ASSISTÊNCIA SOCIAL E POBREZA EM ALAGOAS: o

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ASSISTÊNCIA SOCIAL E POBREZA EM ALAGOAS:
o protagonismo do NUTAS/UFAL
Janne Alves Rocha*
Maria Betania Buarque Lins Costa*
Margarida Maria Silva dos Santos*
Therezinha Falcão Freire**
RESUMO
A assistência social, a partir da Constituição de 1988, passa a integrar o tripé
da seguridade social. Em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social reafirma
esta política como direito do cidadão e dever do Estado. Sua
operacionalização exige descentralização, participação e controle social. As
condições específicas de estados e municípios condicionam este processo.
Em Alagoas, fatores sociais, econômicos, políticos e culturais dificultam a
consolidação da assistência social como política pública. O NUTAS ocupa um
lugar de resistência e assume um papel de protagonista, mobilizando
profissionais, articulando organizações e profissionais, alimentando
discussões e capacitando técnicos atuantes nesta área.
Palavras – chave: Estado, Assistência social, exclusão social, diretos sociais,
necessidades sociais.
ABSTRACT
The Social Work, from the 1988 Constitution, became a part of the social
security tripod. In 1993, the Social Work Organic Law re-states this politics as
a citizen’s right and a duty for the State. Its functionality demands
decentralization, participation and social control. The specific conditions of
cities and states regulate this process. In Alagoas, social, economical, political
and cultural factors make it difficult for the consolidation of the social work as
a public politic. The NUTAS occupies a place of resistance and plays a
leading role, mobilizing professionals, articulating organizations and
professionals, feeding arguments and capacitating acting technicians in this
area.
Key-words: State, Social Work, social minimum, social exclusion, social rights,
social needs.
1 INTRODUÇÃO
O contexto do Estado brasileiro, nas décadas de 80 e 90, foi marcado pelo
processo de abertura política, com expressivas forças sociais em favor da redemocratização
do país e pela ampliação do debate sobre a cidadania e os direitos sociais. No bojo destas
mudanças, a Assistência Social ganhou visibilidade como direito assegurado na
Constituição de 1988, elevando-se ao patamar de política pública.
A regulamentação desta política é dada pela Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), Lei n.º 8.742 de 07 de dezembro de 1993, que define um conjunto de idéias,
*
**
Mestres em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE
Especialista em Serviço Social - UNB.
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
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concepções e direitos sociais. A LOAS pretende assegurar a redefinição da assistência
social ao introduzir uma nova forma de discutir e fazer esta política, substituindo a visão
centrada na caridade e no favor, pela perspectiva de garantia dos direitos sociais. Confere à
assistência social o status de política pública, direito do cidadão e dever do Estado. Inova
pela garantia dos direitos sociais aos seus usuários e por prover os mínimos sociais,
visando ao atendimento das necessidades básicas. Segundo Pereira (2000), embora os
termos mínimos sociais e necessidades básicas, do ponto de vista semântico, pareçam
equivalentes, “guardam diferenças marcantes do ponto de vista conceitual e político
estratégico”. Dessa forma, “enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, em
sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que
beiram a desproteção social”, por pressupor supressão ou cortes de atendimentos, o
segundo “expressa algo fundamental, principal, primordial,
que serve de base de
sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta”, se constituindo “o prérequisito ou as condições prévias suficientes para o exercício da cidadania em acepção
mais larga” (PEREIRA, 2000, p.25-26).
É importante lembrar que a LOAS é resultado de um amplo movimento da
sociedade civil organizada, de mobilizações e negociações que envolveram fóruns políticos,
entidades assistenciais e representativas dos usuários dos serviços de assistência social
tais como os idosos, as pessoas portadoras de deficiência, as crianças e adolescentes, os
trabalhadores da assistência, as Universidades, as ONGs e outros setores comprometidos
com os segmentos excluídos da sociedade.
