UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA GABRIELA DELAGNELO WIGGERS BULLYING E DEPRESSÃO INFANTIL EM PERSPECTIVA SOCIAL Uma revisão de literatura. Biguaçu, 2011. 2 GABRIELA DELAGNELO WIGGERS BULLYING E DEPRESSÃO INFANTIL EM PERSPECTIVA SOCIAL Uma revisão de literatura. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia na Universidade do Vale de Itajaí no Curso de Psicologia. Profª orientadora Hebe Cristina Bastos Régis. Orientado pela professora Ilma Borges. Biguaçu, 2011. 3 GABRIELA DELAGNELO WIGGERS BULLYING E DEPRESSÃO INFANTIL EM PERSPECTIVA SOCIAL Uma revisão de literatura. Este Trabalho de Conclusão de Curso foi considerado aprovado, atendendo os requisitos parciais para obter o grau de Bacharel em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí no curso de Psicologia. Biguaçu, de de 2011 Banca Examinadora Prof._____________________________________________ Psic. Msc. Hebe Cristina Bastos Régis Prof._____________________________________________ Psic. Enis Mazzuco Prof._____________________________________________ Psic. Ivânia Jann Luna 4 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, que acima de tudo sempre se esforçaram ao máximo e abdicaram de muitas coisas para me proporcionar todo estudo necessário desde sempre, além de me ensinarem o que considero como meus melhores valores. Agradeço de coração minha amiga (diga-se de passagem peça chave para que este trabalho fosse feito) Tatiane por sempre ser muito compreensiva, prestativa e motivadora, não só na elaboração deste trabalho, mas ao longo de todo o curso. Muito obrigada à minha orientadora Hebe por sempre acreditar em mim e ser muito paciente a ponto de nunca me deixar desacreditar do meu trabalho, que me orientou não só para o espaço acadêmico, mas para a vida. Ao meu coordenador Almir que tornou meu trabalho possível em tão pouco tempo, que me incentivou e me ajudou em algumas das mais difíceis decisões que tive que fazer. Às minhas amigas Michelly e Renata que sempre me ampararam, me ajudaram, me aguentaram ao longo do curso, dentro e fora da sala de aula. Sem vocês jamais seria quem sou hoje, tanto pessoalmente quanto profissionalmente. Ao meu namorado, Gonçalo, que mesmo longe se faz perto todos os dias. Ao meu amigo Spyros por sempre se mostrar interessado e me fazer ver que meu trabalho importa, vale a pena e tem gente que gosta. E à toda a minha família (irmã, tios, primos, agregados) e demais amigos que com certeza são muito importante pra mim e que têm contribuição em todo o meu trabalho. A todos vocês, minha sincera e enorme gratidão! 5 "Na violência, esquecemos quem somos." Mary McCarthy "A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota." Jean-Paul Sartre 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................................. 12 3 CARACTERIZAÇÃO DA DEPRESSÃO E DO BULLYING........................................................ 14 3.1 DEPRESSÃO E DEPRESSÃO INFANTIL ......................................................................................... 14 3.2 BULLYING .......................................................................................................................... 18 4 POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE O BULLYING E A DEPRESSÃO INFANTIL................................. 21 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................. 33 REFERÊNCIAS................................................................................................................... 38 7 RESUMO Este estudo teve como finalidade fazer um levantamento na literatura de forma bibliográfica exploratória acerca da temática do fenômeno do bullying e da depressão infantil. Os dados levantados serviram para a caracterização do conceito de depressão e consequentemente da depressão infantil, bem como para conceituar o bullying. A partir da caracterização destes foram analisados estudos e pesquisas acerca de uma possível relação entre o bullying e a depressão infantil. A discussão dos dados se pautou, primordialmente, em criticar a escassez de estudos com enfoque social que abordem esta temática e, por conseguinte olhar sob uma perspectiva social para os dados obtidos através da literatura. Palavras-chave: Bullying; Depressão Infantil; Depressão. ABSTRACT This study aimed to survey the literature in a bibliographic exploration on the theme of the phenomenon of bullying and childhood depression. The data collected were used to characterize the concept of depression and thus of childhood depression, and to conceptualize bullying. From the characterization of these studies were analyzed and research about a possible link between bullying and childhood depression. Data discussion has centered primarily on criticizing the lack of studies focusing on social address. This issue and therefore look from a social perspective to the data obtained from the literature. Keywords: Bullying, Childhood Depression, Depression. 8 1 INTRODUÇÃO Este estudo teve como finalidade pesquisar através da bibliografia a possível relação entre depressão infantil e o fenômeno do bullying. A infância, enquanto fase do desenvolvimento tende a ser vista de forma romanceada, no entanto muitos problemas podem ocorrer neste período. Scliar (1995, citado em Frota, 2007) afirma que a infância é um conceito contruído históricamente provindo da multiplicidade de infâncias na contemporaneidade. A felicidade como ideia difundida na infância não pode ser garantida a todas as crianças segundo o autor. De acordo com Frota (2007) a infância não deve ser compreendida como um modo universal de experiências vividas por todos de uma mesma forma, e sim, deve ser “compreendida como um modo particular de se pensar a criança” (FROTA, 2007, p. 150). A aprendizagem de muitas habilidades, valores e crenças são concedidos durante a fase infantil. De acordo com Marinho e Caballo (2002) o desenvolvimento funcionamento interpessoal na fase adulta é dada na forma de relações com colegas na infância, a aprendizagem de habilidades sociais específicas acontece na infância (MONJAS, CABALLO, e MARINHO, 2002; RUBIN, BOTH, e WILKISON, 1990 citado em MARINHO e CABALLO, 2002). As pesquisas sobre bullying são recentes e passaram a ganhar destaque no mundo a partir da década de 90. No Brasil, os primeiros trabalhos sobre bullying surgiram em 2000. Porém, ainda existe muito desconhecimento sobre esse fenômeno no Brasil (BINSFELD e LISBOA, 2010). O fenômeno bullying vem crescendo assustadoramente nos últimos anos. Segundo uma pesquisa divulgada pela ONG Plan Brasil feita em 2009 (Jornal Diário Catarinense, 2010) com estudantes brasileiros entre as 5ª e 8ª séries do Ensino Fundamental revelou que 17% dos estudantes estiveram envolvidos em bullying, como agressores ou vítimas. A pesquisa mais extensa sobre bullying, realizada na Grã Bretanha, registra que 37% dos alunos do primeiro grau e 10% do segundo grau admitem ter sofrido bullying, pelo menos, uma vez por semana (NETO, FILHO e SAAVEDRA, 2005). 9 Neto, Filho e Saavedra (2005) ainda ressaltam que o levantamento realizado pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Juventude (ABRAPIA), em 2002, envolvendo 5875 estudantes de 5ª a 8ª séries, de onze escolas localizadas no município do Rio de Janeiro (RJ), revelou que 40,5% desses alunos admitiram ter estado diretamente envolvidos em atos de bullying, naquele ano, sendo 16,9% alvos, 10,9% alvos/autores e 12,7% autores de bullying. Em estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (Pense) no ano de 2009 estimou em 618.555 o número de escolares do 9º ano do ensino fundamental frequentando a escola nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Desse total, 293.596 (47,5%) são do sexo masculino e 324.958 (52,5%), do sexo feminino. Os dados sobre violência mostram que quase um terço dos alunos (30,8%) respondeu ter sofrido bullying alguma vez, cuja ocorrência foi verificada em maior proporção entre os alunos de escolas privadas (35,9%) do que entre os de escolas públicas (29,5%). Nos 30 dias anteriores à pesquisa, 12,9% dos estudantes se envolveram em alguma briga com agressão física, chegando a 17,5% entre os meninos e 8,9% entre as meninas, inclusive com o uso de armas brancas (6,1% dos estudantes) ou arma de fogo, declarado por 4% deles (IBGE, 2009). Para Binsfeld e Lisboa (2010) o bullying é compreendido como um subtipo ou subcategoria de atitudes e comportamentos agressivos (verbais, físicos e relacionais), intencionais e repetidos, por determinado tempo e sem nenhuma motivação evidente, é cometido por um ou mais indivíduos contra outro(s), dentro de uma relação desigual de poder. De acordo com Almeida, Silva e Campos (2008) o bullying pode ter efeitos não desejados por parte dos alunos, entre estes estão a evasão escolar, rotatividade do quadro de colaboradores, desrespeito aos professores, faltas sem motivos, porte