Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral ARTIGOS A Leitura como Mediação na Educação a Distância E Semi-Presencial Cláudia Santos BITTENCOURT1 Luci Mobilio Gomes PINTO2 André Luiz JEOVANIO-SILVA3 RESUMO: A Hemofilia é uma doença genética decorrente da ausência ou insuficiência de fatores de coagulação no sangue. Atinge 1 a cada 10.000 nascimentos, sendo registrados 9.000 casos atualmente no Brasil. Este trabalho representa uma pesquisa bibliográfica descritiva, qualitativa e exploratória que teve como objetivo discutir a contribuição do cuidado de enfermagem baseado na humanização e auto-cuidados para o desenvolvimento do autoconhecimento e do autocuidado que podem melhorar a qualidade de vida do paciente portador de hemofilia. Neste estudo, abordamos o conceito de hemofilia, sua epidemiologia e determinantes genéticos. Discutimos questões legais e éticas e atividades envolvidas nessa abordagem do cuidado na área hospitalar e domiciliar. Explicamos o conceito de humanização em saúde e autocuidado e que tal abordagem envolve a organização e dinamização atendimentos de urgência, através de centros e equipes de referência que realizam busca ativa para acompanhamento de pacientes, em um trabalho de equipe multidisciplinar composta por enfermeiros, médicos, dentistas, fisioterapeutas, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais. Nesta, a enfermagem ocupa posição central de referência ao doente, pois desempenham o acolhimento imediato na chegada ao hospital. O enfermeiro organiza o fluxo deste paciente no estabelecimento, treina, educa continuadamente e coordena técnicos e assistentes de enfermagem, controla programas domiciliares e orienta portadores e seus familiares. Como considerações finais, discutimos o grande potencial que a construção do elo enfermeiro-paciente baseada na humanização, autocuidado e esclarecimento do paciente tem para contribuir à promoção da saúde do portador de hemofilia, priorizando o seu conforto e o seu preparo para zelar por sua própria saúde. Palavras-chave: Cuidado de enfermagem, hemofilia, humanização, autocuidado, enfermagem. ABSTRACT: Hemophilia is a genetic disease resulting from lack or insufficiency of clotting factors in the blood. It affects 1 in 10,000 births, with 9000 cases currently recorded in Brazil. This work represents a bibliography, descriptive, qualitative and exploratory research that aimed to discuss the contribution of nursing care based on the Humanization and self-care for the development of self-knowledge and self-care that can improve the quality of life of patients with hemophilia. In this study we discuss the concept of hemophilia, its epidemiology and genetic determinants. Talk about legal and ethical issues and activities involved in this approach at the hospital and in home care. We explain the concept of humanization in health care and that this approach involves the organization and streamlining of emergency care through centers and reference teams that perform an active search for monitoring patients in a multidisciplinar work that involve nurses, doctors, dentists, physical therapists, educators, psychologists, social assistants. In this way, nursing occupies a central reference for the sick, because they perform the patient responsiveness as soon as the patient arrives at the hospital. The nurse organizes the flow of patients in the establishment, training, continuous education and coordinates technical and nursing assistants, manages residential programs and directs patients and their families. As final considerations, we discussed the great potential that the construction of the link between nurses and patients based on humanization, self-care and clarifying the patient has to contribute to health promotion of patients with hemophilia, giving priority to him comfort and preparation to take care of him own health. Keywords: Nursing care, hemophilia, medical self-care, nursing. 1 Graduanda do curso de Enfermagem da Faculdade Bezerra de Araújo (FABA) – Campus Campo Grande. