Andréia Molardi Bainy

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA
TRATAMENTO DE ENDOMETRITE EM VACAS
LEITEIRAS COM OXITETRACICLINA E LAURIL
DIETILENO GLICOL ÉTER SULFATO DE SÓDIO
INTRA-UTERINO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Andréia Molardi Bainy
Santa Maria, RS, Brasil
2012
TRATAMENTO DE ENDOMETRITE EM VACAS LEITEIRAS
COM OXITETRACICLINA E LAURIL DIETILENO GLICOL
ÉTER SULFATO DE SÓDIO INTRA-UTERINO
por
Andréia Molardi Bainy
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de PósGraduação em Medicina Veterinária, Área de Concentração em
Fisiopatologia da Reprodução, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Medicina Veterinária
Orientador: Profa. Mara Iolanda Batistella Rubin
Co-orientador: Prof° Carlos Antonio Mondino Silva
Santa Maria, RS, Brasil
2012
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Rurais
Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
TRATAMENTO DE ENDOMETRITE EM VACAS LEITEIRAS COM
OXITETRACICLINA E LAURIL DIETILENO GLICOL ÉTER SULFATO
DE SÓDIO INTRA-UTERINO
Elaborada por
Andréia Molardi Bainy
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Medicina Veterinária
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________
Mara Iolanda Batistella Rubin, Dra.
(Presidente/ Orientadora)
__________________________________________
Mari Lourdes Bernardi, Dra (UFRGS)
__________________________________________
José Laerte Nornberg, Dr. (UFSM)
Santa Maria, 23 de Março de 2012
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Armando e Margarete e às minhas irmãs pelo amor, dedicação,
apoio e incentivo para o meu crescimento pessoal e profissional.
Ao meu noivo, Rafael Salles Cabreira, pela paciência durante os dois anos da
realização do mestrado, sem dúvida o amor verdadeiro resiste ao tempo e fortalece
com distância.
À minha orientadora Dra. Mara Rubin e meu co-orientador Dr. Carlos Antônio
Mondino Silva por depositarem confiança no meu trabalho, pelos ensinamentos e
longas discussões sobre endometrite e reprodução de equinos e bovinos.
Ao Dr. Severo Sales de Barros pela disponibilidade e interesse em me ensinar, pelo
conhecimento transmitido e importantes sugestões apresentadas.
À diretoria e equipe de veterinários da B & M Assessoria em Gado Leiteiro de
Cascavel/PR pela concessão da realização de parte do experimento junto aos
produtores de leite.
Aos proprietários das unidades leiteiras que gentilmente cederam suas propriedades
e animais para execução da pesquisa, pelas longas e exaustivas horas de trabalho.
Ao Maurício Schneider Oliveira, ao Dr. Carlos Augusto Mallmann e colaboradores do
LAMIC/UFSM pela análise das amostras de leite para detecção de oxitetraciclina por
cromatografia.
À equipe do Embryolab, estagiários e mestrandos Murilo Farias Rodrigues, Ângelo
Bertani Giotto, Carlos Eduardo Porciuncula Leonardi, Gilson Antônio Pessoa e
Denize da Rosa Fraga, pela amizade e auxílio na realização do projeto de pesquisa.
Ao Dr. Luís Felipe Lopes pelo auxílio na análise estatística da pesquisa.
As empresas Bayer Saúde Animal e Vetnil por fornecerem os medicamentos para
realização da pesquisa.
Ao CNPQ pelo apoio através da bolsa de estudos.
Muito obrigada!
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária
Universidade Federal de Santa Maria
TRATAMENTO DE ENDOMETRITE EM VACAS LEITEIRAS COM
OXITETRACICLINA E LAURIL DIETILENO GLICOL ÉTER SULFATO DE SÓDIO
INTRA-UTERINO
AUTORA: ANDRÉIA MOLARDI BAINY
ORIENTADORA: PROFª MARA IOLANDA BATISTELLA RUBIN
CO-ORIENTADOR: PROF° CARLOS ANTONIO MONDINO SILVA
Santa Maria, 23 Março de 2012.
O uso de antibiótico via intra-uterina (IU) ainda é considerado controverso.
Existem poucos estudos que utilizam controles negativos e que avaliam os efeitos
dos tratamentos no desempenho reprodutivo. Além disso, não há nenhuma
informação científica sobre o uso do agente fluidificador de secreções Lauril dietileno
glicol éter sulfato de sódio (LDGESS) em associação com oxitetraciclina (OCT) via
intra-uterina (IU). Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficiência do
tratamento intra-uterino com 3 g de OCT (Grupo 1, n = 30, Tetrabac LA®, Bayer) ou
a associação de OCT com LDGESS (Grupo 2, n = 35, Tergenvet®, Vetnil) em
comparação aos grupos controles LDGESS (Grupo 3, n = 32) e solução salina
(Grupo 4, n = 31). Aleatoriamente, vacas ≥ 21 dias pós-parto diagnosticadas por
ultrassom (US) e exame vaginal com endometrite leve e moderada foram tratadas.
Antes do tratamento (D0) foi realizada citologia e biópsia endometrial e, 14 dias após
(D14), esses procedimentos foram repetidos. Amostras de leite de vacas tratadas
com OCT foram coletadas a cada 12 h até 7 dias após a infusão e analisadas por
HPLC (Cromatografia Líquida de Alta Eficiência) e espectrometria de massa. As
taxas de cura após tratamento para endometrite diagnosticada por US e exame
vaginal para as vacas do grupo 1 e 2 foram de 53% e 66%, respectivamente.
Considerando apenas endometrite leve, as taxas de cura foram de 58% e 68% para
os grupos 1 e 2, respectivamente (P > 0,05). Não houve diferença entre as taxas de
cura para endometrite leve e moderada (P > 0,05). A taxa de cura do grupo 2 para
endometrite diagnosticada por US e exame vaginal foi superior aos controles (P >
0,05). Portanto, a associação de oxitetraciclina e o fluidificador de secreções
LDGESS foi mais eficaz no tratamento de endometrite diagnosticada por US e
exame vaginal; no entanto, o mesmo não foi observado comparando vacas com
endometrite na citologia e os graus de biópsia uterina antes e após tratamento. O
período de descarte do leite é de 48 horas após o tratamento com 3 g de
oxitetraciclina IU.
Palavras-chave: fluidificador de secreções, doenças uterinas, resíduo de antibiótico
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Fisiologia Periparto. Fonte: Sheldon et al. 2009a...................................13
FIGURA 2 - Sistema de escore para endometrite clínica. Fonte: Sheldon et al.
2006............................................................................................................................15
FIGURA 3 - Ilustração esquemática dos principais mecanismos no impacto sobre a
biologia reprodutiva associada à endometrite em vacas leiteiras de alta produção.
Fonte: Sheldon et al. 2009a...................................................................................... 20
FIGURA 4 - Ultrassonografia do útero ......................................................................24
FIGURA 5 - Citologia uterina......................................................................................26
FIGURA 6 - Fotomicrografias de biopsia endometrial de vacas com
endometrite...........................................................................................................28-29
CAPÍTULO 1
FIGURA 1 - Mean and standard deviation of residue of oxytetracycline (ppb) in milk
per 12 hours interval milking after infusion of 3g of oxytetracycline intrauterine (n =
345). ………………………………..……………………….…………………………..…..70
LISTA DE TABELAS
TABLE 1 - Cure rates of the four treatment groups for all and for the two grades of
endometritis (n = 128), considering subclinical and clinical endometritis diagnosed by
ultrasound and/or vaginoscopy, respectively, before and 14 days after intrauterine
treatment.…………………………………………………………………………………....63
TABLE 2 - Cure rates between cows with eutocic and dystocic parturition (DP),
retained placenta (RP) and urovagina (URO) by treatment (n = 113) and proportions
of animals in each group by treatment (n = 120)…………………….………………….64
TABLE 3 - Cure rates for cytological endometritis diagnosed with cytobrush
technique (PMNs ≥ 5%) after intrauterine treatment (n = 75)..………………………..65
TABLE 4 - Proportions of PMNs in cytobrush technique between Grade 1 and 2 of
endometritis diagnosed by ultrasound and/or vaginoscopy……………………………66
TABLE 5 - Proportions of the results of biopsies grades before and after the
intrauterine treatment by treatment…...……………..…………………………………...67
TABLE 6 - Proportions of cows positive (PMNs ≥ 5%) and negative by cytobrush
technique and with endometritis by ultrasound, according to biopsy grade………....68
TABLE 7 - Pregnancy rates and first service conception rates for cows classified in
Grade 1, 2 or 3 in endometrial biopsy …………………………………..……………….69
LISTA DE ABREVIATURAS
D0: dia zero, dia do tratamento
D14: dia catorze, catorze dias após tratamento
D.P.P.: Dias-pós-parto
HPLC: Cromatografia Líquida de Alta Eficiência
IU: intra-uterino
LDGESS: Lauril dietileno glicol éter sulfato de sódio
OCT: oxitetraciclina
US: ultrassom
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO................................................................................. 10
2- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA........................................................... 12
2.1.Fisiologia periparto..................................................................... 12
