Baixar este arquivo PDF

Propaganda
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, julho
- nº i
- setembro de 2015
Estado de Conservação das Aves Brasileiras
Conhecer o estado de conservação das espécies é um passo importante
na gestão da biodiversidade de um país. Pag.5
CEMAVE NEWS - Formação Profissional. Pag 4
Planos de Ação Nacional: estratégia governamental para a conservação da fauna
ameaçada de extinção. Pág. 7
Uso de geolocalizadores em pesquisas com aves. Pág. 9
A Febre do Nilo Ocidental e as aves silvestres e seus efeitos no Brasil. Pág. 13
- nº i
- setembro de 2015
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, julho
2
Apresentação
João Luiz Xavier do Nascimento
Coordenador do CEMAVE
É com satisfação que voltamos a publicar
o informativo eletrônico do CEMAVE,
Migrante, cuja periodicidade será trimestral.
Desde a nossa última edição, mudanças
institucionais
importantes
ocorreram
visando o aprimoramento da qualidade
dos serviços e produtos desenvolvidos pelo
Centro.
Com
a
atualização
dos
locais
de
funcionamento dos Centros Nacionais de
Pesquisa e Conservação do ICMBio e o
detalhamento das suas atribuições através
da Portaria ICMBio No 16, de 2/3/2015,
o CEMAVE passa a ter como objetivo a
realização de pesquisas científicas e ações de
manejo para conservação e recuperação de
espécies de aves ameaçadas e migratórias,
e de monitoramento de seu estado de
conservação, com ênfase nos impactos
de empreendimentos e demais atividades
antrópicas, assim como auxiliar no manejo
das Unidades de Conservação Federais, por
meio de estudos e monitoramento para
conservação da sua biodiversidade de aves.
Para o cumprimento do seu objetivo o
Centro está estruturado em áreas temáticas
seguindo a lógica de processos institucionais
cíclicos: as de Geoprocessamento e de
Gestão do SNA organizam bancos de dados,
atualizam e realizam análises e elaboram
documentos e mapas, os quais subsidiam
os processos de avaliação do estado de
conservação
das
aves
brasileiras
e
de
elaboração dos planos de ação nacionais
para conservação de espécies ameaçadas
de extinção e migratórias pelas respectivas
áreas afins.
Para ilustrar a nossa atuação, O Migrante
traz matérias sobre as Áreas Temáticas de
Avaliação do Estado de Conservação das
Aves e dos Planos de Ação para Conservação
de Aves Ameaçadas e Migratórias. Também,
uma esclarecedora nota sobre o uso da
técnica de marcação com geolocalizadores
e sobre a ocorrência do Vírus do Oeste do
Nilo no Brasil.
Boa leitura a todos.
www.icmbio.gov.br/cemave
3
espaço do
anilhador
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Cursos de Capacitação
Dando continuidade à política de formação profissional do CEMAVE, que visa ao contínuo aprimoramento
do seu quadro de servidores, destacamos os principais eventos de capacitação promovidos pelo ICMBio
em 2015 e que contaram com a participação de servidores do Centro.
A Bióloga Priscilla Prudente do Amaral participou do
Federal Rural de Pernambuco, com o título “Avaliação da
Curso “Aplicação de critérios da UICN para avaliação do
avifauna e seus patógenos em Unidades de Conservação
estado dez conservação da fauna Brasileira”. O curso
da Caatinga e Mata Atlântica do Nordeste do Brasil”, sob
foi realizado na ACADEBIO – Academia Nacional da
a orientação do Prof. Dr. Jean Carlos Ramos da Silva.
Biodiversidade, em Iperó São Paulo, em maio deste ano.
Priscilla coordena o processo de avaliação do estado de
conservação das aves brasileiras.
O Geógrafo Murilo Sérgio Arantes participou, em
agosto, do curso de capacitação em Geoprocessamento
com QGIS. O curso foi realizado na ACADEBIO e abordou
o uso do programa QuantumGis, que será adotado
pelo Centro, seguindo a orientação do MMA de uso de
softwares livres pelas instituições vinculadas.
