boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, julho - nº i - setembro de 2015 Estado de Conservação das Aves Brasileiras Conhecer o estado de conservação das espécies é um passo importante na gestão da biodiversidade de um país. Pag.5 CEMAVE NEWS - Formação Profissional. Pag 4 Planos de Ação Nacional: estratégia governamental para a conservação da fauna ameaçada de extinção. Pág. 7 Uso de geolocalizadores em pesquisas com aves. Pág. 9 A Febre do Nilo Ocidental e as aves silvestres e seus efeitos no Brasil. Pág. 13 - nº i - setembro de 2015 boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, julho 2 Apresentação João Luiz Xavier do Nascimento Coordenador do CEMAVE É com satisfação que voltamos a publicar o informativo eletrônico do CEMAVE, Migrante, cuja periodicidade será trimestral. Desde a nossa última edição, mudanças institucionais importantes ocorreram visando o aprimoramento da qualidade dos serviços e produtos desenvolvidos pelo Centro. Com a atualização dos locais de funcionamento dos Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação do ICMBio e o detalhamento das suas atribuições através da Portaria ICMBio No 16, de 2/3/2015, o CEMAVE passa a ter como objetivo a realização de pesquisas científicas e ações de manejo para conservação e recuperação de espécies de aves ameaçadas e migratórias, e de monitoramento de seu estado de conservação, com ênfase nos impactos de empreendimentos e demais atividades antrópicas, assim como auxiliar no manejo das Unidades de Conservação Federais, por meio de estudos e monitoramento para conservação da sua biodiversidade de aves. Para o cumprimento do seu objetivo o Centro está estruturado em áreas temáticas seguindo a lógica de processos institucionais cíclicos: as de Geoprocessamento e de Gestão do SNA organizam bancos de dados, atualizam e realizam análises e elaboram documentos e mapas, os quais subsidiam os processos de avaliação do estado de conservação das aves brasileiras e de elaboração dos planos de ação nacionais para conservação de espécies ameaçadas de extinção e migratórias pelas respectivas áreas afins. Para ilustrar a nossa atuação, O Migrante traz matérias sobre as Áreas Temáticas de Avaliação do Estado de Conservação das Aves e dos Planos de Ação para Conservação de Aves Ameaçadas e Migratórias. Também, uma esclarecedora nota sobre o uso da técnica de marcação com geolocalizadores e sobre a ocorrência do Vírus do Oeste do Nilo no Brasil. Boa leitura a todos. www.icmbio.gov.br/cemave 3 espaço do anilhador FORMAÇÃO PROFISSIONAL Cursos de Capacitação Dando continuidade à política de formação profissional do CEMAVE, que visa ao contínuo aprimoramento do seu quadro de servidores, destacamos os principais eventos de capacitação promovidos pelo ICMBio em 2015 e que contaram com a participação de servidores do Centro. A Bióloga Priscilla Prudente do Amaral participou do Federal Rural de Pernambuco, com o título “Avaliação da Curso “Aplicação de critérios da UICN para avaliação do avifauna e seus patógenos em Unidades de Conservação estado dez conservação da fauna Brasileira”. O curso da Caatinga e Mata Atlântica do Nordeste do Brasil”, sob foi realizado na ACADEBIO – Academia Nacional da a orientação do Prof. Dr. Jean Carlos Ramos da Silva. Biodiversidade, em Iperó São Paulo, em maio deste ano. Priscilla coordena o processo de avaliação do estado de conservação das aves brasileiras. O Geógrafo Murilo Sérgio Arantes participou, em agosto, do curso de capacitação em Geoprocessamento com QGIS. O curso foi realizado na ACADEBIO e abordou o uso do programa QuantumGis, que será adotado pelo Centro, seguindo a orientação do MMA de uso de softwares livres pelas instituições vinculadas. A Médica Veterinária Camile Lugarini participou do Curso de Monitoramento da Biodiversidade, em maio, A Bióloga Patrícia Pereira Serafini está participando de um treinamento na “British Antarctic Survey, Natural Environment Research Council e University of Exeter, United Kingdom”, promovido pelo Financiamento do Acordo sobre