2.2. Definições de doenças uterinas................................................ 13
2.3. Fatores de risco para doenças uterinas..................................
16
2.4. Prevalência e consequências da endometrite.......................... 17
2.5. Imunologia uterina.................................................................... 18
2.6. Bacteriologia e patogênese das doenças uterinas.................... 21
2.7. Diagnóstico de endometrite....................................................... 22
2.8. Tratamento de endometrite....................................................... 30
2.9. Oxitetraciclina e agentes fluidificadores de secreção intra- 32
uterinos.............................................................................................
2.10. Resíduos de antibióticos no leite............................................
3- CAPÍTULO I: Manuscrito................................................................
3.1. Abstract.....................................................................................
3.2. Introduction................................................................................
3.3. Materials and Methods..............................................................
3.3. Results.......................................................................................
3.4. Discussion.................................................................................
3.5. Conclusion…………………………………………………….........
3.6. References……………………………………………………........
4- CONCLUSÕES................................................................................
5- REFERÊNCIAS................................................................................
35
37
39
40
42
47
49
53
55
71
72
1. INTRODUÇÃO
A reprodução é um dos pilares principais da produção de leite (LEBLANC, 2008).
A incidência de metrite varia entre 10 a 20%, de endometrite clínica ou secreção
vaginal purulenta é de aproximadamente 15%, e de endometrite subclínica ou
citológica de 15% (LEBLANC et al., 2011). Doenças uterinas são reconhecidas por
causarem altas perdas econômicas devido à queda na produção de leite, às
menores taxas de concepção, aumento no intervalo parto concepção ou primeiro
serviço, aumento no intervalo entre partos e aumento no descarte de vacas por
falhas reprodutivas (HUSZENICZA et al., 1999; LEBLANC et al., 2002a; SHELDON
et al., 2009a). Em 1986, as perdas econômicas devido à doença uterina foram
estimadas em US$ 106 por vaca em lactação nos EUA (BARTLETT et al., 1986) e o
custo anual de doença uterina somente nos EUA é estimada em $650 milhões
(SHELDON et al. 2009a).
Os antibióticos são amplamente utilizados para o tratamento de infecções
uterinas. A antibioticoterapia intra-uterina (IU) para tratamento de endometrite tem
sido preferida à sistêmica, devido aos antibióticos administrados via intra-uterina
alcançarem maior concentração inibitória no lúmen uterino em comparação a
administração sistêmica (BRETZLAFF et al., 1983). O uso de oxitetraciclina (OCT)
via IU é um tratamento padrão rotineiramente utilizado para tratamento de
endometrite em vacas, com taxa de cura estimada em 73% para vacas com
endometrite clínica (SHELDON & NOAKES, 1998). No entanto, o tratamento de
endometrite ainda é considerado controverso entre os veterinários principalmente no
que se refere se o tratamento em si é realmente necessário (GILBERT, 1992). Há
poucos trabalhos que utilizam controles negativos e que avaliaram os efeitos dos
tratamentos na reprodução subsequente (SHELDON et al. 2009b). Além disso, não
há informações científicas sobre o uso do agente fluidificador de secreções, Lauril
dietileno glicol éter sulfato de sódio (LDGESS) em associação com a oxitetraciclina
via intra-uterina no tratamento de endometrite em vacas.
Alternativas que
possibilitem um tratamento uterino eficaz aliado a um intervalo para o descarte do
leite menor são essenciais para a sustentabilidade da atividade leiteira. A nossa
hipótese é que a associação da oxitetraciclina com o fluidificador intra-uterino
aumente a taxa de recuperação de vacas com endometrite. Portanto, o objetivo
desta pesquisa foi comparar e avaliar as taxas de recuperação das endometrites em
vacas após tratamento com 3 g de OCT (Tetrabac LA®, Bayer) ou a associação de
OCT com LDGESS (Tergenvet®, Vetnil) IU. Nesta pesquisa também verificou-se o
efeito de ambos sobre o endométrio, bem como o período de detecção de resíduos
de antibiótico no leite individual de vacas tratadas com antibiótico via intra-uterina.
12
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1.
Fisiologia periparto
O lúmen uterino é estéril antes do parto e se invasão bacteriana ocorrer há
reabsorção fetal ou aborto (SEMAMBO et al., 1991; SHELDON et al., 2009a). No
período pós-parto, as bactérias podem invadir a cavidade uterina via ascendente
através do canal do parto (SHELDON & DOBSON, 2004). A contaminação
bacteriana do lúmen uterino é comum e ocorre em 80 a 100% das vacas leiteiras
nas duas primeiras semanas pós-parto (FIGURA 1). Há um consenso na literatura
de que até 40% dos animais apresentam metrite nas duas primeiras semanas após
o parto e que, em 10 a 15% destes animais, a infecção persiste por pelo menos
outras três semanas, causando endometrite (GILBERT et al., 1998; LEBLANC et al.,
2002a; SHELDON & DOBSON, 2004; SHELDON et al., 2009a). Por várias semanas
após o parto, há um ciclo de contaminação bacteriana, limpeza e re-contaminação
(GRIFFIN et al., 1974). Em muitos animais a contaminação bacteriana é resolvida
pela involução uterina, eliminação do lóquio e pela mobilização do sistema imune
(POTTER et al., 2010).
A involução uterina e da cérvix varia de 25 a 47 dias (MORROW et al., 1966;
HARRISON et al., 1986). Já a involução microscópica completa leva mais tempo que
a involução palpável, variando de 42 a 50 dias (MARION & GIER, 1959).
A
presença de bactérias patogênicas no útero causa inflamação, lesões histológicas
no endométrio, atraso na involução uterina e diminui a sobrevivência embrionária
(SEMAMBO et al., 1991; BONNETT et al., 1991c; SHELDON et al., 2003).
Aproximadamente 40% dos animais ainda apresentam infecção bacteriana três
semanas após o parto (SHELDON et al., 2007). Contaminação bacteriana nem
sempre implica em doença (SHELDON et al., 2007). Entretanto, a “falha” do
endométrio em eliminar a contaminação bacteriana pode comprometer a função
uterina (SHELDON et al., 2009a). O estabelecimento da infecção implica na
aderência de organismos patogênicos na mucosa, colonização e penetração do
epitélio, e/ou liberação de toxinas bacterianas que levam ao estabelecimento da
13
doença uterina (JANEWAY et al., 2001). O desenvolvimento da doença uterina na
vaca depende da resposta imune da vaca, das espécies e número (carga, desafio)
Porcentagem de animais
de bactérias (AZAWI, 2008).
Dias após o parto
FIGURA 1 - Fisiologia periparto. Quase todas as vacas apresentam
bactéria dentro da cavidade uterina durante as duas primeiras semanas pós-parto
e doença uterina é comum. Cada marcador () indica o percentual de animais
com bactéria isolada da cavidade uterina; dados de quatro diferentes estudos,
com animais coletados em diferentes dias entre o parto e 60 dias após (ELLIOTT
et al., 1968; GRIFFIN et al., 1974; SHELDON et al., 2002; WILLIAMS et al., 2005).
A área colorida representa a proporção de animais com metrite (em azul) no
período de duas semanas pós-parto, endometrite (em amarelo) 3-5 semanas após
parto e útero com involução fisiológica (em verde). O restante dos animais
apresenta endometrite subclínica (em branco). A linha em negrito (em rosa) indica
o percentual de animais com lesões histológicas evidentes da inflamação do
endométrio (GILBERT et al., 2005). Adaptado de: SHELDON et al. (2009a).