Pode-se
dizer
que
o
texto
constitucional
suscitou
uma
avalanche
descentralizadora com a expressiva possibilidade de transferência de poder decisório,
funções e recursos do governo federal para os estados e os municípios. Nesse cenário, a
temática da descentralização/municipalização das políticas sociais ocupou um espaço
significativo no debate nacional, principalmente no âmbito da assistência que, enquanto
política pública, passa a compor o tripé da seguridade social, junto à saúde e à previdência.
Visando assegurar a descentralização, definem-se mecanismos legais e
burocráticos, estabelecem-se parcerias e criam-se estímulos capazes de materializar a nova
proposta nas esferas nacional, estadual e municipal. As universidades públicas brasileiras
são mobilizadas e o Ministério da Previdência e Assistência Social cria o Protocolo de
Intenções
que
oficializa
o
compromisso
destas
instituições
de
ensino
com
o
acompanhamento, o monitoramento e a avaliação do processo de municipalização. Este
Protocolo foi assinado pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) e
assumido pelas universidades nos mais diferentes estados brasileiros, quase sempre
através de suas Pró-Reitorias de Extensão.
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2 O NUTAS COMO ESTRATÉGIA DE ATUAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
ALAGOAS
A Universidade Federal de Alagoas, sensível à convocação do CRUB e aos
problemas do estado criou ⎯ em resposta a uma demanda do Fórum Estadual da
Assistência Social ⎯ em 1996 o Núcleo Temático da Assistência Social (NUTAS) com o
propósito de participar das discussões e do aprofundamento das questões sobre a
assistência social no estado, podendo tornar-se efetivo parceiro em ações de pesquisa,
monitoramento, avaliação e capacitação de recursos humanos envolvidos com esta política.
Neste estado, a questão social se expressa de forma potencializada, em conseqüência de
sua história e de seu projeto de desenvolvimento econômico marcado pela concentração de
renda, de terra e de poder; pela concessão de privilégios e naturalização da pobreza.
A economia de Alagoas desenvolve-se assentada principalmente na cultura da
cana-de-açúcar. Apesar de se poder registrar a existência de outras culturas como é o caso
do coco, do fumo, do arroz, além de iniciativas que se voltam para a pecuária, a indústria e o
turismo, nenhum produto ou serviço conseguiu até agora superar o lugar ocupado pelo setor
sucroalcooleiro no estado. Não podemos esquecer que a cultura da cana-de-açúcar tem
comandado a definição de uma oligarquia cujo poder se estende a outros setores da
economia e domina a vida política do estado. A herança colonial ainda é muito evidente e
comportamentos como o coronelismo e o patriarcalismo são comumente observados.
A situação de Alagoas ao final dos anos 1990 é marcada pelo descompasso
entre os indicadores econômicos e os indicadores sociais,o que resulta de uma história de
pouca atenção para com as necessidades da população pobre do estado. Trabalho de
Pochmann e Amorim (2003, p.18) identifica, através de pesquisa realizada em 2000, uma
faixa de exclusão social que atinge 97 dos 102 municípios alagoanos. O mesmo trabalho
identifica os cem municípios brasileiros com maior grau de exclusão social; dentre eles, 15
estão situados em Alagoas.
Neste cenário, era de se esperar um severo empenho do executivo estadual e
dos municípios no enfrentamento das diferentes formas de expressão da questão social e
da crescente pauperização da população. Estudo recente sobre a Assistência Social em
Alagoas 1, dá conta de uma série de limites e dificuldades que marcam a forma de
materializar esta política no estado. Constata-se neste estudo que o Governo do Estado
limita-se a executar programas, projetos e atividades definidas nacionalmente, não havendo
em Alagoas qualquer iniciativa ou financiamento que se origine no próprio estado; registrase uma pulverização das ações, em evidente desrespeito ao comando único definido como
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Ver trabalho de SANTOS sobre o assunto.