A Médica Veterinária Camile Lugarini participou do
Curso de Monitoramento da Biodiversidade, em maio,
A Bióloga Patrícia Pereira Serafini está participando
de um treinamento na “British Antarctic Survey, Natural
Environment Research Council e University of Exeter,
United Kingdom”, promovido pelo Financiamento do
Acordo sobre a Conservação de Albatrozes e Petréis ACAP - para atividades internacionais de conservação
de albatrozes e petréis - "2015 Call for Applications
to Undertake a ACAP Secondment". O objetivo é
capacitar a equipe de Coordenação do Plano Nacional
para Conservação de Albatrozes e Petréis - PLANACAP,
visando incrementar a qualidade de implementação do
na RESEX Tapajós-Arapium e do IV International Course
mesmo em território nacional, especialmente quanto
of Bird Banding e Molt Analysis, no início de agosto,
aos métodos de investigação da saúde das populações
em Manaus. Em fevereiro, Camile defendeu sua Tese
naturais, envolvendo espécies de ocorrência no Brasil e
de Doutorado em Ciência Veterinária, na Universidade
contempladas por este PAN.
Participação em Congresso
O CEMAVE participou do X Neotropical Ornithological Congress e do XXII Congresso Brasileiro de
Ornitologia, eventos simultâneos que ocorreram em Manaus, no período de 19-24 de julho de 2015.
Camile Lugarini ministrou palestra com o título “Restauração de populações de aves: estratégias de manejo para a
conservação de espécies ameaçadas, sobre o Plano de Ação Nacional da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii)”, enquanto
que Patrícia Serafini apresentou palestras sobre o “Programa de cativeiro do cardeal-amarelo (Gubernatrix guttata)”
e sobre “Tendências populacionais do papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) no Brasil”.
As duas Analistas Ambientais também atuaram na organização do simpósio intitulado “Pathogens of wild bird
populations: the value of surveys to understanding basic science, improving public and environmental health, and
informing management decisions”. O CEMAVE também foi representado pela Bióloga Renata Rossato, que apresentou
os pôsteres: “Avian Inventory of the Recanto das Araras de Terra Ronca Extractive Reserve (Goiás, Brazil)” e “SISBio
as a tool to support information management: an analysis for the Class Aves”.
www.icmbio.gov.br/cemave
- nº i
- setembro de 2015
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, julho
5
6
Estado de conservação das aves brasileiras
Carlos Gussoni
Priscila Amaral
Conhecer o estado de conservação das
espécies é um passo importante na gestão
da biodiversidade de um país. No Brasil, a
avaliação periódica do estado de conservação
da fauna foi um compromisso assumido
internacionalmente a partir da ratificação da
Convenção da Diversidade Biológica e dos
pactos que a seguiram.
O alerta mais importante que a nova lista
de aves ameaçadas trouxe foi a extinção de
três espécies endêmicas da Mata Atlântica
do
Nordeste:
o
caburé-de-pernambuco
(Glaucidium mooreorum), o gritador-donordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e o
limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi).
O caso dessas três aves é emblemático,
pois indica como a destruição, fragmentação
e alteração de habitat podem causar perdas
irreparáveis. Nenhuma das três espécies
foi explorada de alguma forma pelo homem
(caçada ou capturada para consumo, por
exemplo). A razão de sua
extinção é
unicamente a substituição massiva das
florestas por monoculturas (especialmente
cana-de-açúcar), o que gerou grande redução
do ambiente do qual essas aves dependiam.
Avaliar o estado de conservação de uma espécie
consiste em utilizar as informações existentes
para classificá-la quanto ao risco de extinção,
indicando os fatores que a ameaçam. Essa
classificação favorece a priorização de ações
para conservação das espécies que, de fato,
necessitam de intervenção imediata, além de
garantir proteção especial àquelas que estejam
sob algum grau de ameaça.