a Conservação de Albatrozes e Petréis ACAP - para atividades internacionais de conservação de albatrozes e petréis - "2015 Call for Applications to Undertake a ACAP Secondment". O objetivo é capacitar a equipe de Coordenação do Plano Nacional para Conservação de Albatrozes e Petréis - PLANACAP, visando incrementar a qualidade de implementação do na RESEX Tapajós-Arapium e do IV International Course mesmo em território nacional, especialmente quanto of Bird Banding e Molt Analysis, no início de agosto, aos métodos de investigação da saúde das populações em Manaus. Em fevereiro, Camile defendeu sua Tese naturais, envolvendo espécies de ocorrência no Brasil e de Doutorado em Ciência Veterinária, na Universidade contempladas por este PAN. Participação em Congresso O CEMAVE participou do X Neotropical Ornithological Congress e do XXII Congresso Brasileiro de Ornitologia, eventos simultâneos que ocorreram em Manaus, no período de 19-24 de julho de 2015. Camile Lugarini ministrou palestra com o título “Restauração de populações de aves: estratégias de manejo para a conservação de espécies ameaçadas, sobre o Plano de Ação Nacional da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii)”, enquanto que Patrícia Serafini apresentou palestras sobre o “Programa de cativeiro do cardeal-amarelo (Gubernatrix guttata)” e sobre “Tendências populacionais do papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) no Brasil”. As duas Analistas Ambientais também atuaram na organização do simpósio intitulado “Pathogens of wild bird populations: the value of surveys to understanding basic science, improving public and environmental health, and informing management decisions”. O CEMAVE também foi representado pela Bióloga Renata Rossato, que apresentou os pôsteres: “Avian Inventory of the Recanto das Araras de Terra Ronca Extractive Reserve (Goiás, Brazil)” e “SISBio as a tool to support information management: an analysis for the Class Aves”. www.icmbio.gov.br/cemave - nº i - setembro de 2015 boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, julho 5 6 Estado de conservação das aves brasileiras Carlos Gussoni Priscila Amaral Conhecer o estado de conservação das espécies é um passo importante na gestão da biodiversidade de um país. No Brasil, a avaliação periódica do estado de conservação da fauna foi um compromisso assumido internacionalmente a partir da ratificação da Convenção da Diversidade Biológica e dos pactos que a seguiram. O alerta mais importante que a nova lista de aves ameaçadas trouxe foi a extinção de três espécies endêmicas da Mata Atlântica do Nordeste: o caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), o gritador-donordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi). O caso dessas três aves é emblemático, pois indica como a destruição, fragmentação e alteração de habitat podem causar perdas irreparáveis. Nenhuma das três espécies foi explorada de alguma forma pelo homem (caçada ou capturada para consumo, por exemplo). A razão de sua extinção é unicamente a substituição massiva das florestas por monoculturas (especialmente cana-de-açúcar), o que gerou grande redução do ambiente do qual essas aves dependiam. Avaliar o estado de conservação de uma espécie consiste em utilizar as informações existentes para classificá-la quanto ao risco de extinção, indicando os fatores que a ameaçam. Essa classificação favorece a priorização de ações para conservação das espécies que, de fato, necessitam de intervenção imediata, além de garantir proteção especial àquelas que estejam sob algum grau de ameaça. O processo de avaliação nacional do estado de conservação das espécies é baseado nos critérios e categorias da União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN, que são mundialmente utilizados e reconhecidos. O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) é responsável pela avaliação do estado de conservação das aves brasileiras, o que ocorre em ciclos de cinco anos. O primeiro ciclo foi concluído em 2014, com a publicação, pelo Ministério do