâmetros microbiológicos definidos para serem utilizados como limites de aprovação para soluções orais de captopril, por não haver monografia para esta forma farmacêutica na Farmacopéia Brasileira e nas farmacopéias mais comumente utilizadas, como a Portuguesa e a Americana. Entretanto, a Farmacopéia Brasileira (2010) recomenda que, para preparações aquosas para uso oral, os limites de bactérias aeróbias e de fungos/leveduras sejam de 102 e 101 UFC/g ou mL, respectivamente. A contagem geral de bactérias e fungos determinadas nas formulações após 1, 7 e 11 semanas de armazenamento estão descritas na Tabela 3. Todas as soluções armazenadas em geladeira foram aprovadas na primeira análise microbiológica, enquanto três soluções armazenadas à temperatura ambiente foram reprovadas. As formulações reprovadas foram as preparadas a partir dos comprimidos ou do captopril (matéria-prima), ambas sem a adição de acidificante e EDTA (13 e 5, respectivamente), e a formulação 7, preparada a partir da matéria-prima com adição de EDTA. Todas as soluções reprovadas nesta análise apresentavam pH médio superior a 3,33, conforme pode-se observar na Tabela 2. O aumento do pH favoreceu o crescimento microbiano, entretanto, nem todas as formulações com pH mais elevado foram reprovadas no teste microbiológico. Após a segunda análise (7 semanas), ainda cumpriam os requisitos de estabilidade microbiológica todas as soluções obtidas a partir de comprimidos armazenadas em geladeira (9, 10, 11 e 12); uma à temperatura ambiente com adição de ácido cítrico e EDTA (16), e uma solução preparada a partir da matériaprima armazenada em geladeira com adição de ácido cítrico e EDTA (2). Após as 11 semanas de estudo, continuaram microbiologicamente aceitáveis apenas duas soluções: a formulação 2 preparada com matéria-prima e acidificante e a 9, preparada com comprimidos pulverizados, ambas armazenadas em geladeira. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. Tabela 3: Avaliação da qualidade microbiológica das formulações. 1ª semana 7ª semana 11ª semana Bactérias Fungos Bactérias Fungos Formulação Bactérias Fungos (UFC/mL) (UFC/mL) (UFC/mL) (UFC/mL) (UFC/mL) (UFC/mL) 1 <1 40 <1 150 x x 2 <1 <1 <1 <1 <1 <1 3 <1 <1 <1 80 x x 4 <1 <1 I I I I 5 <1 >300 x X x X 6 <1 <1 x X x X 7 <1 >300 x X x X 8 <1 <1 I I I I 9 <1 <1 <1 <1 <1 <1 10 <1 <1 <1 <1 <1 >300 11 <1 <1 <1 <1 <1 >300 12 <1 <1 <1 <1 <1 >300 13 <1 >300 x X x x 14 <1 <1 <1 140 x x 15 <1 <1 <1 >300 x x 16 <1 <1 <1 <1 <1 >300 X: Avaliação não realizada por reprovação em avaliação microbiana. I: Avaliação não realizada por incompatibilidade dos componentes da formulação. 2 1 Limite máximo permitido: 10 UFC/mL para bactérias e 10 UFC/mL para fungos. Fatores essenciais para que se atinjam níveis adequados de qualidade microbiana no produto final envolvem as fontes diretas de contaminação, acarretadas por água, matérias-primas (principalmente de origem natural), material de acondicionamento e ambiente de produção. Ainda existem fontes indiretas decorrentes de procedimentos de limpeza (água contaminada), de instalações inadequadas, pessoal não paramentado, equipamentos com limpeza inadequada, particularmente nos pontos críticos e sem procedimentos validados (BRANNAN, 1997; EGUCHI, 2001). Outro fator importante para o crescimento microbiano é a atividade de água, que representa a quantidade de água livre, disponível para ser utilizada pelos microrganismos (ORTH, 1993; PINTO et al., 2000). Além disto, a adição de determinadas substâncias, como conservantes e antioxidantes, podem auxiliar