O processo de avaliação nacional do estado
de conservação das espécies é baseado nos
critérios e categorias da União Internacional
para a Conservação da Natureza – UICN, que
são mundialmente utilizados e reconhecidos.
O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação
de Aves Silvestres (CEMAVE) é responsável
pela avaliação do estado de conservação das
aves brasileiras, o que ocorre em ciclos de
cinco anos. O primeiro ciclo foi concluído em
2014, com a publicação, pelo Ministério do Meio
Ambiente, da lista de espécies e subespécies
da fauna ameaçada no Brasil (Portaria MMA
n. 444/2014). A avaliação é um processo
participativo que, nesta ocasião, contou com a
colaboração de cerca de 90 ornitólogos.
ameaçadas, o número subiu de 36 para 61,
quando se compara o resultado de 2003 ao de
2014.
O fato da avaliação do estado de conservação
de uma espécie ser periódica permite-nos
ajustar as categorizações, de acordo com o
avanço do conhecimento científico e com as
mudanças ambientais do país.
Philydor novaesi, RPPN em Frei Caneca Jaqueira - PE
Foram avaliados 1966 táxons de aves. Deste
total, 173 espécies e 61 subespécies foram
consideradas ameaçadas. Dentre os táxons
ameaçados, cerca de 18% estão classificados
no mais alto grau de ameaça. Na lista de
espécies ameaçadas vigente de 2003 a 2014,
6,8% das espécies de aves brasileiras estavam
em alguma categoria de ameaça. Na avaliação
atual, 9,1% do total de espécies conhecidas
estão ameaçadas. Em relação às subespécies
www.icmbio.gov.br/cemave
Os próximos passos para o processo de
avaliação do estado de conservação das
aves brasileiras são a divulgação do material
que foi produzido neste ciclo de avaliação, a
atualização dos bancos de dados e o início de
novo ciclo de avaliação, a partir de 2016.
- nº i
- setembro de 2015
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, julho
7
8
Planos de Ação Nacional: estratégia governamental
para a conservação da fauna ameaçada de extinção
Nathália Alves de Sousa e
Camile Lugarini
Os Planos de Ação Nacional são reconhecidos
como estratégia de governo para a conservação
da fauna ameaçada, aliados à avaliação do
estado de conservação das espécies.
Cada PAN possui um objetivo geral e objetivos
específicos, dentre os quais encontram-se
diversas ações. O planejamento dessas ações
é estabelecido em oficinas participativas, em
que os representantes da sociedade pactuam
a realização de estratégias necessárias para
de cinco anos.
Diferente dos primeiros PANs, que tinham
como alvo uma única espécie, atualmente,
prefere-se trabalhar num recorte por biomas
ou ecossistemas. O objetivo é fortalecer e
direcionar esforços para a conservação de um
maior número de espécies com ameaças em
comum.
Série de edições de Planos de Ação.
Os Planos de Ação Nacional para a Conservação
das Espécies Ameaçadas de Extinção, ou
PANs, como são comumente chamados, são
políticas públicas participativas planejadas
que identificam e propõem uma série de
ações prioritárias, a serem implementadas em
diversas linhas temáticas, seguindo uma escala
de prazos e prioridades, visando à conservação
das espécies ameaçadas.
reduzir as ameaças às espécies, em um prazo
O primeiro Plano de Ação foi lançado em 2004,
para conservação do mutum-do-sudeste,
uma espécie ameaçada de extinção no Brasil.
Contudo, somente em 2009, os Centros de
Pesquisa foram incluídos na elaboração e
implementação dos PANs. Desde então, o
CEMAVE tem apostado nesses importantes
instrumentos de gestão, envolvendo diferentes
atores sociais, de influência na conservação
das espécies ameaçadas, de modo que a
construção de todo processo seja feita de
forma participativa e com responsabilidades
compartilhadas.
