Colleen Mccullough - Os Favoritos De Fortuna

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COLLEEN McCULLOUGH
Os Favoritos de Fortuna
Título original Fortune’s Favorites
EDITORA DIFEL LDA
Avenida do Forte, 3
Edifício Suécia — Piso 2
Carnaxide
2795 LINDA-A-VELHA / PORTUGAL
http://groups-beta.google.com/group/digitalsource
TOPOGRAFIA E ESTRADAS
LISTA DE MAPA:
MAPAS
Págs.
O Próximo Oriente romano (com particular referência aos movimentos de César e Verres)
(páginas interiores da frente)
Itália: Topografia e Estradas 10
Itália (Norte) e Gália Italiana (Centro Sul) 59, 171, 672
Itália (Centro Leste) 65
Cerco de Ofela a Preneste;
Ocupação da Via Latina por Sila 188
Rota seguida pelos samnitas até à Porta Colina em Roma 201 O Helesponto, a Propôntide (Mar de
Mármara), o Bósforo
Trácio, a Bitínia, a Província asiática da Mísia e Lesbos 478
O Oriente (com relevo para as conquistas de Tigranes).... 543
Rota seguida por Pompeu nos Alpes 701
As Hispâmas 709
Movimentações de Espártaco (73-71 a.C.) 919
Itália (Sudoeste) 938
ILUSTRAÇÕES
Nicomedes in Epífanes Filopator 12
Jovem Pompeu 38
Lúcio Cornélio Sila Félix 242
Quinto Cecílio Metelo Pio 356
Lúcio Licínio Lúculo 528
Caio Júlio César 592
Quinto Sertório 696
Marco Licínio Crasso 784
O Cônsul Pompeu 964
Anfiteatro dos Comícios 1080
ínsula de Aurélia 1109
Magistrados Romanos 1118
Corte da Toga 1147
Ticlínio 1153
Alguns acontecimentos da História de Roma anteriores a O Primeiro Homem de Roma (páginas
interiores finais)
SINOPSE Desejaria que pudesse ser lido com o máximo prazer como um romance completo
e autônomo, sem que o leitor precisasse de conhecer Coroa de Erva e O Amor e o Poder. Esta sinopse
fornece um breve resumo destes dois livros, a fim de que o leitor possa acompanhar a presente obra
com maior comodidade e prazer.
ACONTECIMENTOS NARRADOS EM O AMOR E O PODER
Estamos no ano 110 a.C. Mais por acidente do que por um desígnio claro, a República de
Roma começou a conquistar o seu império territorial, um processo de expansão que levantou
problemas cada vez mais intoleráveis a uma constituição que se revelava antiquada. Esta constituição
fora elaborada para regulamentar a vida de uma pequena cidade-estado e proteger os interesses da sua
classe dirigente, a qual, no ano 110 a.C., era ainda representada pelo Senado.
A verdadeira profissão de Roma era a guerra. Roma conduzia de forma soberba os assuntos
da guerra e acabara por depender da ordem para manter o crescimento e uma economia florescente;
além disso, mantinha as várias nações que existiam em Itália numa posição subordinada, negando aos
seus povos a cidadania romana e a paridade no comércio.
Mas a voz do Povo ouvia-se cada vez mais alto e uma série de demagogos políticos, como
os irmãos Graco, tinham surgido com a intenção confessa de privar o Senado do seu poder. O poder
viria a ser transferido para o Povo, nas pessoas de cidadãos romanos de uma escala social ligeiramente
inferior, os cavaleiros, que eram basicamente negociantes abastados. (No mundo antigo, a agitação
visando a transformação social nunca teve por fim a defesa dos pobres; pelo contrário, tomou a forma
de uma luta entre a aristocracia fundiária e a plutocracia comercial).
No ano 110 a.C., Caio Mário, então com quarenta e sete anos, era praticamente um
desconhecido, vindo do pequeno distrito latino de Arpino. Graças a uma superlativa capacidade
militar, conseguiu subir à segunda posição mais importante do governo eleito — o cargo de pretor —
e acumulou vastas riquezas. Mas Mário desejava ardentemente ser cônsul (o topo da hierarquia),
embora soubesse que, tendo um nascimento e uma linhagem obscuros, lhe seria impossível subir tão
alto. O cargo de cônsul pertencia aos aristocratas fundiários, com linhagens veneráveis, que nunca se
tinham dado ao trabalho de ganhar dinheiro através do comércio.
