HOMOFOBIA: UMA ANÁLISE DA PROPOSTA DE CRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL HOMOPHOBIA: AN ANALYSIS OF THE PROPOSED CRIMINALIZATION IN BRAZIL Verônica Martins Prado Bonfim1 Orientador: Prof. Dr. João Henrique Ferreira Resumo: A homoafetividade foi, ao longo do tempo, amplamente discutida e regulada de acordo com o momento histórico e cultural que determinada sociedade vivia, direcionando sua valorização ou discriminação com base na religião, na política e nos interesses sociais de cada época. Considerando que o Direito tem o condão de ordenar condutas, reproduzindo um padrão de culturalidade social, cabe a ele ponderar quais fatos possuem relevância jurídica e, portanto, precisam de respaldo jurisdicional. Sendo assim, se estamos no caminho de superar o problema do preconceito no tocante às relações homoafetivas, negar a essa minoria direitos garantidos por nosso ordenamento é sim uma questão que interessa ao Direito. A Constituição de 1988 trouxe elementos fundamentais que possibilitaram a evolução de métodos argumentativos desenvolvidos pela nova hermenêutica, notadamente em relação ao caráter normativo dado aos princípios, redirecionando a aplicação e interpretação do direito, de forma a propiciar a aproximação da realização do ideal de justiça. A partir dessa premissa, a análise crítica da proposta de criminalização da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero esclarece o meio pelo qual nosso ordenamento interpreta normas constitucionais, a fim de tornar efetivos princípios fundamentais, principalmente os relativos à dignidade da pessoa humana e à igualdade, justificando a necessidade de sua efetiva aplicação em nosso país. Palavras-chave: Constituição, homoafetividade, homofobia. 1 Aluna do 5º ano do Curso de Direito. E-mail: [email protected]. Trabalho orientado pelo Prof. Dr. João Henrique Ferreira, do Centro Universitário de Bauru, no ano de 2016. Abstract: The homoaffectivity has been for a long time widely discussed and regulated according to the historical and culture period in which determined society lived, influencing their values or discrimination based on religion, politics and social interests of each era. Considering that Law Studies has the ability to influence social manners, spreading a standard of social culture, it is its duty to ponder which facts are juristically relevant and, therefore, their need to legal support. Thus, if the homosexual relations haven’t already been a legal issue in our environment, denying this minority to rights guaranteed in our juridical order it is an issue that interests Law Studies. The Federal Constitution of 1988 brought fundamental elements that have enabled evolution of argumentative methods developed by the new hermeneutics, remarkably related to our legal moral character gave to our principles, redirecting the application and interpretation of our rights, in a way that opportunely approach the ideal justice aim. Furthermore, in this sense, the critical analysis of the proposal to criminalize discrimination based on sexual orientation and gender identity clarify the way our laws interprets and applies constitutionals orders, in order to turn effective fundamental principles, principally those related to the dignity of the human being and to equality justifying the need for its effective implementation in our country. Keywords: Constitution, gay relationships, homophobia. INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 é um pilar principiológico que possibilitou a evolução de métodos argumentativos e axiológicos, mediante a atribuição de força normativa aos princípios, mostrando-se um divisor de águas no que se refere às conquistas legislativas e jurisdicionais reconhecedoras destes princípios. O presente artigo trará uma visão deste novo momento histórico e jurídico, notadamente quanto à avaliação do amparo jurídico concedido aos indivíduos em face da não discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero, analisando as leis já em vigor em nosso ordenamento, bem como a proposta de lei 122/06, que visa criminalizar a homofobia no Brasil. Demonstrará, principalmente, a constitucionalidade da criminalização da discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero, em razão da obrigação constitucional de criminalizar a homofobia, seja porque, conceitualmente, ela se equipara ao racismo ou em virtude da omissão legislativa constitucional de criminalizar atos atentatórios a direitos e liberdades fundamentais, que, no caso em contento, são a livre orientação sexual e a livre identidade de gênero. 