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aposentada como professora adjunta da Faculdade de Enfermagem Alfredo Pinto - UNIRIO. Vínculo Institucional: Coordenadora do curso de Enfermagem da Faculdade Bezerra de Araújo e Professora do curso de enfermagem da Faculdade Bezerra de Araújo (FABA) – Campus Campo Grande. Endereço eletrônico: [email protected] 3 Doutor em Ciências pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF)/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vínculo Institucional: Pesquisador Visitante no Laboratório de Biomarcadores e Hepatotoxicidade, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC), FIOCRUZ. Endereço eletrônico: [email protected] 23 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta ARTIGOS Introdução A Hemofilia é uma doença genética decorrente da ausência ou insuficiência de fatores de coagulação no sangue. É transmitida através de mutações recessivas no cromossomo X, que carrega os genes responsáveis pela produção dos fatores de coagulação (BEZERRA, 2001). Tal enfermidade manifesta-se bem cedo, ainda na infância. Muitas vezes é percebida após algum traumatismo, um tombo, o surgimento da primeira dentição e outras situações que levam a um sangramento constante, não intenso, que chama a atenção pela difícil cicatrização ou sangramento recorrente, diferente do observado em indivíduos saudáveis. Em casos mais graves, hematomas, dores intensas, hemartroses, sangramentos em músculos e órgãos podem ocorrer (VERRASTRO, 2005). Segundo o Ministério da saúde, a hemofilia tem incidência de 1: 10.000 nascimentos nos diversos grupos étnicos, sendo que 75 a 80% é hemofilia A e 20 a 25% dos casos é hemofilia B. Na maioria dos casos, a hemofilia é transmitida ao filho pela mãe portadora, que é geralmente assintomática. Dentre os casos da doença, 30% podem ser decorrentes de uma nova mutação, ou seja, ocorre mesmo que não haja outro caso familiar (Saúde, 2009). No Brasil, no ano de 2000, havia 6297 pacientes com hemofilia A e B cadastrados (INCA, 2006). Atualmente, 9.000 casos estão registrados atualmente, 85% de hemofilia A e 25% de hemofilia B. No Estado do Rio de Janeiro, 980 pacientes foram cadastrados no hemocentro desde Janeiro deste (SAÚDE, 2009). A doença atinge mais os homens, sendo raro em mulheres (SENADO, 2009). Dados do Ministério da Saúde, apontam que o número de portadores de hemofilia vem crescendo. Muitas vezes este aumento surge na própria família do hemofílico, o que sugere que estes pacientes e sua família necessitam de auxílio para compreender a doença e sua participação em sua 24 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral propagação (ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS HEMOFÍLICOS, 2009). As pessoas com hemofilia, em geral, sofrem algum tipo de discriminação ou são destacadas em sua comunidade, seja por falta de conhecimento sobre a doença, seja por limitações próprias da doença (VM.CAIO, LA.MAGNA, AS. RAMALHO – SCIELO,2001). Como é uma doença crônica, é necessário que o paciente tenha um acompanhamento clínico constante, devido aos episódios de sangramento para que seja realizada a reposição de fator de coagulação. Dentro da equipe multidisciplinar que desempenha o acompanhamento do paciente hemofílico, o enfermeiro atua lidando diretamente com o mesmo. Assim, é o profissional que tem maior possibilidade de acompanhar e orientar o paciente em seu dia a dia, e que por isso está em uma posição chave tanto para o desenvolvimento de um plano de cuidado humanizado quanto para a orientação e conscientização do portador de hemofilia e sua família. Nesse contexto, a priorização do autoconhecimento, da superação de estigmas e do autocuidado são essenciais ao conforto e preparo do paciente para zelar pelo seu próprio bem-estar. Objetivos Este estudo tem como objetivo discutir a contribuição do cuidado de enfermagem baseado na humanização e autocuidados para o desenvolvimento do autoconhecimento e autocuidado que podem melhorar a qualidade de vida do paciente portador de hemofilia. Para alcançar tal objetivo, delineamos as seguintes questões norteadoras: 1) Como o enfoque da humanização dos cuidados de enfermagem pode contribuir para a qualidade de vida de um paciente portador de hemofilia? ARTIGOS Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral 2) Que impactos o autoconhecimento e autocuidado poderiam ter no acompanhamento do portador de hemofilia? Hemofilia Segundo Brunner & Suddart (2005), a hemofilia é uma doença decorrente de defeitos genéticos, independente de etnias. Pacientes com hemofilia têm deficiência na quantidade ou na qualidade da produção de uma das doze proteínas responsáveis pela coagulação do sangue. A doença pode ser classificada em grupos, de acordo com a qualidade de fator coagulante ausente no sangue e com a intensidade dos sintomas. (RAPAPORT, 1990). De acordo com o tipo de fator coagulante presente na corrente sanguínea, a hemofilia pode ser classificada como A ou B. A hemofilia A é a mais comum de todas. Também conhecida como hemofilia clássica, é caracterizada pela deficiência do fator VIII. Já na hemofilia B, o indivíduo apresenta uma deficiência do fator de coagulação IX, (RAPAPORT, 1990). De