Um encontro fortuito com um senador patrício empobrecido (os patrícios constituíam, no
seio da aristocracia, a classe mais elevada), Caio Júlio César (avô do grande César), permitiu a Mário
aumentar as suas possibilidades de chegar a cônsul. Em troca do financiamento das carreiras dos dois
filhos do velho César e da oferta de um dote para a mais nova das duas filhas de César, Mário recebeu
em casamento a filha mais velha, Júlia. Este facto enobreceu a família de Mário e deu um impulso
fortíssimo à sua imagem eleitoral.
Já casado com Júlia, Mário e o seu amigo e epistológrafo Públio Rutflio Rufo deixaram Roma,
no ano 109 a.C., para travarem uma guerra contra o rei Jugurta da Numídia. Mas Mário não era o
comandante-chefe; este cargo fora atribuído ao aristocrata Metelo (que mais tarde se autodenominaria
Metelo Numídico, em comemoração da sua guerra contra a Numídia, mas a quem Mário atribuíra um
cognome particularmente pejorativo: o Suíno). com Metelo Numídico encontrava-se o seu filho de 20
anos, Metelo Pio, o Bacorinho.
A guerra em África avançou lentamente, já que Metelo Numídico não era um general
particularmente credenciado. No ano 108 a.C., Mário pediu que o libertassem do seu cargo de legado
sénior, a fim de poder voltar a Roma, pois queria disputar um dos dois lugares de cônsul para o ano
de 107 a.C. Metelo Numídico recusou-se a deixá-lo partir e Mário, através de cartas, lançou uma
campanha de críticas e queixas contra a conduta do seu superior na chefia da guerra. A campanha de
Mário acabou por ter êxito e Metelo viu-se obrigado a libertar Mário do serviço em África. Contudo,
antes de Mário ter deixado o continente africano, a profetisa Marta vaticinou-lhe que havia de ser
cônsul de Roma por sete vezes (um facto sem precedentes) e que haviam de chamar-lhe o Terceiro
Fundador de Roma; mas disse-lhe também que um sobrinho da sua esposa, de nome Caio, viria a ser
o maior romano de todos os tempos. Esse sobrinho não tinha ainda nascido. Mário acreditou
firmemente nesta profecia.
Regressado a Roma, Mário foi eleito cônsul júnior para o ano de 107 a.C. Recorreu então ao
corpo legislativo denominado Assembleia da Plebe para aprovar uma lei que retirava o comando da
guerra contra Jugurta da Numídia a Metelo Numídico Suíno; o comando dessa guerra passaria para as
mãos de Mário.
Contudo, o principal problema era obter soldados. As seis legiões que Metelo Numídico
comandara em África encontravam-se reservadas para uso do outro cônsul do ano de 107 a.C. A Itália
encontrava-se literalmente sem homens recrutáveis para servirem nos exércitos de Roma: demasiados
homens tinham morrido inutilmente em batalhas nos quinze anos anteriores, graças a uma série de
generais absolutamente incompetentes, embora com linhagens cem por cento aristocráticas. E os
importantes amigos de Metelo Numídico, sentindo como um ultraje a decisão de Mário de lhe retirar
o comando da guerra, conspiravam para o impedir de encontrar novos soldados.
Mas Mário, um iconoclasta do ponto de vista das ideias, conhecia um manancial de tropas
que nunca fora explorado, os capite censi, os mais pobres dos cidadãos romanos, a classe mais baixa,
sem bens de nenhum tipo, e resolveu formar o seu exército com homens dessa classe. Um conceito
revolucionário!