2.2.
Definições de doenças uterinas
Metrite é uma reação inflamatória severa que envolve todas as camadas do
útero: endométrio, submucosa, muscular e serosa (BONDURANT, 1999). Ocorre no
período de 21 dias pós-parto e é mais comum nos 10 primeiros dias após a parição.
A metrite é caracterizada pelo aumento do útero e secreção aquosa vermelhoamarronzada a viscosa quase branca purulenta, que frequentemente apresenta odor
14
fétido (SHELDON et al., 2006). A severidade da doença está associada aos sinais
sistêmicos de infecção como presença de febre (39,5ºC), apatia, diminuição da
produção de leite e toxemia (SHELDON et al., 2009a). Recentemente, sugeriu-se
diferenciar metrite puerperal ou metrite puerperal tóxica de metrite clínica; ambas
ocorrem dentro dos 21 dias pós-parto. O diagnóstico de metrite clínica se baseia na
presença de secreção purulenta vaginal e cornos uterinos aumentados de tamanho.
No entanto, na metrite clínica não há sinais sistêmicos de infecção que caracterizam,
por sua vez, a metrite puerperal ou metrite puerperal tóxica (SHELDON et al., 2006).
A endometrite clínica é caracterizada pela presença de secreção vaginal
purulenta detectada na vagina dos animais afetados 21 dias ou mais após o parto,
mucopurulenta (aproximadamente 50% pus, 50% muco) ou catarral, detectada na
vagina 26 ou mais dias pós-parto (LEBLANC et al., 2002a; SHELDON et al., 2006;
SHELDON et al., 2009a). Um simples sistema de escore da característica ou odor do
muco vaginal (FIGURA 2) é facilmente aplicável para avaliar vacas com endometrite
(SHELDON et al., 2006). O escore se relaciona com a presença dos principais
patógenos associados com a doença uterina e o prognóstico em relação ao
tratamento (SHELDON & NOAKES, 1998; WILLIAMS et al., 2005). Entretanto,
estudos mais recentes demonstram baixa concordância entre a presença de
secreção vaginal purulenta e endometrite definida por citologia uterina (DUBUC et
al., 2010). Isso leva a questionar se a origem de pus da vagina é sempre do útero
(LEBLANC et al., 2011). Há dados que indicam que a cervicite existe como uma
condição distinta, no entanto, algumas vezes ocorre concomitantemente com
endometrite, comprometendo o desempenho reprodutivo (AHMADI et al., 2006).
Endometrite subclínica se caracteriza por inflamação do útero, o que resulta em
significativa redução do desempenho reprodutivo, na ausência de sinais de
endometrite clínica. Doença subclínica é diagnosticada pela medição da proporção
de neutrófilos polimorfonucleares (PMNs) presentes em uma amostra coletada por
lavagem uterina, pela coleta de material com auxilio de uma escova ginecológica,
conhecida como “cytobrush”, ou pela medição da quantidade do fluído uterino por
ultrassonografia transretal (GILBERT, 2004; KASIMANICKAM et al., 2004, 2005a).
Considera-se endometrite subclínica quando uma vaca possui mais que 18% de
PMNs na citologia uterina coletada 21-33 dias pós-parto, ou mais que 10% aos 3447 dias pós-parto (KASIMANICKAM et al., 2004, SALASEL et al., 2010) ou mais que
5,5% (SANTOS et al., 2009), ou apresente líquido intra-uterino de ecogenicidade
15
mista a partir de 21 dias pós-parto na ausência de endometrite clínica (SHELDON et
al., 2006). Os neutrófilos constituem a primeira linha de defesa contra organismos
patogênicos pós-parto, resultando no aumento da população de PMNs dentro do
lúmen uterino (WATSON et al., 1990; BUTT et al., 1993). O risco da vaca não
conceber aos 150 dias pós-parto foi 1,9 vezes maior em vacas com 8% de PMNs na
citologia uterina (entre 28 e 41 dias pós-parto) que em vacas com menos de 8% de
neutrófilos (BARLUND et al., 2008). Entretanto, o percentual de PMNs para definir
endometrite subclínica varia de acordo com o período pós-parto em que os animais
se encontram. A prevalência de endometrite subclínica depende do ponto de corte
do percentual de PMNs utilizado para diagnóstico e do tempo após a parição.
Estima-se que 30 a 35% dos animais apresentam endometrite subclínica quatro a
nove semanas após parto (LEBLANC, 2008).
Dubuc et al. (2010), ao compararem citologia uterina (≥6% PMNs) com exame
clínico (secreção vaginal mucopurulenta ou purulenta), sugeriram que a terminologia
endometrite clínica é inadequada e que endometrite citológica e clínica podem
representar diferentes manifestações da doença no trato reprodutivo. Segundo os
autores, as vacas podem ter três diferentes condições de doença uterina: secreção
vaginal purulenta apenas, endometrite citológica apenas ou endometrite citológica e
secreção vaginal purulenta. Mais estudos, no entanto, devem ser realizados para
esclarecer qual a melhor definição.
FIGURA 2 - Sistema de escore para endometrite clínica.
Muco vaginal característico de cio, grau 0 (claro ou translúcido), 1 (muco
contendo flocos de branco ou pus esbranquiçado), 2 (exsudato contendo
16
<50% material quase branco ou branco mucopurulento), ou 3 (exsudato
contendo ≥50% de material purulento, usualmente branco ou amarelo
ocasionalmente sanguinolento. SHELDON et al. (2006).
2.3.
Fatores de risco para doenças uterinas
Em vacas, a endometrite geralmente está associada a problemas no parto,
como retenção de placenta (RP), assistência ao parto devido à distocia,
natimortalidade,
nascimento
de
machos,
angulação
vulvar
inadequada
e
primiparidade (MARKUSFELD, 1987; CORREA et al., 1993; KIM & KANG, 2003;
HAN & KIM, 2005; POTTER et al., 2010). Esses fatores atrasam a involução uterina,
o que acarreta aumento no intervalo parto-concepção e no número de serviços por
concepção (SHAMS-ESFANDABADI et al., 2004). Aproximadamente 25-50% das
vacas com RP desenvolvem metrite (LEBLANC, 2008). No estudo realizado por
LeBlanc et al. (2002b), vacas que tiveram gêmeos, retenção de placenta, ou metrite
foram identificadas com maior propensão ao desenvolvimento de endometrite clínica
posteriormente. Os fatores de risco para persistência ou recorrência de endometrite
pós-parto (após 60 dias pós-parto) são complicações no pós-parto precoce,
endometrite moderada ou grave, urovagina e parto no verão (GAUTAM et al., 2010).
Infelizmente esses fatores de risco são de difícil intervenção e fatores que podiam
ser abordados, como limpeza do ambiente ou animais são muito menos importantes
na redução da incidência de doenças uterinas (NOAKES et al., 1991).
A administração de ácido livre cristalino de ceftiofur
de longa ação via
subcutânea na base da orelha (6,6 mg/kg, Excede, Pfizer) 24 h após o parto de
vacas com alto risco de desenvolverem doença uterina (vacas que tiveram parto
gemelar, distocia ou retenção de placenta), diminuiu a incidência de metrite,
principalmente em vacas com histórico de distocia, parto gemelar, mas sem retenção
de placenta e reduziu a prevalência de secreção vaginal purulenta aos 35 dias pósparto (DUBUC et al., 2011b). A administração de ceftiofur (2,2 mg/kg por 5 dias) em
vacas com retenção de placenta preveniu o desenvolvimento de metrite em
comparação a vacas tratadas com 4 mg de ECP ou não tratadas (n = 97) (RISCO &
HERNANDEZ, 2003). Esses resultados sugerem que ao diminuir a contaminação
17
bacteriana uterina no pós-parto pode-se prevenir o desenvolvimento de doença
uterina (DUBUC et al., 2011b).
2.4.
