Primeiro Capítulo - Editora Contexto

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DERIVAÇÃO PREFIXAL
Ieda Maria Alves
O conceito de prefixo, morfema que se antepõe a uma base, não é consensual, como se sabe, nas gramáticas e nos dicionários da língua portuguesa. Os
elementos considerados prefixais, diferentemente classificados segundo os autores, são algumas vezes incluídos entre as formações derivadas, outras vezes entre
as formações compostas. Essa oscilação classificatória não se restringe à língua
portuguesa e é comum às demais línguas românicas.
Na língua portuguesa, os gramáticos mais antigos classificam, quase unanimemente, as formações prefixais no âmbito da composição. Esta é, também, a
posição do linguista Mattoso Câmara Jr. (1975: 213-234). De maneira contrária,
gramáticos contemporâneos consideram a prefixação um processo derivacional,
a exemplo de Lima (1972: 173), Said Ali (1964: 229-30), Luft (1978: 96), Cunha e
Cintra (1985: 84) e Bechara (1999: 357).
Essa não coincidência entre os gramáticos está ligada à origem dos elementos
classificados, contemporaneamente, como morfemas prefixais.
Assinala C. Michaëlis de Vasconcelos (1946: 82) que, no latim, por serem
poucos os prefixos – ab-, ad-, ante-, circum-, contra-, cum-, de-, dis-, e-, ex-,
foris-, in-, infra-, inter-, ne-, ob-, per-, prae-, pro-, post-, re-, retro-, sub-, subtus-,
super-, trans-(tras-), bis-, bene-, male-, minus-, o substantivo vice-, os advérbios
tri- e bi- (tris- e bis-) –, alguns advérbios e preposições, que não funcionavam
como elementos prefixais nesse idioma, passaram a exercer um papel afixal nas
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• A construção morfológica da palavrA
línguas românicas. A autora exemplifica com não, advérbio latino, que aparece em formações literárias do português (não consoante, não cumprimento, não pagamento), e além e aquém que derivam além-mar, além-túmulo e
aquém-mar, respectivamente.
Assim, como consequência de os prefixos portugueses terem uma origem
adverbial ou preposicional, tendo sido, portanto, uma forma livre, esses morfemas foram, tradicionalmente, classificados no âmbito da composição, como se
vê em obras gramaticais mais antigas, a exemplo das gramáticas de R. Vasconcelos (1900: 133), Figueiredo (1920: 49), Bueno (1963: 80), Almeida (1967: 366),
dentre muitas outras. O mesmo procedimento adotaram Meillet e Vendryès em
relação às línguas clássicas (1924: 395) e Diez (1874: 389), Meyer-Lübke (1923:
617), Bourciez (1967, 204) e Darmesteter (1967: 89), quanto às línguas românicas.
Citamos C. Michaëlis de Vasconcelos (1946: 49), que enfatiza que, nessas línguas,
os prefixos figuram sempre como elementos da composição, por serem, em regra,
advérbios ou preposições e, portanto, também palavras autônomas. Nas línguas
germânicas, ao contrário, muitos fazem parte do processo da derivação, pelo fato
de não terem valores ou funções independentes.
Câmara Jr. (1975: 229-230) também destaca o fato de alguns dos atuais prefixos do português terem uma origem preposicional. Considera o sistema prefixal da língua portuguesa assentado em três grupos de partículas: as que também
funcionam como preposições; as variantes (em forma erudita) de preposições; e
as que exercem exclusivamente a função de prefixos. Para o linguista, esse fato decorre da circunstância de o latim ter desenvolvido um sistema de prefixos oriundo
de partículas adverbiais ou preverbos, paralelo ao sistema das preposições: uma
mesma partícula podia funcionar autonomamente, como preposição, introduzindo um complemento verbal, ou integrada num verbo ou nome para formar uma
nova unidade lexical. No entanto, o sistema de preposições sofreu grande redução
no latim vulgar e, consequentemente, também no português, o que fez romper o
paralelismo entre preposição e prefixo, que existia nitidamente na estrutura do
latim clássico. Várias partículas desapareceram na função de preposição, continuando, no entanto, a atuar como prefixos, geralmente sob uma forma erudita
por terem sido tomadas de empréstimo ao latim literário na época do português
clássico. Em formações eruditas, uma forma divergente de uma preposição portuguesa passou também a ser usada como prefixo. Em outros casos, o latim apresentava uma preposição correspondente a alguns prefixos provenientes de partículas
adverbiais indo-europeias que se fixaram apenas como preverbos.
Said Ali manifestou-se contrariamente em relação a gramáticos que, baseandose no fato de os prefixos serem, em sua origem, vocábulos independentes, preposições ou advérbios, excluem-nos do processo da derivação. Para o autor, essa posição
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não tem apoio quando se analisam elementos formativos como dis-, re- e in- negativo, e outros como ob- e pre-, que já não são usados como palavras isoladas:
[...] é fácil afirmar que dis-, re- e o negativo in- representam partículas inseparáveis que são ou foram preposições ou advérbios. Equivale este argumento a uma
petição de princípio. Nada se sabe da existência de tais vocábulos independentes
nem em latim nem em qualquer outra língua indo-europeia. Por toda a parte
ocorrem estes elementos funcionando sempre como prefixos. Além disso, muito
é de notar que, quando se demonstrasse a existência real dessas sílabas em passado remoto, não já como elementos formativos, mas como verdadeiros advérbios
ou preposições, ainda assim não poderia prevalecer tal fato como argumento, a
menos que com a noção de prefixo se derrocasse também a de sufixo, o qual,
segundo a lingüística admite e por vezes claramente demonstra, procede também
de expressão que a princípio se usou como palavra independente. (1964: 229-230)
Lima (1937: 292) enfatiza o fato de que a origem – preposicional ou adverbial – dos prefixos condiciona sua função junto à unidade lexical a que se associam. De acordo com o gramático, prefixos preposicionais, oriundos de uma preposição, funcionam como complemento subentendido dessa unidade, a exemplo
de contraveneno, isto é, remédio contra veneno. Exercem função distinta dos prefixos adverbiais, equivalentes a um advérbio, que funcionam semanticamente e
modificam o significado da unidade lexical a que se juntam: redizer denota dizer
de novo. Lemos também, em Sandmann (1991b: 70-72), que os prefixos podem
assumir a função de adjetivos (superpacote = “pacote grande”), advérbios (hiperativo = “muito ativo”) e preposições (antianúncio = “contra o anúncio”).
