Instruções Básicas para Formatação de Artigo Completo

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Comunidades virtuais e WEB 2.0: a aprendizagem pela colaboração
e o caso das comunidades de práticas
Jancarlos Menezes Lapa1
1
Instituto Federal de Educação da Bahia/Departamento de Ciências Aplicadas /IFBA/professor Campus SSA
([email protected])
Resumo
As estruturas de participação desencadeadas pelas Tecnologias da Informação
através da WEB 2.0 proporcionaram novas maneiras de disponibilização de
informação e, consequentemente, novas formas de produção do conhecimento.
Nessa perspectiva, a aprendizagem colaborativa aparece como alternativa de
interação entre os sujeitos dentro do processo educativo. Este trabalho discute a
colaboração como forma de ensino e de aprendizagem citando o caso das
comunidades de prática e tomando por base os marcos teórico da abordagem sóciohistórica, da aprendizagem social e da aprendizagem situada. As comunidades
virtuais aparecem como possíveis elementos das transformações vividas pela
sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Colaboração, Comunidades virtuais, Comunidades de práticas,
WEB 2.0
Introdução
Embora observemos que o mundo atual seja marcado pela presença das TIC, não
se pode falar de uma presença maciça que se distribui equitativamente na
sociedade. Tratam-se de condições heterogêneas de acesso aos meios de consumo
e produção da informação, segundo um desequilíbrio social que vem sendo
naturalizado, ainda que seja resultado da constituição histórica de cada país,
marcada por privilégios oferecidos a alguns em detrimentos de outros. De outro lado,
a velocidade das mudanças percebidas no mundo atual faz com que o processo de
construção de significados, que é parte de nossas experiências, incorpore a
necessidade de compreensão dessas tecnologias, as quais não são externas à
sociedade e ao modo de organização das diversas forças sociais; ao contrário,
constituem um projeto político em construção. Diante da implicação entre tecnologia
e sociedade, é necessário ter em mente o sentido do desenvolvimento tecnológico
produzido e a quem ele atende.
Essas são as bases para a reflexão sobre as práticas sociais e educacionais
contemporâneas, o que orienta a construção de novos projetos de sociedade, em
função de um mundo mais justo e democrático, tornando indispensável a
reorganização dos modos de conceber, produzir e usar as TIC. O fato é que as
transformações nas formas de comunicação e de intercâmbio de conhecimentos,
desencadeadas pelo uso generalizado das tecnologias digitais nos distintos âmbitos
da sociedade contemporânea, demandam uma reformulação das relações de ensino
e de aprendizagem, tanto no que diz respeito ao que é feito nas escolas, quanto a
como é feito (LAPA, 2008).
Neste caso, faz-se necessário um profissional inovador, conhecedor das novas
potencialidades das TIC, um pesquisador contínuo, capaz de perceber que, na nova
cultura, não existe espaço apenas para um fluxo de dados unilateral – professor 
informação  aluno, já que a sala de aula é um campo de pesquisa e de trabalho
coletivo, onde o professor é alguém que ensina e aprende (RAMAL, 2002).
Precisamos então começar a pensar no que realmente podemos realizar a partir da
utilização dessas novas tecnologias no processo educativo. Para isso, é necessário
compreender quais são suas especificidades técnicas e seu potencial pedagógico.
Por outro lado, é certo que algumas propostas de uso das tecnologias digitais na
educação ainda são realizadas como uma espécie de apêndice ou instância paralela
do sistema tradicional, uma vez que tais abordagens de utilização das TIC estão
desvinculadas das reais dimensões sociais e políticas inerentes às demandas da
cibercultura. No entanto, tais iniciativas, ainda que possuam um caráter embrionário,
permitem entrever as características da grande mudança estrutural que está por vir,
uma vez que a simples disponibilização de informação em larga escala já
potencializa estruturas capazes de transformar as relações nos mais variados
ambientes, principalmente, na escola. É fundamental compreender e desenvolver
essas potencialidades amparados por um referencial educativo que dê conta do
saberes coletivos e compartilhados.
A proposta pedagógica do novo milênio, mais do que propiciar a incorporação dos
novos princípios tecnológicos, deve ter em vista a apropriação social das TIC como
condição de cidadania. Deve ainda subsidiar um mecanismo significativo de ensino,
pautado na integração dos novos meios de informação e comunicação, fomentado
por uma demanda social e politica característica da cibercultura.