de armas por crianças, além de acarretar em ações judiciais contra a escola e até a família do agressor. A depressão infantil é outro tema que interessa a este estudo, sendo que justamente devido à visão romanceada que muitas vezes se têm da infância pode-se dizer que durante muito tempo esse fenômeno foi ignorado. Souza (1984) ressalta que o interesse 10 científico pela depressão em crianças e adolescentes é bastante recente, até a década de 70 acreditava-se que a depressão nessa faixa etária fosse rara ou até inexistente. Segundo Halpern e Figueiras (2004), nos últimos anos tem aumentado de maneira expressiva a preocupação com a saúde mental da criança, devido aos estudos recentes que têm demonstrado uma prevalência de 10 a 20% da depressão infantil. Esses autores também mostram que até 2,5% das crianças passam por depressão. A depressão na fase inicial da vida pode ter um efeito devastador. Há alguns anos atrás a depressão infantil não era reconhecida pelos profissionais de saúde, seus sintomas eram desconhecidos, também eram escassos o conhecimento e as pesquisas sobre o assunto, como conseqüência, muitas crianças sofreram e não tiveram a oportunidade de serem auxiliadas. Atualmente o interesse pelo assunto da depressão infantil é crescente e através da compreensão desta problemática muitos avanços já foram alcançados (MILLER, 2003). Os estudos de Binsfeld e Lisboa (2010) sugerem que as crianças agressoras podem estar mais deprimidas que as não-agressoras. Segundo Lopes Neto (2005) as crianças que sofrem bullying apresentam maior tendência a desenvolverem depressão e baixa autoestima quando adultos. De acordo com Almeida, Silva e Campos (2008) colocam que todos os envolvidos (vítimas, agressores e observadores) nas práticas de bullying sofrem consequências negativas a curto e longo prazo. Diante os dados estatísticos mostrados a respeito do fenômeno bullying e frente à necessidade de estudos na área, se torna relevante pesquisar se existe correlação entre q de depressão com o bullying. O bullying vem sendo amplamente divulgado na mídia. Algumas vezes até com caráter sensacionalista que nem sempre esclarece à população sobre esse fenômeno. Dessa forma, entende-se que o papel da academia, no sentido de contribuição com a produção científica sobre o tema é fundamental, já que os estudos sobre bullying e depressão infantil, tendem a dar visibilidade a esse fenômeno e, portanto conscientizam a população acerca dessa temática. 11 Investigar uma possível relação entre o bullying com a depressão infantil pode ajudar na elaboração de intervenções a nível psicológico. A constatação através da produção científica da ligação entre os dois, além de possibilitar o tratamento precoce da depressão, suporta a criação de técnicas de intervenções primárias. Entendo aqui intervenções primárias como aquelas que visam a promoção de saúde e objetivam práticas que previnam o acontecimento do fenômeno. Diante do exposto a presente pesquisa teve como finalidade investigar a seguinte problemática: O que a literatura aponta como uma possível relação entre a depressão infantil e o fenômeno do bullying. O objetivo geral desta pesquisa é investigar, através da literatura, a incidência da depressão infantil entre os envolvidos no fenômeno de bullying. Como objetivos específicos tem como intuito verificar a existência de outros estudos que relacionam a depressão infantil com o fenômeno do bullying e; refletir a partir de um olhar crítico os resultados obtidos. 12 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Como princípios filosóficos a pesquisa em Psicologia encontra-se no campo das ciências humanas e no pensamento de Bakhtin (1985) citado por Freitas (2002) as ciências humanas estudam o homem em sua especificidade humana, isto é, em processo de contínua expressão e criação. Considerar o homem e estudá-lo independentemente dos textos que cria significa situá-lo fora do âmbito das ciências humanas, portanto, ao se trabalhar com a interpretação das estruturas simbólicas, faz-se necessário ir à infinitude dos sentidos simbólicos (FREITAS, 2002). E é por esse motivo que não se pode pretender, nas ciências humanas, chegar ao padrão de cientificidade que é próprio das ciências exatas. Essa interpretação dos sentidos é profundamente cognoscitiva, pois há que se reconhecer que a simbologia não é uma forma não cientifica do conhecimento, senão uma outra forma de conhecimento que tem suas leis internas e seus critérios de exatidão (FREITAS, 2002). Desta forma este estudo caracteriza-se pela pesquisa bibliográfica. Esta é realizada com base em material já elaborado, organizado principalmente de livros e artigos científicos (CONTANDRIOPOULOS, 1997). As informações contidas neste trabalho foram obtidas por meio de consulta a livros, monografias e artigos científicos. A pesquisa obteve os resultados seguindo as exigências éticas e científicas, por se tratar de uma pesquisa bibliográfica se preservou os requisitos compatíveis com as regulamentações sobre plágio. A pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições (GIL, 2002). Essa perspectiva em pesquisa foi aplicada no estudo aqui proposto auxiliando assim a delimitar o tema pesquisado e definir os objetivos, sendo baseada na pesquisa bibliográfica. A pesquisa foi realizada no período de Agosto a Dezembro de 2011, classificando-se conforme acima identificado enquanto uma pesquisa bibliográfica exploratória. O material para a coleta de dados foi composto por livros, artigos, periódico e demais publicações científicas de assuntos afins produzidas a partir do ano de 1994 até 13 2011. Na coleta de dados foi estudado a depressão infantil e o bullying e a sua possível relação. A pesquisa se pautou em coletar os dados através de artigos de revistas cientificamente válidas. A partir dos autores que estes artigos traziam foram procuradas suas referências. As palavras-chave usadas foram childhood depression and bullying. Para atingir os objetivos geral e específico e as finalidades propostas do presente estudo, a metodologia de investigação, esta respeitou os princípios que caracterizam a pesquisa bibliográfica exploratória. Os dados coletados a partir do material bibliográfico serão analisados de forma qualitativa. Ressalta-se que a abordagem qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano, ou seja, fornece análise mais detalhada sobre as investigações (MARCONI e LAKATOS, 2006). Assim, a abordagem qualitativa foi utilizada na discussão e resultados dos dados coletados por meio da revisão na literatura cientifica. 14 3 CARACTERIZAÇÃO DA DEPRESSÃO E DO BULLYING 3.1 Depressão e depressão infantil Nesta seção, será abordado o histórico e a evolução do conceito de depressão (incluindo as atuais definições), a fim de auxiliar na compreensão dos demais capítulos deste estudo. Gonçales e Machado (2007) relatam que na época da Inquisição, no século XIII, a melancolia foi considerada um pecado e algumas pessoas eram multadas ou aprisionadas por carregarem esse mal da alma, que não tinha cura. Etimologicamente, a palavra vem do grego melano chole, significando bílis negra. O termo “depressão” (assim como em português) foi inicialmente usado em inglês para descrever o desânimo em 1660, e entrou para o uso comum em meados do século XIX (SOLOMON, 2002). No entanto, segundo Monteiro e Lage (2007), a história da depressão está intimamente ligada à temática da melancolia, passando esta a ser utilizada, inicialmente, durante o século XIX. O século XIX trouxe descobertas na biologia, física, química, anatomia, neurologia e na bioquímica, o que permitiu relacionar as doenças mentais com a patologia orgânica do cérebro. Foi um período de classificações em que grandes teóricos debateram a natureza da doença e seus parâmetros, redefinindo, o que antes fora simplesmente identificado como melancolia, em categorias e subcategorias (GONÇALES e MACHADO, 2007). Ribeiro (1999) refere que, no século XX, houve a consolidação da psiquiatria, além disso, surgiram os movimentos sociais e comunitários que visavam modificar as formas de atendimento e assistência ao paciente psiquiátrico. Os avanços e descobertas em psicopatologia, farmacologia, anatomia patológica, neurologia e genética possibilitaram que a psiquiatria adquirisse fundamentação científica para os conhecimentos oriundos da prática clínica, da observação e da experiência. De acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Internacional das Doenças – CID-10, determinada pela Organização Mundial de 15 Saúde – OMS (1993), atualmente podemos definir a depressão como um transtorno de humor ou afetivo, cuja perturbação fundamental é uma alteração do humor ou afeto. As alterações de humor encontradas nos transtornos acima citados são normalmente acompanhadas de uma alteração no nível global de atividade e a maioria dos sintomas é secundária ou