Do ponto de vista significativo, os prefixos são definidos como partículas que
se antepõem ao radical para modificarem seu significado. Bechara (1999: 338) afirma que o prefixo “empresta ao radical uma nova significação e /que/ se relaciona semanticamente com as preposições”. Possui, também, mais força significativa do que
o sufixo, que assume uma função morfológica, pois pode alterar a classe gramatical
do radical que origina o derivado. Ao modificarem o significado do radical, os elementos prefixais atribuem-lhe uma “ideia acessória” (Coutinho, 1958: 189; Pereira,
E. C., 1958: 193), uma “relação” (Ribeiro, 1919: 87), ou, no dizer de Bueno (1963:
72), uma “circunstância adicional de tempo, negação, posição”. Essa modificação do
significado do radical não impossibilita que os prefixos, da mesma forma que os sufixos, conservem, em geral, uma relação semântica com o radical, assinalam Cunha
e Cintra (1985: 84). Essa relação semântica, continuam os autores, é o que distingue
os derivados dos compostos, já que no processo da composição formam-se palavras
não raro dissociadas, pelo significado, dos radicais componentes.
Ainda sobre a classificação dos prefixos entre derivados ou compostos, Margarida Basílio pondera que a controvérsia desaparece, uma vez que:
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Em suma, na prefixação acrescenta-se a uma base um elemento fixo, com função
pré-determinada; na composição, a partir de uma estrutura fixa, com função semântica pré-determinada, combina-se a semântica de dois itens lexicais quaisquer.
Dentro desse quadro, desaparece a controvérsia de se a prefixação deveria ser ou
não considerada como composição, na medida em que não entra em cogitação a
questão de se uma forma é livre ou presa, e sim se esta forma corresponde a um
elemento fixo de uma lista para formação ou não. (1989: 10-11)
Assim, segundo esse ponto de vista, a prefixação constitui um processo de
caráter derivacional.
Em trabalho posterior (1991: 40), Basílio acrescenta a essas considerações o fato
de a composição não raro apresentar uma função metafórica, que faz o composto
distanciar-se semanticamente de suas partes componentes. Na derivação, de maneira
distinta, esse fenômeno ocorre gradualmente, em função da deriva semântica.
Obras lexicográficas também enfatizam o caráter semântico expresso pelos
morfemas prefixais. O primeiro dicionário que menciona o valor semântico dos
prefixos é a 10ª ed. do dicionário de Morais Silva (1949-59), que apresenta referências à posição do morfema prefixal na unidade lexical e à mudança semântica
por ele provocada: “Sílaba ou sílabas que precedem a raiz de uma palavra, modificando o sentido desta, e formando palavra nova” (Silva, 1949-59, v. 8: 626-627).
Outra questão referente aos morfemas prefixais diz respeito à forma como
são apresentados nas obras gramaticais. Diferentemente dos elementos sufixais,
classificados segundo as classes de palavras que derivam, os prefixos costumam
ser apresentados de acordo com sua origem etimológica. Podem ser de origem latina (ab-, abs-...), grega (a-, ana-...) e vernácula, quase sempre de origem latina (a-,
bem-, entre-...), conforme atestam as gramáticas da língua portuguesa. De maneira distinta, o gramático Eduardo Carlos Pereira agrupa os prefixos, assim como
os sufixos, de acordo com o “grupo ideológico” a que pertencem (1933: 225-232).
Do ponto de vista morfológico, a associação do morfema prefixal a uma base
determina a formação de uma nova unidade lexical, que pode ser de caráter nominal (substantivo ou adjetivo) ou verbal.
Os morfemas aqui analisados como prefixais correspondem, em parte, àqueles que as gramáticas do português têm classificado como formas presas (anti-,
des-) ou, também, podem funcionar, eventualmente, como formas livres pelo fato
de terem sido preposições (in-, sub-), advérbios (não-) ou ainda radicais (hiper-)
nas línguas latina ou grega. Desse modo, integram nossa lista de prefixos os elementos que as gramáticas, os dicionários e os estudos linguísticos do português
incluem entre os de cunho prefixal. Incluímos ainda alguns elementos que são
diferentemente classificados (elementos de composição, compostos ou radicais
gregos e latinos, pseudoprefixos, prefixoides) e que em geral se referem a uma
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língua de especialidade. Assim, elementos latinos ou gregos, como multi- e hiper-,
que ultrapassaram os limites de uma língua de especialidade, em geral científica,
e são contemporaneamente empregados no léxico geral, foram por nós classificados como prefixais.1
A análise aqui apresentada agrupa os morfemas prefixais de acordo com
os valores semânticos que assumem ao prefixarem-se a uma base: espacialidade e temporalidade; intensidade; negação, oposição e favorecimento; quantidade
e dimensão. Esse agrupamento não é usual nas gramáticas da língua portuguesa, sendo observado, excepcionalmente, em Eduardo Carlos Pereira (1933:
225-232), conforme mencionado anteriormente, e em Motta (1935 [1916]).
Descrevemos os afixos prefixais do ponto de vista morfológico, semântico,
sintático, nos casos em que a forma derivada determina alterações argumentais, e também pragmático.
Neste capítulo, as construções prefixais constantes do corpus mínimo foram
complementadas por construções de outros inquéritos do Projeto Nurc e de um
corpus de língua falada na cidade de São Paulo, A língua portuguesa falada em São
Paulo: Amostras da variedade culta do século XXI (2012), organizado por Maria
Célia Lima-Hernandes e Renata Barbosa Vicente.
Prefixos denotativos
de espacialidade e temporalidade
As noções de espaço e tempo estão, como se sabe, intimamente ligadas.2
A expressão da espacialidade
A expressão da espacialidade, nos inquéritos analisados, é representada por
prefixos que indicam posição superior (sobre-, super-, ultra-), intermediária (inter-),
inferior (sub-, infra-, pré-), externa (extra-) e anterior e posterior (pré-, retro-).
Prefixos denotativos de posição superior
Prefixo sobreA posição superior transparece especialmente com sobre-, em formações verbais como sobrepor (pôr sobre) e sua respectiva forma derivada nominal sobreposição (posição sobre):
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• A construção morfológica da palavrA
(1)
... uma terceira... razão:: é que eles sobrepunham as imagens... então nós
vamos encontrar... em cima de um bisonte a imagem de um veado... então
não tem importância que aquela que aquele espaço já tivesse sido ocupado por uma imagem...se o próximo animal (que eu) preciso caçar é um cavalo eu vou desenhar um cavalo em cima daquilo... não tem importância...
ficar uma sobreposição de imagens... porque não é para ser visto... certo?
(EF SP 405)
Sobre- apresenta também o valor semântico de “posição posterior”, ligada à
temporalidade, como em sobremesa (depois da refeição), sobreviver (continuar a
viver) e sua forma derivada nominal sobrevivência (continuação da vida):
(2)
(3)
(4)
é na página dezessete... “a pessoa que”... prestem bem atenção “a pessoa
que no restaurante... tendo começado pela sopa... termina pela sobremesa... e que não deixará em seguida de pedir a conta”... isso é o mais normal... a gente começa pelo salga:do termina pelo do:r e finalmente por
favor me dá a conta um pouco constrangi­do às vezes num é? (EF RE 337)
a a população do Japão... extremamente grande pra sua área e extremamente laborio­sa no sentido de que...sabia que pra conseguir sobreviver,
tá? ... precisava ampliar a sua área de atuação... tá claro isso? (EF RJ 379)
...e por isso eram nômades e não se fixavam... a lugar nenhum... reoc/
numa vida deste tipo... a preocupação PRINcipal está centrada na sobre­
vivência... não dá tempo assim para minho­car coisas muito esotéricas... de
ficar pensando no sentido da vi::da... (EF SP 405)
A forma latina super-, correspondente ao vernáculo sobre-, está também
presente para indicar posição superior no verbo superpor e no substantivo superposição. Apresentamos um exemplo com superposto, forma participial do
verbo superpor:
(5)
Normalmente... eh... tradicionalmente havia uma zona de comércio e uma
zona residencial... mas em certas áreas muito densamente povoadas se
torna compensador que elas possuam também uma área de comércio...
então isso que ocorreu com Copacabana e com outros bairros do Rio
mais densamente povoados... essa separação entre residência e comércio...
como havia na Grécia antiga a ágora... né... a praça do comércio e as residências... isso não existe mais ( ) estão mais ou menos superpostos... né?