1. AS CAUSAS DAS DISCRIMINAÇÕES HOMOAFETIVAS NA HISTÓRIA As relações homoafetivas existem desde o surgimento das sociedades primitivas e, ao longo do tempo, de acordo com os interesses políticos, sociais e culturais, possuíram conotações que a valorizavam e, em outros momentos, que a recriminavam. No Mundo Antigo, era prática comum a Pederastia Institucionalizada, caracterizada pela transmissão de conhecimentos e da “masculinidade” por um homem mais velho ao seu pupilo, um adolescente, mediante o ato sexual (VECCHIATTI, 2012, p. 7). Um pouco mais adiante na história, judeus e cristãos passaram a se opor à libertinagem sexual e às relações extraconjugais, fossem elas hetero ou homossexuais, pregando que o sexo deveria ocorrer somente para fins de procriação. Isso ensejou o discurso de que a homossexualidade seria contrária à vontade de Deus, o que, em decorrência da repetição por séculos e gerações, mudou o paradigma social, inserindo a crença da pregação homofóbica religiosa, fazendo da Igreja Católica uma das maiores disseminadoras da aversão criada contra os homoafetivos, além de ser, naquela época, a motivadora da edição e aprovação de leis que criminalizavam a homoafetividade. (VECCHIATTI, 2012, p. 19). Enquanto isso, no Brasil, cabe ressaltar que a homossexualidade estava inserida na cultura de algumas tribos e, inclusive, em alguns casos fazia parte desta cultura os índios se travestirem. Com a colonização e instalação da moral judaicocristã iniciou-se uma forte perseguição e repressão desumana aos nativos homossexuais, com penas cruéis regulamentadas pela legislação imposta ao Brasil pelo Rei Dom Sebastião, a chamada Lei sobre o pecado da Sodomia. Por essas razões exemplificativas, as relações homoafetivas passaram a ocorrer às margens da sociedade, o que foi reforçado pelo posterior modelo capitalista do século XVII, no qual famílias com casais do mesmo sexo não se encaixavam por não gerarem filhos, possuindo uma potencialidade consumista muito menor. A partir do século XIX, a ciência gerou o equivocado conceito de que se tratava de uma patologia e que, por sê-lo, precisava ser “curado” e não criminalizado, o que se tornou outro fator discriminatório, todavia, posteriormente, nenhum distúrbio na saúde ficou demonstrado unicamente pela orientação sexual do indivíduo (VECCHIATTI, 2012, p. 27). Contemporaneamente, os efeitos trazidos por esses fatores ao longo dos séculos são visivelmente percebidos, visto que, apesar da grande corrente que luta contra a homofobia e a favor do respeito à pluralidade, efetivado com a disponibilização de direitos iguais a todos os cidadãos, ainda é intrínseco à sociedade o preconceito e aversão às relações homoafetivas, o que levará, da mesma forma, tempo razoável para desestigmatizar, não obstante as balizas constitucionais e principiológicas trazidas por nossa Carta Magna. 2. FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL O Direito se ocupa de ordenar condutas. Trata-se de um fenômeno histórico e cultural, ou seja, um fenômeno que se desenvolve ao longo da história e que reproduz um padrão de culturalidade social. (ALARCÓN, 2011, p. 29) Algumas condutas que foram juridicamente consideradas relevantes e punidas hoje não são mais; outras condutas outrora irrelevantes hoje se encontram reguladas juridicamente. A homoafetividade foi regulada juridicamente e, atualmente, segundo o último Relatório Anual sobre a Homofobia, divulgado em maio de 2013, pela ILGA – sigla em inglês para International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans e Intersex Association – são 76 os países que ainda criminalizam os atos homossexuais entre adultos (cerca de 40% dos Estados membros da ONU), que se encontram, principalmente, na África, Ásia e América Central, entre os quais 05 submetem os condenados à pena de morte, sendo a Arábia Saudita, o Irã, o Iêmen, a Mauritânia e o Sudão – além de regiões da Nigéria e da Somália - e 114 os que não criminalizam (aproximadamente 60%). A América Latina, região que engloba o Brasil, é considerada pelo Relatório como uma das que, a nível internacional, Lideram os esforços para abolir as leis segregacionistas baseadas na orientação sexual e na identidade de gênero e é pioneira na promoção da igualdade LGBTI a ponto de muitas leis ou decisões judiciais aqui adotadas poderem ser consideradas mais avançadas do que as de outros continentes. (TAMARA ADRIÁN, 2013). Sendo assim, se a homoafetividade não é necessariamente um problema jurídico em nosso meio, a discriminação