Atualmente, o CEMAVE é responsável por treze Planos Nacionais de Conservação, cada qual sob
a coordenação de analistas do Centro:
Primeira Edição de PAN - Plano de Ação do Mutumdo-Sudeste (Crax blumenbachii)
• PAN arara-azul-de-lear: Eduardo Araújo (Sede CEMAVE – Cabedelo/PB)
• PAN ararinha-azul: Camile Lugarini (Base avançada – Florianópolis/SC)
• PAN Aves do Cerrado e Pantanal: Rita Surrage (Base avançada - Brasília/DF)
• PAN Aves da Amazônia: Rita Surrage (Base avançada - Brasília/DF)
• PAN Aves da Caatinga: Diego Lima (Sede CEMAVE– Cabedelo/PB)
• PAN Aves Limícolas Migratórias: Danielle Paludo (Base avançada – Florianópolis/SC)
• PAN Formigueiro-do-Litoral: Danielle Paludo (Base avançada – Florianópolis/SC)
• PAN Aves da Mata Atlântica: Camile Lugarini (Base avançada – Florianópolis/SC)
• PAN Papagaios da Mata Atlântica: Patrícia Serafini (Base avançada – Florianópolis/SC)
• PAN Passeriformes dos Campos Sulinos: Patrícia Serafini (Base avançada – Florianópolis/SC)
• PAN pato-mergulhão: Rita Surrage (Base avançada - Brasília/DF)
• PAN soldadinho-do-araripe: Diego Lima (Sede CEMAVE – Cabedelo/PB)
• PAN Albatrozes e Petréis – Planacap: Patrícia Serafini (Base avançada – Florianópolis/SC)
www.icmbio.gov.br/cemave
- nº i
- setembro de 2015
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, julho
9
10
Uso de geolocalizadores em pesquisas com
aves
A teoria da geolocalização por registros locais de
nível de luz é conhecida desde início dos anos
90 (Delong et al. 1992, Afanasyev & Prince
1993, Hill 1994). Contudo, o geolocalizador (Fig.
1), que é um sensor de luz que mede e grava
periodicamente o nível de luz ambiente, incluindo
hardware e software, só foi desenvolvido uma
década depois (Afanasyev 2004).
Os registros de nível de luz marcam por onde a
ave passou. Os dados, então, são convertidos em
latitudes e longitudes. A latitude é medida a partir
dos dados de comprimento do dia armazenado
no geolocalizador, ao passo que a longitude é
A tecnologia tem sido aplicada em estudos
de migração envolvendo desde pequenos
Passeriformes até aves marinhas de grande porte.
Seu uso tem sido crescente e tem contribuído
para desvendar lacunas de conhecimento sobre
a migração de muitas espécies, além de fornecer
informações relevantes para sua conservação.
Para espécies que pesam menos de 50 gramas,
tem sido a única tecnologia disponível, além do
anilhamento tradicional, para rastreamento da
migração (Bridge et al. 2011). Alguns exemplos
da aplicação dessa tecnologia em aves são
descritos a seguir.
O custo é relativamente baixo (U$ 70)
quando comparado com outras tecnologias de
rastreamento remoto, como os transmissores
satelitais. O aparelho tem massa que varia de
1,5 a 3,6 gramas e bateria que dura de dois a
seis anos (Candia-Gallardo et al. 2010). Por outro
lado, apresenta limitações, como a baixa precisão
e a necessidade de recaptura da ave para retirada
do geolocalizador, e conseqüente descarga dos
dados no computador para realização de sua
leitura. É indicado para aves que realizam grandes
deslocamentos e pode ser aplicado no dorso da
ave, no tarso, na tíbia (Fig. 2) ou ser acoplado à
anilha.
Niles et al. (2012) marcaram 37 indivíduos de
maçarico-do-papo-vermelho Calidris canutus
rufa nos Estados Unidos, dos quais oito foram
recuperados. Seis deles possuíam geolocalizadores
ainda em funcionamento, fornecendo importantes
informações sobre sua estratégia de migração.