(DID RJ 39)
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Em novas formações, no entanto, o significado locativo de “posição superior”
anteriormente denotado pelo prefixo super- não está mais presente, tendo dado
lugar ao significado de “grandeza”, “qualidade superior”.
Prefixo ultraO prefixo ultra- também denota, em algumas formações, um caráter locativo.
Esse caráter transparece em nomes substantivos (ultramar) e adjetivos (ultramarino, ultramontano, ultraterritorial), aos quais o prefixo atribui o valor semântico de
“além de”: “além do mar”, “que está além do mar”, “que está além do monte”, “que
está além do território”, respectivamente. Transparece ainda no verbo ultrapassar,
empregado no corpus mínimo para significar “passar além de”:
(6)
...tão oscilante...que não só se limita atuar em outros casos... a glândula
mamária se vai até o plano profundo..­. ao multiprofundo... ultrapassando
às vezes esse limite... quer dizer além de chegar ao plano muscular... se
retiram os elementos musculares... (EF SSA 49)
Prefixos denotativos de posição intermediária
Prefixo interA posição intermediária é expressa pelo prefixo inter-, que constrói sobretudo nomes, mas também tem derivado formações verbais, a exemplo de interagir.
O prefixo associa-se à base adjetival intercostal, empregada em um inquérito
EF referente à Medicina. O significado expresso pelo adjetivo é o de “posição entre as costelas”:
(7)
...nós temos... as artérias... intercostais aorta e nós temos desde já a mamária interna e mamária externa... as veias... são..­. as veias...nós temos
também as veias homônimas... ou sejam...in­tercostais aorta...mamária interna...mamária externa... (EF SSA 49)
Em decorrência do significado de “posição intermediária”, inter- denota também “reciprocidade”, que transparece na construção do substantivo interpenetração e do verbo interagir:
(8)
sei... o:: o... o... o comércio... a zona... zona central do comércio seria então o... o...o elemento de convergência... né... o ponto central da cidade
em que o carioca de Piedade se encontra com o carioca de Ipanema...
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(9)
quer dizer que seria um, um ponto de encontro... de interpenetração... de
convivências... de... de vivências cotidianas entre o carioca de diferentes
pontos do Rio... (DID RJ 39)
...mas EU não acompanhei aquele...quando tô aqui...que todo dia o pessoal vem....mostra coisa....eu discuto...eu vejo...interajo....não agora...cê tá
fora...com a cabeça na lua...na lua não né? ((risos)) no Museu...vendo mil
coisas...você não interage com a sua pesquisa...e aí? (Hernandez-Vicente)
Inter- também denota “relação entre”, como se observa no adjetivo internacional:
(10)
quer dizer era... em qualquer competição internacional... seria possível
entregar logo de cara a taça ao Brasil... e nós seríamos infinitamente superiores... (DID RJ 23)
Prefixos denotativos de posição inferior
Prefixo subSub- antepõe-se a bases substantivas: subdivisão (EF POA 278); adjetivais:
subcutâneo (D2 RJ 374), subaquático (D2 RJ 374), subterrâneo (DID RJ 84); e também verbais, a exemplo de subdividir (D2 RJ 374):
(11)
(12)
(13)
(14)
...até os autores que (ininteligível) eram Bloom... ainda fez (fizeram) uma
subdivisão... ela não é de maior importância mas vale a pena apenas para...
a título de, de esclarecimento... de maior compreensão quando... enquanto
o indivíduo compreende... quando ele compreende... ele pode fazer de três
manei­ras... (EF POA 278)
Nesse tecido subcutâneo...os elementos responsáveis pela manutenção
dessa glândula...ou seja os vasos os mesmos...então o tecido subcutâne­o...
abaixo da pele portanto...nós vamos encontrar os elementos vasculares
de::.../ hormônios responsáveis pela...vasc/...irriga­ção... (EF SSA 49)
bom são... mamíferos né?
L1 – de serem mamíferos eh... aquáticos?
L2 – é...
L1 – ou subaquáticos... (D2 RJ 374)
Dizem que foi um:: um lugar... uma sen... uma antiga senzala... tem realmente uma... uma parte subterrânea em que poderia ser uma senzala de
escravos...entende? então parece que houve histórias de que houve fugas de
escravos... etc. etc. durante o período da... do século passado... (DID RJ 84)
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(15)
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é esse ... é perfeito... é prefeito... mas não é perfeito...
não é perfeito... e ele... e ele... pela... pela... pela organização daqui... eh...
ele... ele é sub... ele subdivide a prefeitura em prefeiturinhas... ou seja... nas
regiões administrativas da cidade... não é? (D2 RJ 374)
O significado de “posição inferior, abaixo de” transparece nos adjetivos subcutâneo, o que “está sob a pele”, subaquático, o que “está sob a água”, anteriormente
contextualizados, e no substantivo subsolo, que “está abaixo do solo”:
(16)
Ah, o meu andar... eu... eu... eu posso... eu tenho... tenho duas entradas...
eu posso entrar pela garagem... que o elevador de serviço... ele além de parar no primeiro andar ele tem subsolo... quer dizer que tem uma entrada
no subsolo... para quem vem da garagem direto subir para... subir para o
apartamento... (DID RJ 48)
Possivelmente em decorrência desse significado locativo de “posição inferior”,
o afixo expressa uma nuance pejorativa em algumas formações (cf. Alves, 1993:
388; Basílio, 1987: 88), como subdesenvolvimento, subempregado e sub-raciocínio:
(17)
(18)
(19)
L1 – Não... Mas eu estou citando o nordeste porque... porque... (es)ta­mos
falando da Amazônia e eu quero...
L2 – ... e era quase a mesma coisa... isso era uma condição do sub­
desenvolvimento brasileiro (sup.)