que resulta na negação de direitos e na afronta à bens jurídicos protegidos constitucionalmente e criminalmente para as pessoas homoafetivas é sim um problema que interessa ao Direito. A discriminação negativa é conduta proscrita pelas convenções e declarações internacionais de direitos humanos. Assim, da DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos - se estabelece que: Artigo VII: Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Ao revés, a chamada discriminação constitucional possui cunho positivo, ou seja, visa realizar discriminações que promovam ou se destinem a afirmar determinados grupos sociais, integrando-os socialmente e contribuindo, dessa forma, à eliminação de exclusões e seus efeitos persistentes – psicológicos, culturais e comportamentais – que tendem a disseminar-se. Nesse sentido, a possibilidade de discriminar positivamente traduz um movimento de desigualar para igualar, tornando efetivo e ativo o princípio da igualdade consagrado na Constituição e proporcionando a atenuação das desigualdades e seus alcances no todo social. (ALARCÓN, 2011, p. 160) Posto isto, é de extrema relevância para o Direito Brasileiro que as condutas homoafetivas sejam devidamente reguladas e juridicamente protegidas, bem como aquelas que as violem ou que as discriminem sejam criminalizadas, já que não fazêlo seria contrariar o que preleciona a supracitada Declaração Universal, além das próprias diretrizes normativas estabelecidas por nossa Carta Magna e seus pilares principiológicos. 2.1. Da proteção dos Bens Jurídicos Constitucionais e Penais O Estado Democrático de Direito brasileiro vem caminhando para inclusão desta minoria, principalmente no âmbito cível, mediante embasamento constitucional, demonstrando que, para grande parcela de nossa sociedade, deixou de fazer sentido a discriminação em razão da orientação sexual, sendo dever do Estado tutelá-los como qualquer outro cidadão. Em contrapartida, existem grupos que incitam e praticam crimes de ódio e preconceito única e exclusivamente em razão da sexualidade de outrem, cujas penas não são específicas ou majoradas, mesmo tendo como motivo do crime conduta reprovável e intolerável para o Estado brasileiro, se levarmos em consideração todo respaldo constitucional e infraconstitucional que assegurou a conquista de seus direitos até então e que traz a liberdade sexual como um bem jurídico a ser tutelado, de modo que a proteção deveria estender-se ao âmbito criminal por esta razão. Sintetizou assim Lênio Streck e Luciano Feldens: A revolução copernicana por que passaram o Estado e o Direito, não temos dúvidas em afirmar, permeia o Direito Penal, cujas baterias, sintonizadas ao fenômeno de incorporação constitucional de direitos coletivos e sociais, devem agora se direcionar para a proteção de bens jurídicos de índole transindividual. (STRECK; FELDENS, 2006, p. 5). Para os supracitados autores (2006, p. 17), o salto paradigmático do Estado Democrático de Direito residiu exatamente no respeito à democracia e aos direitos fundamentais-sociais, agregando às funções ordenadora e promovedora do Direito a função de potencial transformação social e é isto que se busca quando determinadas condutas são criminalizadas, ou seja, transformar socialmente arquétipos que já não condizem com a finalidade estatal na defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desde o novo prisma trazido pela Constituição de 1988, no qual o Estado Social e Democrático de Direito se sustenta pelo respeito à democracia e aos direitos fundamentais-sociais, refere-nos Lênio Streck e Luciano Feldens, é necessário estabelecer quais bens são merecedores de tutela com base em sua primazia constitucional e, a partir disto, projetar reflexos na delimitação conceitual do bem jurídico penal, criminalizando ou descriminalizando condutas. Nesse contexto, o poder punitivo do Estado é exercido para atingir os fins traçados pela sociedade política, de sorte que a Constituição é, para a criminalização e para o Direito Penal, sua base e seu limite, comandando a atividade do legislador na busca em alcançar o objetivo do constituinte e contribuindo para construção de um Estado ativo e impelido “na persecução de metas propiciadoras de transformação social e da tutela de interesses de dimensões ultraindividual e coletivas, exaltando, continuadamente, o papel instrumental do direito penal”. (STRECK; FELDENS, 2006, p. 35) A noção de bem jurídico está estritamente ligada aos preceitos e princípios do Estado Social e democrático de Direito, traduzindo as