acordo com a intensidade dos sintomas, a hemofilia pode ser classificada como leve, moderada ou grave. Na hemofilia leve, a atividade dos fatores coagulantes está por volta de 5 a 30% do normal; na hemofilia moderada, o paciente apresenta atividade de fator coagulante em torno de 1 a 5% do normal e na hemofilia grave, a atividade do fator coagulante fica abaixo de 1% do normal, fazendo com que o paciente sangre repentinamente (VERRASTRO, 2002). Porém, independentemente da gravidade, a quantidade de vezes que o paciente deverá repor o fator de coagulação estará ligada aos episódios de hemorragia. Contudo, a característica clínica e as anormalidades tanto da hemofilia A quanto da Hemofilia B são idênticas; a diferença é constatada por exames laboratoriais (SMELTZER & BARE, 2002). Genética da hemofilia A apresentação da hemofilia está diretamente ligada ao cromossomo sexual X, pois este carrega os genes que controlam a produção dos fatores de coagulação (Esquema). Como os homens possuem apenas um cromossomo X, de origem materna, se este for anormal para a produção de fatores de coagulação, a doença se manifestará mais facilmente. Já a mulher, quando portadora de genes para hemofilia em um de seus cromossomos X, pode ter uma coagulação saudável caso ela possua um segundo X normal, que produzirá quantidade suficiente de fator de coagulação. Por esse motivo, a hemofilia acomete, principalmente, os homens, de forma que as mutações que ocorrem nos genes que codificam os fatores de coagulação VIII e IX ocorrem, quase que exclusivamente, em indivíduos do sexo masculino (VERRASTRO, 2005). Esquema 1: (Imagem retirada da homepage da associação Portuguesa dos hemofílico - www.hemofilico.com.br) 25 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta ARTIGOS No esquema, temos três situações: na situação 1, podemos observar uma ligação genética normal, no qual um homem normal possuindo (cromossomos XY normais) e uma mulher normal com cromossomos XX sem alteração terão filhos normais. Na situação 2, vemos que, na união de um homem normal com uma mulher portadora de genes para hemofilia, haverá 50% de probabilidade dos filhos nascerem hemofílicos e 50% de probabilidade de cada filha ser portadora. Na situação 3, podemos esperar que os filhos da união de um homem hemofílico com uma mulher normal (portadora dos dois cromossomos X normais) serão todos normais quando pertencentes ao sexo masculino, enquanto todas as filhas serão portadoras. Estas não apresentarão hemofilias, mas serão portadoras do gene para a doença, pois possuem um cromossomo X defeituoso, proveniente do pai, e um outro saudável, proveniente da mãe, que o compensará. Manifestações clínicas As hemofilias leve e moderada não são sempre diagnosticadas durante a infância; a hemofilia severa é geralmente diagnosticada em uma idade bastante precoce (RAPAPORT, 1990). A doença se manifesta raramente antes dos 3 meses de idade, pois é necessário que ocorra algum trauma, geralmente através de um tombo quando a criança começa a aprender a andar ou com o surgimento da primeira dentição. Devido à difícil cicatrização, devese evitar a circuncisão (RAPAPORT, 1990). Assim, qualquer traumatismo pode levar a um sangramento constante, de forma que tais pacientes muitas vezes apresentam hematomas, dores intensas, hemartrose (sangramentos nas articulações) e até sangramentos em órgãos vitais e músculos. As articulações mais afetadas são os cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos (RAPAPORT, 1990). Os hemofílicos não sangram mais rápido que o normal; 26 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral sangram por mais tempo.Por esse motivo, em uma entorse, que normalmente causará lesão em alguns capilares, causando pequenos sangramentos imperceptíveis, o local fica um pouco dolorido, no hemofílico, este pequeno sangramento não cessa; inicialmente causará um formigamento, que depois transforma em dor, aos poucos se torna em hematoma; nas articulações, as hemartroses causam dores intensas, edema e limitação da mobilidade. A gravidade da doença torna os sinas e sintomas mais intensos e constantes (RAPAPORT, 1990). Em mulheres em trabalho de parto, quando são portadoras conhecidas ou quando há suspeita, deve-se colher o sangue do cordão umbilical para ensaio de fator, pois é raro hemorragia pelo cordão umbilical. O bebê hemofílico nasce sem sinais, como grandes equimoses (extravasamento de sangue nos tecidos). A vacinação contra hepatite B é extremamente essencial devido a transfusões eventualmente necessárias (PASSARGE, 2004). O diagnóstico O diagnóstico inicia-se com uma anamnese, que inclui