No caso dos processos educativos, um ponto de partida passível de discussão diz
respeito à epistemologia colaborativa desencadeada pela WEB 2.0. A partir dela, a
disponibilização descentralizada de informações, com o aporte da interatividade,
pode propiciar novas formas de produção do conhecimento. Este trabalho traz como
propósito delinear um entendimento em relação à aprendizagem através da
colaboração, tomando por base os marcos teóricos da abordagem sócio-histórica,
da aprendizagem social e da aprendizagem situada.
Aprendizagem pela Colaboração
O estruturas de interação desencadeadas pela WEB 2.0, no contexto das TIC,
transformaram a utilização da web em um fenômeno social. Esses arcabouços
tecnológicos potencializam ainda mais grandes transformações sobre diversos
aspectos da atividade humana, dentre elas os relacionados à educação.
Dentro desses aspectos é de suma importância discutir os processos pedagógicos,
através dos quais o conhecimento é produzido, dentro de um contexto onde a fluidez
de informações molda as interações entre as pessoas e, consequentemente, os
espaços sociais onde estão inseridos. De fato, as redes sociais são exemplos de
locais que possuem indivíduos resultante de uma sociedade fomentada na
comunicação reticular, onde tudo e todos estão conectados. Isso subsidia um mar de
possibilidades onde a desterritorialização ganha poder global em um crescente
processo de fluidez (BAUMAN, 2001). Entre outras consequências desta liquidez de
relações sociais, a colaboração se configura como um elemento de fortalecimento da
coletividade entre sujeitos de um mesmo grupo, ou de grupos diferentes.
Destacaremos aqui o papel da colaboração nos processos de aprendizagem na
consolidação da autonomia, da cooperação e do diálogo como aspectos marcantes
no processo de construção do conhecimento nos espaços educativos. Para isso
enfatizamos algumas bases teóricas que privilegiam a interação como modelo
colaborativo de aprendizagem a partir das ideias de Vigostsky (1998), Engeströn
(2002) e Wenger,1998. A interação aqui é vista como um processo biunívoco e de
ação constante entre os participantes de um grupo ou comunidade.
A teoria vigostkyana
A maior parte das teorias que destacam o papel da interação na aprendizagem
encontram os alicerces de suas argumentações na teoria de Vigotsky. Dentre as
várias nuances desta teoria, destacamos o papel que as interações sociais tem na
formação da mente. Em outras palavras, o mecanismo de formação mental tem sua
raiz na sociedade e na cultura. O processo dialético de construção do conhecimento
se traduz nas interações de um comportamento mediado, através da utilização de
instrumentos e signos construídos socialmente.
Para se entender melhor a teoria de Vigotsky é importante destacar dois processos
importantes em sua teoria: a internalização e a Zona Proximal de Desenvolvimento
(ZPD). A internalização se traduz na reconstrução interna de operações externas
adquiridas socialmente através da linguagem, seja ela escrita ou falada e socializada
pelo grupo.
Vygotsky considera, ainda, a existência de uma Zona Proximal de Desenvolvimento
(ZPD), que representa a diferença entre o que o aprendiz pode fazer sozinho e
aquilo que só conseguirá com a ajuda de outra pessoa mais experimentada
(professor, instrutor ou outro aprendiz mais apto na matéria) (VYGOTSKY,1984,
P.98). Nesta linha, Vygotsky sugere que o aprendizado ocorre anterior à escola e
que a aprendizagem e o desenvolvimento estão inter-relacionados.
Quando se fala em ZPD, é preciso definir os níveis de desenvolvimento do individuo:
a) Nível de Desenvolvimento Real (NDR) – funções que o indivíduo já possui.
b) Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP) – funções que o indivíduos pode
desenvolver com ajuda de um outro mais experiente.
Nesse caso, a linguagem aparece como elemento fundamental entre a
internalização e a ZPD. Pois é através da comunicação, seja de que ordem for, que
é possível executar as trocas de informações, compartilhar e construir significados,
tanto individuais como coletivos. Só para ilustrar, basta imaginar uma pessoa mais
experiente estar próximo de um aprendiz em potencial e estes falarem idiomas
diferentes. Não havendo comunicação, não haverá aprendizado.