Prevalência e consequências da endometrite
A prevalência da endometrite clínica nos rebanhos da América do Norte é
variável e depende da técnica utilizada para diagnóstico. LEBLANC et al. (2002b)
obtiveram prevalência média de endometrite de 17% variando de 5 a 26% em
estudo com 1.865 vacas em 27 rebanhos com vacas entre 20 e 33 dias pós-parto
(d.p.p.) diagnosticadas por exame vaginal. Em vacas examinadas com o dispositivo
intravaginal Metricheck 1-8 semanas após o parto, a incidência de endometrite foi de
21%, variando entre os rebanhos de 10 a 31% (MCDOUGALL et al., 2007). A
prevalência de endometrite subclínica diagnosticada por citologia uterina foi de 53%
e variou de 37 – 74% entre rebanhos em estudo com 141 vacas com 40 – 60 d.p.p.
(GILBERT et al., 2005). Já KASIMANICKAM et al. (2004), examinando 215 vacas
aos 20–33 d.p.p. obtiveram 35% de prevalência de endometrite subclínica utilizando
para diagnóstico a citologia uterina com >18% de polimorfonucleares (PMNs) na
amostra. A prevalência da endometrite clínica em rebanhos criados extensivamente
na Argentina foi de 35% em vacas com 18 a 38 d.p.p. (PLONTZKE et al., 2011). Na
Irlanda, Mee et al. (2009) realizaram um estudo com 5.751 vacas identificando
prevalência média de endometrite de 29,4%. Nesse estudo, as vacas foram
examinadas por ultrassom a partir de 14 d.p.p. A prevalência global de endometrite
clínica na segunda visita foi de 18% aos 32-52 d.p.p. Esta diminuição da prevalência
com o aumento do tempo pós-parto está de acordo com outros estudos com
rebanhos em sistema de confinamento (GRIFFIN et al 1974;. LEBLANC et al. 2002b;
WILLIAMS et al. 2005). No Brasil, os estudos publicados com endometrite em
bovinos de leite são escassos. A incidência de endometrite varia de 5,7% a 30%
(TORRES & CORDEIRO, 1989; ANDRADE et al., 2005). A baixa prevalência de
endometrite no estudo de ANDRADE et al. (2005) pode ser devido ao método de
diagnóstico por palpação retal. Estima-se que a prevalência de endometrite em
vacas Bos taurus indicus seja de apenas 3,3%. Isso se deve provavelmente a
facilidade de parto da vaca zebuína (VALE-FILHO et al, 1986). Portanto, a
18
prevalência de endometrite varia grandemente entre os estudos, local e dias pósparto que a vaca se encontra no dia do exame.
A endometrite subclínica gera custos altos à produção devido ao aumento nos
dias em aberto, concepção menor no primeiro serviço, maior número de
inseminações, menor concepção e maior taxa de descarte de vacas por falha na
concepção (GILBERT et al., 2005). A endometrite subclínica está associada com
baixo desempenho reprodutivo. GILBERT et al. (2005) obteve 26% menor taxa de
prenhez em relação às vacas sem endometrite, mediana de dias abertos de 206 dias
para as vacas com endometrite e 118 para as vacas sem a doença e a taxa de
prenhez ao primeiro serviço foi menor em vacas com endometrite (11 vs 36%). Em
outro estudo, vacas com endometrite tiveram menores taxa de prenhez, embora a
endometrite não tenha diminuído a produção de leite em vacas multíparas ou
primíparas (DUBUC et al., 2011a).
A endometrite está associada a lesões teciduais (BONNETT et al., 1993),
atraso na involução uterina (MATEUS et al., 2002; SHELDON et al. 2008), longas
fases lúteas associadas a maior produção de PGE2 pelas células endometriais do
que de PGF2α (HERATH et al., 2009) e alteração dos ciclos ovarianos, como anestro
prolongado, função lútea prolongada e cistos ovarianos (HUSZENICZA et al., 1999;
OPSOMER et al., 2000; MATEUS et al., 2002; BALOGH et al., 2008). Portanto, as
infecções bacterianas, mais especificamente os componentes das bactérias, como o
lipopolissacarídeo (LPS), não só alteram a função uterina, como também a função
ovariana e dos centros de controle no hipotálamo e hipófise (SHELDON et al.,
2009b). As vacas com doença uterina que ovulam têm concentrações baixas de
progesterona plasmática periférica, o que pode reduzir ainda mais a possibilidade de
concepção associada à endometrite (SHELDON et al., 2009b).
2.5.
Imunologia uterina
Vários aspectos da função uterina estão suprimidos nas vacas de leite uma a
duas semanas pré-parto até 2-3 semanas pós-parto (KEHRLI et al., 1989;
MALLARD et al., 1998). O mecanismo exato do comprometimento da função imune
na vaca ainda não está claro, embora a queda de energia peri-parto, vitaminas,
19
minerais, balanço energético negativo, mobilização de gordura e proteína corporal,
alteração dramática nos níveis de estrogênio e progesterona no final da gestação e
grande aumento nos níveis de cortisol no parto parecem contribuir (GOFF & HORST,
1997; INGVARTSEN, 2006, STRATEN et al., 2008, GALVÃO et al., 2009).
O útero em condições fisiológicas é capaz de eficientemente eliminar infecção
bacteriana, sendo difícil produzir experimentalmente infecção uterina crônica,
mesmo por infusão intra-uterina de Arcanobacterium pyogenes (GILBERT &
SCHWARK, 1992). O mais importante componente de defesa uterina é não
específico e ocorre por fagocitose envolvendo neutrófilos (HUSSAIN, 1989;
BONDURANT, 1999). Existem interações de hormônios reprodutivos com a função
imune uterina. Muitos autores concordam que altas concentrações de progesterona
suprimem a produção de muco cervical, a contratilidade miometrial, a secreção das
glândulas uterinas e a atividade fagocitária dos neutrófilos uterinos (FRANK et al.
1983; HUSSAIN, 1989; BONDURANT, 1999), e, portanto, permitem, ambiente para
instalação de infecção uterina (LEBLANC, 2008). A PGF2α não possui função
apenas luteolítica, mas também parece ter ação pró-inflamatória que pode melhorar
a função dos neutrófilos (LEWIS, 2004). A função imune uterina parece melhorar sob
a influência do estrógeno (FRANK et al., 1983; BONDURANT, 1999). Ainda não está
bem esclarecido se o estrogênio provoca aumento na atividade fagocítica
bactericida, ou se as melhorias observadas são simplesmente decorrentes da
diminuição da progesterona (HUSSAIN, 1989).
Os mecanismos associados à infertilidade em animais com endometrite estão
descritos na FIGURA 3. O sistema imune inato parece ser a resposta chave para
entender esses mecanismos (SHELDON et al., 2009b).
20
FIGURA 3 - Ilustração esquemática dos principais mecanismos no impacto
sobre a biologia reprodutiva associada à endometrite em vacas leiteiras de alta
produção. (A) infecção uterina com E. coli e A. pyogenes causa danos tecido endometrial. O
sistema imunológico inato é alertado por receptores Toll-like (TLRs), detecção de DNA bacteriano e
lipopolissacarídeos (LPS) da E. coli, que está ligado a proteína de ligação de LPS (LBP) (BEUTLER,
2004; AKIRA et al., 2006). As células do endométrio secretam citocinas, quimiocinas e peptídeos
antimicrobianos (AMPs). Dano endometrial e inflamação reduzem a chance da concepção. (B) As
citocinas e quimiocinas direcionam a resposta do sistema imune. As quimiocinas atraem neutrófilos
(PMN) e macrófagos (MOS) para eliminar as bactérias. No entanto, a função dos neutrófilos é
alterada em vacas de alta produção, principalmente se o animal tem energia metabólica insuficiente.
Persistência de neutrófilos no endométrio na ausência de bactérias é a característica principal de
endometrite subclínica (KASIMANICKAM et al., 2004; GILBERT et al., 2005). (C) O BoHV-4 pode
infectar as células endometriais estromais e epiteliais, causando danos no tecido endometrial
(DONOFRIO et al., 2007). (D) As concentrações do hormônio folículo estimulante (FSH) não são
afetadas pela doença uterina e ondas foliculares ovarianas surgem nas primeiras semanas após o
parto (SHELDON et al., 2002). No entanto, a liberação do hormônio GnRH e luteinizante (LH) pode
ser suprimida por LPS, reduzindo a capacidade de ovular o folículo dominante. (E) Vacas com
endometrite têm crescimento mais lento dos folículos dominantes no ovário e menores concentrações
plasmáticas de estradiol periféricas, assim são menos propensos a ovular (SHELDON et al., 2002).
