intervenção didática e o processo de alfabetização e

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
INTERVENÇÃO DIDÁTICA E O PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS DA ESCOLA MUNICIPAL
PROFESSOR FREIRE FILHO
SANDRA MARA SILVA SOARES
SALVADOR
2010
SANDRA MARA SILVA SOARES
INTERVENÇÃO DIDÁTICA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DA
ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR FREIRE FILHO
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção da graduação em Pedagogia do
Departamento de Educação da Universidade do
Estado da Bahia – UNEB, Campus I, sob Orientação
da Profª. M. Sc. Andréa Betânia da Silva.
SALVADOR
2010
FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB
Soares, Sandra Mara Silva
Intervenção didática e o processo de alfabetização e letramento na educação de jovens
e adultos da Escola Municipal Professor Freire Filho / Sandra Mara Silva Soares . –
Salvador, 2010.
46f.
Orientadora: Profª. Msc. Andréa Betânia da Silva.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010.
Contém referências e apêndices.
1. Alfabetização de adultos - Salvador(BA). 2. Educação do adolescente. 3. Educação
de adultos. 4. Didática. 5. Letramento. I.Silva, Andréa Betânia da Silva. lI.Universidade
do Estado da Bahia, Departamento de Educação.
CDD: 374.012
SANDRA MARA SILVA SOARES
INTERVENÇÃO DIDÁTICA E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DA
ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR FREIRE FILHO
Monografia apresentada como requisito parcial
obtenção da graduação em Pedagogia do
Departamento de Educação da Universidade do
Estado da Bahia – UNEB, Campus I, sob Orientação
da Profª. M. Sc. Andréa Betânia da Silva.
Salvador, ____ de _____________ de 20____.
______________________________________
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SALVADOR
2010
Dedico esse trabalho aos meus pais, Ramos e Iara, que foram o meu alicerce nesta
caminhada.
Ao meu irmão Davidson e ao meu noivo Rui, pela compreensão e paciência e a
todos aqueles que estiveram ao meu lado no desenvolvimento deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Em especial à orientadora Prof.ª M. Sc. Andréa Betânia da Silva, sem seu apoio não
seria possível a realização deste trabalho. Dedico-lhe o meu mais sincero
agradecimento.
Aos meus pais por terem sido os meus primeiros educadores e por terem me
ensinado o valor da educação.
Ao meu noivo Rui, pelo incentivo e companheirismo durante toda essa jornada.
Ao meu irmão Davidson, por estar sempre presente em meus melhores e piores
momentos.
“A importância da educação está no fato de que ela ajuda o homem
a preencheras lacunas que lhe são inerentes, uma vez que, o
homem é um ser incompleto, é um ser carente, é um ser aberto,
ele esconde mistérios, enigmas, contradições e é sobre essa
realidade humana que a educação atua no intuito de transformá-lo
e aperfeiçoá-lo”. (MORAIS, 1992)
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo abordar aspectos relevantes acerca das
intervenções didáticas realizadas por professores da Educação de Jovens e Adultos,
assim como conceitos atualmente discutidos sobre alfabetização e letramento,
demonstrando as diferenças destes conceitos com o passar dos anos. Outro ponto a
ser abordado será a Educação de Jovens e Adultos, muitas vezes estigmatizada
socialmente, sendo uma modalidade da educação de fundamental importância para
oportunizar a formação daqueles que por diversos motivos precisaram se afastar da
escola ou nunca tiveram acesso à mesma, destacando os anseios e dificuldades
dessas pessoas na busca pelo aprendizado da leitura e escrita. A pesquisa foi
baseada em estudos bibliográficos e na pesquisa de campo, do tipo estudo de caso,
com abordagem qualitativa, tendo como instrumentos a observação e entrevistas
semi-estruturadas com professores da Escola Municipal Professor Freire Filho.
Palavras-chave: Intervenção didática. Alfabetização. Letramento. Educação de
Jovens e Adultos.
ABSTRACT
This work aims to address relevant aspects about instructional interventions
undertaken by teachers of youth and adult education, as well as concepts currently
discussed about literacy and literacy, demonstrating the differences of these
concepts over the years. Another point to be addressed is the Education of young
people and Adults, often socially stigmatized, being a modality of education vital to
chance formation of those who for various reasons had to leave school or never had
access to it, highlighting the concerns and difficulties of such people in the search for
learning of reading and writing. The survey was based on bibliographic studies and
field research, case study, with qualitative approach, having as instruments to
observation and semi-structured interviews with teachers of the municipal school
Professor Freire Filho.
Keywords: educational Intervention. Literacy. Literacy. Youth and adult education.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 09
2 A IMPORTÂNCIA DE SER ALFABETIZADO E LETRADO NA
ATUALIDADE ................................................................................................... 11
2.1 ALFABETIZAR NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO ............................ 13
2.2 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS .......................................................................................................... 16
2.3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO PARA O PÚBLICO DE EJA ............. 17
3 PAPEL DO PROFESSOR NA ORGANIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO
DIDÁTICA PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................. 20
3.1 SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS ENQUANTO
PRÁTICA PEDAGÓGICA .................................................................................. 22
3.2 CONTRIBUIÇÕES DOS PCNs .................................................................... 27
4 DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO DA PESQUISA ........................... 30
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA ...................................... 31
4.2 TEORIZANDO A PRÁTICA ......................................................................... 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 40
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 43
APÊNDICE ........................................................................................................ 46
1 INTRODUÇÃO
A escolha pela temática surgiu através da realização de um trabalho acadêmico
proposto pela disciplina de Educação de Jovens e Adultos, no qual foram abordadas
questões relacionadas à alfabetização e letramento para este público. A partir de
então, despertou-se o interesse em aprofundar o conhecimento acerca do conteúdo
trabalhado, verificando a ocorrência destas questões na prática docente dos
professores que atuam nesta área.
A relevância social do tema surge por perceber que, nas práticas docentes, a
diferenciação entre alfabetizar e letrar são por vezes distorcidas, limitando as
possibilidades para realização de um trabalho que favoreça o desenvolvimento dos
alunos, valorizando seus conhecimentos prévios que oportunizariam uma formação
integral. Neste sentido, os principais objetivos deste trabalho foram: realizar uma
investigação sobre as intervenções didáticas dos professores e compreender como
eles diferenciam e utilizam os conceitos de alfabetização e letramento em suas
práticas.
O trabalho articula-se em três capítulos. No primeiro, trata-se da contextualização da
perspectiva de alfabetização e letramento dentro da formação da Educação de
Jovens e Adultos, destacando, sobretudo, a importância destes dois processos na
inserção das pessoas no mundo letrado. Aborda, ainda, aspectos relevantes de EJA,
investigando a importância de ser alfabetizado e letrado na contemporaneidade.
Este capítulo inicial serviu de embasamento teórico durante a pesquisa, promovendo
uma análise mais detalhada da compreensão dos professores sobre o assunto e
como o mesmo é trabalhado em sala de aula.
O segundo capítulo aborda questões referentes ao papel do professor na
organização da intervenção didática, destacando a importância da seleção dos
conteúdos enquanto prática pedagógica e as contribuições dos PCNs para nortear o
trabalho dos docentes.
A priori, sabe-se que, para ocorrer uma intervenção didática, exige-se dos
professores uma organização, sistematização e intenção no fazer docente, a fim de
garantir a eficiência e eficácia da ação. Sobretudo, esses aspectos também
implicaram na pesquisa, com o intuito de perceber de que forma os professores
organizam suas práticas e se realmente existe planejamento para que elas
aconteçam.
Por fim, o terceiro capítulo apresenta a análise de dados da pesquisa e os
resultados obtidos. O trabalho em campo foi realizado na Escola Municipal Professor
Freire Filho, uma escola da rede municipal de Salvador, tendo como amostra os
professores que atuam na modalidade da EJA. A análise foi realizada através da
sistematização dos resultados fundamentada no referencial teórico.
Os resultados da pesquisa comprovaram que os professores precisam refletir mais
sobre seu saber e fazer pedagógico, pois os dados coletados demonstraram a
necessidade de um comprometimento maior quanto a sua própria formação,
atualizando-se sobre questões importantes para atrelar a teoria à prática em suas
ações pedagógicas.
O trabalho pode favorecer para uma melhor compreensão sobre o tema, despertar
para outras reflexões, e servir ainda como leitura para quem deseja pesquisar sobre
esta mesma temática.