facilmente compreendida no contexto de tais alterações. Estas podem ou não estar vinculadas a eventos estressantes, podendo aparecer em qualquer faixa etária. O DSM IV traz os seguintes sintomas para o diagnóstico do estado depressivo maior: estado deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do tempo; anedônia: interesse diminuído ou perda de prazer para realizar as atividades de rotina; sensação de inutilidade ou culpa excessiva; dificuldade de concentração: habilidade freqüentemente diminuída para pensar e concentrar-se; fadiga ou perda de energia; distúrbios do sono: insônia ou hipersônia praticamente diárias; problemas psicomotores: agitação ou retardo psicomotor; perda ou ganho significativo de peso, na ausência de regime alimentar; ideias recorrentes de morte ou suicídio (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV, 1994). Para um melhor entendimento da depressão infantil, se faz necessário uma explanação do seu histórico (enquanto depressão caracterizada como da infância), o qual será contemplado a seguir. Baptista e Golfeto (2000) referem que os quadros depressivos na infância demoraram a ser reconhecidos, pois muitos duvidavam de sua existência porque as crianças eram consideradas como portadoras de "estruturas de personalidades imaturas" e não podiam experienciar transtornos de humor. Bandim et al. (1995) afirmam que somente a partir da década de 60, sistematizaram-se investigações no campo da psicopatologia infantil. O Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos oficialmente reconheceu a existência da depressão em crianças e adolescentes a partir de 1975 (BAHLS, 2002). Há alguns anos atrás a depressão infantil não era reconhecida pelos profissionais de saúde, seus sintomas eram desconhecidos, também eram escassos o conhecimento e as pesquisas sobre o assunto, como conseqüência, muitas crianças sofreram e não tiveram a oportunidade de serem auxiliadas (MILLER, 2003). 16 Para Lima (1999) o conceito de depressão na criança, no que diz respeito as suas características e etiologia, ainda gera controvérsias. De acordo com Baptista e Golfeto (2000) nos últimos anos, a depressão infantil tem sido objeto de estudos em vários países de forma abrangente e, a partir daí, foi confirmada a sua presença no campo de psicopatologia infantil. Segundo Oliveira et al. (2006) o diagnóstico precoce da depressão e suas manifestações tem sido objeto de estudo e de discussão entre os profissionais da área da saúde. Uma das dificuldades que se encontra é a não-existência de uma definição empírica e amplamente aceita sobre as características e etiologia da depressão em pessoas mais jovens. Versiani, Reis e Figueira (2000) relatam que vários autores têm chamado a atenção para o fenômeno da depressão em crianças e adolescentes, que além de ter seu reconhecimento estabelecido, parece estar mais freqüente e ocorrendo cada vez mais cedo. Alguns autores apontam que na infância e adolescência, a depressão se caracteriza por sintomas como irritabilidade, reclamações somáticas, reclusão do convívio social e humor diminuído. Como exemplo, uma criança pode se queixar de dores no estômago, dores de cabeça ou falta de amigos. Esses sintomas, em curto prazo, podem ser fontes de sofrimento para essas pessoas; de outro modo, em longo prazo podem interferir no desenvolvimento cognitivo, social e emocional delas (ALLEN-MEARES, COLAROSSI, OYSERMAN e DEROOS, 2003, citado em OLIVEIRA et al. 2006). Para Poznanski (citado em Barbosa e Lucena, 1995) para o diagnóstico da depressão infantil é necessário avaliar o humor, conduta ou aparência depressiva; ter pelo menos de quatro a cinco desses seguintes sintomas: retraimento social, problemas de sono, queixas ou fadiga, hipoatividade, anedônia, baixa auto-estima ou dupla patologia, dificuldade no trabalho escolar, ideação mórbida ou ideação suicida. Com duração mínima de pelo menos um mês. Segundo Del Porto (1999) os sintomas depressivos mais comuns na infância e adolescência são os atípicos, caracterizados por irritabilidade, hiperatividade e agressividade. Os sintomas clássicos, como tristeza, diminuição da atenção e da concentração, perda de confiança em si mesmo, sentimentos de inferioridade e baixa 17 autoestima, idéias de culpa e inutilidade, tendência ao pessimismo, transtornos do sono e da alimentação e, dependendo da gravidade, ideação suicida, também pode ocorrer. Para Lima (2004) é possível notar que os sintomas variam de acordo com a idade da criança, quanto menor a criança, mais somáticos são os sintomas apresentados e mais a irritabilidade está presente; e, à medida que a criança cresce, ela poderá apresentar mais sintomas do tipo adulto, como, por exemplo: isolamento, culpa, choro fácil, pensamento suicida, anedônia. O importante sempre é lembrar que existe uma variação do humor que deve ser considerada. A violência, maus tratos e perda dos pais, têm sido considerados como fatores de risco para depressão por diversos autores (DELL'AGLIO et al. 2004). Segundo Cruvinel e Boruchovitch (2003) não se tem dados científicos suficientes para afirmar se a dificuldade de aprendizagem é um fator de risco para depressão ou se sintomas depressivos acarretariam uma dificuldade de aprendizagem, mas a hipótese de que crianças com dificuldade de aprendizagem seriam fortes candidatas a depressão é intensamente defendida por muitos autores, pois uma criança com limitação cognitiva dificilmente alcança um nível de desempenho esperado, não sendo reconhecida e elogiada pelos colegas e professores, ao passo que seus amigos recebem reconhecimento e elogios pelo desempenho alcançado. Para Lima (2004) os fatores predisponentes podem ser multifatoriais: genéticos, sociológicos e antecedentes psicológicos. A depressão na criança pode ser precipitada por problemas adversos de longa duração, problemas familiares e fatores de personalidade. A criança filha de pais depressivos tem risco para uma variedade de transtornos psiquiátricos, incluindo condições depressivas (LIMA, 2004). Apesar de todas as referências acima, este estudo busca entender a depressão infantil numa perspectiva social. Não querendo de forma alguma desqualificar a sintomatologia apontada por esses autores, mas pretende-se aqui problematizar essa questão, no sentido de enfatizar a importância da compreensão do contexto onde o sujeito está inserido e a partir daí pensar que os sintomas apresentados podem variar de forma significativa, de sujeito para sujeito. O enfoque social será abordado posteriormente quando for pertinente a discussão dos dados aqui obtidos. 18 3.2 Bullying Segundo Albino e Terêncio (2009) o bullying, ainda demanda esclarecimentos. É uma denominação importada da língua inglesa, aparentemente ganhou o sentido hoje usado a partir das pesquisas do Professor Dan Olweus, na Universidade de Bergen – Noruega, iniciadas no fim da década de setenta. Esse pesquisador desenvolveu a primeira grande investigação sistemática sobre o tema. Por um período considerável de tempo, até próximo dos anos 90, pouco interesse internacional despertou em relação ao problema. Atualmente, além da Noruega, os Estados Unidos e Espanha são países com maior desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. Já Lopes Neto e Mascarenhas (2006) referem que até pouco tempo atrás, a prática do bullying escolar costumava ser vista pelos adultos, inclusive pais, professores e diretores, como brincadeiras pueris, próprias à idade infantil ou adolescente. Falava-se, inclusive, em ser algo que faz parte da iniciação à vida adulta. Um dos primeiros casos com repercussão internacional sobre o tema aconteceu na Noruega, em 1983, quando três adolescentes que sofriam bullying severo de colegas acabaram cometendo suicídio. O caso chamou a atenção do Ministério da Educação daquele país, que iniciou uma campanha nacional contra o bullying escolar (ALBINO e TERÊNCIO, 2009). Os autores já citados referem que no Brasil, o primeiro grande levantamento foi realizado pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Juventude ABRAPIA, entre 2002 e 2003. A pesquisa, que envolveu 5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries de onze escolas cariocas, revelou que 40,5% desses alunos admitiram ter estado diretamente envolvidos em atos de bullying naquele período, sendo 16,9% vítimas (ou alvos), 10,9% agressores-vítimas (ou “bully/vítimas”) e 12,7% agressores ou autores de bullying (ALBINO e TERÊNCIO, 2009). Também são encontrados sintomas comuns em pessoas que apresentam bullying: concentração e atenção reduzidas, auto-estima e autoconfiança reduzidas, idéias de culpa e inutilidade, visões desoladas e pessimistas de futuro, idéias ou atos autolesivos ou suicídio, sono perturbado e apetite diminuído (OMS, 1993). 