(F) Vacas com endometrite podem ovular, forma-se um corpo lúteo, mas as concentrações de
progesterona no plasma periférico são inferiores às fisiológicas em animais férteis (WILLIAMS et al.,
2007) e a fase lútea é prolongada. A luteólise é provavelmente interrompida, pois as bactérias mudam
a secreção endometrial epitelial de prostaglandinas da série F para E (HERATH et al., 2009). Fonte:
SHELDON et al. (2009a,b).
21
2.6.
Bacteriologia e patogênese das doenças uterinas
O útero é contaminado com bactérias no período de puerpério precoce (6 horas
após o parto a 10 dias após) (ELLIOTT et al, 1968; MILLER et al., 1980). Por 3 a 4
semanas pós-parto, o número de bactérias e a variedade de espécies diminuem
substancialmente em vacas saudáveis. O significado da cultura bacteriana do útero
pós-parto depende da espécie isolada e do intervalo desde o parto.
A contaminação bacteriana do útero é não específica e envolve um grande
número de espécies de bactérias (GRIFFIN et al., 1974; SHELDON et al., 2002).
Huszenicza et al. (1999) isolaram nos primeiros 10 dias após o parto principalmente
Streptococcus spp., Staphylococcus spp. e Bacillus spp. do útero de vacas sem
sinais
clínicos
de
metrite
puerperal,
enquanto
diferentes
bactérias
como
Arcanobacterium pyogenes (A.pyogenes), Escherichia coli (E.coli), Fusobacterium
necrophorum (F.necrophorum), Prevotella melaninogenicus, Bacteroides spp. e
Clostridium, spp. foram detectados no útero de vacas com (endo)metrite
(BONDURANT, 1999; HUSZENICZA et al., 1999; MATEUS et al. 2002). A bactéria
que está consistentemente associada com inflamação uterina crônica é a Gram
positiva e anaeróbica facultativa A. pyogenes (BONDURANT, 1999). O A. pyogenes
atua sinergicamente com F. necrophorum, Bacteroides spp. e com Prevotella spp.
aumentando a ocorrência e a severidade da doença uterina (FREDRIKSSON et al.,
1985; WILLIAMS et al., 2005). A. pyogenes produz um fator de crescimento para F.
necrophorum, que, por sua vez, produz uma leucotoxina (SHELDON & DOBSON,
2004; SHELDON et al., 2009a). A infecção do endométrio por E. coli precede a
infecção por A. pyogenes e possivelmente por herpesvirus 4 e está associada com a
severidade da doença clínica e o impacto na fertilidade (DONOFRIO et al., 2007). E.
coli produz uma endotoxina, lipopolissacarideo (LPS), responsável por muitos dos
efeitos da bactéria. A prevalência destas bactérias diminui gradativamente ao longo
do puerpério. O isolamento do A.pyogenes foi descrito no período entre o 28o ao 35o
dia pós-parto e está associada com uma drástica diminuição na concepção
(HUSZENICZA et al.,1999) e com lesões endometriais severas (BONNETT et al.,
1993). O desenvolvimento das doenças uterinas dependente da contaminação
bacteriana e dos mecanismos de defesa do animal (SHELDON & DOBSON, 2004).
22
É importante diferenciar a contaminação fisiológica do lúmen uterino pós-parto
com bactérias e a persistência das bactérias patogênicas com o estabelecimento da
doença uterina, que pode ser descrita como infecção uterina (SHELDON, 2004). O
número de bactérias patogênicas no útero da vaca pode ser grande o suficiente para
ultrapassar os mecanismos de defesa uterina e causar infecções uterinas de risco
de vida para a vaca, embora isso seja pouco frequente (SHELDON & DOBSON,
2004). A maioria das infecções uterinas está mais associada a prejuízo no
desempenho reprodutivo do que com alta mortalidade (BORSBERRY & DOBSON,
1989). Além disso, inflamação uterina, mesmo na ausência de infecção bacteriana
ativa, pode interferir na sobrevivência embrionária, causando infertilidade quando a
doença está presente e subfertilidade (BRETZLAFF, 1987; GILBERT, 1995;
SHELDON et al., 2009b), mesmo após a resolução da doença, devido à fibrose
endometrial resultante da inflamação crônica (CORDEIRO et al., 1989; BONNETT et
al., 1993).
2.7.
Diagnóstico de endometrite
O momento do exame deve permitir o processo normal de involução, mas
também dar tempo para o tratamento e resposta antes do início do período de
reprodução. Clinicamente, o desafio é identificar as vacas que estão em risco de
comprometimento da fertilidade para administrar o tratamento (LEBLANC, 2008).
A palpação retal do útero entre duas a oito semanas pós-parto para detectar
atraso na involução uterina ou da cérvix não é uma boa técnica para identificar as
vacas com endometrite, pois é uma técnica subjetiva, a involução uterina varia entre
as vacas e há pouca associação com o desempenho reprodutivo subsequente
(MILLER et al. 1980; KRISTULA & BARTHOLOMEW, 1998; LEBLANC et al., 2002a).
A palpação retal identificou corretamente apenas 22% das vacas com infecção
uterina, em comparação com cultura uterina (MILLER et al., 1980) e 44% das vacas
consideradas sem endometrite por palpação retal no estudo de Leblanc et al.
(2002a) foram positivas no exame vaginal.
O exame vaginal se baseia na detecção de secreção anormal purulenta ou
mucopurulenta na vagina e cérvix (BRETZLAFF, 1987; LEBLANC et al., 2002a). Por
23
exame vaginal foi identificado infecção uterina em 59-82% dos casos, com um forte
correlação com a presença de A. pyogenes, F. necrophorum e Proteus spp.
(MILLER et al, 1980;. DOHMEN et al., 1995; WILLIAMS et al., 2005). Os três
métodos utilizados para exame vaginal, como uso de espéculo (método de
referência), dispositivo vaginal (Metricheck, Simcro, Nova Zelândia) e método da
mão enluvada se mostraram eficientes no diagnóstico de endometrite (PLETICHA et
al., 2009).
A ultrassonografia é outro método utilizado no diagnóstico de endometrite, pois
possibilita verificar a presença de diferentes quantidades de conteúdo no lúmen
uterino, as características desse conteúdo, o aspecto do endométrio, além de
oferecer a vantagem de um diagnóstico imediato (KASIMANICKAM et al., 2004;
BARLUND et al., 2008) (FIGURA 4). Quanto maior a quantidade de fluído presente
no lúmen uterino, maior é o grau de contaminação bacteriana e a gravidade dos
quadros de infecções puerperais (KASIMANICKAM et al., 2004). A concordância
entre a citologia do endométrio e a ultrassonografia é fraca (KASIMANICKAM et al.,
2004). Na tentativa de aumentar a capacidade de diagnóstico por ultrassom,
Kasimanickam et al. (2004) combinaram os resultados de citologia do endométrio e
avaliação ultrassonográfica de líquido no útero e melhoraram a sensibilidade e
especificidade da ultrassonografia consideravelmente.
Os critérios para diagnóstico de endometrite nas vacas foram determinados
com base em seu efeito prejudicial no desempenho reprodutivo subsequente
(LEBLANC et al, 2002;. KASIMANICKAM et al, 2004, MCDOUGALL et al, 2007;.
RUNCIMAN et al., 2008). Duas abordagens principais têm sido utilizadas para o
diagnóstico de endometrite: clínica ou secreção vaginal purulenta e citológica.
Endometrite citológica é definida como um aumento proporção (percentual) de
polimorfonucleares (PMN) em amostras de citologia endometrial obtidas por escova
citológica (KASIMANICKAM et al., 2004) (FIGURA 5), lavagem uterina (GILBERT et
al., 2005) ou por histologia de amostras de biópsia (BONNETT et al., 1993).
Endometrite citológica foi proposta como teste de referência para diagnóstico de
endometrite (KASIMANICKAM et al., 2004; GILBERT et al., 2005; BARLUND et al.,
2008). Entretanto, não se sabe se a coleta de amostras por escova citológica
(cytobrush) em diferentes locais dos cornos uterinos, ao invés do proposto por
KASIMANICKAM et al. (2004) em que a coleta foi feita na porção dorso-caudal do
corpo uterino possa trazer resultados diferentes (DUBUC et al., 2010).