Bruno Jackson de Almeida
determinada a partir dos horários armazenados
do nascer e do pôr do Sol (Afanasyev 2004).
Assim, a posição geográfica da ave pode ser
Ana Paula Silva de Sousa
avaliada duas vezes ao dia.
Figura 2: Geolocalizar aplicado na tíbia de Calidris
pusilla maçarico-rasteirinho.
Os outros indivíduos migraram para outras áreas
de invernada no sudeste dos Estados Unidos e
América Central.
Adaptado de Niles et al. 2012
Ailton C. de Oliveira e
Antônio Emanuel B. Alves de Sousa
O maçarico-do-papo-vermelho Calidris canutus
rufa é uma espécie ameaçada de extinção,
que se reproduz na região central do ártico
canadense. Divide-se principalmente em três
grupos conforme sua migração: migrantes de
curta distância, que invernam no sudeste dos
Estados Unidos; migrantes de média distância,
que invernam na costa norte do Brasil; e
migrantes de longa distância, que invernam na
terra do Fogo, no extremo sul da América do Sul.
O uso de geolocalizadores mostrou que a espécie
utiliza vários outros locais de invernada, como a
costa do Caribe e são capazes de realizar voos
ininterruptos de longa distância.
Figura 3: Deslocamentos realizados por um dos indivíduos
de Calidris canutus rufa rastreados com geolocalizador
entre 2009 e 2010: 1 - “Monomoy National Wildlife
Reserve”, 2 – Barreira de Ilhas da Virgínia, 3 – Oeste
de Riohacha, Colômbia, 4 – Sul da Baía de Puenta Fijo,
Venezuela. Distâncias 1-2 = 680 km, percorridos em 1
dia; 2-3 = 2.900 km, percorridos em 2 dias; 3-4 = 250
km, percorridos em 1 dia.
Um
desses
indivíduos
rastreados
com
geolocalizador partiu da costa da Virginia
nos Estados Unidos, em 11 de novembro de
2009, para a costa norte da Colômbia, em voo
ininterrupto, cobrindo 2.900 quilômetros em dois
dias (Fig. 3), com velocidade média de 60 km/h.
As maiores distâncias de voo registradas entre os
indivíduos variaram de 1.500 a 2.900 quilômetros
e as velocidades desses deslocamentos variaram
de 44 a 79 km/h. A maior distância registrada
para todo o ciclo de migração foi de 11.980 km e
a menor foi de 7.350 km.
Figura 1: Geolocalizador.
www.icmbio.gov.br/cemave
- nº i
- setembro de 2015
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, julho
11
12
partindo do Brasil para o Colorado, foi percorrido
a distância de 7.025 km, com velocidade média
de 393 km/dia, em 2010 (Fig. 5).
Beason et al. 2013
Nisbeti et al. 2011
O estudo de Niles et al. (2012) revelou ainda
que a “Monomoy National Wildlife Reserve” é um
importante local para a espécie realizar a muda
das primárias antes da migração para os sítios de
invernada. Também apontou que os migrantes de
curta distância apresentam, além de um menor
custo energético, menor exposição a riscos e
menor requerimento alimentar para migração,
a vantagem adicional de evitar o cinturão de
furacões do Atlântico.
Nisbeti
et
al.
(2011)
anexaram
dez
geolocalizadores em trinta-réis-boreal Sterna
hirundo
numa
colônia
reprodutiva,
em
Massachusetts, EUA, entre 2007 e 2008. Desses,
seis foram recuperados entre 2008 e 2009, dos
quais cinco ainda tinham dados úteis.
As aves partiram em setembro para Porto Rico
e República Dominicana e depois seguiram para
as áreas de invernada na América do Sul (Fig.
4) - Guiana/Suriname (E), Suriname/Guiana
Francesa (F), Belém/PA (G), Maranhão (H), Areia
Branca/RN (I), Bahia (J), Lagoa do Peixe/RS (K)
- entre 6 a 26 de setembro. Uma fêmea ficou
alternando entre a Lagoa do Peixe e a província
de Buenos Aires (L).