19 A denominação do fenômeno bullying é definida como todas as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas adotadas por uma pessoa ou um grupo contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Tal forma de violência ocorre em uma relação desigual de poder, caracterizando uma situação de desvantagem para a vítima, a qual não consegue se defender com eficácia (ALBINO e TERÊNCIO, 2009). Para Fante (2005), o bullying é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, seja a propriedade de causar traumas ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos, assim como os outros tipos de violências O mesmo autor coloca que as conseqüências para as vítimas desse fenômeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar. No âmbito da saúde física e emocional, a baixa na resistência imunológica e na auto-estima, o stress, os sintomas psicossomáticos, transtornos psicológicos, a depressão e o suicídio (FANTE, 2005). Segundo Lopes Neto (2005) os sintomas e sinais a serem observados em alunos alvos de bullying são: enurese noturna, alterações do sono, cefaléia, dor epigástrica, desmaios, vômitos, dores em extremidades, paralisias, hiperventilação, queixas visuais, síndrome do intestino irritável, anorexia, bulimia, isolamento, tentativas de suicídio, irritabilidade, agressividade, ansiedade, perda de memória, histeria, depressão, pânico, relatos de medo, resistência em ir à escola, demonstrações de tristeza, insegurança por estar na escola, mau rendimento escolar e atos deliberados de auto-agressão. O tempo e a regularidade das agressões contribuem fortemente para o agravamento dos efeitos. O medo, a tensão e a preocupação com sua imagem podem comprometer o desenvolvimento acadêmico, além de aumentar a ansiedade, insegurança e o conceito negativo de si mesmo (LOPES NETO, 2005). Para os agressores ocorre o distanciamento e a falta de adaptação aos objetivos escolares, à supervalorização da violência como forma de obtenção de poder, o 20 desenvolvimento de habilidades para futuras condutas delituosas, além da projeção de condutas violentas na vida adulta. Para os “espectadores”, que é a maioria dos alunos, estes podem sentir insegurança, ansiedade, medo e estresse, comprometendo o seu processo socioeducacional (FANTE, 2005). Segundo Lopes Neto (2005) o agressor de bullying podem ser depressivos, inseguros e inoportunos, procurando humilhar os colegas para encobrir suas limitações. Este costuma adotar tais comportamentos: agressividade, hiperatividade, impulsividade, distúrbios comportamentais, dificuldades de atenção e desempenho escolar deficiente. A combinação da baixa auto-estima e atitudes agressivas e provocativas é indicativa de uma criança ou adolescente que tem como razão para a prática de bullying, provável alterações psicológicas, devendo merecer atenção especial (LOPES NETO, 2005). Fatores econômicos, sociais e culturais, aspectos da própria personalidade e influências familiares, de amigos, da escola e da comunidade, constituem riscos para a manifestação do bullying e causam impacto na saúde e desenvolvimento de crianças e adolescentes (LOPES NETO, 2005). Para Neto e Saavedra (2004) algumas condições familiares adversas parecem favorecer o desenvolvimento da agressividade nas crianças. Pode-se identificar a desestruturação familiar, o relacionamento afetivo pobre, o excesso de tolerância ou de permissividade e a prática de maus-tratos físicos ou explosões emocionais como forma de afirmação de poder dos pais. Em sua tese de doutorado Lisboa (2005) verificou que a agressividade individual é um fator de risco para a vitimização entre pares. Da mesma forma como na depressão infantil, este estudo pretende compreender o bullying como um fenômeno eminentemente social que vai acontecer sempre a partir de um contexto de relacionamentos, sem buscar inocentes ou culpados. Posteriormente será feita a análise com base nestes dados coletados. 21 4 POSSÍVEL RELAÇÃO ENTRE O BULLYING E A DEPRESSÃO INFANTIL Esta seção, assim como as anteriores, trata-se de verificar na literatura o que está sendo discutido, abordado e pesquisado desde 1994 até 2011. Não significa que a autora está conivente com as informações aqui relatadas através da pesquisa. A partir de dificuldade de encontrar estudos que objetivassem estudar a correlação entre bullying e depressão em língua portuguesa, a acadêmica procurou estudos em língua inglesa a fim de trazer contribuições de estudos em outros países, sendo os mesmos instrumentos para aprofundar a percepção da temática abordada. Nansel et al. (2001) descrevem que embora o contexto da violência entre os jovens americanos é uma preocupação mais atual, o assédio moral (bullying) é raramente abordado e não há dados nacionais1 disponíveis sobre a prevalência de bullying. Para isso os autores estudaram 15.686 alunos da 6ª a 10ª série em escolas públicas e privadas em todo os Estados Unidos e que completaram o Questionário de Comportamento da Organização Mundial da Saúde na Escola. O levantamento dos dados se deu durante a primavera de 1998 . Esta pesquisa teve como objetivo principal medir a prevalência de comportamentos de bullying entre os jovens dos Estados Unidos e assim determinar a associação de bullying e agressão com indicadores de ajustamento psicossocial, incluindo problemas de comportamento e adaptação escolar. O instrumento utilizado pautou-se em auto-relato dos alunos quanto ao envolvimento em ações de bullying. Os resultados obtidos por Nansel et al. (2001) mostraram que um total de 29,9% da amostra relataram envolvimento moderada ou frequente em bullying, como agressor (13,0%), vítima (10,6%) ou ambos (6,3%). Os meninos tinham maior probabilidade do que as meninas de serem tanto agressores como vítimas de bullying. A frequência do fenômeno foi maior entre a 6ª e a 8ª série do que entre a 9ª e a 10ª série nos alunos. As consequencias do bullying foram associadas com um ajustamento psicossocial ruim, no entanto, diferentes padrões de associações do fenômeno ocorreram entre os agressores, vítimas e agressoresvítimas. A partir destes dados, Nansel et al. (2001) concluíram que a prevalência de bullying 1 Neste caso entende-se nacional como Estados Unidos, aonde foi feita a pesquisa. 22 entre os jovens dos Estados Unidos é substancial. Dadas as dificuldades comportamentais e emocionais simultâneas provindas do assédio moral, bem como o potencial a longo prazo de resultados negativos para estes jovens, a questão do bullying merece atenção séria, tanto para futuras pesquisas e intervenção preventiva. De acordo com Lund et al. (2008) o bullying entre as crianças está associado com sintomas de depressão. Há pouco conhecimento sobre consequências de longo prazo oriundos das práticas de bullying. O objetivo do estudo foi examinar a associação entre o bullying na escola e depressão na meia-idade controlado para classe social de adultos e saúde mental dos pais. As análises foram baseadas na pesquisa de 2004 entre os homens nascidos em 1953 na Dinamarca (totalizando uma amostra de 6.094 pessoas). Informações sobre a depressão foram obtidas através do Inventário de Depressão Maior (MDI) (depressão prevalente) e por uma medida de depressão médico diagnosticada pela primeira vez entre as idades 31-51 anos. Informações sobre o bullying foi baseada em uma medida de recapitulização de bullying na escola categorizados em três dimensões: a ocorrência, intensidade e duração. Os resultados do estudo de Lund et al. (2008) apontaram que em comparação a indivíduos que nunca haviam sido intimidados, os expostos ao bullying na escola tinham um risco significativamente aumentado de terem sido diagnosticados com depressão entre as idades 31-51 anos. A longa duração e a alta intensidade de bullying foram fatores de risco para a depressão. A inclusão de fatores de possíveis confusões (a doença mental dos pais) atenuou levemente as associações, mas, as associações se mantiveram estatisticamente significativas. Diante disto, os autores concluíram que a comparação da incidência de longo prazo de depressão entre homens de meia idade que sofreram altos e baixos níveis de bullying na escola pode indicar que ser vítima deste fenômeno na escola é um fator que contribui para o desenvolvimento de depressão. Estudos longitudinais prospectivos são necessários para confirmar o efeito de bullying na escola sobre a depressão de adultos (LUND et al. 2008). Para West e Salmon (2000) o bullying é comum nas escolas e é frequentemente visto como uma parte inevitável da vida escolar. Crianças que são maltratadas tendem a ser mais ansiosas e inseguras do que seus pares. Os autores relatam o caso de um menino de 13 anos de idade que foi intimidado a partir da idade de 9 e apresentado à Equipe de Saúde 23 Mental do Adolescente e da Criança (CAMHS) com uma depressão psicótica. A melhora clínica e re-integração na escola foi alcançada pelo uso de medicação psicotrópica e através de trabalhos na construção de auto-estima para que o paciente poderia