a busca pelo conhecimento do histórico familiar. Saber de algum episódio de hemorragia na família e em que situações ocorrem pode ser útil para a obtenção de um diagnóstico inicial. Com este, logo se inicia o exame laboratorial como os ensaios quantitativos de fatores de coagulação VIII e IX, além do TTPA (tempo de tromboplastina parcial ativada), exame que determina a capacidade de diluição do plasma (RAPAPORT, 1990). Monitoramento da hemofilia É importante que o hemofílico esteja cadastrado em um hemocentro para um atendimento especializado. Deve ser acompanhado permanentemente por uma equipe multidisci- Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral plinar devido a eventuais complicações que a própria doença pode acarretar, receber informações sobre a terapia que melhor se ajusta à disponibilidade dos concentrados de fator, hemoderivados, e cuidados dentários (HEMOFILIA BRASIL, 2007). Esta reposição é feita sempre de forma intravenosa, pois uma aplicação intramuscular causará um sangramento (Verrastro, 2002). A transfusão de hemodrivados como concentrado de hemácias e plasma muitas vezes se faz necessária devido à significativa perda de sangue principalmente quando o paciente tem hemofilia severa (RAPAPORT, 1990). A reposição destes fatores é extremamente onerosa; são concentrados obtidos através de pool de plasma, e apenas pacientes cadastrados em instituições governamentais de hematologia e hemoterapia têm acesso a estes fatores, sem custo (REZENDE e SILVA, 2009). A imunização contra hepatite é extremamente necessária para proteção do paciente devido ao risco de contaminação e das constantes hemotransfusões (Associação Portuguesa dos Hemofílicos, 2009). Segundo Verrastro (2002) o hemofílico deve evitar medicamentos a base de ácido acetilsalicílico, aminofenazona, butazona e derivados, por serem medicamentos antiplaquetários que podem causar hemorragia no paciente em questão. Leis que atingem a questão da hemofilia As leis que respaldam o monitoramento do paciente com hemofilia são as mesmas voltadas aos pacientes com doenças crônicas. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, fala sobre a asseguração do direito à saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. ARTIGOS A Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, atua de maneira complementar, pois aborda a participação do governo nessa garantia do acesso aos cuidados, aponta a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e aborda questões sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde. Considerando a necessidade de promover mudanças de atitude em todas as práticas de atenção e gestão que fortaleçam a autonomia e o direito do cidadão (Ministério da Saúde, 2006), há leis que defendem os direitos de portadores de doenças como a hemofilia. A Lei federal nº 1044, por exemplo, no item A, de 21/10/69, defende os direitos dos alunos com afecção congênita, garantindo, entre outras coisas, a realização de segunda chamada para os alunos que faltarem às provas para tratamento. A PORTARIA Nº 81 DE 20/01/ 2009, art 1º, 2º e 3º institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica e considera a necessidade de estruturar no SUS uma atenção integral em genética clínica; além de apontar o aconselhamento genético como o pilar da atenção à saúde, e ressalta que há necessidade de estabelecer critérios mínimos para credenciar e habilitar os serviços de genética clínica na rede SUS, além de auxiliar os gestores do SUS na regulação, fiscalização, controle e avaliação da assistência prestada aos usuários em genética clínica. O tratamento ao paciente hemofílico é previsto no código de ética, pois pode ser contextualizado na resolução COFEN nº240/2000 no art. 5º, que determina que o profissional de enfermagem deve oferecer uma assistência à saúde visando à promoção ao ser humano como um todo. Tal resolução tem reforço no art. 22º , que assinala que o enfermeiro deve exercer a sua profissão com justiça, responsabilidade, competência e honestidade. Isso res- 27 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta ARTIGOS ponsabiliza este profissional na prestação de informações adequadas ao cliente e à família sobre a assistência de enfermagem, possíveis benefícios, riscos e consequências que possam ocorrer. No Artigo 3º do código de ética de enfermagem, inclusive, afirma-se que o profissional de enfermagem deve respeitar a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana, em todo ciclo vital sem discriminação de qualquer natureza. Tais leis em conjunto com o código de ética seguem uma linha de humanização na promoção da saúde. A humanização