Até então, os soldados de Roma tinham de possuir terras e de ser suficientemente abastados
para financiarem a compra de armamentos e para se equiparem com o seu próprio dinheiro; fora esta
classe de proprietários bastante prósperos que, durante séculos, fornecera soldados a Roma. Agora,
estes homens tinham praticamente deixado de existir, e as suas pequenas propriedades tinham passado
para as mãos dos homens do Senado ou para os mais abastados dos cavaleiros-comerciantes. Tinham
entretanto surgido vastas extensões de terra, os latifundia, que dependiam do trabalho dos escravos,
o que implicava o desemprego para muitos homens livres.
Quando Mário disse que ia recrutar soldados entre os capite censi, gerou-se um furor nunca
visto. Apesar da violenta oposição dos aristocratas do Senado e de muitos dos cavaleiros-comerciantes,
Mário seguiu em frente com a sua proposta e fê-la aprovar pela Assembleia da Plebe. Depois,
promulgou uma outra lei, também através dessa assembleia, obrigando o Tesouro de Roma a financiar
o armamento e o equipamento da sua legião de indigentes.
Quando Mário embarcou para África, levou consigo seis legiões de soldados pobres, gente
que o Senado considerava sem valor ou incapaz de lealdade. com ele seguia também o seu questor
(um magistrado júnior responsável pelas finanças), Lúcio Cornélio Sila. Sila acabara de casar com Julila,
a filha mais nova do velho César, e era, portanto, cunhado de Mário.
Sila era quase o exacto oposto de Mário. Sila, um aristocrata com uma bela figura, com uma
linhagem irrepreensivelmente patrícia, fora impedido de entrar para o Senado por causa da sua extrema
pobreía — até que uma série de ardilosos assassínios lhe permitiram herdar as propriedades da sua
amante, Nicópole, e da sua madrasta, Clitumna. Ambicioso e de uma crueldade sem par, Sila também
acreditava no seu destino. Mas os seus primeiros trinta e três anos de vida tinham sido passados num
mundo ignóbil, os bas-fonds do teatro, deixando-o obcecado por um segredo que, para ele, era
perigoso; numa Roma cujos cidadãos se opunham de forma inflexível à homossexualidade, Sila, se
queria subir na hierarquia e na vida, tinha de desistir do seu amor por um actor grego, Metróbio, nessa
altura ainda um adolescente.
Mário precisou de quase três anos para derrotar Jugurta da Numídia, embora a captura do
rei tivesse sido realmente obra de Sila, agora um dos legados de Mário e o homem em quem este mais
confiava. Apesar de muito diferentes no que toca à natureza e ao passado, os dois homens entendiamse muito bem. O exército de capite censi de Mário distinguiu-se nesta guerra, deixando assim os
críticos do Senado sem nada para dizer.
Enquanto Mário e Sila travavam a guerra africana, Roma viu-se confrontada com uma nova
ameaça. Um vasto conjunto de povos germânicos (os Címbrios, os Teutões, os Queruscos /
Marcomanos / Tigurinos) tinha migrado para a Gália (actual França) e infligido pesadas derrotas aos
exércitos romanos, chefiados por aristocratas incompetentes que se recusavam a cooperar com
homens que consideravam inferiores.
Sem o seu conhecimento, Mário foi eleito cônsul uma segunda vez, tendo-lhe sido atribuído
o comando da guerra contra os Germanos; apesar da oposição de Metelo Numídico e de Marco Emílio
Escauro Princeps Senatus (o líder do Senado), toda a gente em Roma acreditava agora que Mário era
o único homem capaz de derrotar os Germanos, o que explica a sua segunda eleição para o cargo de
cônsul, eleição em que não se empenhara minimamente.
Acompanhado por Sila e por Quinto Sertório, primo de Mário então com 17 anos, Mário,
no ano de 104 a.C., conduziu os seus proletarii — agora veteranos experimentados nas artes da guerra
— através da Gália Transalpina, aguardando aí a chegada dos Germanos.
Os Germanos, porém, não apareceram. Enquanto Mário ocupava as suas tropas em obras
públicas, Sila e Sertório disfarçaram-se de gauleses e lançaram-se na descoberta das verdadeiras
intenções dos Germanos. No ano de 103 a.C., Mário voltou a ser eleito cônsul. E devido aos esforços
de um tribuno da plebe, Lúcio Apuleio Saturnino, Mário foi eleito cônsul pela quarta vez em 102 a.C.