afirmar-se, tanto com colegas quanto com adultos. Há evidências que sugerem que crianças e adolescentes que são vítimas de bullying têm aumentado as taxas de referência para o CAMHS, particularmente com sintomas de depressão (WEST e SALMON, 2000). Craig (1998) cita em seu artigo que os resultados de Olweus (1991) levaram à descoberta que a agressão entre meninos de 13 a 16 anos está assossiada à depressão. O autor ainda coloca que Neary e Joseph (1994) acharam a mesma correlação de agressãodepressão em meninas com idades parecidas. Craig (1998) ainda coloca que Slee (1995) em sua pesquisa constatou associação entre vitimização e depressão em amostras compostas por meninos e meninas. De acordo com Craig (1998) como o bullying cuja definição envolve relações socias (embora negativas) e ocorre com frequência na presença de outros, a ansiedade "social" foi alvo de sua pesquisa. Silverman La Greta & Wassterin (1995 citado em Craig, 1998) argumentam que a característica crítica da ansiedade é a exposição repetida aos estímulos em que um indivíduo descobre que há uma probabilidade de perigo ou dano. No entanto, este estudo revela que a depressão avaliada seja resultado de uma função da vitimização repetida. Todavia, nenhuma das estratégias agressivas ou tipos de vitimização prevêem depressão. Desta forma, a depressão pode ser uma função do funcionamento mais geral, não especificamente relacionados com o bullying e a vitimização. Por fim, Craig (1998) conclui que como o bullying e a vitimização continuam ao longo do tempo, as crianças vítimas pesquisadas podem aumentar seus sentimentos de ansiedade (ou seja, a antecipação de um futuro bullying). Além disso, eles podem vir a se ver como merecedores destes ataques dos colegas, o que contribuiria para o desenvolvimento da depressão e sensação de desamparo. Em outras palavras, para as vítimas, há uma relação cíclica negativa entre ansiedade e vitimização. Da perspectiva dos agressores, este aumento da ansiedade pode servir para reforçar ainda mais a prática de "comportamentos negativos" e aumentar a probabilidade de futuros ataques. Também é interessante notar que os 24 agressores pesquisados tinham níveis de ansiedade significativamente menor do que as vítimas. Os dados de Salmon, James e Smith (1998) defendem a ideia de que as crianças vítimas de bullying são mais ansiosos e agressores são menos ansiosos do que seus pares. Os autores ainda colocam que a ansiedade por fazer parte do quadro dos sintomas depressivos pode ter relação das agressões com a depressão. Seals e Young (2003) relatam que seus estudos2 revelaram que os escores médios de agressores e vítimas não foram significativamente diferentes, no entanto, ambos os agressores e as vítimas tinham escores de depressão significativamente maior do que os outros colegas que não eram nem agressores nem vítimas do fenômeno. Os achados deste estudo em relação à depressão estão de acordo com os relatados por Slee (1995 citado em Seals e Young, 2003) e outros (Duncan, 1999; Tritt e Duncan, 1997 citado em Seals e Young, 2003), que constatou que as vítimas estavam mais deprimidos do que os agressores e os estudantes não envolvidos em bullying, mas que de alguma forma participaram de bullying (espectadores) também mostrou um grau de depressão. Neste estudo apresentado a cima, ambos os agressores e as vítimas estavam mais deprimidas do que os alunos que não eram nem agressores nem vítimas. Isto tem implicações para educadores em que a depressão é muitas vezes associada a comportamentos auto-destrutivos e interação social diminuída, bem como com diminuição do desempenho acadêmico (SEALS e YOUNG, 2003). Para Slee (1995) a vitimização é cada vez mais reconhecida em todo o mundo como um aspecto que pode ser prejudicial psicologicamente, deteriorando fisicamente, e isolando socialmente da vida escolar em um contexto relativamente pequeno, mas, significativo no espaço infantil. O principal objectivo do estudo de Slee (1995) foi examinar a relação entre três dimensões das relações das crianças por pares, ou seja, a tendência a serem vítimas, a serem agressores e a depressão oriunda do afastamento social. Questionários foram 2 Os pesquisadores utilizaram três instrumentos para coleta de dados: o Peer Questionnaire Relations (PRQ; Rigby & Slee, 1995), o Rosenberg Self-Esteem Scale (RSE; Rosenberg, 1965) e o Inventário de Depressão Infantil (CDI; Kovacs, 1983). 25 aplicados a 353 estudantes do ensino fundamental com intuito de avaliar várias dimensões das relações entre pares e depressão. Como previsto pelo autor, a tendência de ser vítima foi significativamente associada à depressão. Curiosamente houve também uma associação significativa entre a depressão e os que tendem a ser agressores. Os achados apontam para a necessidade de identificação precoce e intervenção com as crianças em risco para problemas de relacionamento com os colegas (SLEE, 1995). Kumpulainen et al. (1998) colocam que suas descobertas indicam que as vítimas têm internalização de sintomas psiquiátricos. Isto, segundo os autores, é bastante compreensível e esperado: é fácil de compreender que os sintomas surgem quando há internalização bullying (provavelmente de longa duração). Também é possível que uma depressão existente torna as crianças mais propensas ao bullying. Há resultados que mostram que as vítimas têm baixa auto-estima (Boulton e Smith, 1994 citado em Kumpulainen et al., 1998), e são imaturos, solitários, têm menos habilidades de comunicação, e apresentam dificuldades em resolução de problemas (McClure e Shirataki, 1989 citado em Kumpulainen et al., 1998). Frekkes, Pijpers e Verloove-Vanhorick (2004) se designaram a analisar a associação entre o comportamento de bullying e uma grande variedade de queixas de saúde psicossomáticas e depressão. O estudo é caracterizado como transversal, participaram 2.766 crianças em idade escolar primária, de 9 a 12 anos. Os alunos preencheram um questionário sobre o comportamento de bullying e queixas de saúde. Três grupos – agressores, vítimas, e crianças que sofrem e provocam bullying – foram comparados com o grupo de crianças que não estão envolvidos em comportamento deste fenômeno. Posteriormente, os riscos de sintomas psicossomáticos e depressão foram calculados com base nessas categorias. Assim, os resultados de Frekkes, Pijpers e Verloove-Vanhorick (2004) constataram que as vítimas tiveram chances significativamente maiores de depressão e sintomas psicossomáticos em comparação com crianças que não estão envolvidos em comportamento de bullying. Os principais sintomas encontrados nos grupos foram os seguintes: dor de cabeça; problemas de sono; dor abdominal; enurese; sensação de cansaço; e depressão. Os autores ainda consideram que crianças que ativamente são agressores não têm uma chance maior para a maioria dos sintomas de saúde investigados. Os autores 26 propõem que o fato de ser vítima deste fenômeno está fortemente associado a uma ampla gama de sintomas psicossomáticos e depressão. Estas associações são semelhantes às queixas conhecidas para ser associada com abuso infantil. Portanto, quando as queixas de saúde são apresentadas a pediatras e outros profissionais de saúde, estes também devem estar cientes da possibilidade de que uma criança está sendo vítima de bullying e os mesmos devem tomar medidas preventivas (FREKKES, PIJPERS e VERLOOVE-VANHORICK, 2004). Swearer et al. (2001) examinaram as diferenças entre agressores, vítimas, e agressores-vítimas na internalização da depressão e da ansiedade. Entre os participantes, 133 (66 do sexo masculino e 67 feminino) da 6ª série, alunos de uma escola do ensino fundamental do centro-oeste dos Estados Unidos, com idades variando de 11 a 13 anos. Os resultados iniciais indicam diferenças entre agressores, vítimas, agressores-vítimas e estudantes sem contato com o fenômeno (nem vítimas, nem agressores) em termos de depressão e ansiedade. Especificamente, agressores-vítimas e agressores tinham mais probabilidade de serem deprimidos do que vítimas e outros alunos. Os agressores-vítimas e as vítimas estavam mais propensos a apresentar sintomas ansiosos do que agressores e os outros estudantes. Assim, surgiu um padrão interessante com relação a interiorização da psicopatologia. Agressores-vítimas podem ser o subtipo mais prejudicado com relação à depressão e ansiedade segundo Swearer et al (2001). Para Gladstone, Parker e Malhi (2006) há pouca pesquisa empírica examinando os correlatos históricos e clínicos da exposição do bullying na infância e as suas consequências em indivíduos adultos. Usando uma avaliação clínica estruturada, os autores estudaram um grupo de homens e mulheres adultos que apresentassem quadro de depressão para examinar os fatores de risco na infância e as características distintivas comórbidas associadas com os relatórios de exposição ao bullying. Os autores