Nesse sentindo, há dois aspectos presentes nos ambientes colaborativos inerentes
à teoria de Vigotsky: o diálogo e a cooperação. O primeiro aparece como ponto
fundamental para trocas entre os membros de um grupo, que potencializados pela
linguagem, exercem o papel dialógico necessário aos processos de ensino e
aprendizagem. O segundo, a cooperação, desponta como ponto de convergência
dos diferentes pontos de vista que emanam dos sujeitos na busca de um objetivo
comum. Tanto o diálogo quanto a cooperação demandam um espaço socialmente
estabelecido, e portanto colaborativo.
As bandeiras do diálogo e da colaboração são os pilares centrais do que chamamos
hoje de WEB 2.0. Também conhecida como Web social, configura-se como um
conjunto de mecanismos que permitem que pessoas consigam expressar-se
livremente, divulgando e produzindo conhecimento. Em torno dessa infraestrutura
forma-se um espaço de comunicacional aberto, que permite articular indivíduos,
instituições, comunidades, circundados pelas informações os sujeitos que o
alimentam. Para isso, há uma mudança no papel do usuário receptor de informações
para a função de co-autor de conhecimento, capaz de interagir com um universo de
pessoas disponíveis.
Segundo Primo (2007, p. 15):
“a Web 2.0 tem repercussões sociais importantes, que potencializam
processos de trabalho coletivo, de troca afetiva, de produção e circulação de
informações, de construção social de conhecimento apoiada pela
informática.”
Essa estrutura comunicacional multilateral dar espaço as novas formas de
expressão de sentimentos contribuindo de forma significativa não só para
construção e divulgação do conhecimento, como para o desenvolvimento emocional
dos sujeitos. Essa liberdade contribui significativamente para criação de redes de
comunidades num ambiente virtual propício à troca e partilha de informações,
contribuindo para o desenvolvimento da inteligência coletiva (LEVY, 1998)
Com a Web 2.0 pode-se pensar em novas formas de construção do saber mais
descentralizadas, em que o aprendente, além de criar e selecionar informações,
pode também partilhar conhecimentos na maioria das vezes postados em sites,
blogs etc., por meio de plataformas dinâmicas e de livre acesso. Mais do que nunca
a linguagem como forma de internalização de significados e externalização do
pensamento, é potencializada a um nível em que a fronteira da virtualidade é
transpassada a todo momento.
A aprendizagem social
Em uma outra visão sobre aprender em sociedade, encontramos releituras da teoria
vigotskyana na Teoria da Aprendizagem Social (TAS), a qual sugere que as ações
definem a prática, o que não ocorre somente através do individuo, mas sim motivada
pelo contexto no qual ele está inserido, fruto de uma cultura.
Segundo Duarte (2003), a TAS surgiu com os trabalhos de Vigotsky, Leontiev e
Luria em seu esforço para a construção de uma psicologia sócio-histórico cultural
fundamentada na filosofia marxista. Desenvolvida a partir do conceito de mediação
proposto por vigotski, Daniels (2003) explica que a TAS vem sendo utilizada para
analisar o desenvolvimento da mente humana (a que os sócio-históricos chamam
consciência) em cenários de atividade social prática, enfatizando os impactos
psicológicos da atividade organizada e as condições de sistemas sociais produzidos
por tal atividade.
Para se compreender tal mecanismo de atividade social, a figura 1 representa o
modo pelo qual Vygotsky descreve a relação mediada entre os seres humanos e o
ambiente: o sujeito é o agente cujo comportamento se pretende analisar; os
artefatos mediadores são objetos (materiais ou ideais) utilizados pelo sujeito para
atingir seu resultado; e o objeto refere-se ao material bruto sobre o qual o sujeito vai
agir, mediado pelas ferramentas, em interações contínuas com outras pessoas.
Figura 1: Relação mediada do sujeito humano com o meio
Fonte: adaptada de Daniels (2003, p.114).