L1 – ... chegar lá... então... com a Transamazônica... que ninguém sabe... aí
é que é o ponto que eu quero chegar... (D2 RJ 64)
E isso então cria não só problemas assim comunitários, como eu falei, de
trânsito, de limpeza urbana... mas também... eh... cria toda uma geração
de tipos... inclusive permite... eh... a menores e a maiores subempregados
encontrarem fontes de renda com transportes das bagagens pro... pra residência das... das donas de casa que vão à feira e não têm como transportar
o material... não é? (DID RJ 39)
Loc. – /.../ até a quantia tinha que ser todo mês igual...então isso é um
problema...né? eu acho que isso traz muito sub raciocínio...né? já há raciocínio de botar... agora arranja uma porção de sub-raciocínios e é aquela
correria...nós já temos tanta papelada pra olhar os prazos... (D2 REC 05)
O sema “posição hierárquica inferior” é atestado junto a substantivos como
sub-reitor (D2 RJ 374) e subtenente, cujas bases denotam seres humanos. Maurer
Jr. (1951: 131) observa que esse significado, já presente no latim, porém com emprego raro, expandiu-se nas línguas românicas.
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• A construção morfológica da palavrA
Assim, um subtenente exerce uma posição inferior à do tenente:
(20)
... eu levei da minha escola... coisa que eu faço rapidinho... eu saí às cinco e
quinze... sete horas eu estava lá em Cascadura em frente ao subtenente da
Aeronáutica ali né... Cascadura... coisa que eu faço em cinco e dez minutos... eu levei... eu cheguei em casa mais ou menos às sete horas nesse dia...
(DID RJ 20)
O prefixo manifesta também um significado partitivo, que mostra que a unidade lexical construída faz parte de um conjunto maior, a exemplo de subcategoria. Nessas formações, verifica-se que a parte, expressa com sub-, denota uma
importância secundária em relação à palavra-base, não prefixada. Desse modo,
subcategoria e subgrupo implicam um valor secundário comparativamente a categoria e grupo, respectivamente:
(21)
(22)
...se a Maria Lúcia fez ver per... percutir com a sua colocação... ela vai dizer
que eu não posso aplicar... também... sem fazer uma análise ou aplicação...
então vamos voltar aqui... e... por isso... eu fiz questão... de dar as subcategorias dentro dessa categoria aqui de compreen­são os autores também... e
vejam que eu sempre que eu (es)tou falando eu me refiro aos autores... (EF
POA 278)
...é::... pequeno... é um... é um... nós temos ahn::... alguns NÚcleos... e eu
coordeno um... subgrupo dentro do grupo grande do laboratório... que é
o de preconceito e intolerância... em relação à linguagem... (HernandezVicente)
De maneira análoga, o verbo subdividir, que denota “dividir algo em partes”,
atribui um caráter secundário a cada parte de um todo, a exemplo de uma prefeitura dividida em prefeiturinhas (15).
Em decorrência do significado “posição inferior”, um caráter depreciativo
também pode ser atribuído à palavra-base pelo prefixo sub-. Nessas formações, as
unidades lexicais constituídas com sub- denotam “ausência” ou “insuficiência de
condições”, a exemplo de submundo:
(23)
As pessoas que moram ali são pessoas que algumas vivem praticamente
num submundo... né... porque ali existem coisas inacreditáveis... existem
pessoas que nos corredores têm galinheiros... têm porcos com chiqueiro e
tudo... né... alguns tiraram os tacos do chão pra vender... vasos sanitários
pra vender... (DID RJ 15)
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
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Como afirma Cano (1996), o prefixo sub- é bastante complexo e, na linguagem técnico-científica, adquire valores semânticos específicos:
Além do valor genérico “posição inferior”, o referido afixo localiza o termo da base
numa escala de grau, e passa a significar “pouco intenso”. Esse sentido pode vir especificado por alguma condição expressa na definição. Sub- pode, também, significar
‘secundário’, indicando que o termo derivado é secundário em relação ao expresso
na base, o que não significa, nesses casos, “posição inferior”. Em Química, quando
associado a nomes de elementos, sub- indica que o termo derivado é um elemento
básico; em Biologia, o afixo caracteriza uma espécie. Por último, subadquire o valor
semântico próprio de semi- e significa “um tanto, quase”. (1996: 72-73)
Prefixo infraInfra-, que também expressa “posição inferior” “posição abaixo de”, integra
construções nominais, não raro vinculadas a uma área de especialidade, a exemplo do substantivo infraestrutura, o que “está abaixo da estrutura” e, figurativamente, o que “lhe é essencial”:
(24)
Agora, num caso como o do Rio... por exemplo essa expansão da cidade se
fez às custas de prejudicar não só esse aspecto (inint.) que o senhor já se
referiu... humano... mas muitos outros... inclusive com uma ausência de...
o que nós chamaríamos serviços básicos ou de uma infra-estrutura, eh, de
serviços públicos. (DID RJ 255)
O significado de “posição inferior” transparece em outra ocorrência registrada nos corpus estudado com o emprego do substantivo infravermelho, que denomina uma “radiação cuja frequência é inferior à da luz vermelha”:
(25)
...não são os mais indicados... já saindo... (como é?) já saindo do infravermelho pro ultra-violeta ou vice-versa... eu nunca sei direito esse negócio...enfim... ah... o... no verão quando eu começo a ir à praia eu começo
a ir cedo... mas daqui a pouco já é uma amiga que telefona encontro uma
amiga na... ah não amanhã você vem mais tarde pra gente bater um papo
no fim passa do horário de onze pra uma... (D2 RJ 369)
Prefixo denotativo de posição externa
Prefixo extraA posição externa é expressa pelo prefixo extra-, que denota “fora de” em
formações substantivas, como extradireito, “que está fora do Direito”, e adjetivas
como extraterreno, “referente ao que está fora da terra”:
28
• A construção morfológica da palavrA
(26)
(27)
...toda... a conduta humana... isso é a coisa mais certa do mundo... toda a
conduta humana...está... pode ser catalogada...em três fases...conduta humana extra-direito...fora do processo...como dentro do processo...pode ser
catalogada em três fases distintas... o saber... o querer...e o agir... (D2-RJ-369)
... porque eles... lógico eles fazem o que eles quiserem... inclusive até pra
espantar... pra assustar... pra mil coisas... e uns aos outros... eles entre eles...
porque... a guerrinha deles é boa... de modo que eles fazem... é ou não é?
mas não acredito em... em coisas extra-terrenas... não... (D2 RJ 369)
De maneira análoga a outros prefixos (anti-, pós-, pré-), observamos que junto
a alguns substantivos o prefixo extra-, com significado locativo, pode exercer função adjetival no âmbito do sintagma nominal. Assim, em conduta humana extradireito constata-se essa função adjetival: “conduta humana que está fora do Direito”.