fronteiras que restringem a atuação jurídico-penal e permitindo uma coexistência pacífica e livre aos seus cidadãos, mediante a garantia dos direitos humanos. (ROXIN, 2013) Claus Roxin (2013, p. 18) conceitua bens jurídicos como sendo todos os objetos legítimos de proteção das normas que subjazem às condições individuais e instituições estatais adequadas, a fim de alcançar este fim. São circunstâncias da vida real, cuja lesão ou ameaça de lesão prejudica a garantia dos direitos humanos e civis, bem como o devido funcionamento de um sistema estatal, refletindo na capacidade de rendimento da sociedade e na vida dos cidadãos. Ademais, a compreensão de bem jurídico que defende, pretende também mostrar os limites de uma punição legítima. Nas palavras de Roxin, 2013, p. 30, “O Direito Penal é, como sempre disse, subsidiário da proteção de bens jurídicos”, devendo o legislador buscar na Constituição os bens que lhe cabe proteger com suas sanções. A criminalização deve ter por base os bens e objetivos que, passados pela valoração do legislador constitucional, são postos como estrutura e finalidade jurídica da comunidade. Assim, a Constituição Federal de 1988 estabelece que: Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No caso em contento, foi a partir da visibilidade da homoafetividade como um fato social, que se deu pela existência de vínculos afetivos estáveis por pessoas do mesmo sexo, que o Direto passou a reconhecer o pluralismo da sexualidade humana e percebê-lo como uma questão que necessitava de regulamentação jurídica. (GIRARDI in DIAS, 2014, p. 36) Sendo assim, a partir do crescente entendimento de que a sexualidade e seu exercício dizem respeito aos aspectos existenciais da pessoa, a homoafetividade passou a ser reconhecida como uma forma legítima da expressão dos afetos e desejos de pessoas do mesmo sexo e, por essa razão, a questão deixou de ter enfoque nos direitos patrimoniais, para ser vislumbrada como um direito fundamental, tutelado como um direito de personalidade a produzir os mais diversos efeitos jurídicos, inclusive penais. (GIRARDI in DIAS, 2014, p. 36) Outrossim, vislumbra-se que a sexualidade é sim um bem jurídico que deve ser tutelado por nosso ordenamento, haja vista vir consubstanciado nos princípios da livre orientação sexual, do respeito à intimidade, da privacidade, da autodeterminação e do reconhecimento da personalidade de acordo com a identidade de gênero, bem como em norma expressa da Constituição, como supracitado, permitindo concluir que a proteção da pessoa e sua dignidade é dever do Estado, garantindo-lhes uma vida livre de preconceito e pautada em bem estar, devendo toda conduta que viole esta disposição ser criminalizada por estes fundamentos. 3. DO DIREITO PENAL A Constituição da República Federativa do Brasil impõe normas que tem como escopo evitar a discriminação e o preconceito, principalmente mediante os direitos fundamentais nela afirmados, sob o título de direitos e garantias individuais, importando, nesse sentido, registrar a norma prevista no art. 5º, inciso XLI, que dispõe: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, bem como no inciso XLII: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Desse modo, partindo da premissa de que nossa sociedade constitui um Estado Democrático de Direito, qualquer discriminação é legalmente impedida, haja vista ser fundamento prioritário da democracia o reconhecimento da pluralidade e da diversidade humana, constituindo-se de sujeitos cujas preferências conscientes de modelo de vida devem ser toleradas, desde que não sejam lesivas às preferências dos demais. (BORNIA, 2007, p. 84) Tal concepção positiva o direito à isonomia, que é intrínseco ao nosso ordenamento, mediante o combate à discriminação e a promoção da igualdade. Nesse sentido: Em sociedades democráticas, plurais e abertas, que verdadeiramente respeitam o Estado de Direito ancorado nos postulados constitucionais, o Direito Penal é instrumento cabível para a proteção dos bens fundamentais da comunidade, das condições sociais básicas à manifestação da personalidade do homem e cuja transgressão deve constituir ilícito penal. (BORNIA, 2007, p. 14) Portanto, em sendo o Direito Penal o meio pelo qual o Estado protege e garante direitos, foram criadas normas, ao longo do tempo, afim de proteger grupos humanos excluídos, os integrando na sociedade e destituindo a discriminação, a exemplo da Lei 7.716/06, a chamada Lei do Preconceito, que atualmente vigora em nosso ordenamento jurídico com a finalidade de afastar o preconceito à grupos minoritários que necessitam de respaldo. 