24
A
B
FIGURA 4. Ultrassonografia do útero.
A) Corte transversal do corno uterino de vaca
com endometrite grau I (CGI) B) Corte
transversal, vaca com endometrite grau II (CGII).
Há pequena quantidade de líquido de
ecogenecidade mista (A) ou grande quantidade
de líquido ecogênico (B) no lúmen do endométrio
(seta). Imagens Ultrassom Honda 6 MHz. Fonte:
arquivo pessoal.
25
A citologia uterina é um dos métodos mais confiáveis de diagnosticar bovinos
com endometrite, além da biópsia endometrial. O risco de não prenhez aos 150 dias
foi 1,9 vezes maior em vacas com mais de 8% PMNs por escova “cytobrush” do que
em vacas com menos de 8% PMNs (BARLUND et al., 2008). As vacas com
endometrite apresentaram uma taxa de concepção no primeiro serviço inferior a
17,9% e um aumento de 24 dias na mediana de dias em aberto (P < 0,05). Os
valores
de
sensibilidade
e
especificidade,
respectivamente,
das
técnicas
diagnósticas utilizando como critério a citologia por cytobrush foram: exame vaginal
(53,9%, 95,4%); lavagem uterina (92,3%, 93,9%); avaliação ecográfica de líquido
uterino (30,8%, 92,8%) e avaliação ultrassonográfica da espessura endometrial
(3,9%, 89,2%) (BARLUND et al., 2008). Já LeBlanc et al. (2002a) obtiveram uma
taxa de sensibilidade do exame vaginal de 20% e especificidade de 88% ao utilizar o
diagnóstico de prenhez aos 120 e 150 dias pós-parto como referência.
Considerando a presença de bactérias aeróbicas isoladas do útero e a proporção de
PMNs acima de 5 e 18%, 17,3 e 28,5% das vacas, respectivamente, foram
diagnosticadas falso positivas para endometrite por exame vaginal 21-27 dias pósparto. (WESTERMANN et al., 2010).
Quando a avaliação clínica não é suficiente para detectar anormalidades,
podem ser feitas análises laboratoriais a partir da coleta de conteúdo uterino ou
biópsias endometriais. A cultura bacteriana, a histopatologia e a citologia são
exemplos de exames complementares realizados para detectar causas de
subfertilidade em rebanhos com problemas de repetição de estro sem causa
aparente, frequentes nos casos de endometrite subclínica (BARLUND et al., 2008).
A biópsia endometrial é considerada o método mais confiável de diagnóstico de
endometrite. Biópsias do endométrio foram inicialmente realizados em éguas na
década de 1960 como uma ferramenta para a investigação de infertilidade (BRANDT
& MANNING, 1969). Embora a técnica tenha revolucionado o manejo reprodutivo
das éguas e é realizada rotineiramente antes da estação de monta (BRITTON,
1982), a biópsia ainda não ganhou maior aplicação para fins de pesquisa
(SCHLAFER, 2007), especialmente em outros animais de importância econômica.
26
A
B
FIGURA 5 – Citologia uterina. A) Escova ginecológica adaptada em aplicador de aço
inoxidável. B) Lâminas de citologia uterina de vaca com endometrite com grande percentual
de neutrófilos (Coloração Panótipo, 400x e 1000x). Fonte: arquivo pessoal.
27
Histologicamente a endometrite é definida como presença de células
inflamatórias no endométrio (BONDURANT, 1999). A biópsia permite definir o
prognóstico para fertilidade da fêmea, ou seja, a capacidade da vaca de levar uma
gestação a termo. Pela biópsia endometrial é possível avaliar a inflamação
(endometrite crônica, mais comum a infiltração por linfócitos, macrófagos in foci ou
difusos), a fibrose e a degeneração cística glandular (KENNEY et al., 1978;
BONNETT et al. 1993) (FIGURA 5). Segundo a intensidade do infiltrado inflamatório,
avaliado pela quantidade de células mononucleares do exsudato, ela pode ser
classificada em discreta, moderada ou acentuada, e segundo a distribuição em focal
e difuso. As fibroses, associadas ou não à presença de células inflamatórias também
podem ser classificadas em discretas, moderadas ou acentuadas segundo a
intensidade da proliferação fibroblástica e produção de colágeno, normalmente ao
redor de glândulas ou de agrupamentos de ramos glandulares, os assim chamados
ninhos glandulares (CORDEIRO et al., 1989). Quanto maior a severidade da
inflamação, fibrose, e alterações glandulares, pior é o prognóstico de fertilidade da
vaca.
Bonnet et al. (1991) obteve um aproveitamento da técnica de 95%, sendo que
70% das lâminas eram de boa qualidade, utilizando uma pinça de biópsia com boca
ou “punch” de 1 cm de diâmetro. A biópsia endometrial e histopatologia constituem o
método ideal de diagnóstico de endometrite, no entanto, o procedimento é invasivo,
caro e é raramente utilizada por ser uma técnica muito demorada (ETHERINGTON
et al., 1988; GILBERT et al., 2005). Além disso, a biópsia tem sido associada com
um efeito prejudicial na fertilidade subsequente (MILLER et al, 1980;. BONNETT et
al, 1993), no entanto recentemente se mostrou uma técnica segura no estudo
conduzido por CHAPWANYA et al. (2010) ao realizar repetidas biópsias ao dia 15,
30 e 60 d.p.p com uma pinça de biópsia Hauptner equina, obtendo uma taxa de
prenhez de 77% após sincronização do estro e inseminação artificial.
28
A
B
FIGURA 6 - Fotomicrografias de biópsia endometrial de vacas com
endometrite crônica. A) Folículo linfóide no estrato esponjoso (seta preta), fibrose
periglandular (seta branca) (H&E, 400x) B) Infiltrado difuso de células mononucleares no
estrato esponjoso e estrato compacto (seta) (H&E, 100x).
29
C
D
FIGURA 6 - Fotomicrografias de biópsia endometrial de vacas com
endometrite crônica. C) Fibrose periglandular e dilatação glandular (setas). A luz de uma
glândula dilatada apresenta numerosas células inflamatórias (H&E, 100x). D) Fibrose
periglandular (seta) (H&E, 400x). Fonte: arquivo pessoal.
30
2.8.
Tratamento de endometrite
O princípio geral do tratamento de endometrite é reduzir a carga de bactérias
patogênicas, melhorar as defesas do útero e os mecanismos de reparo e, assim,
deter e reverter as alterações inflamatórias que prejudicam a fertilidade (LEBLANC
et al., 2002b), ou seja, os tratamentos se baseiam na remoção de material necrótico,
administração de antimicrobianos e a indução do estro (LEBLANC et al., 2008). Em
função das considerações éticas, em vários estudos nos quais são avaliados
tratamentos de endometrite, o número de animais utilizado é pequeno e faltam
controles negativos, prejudicando a avaliação do efeito do tratamento na cura da
endometrite (LEBLANC et al., 2002b). LeBlanc et al. (2002b) ainda ressaltam que as
pesquisas têm utilizado comparações entre diagnósticos antes e após tratamento e
que o impacto na reprodução, como taxa de prenhez ou concepção não foram
investigadas, o que torna impossível identificar os reais efeitos dos tratamentos. O
tratamento de endometrite é considerado controverso entre os veterinários,
particularmente no que se refere à terapia e se o tratamento em si realmente é
necessário (GILBERT, 1992). Também ainda não está esclarecido se os casos de
endometrite subclínica devem ser tratados (KASIMANICKAM et al., 2005b). No
entanto, a antibioticoterapia continua sendo amplamente utilizada na profilaxia e no
combate as infecções uterinas, seja por meio de infusões intra-uterina (IU) (NEVES
et al., 1977), seja pela administração parenteral (MARQUES JUNIOR, 1991; NEVES
et al., 1995), ou pela associação dos tratamentos local e sistêmico (RICHARDSON,
1993; NEVES et al., 1995). Todavia, a escolha da substância a ser utilizada na
terapia IU deve ser criteriosamente avaliada, pois algumas substâncias promovem
irritação com consequente descamação do endométrio (SEGUIN et al., 1974), por
exemplo a solução de Lugol e a oxitetraciclina são relatadas como irritantes,
podendo causar necrose de coagulação no endométrio (GILBERT & SCHWARK,
1992).