Prefixos denotativos de posição anterior e posterior
O já mencionado inquérito EF SSA 49, que trata da área médica, registra
construções com prefixos que indicam oposição relativamente ao espaço ocupado. Assim, a anterioridade espacial é expressa por pré- e a posterioridade espacial
por retro-. Esses afixos se juntam às bases adjetivais hilar e mamário, derivando os
adjetivos pré-hilar/pré-mamário e retro-hilar/retromamário:
(28)
(29)
...esse prolonga­mento axilar da mama...ele é mais...(corte na fala)...é
chamado de camada adposa retromamária...assim...ela é definida como
uma dependência...da camada adiposa pré‑mamária...essa camada adposa retromamária...que fica entre...a parte profunda ou parte plana da
glândula...é a apneurose do grande peitoral... (EF SSA 49)
...nós vamos encontrar a coluna dorsal...para os lados...a­quelas posições
constituídas por limites as paredes...aquelas porções mediastínicas...re­
tro‑hilares...porque as pré‑hilares constituíram os limites laterais...do mediastino anterior...para baixo...também a porção... (EF SSA 49)
No Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa (1982: 682),
Cunha comenta que o prefixo retro-, já documentado no latim em vocábulos como
retroceder, é também observado em construções da linguagem científica internacional, o que pode ser exemplificado com os adjetivos retro-hilar e retromamário, que
ocorrem no mencionado inquérito de elocução formal. Observa-se, nesse caso, uma
relação entre emprego de um prefixo e gênero textual de caráter científico.
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
29
A expressão da temporalidade
A expressão da temporalidade é expressa, no corpus estudado, por prefixos
que indicam o tempo anterior (pré-, recém-), posterior (pós-), concomitante (con-)
e intermediário (entre-).
Prefixos denotativos de temporalidade anterior
Prefixo préAlém do valor semântico de posição anterior, o prefixo pré-, que toma a
forma pre- quando se liga à base, apresenta também características temporais,
observadas em formações nominais e verbais: substantivos pré-guerra (EF RJ
375), pré-história (D2 SP 360); adjetivos pré-colombiano (EF SSA 020), pré-histórico (D2 SP 360), pré-iconográfico (EF SP 405), pré-revolucionário (DID RJ 144);
verbos predizer (EF POA 278), prever (D2 RJ 158). A essas formações, pré- imprime o significado de “temporalidade anterior”, como se observa nos exemplos
a seguir:
(30)
(31)
(32)
L1 – ele::...desde pequenino ele é ((vozes ininteligíveis)) desde pequeno o
Luís gosta...da história do homem...então...quan­do ele não sabia ler ele lia
mui/ ele via as figuras da pré‑hist­ória e gostava muito...então ele fazia com
que nós lêssemos...os livros éh::coleções:: uma e outra que a gente tem...
éh::sobre a formação do mundo...sobre a a::a fo/ a a evolução do homem
e tudo mais mas por gosto dele ele se interessava muito por aquela figura
assim...ah::disforme do homem pré‑histórico dos animais pré‑históricos e
tudo mais então ele sempre gostou agora que ele aprendeu. (D2 SP 360)
Não sei. Botaram... ma... naquela época, mil novecentos e dezenove... mil
novecentos e vinte... Bernardes... Epitácio Pessoa... né... aquela época prérevolucionária e uma ocasião botaram uma bomba perto lá de casa mas
(risada) a única coisa... recordação que eu tenho... (DID RJ 144)
L2 – é que tem vários né?
D: sim... um desses eh:... inclusive... mais ou menos estava prevendo a enchente do Mississipi... ele pode prever todos esses:... esses transtornos da...
L2 – não não estou a par de todo esse troço não... sei que existem: satélites
preparados para observar... (D2 RJ 158)
Observa-se que, nos sintagmas curso pré-vestibular e Japão pré-guerra, que
denotam “curso anterior ao vestibular” e “Japão anterior à guerra”, respectiva-
30
• A construção morfológica da palavrA
mente, as unidades lexicais pré-vestibular e pré-guerra exercem função adjetival.
Esse emprego, observável contextualmente, revela que, de maneira análoga a
anti-, extra- e pós-, o prefixo pré-, unido a um substantivo, pode apresentar função adjetival:
(33)
(34)
... e então... tinha seis meses pra:: me preparar pro vestibular... mas eu...
antes de terminar o curso técnico... como eu tava estudando à noite... eu
de manhã... comecei a fazer um curso pré-vestibular... ao mesmo tempo...
(DID RJ 01)
...se encontra por exemplo hoje... no Japão... quer dizer uma situação diferente daquele Japão pré‑guerra... né... os grandes capitais americanos e::
de outras nacionalidades convivem dentro da realidade japonesa... quer
dizer... as grandes empresas multinacionais... (EF RJ 379)
Prefixo recém-
Forma apocopada do adjetivo recente, o prefixo recém- junta-se a bases
deverbais, sobretudo formas participiais, atribuindo-lhes o significado temporal de “recentemente”, “há pouco tempo”: recém-casado denota “casado há
pouco tempo”:
(35)
...Era o mais jovem talvez... na época ele tinha o quê? Vinte e seis, vinte
e sete anos... trabalhava no antigo EDN... aí desses dez... o pessoal... ah...
professor de inglês... garoto novo... mas ele sentiu que... poxa era o único
ali novo... casado... recém-casado... praticamente... alguns mais velhos já
com outras definições e ele tinha que ir à luta...
Prefixo denotativo de temporalidade posterior
Prefixo pósA temporalidade posterior é representada pelo prefixo pós-, que apresenta
predominantemente características temporais. O afixo ocorre em construções nominais (substantivos pós-graduação, pós-guerra) e também em algumas construções verbais (pós-datar, pós-fixar):
(36)
... e dePOIS associada num programa da América ( ) com o Conselho Nacional de Pesquisa que foi para o estabelecimento da pós-graduação em química no...na Universidade Federal do Rio de Janeiro ... então aprecio muito
a...o modo de independência disciplinada do americano... (DID RJ 27)
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
(37)
31
... que também desde o seu início o que a gente conhece mais no Japão...é o
propalado milagre japonês eu não vou me reter no começo ao pós‑guerra,
eu vou partir...do início...da formação industrial do Japão... né? (EF RJ 379)
Dentre os verbos construídos com pós-, observa-se um uso bastante reiterado
da forma participial em função adjetival, que exemplificamos com pós-datado e
pós-fixado:
(38)
O economista explicou o que é um título pós-datado... um cheque pósfixado... dentre outras informações básicas...
De maneira similar a anti-, extra- e pré-, observamos que alguns substantivos
construídos com o prefixo pós- podem exercer função adjetival no âmbito do sintagma nominal, a exemplo de pós-eleição no contexto a seguir, em que o substantivo pode ser parafraseado por “posterior à eleição”:
(39)
Você gostou desse encontro pós-eleição?
Em função do caráter temporal e opositivo expresso por pós- e pré-, esses prefixos estabelecem, em um dos inquéritos, uma relação temporal opositiva, o que
contribui para a organização textual desse inquérito (cf. exemplos (34) e (37)).
Prefixo denotativo de temporalidade concomitante
Prefixo conO prefixo de origem latina con-, que toma a forma variante co- diante de consoante líquida ou vogal (Câmara Jr., 1975: 230), é originário da preposição latina
cum. Assume as formas com- diante de –b e -p (combater, compor) e cor- diante de
-r (corroborar) (Cunha, 1982: 190).