Foi nesse ano que os Germanos apareceram — e no momento certo. Os inimigos de Mário no Senado
preparavam-se para o afastar definitivamente do poder.
Graças à bem sucedida espionagem de Sila e Sertório, Mário fora avisado de que os
Germanos tinham definido uma estratégia surpreendente, o que não admirava, dado que o seu chefe,
o rei Bóiorix, era um magnífico estratego. Boiorix dividiu a sua colossal massa de soldados em três
corpos e lançou-se numa invasão da Itália em três frentes. Uma das divisões, os Teutões, deveria seguir
o rio Ródano (Reno) e entrar na Itália através dos Alpes Ocidentais; uma outra divisão, os Címbrios
(chefiados pelo próprio Bóiorix), deveria invadir o Centro-Norte de Itália através do desfiladeiro
alpino agora conhecido como o Brenner; a terceira divisão, com uma composição diversificada,
deveria atravessar os Alpes Orientais e avançar na direcção da actual Veneza. Depois, as três divisões
juntar-se-iam para invadir a península italiana e conquistar Roma.
O colega de Mário no consulado de 102 a.C. pertencia, pelo sangue, aos Césares; chamavase Quinto Lutácio Catulo César e era um aristocrata arrogante, convencido de que tinha grandes
capacidades mas que, na realidade, e como Mário sabia, não possuía o mínimo talento militar.
Preferindo permanecer onde estava, ou seja, na vizinhança da actual Aix-en-Provence, para
interceptar os Teutões, Mário foi obrigado a deixar a intercepção dos Címbrios a Catulo César (a
terceira divisão dos Germanos desistiu e regressou à Germânia muito antes da data prevista para a sua
travessia dos Alpes Orientais). Contemplado com um exército de vinte e quatro mil homens, Catulo
César recebeu ordens do Senado para marchar para norte, a fim de interceptar os Címbrios. Mário,
porém, como não confiava nele, mandou-lhe um lugar-tenente: Sila; as ordens de Sila eram claras:
deveria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para manter o precioso exército de Catulo César vivo,
apesar de todos os erros que este último pudesse cometer.
No final do Verão de 102 a.C., os Teutões, com um exército de m”is de cem mil homens,
alcançaram a posição ocupada por Mário; o exército deste contava apenas trinta e sete mil homens.
Numa batalha conduzida com génio, Mário produziu uma verdadeira carnificina nas hostes
indisciplinadas e muito pouco sofisticadas dos Teutões; os sobreviventes dispersaram e a Itália viu-se
livre da ameaça vinda do oeste.
No entanto, mais ou menos na mesma altura em que Mário desbaratava os Teutões, Catulo
César, Sila e o seu pequeno exército tinham penetrado no vale alpino do rio Athesis (actual Adige).
Foi aí que encontraram os Címbrios, que tinham acabado de atravessar o desfiladeiro do Brenner.
Dado que não havia espaço para manobrar as legiões, Sila insistiu junto de Catulo César para que
retirasse; Catulo César rejeitou firmemente tal proposta. Em conseqüência disso, Sila instigou um
motim e acabou por conduzir o exército para o vale do Pó, instalando o seu quartel- general em
Placentia (actual Placência), enquanto os duzentos mil homens dos Címbrios — acompanhados pelas
mulheres, pelos filhos e pelos animais — se espalharam pela parte oriental desse mesmo vale.
Eleito cônsul pela quinta vez em 101 a.C., graças à sua retumbante vitória sobre os Teutões,
Mário conduziu o grosso do seu exército para o Norte de Itália e juntou-o às tropas de Catulo César;
passou assim a dispor de cinqüenta e quatro mil homens. E, no pino do Verão desse mesmo ano, a
batalha final contra os Germanos foi travada nos campos de Vercelas, perto do sopé dos Alpes
Ocidentais. Bóiorix foi morto e os Címbrios aniquilados. Mário tinha salvo a Itália e Roma dos
Germanos, os quais, durante os cinqüenta anos que se seguiram, permaneceriam uma força pura e
simplesmente inoperante.