2 A IMPORTÂNCIA DE SER ALFABETIZADO E LETRADO NA ATUALIDADE
A comunicação é fundamental para o convívio em sociedade e, mais ainda, é
indispensável para que os indivíduos se sintam parte dela. Em todos os espaços
sociais, as pessoas se encontram imersos na cultura letrada, mesmo aqueles que
não dominam o código escrito, são expostos à necessidade de se comunicar,
conviver e se socializar.
Para tanto, embora a escrita e sua utilização nos contextos sociais sejam
necessários para a interação no cotidiano, o fato de não dominar o código escrito e o
uso correto da linguagem é motivo de exclusão para aqueles que não dominam
essas competências. Então, cabe, a partir disso, uma reflexão sobre a importância
de saber ler e escrever, e mais ainda de tornar-se capaz de interpretar e construir,
no âmbito social, novos conhecimentos a partir do uso da escrita e da leitura, ou
seja, estar alfabetizado e letrado.
A princípio, historicamente o uso da escrita não era tão valorizado pelos indivíduos,
as pessoas estabeleciam suas relações e se comunicavam basicamente através da
oralidade, não havendo necessidade de saber ler e escrever para promover a troca
de idéias e de opiniões, isto é, não se utilizava a escrita e a leitura como atualmente.
Conforme Corti e Vóvio:
Durante um longo período da história brasileira, a palavra escrita não estava
tão presente no dia-a-dia da grande maioria das pessoas. Elas construíam
sua vida, trabalhavam, participavam de partidos políticos, aprendiam,
ensinavam os filhos, se comunicavam e trocavam informações de outras
maneiras. Para muitas dessas pessoas, os conhecimentos e as
informações, assim como as competências ligadas ao trabalho, eram
aprendidas através da comunicação oral e do contato prático com as
atividades produtivas, Ou seja, na sociedade brasileira do passado, a
oralidade era central. (CORTI e VÓVIO, 2007, p.17).
Na contemporaneidade, as necessidades são outras, os registros tornaram-se parte
integrante das relações sociais e documentar passou a fazer parte da maioria das
atividades desenvolvidas. Entretanto, saber ler e escrever - ou seja, estar
alfabetizado - não basta para caracterizar que o indivíduo esteja fazendo uso do
código escrito de forma proveitosa, conseguindo utilizar todas as possibilidades da
linguagem, seja ela oral ou escrita, para desenvolver-se e compreender o mundo.
Não ser alfabetizado e letrado hoje, principalmente para os jovens e adultos, implica
em diversas questões, desde as mais simples tarefas do dia a dia, até as atividades
que envolvam aptidões mais complexas. Nesse contexto, o acesso à escrita, à
leitura e aos seus domínios passam a ser utilizados como instrumento de “poder”
para quem os detém, os demais ficam à margem.
Em outro pólo da sociedade estão aqueles que, embora já saibam ler e escrever e
utilizem estas habilidades no seu cotidiano, não fazem uso adequado das mesmas.
Neste sentido, para Ribeiro (2001), analfabeto funcional atribui-se à condição das
pessoas que têm um nível rudimentar de conhecimento da linguagem escrita não
suficiente para enfrentar as exigências impostas por seu contexto de vivência.
Reconhecendo a importância de ser alfabetizado e letrado, muitos jovens e adultos
voltam às salas de aula, no intuito de reparar as carências ocasionadas pela não
escolarização, resultantes de uma trajetória que por diversos motivos os impediram
de estudar.
Pode-se destacar que algumas possibilidades apenas são possíveis na atualidade
quando os sujeitos estão capacitados, ou seja, quando, no mínimo, estão
alfabetizados e letrados. Dentre essas possibilidades, destacam-se: a conquista e/ou
a permanência no emprego, melhores salários, autonomia, desenvolvimento de
novas competências, entre outros.
Deste modo, a função social da escrita e da leitura permite que o indivíduo seja
inserido e participe da sociedade de maneira ativa, contribuindo não só para sua
formação individual como coletiva.
2.1 ALFABETIZAR NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO
A educação possui diversas etapas e uma das mais importantes é a alfabetização,
um processo pelo qual, teoricamente, todos deveriam passar para inserir-se no
mundo da leitura e da escrita. No entanto, observa-se a confusão que ocorre na hora
de conceituar tanto a alfabetização quanto letramento. Por vezes, esses dois
conceitos são distorcidos, alterando seus significados.
Para um melhor entendimento sobre essas duas concepções, alfabetização e
letramento, é preciso estabelecer suas particularidades com o objetivo de
compreensão destes dois processos que se diferenciam e ao mesmo tempo
precisam se integrar.
Geralmente, acredita-se que alfabetizar diz respeito apenas ao ato mecânico de
aprender a ler e escrever. Certamente isso não nega o fato de que a alfabetização
prima pela aquisição do código escrito e sua utilização nas práticas de leitura e
escrita. Nesta perspectiva, Soares define alfabetização:
[...] como o processo de aquisição da “tecnologia da escrita”; isto é, do
conjunto de técnicas – procedimentos, habilidades – necessárias para a
prática da leitura e da escrita: as habilidades de codificação de fonemas em
grafemas e de decodificação de grafemas em fonemas, isto é, o domínio do
sistema de escrita (alfabético ortográfico); [...] Em síntese: alfabetização é o
processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de
utilizá-lo para ler e escrever, ou seja, o domínio da tecnologia – do conjunto
de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. (SOARES,2003, p.91)
O domínio da escrita presente na definição da autora, que envolve competências em
produções escritas, é primordial para um entendimento da natureza do ato de
alfabetizar diferenciando-se da visão reducionista que muitos envolvidos com a
educação possuem. Ressalta-se, porém, que se deve manter certa cautela para não
reduzir e nem ampliar o conceito de alfabetização, caindo no mesmo equivoco que
aqui se discute.
Para relacionar a importância de alfabetizar na perspectiva do letramento, cabe
antes de tudo, conceituar letramento:
[...] exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se
letramento, que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou
escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-se,
para interagir com outros, para imergir no imaginário, no estético, para
ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para
orientar-se, para apoio à memória, para catarse...; Habilidades de
interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros de textos; habilidades de
orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão
desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da
escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita
para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou
lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o
interlocutor. (SOARES, 2003, p. 91-92)
A autora, em sua definição, atrela o letramento principalmente à utilização da escrita
competente, como artifício indispensável em todas as práticas sociais. Para ela, ser
letrado depende, a princípio, da aquisição da escrita, ou seja, para ser letrado, devese antes ser alfabetizado.Percebendo o letramento numa perspectiva mais ligada as
situações do cotidiano, Marcuschi traz a seguinte contribuição:
O letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas da escrita (nas
suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação
mínima da escrita, tal como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado na
medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica o ônibus que deve
tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias
pelas marcas etc., mas não escreve cartas nem lê jornal regularmente, até
uma apropriação profunda, como no caso de indivíduos que desenvolve
tratados de Filosofia e Matemática ou escreve romances. Letrado é o
individuo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não
apenas aquele que faz o uso formal da escrita. (MARCUSCHI,2008, p. 25).
Define o letramento num contexto mais amplo, entendendo-o como um processo
que pode ocorrer independente do indivíduo estar alfabetizado ou não. Antes
mesmo de adquirir competências da linguagem escrita, o indivíduo pode ser exposto
ao contato com materiais escritos, familiarizando-se com o código ortográfico, ao ser
envolvido em situações do cotidiano.