3.1. Evolução histórica da legislação penal quanto à discriminação No contexto histórico, o primeiro diploma legal que vigorou no Brasil eram as Ordenações Filipinas, o qual permitia a realização de atos discriminatórios. (BORNIA, 2007, p. 104) Posteriormente, passou a ter vigência o Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, o qual mantinha o racismo como prática possível, dispensando ao negro tratamento diferenciado em relação aos brancos. Mesmo após a abolição da escravidão em 1888 e consignada a igualdade para todos os brasileiros, o novo Código Penal, de 1890, não vedava o racismo, nem a discriminação em geral. Depois, em 1940, mesmo com a instituição de um novo Código, não houve avanço significativo em relação às discriminações raciais e sexistas. Foi só no início da década de 1950 que a Lei 1.390, de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos, incluiu a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor entre as contravenções penais, prevendo nove artigos referentes a esta problemática. (BORNIA, 2007, p. 110) Contudo, além da lei limitar-se às discriminações de raça e cor, pouca eficácia apresentou em razão da recusa das vítimas em denuncias os casos, além das imperfeições da própria lei e o posicionamento da jurisprudência da época, que exigia a constatação do especial motivo de agir para tipificação do delito. Ademais, por ser contravenção, a pena era demasiadamente branda, não sendo capaz de inibir as práticas discriminatórias muito comuns na ocasião. Posteriormente, o deputado Carlos Alberto de Oliveira apresentou o projeto de Lei 668/88, transformado em 15.01.1989 na Lei 7.716/89, que se tratava de uma nova lei antidiscriminatória, pioneira em considerar crime o ilícito resultante de preconceito de raça e cor. Os atos resultantes de preconceito de sexo e estado civil eram tipificados como injúria ou constrangimento ilegal. (BORNIA, 2007, p. 114) Para suprir esta lacuna, publicou-se a Lei 8.081/90, que acrescentou à Lei 7.716/89 o artigo 20, §§ 1º e 2º, pelos quais se tornava crime os atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza. Houve, ainda, outras modificações que ampliaram seu alcance, determinadas pelas Leis ns. 8.081/90, 8.882/94 e 9.459/97, e atualmente, a Lei 7.716/89, também conhecida como Lei Caó ou Lei do Preconceito, vigora em nosso ordenamento jurídico com o escopo de afastar o preconceito e a discriminação à grupos minoritários que necessitam de respaldo. 3.2. PROJETO DE LEI Nº 122/2006 A criminalização da homofobia foi discutida pela primeira vez pelo Projeto de Lei 5003/2001, o qual foi aprovado pela Câmara e atualmente tramita como Projeto de Lei 122/2006. O referido Projeto define claramente a homofobia, a transfobia e as demais discriminações de gênero, contudo, encontra-se estagnado no Senado Federal, sem aprovação ou rejeição. Visando criminalizar a discriminação motivada unicamente pela orientação sexual ou na identidade de gênero, possui, atualmente, a seguinte Ementa: Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3º do art. 140 do DecretoLei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para definir e punir os crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito. Preconceito e discriminação não se confundem. Enquanto o primeiro se traduz em um juízo mental negativo, o segundo é o próprio tratamento diferenciado de alguém por motivos preconceituosos e arbitrários. Assim, o Projeto de Lei tem como escopo incluir esta minoria no rol elencado pela Lei do Preconceito, a qual define como crime as condutas resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, inserindo em sua redação final os termos “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”, tendo em vista os crimes contra a pluralidade sexual que do preconceito decorrem. (VECCHIATTI, 2010, p. 420-425) Ademais, altera o crime de Injúria, previsto no artigo 140 no Código Penal, o qual passaria a vigorar no seguinte sentido: Art. 3º. O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 140. Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência: Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Verifica-se, portanto, que o intuito do Projeto não é a criação de novo crime ou lei e sim a inclusão desta minoria no rol das constantes na Lei do Preconceito e no crime de Injúria, previsto no Código Penal, minorias estas que sofrem preconceito e discriminação e, em razão de sua especificidade, são mortas, agredidas e injuriadas, situação que é claramente condenada por nosso ordenamento jurídico e devidamente tipificada criminalmente, todavia, sem a devida inclusão de grupos também minoritários que são os homossexuais, idosos e deficientes, sendo, portanto, claramente constitucional, razoável e necessária a criminalização da homofobia mediante a aprovação do PL 122/06. 