Para Engeström (2002), o esquema da Figura 1 ilustra o que considera ser a
primeira geração da TAS, centrada na ideia de mediação. Entretanto, o autor
comenta que essa proposta apresenta limitações porque sua unidade de análise é o
indivíduo, deixando de levar em conta o contexto em que ele se insere. A segunda
geração da TAS, que, para Engeström, concretizou-se no desenvolvimento dessa
ideia de mediação por Leontiev (1978) ( apud FLORIANA, 2003), apresenta avanços
em relação à primeira. Este teórico propunha que, para entender uma ação, é
preciso compreender o motivo por trás da atividade na qual está inserida, ou seja, é
preciso compreender a atividade que a direciona.
O aparecimento do que Leontiev denomina atividade ocorreu quando o ser humano
passou a viver em sociedade, com sua consequente divisão de trabalho. Por causa
dessa divisão, a ligação entre uma necessidade e sua satisfação deixou de ser
direta, como o é para os animais. Tal ligação passou a ocorrer por meio de
resultados parciais, alcançados por diferentes participantes da atividade de trabalho
coletiva, utilizando diferentes ferramentas. Assim, as necessidades passaram a ser
satisfeitas por meio de ações coletivas de um grupo em interação social.
A segunda geração da Teoria da Atividade foi representada por Engeström (2002)
na forma ilustrada pela Figura 2, que mostra um sistema de atividade criado pela
expansão do triângulo vygotskyano básico. A figura sugere uma forma de superar a
limitação da primeira geração da teoria pela adição do nível macro, do coletivo (a
comunidade em que a atividade ocorre, com suas regras e divisão de trabalho), ao
nível micro, do ator ou agente individual, operando com ferramentas.
Figura 2: Sistema de atividade humana
Fonte: Engestrom (2002, p.36).
Ao analisar o esquema apresentado na Figura 2, Engeström (2002, p.36) explica
que:
O sub-triângulo superior [...] pode ser visto como ‘a ponta do iceberg’
representando ações individuais e grupais aninhadas em um sistema de
atividades coletivas. O objeto é mostrado com a ajuda de uma figura oval,
indicando que ações orientadas para o objeto são sempre, explicita ou
implicitamente, caracterizadas por ambigüidade, surpresa, interpretação,
busca de sentido e potencial para mudanças.
Tal como proposto por Vygotsky e também pela TAS, é possível perceber a
importância da interação social na produção do conhecimento. Cabe aqui enfatizar
que não basta apenas interagir de maneira aleatória, é necessário estabelecer
relações dentro de um espaço social através da participação das práticas
socioculturais.
Para isso partimos da ideia de que o homem é um ser eminentemente social, onde o
convívio em comunidade é uma consequência direta de sua natureza. Essa
convivência define regras e estruturas necessárias a interação dos membros de uma
comunidade, como formas de sobrevivência, de preservação e perpetuação de uma
cultura, hábitos e tradições. Através desse processo de socialização, é possível
estabelecer signos, criando laços afetivos e diversas formas de comunicação,
aprendizagem e produção de conhecimento. Portanto descrever uma comunidade e
seus membros é antes de tudo enumerar o histórico de práticas vivenciadas pelos
sujeitos desse grupo.
Aprendizagem pela participação
Mais do que o desenvolvimento de artefatos computacionais, as tecnologias da
informação e comunicação representam uma transformação significativa nas
relações sociais do mundo contemporâneo. Esses artefatos são, cada vez mais,
construções que operam sobre o intelectual de quem os produz e, portanto, sobre si
mesmos. Com o advento das TIC, a sociedade contemporânea encontra-se, cada
vez mais, distribuída de maneira horizontal. A partir daí, abre-se espaço para
interlocuções entre indivíduos, onde as construções sociais passam a ser
colaborativas embasada na coletividade da atividade social. Dessa forma a
descentralizações da ações ganham força na medida em que os atores sociais
passam a ter um papel mais participativo na construção e discussão dos espaços de
onde fazem parte.
Essas estruturas relacionais permite que as ideias sejam as mais amplas possíveis
renovando-se a todo instante para darem conta da demanda emergente das
comunidades ligadas em rede.
No caso específico das comunidades virtuais, essas estruturas organizacionais são
completamente dinâmicas onde a fluidez das relações definem um campo de
possibilidades sem precedentes. A própria identidade dos membros de uma
comunidade virtual muda a todo momento, tornando quase que impossível, uma
descrição fiel desses sujeitos. Nesse caso, o que importa é o histórico de suas
ações como formas de participação e engajamento mútuo, onde cada atividade
compartilhada representa mais um degrau de aprendizagem e desenvolvimento.