Depois de apresentadas as diferenças entre os dois conceitos, pode-se abordar a
questão de alfabetizar na perspectiva do letramento. De acordo com Soares:
Alfabetização e letramento são, pois, processos distintos, de natureza
essencialmente diferente; entretanto, são interdependentes e mesmo
indissociáveis. A alfabetização – a aquisição da tecnologia da escrita – não
precede nem é pré-requisito para o letramento, isto é, para a participação
em práticas sociais de escrita, tanto assim que analfabetos podem ter um
certo nível de letramento: não tendo adquirido a tecnologia da escrita,
utilizam-se de quem a tem para fazer uso da leitura e de escrita; além disso,
na concepção psicogenética de alfabetização que vigora atualmente, a
tecnologia da escrita é aprendida não como em concepções anteriores, com
textos construídos artificialmente para a aquisição das “técnicas” de leitura e
de escrita, mas através de atividades de letramento, isto é, de leitura e
produção de textos reais, de práticas sociais de leitura e de
escrita.(SOARES,2003, p.92)
Como foi dito, trata-se de dois processos distintos, que podem ocorrer de forma
simultânea, pois ambos possuem elementos que, integrados, contribuirão não só
para aquisição e domínio da língua escrita, mas, também, para que o indivíduo seja
capaz de ler o mundo, desenvolvendo aptidões relacionadas à subjetividade, bem
como adquirir capacidade de refletir, criticar e construir. O problema é que o
letramento é distorcido na medida em que se confunde com o processo de
alfabetização. Segundo Viegas:
É importante destacar que letramento não é um método. A discussão
do letramento surge sempre envolvida no conceito de alfabetização,
o que tem levado a uma inadequada e imprópria síntese dos dois
conceitos, com prevalência do conceito de letramento sobre o de
alfabetização. Não podemos separar os dois processos, pois, a
princípio, o estudo do aluno no universo da escrita se dá ao mesmo
tempo por meio desses dois processos: a alfabetização, e pelo
desenvolvimento de habilidades da leitura e da escrita, o letramento.
(VIEGAS,2007, p. 2)
A falta de discernimento ou compreensão entre letramento e alfabetização é um dos
grandes problemas enfrentados pelos professores e pela escola, de modo que é
preciso uma tomada de consciência sobre a importância desses dois processos e
uma reformulação nas abordagens.
2.2 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Por décadas, os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) foram vistos
apenas por suas trajetórias escolares. Eram friamente analisados e, no geral,
definidos como alunos evadidos, reprovados, defasados, com problemas de
freqüência, de aprendizagem, entre outros. Isso se deve a um conjunto de modelos
e de estereótipos socialmente construídos que impedem de olhar os jovens e
adultos que ali freqüentam, considerando suas peculiaridades e, de acordo com
Dayrell (2005), correndo o risco de analisá-los de forma negativa.
As turmas da modalidade de EJA são formadas por pessoas que voltam para a
escola ou nela chegam tardiamente, conforme os padrões oficiais de ensino, já com
um sentimento de inferioridade por não terem o sucesso escolar socialmente
desejado, apresentam dificuldades muito semelhantes em relação à aquisição de
conhecimentos,
carregam
consigo
também
sentimento
de
incapacidade
e
incompetência diante da aprendizagem.
Esses jovens e adultos repetem longas histórias de negação de direitos que
envolvem uma série de elementos, como raça, etnia, gênero e classe social. Nesse
sentido, faz-se necessário assumir a EJA como uma política afirmativa, como um
dever específico da sociedade, do Estado e da Pedagogia (ARROYO, 2006). É por
esse motivo que é importante traçar o perfil desses alunos, o que exige conhecer
sua história de vida, os obstáculos que os impediram de freqüentar o ensino regular,
os motivos que lhes deram força para continuar, as circunstâncias em que cursam a
EJA, dentre outras.
Tendo em vista que os alunos de EJA são sujeitos que carregam experiências de
vida diferentes, é preciso que o educador tenha uma formação específica para sua
atuação pedagógica (SOARES, 2009), além de ter bem claro o perfil dos estudantes
com os quais irá interagir. Nesse sentido, o perfil do aluno da EJA tem sido um dos
pontos principais de discussão, uma vez que para se chegar a esse perfil é preciso
conhecer o contexto no qual ele está inserido
2.3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO PARA O PÚBLICO DE EJA
Geralmente os alunos da educação de jovens e adultos são trabalhadores que
vivem, na maioria das vezes, apenas suprindo necessidades básicas de
sobrevivência, oriundos das camadas mais baixas da sociedade, desfrutando de
pouca ou nenhuma oportunidade de estudar, dificultando o acesso a novas
possibilidades. Neste sentido, a escola para alunos de EJA deve ser pensada de
modo diferente, com abordagem de conteúdos e propostas metodológicas
desenvolvidas para que favoreçam a aprendizagem, uma vez que essas pessoas
trazem experiências de vida e conhecimentos ainda que não sistematizados.
O jovem ou adulto não alfabetizado é um homem letrado, ele apenas não possui
instrução formal. Isso acontece por conta da interação com a sociedade, que lhe
possibilita compreender as coisas a sua volta sem que haja necessidade de
decodificar as letras, apenas compreendendo o contexto. Mas, isso não é suficiente
para que ele seja capaz de vivenciar plenamente a cultura que possui base escrita e
nem para interagir com tudo que essa cultura pode lhe oferecer.
Uma das razões pelas quais os jovens ou adultos retornam à escola é para
apropriar-se da língua escrita, oportunizando, desta forma, busca por emprego,
valorização da imagem social, exercício da cidadania, busca de convivência social,
almejo de novos conhecimentos e uma formação que lhes permita competir em
iguais condições com os outros sujeitos.
Essas pessoas começam a observar que o mundo ao seu redor parece ocultar
informações importantes para suas práticas cotidianas. Além disso, a aquisição de
novos saberes irá promover o desenvolvimento de seus potenciais para a
aprendizagem e determinar toda uma caminhada escolar. De acordo com Rego:
O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sócio-cultural
em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética)
através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas
reorganizações por parte do indivíduo. (REGO,2000, p. 59)
Sendo assim, a escola deve ser um ambiente que suscite inquietudes e reflexões,
favorável para um constante movimento de idéias, com trocas e conhecimentos,
promovendo o crescimento cultural, intelectual e pessoal do indivíduo. Para isso,
faz-se necessário que as propostas sejam contextualizadas com a realidade do
aluno ocasionando o aumento do rendimento escolar e a diminuição da evasão que
são tão freqüentes nas salas de EJA.
Diversos fatores contribuem para o insucesso e a evasão percebida nas classes de
EJA, dentre eles: cansaço devido à jornada de trabalho, problemas familiares,
questões financeiras e emocionais, desinteresse tanto dos alunos quanto dos
professores, aulas no horário em que muitas vezes seria para o descanso e o lazer,
entre outros. No que diz respeito aos professores, muito deles, por falta de formação
adequada, não propõem flexibilidade em seus planejamentos, descartam os
conhecimentos prévios dos alunos que, contextualizados com a realidade, tornam-se
cheios de significados no processo de aprendizagem e, aliados aos outros fatores já
citados, tornam-se motivos cruciais para as desistências das aulas.
Infelizmente, isso acontece, pois, as discussões teórico-metodológicas para esta
modalidade de ensino, na maioria das vezes, não recebem a importância necessária
pelos formadores de professores. As questões metodológicas para esta modalidade
passam como uma mera adequação do que é planejado para as crianças da
educação básica. Com essas práticas, os alunos se sentem na condição de
excluídos, pois a escola esta adequada para um grupo que não e o seu. O currículo,
os programas e os métodos são estruturados para atender crianças em sua
trajetória escolar. Enfim, as práticas metodológicas e o currículo precisam ser
voltados para o jovem e o adulto, reconhecendo-os como sujeitos de conhecimento
e aprendizagem.
Neste sentido, seria de fundamental importância na formação inicial de professores
discussões acerca da forma na qual ocorre a construção da identidade dos
professores alfabetizadores de jovens e adultos, as alternativas para conhecer a
realidade sociocultural dos alunos, o planejamento para que a educação de jovens e
adultos apareça de forma equilibrada na matriz curricular dos cursos de
licenciaturas.
Nesse contexto, o educador precisa adotar uma relação de parceria com o aluno,
favorecer o diálogo e propiciar uma nova visão de mundo, problematizar a realidade
em que se encontra inserido e levá-lo a refletir sobre o conhecimento adquirido.
Segundo Freire (2006, p. 68), “[...] o trabalho de alfabetização, na medida em que
possibilita uma leitura crítica da realidade, se constitui como importante instrumento
de resgate da cidadania [...].” Para isso, o educador tem que entender que é preciso
inovar na prática, mudar sua proposta, assimilando que o essencial não é apenas
aprender a decorar, copiar, mas aprender a aprender, exercitar a prática do pensar,
o que levará os alunos sentir-se estimulados, motivados, mobilizados a participar.
