5.1 Desporto

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Agôn | Gestão do desporto | O jogo de Zeus
Atena e a Tecnologia
dizer que a ciência deve ser entendida como “o porquê” das coisas e a técnica como “o como”. No
entanto, deve considerar-se que existe muita tecnologia que foi e é desenvolvida sem qualquer
suporte científico. Esta realidade é um dos grandes problemas do próprio desenvolvimento do desporto em geral e do processo do ensino, do treino e da orientação da competição em especial, na
medida em que os envolve num empirismo repetitivo sem qualquer sentido crítico e, em conformidade, limitador da evolução e do progresso. O “just do it” da NIKE representa bem a valorização do
“como” em prejuízo do “porquê”. Ora, quando no domínio das relações humanas o “como” se
repete sem que os responsáveis se perguntem “porquê”, é porque o sistema estagnou e vai a caminho da entropia, na medida em que as pessoas deixaram de ser a origem e o fim, para passarem a
ser o meio ao serviço de objectivos que geralmente não têm nada a ver com os seus interesses.
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Vejamos, então, algumas definições do conceito de desporto:
Dicionário Larousse: Prática metodológica de exercícios físicos com a finalidade de aumentar a
força, a destreza e a beleza do corpo;
Pierre Coubertin (1934): Desporto é um culto voluntário e habitual de exercício muscular intenso
suscitado pelo desejo de progresso e não hesitando em ir até ao risco;
Georges Hébert (1935): Todo o género de exercícios ou de actividades físicas tendo por fim a realização de uma performance e cuja execução repousa essencialmente sobre um elemento definido:
uma distância, um tempo, um obstáculo, uma dificuldade material, um perigo, um animal, um
adversário e, por extensão, o próprio desportista;
Bernard Gillet (1949): Actividade física intensa, submetida a regras precisas e preparada por um
treino físico metódico;
Soluções desactualizadas
Nestas circunstâncias, dizemos que as soluções ficaram desactualizadas. E ficaram desactualizados porquê? Porque os avanços técnicos, ao serem seguidos por ajustamentos sociais e culturais
que procuram enquadrar as novas tecnologias, preparam, ao mesmo tempo, novas inovações tecnológicas. Quer isto dizer que, nas palavras de Norberto Elias (1992), a solução dum problema altera a
natureza do próprio problema.
5.1 Desporto
Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia
excedeu a nossa humanidade.
Albert Einstein (1879-1955)
Donald Guay (1993), professor de História e de Filosofia do Desporto na Universidade de Quebeque em Trois-Rivières, diz-nos, no seu livro La Culture Sportive, que “a análise conceptual é um
método empírico que permite, com a ajuda de indicadores suportados na realidade, identificar e definir as dimensões de um fenómeno nas suas especificidades e descrevê-lo no seu funcionamento”.
Portanto, a realidade a observar e a estudar é apurada através da utilização de instrumentos/conceitos susceptíveis de permitirem a objectivação e compreensão do fenómeno desportivo. Diz-nos
ainda o mesmo autor que, por paradoxal que possa parecer, a definição do conceito de desporto tem
de passar por um processo de abstracção através do apuramento duma bateria de dados empíricos
possíveis de conceptualizar.
Definir desporto
Ao longo do século passado foram realizadas diversas tentativas para definir a palavra desporto.
Pese embora a sua variedade e diversidade são alguns os autores que continuam a concluir pela
impossibilidade de definir o conceito. Segundo Norbert Elias (1992), o termo desporto é utilizado
nos nossos dias de uma maneira bastante vaga e até aberta, de forma a “abranger confrontos de
jogos de numerosos géneros”. O autor faz mesmo uma comparação com o termo “indústria”, que
tanto pode ser utilizado de uma forma específica como num sentido lato, com uma abrangência
sobre diversas actividades de diferentes estádios de organização e de desenvolvimento.
Johan Huizinga (2003): No seu já célebre livro Homo Ludens, Um Estudo sobre o Elemento
Lúdico da Cultura, definiu jogo da seguinte maneira: jogar é uma actividade ou ocupação voluntária
executada dentro de determinados limites de tempo e de lugar de acordo com regras livremente
aceites, mas absolutamente obrigatórias tendo o seu objectivo em si próprio, e sendo acompanhado
por um sentimento de tensão, alegria e consciência de que isso é diferente da vida normal;
George Magname (1964): Desporto é uma actividade de lazer cuja dominante é o esforço físico,
praticada por alternativa ao jogo e ao trabalho, de uma forma competitiva, comportando regras e instituições específicas, e susceptível de se transformar em actividades profissionais;
Roger Caillois (1967): Conforme especificámos no ponto 3.1 do presente trabalho, este autor
organiza uma estrutura de classificação dos jogos em quatro categorias horizontais e duas verticais.
As categorias que organiza horizontalmente são agôn (competição)33, alea (sorte), mimicry (simulacro), ilinx (vertigem). Segundo o eixo vertical utiliza dois conceitos: paidia (agitação), que na sua raiz
significa criança em grego e relaciona-se, no seu quadro conceptual, com uma manifestação exuberante e espontânea do prazer do instinto de jogar pelo que a Paidia também é a deusa do divertimento, e ludus (disciplina), do latim, pode ser traduzido como jogo, desporto ou escola, pois implica
disciplina e treino.
Luigi Volpicelli (1967): Para este autor não se pode falar de desporto onde falta a cientificidade
das suas regras e suas tácticas, do seu treino, das suas medidas, em suma, da organização racional
do rendimento da máquina humana;
Michel Bouet (1968): Define desporto como a procura competitiva (actual ou potencial) da performance no campo do movimento físico afrontado intencionalmente com dificuldades. É, diz-nos ainda,
o emprego sistemático e preciso da medida dos tempos e das distâncias e da contagem de pontos;
Pierre Laguillaumie (1970): Para este autor, desporto é sobretudo uma organização mundial
dominada por um governo internacional desportivo, o Comité Olímpico Internacional, pelas Federações Internacionais e por todos os organismos desportivos privados ou públicos que gerem, administram, dirigem e controlam o desporto;
P. C. MacIntosh (1970): Desporto refere-se a todas as actividades físicas que não são necessariamente para a sobrevivência do indivíduo ou da raça e que são dominadas por um elemento compulsório. Para este autor, conforme vem expresso no seu famoso livro Desporto e Sociedade, uma classificação deve estar de acordo com a satisfação que cada desporto dá e não sobre a estrutura da
actividade que ele determina;
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“Agôn”, em grego antigo, significava competição.
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