Meio Ambiente, da lista de espécies e subespécies da fauna ameaçada no Brasil (Portaria MMA n. 444/2014). A avaliação é um processo participativo que, nesta ocasião, contou com a colaboração de cerca de 90 ornitólogos. ameaçadas, o número subiu de 36 para 61, quando se compara o resultado de 2003 ao de 2014. O fato da avaliação do estado de conservação de uma espécie ser periódica permite-nos ajustar as categorizações, de acordo com o avanço do conhecimento científico e com as mudanças ambientais do país. Philydor novaesi, RPPN em Frei Caneca Jaqueira - PE Foram avaliados 1966 táxons de aves. Deste total, 173 espécies e 61 subespécies foram consideradas ameaçadas. Dentre os táxons ameaçados, cerca de 18% estão classificados no mais alto grau de ameaça. Na lista de espécies ameaçadas vigente de 2003 a 2014, 6,8% das espécies de aves brasileiras estavam em alguma categoria de ameaça. Na avaliação atual, 9,1% do total de espécies conhecidas estão ameaçadas. Em relação às subespécies www.icmbio.gov.br/cemave Os próximos passos para o processo de avaliação do estado de conservação das aves brasileiras são a divulgação do material que foi produzido neste ciclo de avaliação, a atualização dos bancos de dados e o início de novo ciclo de avaliação, a partir de 2016. - nº i - setembro de 2015 boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, julho 7 8 Planos de Ação Nacional: estratégia governamental para a conservação da fauna ameaçada de extinção Nathália Alves de Sousa e Camile Lugarini Os Planos de Ação Nacional são reconhecidos como estratégia de governo para a conservação da fauna ameaçada, aliados à avaliação do estado de conservação das espécies. Cada PAN possui um objetivo geral e objetivos específicos, dentre os quais encontram-se diversas ações. O planejamento dessas ações é estabelecido em oficinas participativas, em que os representantes da sociedade pactuam a realização de estratégias necessárias para de cinco anos. Diferente dos primeiros PANs, que tinham como alvo uma única espécie, atualmente, prefere-se trabalhar num recorte por biomas ou ecossistemas. O objetivo é fortalecer e direcionar esforços para a conservação de um maior número de espécies com ameaças em comum. Série de edições de Planos de Ação. Os Planos de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção, ou PANs, como são comumente chamados, são políticas públicas participativas planejadas que identificam e propõem uma série de ações prioritárias, a serem implementadas em diversas linhas temáticas, seguindo uma escala de prazos e prioridades, visando à conservação das espécies ameaçadas. reduzir as ameaças às espécies, em um prazo O primeiro Plano de Ação foi lançado em 2004, para conservação do mutum-do-sudeste, uma espécie ameaçada de extinção no Brasil. Contudo, somente em 2009, os Centros de Pesquisa foram incluídos na elaboração e implementação dos PANs. Desde então, o CEMAVE tem apostado nesses importantes instrumentos de gestão, envolvendo diferentes atores sociais, de influência na conservação das espécies ameaçadas, de modo que a construção de todo processo seja feita de forma participativa e com responsabilidades compartilhadas. Atualmente, o CEMAVE é responsável por treze Planos Nacionais de Conservação, cada qual sob a coordenação de analistas do Centro: Primeira Edição de PAN - Plano de Ação do Mutumdo-Sudeste (Crax blumenbachii) • PAN arara-azul-de-lear: Eduardo Araújo (Sede CEMAVE – Cabedelo/PB) • PAN ararinha-azul: Camile Lugarini (Base avançada – Florianópolis/SC) • PAN Aves do Cerrado e Pantanal: Rita Surrage (Base avançada - Brasília/DF) • PAN Aves da Amazônia: Rita Surrage (Base avançada - Brasília/DF) • PAN Aves da Caatinga: Diego Lima (Sede CEMAVE– Cabedelo/PB) • PAN Aves Limícolas Migratórias: Danielle Paludo (Base avançada – Florianópolis/SC) • PAN Formigueiro-do-Litoral: Danielle Paludo (Base avançada – Florianópolis/SC) • PAN Aves da Mata Atlântica: Camile Lugarini (Base avançada – Florianópolis/SC) • PAN Papagaios da Mata Atlântica: Patrícia Serafini (Base