O prefixo junta-se a bases substantivais como coproprietário, que denota
“participação concomitante na propriedade”, e verbais (coexistir e conviver), que
“existem e vivem de maneira conjunta”, respectivamente, para expressar “participação, parceria concomitante”, como se observa nos trechos a seguir:
(40)
...Às vezes você acha que o edifício está mal organizado... que o condomínio está mal feito... enfim... que há um gasto qualquer que talvez não
seja muito justo e você fica um pouco i... inibida de fazer as reclamações
necessárias... ao passo que no edifício em que você é coproprietário do
edifício... você está sempre muito mais apto a fazer as reclamações necessárias e organizar conforme você quiser... certo? (DID RJ 84)
32
• A construção morfológica da palavrA
... no Japão... então coexistem hoje... HOJE... depois do milagre o quê?...
relações de produção do tipo FEUDAL... tá?... tá claro?... aonde... eh jornada de trabalho de dez a doze horas... certo? quer dizer... de um tipo
assim paternalista feudal... quer dizer... o salário... ainda não é a tônica
geral... sabe?... de uma economia que deveria que é capitalista... tá claro?...
são duas realidades que coexistem... uma economia por que é capitalista?
é baseada no capital... claro... com o milagre japonês não é apenas a força
de trabalho e os recursos naturais... é o capital MESMO... tá?... em forma
de capital financeiro e equipamentos... então... coexistem dentro de uma
mesma área... (EF RJ 379)
(42)Inf é... então eu deixo com vocês... a análise de... através da própria observação de vocês... ou vivência... da realidade social essa que vocês conhecem... porque vivem nela... têm de conviver com ela... quer dizer o que é...
viu Arnaldo? (EF REC 337)
(41)
Observamos, no último exemplo, que verbos construídos com prefixos podem apresentar complementos iniciados pela preposição correspondente ao prefixo (conviver com), conforme lemos em Kehdi (1990: 28).
Prefixo denotativo de temporalidade intermediária
Prefixo entreO prefixo entre-, originário da preposição latina inter, indica caráter temporal intermediário em construções nominais e verbais.
Observamos esse caráter temporal no substantivo entressafra, denotativo do
“que se situa entre duas safras”:
(43) Doc. – Como é que era antes da abertura de mercado?
Inf. – Antes da abertura de mercado...é... nós tínhamos, havia o problema
da entressafra do boi... a carne subia. Havia o período da entressafra do
leite... o leite sumia... Havia uma queda na safra do feijão... o feijão sumia...
o arroz... a mesma coisa... tudo isso. (DID RJ 28)
Em construções verbais, a ação expressa pelo verbo pode implicar “um pouco, não totalmente”, a exemplo do verbo entreabrir:
(44)Teve de entreabrir a porta para ver se... havia alguém no auditório...
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
33
Prefixos denotativos de intensidade
A intensidade é expressa pelos prefixos super-, hiper-, ultra, extra- e macro-, que indicam intensidade aumentativa, e sub-, mini- e micro-, denotativos
de intensidade diminutiva. Alguns deles – hiper-, super-, ultra- e sub- – indicam
também espacialidade, conforme foi estudado na seção “Prefixos denotativos de
espacialidade e temporalidade”. Incluímos também nesta seção o prefixo re-, cujo
valor de repetição apresenta aspectos intensivos.
Prefixos denotativos de intensidade aumentativa
Prefixo superO prefixo super- apresenta muitas ocorrências nos textos de língua falada
analisados. Essa vitalidade de super-, que não se limita ao período estudado, pois
o prefixo é ainda bastante frequente nos dias contemporâneos, pode ser explicada
por sua abrangência morfológica e semântica: o prefixo associa-se a bases substantivas (supermercado, superprodução), adjetivais (superfeliz), verbais (superfaturar) e não parece conhecer restrições semânticas:
(45)
(46)
(47)
(48)
L1 – não não não é questão disso não mas realmente a cadeia de super­
mercados aqui é de de... de... de de Recife provavelmente é superior a qualquer uma do país...isso vocês podem julgar lá vendo...mas não não... não é
propaganda não é coisa nenhuma agora o que eu acho é o seguinte... é que
nós temos... (D2-REC-05)
... destinatários de sua produção quer dizer ou o problema da economia
japonesa... da indústria nacional japonesa... sabe?... não PODE, não pode
chegar...a por exemplo crises de superprodução... VEJAM... dentro de um
esquema (a) economia americana como nós vimos é muito mais fácil...
pelo menos em termos de análise econômica... não é? (EF RJ 379)
Oh:: Vou ficar pra titia... vou ficar solteirona... não... pô... eu conheço...
essa minha tia que mora aqui... ela é solteirona... e eu acho que ela é super­
feliz... sabe... eu não acho que ela seria... feliz assim... ela é uma pessoa que
pô... ajuda os outros pra caramba... (DID RJ 03)
...e agora estão dizendo que o prefeito superfaturou essa obra...
O significado de super- está intimamente associado à base a que o afixo se
prefixa. Sobre essa característica de super-, também presente em outros prefixos
intensivos, adequadamente observa Rio-Torto (1993: 366) que,
34
• A construção morfológica da palavrA
quando se agrega a substantivos, o operador prefixal /de caráter intensivo/ tende a assumir valor atributivo, de natureza dimensional (supermercado “mercado
de grandes dimensões; mercado grande” maxi-, mini-) e/ou qualificante (superideia). Quando se combina com adjectivos ou com verbos, o prefixo assume
valor adverbial: hipergrande “muitíssimo, imensamente, excessivamente xb”.
Desse modo, se prefixado a bases substantivas, super- é associado a “grandes
dimensões”, a exemplo de superquadra, uma “quadra de grandes dimensões”:
(49)
mas: eu fiquei morando muito perto inclusive do lugar de onde saí... no
mesmo quarteirão com uma superquadra feito o... estilo de Brasília... e:
pra mim é conveniente no sentido de que eu tenho as meninas no... no
Jacobina que foi o colégio que eu frequentei... (RJ-DI 133)
Pode ainda atribuir à base de caráter substantival uma “qualidade excepcionalmente boa”. Assim, um supershopping center representa um “shopping center
com muitas qualidades, confortável, com boas lojas, bons serviços”:
(50)
O dia que botarem um super-shoping center... com uns repuxinhos... pro
sujeito que está duro olhar o repuxo... ou uma porção de... o que a gente
via... restaurante... casa de chá... nesse lugar... o sujeito senta ali... toma um
sorvete... mas fica... tem um ambiente... (RJ-DID-233)
Super- é não raro usado para intensificar bases cujos conteúdos semânticos
denotam características valorativas ou reforçativas, como se observa em superagradável, em que o prefixo atribui à base uma “qualidade excepcional, superior a
qualquer gradação”:
(51)
eu por exemplo... esse final de semana agora... eu tive em Vitória... fazendo um trabalho lá... eu achei uma cidade assim... superagradável... Os
prédios... não são tão aglomerados, sabe, um colado com o outro... tem
uma coisa mais de espaço você tem uma visão mais... mais ampla... (DIDRJ-02)
Dentre os adjetivos construídos com super-, numerosos são os provenientes
de formas participiais empregadas em função adjetival, a exemplo de supergelado,
superlotado e superorganizado:
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
(52)
(53)
(54)
35
então... você não gosta por exemplo... agora está se tornando muito comum no Rio de Janeiro... uma coisa que é comuníssima nos Estados Unidos... esse tipo de comida congelada... até... eh (sup.)