Dessa forma, é importante que o educador crie estratégias que possibilitem
alfabetizar esses alunos na perspectiva do letramento, apresentando materiais que
possuam relevância para sua vida de modo que o aluno consiga perceber que
aprender a ler e escrever vai ter uma finalidade, que vai se converter em melhoria na
sua vida, por isso, as ações do professor devem refletir essa intenção. “O ensino da
leitura e da escrita deve ser entendido como prática de um sujeito agindo sobre o
mundo para transformá-lo e, para, através da sua ação, afirmar a sua liberdade e
fugir à alienação” (VIEGAS,2007, p.4)
3 PAPEL DO PROFESSOR NA ORGANIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DIDÁTICA
PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
As etapas da elaboração de uma intervenção didática são muito importantes e, para
tanto, o professor deve se organizar e mapear o que deseja trabalhar. A definição de
três pontos é essencial: o que quero ensinar, como cada aluno aprende e como será
feito o acompanhamento e avaliação dos alunos, principalmente quando se trata de
uma turma tão heterogênea como a de EJA. Percebe-se, neste momento, que um
dos maiores desafios no planejamento e organização de uma intervenção didática é
a definição do tempo necessário para o trabalho com um determinado tema,
atividade ou projeto.
Compreende-se desta maneira, que primeiro deve-se estabelecer as habilidades e
competências, as noções e conceitos, os objetivos e os conteúdos que alicerçarão
essa construção. Em seguida, pensar nas atividades a serem desenvolvidas
baseadas na forma que os alunos aprendem. (ZABALA, 1998)
Os conteúdos, os objetivos, os recursos didáticos, tudo tem que ser pensado quando
se organiza uma intervenção didática e aplicado para que o aluno se torne agente
ativo da construção do seu conhecimento. Zabala (1998) nos ajuda a pensar uma
prática centrada no sujeito, na qual a função social da aprendizagem seja possibilitar
a todos uma formação integral considerando suas especificidades.
Neste segmento, ao organizar uma intervenção didática na Educação de Jovens e
Adultos, é necessário efetuar um levantamento prévio dos conhecimentos dos
alunos e, a partir desse, planejar intervenções que apresentem desafios e/ou
problemas, atividades diferenciadas, jogos, uso de diferentes linguagens e gêneros
de textos, análise e reflexão. Gradativamente, deve-se aumentar a complexidade
dos desafios e dos textos permitindo um aprofundamento do tema proposto,
promovendo, desta forma, a construção do conhecimento. Nesta perspectiva,
Libâneo diz que:
Em síntese, podemos dizer que, talvez, uma das qualidades mais
importantes do professor seja a de saber lançar pontes (ligações) entre as
tarefas escolares e as condições prévias dos alunos para enfrentá-las, pois
é daí que surgem as forças impulsoras da aprendizagem. O envolvimento
do aluno no estudo ativo depende de que o ensino seja organizado de tal
forma que as “dificuldades” (na forma de perguntas, problemas, tarefas,
etc.) tornem-se problemas subjetivos na mente do aluno, provoquem nele
uma “tensão” e vontade de superá-las. (LIBÂNEO,1994, p. 95)
Há de se atentar, então, para a importância da relação professor e aluno, na medida
em que o educador é capaz de atribuir significado à curiosidade despertada pelos
assuntos ou atividades, às perguntas feitas pelos alunos. No momento em que o
professor consegue entender e aprofundar seus conhecimentos nesta proposta de
trabalho,tem condições de aventurar-se em infinitas descobertas e perceber o
quanto isto é enriquecedor.
Um planejamento que enfoca os objetivos deve levar em consideração a forma
como o aluno aprende, pois a intervenção é pautada na necessidade do mesmo.
Para isso, busca uma explicação na concepção construtivista dos processos de
aprendizagem, pois ela leva em consideração os aspectos psicopedagógicos do
individuo a fim de compreender a maneira como construímos um conhecimento para
torná-lo o mais significativo possível.
Na concepção construtivista, a aprendizagem se produz quando é atingido o máximo
de relações entre os conhecimentos pré-existentes e os novos adquiridos. Estes
últimos são agregados aos anteriores, modificando-os e tornando-os mais
complexos. Segundo Becker:
[...] a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que,
especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como
algo terminado. Ele se constitui pela interação do Indivíduo com o meio
físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações
sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação
prévia. (BECKER,1992, p. 88)
Pressupõe-se, então, que nossa estrutura cognitiva é uma rede de conhecimentos,
como uma teia de aranha, que vai sendo construída e reconstruída a cada nova
informação. Dentro dessa perspectiva, uma aprendizagem significativa é aquela na
qual o aluno consegue desencadear esse processo fazendo uso daquele novo
conhecimento, transformando-o e adaptando-o a sua realidade e necessidade.
O construtivismo, ao abordar todas essas questões, coloca professor e aluno como
protagonistas nesse processo, pois, se por um lado o aluno é quem constrói o
conhecimento e faz uso dele, por outro o professor é o responsável por criar
condições
favoráveis
para
desencadear
todo
esse
processo:
seleção
e
apresentação adequada de conteúdos, observação dos alunos, respeito à maneira
como cada aluno aprende, entre outros.
O papel do professor também é o de provocar, para que, desta forma, o aluno se
sinta estimulado, ou seja, a atividade deve fazer sentido para ele e o mesmo deve
ser capaz de executá-la mobilizando seus conhecimentos e agregando novos. Por
isso, Zabala (1998, p. 38) diz que “(...) a situação de ensino e aprendizagem também
pode ser considerada como um processo dirigido a superar desafios, desafios que
possam ser enfrentados e que façam avançar um pouco mais além do ponto de
partida.”
Essa postura deve ser adotada para auxiliar na construção do conhecimento de
todos os tipos de conteúdos, afinal, a forma como o aluno percebe a escola e as
atividades que lhes são propostas influencia diretamente no seu aprendizado.
3.1 A SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS ENQUANTO PRÁTICA
PEDAGÓGICA
Definir o que se deve aprender em sala de aula não é simples, requer um cuidado
especial: é preciso perceber que os conteúdos devem ter naturezas variadas,
englobando habilidades, técnicas, atitudes, conceitos. São essas escolhas que
responderão às perguntas intrínsecas que permeiam a educação. É necessário
determinar para os alunos o que é importante saber, o que é preciso saber fazer e
que tipo de sujeito ele deve ser. Isto não quer dizer formar alunos padronizados,
modelados, mas a clareza dessas perguntas que permitirão traçar um plano de
trabalho que realmente forme cidadãos capazes de atender às demandas pessoais
e sociais.
A divisão dos conteúdos segundo uma tipologia serve para identificar com mais
precisão as intenções educativas presentes em cada um deles e, a partir dessa
classificação, torna-se mais fácil perceber as semelhanças que existem na forma
como cada conteúdo é aprendido e ensinado. Assim, o processo de aprendizagem
adquire características distintas para cada tipo de conteúdo. Zabala (1998), alerta
para o fato de que essa divisão é uma construção intelectual, utilizada para facilitar a
compreensão dos processos cognitivos, pois a aprendizagem ocorre de forma
integral e os conteúdos estão sempre interligados.
Os conteúdos conceituais englobam a aprendizagem de fatos, conceitos e
princípios. Os conceitos são um conjunto de fatos, objetos ou símbolos agrupados
por suas características comuns. Os conceitos e princípios têm em comum o fato de
necessitarem de compreensão: podemos dizer que o aluno só aprendeu um
conceito ou principio quando é capaz de utilizá-lo adequadamente em qualquer
situação. Por conta disso, a aprendizagem desses conceitos não é considerada
inacabada, pois é possível agregar a eles novos valores, novos significados,
existindo sempre uma possibilidade de ampliá-los.
Os conteúdos procedimentais implicam no saber fazer, que só pode ser verificado
em situações de aplicação desses conteúdos. Os conteúdos procedimentais são
conjuntos de ações que têm por finalidade um objetivo. São eles: ler, desenhar,
observar, calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, etc. Esses conteúdos
têm em comum o fato de serem ações, porém são ações distintas, para que as
aprendizagens tenham características específicas.
É importante que o aluno tome consciência da sua atuação, reflita sobre as suas
atividades. Por exemplo, não basta escrever todos os dias pra que o aluno escreva
bem, mas é imprescindível que ele possua o conhecimento da morfossintaxe, pois
isso fará com que ele melhore a sua capacidade como escritor. Fica claro, então,
que não basta ter o conhecimento teórico e fazer a reflexão, mas é preciso fazê-la
sobre a própria atuação.
Os conteúdos atitudinais podem ser agrupados em: valores, atitudes e normas.