avançada – Florianópolis/SC) • PAN Passeriformes dos Campos Sulinos: Patrícia Serafini (Base avançada – Florianópolis/SC) • PAN pato-mergulhão: Rita Surrage (Base avançada - Brasília/DF) • PAN soldadinho-do-araripe: Diego Lima (Sede CEMAVE – Cabedelo/PB) • PAN Albatrozes e Petréis – Planacap: Patrícia Serafini (Base avançada – Florianópolis/SC) www.icmbio.gov.br/cemave - nº i - setembro de 2015 boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, julho 9 10 Uso de geolocalizadores em pesquisas com aves A teoria da geolocalização por registros locais de nível de luz é conhecida desde início dos anos 90 (Delong et al. 1992, Afanasyev & Prince 1993, Hill 1994). Contudo, o geolocalizador (Fig. 1), que é um sensor de luz que mede e grava periodicamente o nível de luz ambiente, incluindo hardware e software, só foi desenvolvido uma década depois (Afanasyev 2004). Os registros de nível de luz marcam por onde a ave passou. Os dados, então, são convertidos em latitudes e longitudes. A latitude é medida a partir dos dados de comprimento do dia armazenado no geolocalizador, ao passo que a longitude é A tecnologia tem sido aplicada em estudos de migração envolvendo desde pequenos Passeriformes até aves marinhas de grande porte. Seu uso tem sido crescente e tem contribuído para desvendar lacunas de conhecimento sobre a migração de muitas espécies, além de fornecer informações relevantes para sua conservação. Para espécies que pesam menos de 50 gramas, tem sido a única tecnologia disponível, além do anilhamento tradicional, para rastreamento da migração (Bridge et al. 2011). Alguns exemplos da aplicação dessa tecnologia em aves são descritos a seguir. O custo é relativamente baixo (U$ 70) quando comparado com outras tecnologias de rastreamento remoto, como os transmissores satelitais. O aparelho tem massa que varia de 1,5 a 3,6 gramas e bateria que dura de dois a seis anos (Candia-Gallardo et al. 2010). Por outro lado, apresenta limitações, como a baixa precisão e a necessidade de recaptura da ave para retirada do geolocalizador, e conseqüente descarga dos dados no computador para realização de sua leitura. É indicado para aves que realizam grandes deslocamentos e pode ser aplicado no dorso da ave, no tarso, na tíbia (Fig. 2) ou ser acoplado à anilha. Niles et al. (2012) marcaram 37 indivíduos de maçarico-do-papo-vermelho Calidris canutus rufa nos Estados Unidos, dos quais oito foram recuperados. Seis deles possuíam geolocalizadores ainda em funcionamento, fornecendo importantes informações sobre sua estratégia de migração. Bruno Jackson de Almeida determinada a partir dos horários armazenados do nascer e do pôr do Sol (Afanasyev 2004). Assim, a posição geográfica da ave pode ser Ana Paula Silva de Sousa avaliada duas vezes ao dia. Figura 2: Geolocalizar aplicado na tíbia de Calidris pusilla maçarico-rasteirinho. Os outros indivíduos migraram para outras áreas de invernada no sudeste dos Estados Unidos e América Central. Adaptado de Niles et al. 2012 Ailton C. de Oliveira e Antônio Emanuel B. Alves de Sousa O maçarico-do-papo-vermelho Calidris canutus rufa é uma espécie ameaçada de extinção, que se reproduz na região central do ártico canadense. Divide-se principalmente em três grupos conforme sua migração: migrantes de curta distância, que invernam no sudeste dos Estados Unidos; migrantes de média distância, que invernam na costa norte do Brasil; e migrantes de longa distância, que invernam na terra do Fogo, no extremo sul da América do Sul. O uso de geolocalizadores mostrou que a espécie utiliza vários outros locais de invernada, como a costa do Caribe e são capazes de realizar voos ininterruptos de longa distância. Figura 3: Deslocamentos realizados por um dos indivíduos de Calidris canutus rufa rastreados com geolocalizador entre 2009 e 2010: 1 - “Monomoy National Wildlife Reserve”, 2 – Barreira de Ilhas da Virgínia, 3 – Oeste de Riohacha, Colômbia, 4 – Sul da Baía de Puenta Fijo, Venezuela. Distâncias 1-2 = 680 km, percorridos em 1 dia; 2-3 = 2.900 km, percorridos em 2 dias; 