Trazendo a discussão para o âmbito da aprendizagem pela participação social, vale
a pena analisar a abordagem antropológica, descrita na obra de Jean Lave e
Etienne Wenger, que discutem o significado de se aprender enquanto parte de uma
comunidade. Essa mudança na unidade de análise do contexto dos indivíduos para
o contexto das comunidades, levou a uma mudança em que a aprendizagem é
entendida como "desenvolvimento de uma identidade como membro de uma
comunidade e chegou a ter habilidades, conhecimentos como parte desse processo"
(LAVE & WENGER, 1991).
Aprendizagem envolve a participação em uma comunidade, deixando de ser
considerada como a aquisição de conhecimentos pelos indivíduos para ser
reconhecida como um processo de participação social. Essas ideias são chamadas
de processo de participação periférica legítima, uma vez que o novo operador,
movendo-se a partir da periferia da comunidade em direção ao centro, vai se tornar
mais ativo e ser mais comprometido com a cultura e, portanto, assumir uma nova
identidade. Para esses autores, a aprendizagem é o resultado de fazer parte de
comunidades. Desenvolveram o conceito de comunidade de prática para demonstrar
a importância da atividade como um elo entre o indivíduo e a comunidade, e as
comunidades para legitimar as práticas individuais.
A aprendizagem social prevê que significado e identidade são construídas nas
interações, enquanto a construção desses significados e identidades são
influenciadas pelo contexto em que ocorrem. Em comunidades de prática não há
separação entre o desenvolvimento da identidade e do conhecimento, ambos
interagem uns com os outros através do processo de participação periférica legítima
no contexto de uma comunidade de prática.
Dentro dessa perspectiva teórica, as comunidades de prática configuram-se como
contextos a serem investigados como instrumentos de mediação dos motivos
(direção, trajetória) de um comportamento ou de uma mudança em um
comportamento. Nesse sentido, elas aparecem como uma possibilidade de
aprendizagem pela colaboração, tendo em vista que, tal como sugere Vigotsky, a
relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas propiciada por
instrumentos e signos constituídos sócio-historicamente.
Ambiência de colaboração: o caso das comunidades de prática
Com as transformações ocorridas no final do século XX, desencadeadas pelas
tecnologias da informação e comunicação, foram produzidas mudanças importantes
na relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Com o advento da internet foi
possível a interação entre pessoas e lugares, dando início ao surgimento de
agregados de indivíduos que não tinham nenhuma perspectiva de contato antes.
Essa possibilidade foi potencializada por uma segunda geração de serviços online,
chamada WEB 2.0, caracterizada por maximizar as formas de publicação,
compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços de
interação entre os participantes dos processos (PRIMO, 2007).
Nessa perspectiva, a união de grupos de indivíduos, interagindo de maneira
síncrona e assíncrona deram origem às chamadas comunidades virtuais. Estes
espaços parecem ganhar a preferência dos internautas, seja para bater um mero
papo informal, ou até mesmo para desenvolver pesquisas de ponta.
A utilização de ambientes virtuais como espaço de interlocução e aprendizagem
não é uma ideia inédita. Allan e Lewis (2006), por exemplo, entre 2001 e 2004,
pesquisaram junto a um grupo de acadêmicos de uma universidade inglesa, as
maneiras pelas quais os “membros de uma Comunidade Virtual de Aprendizagem
podem estimular a educação continuada e contribuir para sua aprendizagem e
identidade profissional para além da vida na comunidade”.
Para o aprofundamento dessa discussão sobre a aprendizagem em comunidade
através da colaboração e do compartilhamento do conhecimento, tomemos as ideias
de Wenger (1998) sobre comunidades de práticas (CoP).
De acordo com esse autor, uma comunidade de prática é um grupo de indivíduos
com conhecimentos, habilidades e experiência distintos, que se implicam de modo
ativo em processos de colaboração, compartilhando conhecimentos, interesses,
recursos, perspectivas, atividades e, sobretudo, práticas, para a construção de
conhecimento, tanto pessoal quanto coletivo (LAVE e WENGER, 1991).