A infusão de antimicrobianos no útero visa atingir altas concentrações no local
da infecção (GUSTAFSSON, 1984; GILBERT & SCHWARK, 1992). Em contraste à
administração sistêmica, a administração IU alcança maior concentração do
antibiótico no endométrio, mas pouca penetração nas camadas mais profundas do
útero, ou de outros tecidos genitais (MASERA et al., 1980; BRETZLAFF et al., 1983).
31
Substâncias notificadas para uso via infusão IU incluem a tetraciclina (THURMOND
et al., 1993;. SHELDON & NOAKES, 1998), penicilina (THURMOND et al., 1993),
cefapirina (DOHMEN et al, 1995;. MCDOUGALL, 2001; LEBLANC et al., 2002b;
KASIMANICKAM et al., 2005b), 125 mg de ceftiofur (GALVAO et al., 2010),
cloranfenicol (STEFFAN et al., 1984), solução de Lugol diluída (CALLAHAN &
HORSTMAN, 1987), gentamicina, espectinomicina, sulfonamidas, nitrofurasone,
iodo e clorexidina (GUSTAFSSON, 1984; GILBERT & SCHWARK, 1992).
A maioria dos tratamentos não é indicada para uso IU e em muitos casos, não
há informações publicadas sobre os períodos de descarte do leite (KANEENE et al.,
1986; DINSMORE et al., 1996). Em ensaios de campo com infusão IU de
antibióticos em uma variedade de protocolos para tratamento da endometrite não
demostraram qualquer benefício no desempenho reprodutivo maior que o uso de
PGF2α (STEFFAN et al, 1984;. OLSEN, 1996; SHELDON & NOAKES,1998,
KAUFMANN et al., 2010) ou não tratar (STEFFAN et al, 1984; THURMOND et al.,
1993). No entanto, alguns estudos demonstraram benefícios do uso do antibiótico
intra-uterino na fertilidade subsequente. Vacas com endometrite clínica que
receberam cefapirina IU entre 27 e 33 dias pós-parto tiveram um intervalo partoconcepção menor que os animais não tratados (LEBLANC et al., 2002b) Em outro
estudo, vacas tratadas com cefapirina IU 41 ±14 d.p.p tiveram 2-3 vezes mais
chances de estarem gestantes em relação às vacas não tratadas (MCDOUGALL,
2001). Outra opção ao tratamento intra-uterino é a lavagem uterina com solução
salina estéril (SHELDON, 2004).
O tratamento pode falhar devido à contaminação contínua do útero por
alterações anatômicas do trato genital caudal, degradação do antibiótico no útero
por exsudatos ou produção de uma camada de biofilme pelos microorganismos, que
impede a ação do antibiótico (LEBLANC, 2010). Biofilmes consistem numa
comunidade de diferentes espécies de bactérias, circundadas por uma matriz
extracelular, que coexistem numa relação simbiótica (WALKER, 2008). Na maioria
dos casos, os habitantes dessa comunidade são considerados da flora fisiológica e
servem como um mecanismo protetor que previne a colonização por bactérias
patogênicas. Os biofilmes podem conferir resistência aos antibióticos por uma série
de mecanismos e, portanto, contribuem para a falha do tratamento com antibiótico
(DONLAN & COSTERTON, 2002; SOTO et al., 2006).
32
Portanto, mais estudos são necessários para avaliar a real utilidade dos
tratamentos com antibióticos. A maioria dos estudos questionando a utilidade IU de
antibióticos é quase tão antiga quanto as drogas em si (ULBERG et al., 1952;.
ROBERTS, 1956). Em estudo recente avaliando a taxa de cura espontânea das
vacas com endometrite, 74,7% das vacas diagnosticadas com endometrite no
exame vaginal e palpação retal se recuperaram espontaneamente da endometrite
entre os 15 aos 60 dias pós-parto, 25,3% permaneceram com endometrite aos 61150 d.p.p e 10,6% das vacas negativas aos 15-60 d.p.p foram positivas durante os
61-150 d.p.p. (GAUTAM et al., 2010). Dubuc et al. (2011b) obtiveram 66% de taxa
de cura espontânea para endometrite citológica (por citologia uterina) e de 63% para
secreção purulenta vaginal de 63% entre o exame 1 (35 d.p.p.) e o exame 2, 21 dias
após. Essas taxas de recuperação espontânea são maiores do que a apontada por
Steffan et al. (1984) e Sutton et al. (1996), que citam uma taxa de cura espontânea
de 33% nas vacas com endometrite clínica.
2.9.
Oxitetraciclina e agentes fluidificadores de secreção intra-uterinos
As tetraciclinas são conhecidas por terem atividade em condições anaeróbias e
são parcialmente inativadas pelo material purulento, células mortas e pelo pH
encontrado em úteros com infecção (CAIROLI et al., 1993). A oxitetraciclina é um
antibiótico de amplo espectro indicado para o tratamento e controle de infecções
causadas por bactérias de crescimento rápido (SHELDON et al., 2004). Sua
eficiência antibacteriana contra muitas infecções causadas por bactérias Grampositivas e Gram-negativas é bem documentada (BRETZLAFF, 1986; KONIGSSON
et al., 2001). Esse antibiótico também pode ser utilizado pela via IU (SEGUIN et al.,
1974; MILLER & BERGT, 1976; SHELDON et al., 2004). A administração IU tem
grande utilidade terapêutica, especialmente no tratamento e profilaxia da
endometrite puerperal na vaca (CHAUDHERY et al., 1987; MALINOWSK et al.,
2004). Essa via de administração da oxitetraciclina produz rapidamente nível
terapêutico no endométrio e nas carúnculas de animais saudáveis e doentes
(RONCADA et al., 2000; KACZMAROWSKI et al., 2004). Esse fato se deve a sua
baixa absorção na corrente sanguínea (RONCADA et al., 2000), assim a ação
terapêutica fica limitada em grande parte ao lúmen uterino e ao endométrio.
33
Girardi et al. (1990) observaram que a absorção do antibiótico após
administração IU depende do veículo utilizado, enfatizando que a absorção da
oxitetraciclina na mucosa uterina é fortemente influenciada pela molécula
transportadora. Anderson et al. (1995) enfatizam que a administração de
oxitetraciclina por infusão intra-uterina tem menor potencial para causar resíduos no
leite do que a sua administração por via parenteral. MASERA et al., (1980)
documentaram que a concentração da oxitetraciclina no endométrio é mais elevada
e persiste maior período de tempo comparada com a administração por via
parenteral, sendo pouco absorvida pelo útero após infusão IU (BRETZLAFF et al.,
1983). Posteriormente, NOAKES (1991) concluiu que a oxitetraciclina satisfaz a
maioria dos critérios para a seleção de uma substância antimicrobiana para o
tratamento de endometrite.
Os estudos que relatam o uso do tratamento IU com cloridrato de oxitetraciclina
são escassos na literatura. Sheldon & Noakes (1998) obtiveram uma taxa de cura de
73% das vacas com endometrite clínica 14 dias após administração IU de 1500 mg
de oxitetraciclina (volume de 15 mL), não tendo diferença do tratamento com 500 µg
de cloprostenol e 3 mg de benzoato de estradiol (BE)/500 kg peso corporal;
entretanto, o uso de oxitetraciclina foi melhor em casos de endometrite leve (86 vs.
66%) do que o BE. Comparando todos os tratamentos, as endometrites leves foram
tratadas com mais sucesso do que os casos moderados (78 vs. 61%), e com mais
sucesso do que os casos graves (78 vs. 44%). A presença de uma secreção fétida
no momento do tratamento reduziu a taxa de sucesso em 17%. O intervalo partoconcepção para oxitetraciclina foi 16,2 dias menor que para o BE e 2 dias mais
longo que para PGF2α. Em outro estudo (BROOKS, 2000), a taxa de cura das vacas
com endometrite após administração de 1500 mg de cloridrato de oxitetraciclina IU
foi de 63% (n=73), sendo superior ao antisséptico testado policresuleno 4% (n= 69).