constataram que pouco mais de um quarto dos homens e das mulheres relataram ter sofrido bullying de forma grave e traumática. Várias outras questões da entrevista também revelaram vários outros fatores de risco na infância. A correlação da infância, que foram particularmente relevantes para a exposição ao bullying, foram demonstradas como a super proteção e controle abusivo por parte dos pais, doença ou deficiência, e, a tendência de ter um temperamento inibido no início da vida. A experiência 27 do bullying na infância foi fortemente relacionada a altos níveis de ansiedade comórbida, e maior prevalência de ambos a fobia social e agorafobia. Independente de outros fatores de risco na infância, a exposição ao bullying foi especialmente preditivo dos níveis mais elevados de ansiedade em estado geral além da tendência para estar ansioso quando se está sob estresse. Estes resultados são compatíveis com ambos os estudos transversais e prospectivos das amostras com crianças e adolescentes. Assim é possível destacar a importância do potencial etiológico da vitimização nas experiências iniciais de pares para uma percentagem de adultos que sofrem de depressão com ansiedade comórbidos (GLADSTONE, PARKER e MALHI, 2006). Ivarsson et al. (2005) estudaram uma amostra de 237 adolescentes na escola secundária. A amostra respondeu um questionário sobre o bullying referentes a ser vítima, agressor, ideação suicida e outras informações biográficas. Sintomas psicológicos foram avaliados pelo Relatório de Auto-Juventude (YSR) e da Escala de Auto-Avaliação da Depressão (DSRS) suplementado por agentes de saúde escolar para avaliação extra. O fenômeno bullying foi presente em: agressores (18%), vítima (10%) e agressor-vítima (9%). Agressores tinham primordialmente externalização de sintomas (delinqüência e agressão) e o grupo de agressores-vítimas ambos de externalização e internalização sintomas, bem como altos níveis de suicídio. Adolescentes no grupo de agressores apenas tinham mais chances de serem meninos e ter problemas de atenção. Além disso, uma proporção substancial dos adolescentes no grupo de vítimas só foi julgada pelo oficial de saúde da escola a ter sintomas psiquiátricos e a dificuldades da função social. Em seus estudos, Kaltiala-Heinof et al. (2000) avaliaram cerca de 9.000 alunos de 14-16 anos de idade, adolescentes finlandeses, que participam no Estudo de Promoção de Saúde Escolar. O estudo objetivou investigar sobre o bullying e a vitimização em relação aos sintomas psicossomáticos, depressão, ansiedade, distúrbios alimentares e uso de substâncias. Os resultados mostraram que um total de 9% das meninas e 17% dos rapazes estavam envolvidos em bullying em uma proporção semanal. Sintomas de depressão, ansiedade e outros de cunho psicossomático foram mais freqüentes entre os agressoresvítimas e igualmente comum entre agressores e vítimas. Beber frequentemente em excesso e o uso de outras substâncias foram mais comuns entre os agressores e, posteriormente, 28 entre agressores-vítimas. Entre as meninas, os transtornos alimentares estão associados com o envolvimento em atos de bullying em qualquer papel, entre meninos com sendo agressores-vítimas. O fenômeno, segundo os autores, deve ser visto como um indicador de risco de vários transtornos mentais na adolescência. Agressores, vítimas e espectadores de bullying foram estudados por Roland (2002). Em sua pesquisou e comparou sintomas depressivos e pensamentos suicidas relacionados ao fenômeno. A amostra incluiu 2.088 meninos e meninas noruegueses da 8 ª série. Os resultados revelaram que ambos os agressores e as vítimas tinham significativamente escores maiores (médios) que os alunos espectadores sobre os sintomas depressivos e pensamentos suicidas. Vítimas tiveram uma pontuação média significativamente maior em pensamentos depressivos do que os agressores. Sobre pensamentos suicidas, a pontuação média para os “valentões” era superior ao das vítimas, mas isso não teve diferença significativa. Meninas tiveram escores médios significativamente mais elevados do que os meninos sobre os sintomas depressivos e os pensamentos suicidas. Questões de causalidade entre os sintomas depressivos, pensamentos suicidas e envolvimento em bullying são pouco discutidos e pesquisas sobre este tema são sugeridos pelo autor. Embora tenha aparecido na literatura pesquisada uma relação de gênero, optou-se por não aprofundar essa discussão já que o gênero não é foco deste estudo, e portanto não interfere nos resultados do trabalho. Bond et al. (2001) propuseram estabelecer a relação entre a vitimização de pares recorrentes ao fenômeno do bullying e ao aparecimento de sintomas auto-relatados de ansiedade ou depressão nos primeiros anos da adolescência. O estudo teve duração de dois anos nas escolas secundárias em Victoria, Austrália. Participaram da pesquisa 2.680 estudantes do 8º ano e do 9 º ano. O método utilizado foi a entrevista clínica e os participantes eram escolhidos de acordo com o envolvimento com o bullying (vitimização ou agressão prévia ao estudo). A prevalência de vitimização segundo levantamento do 8º ano foi de 51% e prevalência de sintomas auto-relatados de ansiedade ou depressão foi de 18%. A incidência de auto-relato de sintomas de ansiedade ou depressão no 9 º ano (7%) foi significativamente associada com a vitimização. A vitimização recorrente permaneceu preditiva de sintomas 29 auto-relatados de ansiedade ou depressão para as meninas, mas não para os meninos. No entanto, a vitimização relatada no 9º ano não foi associada com os sintomas de ansiedade e depressão (BOND et al. 2001). Os autores citados acima concluíram que uma história de vitimização e de comprometimento nas relações sociais prediz o aparecimento de problemas emocionais em adolescentes. Problemas emocionais anteriormente recorrentes não são significativamente relacionados com a vitimização futura. Para os autores, estes resultados têm implicações para a seriedade com que a ocorrência da vitimização é tratada e para o foco das intervenções destinadas a resolver problemas de saúde mental em adolescentes (BOND et al. 2001). Ressalta-se aqui que este estudo, embora feito com adolescentes, ainda se faz dado desta pesquisa pelo fato de a linha que difere a infância da adolescência é peculiar de sujeito para sujeito. De acordo com Neary e Joseph (1994) o bullying é pensado como um fenômeno generalizado nas escolas, que muitas vezes tem graves consequências psicológicas para aqueles que são vítimas. Há necessidade, portanto, identificar as crianças que estão sendo intimidadas. O objetivo do estudo destes autores, portanto, foi desenvolver uma escala de auto-relato breve. A escala de 6 itens foi desenvolvida a partir do Perfil de Autopercepção para Crianças. 60 alunas foram avaliadas e os escores mais altos na escala foram associados com pior percepção de auto-estima e competência em uma variedade de domínios específicos, bem como uma maior depressão. Para Klomeka et al. (2008) pouco se sabe sobre a associação entre o comportamento de bullying na infância com depressão e ideação suicida aos 18 anos. Em seu estudo, os autores contaram com uma amostra que incluiu 2.348 meninos nascidos em 1981. Informações sobre o bullying foram recolhidas através de auto-relato, relato dos pais e relatórios do professor. Depressão e ideação suicida foram avaliados durante o exame finlandês de convocação militar. Com base em modelos de regressão, os meninos que foram agressores frequentemente, mas não apenas, por vezes, eram mais propensos a ser severamente deprimidos e relatar ideação suicida em comparação com os meninos que não eram participantes do fenômeno do bullying. Os dados quando analisados na infância da amostra, mostrou uma relação sólida entre o bullying e a depressão, no entanto a ideação 30 suicida não foi significativa. Meninos que eram apenas vítimas não tinham mais probabilidade de ficarem deprimidos ou relataram ideação suicida aos 18 anos. Em meninos que eram freqüentemente agressores-vítimas foi constatado um risco para depressão posterior (KLOMEKA et al. 2008). A descoberta de Klomela et al. (2008) só pode ser generalizada para os meninos que estavam envolvidos com o bullying em idade escolar primária. Os dados obtidos aos 18 anos eram baseados apenas em auto-relatos e a respeito da intimidação/vitimização, foram feitas perguntas muito gerais. Os autores então concluem que o comportamento infantil do bullying é um fator de risco para a depressão mais tarde. Uma triagem e intervenção para o comportamento do bullying no período escolar precoce é recomendado para evitar problemas de internalização subsequentes no final da adolescência (KLOMEKA et al. 2008). De acordo com Kim et al. (2006), uma relação causal entre o bullying escolar e comportamento psicopatológico tem sido o foco do debate substancial. Estudos anteriores