Uma comunidade de prática, quando efetivamente funcional, gera e se apropria de
um repertório compartilhado de ideias, objetivos e memórias; desenvolve recursos
como ferramentas, documentos, rotinas, vocabulários e símbolos que, em alguma
medida, carregam consigo o conhecimento acumulado pela comunidade. Em outras
palavras, uma comunidade de prática envolve praxis: maneiras compartilhadas de
fazer e de se aproximar das coisas que preocupam as pessoas que a integram.
O processo de construção de uma comunidade de prática assume como premissa a
constituição natural de um grupo que busca refletir sobre a própria prática. Nesse
sentido, quando esse processo se dá por meio de uma comunidade virtual de
aprendizagem, na qual se articulam interesses e objetivos comuns, ações, diálogo,
discurso reflexivo e a colaboração, resulta em implicações para o “aprender” e o
“ensinar”.
As Comunidades de Prática sempre estiveram presentes, principalmente nas
organizações nas quais as pessoas possuem interesses comuns e desejo de
aprender a fazer cada vez melhor seu ofício. O importante, entretanto, é que as
instituições incentivem, ofereçam estrutura, valorizem as iniciativas e colaborem na
gestão das informações.
Conforme Wenger (1998), comunidades de prática – communities of practice – são
formadas por pessoas engajadas em um processo de aprendizagem coletiva em um
domínio compartilhado, tais como: um grupo de engenheiros trabalhando em
problemas similares, um grupo de alunos/professores definindo suas identidades na
escola, uma rede de cirurgiões explorando novas técnicas. Assim, comunidades de
prática são grupos de pessoas que compartilham uma preocupação, um objetivo ou
uma paixão por alguma ação que fazem e a partir da qual aprendem, através de
uma interação constante com os membros dessa comunidade. Essa definição
propõe, mas não assume, intencionalmente, que a aprendizagem pode ser a razão
principal para uma comunidade começar, ou ainda, a aprendizagem pode ser o
resultado incidental da interação entre os membros da comunidade. Isso é
corroborado, diretamente, com as ideias de vigotsky, que considera a aprendizagem
como consequência do convívio social, onde o desenvolvimento está atrelado ao
nível de compartilhamento e interação entre indivíduos. Nesse caso, tanto a
aprendizagem e o desenvolvimento dos sujeitos fomentam o convívio em
comunidade, e essa por sua vez, favorece a aprendizagem.
Nem tudo o que é chamado de uma comunidade é uma comunidade de prática.
Para o autor, três características são cruciais para uma comunidade ser uma
comunidade de prática: o domínio, a comunidade e a prática. Essas características
são apresentadas pelo autor, da seguinte forma:
O domínio: A comunidade de prática possui uma identidade definida
por um domínio compartilhado de interesses, assuntos, temáticas ou
conhecimentos. Os membros impõem um comprometimento ao domínio
escolhido e, uma competência compartilhada que os distingue de outras
pessoas. Os membros de uma comunidade de prática valorizam suas
competências coletivas e aprendem uns com os outros, mesmo que poucas
pessoas fora do grupo valorizem ou mesmo reconheçam essa especialidade.
A comunidade: Os membros da comunidade se envolvem em
atividades conjuntas e discussões, procurando interesses comuns em seus
domínios, ajudam uns aos outros, compartilham informações e constroem
relacionamentos que propiciam uma aprendizagem compartilhada.
A prática: Uma comunidade de prática não é meramente uma
comunidade de interesses. Membros de uma comunidade de prática são
praticantes, isto é, desenvolvem um repertório de pesquisas compartilhadas,
tais como: experiências, histórias, ferramentas, formas de lidar com
problemas recorrentes. Esse processo leva tempo, sustenta e mantém a
interação do grupo.
Vale destacar que mesmo tendo conceituado Comunidade de Prática (CoP) sem
tocar na ideia das comunidades virtuais, Wenger (1998) discorre sobre
características que considera úteis em um ambiente para que apoie as CoP. Cita,
inclusive, elementos da tecnologias, tais como:
a) uma homepage que descreva seu domínio e atividades;
b) facilidades para enviar perguntas para a comunidade ou para um
subgrupo da comunidade;
c) um local com informações dos membros sobre suas áreas de expertise no
domínio;
d) um espaço compartilhado para colaboração, discussão e encontros
eletrônicos;
e) um repositório de documentos para a base de conhecimento;
f) um mecanismo de busca suficientemente eficaz para recuperar itens da base
de conhecimento;
g) ferramentas para gerenciar a comunidade;
h) facilidades para criar subcomunidades, subgrupos e equipes de projeto.