3-4 = 250 km, percorridos em 1 dia. Um desses indivíduos rastreados com geolocalizador partiu da costa da Virginia nos Estados Unidos, em 11 de novembro de 2009, para a costa norte da Colômbia, em voo ininterrupto, cobrindo 2.900 quilômetros em dois dias (Fig. 3), com velocidade média de 60 km/h. As maiores distâncias de voo registradas entre os indivíduos variaram de 1.500 a 2.900 quilômetros e as velocidades desses deslocamentos variaram de 44 a 79 km/h. A maior distância registrada para todo o ciclo de migração foi de 11.980 km e a menor foi de 7.350 km. Figura 1: Geolocalizador. www.icmbio.gov.br/cemave - nº i - setembro de 2015 boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, julho 11 12 partindo do Brasil para o Colorado, foi percorrido a distância de 7.025 km, com velocidade média de 393 km/dia, em 2010 (Fig. 5). Beason et al. 2013 Nisbeti et al. 2011 O estudo de Niles et al. (2012) revelou ainda que a “Monomoy National Wildlife Reserve” é um importante local para a espécie realizar a muda das primárias antes da migração para os sítios de invernada. Também apontou que os migrantes de curta distância apresentam, além de um menor custo energético, menor exposição a riscos e menor requerimento alimentar para migração, a vantagem adicional de evitar o cinturão de furacões do Atlântico. Nisbeti et al. (2011) anexaram dez geolocalizadores em trinta-réis-boreal Sterna hirundo numa colônia reprodutiva, em Massachusetts, EUA, entre 2007 e 2008. Desses, seis foram recuperados entre 2008 e 2009, dos quais cinco ainda tinham dados úteis. As aves partiram em setembro para Porto Rico e República Dominicana e depois seguiram para as áreas de invernada na América do Sul (Fig. 4) - Guiana/Suriname (E), Suriname/Guiana Francesa (F), Belém/PA (G), Maranhão (H), Areia Branca/RN (I), Bahia (J), Lagoa do Peixe/RS (K) - entre 6 a 26 de setembro. Uma fêmea ficou alternando entre a Lagoa do Peixe e a província de Buenos Aires (L). O regresso para a área de nidificação nos EUA deu-se em abril do ano seguinte. Um indivíduo partiu da Lagoa do Peixe (RS), em 4 de abril, e, depois de 27 dias, chegou a Massachusetts, EUA. O trajeto incluiu paradas de seis dias, em dois locais no norte do Brasil (Maranhão e Belém). Outro indivíduo passou a invernada na Bahia e, em 2 de março, iniciou o retorno para área de reprodução, gastando 59 dias, dos quais 47 foram entre Belém e Maranhão. Nos dias 26 e 27 de abril, passou por Cuba, perto de Miami e Florida, chegando aos locais de nidificação em 1° de maio. A pesquisa revelou ainda que o trinta-réisboreal gasta, durante o período reprodutivo, cerca de três a dez minutos do dia sobre a água, provavelmente durante o banho. Por outro lado, no período fora da reprodução, eles passam de uma a onze horas na água, durante a noite, e seis horas, durante o dia. Figura 4: Rotas de migração de cinco trintaréis-boreal (Sterna hirundo), marcados com geolocalizadores, indicando as áreas de reprodução (A) Bird Island, Massachusetts, e de invernada (B a L) (Nisbeti et al. 2011). Outro interessante estudo foi conduzido com o andorinhão-negro-do-norte (Cypseloides niger borealis), espécie que se reproduz na América do Norte e migra para áreas de invernada na América Central e do Sul. Seus movimentos eram desconhecidos, sobretudo, as áreas de invernada durante a migração. Assim, com o intuito de descobrir os padrões de movimentação dessa espécie, Beason et al. (2012) anexaram geolocalizadores em quatro indivíduos adultos, em seus sítios de reprodução no Colorado, EUA, em agosto de 2009. Em 2011, foram recapturados três andorinhões, duas fêmeas e um macho e retirados os geolocalizadores para leitura. Os dados revelaram que as aves iniciaram a migração entre 10 a 19 de setembro de 2009, no outono, e chegaram à área de invernada entre 28 de setembro e 12 de outubro de 2009, na América do Sul. O retorno da migração para os locais de reprodução na América do Norte (Colorado/EUA) teve início em 23 de maio e se estendeu até 18 de junho de 2010. Elas viajaram 6.901 km até