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uma das diretrizes do sistema descentralizado e participativo da assistência social; praticase uma antipolítica de recursos humanos, resultante da constante substituição de
secretários na Secretaria de Assistência Social. Além disso, deve-se registrar a tímida
participação da sociedade civil no efetivo controle social, que é de sua competência. Os
conselhos de assistência carecem de maior apoio técnico, financeiro e de infra-estrutura
adequada para as suas atividades. É neste cenário que se coloca o Núcleo Temático da
Assistência Social - NUTAS2, como um espaço privilegiado de reflexão, de crítica e de
contribuição para que se efetive a redefinição da assistência social atingindo na prática a
sua condição de política pública, já definida legalmente.
3 A ATUAÇÃO DO NUTAS
A provocação inicial ao NUTAS ocorre em 1997, com a posse dos novos
prefeitos que tinham por um lado o desafio da institucionalização e do reordenamento
político da política Assistência Social, bem como, o da elaboração de seus planos
municipais de assistência social; e, por outro, o conhecimento superficial e não
sistematizado da realidade dos municípios e a inexistência de diagnósticos sociais.
Frente a essa demanda os municípios buscaram a universidade, através do
Núcleo que, por sua vez, também foi solicitado a participar das discussões do Fórum
Permanente da Assistência Social em Alagoas, passando a colaborar efetivamente com as
ações políticas para a consolidação da Assistência Social como política pública.
Para responder às demandas e aos desafios postos, o NUTAS necessitou
proceder a uma rigorosa leitura crítica da realidade alagoana para apreender o seu
movimento histórico-social e, a partir daí estabelecer novas estratégias de ação tanto para
as demandas tradicionais como as emergentes.
Assim sendo, visando subsidiar os municípios na elaboração dos seus planos, o
NUTAS iniciou em 1997 o primeiro mapeamento da exclusão social de Alagoas, através da
pesquisa de Caracterização das demandas para a assistência social em Alagoas, que tinha
como objetivo "analisar as necessidades sociais, econômicas, políticas e culturais da
população demandatária da assistência social”, com vistas a proporcionar uma política
compatível com as necessidades apreendidas e que subsidiasse a política de assistência
social no estado de Alagoas, segundo os pressupostos da LOAS.
A pesquisa dotou o estado e municípios de dados e informações capazes de
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O NUTAS conta com uma equipe técnica composta por seis assistentes sociais que desenvolvem trabalhos de
assessoria técnica ao estado e municípios alagoanos, além de desenvolver estudos e pesquisas relacionadas à
temática da assistência social.
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possibilitar a implementação de uma receita orçamentária da assistência social, permitindo
ações continuadas e articuladas às demais políticas, além de favorecer a captação de novos
recursos com projetos que viessem reduzir as desigualdades sociais. Com esta pesquisa, foi
possível identificar os fatores que determinam ou contribuem com o agravamento da
situação sócio – econômico – político - cultural dos grupos vulneráveis; também foi possível
publicizar os dados da alarmante exclusão social, evidenciando o resultado de uma política
oligárquica, de caráter paternalista, paliativo e compensatório praticada em Alagoas. A partir
deste diagnóstico social, o NUTAS, visando contribuir para a consolidação da assistência
como política pública, vem desenvolvendo ações como:
• acompanhamento aos municípios na implantação dos mecanismos de
democratização da política de Assistência Social;
• assessoria aos municípios na elaboração de seus planos e projetos de seu
interesse;
• capacitação de técnicos, gestores e conselheiros para que estes possam ter
condições de buscar financiamento de forma articulada com outras políticas
setoriais e racionalizar recursos financeiros e humanos, proporcionando
condições de coordenar, executar, acompanhar, monitorar e avaliar planos e
projetos municipais;
• assessoria ao Colegiado Estadual de Gestores Municipais da Assistência
Social – COEGEMAS, em seu processo de reorganização.
Atualmente, o NUTAS vem desenvolvendo uma nova pesquisa no Estado,
visando a atualização do mapeamento da exclusão social e capacitando novos gestores,
técnicos e conselheiros na gestão da referida política. Simultaneamente acompanha o
reordenamento da política de assistência social através da implantação do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) e investe no sentido do fortalecimento dos municípios para o
enfrentamento
desse novo desafio, por acreditar que esta será uma importante
possibilidade para o redimensionamento da assistência social que, embora se expresse
enquanto uma estratégia reguladora das condições de reprodução social dos subalternos,
segundo Yazbeck (1993, p. 165),
é campo concreto de acesso a bens e serviços e expressa por seu caráter
contraditório, interesses divergentes, podendo constituir-se em espaço de reiteração
da subalternidade dos seus usuários ou avançar na construção de sua cidadania
social.