O tratamento de metrite puerperal tóxica com 6 g de oxitetraciclina intra-uterino a
cada 48 h com associação de penicilina procaína (22.000 UI/ kg) por 5 dias foi tão
eficiente quanto o tratamento com 2,2 mg/kg de ceftiofur sódico por 5 dias e a
penicilina procaína somente por 5 dias (n=51) (SMITH et al., 1998). O tratamento
com 5 g de clortetraciclina intra-uterino na forma de velas uterinas duas vezes por
semana por duas semanas foi efetivo no tratamento de metrite clínica; taxas de
concepção à primeira inseminação foram maiores que o grupo controle não tratado,
dias em aberto foi menor e vacas tratadas produziram mais leite que vacas não
34
tratadas com metrite clínica (GOSHEN & SHPIGEL, 2006). No entanto, para
tratamento de vacas com retenção de placenta esse protocolo não foi eficiente,
possivelmente isso se deva `a ação anti-inflamatória das tetraciclinas. Tetraciclinas
são potentes inibidoras de metaloproteinases de matriz e óxido nítrico sintase
induzível que são conhecidas por mediar e controlar a inflamação e a resposta
imune (KAITU’U et al., 2005; HOYT et al., 2006). No entanto, a separação da
placenta é dependente da adequada ação das células de defesa, enzimas
proteolíticas e atividade microbiana (DAVIES et al., 2004).
Apesar de a oxitetraciclina ser amplamente utilizada para o tratamento de
infecções uterinas, no estudo de SHELDON et al. (2004b) houve resistência de
cepas de A. pyogenes e E.coli isoladas de útero com endometrite e metrite e as
cefalosporinas testadas (Ceftiofur e cefquinoma) foram mais eficazes (menor
concentração inibitória mínima) que a oxitetraciclina em todas as cepas testadas de
A. pyogenenes e E.coli. O mecanismo de resistência a oxitetraciclina se deve à
herança genética dos plasmídeos (FOSTER, 1983).
Solventes e agentes mucolíticos vêm sendo adicionados nos flluídos de
lavagem uterina em éguas na tentativa de eliminar o exsudato, muco ou biofilme
(LEY et al., 1989; LEBLANC, 2010 ). O lauril dietileno glicol éter sulfato de sódio tem
como propriedade principal a capacidade de reduzir a tensão superficial de um meio
em relação ao outro, por esta razão, fluidifica as secreções espessas favorecendo a
eliminação. É muito utilizado na clínica veterinária na limpeza de feridas infectadas,
abscessos e como ceruminolítico (VETNIL, 2010). No entanto, para nosso
conhecimento, não há na literatura informações sobre o uso deste fluidificador de
secreção em associação com oxitetraciclina IU no tratamento de endometrite. Os
tensoativos aniônicos, ou detergentes aniônicos como o lauril dietileno glicol éter
sulfato de sódio são comumente utilizados na odontologia como solução de limpeza
oral, sem apresentar atividade antimicrobiana (SEABRAL et al., 2005). No entanto,
quando sozinho (JENKINS et al., 1991) ou combinado com o antisséptico triclosano
inibe a formação do biofilme bacteriano ou placa dentária (WAALER et al., 1993).
35
2.10. Resíduos de antibióticos no leite
Para a indústria, o leite contaminado com antibióticos pode resultar na perda de
produtos derivados do leite, devido à inibição do crescimento das culturas, e causar
graves prejuízos econômicos (BRADY & KATZ, 1988). Além disso, os resíduos de
antibióticos constituem um perigo potencial para o consumidor, pois podem causar
reações alérgicas, interferir com a flora intestinal e induzir populações resistentes de
bactérias, tornando, assim, tratamentos com antibióticos ineficazes em humanos
(DEWDNEY et al., 1991; CURRIE et al., 1998).
A redução do uso de antimicrobianos nos animais é objetivo para os Governos
da União Européia. No Brasil, a Instrução Normativa nº 51 exige a pesquisa
periódica de resíduos de antibióticos em leite, que não devem ser superiores aos
Limites Máximos de Resíduos (Resolução RDC no. 253, 2003), que para
oxitetraciclina é de 100µg/kg de leite (ANVISA, 2003).
FARAD (Food Animal Residue Avoidance & Depletion Program/ Projeto dos
EUA para Evitar Resíduos em Alimentos de Origem Animal) recomenda o descarte
do leite por 196 horas após administração de oxitetraciclina na dose de 20 mg/kg via
parenteral (SCOTT et al., 2003). Para uso intra-uterino, recomenda-se o descarte do
leite por 168 horas após administração de doses de até 2 g de oxitetraciclina,
entretanto vários estudos sugerem que após administração de até 2 g de
oxitetraciclina, o descarte do leite por 72 horas é suficiente para diminuir os resíduos
no leite para níveis abaixo do limite mínimo recomendado (ANDERSON et al., 1995;
DINSMORE et al., 1996; RONCADA et al., 2000). Esses períodos de descarte se
aplicam somente às formulações aquosas de oxitetraciclina. Recomenda-se que
seja testado o leite após a administração intra-uterina, pois há variação individual na
eliminação desse antibiótico no leite (SCOTT et al., 2003). Para abate, recomendase 28 dias de carência após última administração de 2 g de oxitetraciclina intrauterina (SCOTT et al., 2003).
Estudos demonstram que o período médio em que resíduos de oxitetraciclina
podem ser detectados no leite varia de 24h, 32 h, 24-48h e 60-72h (MILLER &
BERGT, 1976; DONEV et al., 1989; GIRARDI et al., 1988; RONCADA et al., 2000).
Entretanto, períodos maiores de eliminação já foram relatados. O estudo de TAN et
al. (2007), com uma única infusão intra-uterina de oxitetraciclina 5 g resultou em
36
resíduo no leite detectável entre um e oito dias. As vacas que receberam mais de
uma infusão permaneceram até 11 dias após o último tratamento eliminando
oxitetraciclina no leite acima do limite máximo de resíduos. A oxitetraciclina (3g) na
forma sólida ou de vela uterina é absorvida lentamente no útero de vacas no
puerpério (RONCADA et al., 2000).
Essas variações na eliminação podem ser consideradas influência direta da
cinética plasmática da oxitetraciclina, que é fortemente influenciada pela formulação
utilizada (GIRARDI, 1991, RONCADA et al., 2000) e dias pós-parto em que o
tratamento IU foi conduzido nos animais (RONCADA et al., 2000). A absorção de
oxitetraciclina parece ser influenciada pelo intervalo entre o parto e a administração
do antibiótico (KANEENE et al, 1986;. GIRARDI, 1991). RONCADA et al. (2000)
sugerem que uma absorção limitada no útero pode induzir a permanência
prolongada do antibiótico em altas concentrações in situ, com consequente
otimização dos seus efeitos farmacológicos.
O ensaio de cloreto de tetrazólio, inibidor antimicrobiano, como Delvotest pode
fornecer informações confiáveis sobre os resíduos de oxitetraciclina em amostras de
leite (TAN et al., 2007). Kang et al. (2005) relataram que o tratamento térmico de
amostras de leite em 82°C por cinco minutos reduziu reações falso-positivas
causadas por inibidores naturais presentes nesses testes. No entanto, a
Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC) é o teste padrão para confirmação
de resíduo de oxitetraciclina pelos laboratórios credenciados pela Agência Nacional
de Segurança Sanitária (ANVISA), após triagem pela técnica de Imunoensaio
(ELISA) pelo kit comercial SNAP-TEST (ANVISA, 2005).
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4. CONCLUSÕES
O tratamento de endometrite leve e moderada com oxitetraciclina ou a
associação de oxitetraciclina com o fluidificante de secreções Dietilenoglicol Lauril
Éter Sulfato de Sódio foi mais eficaz no tratamento de endometrite diagnosticada por
US e exame vaginal; no entanto, o mesmo não foi observado comparando vacas
com endometrite na citologia e os graus de biópsia uterina antes e após tratamento.
Este estudo também demonstrou a importância da citologia e da biópsia uterina para
o diagnóstico de endometrite. Mais estudos devem ser realizados para avaliar as
taxas de cura e as taxas de prenhez após tratamentos com antibióticos intrauterinos. O descarte do leite por 48 horas é recomendado após o tratamento intrauterino com 3 gramas de oxitetraciclina.
46
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