na inibição do crescimento microbiano, aumentando a estabilidade microbiológica dos produtos. As soluções preparadas no presente trabalho são consideradas críticas quanto a sua propensão à contaminação microbiana, devido à alta quantidade de água livre ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. e a ausência de um sistema antimicrobiano adequado. Entretanto, o pH destas formulações apresentou-se bastante baixo, o que dificulta o crescimento da maioria dos microrganismos, assim como a adição de ácido cítrico e/ou EDTA a algumas formulações. Apesar de terem sido tomados os cuidados necessários para realizar a preparação das soluções, acredita-se que as possíveis causas de contaminação microbiana podem ter sido provenientes do ambiente, dos materiais utilizados no preparo das soluções e/ou dos recipientes de armazenamento. Por outro lado, a probabilidade da contaminação ter se originado da água e das matérias-primas utilizadas é muito pequena, uma vez que estavam microbiologicamente adequadas antes do preparo das formulações. Ainda analisando a Tabela 3, pode-se verificar que todos os casos de contaminação ocorridos foram através da proliferação de fungos e não de bactérias. Embora o pH favorável ao crescimento da maioria dos microrganismos esteja na faixa de 4,0 a 10,0, casos de contaminação por fungos já foram observados em valores de pH abaixo de 3,0 (BAIRD e CLOOMFIELD, 1996). Determinação do teor de ativo Os resultados obtidos na determinação do teor de captopril nas formulações, durante o estudo de estabilidade, estão apresentados na Tabela 4. Tabela 4: Resultados do teor de captopril nas formulações, determinado em tripicata, obtidos durante o estudo. Teor médio, expresso em % (desvio padrão) Semana Formulação 1 2 3 4 5 6 Início 1ª 2ª 3ª 5ª 7ª 9ª 11 ª 99,34 (0,00) 99,34 (0,00) 100,4 (1,79) 107,6 (14,30) 95,2 (1,79) 100,4 94,68 (2,20) 99,34 (0,00) 97,79 (2,20) 99,34 (0,00) 94,68 (2,20) 97,79 92,09 (1,80) 102,4 (3,10) 93,13 (0,00) 89,00 (1,80) 92,10 (1,80) 93,10 (0,00) 84,85 (3,60) 93,13 (0,00) 95,20 (3,60) 78,60 (1,80) 91,10 (3,60) 93,1 (0,00) X 93,10 (0,00) X 91,00 (3,10) X X I 86,92 (0,00) 96,23 I I I I I X X X X X ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 (4,74) 99,34 (0,00) 101,4 (1,79) 96,23 (0,00) 99,34 (1,79) 101,4 (1,79) 100,4 (1,79) 100,4 (1,79) 100,4 (1,79) 99,34 (0,00) 103,5 (1,79) (2,20) 99,34 (0,00) 99,34 (0,00) 96,23 (3,10) 94,16 (1,80) 102,4 (8,20) 108,7 (8,20) 100,4 (6,50) 97,27 (7,20) 99,34 (0,00) 103,5 (7,20) (0,00) 95,2 (3,60) X X X X X X X X X X I 86,92 (0,00) 93,13 (3,10) 97,27 (3,60) 88,99 (1,80) 96,23 (3,10) 93,13 (0,00) 92,09 (1,80) 96,23 (3,10) I 84,9 (1,80) 86,90 (0,00) 91,10 (1,80) 94,20 (3,60) I 86,92 (0,00) 93,13 (0,00) 94,68 (2,20) 93,13 (0,00) I 83,80 (0,00) 90,00 (3,10) 92,10 (1,80) 89,00 (3,60) I 83,80 (3,10) 84,9 (3,60) 99,30 (0,00) 93,10 (0,00) I 82,00 (0,00) 84,90 (3,10) 93,80 (3,60) 87,60 (1,80) X 91,10 (3,60) 98,30 (1,80) 92,10 (1,80) X 93,13 (0,00) 102,4 (4,40) 93,13 (0,00) X 93,10 (0,00) 93,10 (0,00) 99,30 (0,00) X X X X X 94,20 (1,80) X 92,50 (3,10) X: Avaliação não realizada por reprovação em avaliação microbiana. I: Avaliação não realizada por incompatibilidade dos componentes da formulação. Conforme mencionado anteriormente, não existe monografia farmacopéica para o captopril na forma de solução oral. Portanto, utilizou-se como especificação para o doseamento o intervalo mais comumente empregado no caso de formas farmacêuticas, de 90 a 110 % de teor de ativo (F. Bras. 2010). Conforme pode-se observar na Tabela 4, todas as