A atuação do NUTAS vem evidenciando a inadiável necessidade do seu
envolvimento no campo da mobilização e organização popular para a inserção de novos
atores na discussão e luta pelos seus direitos, na perspectiva de se gestar uma nova
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institucionaliade para a assistência social como uma questão de direito social.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As definições constitucionais que estabelecem um novo paradigma para a
assistência social no Brasil suscitam desdobramentos que vão além da regulamentação
complementar obtida com a LOAS, porque exigem mudanças de mentalidade e de
comportamento.
Com a descentralização das políticas sociais brasileiras, a execução das ações é
transferida para os municípios. No caso específico da assistência social, isto assume um
significado particular em decorrência do papel desta política para as barganhas eleitorais.
Esta variável tem maior ou menor importância, dependendo do município e do estado, no
que diz respeito à sua configuração econômica, política, social e cultural.
Em Alagoas registra-se uma forte resistência à incorporação desta definição, ou
seja, ao tratamento da assistência social como política pública. Podemos arrolar os
seguintes indicadores deste comportamento: o limite da atuação do estado ao volume dos
recursos federais recebidos; a não garantia do comando único na gestão da assistência; a
indefinição de recursos para o fundo estadual; as precárias instalações físicas para o
Conselho Estadual de Assistência e ainda a freqüente substituição dos secretários de
estado nesta pasta: nos últimos anos registra-se uma média de dois secretários a cada ano
de governo.
O NUTAS foi criado na Universidade Federal de Alagoas como resposta a uma
convocação do governo federal, bem como à demanda do Fórum Permanente da
Assistência Social. Em um primeiro momento o Núcleo foi mais requisitado pelo gestor
estadual do que o é atualmente. Entretanto, sua atuação não tem se encolhido por conta
disso.
A constante necessidade de capacitação de gestores e conselheiros e a
produção de dados indispensáveis ao conhecimento e à atuação nos municípios fazem o
Núcleo ser constantemente procurado. Além disso, há que se considerar a capacidade de
articulação de gestores, testada recentemente com a reorganização do COEGEMAS,
processo em que o NUTAS foi de fundamental importância.
Em sua trajetória o Núcleo tem sido elemento fundamental na consolidação das
definições resultantes da LOAS, mesmo que isto signifique, por vezes, estar na contramão
dos interesses do gestor estadual. Disto resulta o protagonismo do NUTAS, da sua posição
diante do desafio de fortalecer a assistência social, assegurando-lhe o caráter de política
pública. Para isto é evidente a necessidade de competência técnica e política dos
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profissionais, de sua coragem, de sua paixão e de seu compromisso ético. É preciso acima
de tudo, estabelecer novas relações e responsabilidades coletivas entre os gestores e
conselheiros municipais e estaduais, mobilizar e envolver as organizações da sociedade
civil, visando garantir a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado. É
nesta direção que o NUTAS vem conduzindo as suas ações.
REFERÊNCIAS
MARTINS, Carlos Estevam. Da globalização da economia à falência da democracia.
Revista de Economia e Sociedade, Campinas: UNICAMP n. 6., 1996.
POCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo (Org.). Atlas da exclusão social no Brasil. São
Paulo: Cortez, 2003.
ROCHA, Sônia. Pobreza no Brasil: fatos básicos e implicações para a política social:
Revista de Economia e Sociedade, Campinas: UNICAMP, n . 6, 1996.
SANTOS, Margarida Maria Silva dos. Assistência social em Alagoas: a gestão estadual
em questão. Maceió: Edufal, 2003.
YAZBECK, Maria Carmelita. Classes subalternas e Assistência Social. São Paulo:
Cortez, 1993.
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