o centro da área de invernada, com velocidade média de 341 km/dia, em 2009. O retorno, Figura 5: Rota de migração andorinhão-negro-do-norte Com esses dados, os autores determinaram a migração de outono e primavera, as áreas de invernada, além dos caminhos percorridos pelo andorinhão-negro-do-norte; informações até então desconhecidas. Os dados revelaram que a espécie passou quase o tempo todo dentro do estado da Amazônia, no Brasil, região com clima e habitat ideais; com ocorrência de cachoeiras, cavernas e presas em abundância. Pesquisas com uso de geolocalizadores têm revelado importantes informações a respeito da migração e comportamento de muitas espécies, que poderão subsidiar ações de conservação das aves e seus ambientes. Apesar dos excelentes resultados, alguns efeitos adversos têm sido detectados com o uso da referida tecnologia, como sinais de ferimentos e/ou perda da massa corporal. Desta forma, deve ser utilizada com as www.icmbio.gov.br/cemave devidas precauções, visando minimizar os riscos às aves. Referências Bibliográficas Afanasyev, V. and Prince, P.A. (1993): A miniature storing activity recorder for seabird species. Ornis Scand. (2): 243–246. Beason, J. P.; Gunn, C.; Potter, K. M.; Sparks, R. A.; Fox, J. W. (2012). The northern Black Swift: Migration path and wintering area reveled. The Wilson Journal of Ornithology 124(1): 1-8. Bridge, E. S., K. Thorup, M. S. Bowlin, P. B. Chilson, R. H. Diehl, R. W. Fleron, P. Hartl, R. Kays, J. F. Kelly, W. D. Robinson, and M. Wikelski. 2011. Technology on the move: Recent and forthcoming innovations for tracking migratory birds. BioScience 61:689–698. CANDIA-GALLARDO, C.; AWADE, M.; BOSCOLO, D.; BUGONI, L. (2010). Rastreamento de aves através de telemetria por rádio e satélite. In: VON MATTER, F.; STRAUBE, F. C.; CÂNDIDO JR., J. F.; PIACENTINI, V.; ACOORDI, I. (Ed.). Ornitologia e Conservação: ciência aplicada, técnicas de pesquisa e levantamento. Rio de Janeiro: Techinical Bools Editora. 255-280p. Delong, R.L., Stewart, B.S. and Hill, R.D. (1992): Documenting migrations of northern elephant seals using day length. Mar. Mammal Sci., 8, 155–159. Hill, R.D. 1994. Theory of geolocation by light levels. Elephant Seals, Population, Ecology, Behaviour and Physiology, ed. by B.J. Le Boeuf and R.M. Laws. Berkeley, Univ. of California Press, 227–236. Niles, L. J.; J. Burger; R. R. Porter; A. D. Dey; S. Koch; B. Harrington; Q. Iaquinto & M. Boarman. 2012. Migration pathways, migration speeds and non-breeding areas used by northern hemisphere wintering Red Knots Calidris canutus of the subspecies rufa. Wader Study Group Bulletin 119(3):1-9 Nisbet, I. C. T.; Mostello, C. S.; Veit, R. R.; Fox, J. W.; Afanasyev, V. (2011). Migrations and Winter Quarters of Five Common Terns Tracked Using Geolocators. Waterbirds 34 (1): 32-39. - nº i - março de 2015 boletim eletrônico do cemave ano 3 cabedelo-pb, janeiro 13 14 A Febre do Nilo Ocidental e as aves silvestres e seus efeitos no Brasil Patricia Pereira Serafini Desde sua introdução na América do Norte, em 1999, mais de 27.500 casos humanos de infecção por Febre do Nilo Ocidental foram registrados nos Estados Unidos, resultando em mais de mil casos fatais. Recentemente, a disseminação do vírus para o hemisfério sul foi confirmada com detecção de animais infectados, por este vírus, em território sul-americano. Estima-se que 70% dos casos de infecção humana por Febre do Nilo não apresentam sintomas e, quando sintomática, a infecção se caracteriza pelo início súbito de um quadro clínico inespecífico, normalmente, envolvendo febre, astenia (fraqueza), cefaléia, dores nas articulações e músculos. Nos Estados Unidos, 41% dos casos apresentaram doença neuro-invasiva, forma mais severa da infecção, manifestada, principalmente, por meningite e encefalite. Atualmente, entende-se que as aves representam importante papel no ciclo natural de transmissão da Febre do Nilo, atribuindo-se a elas o papel de principal disseminador e amplificador do vírus no ambiente. Apesar da relevância das aves