No entanto, a inimizade que Metelo Numídico, Escauro Princeps Senatus, Catulo César e
muitos outros votavam a Mário cresceu ainda mais, já que ele foi aclamado como o Terceiro Fundador
de Roma e conseguiu ser eleito cônsul pela sexta vez no ano de 100 a.C.
Nesse ano, assistiu-se a uma tempestuosa mudança dos acontecimentos do campo de batalha
para o Fórum Romano, que se transformou no palco de sangrentas confrontações e da mais
desenfreada demagogia política. Saturnino, partidário de Mário, conseguira (com o apoio do seu aliado
Gláucia e o assassínio de um tribuno da plebe) ser eleito tribuno da plebe uma segunda vez, e, valendose deste cargo (famoso pelos radicais e demagogos que o ocuparam), procurou obter concessões de
terras para os já veteranos soldados de Mário.
Este era o aspecto negativo que apresentava o recrutamento de homens sem bens pelas
legiões; não possuindo nada e recebendo remunerações mínimas, estes homens, depois de Roma ter
usado e abusado dos seus talentos militares, tinham de ser recompensados. Mário prometera-lhes a
concessão de terras — mas não em Itália. O seu objectivo era espalhar a cultura e os hábitos romanos
através das muitas províncias do império (províncias onde Roma possuía vastas extensões de terras
públicas), instalando os seus militares veteranos no estrangeiro. Na realidade, a agitada questão da
concessão de terras públicas de Roma aos veteranos das classes inferiores acabaria por contribuir
fortemente para a queda da República de Roma, já que o Senado, demonstrando vistas curtas e muito
pouca compreensão do problema, se recusou sempre a cooperar com os generais de Roma, opondose decididamente à concessão de terras. Assim, à medida que o tempo foi passando, estes veteranos
dos capite censi acabaram por concluir que era mais vantajoso obedecer em primeiro lugar aos seus
generais (porque estes queriam dar-lhes terras) e só depois a Roma (porque, corporizada no Senado,
Roma se mostrava relutante em dar-lhes terras).
A oposição senatorial às duas leis agrárias de Saturnino revelou-se obstinada e violenta, ainda
que Saturnino contasse algum apoio entre as classes altas. A primeira lei teve êxito, mas a segunda só
foi promulgada depois de Mário ter obrigado os membros do Senado a jurar que apoiariam a sua
execução. Ninguém conseguiu convencer Metelo Numídico a proceder a este juramento, pelo que se
exilou voluntariamente depois de ter pago uma pesada multa — o castigo por não ter feito o
juramento.
Porém, Escauro Princeps Senatus conseguira enganar Mário (que tinha menos talentos
políticos que militares) durante os debates em torno da segunda lei, levando-o a admitir que havia uma
possibilidade de que ambas as leis fossem inválidas. Até esse momento inteiramente leal a Mário,
Saturnino virou-se contra Mário, e também contra o Senado, e começou a tramar a queda de ambos.
Infelizmente para Mário, a sua saúde escolheu esse momento para o apoquentar; uma
pequena trombose obrigou-o a retirar-se da vida política por alguns meses, durante os quais Saturnino
pôde conduzir à vontade as suas intrigas.
O produto das colheitas costumava chegar a Roma no Outono, mas uma seca assolou todo
o Mediterrâneo, arruinando a agricultura. Pelo quarto ano consecutivo, a gente pobre de Roma tinha
de enfrentar a escassez de cereais e os preços altos dos mesmos. Este estado de coisas proporcionou
a Saturnino a oportunidade por que esperava. Decidiu tornar-se o Primeiro Homem de Roma: não
como cônsul, mas na qualidade de tribuno da plebe, posição que lhe permitia controlar as vastas
massas populares que, agora, se concentravam todos os dias no Fórum Romano para protestar contra
as privações do próximo Inverno. Não eram as classes mais baixas que Saturnino procurava conquistar
quando apresentou a sua lei dos cereais, visando o fornecimento de cereais financiado pelo Estado;
de facto, quem ele pretendia conquistar eram os mercadores e as corporações de comerciantes, que
viam os seus negócios ameaçados porque as classes inferiores não tinham alimentos que chegassem.