Dentre
esses
conteúdos,
por
exemplo,
podemos
destacar
cooperação,
solidariedade, trabalho em grupo, respeito e ética. É importante salientar que nesses
conteúdos fazem parte as relações afetiva e de convivência, que não podem deixar
de serem trabalhadas na Educação de Jovens e Adultos e serem consideradas
importantes, pois estão ligadas ao lado filosófico da escola, onde é relevante
desenvolver aspectos que nos completem como seres humanos.
Seria interessante que os conteúdos conceituais fossem priorizados nos níveis
avançados de ensino, enquanto que os procedimentais e atitudinais nos níveis
iniciais, pois serão eles que darão o suporte para uma capacidade mais elaborada
de construção dos conceitos nas etapas seguintes da formação, portanto, nesse
sentido, é a tipologia dos conteúdos que acaba servindo como instrumento para
definir as diferentes posições do papel que deve ter o ensino na vida do aluno, que
intenções educativas são pertinentes e que conheçamos a fundo aquilo que se
trabalha e ou que se pretende trabalhar.
Quanto à organização dos conteúdos, destacam-se três formas: as propostas
disciplinares, os métodos globalizados e o enfoque globalizador. Não há dúvidas de
que quanto mais relacionados estejam os conteúdos, melhor será a compreensão
dos mesmos. Essa atividade vem ganhando espaço, com a intenção de garantir uma
aprendizagem mais significativa ao aluno.
Inicialmente a organização dos conteúdos na perspectiva disciplinar era realizada de
uma forma bastante tradicional, com a compartimentação dos conteúdos de acordo
com cada matéria ou disciplina, não existindo uma inter-relação entre elas, o que
ainda hoje é bastante utilizado nas escolas. Por conta disso, o resultado obtido nem
sempre é o esperado, pois, na maioria das vezes, os alunos utilizam algumas
estratégias, entre elas a da memorização superficial.
Ainda na linha disciplinar, na qual o foco está na aprendizagem das disciplinas,
novas propostas com relação à organização dos conteúdos foram feitas, com o
intuito de promover um melhor entendimento dos mesmos. Surge, então, a
integração entre as disciplinas, que se dá em três graus: multidisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Na primeira, os conteúdos ainda são
apresentados por matérias independentes umas das outras, no entanto, pode ser
proposta simultaneamente, o que a define como uma organização somativa. Na
interdisciplinaridade já existe uma relação de comunicação entre duas ou mais
disciplinas, contudo, não se perde as particularidades. Já a transdisciplinaridade se
caracteriza por conseguir o grau máximo de relações entre as disciplinas, supondo
integração global dentro de um sistema totalizador.
O avanço na forma de organizar os conteúdos na perspectiva disciplinar permite aos
educandos fazer associações entre os conteúdos, assimilando-os e armazenandoos de forma correta, o que levará à potencialização dessa aprendizagem,
possibilitando, também, futuramente, a realização de novas conexões, utilizando o
que foi aprendido.
A pedagogia tradicional tinha como base os conteúdos e o professor, até aparecer
os métodos globalizados com o propósito de romper com a forma tradicional de
organização dos conteúdos. Neste momento, os mesmos deixam de ser
imprescindíveis e tornam-se os meios pelos quais será possível que os alunos
trabalhem e conheçam a realidade concreta para que, dessa forma, sejam capazes
de resolver problemas e situações cotidianas na sociedade.
Os métodos globalizados despontam quando o aluno torna-se o centro do processo
educativo e suas necessidades educativas são levadas em consideração, quando se
passa a pensar mais no aluno do que nas matérias e disciplinas. Este método
apresenta uma proposta que permite desenvolver aptidões amplas dos alunos
dando-lhes uma formação integral que amadurece habilidades, capacidades de
solucionar problemas.
Os objetivos dos métodos globalizados é formar cidadãos capazes conhecer e
interagir com o meio; preparar para a vida pessoas solidárias, cidadãos que são
capazes de “aprender a aprender” para intervir na realidade É nesse sentido que a
proposta dos métodos globalizados focaliza, numa perspectiva voltada para
interação dos conteúdos com o meio em que vivemos.
O enfoque globalizador é uma tentativa de conciliação entre o método globalizado e
as propostas disciplinares. Nele, o protagonista também é o aluno e sua forma de
aprender tem como ponto de partida três princípios para que a intervenção do
professor seja a mais construtiva possível: situação próxima à realidade, conteúdo
interessante para o aluno e elaboração de situações que estimulem a busca por
respostas. Esses princípios são os mesmos do método globalizado. A diferença
entre os dois está no fato do enfoque globalizador prezar pelo respeito à estrutura
proposta pelas disciplinas.
Pode-se trabalhar as disciplinas com situações-problema diferentes. O que ocorrerá
de forma igual é a seqüência didática (situação real, problemas, recursos da
disciplina, formalização, aplicação a outras situações). No entanto, nada impede que
em algum momento uma situação real possa ser trabalhada em mais de uma
matéria, desde que isso não fuja à lógica científica da disciplina.
Essa estrutura apresentada no enfoque globalizador não aborda os conteúdos
procedimentais e atitudinais. Outro ponto a ser destacado é que uma proposta ligada
à lógica disciplinar impõe certa limitação quanto aos vínculos entre os diferentes
conteúdos, das diversas disciplinas. Essa limitação pode impossibilitar o
enriquecimento das estruturas cognitivas, afinal, como foi dito antes, os conteúdos
são todos interligados e a separação é feita apenas para facilitar a compreensão.
3.2
CONTRIBUIÇÕES DO PCN
Em 1995, iniciou-se o processo de elaboração de Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), editado em 1997, com o intuito de criar um material de referência que
auxiliasse os professores na elaboração de projetos educacionais, elaboração de
aula, reflexão dos conteúdos para as práticas educativas e a utilização do material
didático.
O PCN percebe a importância das práticas pedagógicas dos professores, ressaltam
a necessidade deles serem mediadores da educação e reconhecem que a qualidade
da educação depende de como os professores conseguem realizar suas práticas
pautadas na formação integral do aluno. O PCN aos professores devem servir para:
[...] auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço
diário de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que
necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e
conscientes de seu papel em nossa sociedade. (PCN,1997, p. 4)
Os Parâmetros são um referencial que visa auxiliar na realização do trabalho
docente eficaz, orientando e favorecendo as discussões e pesquisas relacionadas à
educação. Mesmo para os professores que estão atuando nos locais com menos
acesso às atualizações educacionais, isso se torna necessário porque são elas
quem consegue realizar uma educação de qualidade para todos.
Quanto às práticas educativas, o PCN sugere que os professores reflitam, sobre
elas, fazendo com que estejam voltadas para o aluno e suas necessidades,
conduzindo a uma educação que abranja diversos aspectos. Trata-se então, não
apenas da simples organização de conteúdos e sua transmissão e sim de que forma
esses conteúdos contribuíram para a formação de cidadãos que sejam indivíduos
autônomos, reflexivos capazes de conhecer seus direitos e deveres para que
possam atuar na sociedade ativamente, participando, tornando-se um agente
transformador da sua realidade.
O professor deve perceber essa ferramenta não como um manual a ser seguido, ou
uma receita pronta, mas sim como um suporte educacional para consultas a respeito
de materiais didáticos, elaboração de novos recursos que sejam eficazes para a
construção do conhecimento, temas importantes para abordagem e uma reflexão
constante sobre os conteúdos e a importância da reflexão permanente sobre a
prática pedagógica dos professores para que sejam capazes de trabalhar com a
diversidade adequando a educação aos aspectos políticos, econômicos e sociais
que refletem as demandas sociais.
A prática educativa e a vivência são essenciais para que cada escola se organize
com uma proposta de trabalho flexível, condizente com a realidade de cada
ambiente escolar, podendo contribuir na vida dos professores de diferentes formas e
situações, sendo utilizado para orientar discussões ou ser pauta para reunião de
pais e professores acerca da rotina escolar a que estão inseridos, ainda que de
forma indireta, como co-autor
A proposta dos Parâmetros sugere que os conteúdos sejam abordados e
trabalhados de forma reflexiva, crítica e que possibilite que o alunado construa seus
conhecimentos pensando nas diversas possibilidades de utilizá-los tendo ainda a
consciência de que serão úteis para sua vida prática.