3.3. Conceito jurídico-constitucional de racismo cunhado pelo Supremo Tribunal Federal Da análise do HC 82.424-2/RS, também conhecido como caso Ellwanger, julgado pelo STF, cunhou-se um conceito jurídico-constitucional de racismo, mediante o qual se pode verificar a constitucionalidade da classificação da homofobia como racismo, já que, de acordo com a Suprema Corte, o racismo é conceituado juridicamente como sendo discriminações por razões histórico-político-sociais, de modo a inferiorizar a outrem. Logo, a homofobia se enquadra perfeitamente nesse conceito, devendo ser punida da mesma forma, ou seja, deve entrar no campo de abrangência da Lei 7.716/89, por analogia. A Procuradoria- Geral da República também assim se posicionou ao defender que o art. 20 da Lei do Preconceito deveria ser aplicada à determinado parlamentar que incitou discursos de ódio homofóbicos, tema que suscita de julgamento no STF (Inq. 3590; MI 4733). Tais posicionamentos ratificam e tornam inequívoca a constitucionalidade do PLC 122/06, o qual visa basicamente a inclusão da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero nos tipos penais constantes na Lei 7.716/89, criminalizando, portanto, ofensas à coletividade LGBT, incitações e atos discriminatórios e preconceituosos, bem como equiparando a punição à injúria racial àquela praticada contra homossexuais. (VECCHIATTI in DIAS, 2014, p. 759) 3.4. Da obrigação constitucional de criminalizar a homofobia de forma específica Caso assim não se entenda, há de se considerar, no mínimo, que a homofobia se enquadra no conceito de discriminações atentatórias a direitos fundamentais, uma vez que oprime pessoas homossexuais no exercício de seus direitos fundamentais à livre orientação sexual, à livre identidade de gênero (art 5º, §2º, da CF/1988), à tolerância e à segurança (art. 5º, caput), mediante ofensas, ameaças, agressões, discriminações e até assassinatos. Disso decorre a obrigação constitucional da criminalização específica destas discriminações, uma vez que a Constituição impõe a criação de leis referentes à determinadas condutas, como é o caso da criminalização do “racismo” e das “discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLII e XLI, respectivamente). (VECCHIATTI in DIAS, 2014, p. 765) Como é cediço, em relação aos homossexuais não há qualquer respaldo nesse sentido, caracterizando a proteção deficiente do Estado Brasileiro, ou seja, configura hipótese de inconstitucionalidade por omissão, em razão da violação do princípio da proporcionalidade. Tendo em vista tal premissa, foi impetrado no SFT o Mandado de Injunção 4.733, em nome da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, no qual se vislumbra a criminalização específica da homofobia e da transfobia, o que declararia a omissão inconstitucional do Congresso Nacional na efetivação de tais criminalizações. Foi também proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (ADO 26), em nome do Partido Popular Socialista (PPS), pelas mesmas razões supramencionadas. Ambas possuem os mesmos pedidos, ou seja, a declaração de mora inconstitucional, fixação de prazo razoável para o Legislativo saná-la, exercício de função legislativa atípica pelo STF para criar a norma geral e abstrata em questão e a responsabilidade civil do Estado, a fim de que indenize as vítimas de homofobia neste âmbito enquanto não há previsão legal criminal. Quanto à responsabilização civil por práticas homofóbicas enquanto não existe crime específico que condene as discriminações por orientação sexual ou identidade de gênero, como se sabe, qualquer negligência que gere danos a outrem é um ato ilícito e gera o dever legal de indenizar, conforme dispõe o Código Civil vigente. Tendo em vista que o Estado responde pelos danos que seus agentes causarem a terceiros (art. 37, §6, da CF/1988), diz-nos Vecchiatti (2014, p. 778) que, “constatado o dever de agir, caracterizada está a responsabilidade civil do Estado também por suas omissões ilícitas/inconstitucionalidades”. Tem-se, portanto, que é obrigação do Estado a criminalização da discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero, seja porque ela se equipara ao racismo ou em virtude da omissão legislativa constitucional de criminalizar atos atentatórios a direitos e liberdades fundamentais, que, no caso em contento, são a livre orientação sexual e a livre identidade de gênero. 