O regresso para a área de nidificação nos EUA
deu-se em abril do ano seguinte. Um indivíduo
partiu da Lagoa do Peixe (RS), em 4 de abril, e,
depois de 27 dias, chegou a Massachusetts, EUA.
O trajeto incluiu paradas de seis dias, em dois
locais no norte do Brasil (Maranhão e Belém).
Outro indivíduo passou a invernada na Bahia
e, em 2 de março, iniciou o retorno para área
de reprodução, gastando 59 dias, dos quais 47
foram entre Belém e Maranhão. Nos dias 26 e
27 de abril, passou por Cuba, perto de Miami e
Florida, chegando aos locais de nidificação em 1°
de maio.
A pesquisa revelou ainda que o trinta-réisboreal gasta, durante o período reprodutivo,
cerca de três a dez minutos do dia sobre a água,
provavelmente durante o banho. Por outro lado,
no período fora da reprodução, eles passam de
uma a onze horas na água, durante a noite, e seis
horas, durante o dia.
Figura 4: Rotas de migração de cinco trintaréis-boreal (Sterna hirundo), marcados com
geolocalizadores, indicando as áreas de
reprodução (A) Bird Island, Massachusetts, e de
invernada (B a L) (Nisbeti et al. 2011).
Outro interessante estudo foi conduzido com
o andorinhão-negro-do-norte (Cypseloides niger
borealis), espécie que se reproduz na América
do Norte e migra para áreas de invernada na
América Central e do Sul. Seus movimentos
eram desconhecidos, sobretudo, as áreas de
invernada durante a migração. Assim, com o
intuito de descobrir os padrões de movimentação
dessa espécie, Beason et al. (2012) anexaram
geolocalizadores em quatro indivíduos adultos,
em seus sítios de reprodução no Colorado, EUA,
em agosto de 2009. Em 2011, foram recapturados
três andorinhões, duas fêmeas e um macho e
retirados os geolocalizadores para leitura. Os
dados revelaram que as aves iniciaram a migração
entre 10 a 19 de setembro de 2009, no outono,
e chegaram à área de invernada entre 28 de
setembro e 12 de outubro de 2009, na América
do Sul. O retorno da migração para os locais de
reprodução na América do Norte (Colorado/EUA)
teve início em 23 de maio e se estendeu até 18
de junho de 2010. Elas viajaram 6.901 km até
o centro da área de invernada, com velocidade
média de 341 km/dia, em 2009. O retorno,
Figura 5: Rota de migração andorinhão-negro-do-norte
Com esses dados, os autores determinaram
a migração de outono e primavera, as áreas de
invernada, além dos caminhos percorridos pelo
andorinhão-negro-do-norte; informações até
então desconhecidas. Os dados revelaram que
a espécie passou quase o tempo todo dentro do
estado da Amazônia, no Brasil, região com clima
e habitat ideais; com ocorrência de cachoeiras,
cavernas e presas em abundância.
Pesquisas com uso de geolocalizadores têm
revelado importantes informações a respeito da
migração e comportamento de muitas espécies,
que poderão subsidiar ações de conservação das
aves e seus ambientes. Apesar dos excelentes
resultados, alguns efeitos adversos têm sido
detectados com o uso da referida tecnologia,
como sinais de ferimentos e/ou perda da massa
corporal. Desta forma, deve ser utilizada com as
www.icmbio.gov.br/cemave
devidas precauções, visando minimizar os riscos
às aves.
Referências Bibliográficas
Afanasyev, V. and Prince, P.A. (1993): A
miniature storing activity recorder for seabird
species. Ornis Scand. (2): 243–246.
Beason, J. P.; Gunn, C.; Potter, K. M.; Sparks,
R. A.; Fox, J. W. (2012). The northern Black
Swift: Migration path and wintering area
reveled. The Wilson Journal of Ornithology
124(1): 1-8.