na abordagem do enfermeiro ao paciente de hemofilia A Enfermagem é uma das profissões da área da saúde cuja essência e especificidade é prestar cuidados ao ser humano, individual, família ou comunidade, com objetivo de promover, prevenir doenças atentando sempre para recuperação e reabilitação da saúde. E para isso é preciso uma equipe coesa, sistematizada sem esquecer do lado humano que diferencia a enfermagem de outras profissões (Senna, 2005). POTTER (2004) discute a enfermagem como uma profissão que preza o compromisso e respeito à vida e dignidade do ser humano. Assim, o enfermeiro atua como integrante da sociedade com ações que visam a satisfazer as necessidades respeitando sempre os preceitos éticos e legais, utilizando conhecimentos científicos e técnicos. Para Potter, 2004: O cuidado é o fenômeno universal que influencia o modo pelo qual as pessoas pensam, sentem e se comportam em relação ao outro.O cuidado de enfermagem tem sido estudado a partir de vários referenciais filosóficos e éticos desde o tempo de Florence Nightingale. Diversas pessoas eminentes em enfermagem desenvolveram teorias sobre o cuidado por causa da 28 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral sua importância não somente para prática de enfermagem, como também para a existência da humanidade (POTTER, 2004: p.87). Esta linha de pensamento apresentada por Potter (2004) segue a linha defendida pela teoria da humanização de Paterson e Zderad (1976). Segundo a teoria, o homem é um ser individual. Assim, todos somos diferentes uns dos outros e, por esse motivo, devemos ser respeitados como tal. Dessa maneira, relacionar-se com o cliente é necessário, mas não se deve permitir que os sentimentos do profissional se sobreponham aos do cliente, pois ambos possuem interesses direcionados para a melhoraria do bem-estar. Assim, segundo George 2000: A enfermagem implica um tipo especial de encontro de pessoas. Ocorre em resposta a uma necessidade percebida relacionada com a qualidade de saúde-doença da condição humana. Dentro desse âmbito, que é compartilhado com outros profissionais de saúde, a enfermagem é dirigida para a meta de alimentar o bem estar e o vir-a-ser (potencial humano). A enfermagem, portanto, não envolve um encontro meramente fortuito, mas um encontro no qual existem um chamado e uma resposta intencionais. Neste aspecto, a enfermagem humanística pode ser considerada um tipo especial de diálogo vivido (GEORGE, 2000:242 ap. Paterson & Zderad, 1976/1988, p.24). Em algumas instituições de atenção ao paciente com doenças hemorrágicas hereditárias, existem manuais com orientações voltadas aos pacientes hemofílicos. Estes abordam assuntos como a definição de hemofilia, quais os sintomas, como são feitos o diagnóstico e tratamento, como é a alimentação e quais os cuidados. Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral O enfermeiro trabalha como um “elo” do hemofílico e seus familiares com os demais profissionais da equipe. Através desse profissional, o paciente receberá orientações quanto o autocuidado, esportes, calendário de vacinação a ser seguido, entre outros (Hemorio, 2007). Em um site informativo assinado pela médica Shirley Campos, em entrevista com Dr. Amílcar Cardoso de Azevedo, da Coordenadoria do Programa de Hemofilia do Centro Infantil Boldrini, são discutidas algumas questões sobre o atendimento ao hemofílico. O médico esclarece que algumas instituições trabalham com programas de Hemofilia que seguem uma nova visão política de gestão do hospital voltada à abordagem do hemofílico. Antes, o atendimento era geralmente restrito às resoluções de episódios de sangramentos. Na nova visão o cuidado ao paciente representa um papel central, de forma que os focos passaram a ser se organizar para dinamizar atendimentos de urgência. Para dinamizar e melhorar os atendimentos, segue o uso de centros e equipes de referência, que fazem, muitas vezes, busca ativa para resgatar e agendar estes pacientes para novas abordagens e atendimentos. Para isso, é necessária uma equipe multidisciplinar composta por enfermeiros, médicos, dentistas, fisioterapeutas, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, dentre outros. Nessa abordagem multidisciplinar, a enfermagem ocupa posição central de referência ao hemofílico, pois desempenham o acolhimento imediato na chegada ao hospital. O enfermeiro organiza o fluxo deste paciente dentro do hospital, e pode agir como educador e controlador em programas domiciliares, além de orientar continuadamente hemofílicos, familiares, técnicos e assistentes de enfermagem (drashirleydecampos,2009) Os cuidados de