Pretendem, portanto, estimular para que o ensino torne-se eficaz a partir de
propostas reais, permitindo que a educação seja uma atividade social emancipatória
não só para as classes mais favorecidas economicamente, mas para todos
democraticamente. É fazer com que professores e alunos percebam que uma
educação de qualidade deve ser acessível a todos os saberes elaborados
socialmente necessários para partilhar de uma mesma comunidade e que as
oportunidades
devem
ser
proporcionadas
a
todos
de
forma
igualitária,
desprendendo-se das amarras ideológicas que entravam a sociedade impedindo a
mobilidade social a partir do conhecimento que deve chegar para todos.
4 DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO DA PESQUISA
Para atingir os objetivos do presente estudo, optou-se pelo desenvolvimento de uma
pesquisa de caráter qualitativo. Este tipo de pesquisa supõe o contato direto e
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, através do trabalho intensivo de campo.
A pesquisa qualitativa em educação, segundo Bogdan e Biklem, citada por Ludke e
André (1986), apresenta cinco características básicas:
1)
a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados
e o pesquisador como seu principal instrumento;
2)
os dados coletados são predominantemente descritivos;
3)
a preocupação com o processo é maior que com o produto;
4)
o “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de
atenção especial do pesquisador;
5)
a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
O espaço escolhido para realização da pesquisa foi a Escola Municipal Professor
Freire Filho, da rede pública de ensino, situada no bairro do Bonfim, na cidade de
Salvador. Os sujeitos da pesquisa foram os professores da Educação de Jovens e
Adultos. A pesquisa aconteceu no período de dois meses, entre julho e agosto de
2010, sendo realizadas visitas periodicamente.
A fim de coletar os dados nessa pesquisa, foram usados os seguintes instrumentos:
observação e entrevista. O registro do levantamento de informações foi feito através
de diário de campo e depoimentos dos professores. O processo de transcrição de
toda observação e das entrevistas foi preparado a partir de categorias eleitas para
discussão conceitual.
Neste sentido, a elaboração dessa pesquisa visa mostrar um pouco da experiência
adquirida durante o processo de observação e suas ligações com a teoria que
aborda o tema e as conclusões a respeito do mesmo.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA
A Escola Municipal Professor Freire Filho está situada na Praça Senhor do Bonfim,
nº 45, bairro do Bonfim. Fundada por Adolfo Espinheira Freire de Carvalho no ano
de 1954, pela portaria 1512020/05/57/1260. No ano de 2002, a instituição passou a
ser municipalizada e hoje é mantida por recursos da prefeitura de Salvador.
A mesma foi reinaugurada em 08 de junho de 2010, pela Secretaria da Educação,
Cultura, Esporte e Lazer (SECULT), após uma reforma, está foi realizada de maneira
cuidadosa, não sendo submetida a ampliação, nem mudança em sua estrutura
física, pois funciona num casarão tombado pelo patrimônio histórico e, assim, as
reformas só podem ser de cunho reparador, sem modificar a estrutura.
No que diz respeito ao bairro Bonfim, o mesmo é tradicional e turístico, conhecido
pela devoção, tendo como o seu maior símbolo a Basílica do Senhor do Bonfim. A
Lavagem do Bonfim reúne católicos e adeptos do candomblé, que comungam uma
mesma fé. Do alto da Colina Sagrada, pode-se observar um contraste entre duas
cidades distintas: a do seu entorno, constituída de um grande número de casas
coloniais, e a Salvador contemporânea..
Deste modo, a história do bairro do Bonfim e da escola Professor Freire Filho se
funde. A dinâmica da escola, os projetos, as atividades sociais e escolares
acontecem de forma que contemplam a cultura em que estão inseridos, como uma
maneira de fortalecer os bens culturais.
A escola atende 230 alunos da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação
de Jovens e Adultos (EJA) e do Programa Salvador Cidade das Letras. Composta
por turmas do 1º ao 5º ano, nos turnos matutino, vespertino e noturno. Possui cinco
salas de aula, carteiras em número suficiente, armários; quatro banheiros; sala de
professores; secretaria, cantina e uma área para recreação.
O quadro docente da escola é formado por professores graduados, alguns com
especializações e os mesmos relataram que estão constantemente participando de
cursos voltados para formação continuada oferecida pelo município.
Segundo
a
coordenadora,
os
professores
comparecem
às
Atividades
Complementares (ACs), reuniões e todas as atividades voltadas para a melhoria da
qualidade de ensino. O planejamento é feito semanalmente, nos dias de sexta-feira,
quando os alunos são liberados mais cedo, e ocorre com a presença de todos os
professores, muitos deles se reúnem por séries e juntos planejam as atividades que
serão realizadas durante a semana. Existe um esforço em interligar os conteúdos à
realidade do aluno, para um melhor desenvolvimento da aprendizagem.
No que diz respeito ao papel social e educacional da escola, a coordenadora
informou que a direção e os demais funcionários entendem que a instituição tem
como compromisso e missão garantir aos seus alunos o acesso a saberes
elaborados socialmente, a fim de que possam construir instrumentos de
compreensão da realidade.
Com relação à administração da escola, esta cumpre sua função, enfrentando os
percalços com determinação e buscando parcerias para que os mesmos possam ser
solucionados com mais facilidade. O esforço coletivo faz com que a escola esteja
sempre organizada, cuidada, limpa, um ambiente agradável para o convívio de todos
os membros que a compõem.
Por fim, a coordenadora relatou que escola também está integrada à comunidade e
citou contar com sua efetiva participação no conselho escolar e nas atividades
escolares e sociais, criando uma parceria entre professores, servidores, pais e
alunos permitindo que a escola e a comunidade sejam integradas com o objetivo de
buscar soluções para os problemas que as afetam, caracterizando, assim, uma
legítima gestão participativa.
4.2 TEORIZANDO A PRÁTICA
Para preservar o anonimato das professoras que participaram da pesquisa, foram
utilizados pseudônimos, e as mesmas serão identificadas da seguinte forma: a
primeira professora se chamará: Ana; a segunda: Paula e a terceira Maria. A
primeira professora é especialista em Psicopedagogia e há 12 anos atua na área de
educação. A segunda é pós-graduada em Pedagogia e há quatro anos trabalha com
a Educação de Jovens e Adultos. A terceira professora é graduada em Licenciatura
Plena em Pedagogia, trabalha há 16 anos com EJA.
A análise de dados da pesquisa foi realizada através da sistematização dos
resultados com base no referencial teórico, tendo como instrumento a entrevista
semi-estruturada, como se pode conferir:
A pergunta inicial pretende demonstrar que significado as professoras atribuem ao
ato de alfabetizar. Obtiveram-se as seguintes respostas:
E- Para você, o que significa alfabetizar?
Ana: Alfabetizar é um processo em que o indivíduo aprende a ler e
escrever.
Paula: Ensinar o alfabeto e sua utilização.
Maria: Alfabetizar significa humanizar, abrir caminhos para conquistar
espaços, sentir-se agente passivo do processo.
As respostas das professoras Ana e Paula foram as que chamaram mais atenção,
pois mantêm uma visão reducionista do conceito de alfabetização como um ato
mecânico, descrito por Freire (1983) como limitante para o processo de construção
de sentido. O ato de alfabetizar deve permitir que o sujeito desenvolva habilidades
com a escrita e leitura, sendo importante a utilização de temas que contextualizem
sua realidade, ou seja, trabalhar com elementos familiares aos alunos.
Quanto ao ato de letrar e seu significado, apenas a professora Ana demonstra uma
definição mais aproximada. Enquanto as demais confundem-no com o conceito
tradicional de alfabetização, que o trata como a simples codificação e decodificação
de sinais e sua utilização.
E- Para você, o que significa “letrar”?
Ana: Significa ter uma visão do mundo. Conhecimento da cultura (sua).
Paula: Tornar a pessoa consciente do alfabeto e sua utilização.
Maria: Letrar significa decodificar sinais, conhecer e identificar as letras, o
som e a sua função gramatical.
.
Neste sentido, letrar oportuniza ao educando antes mesmo de começar a ter
domínio do código escrito que ele se envolva em práticas sociais de leitura e escrita,
com recursos que tenham significado com seu contexto, valorizando suas
experiências e conhecimentos adquiridos ao longo da vida.