Os votos das classes mais baixas não tinham qualquer valor, mas os votos dos mercadores e das
associações de comerciantes significavam, para Saturnino, um apoio importante tendo em vista o
derrube do Senado e de Caio Mário.
Mais ou menos recuperado da trombose, Mário convocou uma assembleia do Senado para
o primeiro dia de Dezembro do ano 100 a.C., a fim de ver o que poderia ser feito para deter Saturnino,
o qual planeava agora disputar pela terceira vez o cargo de tribuno da plebe, enquanto o seu amigo
Gláucia disputava o cargo de cônsul. Nenhuma destas candidaturas era propriamente ilegal, mas ambas
eram fortemente reprovadas porque desprezavam os costumes romanos.
O auge do conflito verificou-se durante as eleições consulares quando Gláucia assassinou
outro candidato. Mário convocou o Senado, que aprovou o seu Ultimato (uma espécie de lei marcial);
o Senado e os seus adeptos pegaram em armas e o Fórum Romano foi o palco da batalha. Saturnino
e Gláucia tinham pensado que as classes mais baixas, ameaçadas com o espectro da fome, se
revoltariam. Porém, essas classes não estavam predispostas para a revolta. Pelo contrário:
tranqüilamente, recolheram a suas casas. Usando Sila como seu braço direito, Mário derrotou as
limitadas forças de que Saturnino dispunha. Saturnino procurou asilo no templo de Júpiter Optimus
Maximus, mas foi forçado a render-se quando Sila cortou o fornecimento de água ao Capitólio.
Gláucia suicidou-se, mas Saturnino e os seus amigos foram presos no Senado até poderem
ser julgados por traição — e todos os senadores sabiam que esse julgamento iria reduzir a pó a já
vacilante estrutura constitucional de Roma. Sila resolveu o problema, chefiando secretamente um
pequeno grupo de jovens aristocratas que, depois de subir ao telhado do Senado, matou Saturnino e
os seus adeptos bombardeando-os com telhas.
A lei dos cereais de Saturnino foi revogada, mas Mário, agora com 57 anos, teve de enfrentar
o facto de que a sua carreira política chegara ao fim. Cônsul por seis vezes, dir-se-ia que a profecia
segundo a qual seria sete vezes cônsul nunca se concretizaria. Mas Sila esperava ser eleito pretor no
prazo de um ano. Decidiu, por isso, que teria de afastar-se de Mário, agora politicamente odioso, a fim
de preservar a sua própria carreira.
Durante estes dez anos, as vidas privadas e as relações amorosas de Mário e Sila conheceram
evoluções diferentes.
O casamento de Mário e Júlia conheceu uma fase feliz. Tinham um filho, nascido em 109
a.C., o seu único filho, o jovem Mário. O velho César morreu, mas ainda pôde ver os seus dois filhos
com perspectivas seguras de um triunfo nas carreiras política e militar. O seu filho mais novo, Caio,
casou com a bela e rica filha de uma família famosa, os Aurélios Cotas, a jovem Aurélia, e o casal
tomou a sensata decisão de se instalar na casa dela, na Subura, uma zona de Roma mal afamada.
Tiveram duas filhas e, finalmente, em 100 a.C., um filho (o grande César), o qual era, evidentemente,
como Mário imediatamente reconheceu, a criança da profecia — o mais notável romano de todos os
tempos. Mário decidiu que tentaria frustrar esta parte da sua tão querida profecia.
O casamento de Sila com a filha mais nova do velho César, Julila, não foi feliz, sobretudo
por causa da natureza febril e excessivamente dramática de Julila. Dois filhos nasceram desse
casamento, uma rapariga e um rapaz. Amando Sila obsessivamente, Julila estava consciente de que o
coração do marido não lhe pertencia inteiramente, embora não fizesse a mínima ideia das suas
verdadeiras inclinações sexuais. A infelicidade arrastou-a para o alcoolismo e, à medida que os anos
foram passando, tornou-se completamente dependente do vinho.