enfermagem envolvem a proteção do paciente para evitar traumatismos, ARTIGOS a imobilização das articulações em casos de hemorragias articulares, a observação e anotação de episódios hemorrágicos, cuidados especiais na realização de procedimentos de aplicação de calor, tricotomias, lavagens intestinais, e auxílio à higiene oral. Como parte da gestão, ao enfermeiro muitas vezes cabe providenciar o cartão de identificação do hemofílico. Nesse cartão deverá constar geralmente o grupo sangüíneo, fator Rh, pessoa a ser avisada em caso de urgência, nome do médico e endereço do hospital em que faz tratamento (Matsumoto e Castelo Branco, 2007). O tratamento médico é apenas uma parte do que se deve fazer para garantir uma boa saúde ao hemofílico. No hospital, os cuidados de enfermagem envolvem avaliações regulares como o exame das articulações e músculos, verificar se o paciente toma todas as vacinas recomendadas (incluindo contra a hepatite A e hepatite B), acompanhar se o paciente possui um peso adequado (o excesso de peso sobrecarrega as articulações, especialmente ao paciente com artrite). Além disso, o protocolo de atendimento de enfermagem também pode envolver orientações sobre o autocuidado (Federação Brasileira de Hemofilia, 2006). O autocuidado na abordagem do enfermeiro ao paciente de hemofilia. Segundo a teoria de autocuidado ou teoria de Orem (1991), o indivíduo percebe quando ele é capaz de promover seu autocuidado. Neste trabalho, a enfermagem desenvolve estratégias para que, diante da dificuldade, o indivíduo sinta-se capaz de desempenhar o autocuidado sem extrapolar sua real capacidade mais se manter em constante evolução para atender suas necessidades de integridade da própria estrutura. Assim, o autocuidado pode ser entendido como o desempenho ou a prática de atividade que os indivíduos realizam em seu benefício para manter sua própria vida, 29 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta ARTIGOS sua saúde e bem estar. O autocuidado efetivamente realizado ajuda a manter a estrutura e o funcionamento humano, contribuindo para o seu desenvolvimento (GEORGE, 2000:84 ap. Orem, 1991). No ambiente hospitalar, o enfermeiro pode trabalhar o autocuidado com o paciente de diversas formas. O profissional pode passar noções dos primeiros socorros para se tratar a hemorragia no ambiente extra-hospitalar, além de orientações sobre como o paciente se mantém saudável para impedir os sangramentos. Para isso, o enfermeiro explica como o paciente pode fazer promover sua própria saúde. Isso inclui informar como o cliente pode se exercitar para manter-se em forma; como utilizar proteção adequada para praticar esportes, explicar que a saúde emocional é importante; orientar por que a saúde dentária é essencial (o cuidado através da escovação, uso de fio dental e avaliação por um dentista regularmente reduz a necessidade de extrações, injeções e cirurgia, o que diminui os sangramentos). Também faz parte do trabalho do autocuidado, que o enfermeiro, no convívio com o paciente no hospital, o oriente sobre sua situação, explicando o que fazer se outros medicamentos ou vacinas forem necessários e possíveis, reações alérgicas ao tratamento. Em hospitais que realizam tratamento domiciliar, o enfermeiro é fundamental no preparo do paciente, esclarecendo o que é um tratamento domiciliar; que preparação o paciente e familiares envolvidos devem realizar para a tratamento de reposição do fator; como evitar contaminação ao aplicar a injeção; como aplicar o fator, que informação médica deve o paciente deve portar para casos de emergência (tipo sanguíneo, de hemofilia, o tratamento necessário e as alergias), além de chamar à atenção de que o tratamento domiciliar não substitui o cuidado médico (Federação Brasileira de Hemofilia, 2006). 30 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral Metodologia Este artigo representa a adaptação à publicação de uma monografia de conclusão de curso de uma estudante de enfermagem da Faculdade de Enfermagem Bezerra de Menezes (FABA), campus Campo Grande. Consiste em um estudo bibliográfico, qualitativo e exploratório. A pesquisa, segundo Gil (2002), envolve o procedimento racional e sistemático, com vistas a responder problemas propostos. É desenvolvida pela seleção de conhecimentos disponíveis e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos com metodologia científica. Este estudo foi desenvolvido a partir de um material já elaborado especialmente de livros e de artigos científicos. Também é uma pesquisa exploratória porque discute uma temática e seus eventos relacionados sem o compromisso explicativo e