Segundo o autor, em comunidades de práticas, a negociação de significados é um
processo complexo que leva tempo, pois o que define a comunidade de prática em
uma dimensão temporal é a questão do compromisso e engajamento mútuo, a fim
de que todos os membros compartilhem uma aprendizagem colaborativa e
significativa.
A partir desta perspectiva, o referido autor afirma que as comunidades de prática
podem ser pensadas como histórias de aprendizagem compartilhada. Nesse
sentido, “história” não é uma questão meramente pessoal ou uma experiência
coletiva, mas uma combinação de participação e reificação, dois modos de
existência ao longo do tempo, que interagem mesmo localizados em dimensões
diferentes. Para o autor, nossa experiência, nossa prática, está em constante
movimento, sempre interagindo com outras práticas e experiências, sem se fundir a
elas.
A participação representa a ação de tomar parte em alguma coisa; assim é na
relação com outras pessoas, que esse processo de participação se torna evidente. A
participação é tanto pessoal quanto social, e é concebida como um processo
completo que combina as ações de fazer, falar, pensar, sentir e pertencer. Nesse
aspecto as comunidades virtuais potencializam essas ações participativas pois
conseguem dar suporte a uma organização social em rede onde a fluidez dos atos
acontecem de maneira cada vez mais instantâneas.
A reificação, por sua vez, é entendida como a conversão de algo em coisa, esse
algo pode ser compreendido como ideia, faculdade, pensamento, etc., ou seja, é
uma maneira geral para se referir ao processo de dar forma à experiência,
produzindo objetos que moldam essa experiência em uma coisa concreta. Assim,
esse termo abraça e amplia uma gama de processos que incluem fazer, desenhar,
representar, nomear, codificar, descrever, perceber, interpretar, utilizar, reutilizar,
decifrar e reestruturar. Logo, em todos esses casos, esses processos se solidificam
em formas concretas de aspectos da experiência e da prática humana e, é isso que
lhes dá a condição de objeto.
Com essas perspectivas, estamos conectados à nossas histórias por meio da forma
como os artefatos são produzidos, preservados, resistidos ao tempo, reapropriados
e modificados através dos anos, e também através de nossa experiência e
participação, assim como nossas identidades são formadas, herdadas, rejeitadas,
bloqueadas e transformadas pelo engajamento na prática contínua. Wenger (1998)
observa que as experiências adquiridas continuamente estão intimamente ligadas às
práticas.
Vendo por esse lado a aprendizagem não se processa em um contexto no qual
simplesmente as pessoas devem aprender alguma coisa, mas sim estarem
engajadas na prática. Assim, faz parte da aprendizagem este processo de
engajamento, participação e desenvolvimento da prática. Neste contexto,
“[...] práticas são histórias de engajamento, negociação e desenvolvimento
de repertórios compartilhados, então, aprendizagem na prática inclui seguir
o processo da comunidade envolvida. Mas, é preciso tomar cuidado para
não dizer que qualquer coisa que se faça é aprendizagem. A aprendizagem
significativa abrange dimensões da prática como: envolvimento e formas
mútuas de engajamento; entendimento; desenvolvimento de repertórios
compartilhados, estilos e discursos. Isso é o que modifica nossa habilidade
de engajamento na prática, de entendimento sobre o porquê fazemos parte
dessa prática. Esse tipo de aprendizagem não é meramente um processo
mental, mas tem a ver com o desenvolvimento de nossas práticas e de
nossa habilidade para a negociação de significados. Assim, criamos
maneiras de participação na prática no processo de contribuição para fazer
dessa prática o que ela é”. (Wenger, 1998 p.94)
Assim, para o referido autor, prática é o compartilhamento de histórias de
aprendizagem que requer uma compreensão para que ocorra engajamento. É um
processo social e interativo, no qual as pessoas interagem, fazem coisas juntas,
negociam novos significados e aprendem uns com os outros.