A terceira pergunta tenta perceber como os professores distinguem o ato de letrar e
de alfabetizar. As professoras demonstram não perceber as distinções entre esses
dois conceitos. Observe que a professora Maria conceitua de forma tradicional o ato
de alfabetizar, demonstra desconhecimento de todas as práticas que podem ser
desenvolvidas a partir do conceito de letramento.
E- Quais as diferenças entre alfabetizar e “letrar”?
Ana: A diferença é que o indivíduo pode aprender a ler sem compreender a
importância daquilo que está lendo dentro da sua cultura.
Paula: (Resp. 1 e 2). 1- Ensinar o alfabeto e sua utilização. 2- Tornar a
pessoa consciente do alfabeto e sua utilização.
Maria: Alfabetizar é ter um domínio completo de todo o processo, é adquirir
habilidades de leitura, escrita, cálculos, raciocínio lógico, interpretar e formar
opiniões. Letrar é conhecer, mas não interagir sobre os seus significados e
utilizações.
A fala da professora Maria preocupa, pois, demonstra um pensamento errôneo
quanto a concepção de letramento, pois como já foi dito, letrar é algo amplo, que
visa favorecer e oportunizar ao sujeito da aprendizagem que ele leia o mundo em
que vive, seja capaz de contextualizar a realidade.
Para tanto, observa-se agora o que as professoras entendem por alfabetizar na
perspectiva do letramento:
E- Como alfabetizar “letrando”?
Ana: Proporcionando ao indivíduo o aprender a ler e escrever buscando a
sua cultura como suporte.
Paula: Letramento = apropriação do alfabeto.
Maria: Alfabetiza-se letrando quando o alfabetizando se faz compreender
que é o ponto de partida, que todo o processo foi criado para atendê-lo,
passa a partir em busca de novos conhecimentos, sentindo-se capaz e
responsável pelo que conquista e produz.
A resposta da professora Ana não esclarece o que seria de fato alfabetizar o aluno
letrando. A professora Paula compreende alfabetização e letramento como o mesmo
processo. Já a professora Maria coloca o sujeito da aprendizagem como um ser
auto-suficiente, deixando a dúvida do entendimento da pergunta. Desta forma,
percebe-se que as professoras não utilizam em suas práticas o trabalho simultâneo
de alfabetização e letramento. Entretanto, alfabetizar letrando possibilita ao aluno
lidar com a escrita e leitura nas mais diversas situações de seu cotidiano, adquirindo
consciência do que está aprendendo, abandonando a forma mecânica que
permeava ou quem sabe ainda permeia as salas de alfabetização.
No intuito de perceber quando os alunos são considerados pelas professoras
alfabetizados e letrados, as próximas respostas permitirão as seguintes avaliações:
1) Professora Ana, demonstra melhor a diferença entre letrar e alfabetizar,
considerando que saber ler e escrever torna o indivíduo alfabetizado e o ato de
interpretar o mundo condiciona-o como sujeito letrado; 2) Professora Paula, entende
por alfabetizado aquele que se apropria do código escrito, sendo que, a partir dele,
desenvolve suas produções escritas, e, relacionando estas construções ao que está
à sua volta, chega à compreensão de letrado; 3) Professora Maria entende por
alfabetizado o que mais se adequa à idéia de letrado.
E- Quando se pode dizer que uma criança ou um adulto estão
alfabetizados? Quando se pode dizer que estão letrados?
Ana: Eles estão alfabetizados quando sabem ler e escrever. Eles estão
letrados quando sabem ler e interpretar o mundo de forma oral ou escrita.
Paula: Quando conseguem decifrar o alfabeto e utilizá-lo fazendo
correspondência letra fonema e assim produzirem e lerem o
produzido/escrito. Letrado apropriado do alfabeto e sua utilização discorrem
sobre a leitura e escrita se apropriando do mundo ao entorno.
Maria: O aluno ou o adulto estão alfabetizados quando adquiriram as
habilidades contempladas, interagem e mudam de comportamento seguindo
novos rumos tanto para si como para seus familiares.
Alfabetização e letramento são processos independentes e indissociáveis. Para
tanto, conseguir alfabetizar e letrar os alunos de forma concomitante seria um meio
de favorecer a melhoria na qualidade da aprendizagem dos indivíduos,
principalmente nas turmas de EJA, pois proporcionaria a eles um ensino que não só
respeitasse suas experiências, mas também se valesse delas para a formação.
A pergunta seguinte procurou identificar se as professoras em sua prática percebem
o processo de alfabetizar jovens e adultos na perspectiva do letramento como algo
que favorece o desenvolvimento de habilidades no âmbito individual e social dos
alunos. As respostas apontam que as professoras reconhecem a importância da
contextualização das experiências dos alunos, no ato de alfabetizar letrando,
acreditam que assim tornam os alunos críticos e reflexivos, rompendo barreiras e
facilitando novas possibilidades para que eles aprendam.
E- De que forma, alfabetizar jovens e adultos na perspectiva do
letramento poderá contribuir para a transformação do individuo, de
maneira que ele possa desenvolver as competências técnicas, sociais
e comunicativas para o seu processo de desenvolvimento individual e
social?
Ana: Se você proporcionar ao grupo um conhecimento que parte da sua
vida social, fica mais fácil para a sua compreensão. Ele se tornará critico e
reflexivo.
Paula: Levando/conduzindo o adulto a apropriar-se do seu entornoconhecimento de mundo.
Maria: A partir do momento que o aluno adquire novos conhecimentos,
passa a ter uma nova visão de mundo, sente-se capaz de produzir, lutar por
seus ideais, romper fronteiras.
A sétima pergunta foi realizada com a intenção de verificar qual a compreensão que
as professoras têm com relação ao trabalho de intervenção didática e, deste modo,
perceber o significado que o mesmo tem para elas. Para tanto, obteve-se as
seguintes respostas:
E- O que você entende por intervenção didática?
Ana: Intervenção didática são ações voltadas para o desenvolvimento da
aprendizagem. Elas são feitas de acordo com a necessidade do indivíduo
ou grupo.
Paula: Intervenção adequada, coerente, na medida do necessário e quando
necessário possibilitando o indivíduo interagir e construir seu conhecimento.
Maria: O processo de intervenção deve ser realizado quando necessário
para apoiar, dar suporte e facilitar a aprendizagem. O educador deve estar
atento quando e como fazer a intervenção.
Percebe-se que as respostas dadas pelas três professoras seguem o princípio de
que só se deve realizar a intervenção quando necessárias, isto de acordo com as
suas avaliações. Entretanto, a intervenção, poderia ser exercida através de práticas
educativas elaboradas, refletidas e planejadas, com a intenção de promover a
aprendizagem com objetivos previamente organizados que façam essa intervenção
ajudar na aprendizagem dos alunos, sendo assim, torna-se um prejuízo a restrição
dessa ação.
De acordo com a pergunta anterior, buscou-se saber de que maneira as professoras
promoveriam as suas intervenções didáticas. As respostas foram as seguintes:
E- Você utiliza a intervenção didática como prática pedagógica? Se
sim, como?
Ana: Através de atividades, jogos, projetos, ou seja, todos os recursos
necessários para desenvolver o conhecimento do grupo ou indivíduo.
Paula: Sim. Resposta (6)- Intervenção adequada, coerente, na medida do
necessário e quando necessário possibilitando o individuo interagir e
construir seu conhecimento.
Maria Sim, acompanhando o processo de aprendizagem do aluno e
intervindo quando se fizer necessário.
Observa-se que as respostas da professora Paula e da professora Maria são
semelhantes, demonstram uma casualidade em suas intervenções, na medida em
que narram apenas intervir quando necessário, diferem da professora Ana que diz
organizar e realizar suas práticas utilizando de várias estratégias, como tentativa de
alcançar seus objetivos.
A nona pergunta refere-se à seleção e organização dos conteúdos, já que, para
realização dessas análises, deve-se ter, como ponto de partida, a determinação das
finalidades ou objetivos da educação. As professoras responderam da seguinte
forma:
E- Quais os critérios que você utiliza para selecionar e organizar os
conteúdos?
Ana: O professor deve ter um critério de trabalho. Planejar é
“indispensável”! Se o professor trabalha com projeto, “como eu”, tem que
elaborar um que seja o perfil da turma. Em um projeto existem elementos
que aprendam a selecionar e organizar os saberes que norteiam todo
critério para prática em sala.