experimental. A abordagem qualitativa, conforme Minayo (1994), tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento chave, o significado como importância vital e uma preocupação com o processo investigativo maior do que com o produto e sua análise indutiva. Já a monografia é um estudo aprofundado de um só tema, em que o autor tem por finalidade fazer uma reflexão minuciosa a respeito do objetivo de estudo. Exige uma postura científica, intelectual, posicionamento crítico, moral, ético e raciocínio lógico para analisar os dados coletados. Após o material ter sido organizado e categorizado em áreas temáticas, inicia-se a redação provisória e posteriormente à redação definitiva. As informações sobre legislação foram levantadas na internet através dos caminhos “direitos do hemofílico”; “deveres do hemofílico”, “leis acerca da hemofilia”. ARTIGOS Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral As informações sobre abordagem sobre humanização, autocuidado e atendimento domiciliar do hemofílico foram levantada através das palavras- chave “hemofilia”; “humanização na enfermagem”. As buscas de um protocolo de atendimento de enfermagem ao hemofílico foi realizada via internet usando palavras chaves ou frases “Protocolo de atendimento de enfermagem ao paciente hemofílico”; “Protocolo de atendimento ao portador de hemofilia”; “procedimento operacional padrão para atendimento de enfermagem ao paciente hemofílico”; “POP para atendimento de enfermagem ao paciente hemofílico”; “cuidado de enfermagem ao portador de hemofilia”. As informações sobre os dados epidemiológicos foram obtidas através das frases chaves “prevalência da hemofilia”; “número de casos de hemofilia”; “epidemiologia da hemofilia”. Considerações finais O acompanhamento do portador de hemofília geralmente está ligado aos episódios agudos, mas muitos episódios seriam evitados se o paciente direcionasse atenção ao autocuidado. A questão do autocuidado no paciente precisa ser trabalhada por um profissional que respeite e valorize a sua individualidade e particularidades dentro do quadro daquele indivíduo, em um trabalho progressivo que deve obedecer às normas éticas e legais atuais. A interpretação de tais normas vigentes nos permite perceber que são baseadas no atendimento humanizado. Em experiência de observação da rotina dos cuidados de enfermagem ao paciente portador de hemofilia, vivida pela graduanda na instituição em que estagiou, esta pôde comprovar as vantagens que o cuidado de enfermagem, seguindo as linhas de humanização e autocuidado, trazem melhorias ao estado de saúde do paciente. Sob essa abordagem, o cliente se sente acolhido pelo enfermeiro e se abre para suas orientações. E é justamente este elo de confiança que é o ponto chave para o enfermeiro desempenhar este trabalho com qualidade. Esta ligação também é essencial para o planejamento do cuidado domiciliar do paciente, pois quando este sente confiança no profissional que o acompanha e com ele cria elos, sente-se importante, valorizado e acolhido, está mais participativo e integrado aos conselhos sobre os cuidados consigo próprio. Consideramos, portanto, muito importante que sejam desenvolvidas estratégias ou protocolos padrão para guiar os enfermeiros na realização dessa tão importante abordagem sob uma linha de humanização e auto-cuidado. Porém, nas buscas que realizei em sites governamentais ou não, e em entrevistas informais, conversas e aconselhamentos com enfermeiros que trabalham na área, percebi que ainda há carência de um protocolo padrão de atendimento ao paciente portador de hemofilia voltado para o autocuidado e humanização. Consideramos, assim, muito importante que os enfermeiros reconheçam o seu valor nesse processo de evolução e melhora da promoção e saúde e possam tão logo possível definir um protocolo, regulamentá-lo e iniciar sua implementação de maneira unificada. Agradecimentos A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho. Ao Hemo-Rio, pelas experiências e vivências adquiridas durante o estágio, e à Faculdade Bezerra de Meneses, pela oportunidade. Ao Centro Universitário Augusto Motta/UNISUAM, pela oportunidade de divulgar nossa pesquisa. 31 UNISUAM | Centro Universitário Augusto Motta ARTIGOS Cadernos de Pesquisa e Extensão | Vol. 1 | N. 1 | Dezembro de 2010 | Semestral Referências: ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método das ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo. Editora Pioneira Thomson Learning, 2004. 203p. BARROS, Aidil de Jesus Paes de; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. 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