(sup.) é supergelada... né? (sup.)
(sup.) posto de gasolina já está vendendo... né? (DID- RJ-104)
L2 – eu por exemplo... né? hoje eu estou sem carro... meu carro está na
oficina... então... à noite... eu vou ter que ficar na Presidente Wilson... esperando um Laranjeiras...
L1 – um Laranjeiras...
L2 – pra mim só serve Laranjeiras e só serve ( )
L1 – [que não é fácil... só passam superlotados... (D2 RJ 269)
...tem... é::... o prédio está uma verdadeira bagunça... nós mudamos de um
edifício já bem antigo e quer dizer que com condomínio superorganizado... regulamento interno e essas coisas todas... (DID RJ 84)
O uso recorrente de super- em um mesmo contexto, ao prefixar-se a diferentes bases, reitera as características reforçativas expressas pelo prefixo:
(55)
às vezes tem o velhinho que senta na praça e você já... e... o velho vai encostar... não sei o quê...de repente o velho tem uma cabeça superaberta...
superjovem... deixa eu ver... o que mais... Ah... não posso falar muito de
horários... porque eu sou super ... ((risos)) pontualidade não é comigo...
(DID-RJ-12)
Esse emprego frequente, no entanto, tem provocado um desgaste que leva
o significado de super- a oscilar entre a intensidade absoluta (“excepcional”) e a
intensidade relativa (“muito”). Essas considerações, relativas ao português europeu (cf. Rio-Torto, 1987: 100-1; 1993: 367-8), podem aplicar-se às construções
de super- no português brasileiro. Desse modo, superirônico pode referir-se a alguém “relativamente irônico” ou “muito irônico”. Em razão da perda de parte de
seu significado intensivo, super- tem sofrido a concorrência de outros prefixos
que apresentam características intensivas valorativas, como hiper-, macro- e, mais
contemporaneamente, mega-.
Prefixo hiperAlém do valor locativo, o prefixo hiper- expressa também um valor de “excesso”, manifestado em termos de áreas científicas, especialmente da Medicina,
exemplificados pelo substantivo hipertrofia, um “desenvolvimento excessivo”, e
pelo verbo hipertrofiar, que significa “crescer excessivamente”:
36
• A construção morfológica da palavrA
(56)
...nós vamos encontrar durante a...gestação...na gravidez...há uma hipertrofia da glândula mamária...as glândulas mamárias...as mamas...se hipertrofiam durante a gestação...e mais ainda...essa hipertrofia é mais acentuada...
durante a::lactação...é cla­ro...que durante a lactação teria que haver um aumento maior...­mais considerado...isto acontece...durante a menopausa...há
uma atrofia...porque...e como eu disse a vocês... (EF SSA 49)
Em construções mais recentes, observa-se o prefixo associado a bases nominais, tanto substantivais (hiperacidez) como adjetivais (hiperácido):
(57)
eu pessoalmente não gosto de vinho seco... porque eu tenho uma certa
tendência para hiperacidez... então essa hiperacidez contra indica qualquer coisa mais ácida... daí a... eu... a evitar o vinho... e quando tomo...
tomo o branco e o doce... porque é o que eu gosto... como gosto de champanhe... embora tome... tome pouco... (DID RJ 253)
A partir dos anos 1980, hiper- tem sido bastante empregado para construir
unidades lexicais da língua comum, imprimindo-lhes características atributivas
“de grandes dimensões”, em caso de substantivos, e o caráter adverbial de “muitíssimo, imensamente”, quando prefixado a adjetivos. Assim, uma hiperliquidação é
uma “liquidação de grandes proporções”, uma pessoa hipermotivada é uma “pessoa muitíssimo motivada”:
(58) ...comerciantes do bairro estão promovendo uma hiperliquidação....
(59)Paulo está hipermotivado para começar o curso...
Prefixo ultraO prefixo ultra- expressa também, além do caráter espacial, o valor intensivo
de “excesso”.
Esse caráter intensivo expresso por ultra- revela-se em formações nominais,
em alguns substantivos (ultracorreção) e sobretudo em adjetivos, a exemplo de
ultradividido, ultraesquisito e ultrasseco:
(60)
... ele continua a falar na gíria dele... no no... registro informal e... quando
escreve alguma coisa... ele tem sempre medo... ele acha que aquilo não está
correto e acaba cometendo mesmo... ultracorreções... ou seja... coloca formas
que estão incorretas mas que ele pensa que estão corretas... porque... ele é
sempre corrigido quando ele diz “me dá um livro” e... o professor – antiquado... naturalmente... porque o de hoje em dia nunca faria isso – diz a
ele não se começa frase com pronome átono (EF RJ 356)
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
(61)
(62)
(63)
37
é...porque a autoridade é ultradividida...há uma hierarquia enorme ( )
vai subindo até chegar ao...ao cara...entendeu? não sei ...uma de pequeno
acho que é...acho que é bem controlado pelo proprietário... (EF RJ 364)
Certos tipos de... de... eh... de... de móveis ultraesquisitos... né... quer dizer... eh... assim... tornam-se mesmo uma coisa mais sofisticada... mesas
de mármore... né... mármores Carrara... digamos... né... coisas mais... mais
raras e mais caras... né? (DID RJ 0153)
... e os edifícios são muito altos de modo que os... os... bombeiros têm
paVOR... de chegar atrasado no incêndio... entendeu... e os moradores
também qualquer fumacinha eles dão logo um berro... porque eles sabem
que o: tomou proporções naquela madeira eh... ultrasseca dos edifícios
ninguém controla mais... (D2 RJ 296)
Nessas construções nominais, ultra- sempre denota “excesso de algo”: “excesso de correções” (ultracorreção), “excesso de divisões” (ultradividido), “excesso de
esquisitice” (ultraesquisito), “excesso de secura” (ultrasseco).
O caráter intensivo do prefixo é bastante utilizado em discursos políticos. Além da
forma substantivada ultra, que designa os partidários de atitudes ou ideias extremistas,
ultra- deriva substantivos e adjetivos relativos a atitudes e posições políticas, a exemplo
do substantivo ultraesquerdista e do adjetivo ultraconservador:
(64)
...tá parecendo que os ultraesquerdistas conseguiram mais votos que os
deputados ultraconservadores...