Bridge, E. S., K. Thorup, M. S. Bowlin, P. B.
Chilson, R. H. Diehl, R. W. Fleron, P. Hartl,
R. Kays, J. F. Kelly, W. D. Robinson, and
M. Wikelski. 2011. Technology on the move:
Recent and forthcoming innovations for tracking
migratory birds. BioScience 61:689–698.
CANDIA-GALLARDO,
C.;
AWADE,
M.;
BOSCOLO,
D.;
BUGONI,
L.
(2010).
Rastreamento de aves através de telemetria por
rádio e satélite. In: VON MATTER, F.; STRAUBE,
F. C.; CÂNDIDO JR., J. F.; PIACENTINI, V.;
ACOORDI, I. (Ed.). Ornitologia e Conservação:
ciência aplicada, técnicas de pesquisa e
levantamento. Rio de Janeiro: Techinical Bools
Editora. 255-280p.
Delong, R.L., Stewart, B.S. and Hill, R.D.
(1992): Documenting migrations of northern
elephant seals using day length. Mar. Mammal
Sci., 8, 155–159.
Hill, R.D. 1994. Theory of geolocation by light
levels. Elephant Seals, Population, Ecology,
Behaviour and Physiology, ed. by B.J. Le Boeuf
and R.M. Laws. Berkeley, Univ. of California
Press, 227–236.
Niles, L. J.; J. Burger; R. R. Porter; A. D.
Dey; S. Koch; B. Harrington; Q. Iaquinto
& M. Boarman. 2012. Migration pathways,
migration speeds and non-breeding areas used
by northern hemisphere wintering Red Knots
Calidris canutus of the subspecies rufa. Wader
Study Group Bulletin 119(3):1-9
Nisbet, I. C. T.; Mostello, C. S.; Veit, R. R.;
Fox, J. W.; Afanasyev, V. (2011). Migrations
and Winter Quarters of Five Common Terns
Tracked Using Geolocators. Waterbirds 34 (1):
32-39.
- nº i
- março de 2015
boletim eletrônico do cemave ano 3
cabedelo-pb, janeiro
13
14
A Febre do Nilo Ocidental e as aves silvestres e seus
efeitos no Brasil
Patricia Pereira Serafini
Desde sua introdução na América do Norte, em
1999, mais de 27.500 casos humanos de infecção
por Febre do Nilo Ocidental foram registrados
nos Estados Unidos, resultando em mais de mil
casos fatais. Recentemente, a disseminação do
vírus para o hemisfério sul foi confirmada com
detecção de animais infectados, por este vírus,
em território sul-americano.
Estima-se que 70% dos casos de infecção humana
por Febre do Nilo não apresentam sintomas e,
quando sintomática, a infecção se caracteriza pelo
início súbito de um quadro clínico inespecífico,
normalmente,
envolvendo
febre,
astenia
(fraqueza), cefaléia, dores nas articulações e
músculos. Nos Estados Unidos, 41% dos casos
apresentaram doença neuro-invasiva, forma mais
severa da infecção, manifestada, principalmente,
por meningite e encefalite.
Atualmente, entende-se que as aves representam
importante papel no ciclo natural de transmissão
da Febre do Nilo, atribuindo-se a elas o papel
de principal disseminador e amplificador do
vírus no ambiente. Apesar da relevância das
aves silvestres no ciclo, notadamente as aves
migratórias provenientes do hemisfério norte,
alguns inquéritos sorológicos tem demonstrado
o importante papel das aves residentes,
destacando-se os Passeriformes.
Quando não fatal, a doença causada pelo vírus
da Febre do Nilo em aves apresenta predomínio
de acometimento neurológico. Em mamíferos, as
epizootias causadas pelo vírus tem se mostrado
mais graves em equinos, com muitos casos clínicos
e, às vezes, com altos índices de mortalidade.