formulações apresentaram teor adequado de captopril (acima de 90%) após o preparo e até uma semana depois. A partir da segunda semana de armazenamento, algumas formulações começaram a apresentar uma diminuição significativa em relação ao teor. Após as 11 semanas de estudo restaram apenas três preparações com teor superior a 90%: a preparada a partir da matéria-prima com adição de acidificante (2); a formulação obtida a partir dos comprimidos triturados com adição de EDTA (11), ambas armazenadas em geladeira e a preparada a partir dos comprimidos triturados com adição de EDTA e acidificante, armazenada a temperatura ambiente (16). Como algumas formulações foram sendo descartadas em virtude da contaminação microbiológica ou na inspeção visual (formação de precipitado), não foi possível estabelecer um perfil comparativo relacionando a influência dos parâmetros utilizados no preparo das formulações sobre a estabilidade química das ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. mesmas. Outra consideração a ser feita com relação à determinação do teor de fármaco nas formulações (Tabela 4) refere-se ao fato de, algumas formulações (10 e 12), apresentarem certa variabilidade nos resultados. Este fato pode ter sido ocasionado pela falta de agitação durante a tomada de amostra, devido a presença de excipientes insolúveis. De acordo com WOODS (2011), nas preparações obtidas a partir de comprimidos triturados, a dissolução do fármaco a partir de excipientes insolúveis pode ser incompleta, fato que pode gerar erros de dosagem, assim como a dificuldade na resuspensão ou a rápida sedimentação do fármaco após a agitação. Outro fator que pode estar envolvido é a baixa sensibilidade do método titulométrico. De acordo com Valentini et al. (2004) o método analítico titulométrico para o doseamento do captopril é de simples execução, com utilização de reagentes fáceis de serem obtidos, sem necessidade de tratamento da amostra e demonstra valores que satisfazem os critérios de aceitação. Porém, com maior variabilidade e menor sensibilidade em comparação com o método cromatográfico por cromatografia líquida de alta eficiência. CONCLUSÕES As soluções líquidas de captopril elaboradas neste trabalho mostraram-se altamente susceptíveis à contaminação microbiana, especialmente em virtude da presença de água e da ausência de conservantes. O armazenamento sob refrigeração e a adição de um agente acidificante mostraram-se bastante eficientes em manter a estabilidade das formulações quando estas são armazenadas por um período curto (cerca de 1 semana). Após as 11 semanas de armazenamento, apenas uma das soluções, a preparada a partir de matéria-prima com adição de acidificante em geladeira (2), ainda estava em conformidade com as especificações e adequada para utilização. Uma vez que muitas formulações foram sendo descartadas em decorrência da contaminação microbiológica, não foi possível a verificação da influência dos fatores que poderiam afetar a estabilidade química destas preparações. REFERÊNCIAS BAIRD, R.M.; BLOOMFIELD, S.F. Microbial Quality Assurance In Cosmetic, Toiletries & Non-sterile Pharmaceuticals. New York: Taylor & Francis, 1996. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.2, p10-22, ago./nov. 2011. CONNORS, K. A.; AMIDON, G. L.; STELLA, V.J. Chemical Stability of Pharmaceuticals. 2.ed. New York: John Wiley & Sons, 1986. EGUCHI, S.Y. Controle Microbiológico em Cosméticos. Rev. Racine. v.11, n. 64, p. 14-20, 2001. FARMACOPÉIA BRASILEIRA. 5.ed. 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