4. Outros Projetos Como dito, a criminalização da homofobia não necessariamente consiste em criar um tipo penal chamado homofobia e lhe cominar uma pena fixa, uma vez que a discriminação em razão da identidade de gênero e orientação sexual, caracterizadora da homofobia, pode estar presente em vários tipos penais já existentes. Desse modo, existem projetos de lei que criminalizam a homofobia alterando um ou mais tipos penais, acrescentando-lhes, seja como elementar, causa de aumento de pena ou qualificadora, a motivação por preconceito de identidade ou orientação sexual. (RAMOS, 2015) Atualmente, em tramitação no Congresso Nacional, além do PLC 122/06, existem os seguintes projetos de lei que criminalizam a homofobia, à exemplo do PLS 31/10, PLS 457/11 e PLS 236/12. 5. DIREITO COMPARADO A análise do direito no que tange a questão da criminalização da homofobia em diversos países constitui ferramenta importante para a construção e fundamentação de juízo em relação a matéria. No Brasil, o tema vem sendo objeto de ampla discussão na sociedade, mediante a apresentação de Projetos de Lei pelos parlamentares ao Congresso Nacional, que de forma geral, visam alterar um ou mais tipos penais, acrescentandolhes aumento de pena ou qualificação específica quando a motivação do crime for fundada por preconceito ou discriminação por identidade de gênero ou orientação sexual. (RAMOS, 2015) Vale ressaltar que o conhecimento dos modelos jurídicos de outros povos tem relevância também para evidenciar a inadequação de determinado ornamento no que se refere à regulamentação de determinado assunto, fornecendo exemplos de regulação, de forma a contribuir para a elaboração de um ordenamento jurídico que supra os anseios da sociedade em questão. Diversos países, bem como Organismos Internacionais já regulamentam a proteção de seus cidadãos contra crimes praticados em razão de preconceito ou discriminação por identidade de gênero ou orientação sexual, o que caracteriza a homofobia. (BAHIA, 2012). Alguns avanços legislativos no mundo serão apresentados a seguir, a título de exemplificação de modelos existentes, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas fornecendo uma visão geral de tendências de regulamentação que têm sido adotadas no mundo. Nos Estados Unidos da América, em 2009, foi aprovada uma alteração na legislação, cuja aplicação se deu em âmbito federal, incluindo a temática da identidade de gênero e orientação sexual, na tipificação e qualificadoras de crimes contra a pessoa homossexual. Trata-se da “Mattthew Spepard Hate Crimes Prevention Act”, alteração constante a Seção 16, Titulo 18, §249, onde se lê em seu preâmbulo que a violência motivada por orientação sexual é matéria de ordem nacional e que os Estados e as autoridades locais são responsáveis pela prevenção e combate a violência por discriminação. A Lei prescreve ainda em seu § 249 os “Hate crime acts”, ou seja, a tipificação dos crimes e as penalidades previstas. Na Noruega foi aprovado em 2006 a Lei de Ações Anti-Discriminação, com objetivo de promover a igualdade de oportunidade e direitos e prevenir todo tipo de discriminação, provocando desta forma a alteração do Código Penal norueguês, incluindo no artigo 135 a discriminação por orientação sexual ou estilo de vida. No Reino Unido, a Equality Act 2010 Charter 5, estabelece ampla proteção contra a discriminação, constando na Part 2 – chapter 1, quais são os fatores protegidos pela Lei, elencados como deficiência, mudança de sexo, casamento (ou uniões civis), raça, religião ou crença, gênero e orientação sexual. No capitulo 2, são descritas as condutas não permitidas tipificadas como discriminação direta e indireta e as penalidades previstas. Em 2007 o Código Penal Português estabeleceu, no artigo 132, II, "f", como circunstância agravante, o homicídio qualificado por motivo de ódio, inclusive no tocante à orientação sexual, e, no artigo 240, tipificou especificamente como crime a homofobia e instituiu penalidades para qualquer forma de discriminação por motivo de orientação sexual, raça ou credo. Na França, o “Code du Travail” (Anexo D) em seu artigo L122-45 incluiu a vedação contra discriminação por orientação sexual. Já na América do Sul, a Colômbia realizou recente alteração do Código Penal pela Lei n. 1482, de 2011, que acrescentou o Cap. IX ao Título I do CP penalidades por atos de discriminação promovidas em função de gênero ou orientação sexual . No Chile, a Lei 20.609 de 2012, conhecida como “Ley Zamudio” estabelece medidas contra a discriminação, tendo como objetivo fundamental, a criminalização de atos discriminatórios, incluindo-se os cometidos por discriminação por orientação sexual e gênero. Assim, podemos notar, aqui, as semelhanças entre as leis supracitadas e o PLC 122/06, o que demonstra, mais do que nunca, que o projeto nada mais faz do que se colocar a par do que já existe em vários países do mundo. 