silvestres no ciclo, notadamente as aves migratórias provenientes do hemisfério norte, alguns inquéritos sorológicos tem demonstrado o importante papel das aves residentes, destacando-se os Passeriformes. Quando não fatal, a doença causada pelo vírus da Febre do Nilo em aves apresenta predomínio de acometimento neurológico. Em mamíferos, as epizootias causadas pelo vírus tem se mostrado mais graves em equinos, com muitos casos clínicos e, às vezes, com altos índices de mortalidade. Foto: Randson Modesto A Febre do Nilo Ocidental é causada por um vírus da mesma família do vírus da Dengue e da Febre Amarela (Flaviviridae) e é uma doença transmitida principalmente pela picada de mosquitos infectados. O ciclo natural de transmissão ocorre entre vetores, principalmente do gênero Culex (muriçoca e/ou pernilongo) e aves silvestres, e tanto o homem como os equinos são hospedeiros acidentais finais. Até agosto de 2014, não havia registros de casos humanos no Brasil. Entretanto, o Programa de Vigilância das Encefalites Virais de Teresina indicou, no mês de setembro, a presença de anticorpos contra o vírus após encaminhar amostras de um vaqueiro, residente a 340 km da capital, ao laboratório de referência nacional para Arbovirus: o Instituto Evandro Chagas, em Belém/PA. Exames adicionais subsidiaram a confirmação do diagnóstico do primeiro caso de encefalite humana causada pelo Vírus da Febre do Nilo Ocidental no país. Considerando evidências recentes de anticorpos contra o vírus em aves de diversos estados brasileiros e de países vizinhos, além da situação de alerta para ocorrência de novos casos e surtos de Febre do Nilo Ocidental, recomenda-se a todos os ornitólogos e anilhadores a intensificação da vigilância dos casos envolvendo doença ou mortalidade em populações de aves silvestres. O objetivo de entender o que está acontecendo com as populações de aves silvestres é detectar, precocemente, focos de circulação viral, além de evitar novos casos, a mortalidade e os surtos. Assim, o aparecimento de grande número de aves silvestres mortas, sem causa definida, pode ser um fator de alerta para a ocorrência de Febre do Nilo Ocidental e, portanto, deve ser notificado imediatamente à Secretaria de Saúde local (Vigilância Ambiental Municipal, Regional ou Estadual e à SVS/Ministério da Saúde). Pomba-de-bando ou avoante (Zenaida auriculata), um dos possíveis hospedeiros do Vírus do Nilo Ocidental. Como proteção individual, recomenda-se o uso Por fim, além de ser ilegal, a ingestão de carne de repelentes associados a roupas que protejam de aves silvestres é fortemente desaconselhada partes expostas do corpo. Também se destaca a sob qualquer hipótese (notadamente, de aves importância de evitar exposição aos vetores, por com padrões migratórios, tais como a pomba meio, por exemplo, do uso de telas em portas avoante), pois a transmissão direta do vírus e janelas, além da eliminação de criadouros de já foi comprovada e algumas aves podem ser larvas de mosquitos, próximos às residências. portadoras assintomáticas. www.icmbio.gov.br/cemave Para saber mais: Araújo, F.A.A. 2014. Febre do Nilo Ocidental. Capítulo 58. P.1250 In Cubas, Z.; Silva, J.C.R.; CatãoDias J.L. Tratado de Animais Selvagens: Medicina Veterinária. 2.ed. São Paulo:Roca. 2470 pp. MIGRANTE Boletim eletrônico do CEMAVE trimestral Supervisão Técnica Antônio Emanuel Barreto Alves de Sousa João Luiz Xavier do Nascimento Revisão Comunicação Nordeste Projeto Gráfico e Diagramação Alan Victor do Nascimento Wagner da Costa Gomes Colaboraram Nesta Edição Ailton Carneiro de Oliveira | CEMAVE Antônio Emanuel Barreto Alves de Sousa | CEMAVE Camile Lugarini | CEMAVE João Luiz Xavier do Nascimento | CEMAVE Manuella Andrade de Souza | CEMAVE Nathália Alves de Sousa | CEMAVE Priscila Prudente do Amaral | CEMAVE Núcleo de Tecnologia da Informação - NTI Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres - CEMAVE Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo | BR-230 | Km 10 | Renascer | Cabedelo | PB CEP 58108-012 www.icmbio.gov.br/cemave