Foto: Randson Modesto
A Febre do Nilo Ocidental é causada por um vírus
da mesma família do vírus da Dengue e da Febre
Amarela (Flaviviridae) e é uma doença transmitida
principalmente pela picada de mosquitos
infectados. O ciclo natural de transmissão ocorre
entre vetores, principalmente do gênero Culex
(muriçoca e/ou pernilongo) e aves silvestres, e
tanto o homem como os equinos são hospedeiros
acidentais finais.
Até agosto de 2014, não havia registros de casos
humanos no Brasil. Entretanto, o Programa
de Vigilância das Encefalites Virais de Teresina
indicou, no mês de setembro, a presença de
anticorpos contra o vírus após encaminhar
amostras de um vaqueiro, residente a 340 km
da capital, ao laboratório de referência nacional
para Arbovirus: o Instituto Evandro Chagas,
em Belém/PA. Exames adicionais subsidiaram a
confirmação do diagnóstico do primeiro caso de
encefalite humana causada pelo Vírus da Febre
do Nilo Ocidental no país.
Considerando evidências recentes de anticorpos
contra o vírus em aves de diversos estados
brasileiros e de países vizinhos, além da situação
de alerta para ocorrência de novos casos e surtos
de Febre do Nilo Ocidental, recomenda-se a todos
os ornitólogos e anilhadores a intensificação
da vigilância dos casos envolvendo doença ou
mortalidade em populações de aves silvestres.
O objetivo de entender o que está acontecendo
com as populações de aves silvestres é detectar,
precocemente, focos de circulação viral, além de
evitar novos casos, a mortalidade e os surtos.
Assim, o aparecimento de grande número de
aves silvestres mortas, sem causa definida,
pode ser um fator de alerta para a ocorrência
de Febre do Nilo Ocidental e, portanto, deve ser
notificado imediatamente à Secretaria de Saúde
local (Vigilância Ambiental Municipal, Regional ou
Estadual e à SVS/Ministério da Saúde).
Pomba-de-bando ou avoante (Zenaida auriculata), um dos possíveis hospedeiros do Vírus do Nilo Ocidental.
Como proteção individual, recomenda-se o uso
Por fim, além de ser ilegal, a ingestão de carne
de repelentes associados a roupas que protejam
de aves silvestres é fortemente desaconselhada
partes expostas do corpo. Também se destaca a
sob qualquer hipótese (notadamente, de aves
importância de evitar exposição aos vetores, por
com padrões migratórios, tais como a pomba
meio, por exemplo, do uso de telas em portas
avoante), pois a transmissão direta do vírus
e janelas, além da eliminação de criadouros de
já foi comprovada e algumas aves podem ser
larvas de mosquitos, próximos às residências.
portadoras assintomáticas.
www.icmbio.gov.br/cemave
Para saber mais:
Araújo, F.A.A. 2014. Febre do Nilo Ocidental. Capítulo 58. P.1250 In Cubas, Z.; Silva, J.C.R.; CatãoDias J.L. Tratado de Animais Selvagens: Medicina Veterinária. 2.ed. São Paulo:Roca. 2470 pp.
MIGRANTE
Boletim eletrônico do CEMAVE trimestral
Supervisão Técnica
Antônio Emanuel Barreto Alves de Sousa
João Luiz Xavier do Nascimento
Revisão
Comunicação Nordeste
Projeto Gráfico e Diagramação
Alan Victor do Nascimento
Wagner da Costa Gomes
Colaboraram Nesta Edição
Ailton Carneiro de Oliveira | CEMAVE
Antônio Emanuel Barreto Alves de Sousa | CEMAVE
Camile Lugarini | CEMAVE
João Luiz Xavier do Nascimento | CEMAVE
Manuella Andrade de Souza | CEMAVE
Nathália Alves de Sousa | CEMAVE
Priscila Prudente do Amaral | CEMAVE
Núcleo de Tecnologia da Informação - NTI
Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres - CEMAVE
Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo | BR-230 | Km 10 | Renascer | Cabedelo | PB
CEP 58108-012
www.icmbio.gov.br/cemave
Download