6. CONCLUSÃO A homoafetividade faz parte da existência humana e, no contexto histórico e cultural das sociedades, foi, em diversos momentos, intolerada, a ponto de haver preconceito, discriminação, censura moral e até criminalização. Haja vista que a ciência jurídica se ocupa de ordenar condutas e que, a nível mundial, não obstante os países que ainda criminalizam as relações homoafetivas, a América Latina é reconhecida internacionalmente em seu pioneirismo em relação aos esforços para a promoção da igualdade e contra as leis segregacionistas a esse grupo de pessoas, é de imenso interesse ao Direito regulamentar essas condutas e assegurar o respaldo jurídico que lhes é garantido constitucionalmente como cidadãos. A Constituição Federal de 1988 é um pilar principológico que possibilitou a evolução de métodos argumentativos e axiológicos, mediante a atribuição de força normativa aos princípios, introduzindo e equiparando o princípio da dignidade da pessoa humana aos princípios da soberania, cidadania, pluralismo e à livre iniciativa, o que possibilitou a construção de um novo sentido à ciência jurídica, assumindo a jurisprudência o papel de tornar efetivos direitos nem sempre expressos, mas implícitos em nosso ordenamento, já que a Carta Magna alberga fins e valores que devem ser levados em conta para determinar as soluções em casos de preconceito que impedem a sociedade livre, solidária e tolerante a que aspira o constituinte de 1988. Partindo dessa premissa, a análise da lei 7.716/89 e do Projeto de Lei 122/06 corrobora com esse entendimento e demonstra concretamente a necessidade de criminalização no Brasil das condutas que atentam à direitos fundamentais, quais sejam, a livre orientação sexual e a livre identidade de gênero, de modo a garantir que princípios constitucionais sejam preservados, principalmente aqueles que se referem à tolerância, segurança jurídica, dignidade da pessoa humana e à igualdade. Verifica-se, desse modo, a obrigação constitucional da criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, haja vista a conceituação do termo racismo, dada pelo STF, abarcar todas as situações em que uma pessoa é discriminada por questões histórico-político-sociais, conceito este que se enquadra perfeitamente na homofobia, razão pela qual o projeto de Lei 122/06, que visa incorporar esta minoria no rol constante na Lei do Preconceito, é sim constitucional. Ademais, inegável que a homofobia se encontra no âmbito de proteção da ordem constitucional de legislar criminalmente, tanto em razão de se enquadrar no conceito ontológico-racional de racismo, quanto por ser, no mínimo, uma discriminação atentatória a direitos e liberdades fundamentais. Contudo, ainda que demonstrada a importância do tema homofobia e a sua criminalização, verifica-se a sua inquestionável ausência na pauta do Congresso Nacional. Os projetos de lei em andamento estão parados, presos à tramitação do Projeto de Lei do Novo Código Penal, que atualmente excluiu de seu texto a criminalização da homofobia. Outrossim, consorte as balizas constitucionais e principiológicas de nossa Carta Magna e a maior elucidação social sobre a homoafetividade e a favor da pluralidade, ainda são intrínsecos à nossa sociedade o preconceito e a discriminação às relações homoafetivas, sendo importante a manutenção e ampliação dos esforços para que acesso a justiça e a proteção punitiva do Estado sejam efetivos e para todos, razão pela qual acreditamos na necessidade de criminalização da homofobia e permaneceremos estudando, aspirando continuar contribuindo. 7. REFERÊNCIAS ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Ciência Política, Estado e Direito Público: uma introdução ao direito público da contemporaneidade. São Paulo: Verbatim, 2011. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Homofobia no Brasil, resoluções internacionais e a Constituição de 1988. Teresina: Revista Jus Navigandi, ano 17, n.3269, 13 jun. 2012. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 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