não conseguiram reunir provas de causalidade em qualquer direção, em grande parte devido a restrições metodológicas tais como desenhos estudo transversal, variância de método e as insuficiências analíticas. Em seu estudo, portanto, objetivou determinar a direção da relação causal entre o comportamento psicopatológico e bullying escolar. Participaram da coleta de dados duas escolas de ensino médio coreanas. Contou com um total de 1.655 alunos de 7ª e 8ª série entre os anos de 2000 e 2001. As principais medidas da escola acerca do bullying foram avaliadas por indicação dos colegas da amostra, e sete subescalas do relatório Youth Self-coreano foram utilizados para identificar sintomas de comportamentos psicopatológicos. O bullying escolar foi categorizado em 4 grupos: vítimas, agressores, agressores-vítimas e nenhum dos dois. A Tscore sobre o relatório Youth Self-coreano foi superior a 65 foi considerado como um indicador clinicamente significativo. De acordo com os autores, os problemas sociais aumentam o risco de se tornar uma vítima ou um agressor-vítima, e essas associações desapareceram quando o status de referência de bullying foi ajustado. Dez meses depois, os indivíduos que foram vítimas no início do estudo mostraram aumento do risco de problemas sociais, aqueles que foram considerados agressores tinham aumentado a agressão, e os agressores-vítima haviam aumentado a agressão e problemas de externalização. As análises 31 que examinaram a história de exposição forneceram evidências adicionais para o efeito causal da experiência de bullying no desenvolvimento de comportamentos psicopatológicos, porque a maioria das formas de comportamento psicopatológico levou ao assédio moral através do relatório Youth Self-coreano. No entanto, a maioria das formas de surgimento de comportamentos psicopatológicos foi associada com a experiência antecedente de bullying (KIM et al. 2006). Os resultados do estudo acima permitem concluir que o comportamento psicopatológico, incluindo problemas sociais, agressividade e problemas de externalização de comportamento, é uma consequência e não uma causa de experiências bullying. Esta relação causal é suportada pela força e especificidade da associação e da antecedência temporal de bullying. Isto devido ao bullying escolar ser um conhecido correlato de violência juvenil, tal constatação acrescenta maior urgência para a busca de programas para prevenir ou diminuir o bullying entre escolares (KIM et al. 2006). Mills et al. (2004) examinou a prevalência de sintomas depressivos, incluindo ideação/comportamento suicida entre jovens que sofrem bullying e aqueles que não sofrem do fenômeno. Participaram 209 estudantes, sendo eles 97 meninos e 112 meninas matriculados regurlamente na 8ª série escolar com idades entre 12 e 15 anos. Os participantes foram entrevistados através do Schedule for Affective Disorders e o Schizophrenia for School Aged Childrem e as escalas de ideação e comportamento suicida para crianças (the Hoplessness Scale for Childrem). Os resultados apontam que ser vítima de bullying demonstra significativa associação com a depressão e ideação suicida. Os resultados também indicaram que as vítimas mostraram ter mais probabilidade de comportamentos suicidas. Por fim, as vítimas parecem procurar mais serviços psiquiátricos. Os autores então concluem que os achados sugerem que o problema que é o bullying precisa ser mapeado dentro de território nacional, em todas as escolas para que se possam criar intervenções e fazer futuras pesquisas sobre as consequências psicológicas causadas pelo fenômeno (MILLS et al. 2004). 32 Van Der Wal, Wit e Hirasing (2003) avaliaram a associação entre bullying (direto e indireto3) e indicadores de saúde psicossocial para os meninos e meninas separadamente. A pesquisa foi feita em uma escola com base em inquérito por questionário de bullying, depressão, ideação suicida e comportamento delinquente em escolas primárias em Amsterdam, Holanda. A amostra contou com um total de 4.811 crianças de 9 a 13 anos. Os resultados de Van Der Wal, Wit e Hirasing (2003) apontaram que a depressão e a ideação suicida são resultados comuns de ser vítima de bullying em ambos os meninos e as meninas. O fato de ser vítima direta teve um efeito significativo sobre a depressão e ideação suicida em meninas, mas não nos meninos. Meninos e meninas agressores de bullying mais frequente foi observado um comportamento delinqüente. Os autores ainda ressaltam que o bullying direto é um fator de risco muito maior do comportamento delinquente do que o bullying indireto. Isso foi constatado tanto para meninos quanto para meninas. Meninos e meninas agressores também relataram, mais frequentemente sintomas depressivos e ideação suicida. Os dados obtidos levam a conclusão que a associação entre bullying e a saúde psicossocial difere principalmente entre meninas e meninos, bem como entre as formas diretas e indiretas de bullying. Os autores então propõem que intervenções que visem a diminuição do fenômeno devem prestar atenção a estas diferenças para melhorar a eficácia (VAN DER WAL, WIT e HIRASING, 2003). Rigby (1994) se propõem a examinar o funcionamento do relacionamento familiar e o envolvimento de alunos adolescentes em bullying (tanto vítimas quanto agressore). Estudantes australianos do ensino médio com idades entre 13 e 16 anos completaram um Questionário de Funcionamento da Família em Adolescência (FFAQ) como uma medida do bem-estar psicossocial de suas famílias. Os estudantes também foram classificados com base em auto-relatos como agressores (9%), vítimas (11%), agressores e vítimas (2%), e outros (78%). 3 Entende-se bullying direto como aquele em que há participação efetiva (caso dos agressores e vítimas) e; bullying indireto como aquele que não há participação efetiva (caso dos espectadores). 33 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de todo material levantado pode-se então chegar à conclusão de que a literatura pesquisada sugere que as práticas de bullying tanto para agressores quanto para vítimas e até para os que sofrem e provocam o fenômeno podem gerar sintomas depressivos e inclusive ansiosos. No entanto, este estudo pretende refletir de forma crítica sobre esse olhar da literatura, já que na perspectiva deste trabalho tanto o bullying quanto a depressão infantil são considerados fenômenos sociais e que, portanto, sempre vão surgir a partir de um contexto de relação, não podendo ser analisados fora dele. No entanto, de maneira geral, pode-se dizer que a literatura tende a adotar viés para compreender essa associação à uma linearidade causal entre o fenômeno do bullying e ao aparecimento da sintomatologia depressiva em crianças. A principal questão que fundamenta essa afirmação é que a maioria dos textos pesquisados trata somente do fenômeno de forma clínica individual, sem nem ao menos apontar para as questões das escolas, dos profissionais envolvidos (educadores, etc.), e nem para as questões familiares. É interessante notar que apenas um artigo tratou de estudar as interações familiares em crianças envolvidas em bullying. Portanto é significativa a escassez de estudos que vão adotar uma perspectiva social para compreender esses fenômenos. O questionamento a ser fazer então é: o que seria este olhar social acerca do fenômeno do bullying e da depressão? Primeiramente, ao observar as vítimas (e por vezes os agressores) recorrentes do fenômeno pode-se perceber que a maioria das crianças não condiz com o comportamento ou com a aparência esperada pela sociedade. Em suma, a grande parte dos afetados diretamente pelo bullying é, de alguma forma, considerado diferente. Em alguns casos são mais gordinhos, mais baixinhos, com o cabelo diferente da maioria, com vestimentas e gostos que se afastam dos padrões da sociedade e até mesmos os que gostam de estudar ou não são tão extrovertidos, são alvos das agressões. Tritt e Duncan (1997) em seus estudos pesquisaram os níveis de auto-estima em jovens adultos que na infância foram agressores, aqueles que foram as vítimas, e as crianças que não estavam envolvidas com o fenômeno. No entanto, os resultados mostram que 34 adultos agressores e suas vítimas relataram solidão e baixa auto-estima em proporções mais significativas do que aqueles que não estão envolvidos em situações de bullying. É importante considerar que, embora essa seja a opinião dos referidos autores, é delicado fazer afirmações dessa natureza, já que muitos outros fatores podem ter contribuído para isso e este estudo se propõe a criticar essa linearidade encontrada na literatura. Dessa forma, a razão para essa baixa auto-estima pode estar ligada com a imagem corporal que o sujeito tem dele mesmo. De acordo com Cash (1993 citado em Almeida, Loureiro e Santos, 2002) a imagem corporal é referida à experiência psicológica do sujeito sobre seu corpo e seu funcionamento. O