Paula: Partir de uma sondagem de interesse prévio dos alunos (dia-a-dia,
profissões, programas de TV, músicas, receitas, cardápios, folhetos de
mercado, jornais) e a partir daí desenvolver atividades que despertem e
atendam o interesse dos alunos.
Maria: O diagnostico da turma, sondagens, conversas informais, relatos,
observações.
A priori, a professora Ana foca na preparação de um trabalho que deixa clara a ação
pretendida, para depois selecionar e organizar os conteúdos, avançando para suas
finalidades. As professoras Paula e Maria procuram dar mais atenção àquelas
aprendizagens realizadas em sala de aula que não necessariamente estão visíveis
nos planos de ensino, para que possam ser avaliados com mais coerência, pois
essa prática esconde as ideologias e as intenções das professoras, inclusive no que
diz respeito a que tipo de formação quer dar a seus alunos.
A última pergunta faz relação aos desafios encontrados pelas professoras no
trabalho com Educação de Jovens e Adultos. As respostas foram quase que
unânimes: despertar interesse e manter a freqüência nas aulas.
E- Para você, qual o maior desafio do professor na educação de jovens
e adultos?
Ana: Compreender o desejo do grupo e conquistar sua amizade. Como diz
Paulo Freire, “em um ambiente de camaradagem tudo se aprende”.
Paula: Mantê-los interessados e freqüentando.
Maria: O maior desafio nos dias de hoje é fazer com que o aluno
permaneça na escola, diminuindo a evasão. As aulas precisam ser
interessantes, o planejamento bem formulado a educação precisa caber nos
arranjos de vida do aluno para que o processo aconteça.
.A evasão está atrelada a diversos fatores, no entanto, o desinteresse em freqüentar
a escola está vinculada as aulas demasiadamente expositiva que são consideradas
densas, tediosas. Trabalhar com essa modalidade exige ainda mais do professor,
estar sempre trazendo propostas que tenham um significado para eles, que sejam
atraentes, que façam parte de suas realidades, para que, desta forma, eles possam
se sentir mais estimulados.
Os resultados apresentados pelas professoras com relação à alfabetização e
letramento mostram a reprodução da confusão que ainda existe entre os dois
conceitos. Na educação, atualmente, discute-se muito as questões referentes à
importância do ato de alfabetizar, possibilitando ao aluno não só conhecer os
símbolos que compõem o código escrito, mas também desenvolver, na prática, suas
habilidades de escrita e interpretação, auxiliando na sua formação integral. Desta
maneira, faz-se necessário uma reflexão do trabalho que os professores estão
desenvolvendo nas turmas de alfabetização.
No que diz respeito ao trabalho de intervenção didática e os critérios utilizados para
selecionar e organizar os conteúdos percebe-se uma grande falha, não há
planejamento por parte de algumas professoras, chega ser uma imprudência. Como
atingir os objetivos sem planejar? Como garantir eficácia do ensino sem intenções?
Dificilmente o professor desenvolverá um bom trabalho sem planejamento, o que
não quer dizer que ele tenha que seguir um modelo pronto e acabado, ao contrário,
o professor deve refletir didaticamente sobre sua prática, pensar no cotidiano sobre
o saber fazer em sala de aula, para não escorregar na mesmice metodológica de
utilização
dos
mesmos
(LEAL,2006,p.4-5)
recursos
e
das
invariáveis
técnicas
de
ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação não é neutra, através das ações metodológicas existe uma concepção
de valor que se atribui ao ensino e aos tipos de sujeitos que se pretende formar.
Nesse aspecto, surge a necessidade de realizar uma reflexão sobre a prática
docente, a importância de saber sistematizá-la e organizá-la em função de
determinados fins e objetivos.
No entanto, o que se pode observar com a pesquisa realizada é que o professor
atribui pouca importância a sua mediação no processo de ensino e aprendizagem. É
prejudicial, pois o professor é um dos principais agentes com subsídios para
transformar a educação através de uma prática pedagógica consciente e
renovadora, com metodologias coerentes à realidade dos educandos, o que merece
um reforço ao tratar da Educação de Jovens e Adultos.
A mediação e a intervenção como prática pedagógica merecem destaque quando
realmente deseja alcançar a eficácia do ensino. O planejamento é, sem dúvidas, de
fundamental importância nesse processo. Segundo Tavares:
A intervenção como prática pedagógica somente se constitui como
processo de ensino-aprendizagem quando está atrelada a um planejamento
com delimitação de objetivos e de práticas pedagógicas contínuas
disponíveis à avaliação e à reavaliação possibilitando uma sistematização
das práticas de ensino-aprendizagem. Se as ações de intervenção não são
planejadas e avaliadas, estas passam a ser ações interventivas
fragmentadas e imediatas. Ações que se tornariam processo se fizessem
parte de um planejamento com objetivos, conteúdos, métodos e avaliações
definidas e inter-relacionadas. Sem uma articulação entre as partes de um
planejamento fica bem mais difícil para os professores criarem estratégias
que explorem e valorize suas ações interventivas. (TAVARES,2008, p. 56)
Certamente esse é um processo que requer tempo, preparo, no entanto, pelo que foi
observado, torna-se imprescindível inovar a prática, mudar por vezes a proposta.
Não basta apenas transmitir o conhecimento, é preciso contextualizá-lo, o que se
torna ainda mais desafiador para o docente que tem sua formação em EJA, pois os
alunos dessa modalidade já chegam à escola com saberes bastante sedimentados
devido à sua trajetória de vida.
No que tange o estudo sobre alfabetização e letramento realizado neste trabalho e
os resultados obtidos pela pesquisa, chegou-se à conclusão da necessidade
existente de aproximar, no campo da educação, teoria e prática dos conceitos
abordados.
Observa-se na pesquisa que as professoras não perceberam a sutil diferença que
existe entre o processo de alfabetização e letramento, havendo um equívoco em
suas respostas, caso contrário, saberiam utilizar adequadamente as estratégias
desses dois processos sem deixar prender a um dos extremos. Nesse sentido, na
busca do entendimento do que é letrar e alfabetizar, pode-se citar textualmente
Soares:
[...] distingue essas duas concepções enfatizando que alfabetização e
letramento são processos distintos, de natureza interdependente e
indissociável. A alfabetização não precede, nem é pré-requisito para o
letramento, pois pessoas analfabetas, por estarem inseridas no contexto
letrado, possuem um nível de letramento, o que pode ser visto como uma
conseqüência da imersão na cultura letrada. A alfabetização faz parte de
um contínuo linear, com limites claros. Passa-se de analfabeto a
alfabetizado. Já o letramento é um processo contínuo não-linear,
multidimensional, ilimitado, sempre em permanente construção.
(SOARES,2003, p. 93)
Ao conseguir distinguir a diferença dessas duas concepções, os educadores de
jovens e adultos devem constantemente incentivar situações de aprendizagem nas
quais os sujeitos envolvidos possam fazer uso social da escrita em seu cotidiano, ou
seja, não somente ensinar a ler e escrever, mas, também, envolver esses sujeitos
em situações de leitura e escrita.
Por fim, esse trabalho proporcionou inúmeras reflexões, principalmente no que diz
respeito à identidade profissional pretendida. Existe uma diferença entre ser
professor e educador, de educar e ensinar. A responsabilidade de ser um educador
e educar é bem maior, é uma entrega total, é doar o que você tem de melhor
sempre, é estar atento às necessidades do seu educando, é ser flexível, é ser
apaixonado pelo que faz. As limitações existirão, é importante nunca deixar de
acreditar e sonhar. Educar é acima de tudo um ato de amor.
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ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
APÊNDICE
ROTEIRO DE ENTREVISTA:
1- Para você o que significa alfabetizar?
2- Para você o que significa “letrar”?
3- Quais as diferenças entre alfabetizar e “letrar”?
4- Como alfabetizar “letrando”?
5- Quando se pode dizer que uma criança ou um adulto estão alfabetizados?
Quando se pode dizer que estão letrados?
6- De que forma, alfabetizar jovens e adultos na perspectiva do letramento
poderá contribuir para a transformação do individuo, de maneira que ele possa
desenvolver as competências técnicas, sociais e comunicativas para o seu
processo de desenvolvimento individual e social?
7- O que você entende por intervenção didática?
8- Você utiliza a intervenção didática como prática pedagógica? Se sim, como?
9- Quais os critérios que você utiliza para selecionar e organizar os conteúdos?
10- Para você, qual o maior desafio do professor na educação de jovens e
adultos?
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