Foi então que se deu um episódio insólito: o jovem actor grego Metróbio foi visitar Sila na
sua própria casa. Ao ver Metróbio, Sila fraquejou na sua decisão de nunca mais se envolver
sexualmente com o actor. Sem que os dois homens se dessem conta disso, Julila viu-os fazendo amor.
A mulher de Sila suicidou-se nesse instante. Posteriormente, Sila casou com uma viúva sem filhos,
uma mulher encantadora de excelentes famílias, Élia, a fim de que os filhos do seu primeiro casamento
pudessem ter uma mãe.
Escauro Princeps Senatus teve um filho que foi considerado culpado de cobardia quando
servia no exército de Catulo César, no Norte de Itália. com o desgosto, Escauro deserdou o jovem,
que se suicidou. Escauro, agora perto dos sessenta anos, não perdeu tempo e casou com a noiva do
filho, uma jovem de 17 anos, filha do irmão mais velho de Metelo Numídico, chamada Dalmática.
Ninguém perguntou à jovem o que pensava desta união.
E o jovem Marco Lívio Druso, um aristocrata eminente, filho de um homem famoso,
arranjou em 105 a.C. um duplo casamento: casou com a irmã do seu melhor amigo, o patrício Quinto
Servílio Cepião, e este casou com a irmã de Druso, Lívia Drusa. Da união de Druso não nasceram
filhos, mas Cepião e Lívia Drusa tiveram duas meninas, a mais velha das quais, Servília, viria a ser a
mãe de Bruto e a amante do grande César.
ACONTECIMENTOS NARRADOS EM COROA DE ERVA Estamos no ano de 98 a.C.,
quase dois anos depois dos acontecimentos com que termina O Amor e o Poder — mas dois anos
em que não sucedeu nada de especialmente importante.
Sila sentia-se absolutamente entediado com os encantos e o caracter bondoso da sua segunda
mulher, Élia, e atormentado pelo ardente desejo que o impelia para duas outras pessoas — o jovem
actor grego Metróbio e a esposa de Marco Emílio Escauro Princeps Senatus, Dalmática, então com
19 anos. Porém, como a ambição e o sentimento de que tinha um destino a cumprir continuavam a
sobrepor-se a todas as suas outras paixões, Sila tomou a inabalável decisão de não voltar a ver
Metróbio, recusando-se também a encetar um caso amoroso com Dalmática.
Infortunadamente, Dalmática não era tão disciplinada e controlada como Sila, acabando por
exibir em público as suas paixões, ao falar, sem qualquer pejo, do seu amor não correspondido por
Sila. Escauro, humilhado, exigiu que Sila abandonasse Roma para que, de uma vez por todas,
cessassem os boatos. Sila, porém, recusou-se a partir, pois considerava que não tinha a mínima culpa
no caso e que Escauro se estava a comportar de uma forma muito pouco razoável. Tencionava
disputar a eleição para o cargo de pretor e, por isso, tinha de permanecer em Roma. Embora sabendo
perfeitamente que Sila estava inocente, o velho Escauro bloqueou a sua eleição e encerrou Dalmática
em casa.
Vendo que a sua carreira política se encontrava num impasse, Sila decidiu partir para a
Hispânia Citerior como legado do governador dessa província, o belicoso Tito Dídio. Antes de
abandonar Roma, Sila fez a corte a Aurélia, esposa de Caio Júlio César, mas foi rejeitado; furioso,
deslocou-se a casa de Metelo Numídico (que acabara de regressar do exílio) e assassinou-o. Metelo
Pio, o Bacorinho, não só não suspeitou de que Sila tinha sido o assassino do pai, como continuou a
admirá-lo e a confiar nele.
A família César prosperava. Os dois filhos do velho César, Sexto e Caio, tinham avançado
nas respectivas carreiras sob o patrocínio de Mário, embora isto implicasse que Caio permanecesse
longe de Roma a maior parte do tempo. A sua mulher, Aurélia, dirigia a sua casa e velava
eficientemente pelo bem-estar e educação das suas duas filhas e do seu admirável filho, o jovem César,
o qual, desde a mais tenra idade, demonstrou uma inteligência e capacidades absolutamente
surpreendentes. O único aspecto da vida de Aurélia que causava apreensões aos seus familiares e
amigos era a inclinação que sentia por Sila, que a visitava freqüentemente porque a admirava muito.