Comunidades Virtuais: condição de cidadania
Após a discussão teórica sobre a aprendizagem como consequência da participação
social, se faz necessário tecermos algumas consideração sobre a efetividade dessa
participação e, consequentemente, de sua transformação social.
A sociedade contemporânea tem sido marcada por transformações significativas no
campo das tecnologias da informação e comunicação, provocando, a cada novo
artefato desenvolvido, novas formas de se comunicar, a ponto de autodenominar-se
Sociedade da Informação (CASTELLS, 1999). Entretanto, não são todos os setores
da sociedade, que conseguem se beneficiar do potencial oferecido pelos recursos
da WEB 2.0.
Para isso seria necessária a superação de barreiras políticas, econômicas e
culturais, que exigiriam um esforço social conjunto sem precedentes. A
implementação de programas de universalização das TIC na sociedade, vinculados
a concessão de monopólios sobre elas mesmas, estão fadadas ao modelo de
exclusão social. Neste modelo, os projetos além de passarem pelo crivo político e
suas barreiras burocráticas e partidárias, acabam caindo no descaso de sua própria
concepção. Tais iniciativas estão fadadas ao fracasso, pois capitalismo e inclusão
social é um binômio mutuamente excludente. Mais do que isso, do ponto de vista
político e econômico, a quem interessaria uma sociedade “incluída” socialmente?
De outro lado, a velha educação (PRETTO, 2005) precisa dar lugar às perspectivas
educacionais que privilegiem a aprendizagem de co-autoria, em que seja possível a
construção de um modelo de Educação pautado na colaboração entre os sujeitos
desse processo. Portanto não se trata de inclusão social se trata transformação
social colaborativa. O simples fato de ter acesso as TIC e aprender a usá-las, não
garantem em si mesmos a autonomia dos sujeitos da escola. É preciso equacionar o
déficit cultural entre os que ensinam os velhos modelos aprendidos e os que já são
digitais desde a ultrassonografia.
Nesse contexto o processo de democratização das TIC com a viabilização da WEB
2.0 dão inicio a formação de comunidades interligadas em rede, capazes de
desencadear a socialização de informação, de articular saberes e praticas, como
elementos de transformação social. Para isso não se pode perder de vista que sem
mobilização social, que consiga articular vontade política, desenvolvimento
econômico e diversidade cultural, não é possível construir uma sociedade que seja
capaz não só de incluir os sujeitos, mas que deem a eles o poder de transformação.
Um dos motivos possíveis para a crescente utilização das comunidades virtuais
seria por causa do apelo ilustrativo proporcionado pelas mídias envolvidas nesses
ambientes. Outro motivo poderia se pautar no fato da praticidade de se comunicar
com várias pessoas em diversos lugares, que fizeram, ou fazem, parte de nossas
vidas, sem precisar sair de casa. Ou quem sabe pelo simples modismo de se
participar de uma comunidade virtual.
Acreditamos que o grande pretexto para quem participa das comunidades virtuais é
o simples fato da possibilidade de atualização de realidades latentes, que encontram
materialidade, nem que sejam por pouco tempo. A necessidade de relacionamento
social é uma característica intrínseca aos seres humanos e a otimização ou
manipulação dos laços afetivos é um atrativo natural para qualquer membro de
nossa raça.
Viver em comunidade não é nenhuma novidade. O encanto está em levar essa
vivência às ultimas consequências, em um espaço de possibilidades não-lineares,
de tal forma que os caminhos e as relações sociais se atualizam a todo o momento.
Mudar de identidade passou a ser algo trivial, onde o perfil híbrido e histórico é o que
difere cada membro participante.
Nessa perspectiva de opções, as ideias de cooperação e colaboração despontam
como eixos de trabalhos, que orientam as redes produtivas sejam para um simples
fórum de debates ou até mesmo para a construção de softwares em código aberto.
Através das comunidades virtuais, a sociedade contemporânea, agora em fluxo,
passou a ser em espaço de possibilidades de transformações em si mesma. As
trocas de informações, de articulação e produção do conhecimento, tendem a dar
forma a uma cenário social multivocal, pautado em relações horizontais de
participação. Isso implica na construção de uma cidadania onde a colaboração e a
fluidez são condições intrínsecas desse processo de apropriação e transformação
social.
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