sentimento de descontentamento do peso (que em muitos casos resultam em imagem corporal negativa) é sucedido de pressões culturais que dão ênfase na magreza e estigma social da obesidade. A indústria cultural pelos meios de comunicação encarrega-se de criar desejos e reforçar imagens padronizando corpos. Olhares vão de encontro ao corpo na contemporaneidade sendo moldado por atividades físicas, cirurgias plásticas e tecnologias estéticas. Dada a preocupação crescente do corpo masculino perfeito e o crescente uso de esteróide (entre outras substâncias similares) entre os homens jovens, Tager, Good e Morrison (2007) consideraram este um fator alarmante e assim exploraram as associações entre a imagem corporal, normas masculinas e bem-estar psicológico. Seu estudo analisa as correlações entre essas construções em 101 estudantes universitários do sexo masculino. Os resultados revelaram associações significativas entre a aparência física dos participantes a aspectos de bem-estar psicológico. A auto-aceitação foi constatada como correspondente de cerca de 20% na avaliação da aparência dos sujeitos. A imagem corporal se correlacionou positivamente a norma masculina de dominação. No entanto, uma correlação negativa foi observada entre a vitimização na infância e imagem corporal. Os participantes do estudo que se consideravam acima do peso relataram menor auto-aceitação do que os participantes que se consideravam abaixo do peso. Ou seja, estes resultados suportam a hipótese de que a imagem corporal tornou-se um preditor significativo de bem-estar psicológico em homens jovens e que o fato de terem sido alvo de gozações na escola está ligado ao seu bem-estar psicológico na fase jovem (TAGER, GOOD e MORRISON, 2007). 35 Se entendermos o bullying como um fenômeno construído socialmente, podemos pensar que o ser coletivo contemporâneo cada vez mais exige que seus integrantes na sociedade se vistam de forma parecida, tenham os mesmo gostos, escutem as mesmas músicas, se admitam todos iguais e “comportados”, que tenham todas as pessoas características físicas similares. Enfim, o esperado pela sociedade atual não considera a peculiaridade de cada um, o que torna todos nós diferentes. A preocupação com este social, exigente de uma homogeneidade entre todos os sujeitos aumenta cada vez mais, uma vez que os problemas psicológicos, físicos e até sociais provindos deste são dados alarmantes. Smolak (2004) coloca que durante as últimas duas décadas, tem havido uma explosão de pesquisas sobre imagem corporal em crianças e adolescentes. O autor coloca que a preocupação de pesquisar a imagem corporal em pessoas na fase infantil e adolescente vem da suposição de que a insatisfação corporal na infância e adolescência cria um risco para o desenvolvimento da imagem corporal e distúrbios alimentares, bem como a depressão na idade adulta. Staffieri (1997) investigou 90 crianças do sexo masculino entre 6 a 10 anos de idade. Esta amostra foi convidada a atribuir 39 adjetivos diferentes de comportamento/traços de personalidade para silhuetas que representavam imagens de corpos endomorfo4, mesomorfo5 e ectomorfo6 e tipos de corpo. Os resultados indicam claramente um estereótipo comum de traços de comportamento/personalidade associados com vários tipos de corpo, todos os adjetivos significativos atribuídos à imagem mesomorfa foram favoráveis; os adjetivos atribuídos a endomorfa foram desfavoráveis (socialmente); os adjetivos atribuídos ao ectomorfa eram principalmente desfavorável (pessoalmente) e de um tipo geralmente socialmente submissa. Além disso, os sujeitos mostraram uma clara preferência 4 Corpo de pessoas de elevado peso corporal que têm tendência a acumular gordura, de formas arredondadas, abdômen saliente e braço e pernas proporcionalmente curtos. 5 Corpo que aparece nas revistas e que hoje é o padrão de beleza, ressaltam a magreza (não extrema) e o aparecimento de músculos. 6 Corpo tipo longilíneo (estilo modelos de passarela). 36 para se parecer com a imagem mesomorfa e demonstraram uma precisão razoável na percepção de seus tipos próprio corpo. Além de causar um desconforto para aqueles que não se enquadram nos padrões impostos, a pressão continua para aqueles que se adequaram não saiam mais para a zona do diferente. Esta situação juntamente com as consequências nos níveis físico, social e psicológico gera uma grande mobilização dos profissionais na área da saúde, educação entre outras. Os transtornos constatados nessa pesquisa (depressão, ansiedade e possíveis transtornos alimentares) mobilizam um investimento absurdo para o tratamento dessas questões. Dados divulgados em 2009 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, nos próximos 20 anos, a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo, afetando mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde, incluindo câncer e doenças cardíacas. Segundo a OMS, a depressão será também a doença que mais gerará custos econômicos e sociais para os governos, devido aos gastos com tratamento para a população e às perdas de produção. O episódio depressivo maior é uma preocupação considerável para a saúde pública em todas as regiões do mundo e tem ligação com as condições sociais. Já que de alguma forma pode-se constatar que o bullying pode sim causar sintomatologia depressiva, o que se propõem são ações preventivas para que a depressão (ao menos quando associada ao fenômeno) esteja em foco e que possa proporcionar uma vida adulta com menos riscos. Ainda assim, esta prevenção não pode ser pensada apenas no sentido de tratar os envolvidos com o bullying. Além da literatura apontar que os espectadores também sofrem (menos que os agressores e vítimas), a mudança do comportamento social das crianças é alvo dessas ações. O que deve ser considerado, segundo proposta desta pesquisa, é o ambiente social. De nada vale proporcionar tratamento para os agressores e vítimas somente. Os prejuízos psicológicos podem afetar todo o contexto escolar, familiar e social. Caso as medidas preventivas sejam focadas para trabalhos individuais, de nada vão adiantar. O fato do bullying estar em destaque na mídia pode ser aproveitado para expandir o conhecimento científico acerca desta temática e assim conscientizar não só os envolvidos, mas todas as pessoas. Outras medidas como o acompanhamento com as famílias é 37 fundamental. Embora não foram encontrados muitos dados empiricamente comprovados sobre o sofrimento da família em relação ao bullying não significa que esse sofrimento não possa existir neste contexto. Outro campo importante a ser levado em consideração é o ambiente escolar. Em primeiro lugar questiona-se até que ponto os educadores estão preparados e se sabem lidar com este fenômeno dentro e fora da escola. Reflete-se também sobre a posição da direção das escolas a respeito do fenômeno. Mais uma vez a falta de bibliografia a respeito dificulta a discussão dos dados, uma vez que não se pode apenas supor os fatos, mas constatá-los. Uma variedade de intervenções pode ser trabalhada a partir dos dados levantados. A sugestão para futuras pesquisas que objetivem analisar o contexto social nas interações sociais em que o fenômeno do bullying esteja presente juntamente com a análise do contexto familiar e escolar é de suma importância para que as ações preventivas possam ter sucesso afim de baixar as estatísticas de pessoas depressivas que sofreram bullying. Pode-se dizer também que os objetivos foram alcançados uma vez que foi possível constatar uma possível relação. A literatura aponta para dados que de alguma forma tentam estabelecer uma relação entre o fenômeno do bullying e a depressão infantil. Isto sempre visto a partir de um enfoque social. Habilidades como a própria pesquisa bibliográfica especialmente em literatura provinda da língua inglesa foram adquiridas através deste trabalho. O mais importante foi poder desenvolver o olhar social para o fenômeno estudado e saber proporcionar uma análise crítica sobre os dados coletados. 38 REFERÊNCIAS ALBINO, P. L.; TERÊNCIO, M. G. Considerações críticas sobre o fenômeno do bullying: do conceito ao combate e à prevenção. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense, nº 15, 2009, pp.169-195. ALMEIDA, G. A. N.; LOUREIRO, S. R.; SANTOS, J. E.; A imagem corporal de mulheres morbidamente obesas avaliadas através do Desenho da Figura Humana. Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol.15, nº 2, 2002. pp. 283-292. ALMEIDA, K. L.; SILVA, A. C. E.; CAMPOS, J. S. Importância da identificação precoce da ocorrência do bullying: uma revisão de literatura. Revista de Pediatria. nº 9, vol. 1, 2008. pp. 8-16. BAHLS, S. C. Aspectos clínicos da depressão em crianças e adolescentes: características clínicas. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, nº 5, vol. 78, 2002 . 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