Vivendo ainda um eclipse político, Caio Mário partiu para umas longas férias no Oriente,
onde tencionava visitar várias regiões da Anatólia, acompanhado pela mulher, Júlia, e pelo filho, o
jovem Mário.
Em Tarso, na Cilícia, Mário ficou a saber que o rei Mitridates do Ponto tinha invadido a
Capadócia, assassinado o jovem monarca desse reino e sentado um dos seus muitos filhos no trono.
Deixando a mulher e o filho entregues aos cuidados dos nômadas, Mário viajou praticamente só para
a capital da Capadócia, onde, intrepidamente, enfrentou o rei Mitridates do Ponto.
Astuto e matreiro, Mitridates era uma curiosa mistura de cobarde e herói, de fanfarrão e
medroso. Comandava vastas forças e alargara consideravelmente o seu reino à custa de todos os seus
vizinhos, excepto Roma. Forjando uma aliança marital, Mitridates chegara a um acordo total com
Tigranes, o rei da Armênia; os dois reis projectavam unir-se, derrotar Roma e, por fim, dividir o
governo do mundo entre os dois.
Estes projectos megalómanos foram todos frustrados pelo encontro de Mitridates com
Mário, um homem que, apesar de solitário, possuía a autoconfiança necessária para ordenar ao rei do
Ponto que abandonasse a Capadócia. Embora pudesse ter morto Mário, Mitridates meteu o rabo entre
as pernas e regressou ao Ponto com o seu exército, enquanto Mário voltava para a mulher e o filho,
assim reatando as suas férias.
Os problemas em Itália estavam a chegar a um ponto fulcral. Roma mantinha uma relação
de suserania com as diversas nações semi-independentes que constituíam o xadrez da Itália penínsular.
Os Aliados Italianos, como eram chamados, há muito que suportavam uma relação desigual com
Roma e estavam perfeitamente cientes de que Roma os considerava inferiores. Roma exigia aos aliados
que lhe fornecessem soldados e que pagassem as despesas com esses mesmos soldados, que Roma
usava nas guerras no estrangeiro. No entanto, Roma tinha deixado de premiar os Aliados Italianos
com a oferta da cidadania romana, e negava aos Italianos a paridade nos negócios, tal como todos os
outros benefícios decorrentes da cidadania romana. Os dirigentes dos diversos povos italianos
protestavam agora com vigor e resolução redobrados, exigindo um estatuto idêntico ao de Roma.
Marco Lívio Druso tinha um amigo, Quinto Poppaedius Silão, que era um italiano de elevada
posição social; líder do seu povo, os Marsos, Silão estava determinado a lutar para que todos os Marsos
se tornassem cidadãos romanos. E Druso compreendia a posição do amigo. Grande aristocrata
romano, possuidor de vastas riquezas e de uma grande influência política, Druso estava seguro de que,
com o seu apoio, os Italianos obteriam a liberdade e a igualdade por que há muito ansiavam.
No entanto, os problemas surgidos no seio da família de Druso acabariam por afectar os
seus propósitos. A irmã de Druso, Lívia Drusa, fizera um casamento infeliz com o melhor amigo de
Druso, Quinto Servílio Cepião (Cepião, a partir de certa altura, começou a bater-lhe); até que Lívia
Drusa conheceu Marco Pórcio Catão, apaixonou-se e encetou com ele uma relação. Já mãe de duas
meninas, Lívia Drusa ficou grávida de Catão e precipitou uma crise familiar. Cepião divorciou-se dela
e deserdou as três crianças; Druso e a esposa apoiaram-na. Lívia Drusa casou-se depois com Catão e
deu-lhe mais dois filhos, Pórcia e o jovem Catão (o futuro Catão Uticense). Enquanto tudo isto se
passava, Druso procurava convencer o Senado da justiça da reivindicação da cidadania romana por
parte dos Italianos, mas após o escândalo de Lívia...
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