Um dos inquéritos mostra a concorrência que o prefixo ultra- estabelece
com o sufixo -íssimo, muitíssimo usado até os anos 1970 para indicar intensidade aumentativa:
(65)
Nós temos a favela da Catacumba... tínhamos a maior.... a maior favela
de todo o estado aqui perto que é a Rocinha... né... e tínhamos a famosís­
sima... ultrafamosa praia do Pinto aqui perto... né... que essa já desapareceu... né... ficou esse conjunto habitacional aí de dez prédios que é um
conjunto onde mora gente pobre... né... e reduto de... da flor da marginalidade também aí... né... presente... né? (DID RJ 0153)
Prefixo extraDe maneira análoga a outros prefixos locativos, extra- manifesta também um
significado intensivo. Esse caráter intensivo revela-se em casos em que o prefixo
junta-se a uma base adjetival, a exemplo de extraordinário, o “que não é ordinário”,
“que é fora do comum”:
38
• A construção morfológica da palavrA
(66)
(67)
... e a justiça veio reconhecer o meu direito... mandando-o pagar... as importâncias que seriam devidas como compensação... por aquelas horas extra­
ordinárias que eu trabalhei... e a justiça vem e diz “julgo procedente a reclamação... e condeno o empregador... a pagar ao empregado... a importância
xis referente às horas extraordinárias que ele trabalhou...” (EF RJ 341)
... da exploração da lua... o quanto evoluiu a técnica... não é? com essa
exploração da lua... não é? A parte de eletrônica... não é? evoluiu de uma
maneira extraordinária... fabulosa.... não é? que está sendo utilizada em
outros ramos... hoje... não é? (D2 RJ 64)
O uso do prefixo extra- como adjetivo (horas extras, gasto extra) pode ser
observado em alguns contextos dos inquéritos Nurc, revelando uma lexicalização
desse afixo:
(68)
(69)
... é... na minha profissão.... um arquiteto que se forma... o salário inicial
de arquiteto (es) tá em torno de quatro mil e quinhentos cruzeiros... cinco
mil cruzeiros... de acordo com ho­ra... quantidade de horas... normais ou
extras etc, então você vê o seguinte... se fosse nessa relação... este arquiteto
pra pagar a quarta parte de seu salário seria pra pagar mil cruzeiros... mil
e duzentos cruzeiros... certo? (D2 RJ 355)
... é um gasto extra... mas foi só um lanche... se deixar... quer todo dia comer em McDonald’s e Bob’s... e ali... é muita gordura... muito... né? aqueles
cremes... aquilo tudo...mas o... mas ela gasta muita energia... por isso é
que... e ela é... muito magrinha... ela faz jazz... faz balé... (DID RJ 14)
Prefixo macroBases presas ou elementos de composição, como macro-, originalmente formadores de termos das ciências e das técnicas, associam-se também a unidades
não especializadas, passando a exercer função prefixal e a construir nomes substantivos pertencentes ao léxico geral.3
O corpus mínimo apresenta macrogrupo, que pode ser parafraseado por um
“grupo de grandíssimas dimensões”:
(70)
...dizer on:de exista vida social onde os homens estejam juntos... áh:: de
forma duradoura... portanto formando um macrogrupo um sistema social uma sociedade enfim ou uma comunidade... inevitavelmente ten:de a
tomar uma forma definida... vocês sabem disso... nós temos o caráter social... porque nós temos uma forma... não somente geográfica do Brasil...
mas uma forma definida pelos padrões:... comuns a todos os brasileiros...
(EF REC 337)
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
39
Prefixos denotativos de intensidade diminutiva
Prefixo subO prefixo sub-, que manifesta caráter locativo na maioria das unidades lexicais das quais faz parte, também expressa “intensidade relativa”, uma “quase
intensidade”, a exemplo das construções nominais subconsciente, subdelírio, que
denotam “quase consciente”, “quase em delírio”, respectivamente:
(71)
...é que ele não estava bem... passava por um estado de subdelírio...
Manifesta também o significado de algo resultante ou consequente de alguma coisa, que se observa em subproduto:
(72)
Então na verdade eu tenho horas relativamente certas de comer... relativamente... se eu estiver empenhada no trabalho... eu passo da hora... mas
eu tenho horas relativamente certas de comer e como... eh:: aquelas coisas
que me alimentam... sem me sobrecarregar desnecessariamente de sub­
produtos que se traduzem em gordura... (DID RJ 253)
Prefixo miniO elemento mini-, originário da forma latina abreviada ou truncada
mini(mum), tem sido empregado em função prefixal em diversas línguas, dentre
as quais o português, a partir da criação pela inglesa Mary Quant, em 1965, do
tipo de saia denominado mini-skirt (cf. Peytard, 1975: 404; Haller, 1988: 86).
Denotando “muito pequeno”, mini- tem construído substantivos a exemplo
de miniparque e minissaia:
(73)
(74)
Bom... existe embaixo uma areazinha de... de terra mas que... pra começar... esse edifício aqui... criança mesmo assim em idade pequena acho
que só tem a minha e uma menina em cima do... aí no quarto andar... né...
de modo que edifício até que tem poucas crianças... né? E a área que tem é
uma área embaixo que antigamente minha filha brincava um pouquinho
e tudo... né, mas a área que em geral as crianças aqui do bairro preferem
brincar é essa área contígua aí da frente do Jardim de Alá... né? É um jardim muito espaçoso... tem o miniparque ali do lado... né... aí as crianças
brincam de manhã porque já à noite o aspecto dele é um tanto algo diferente. (DID RJ 153)
...porque eu me recordo que os meus primeiros vestidos de mocinha são
muito parecidos com os vestidos que eu vejo hoje... Eu... eu encontrei
uma época que se chamava a melindrosa... os vestidos de cintura baixa...
40
• A construção morfológica da palavrA
eu recordo-me que se fazia... mandava fazer saias plissadas e a costureira
dizia que a minha saia tinha quarenta e cinco centímetros... Eu juro que
não era minissaia... era pelo joelho... era tão pequeno o plissê... porque a
cintura era muito baixa... mas se usava a... o vestido na altura do joelho...
(DID RJ 258)
Observa-se, nesses dois empregos de mini-, que o prefixo ocorre em contextos em que o caráter de pequenez é corroborado pelo emprego do adjetivo
pequeno (“idade pequena” (DID RJ 153), “pequeno o plissê” (DID RJ 258)) e pelo
sufixo diminutivo -inho (“areazinha de, de terra”, “um pouquinho” (DID RJ 153)),
(“primeiros vestidos de mocinha” (DID RJ 258)).
Prefixo microDe maneira análoga a macro-, a base presa micro- passa a exercer função
prefixal ao associar-se a palavras não especializadas e ao construir nomes substantivos pertencentes ao léxico geral.
Exemplificamos esse emprego prefixal com a unidade lexical microrregião,
que pode ser parafraseada por uma “região de pequeníssimas dimensões”:
(75)
Loc. – Eu acho que o comércio tem implicações muito grandes para a cidade, para a locomoção das pessoas... para a escolha de residência... para...
eh... a própria... o próprio projetamento do trânsito... eh... ele tem... além
das conseqüências assim estruturais de... de aumento de renda... de circulação da riqueza... mas em termos de cotidiano... do dia-a-dia... isso
provoca também uma série de consequências inclusive pra problemas de
trânsito por exemplo... o estacionamento... né... tudo isso em termos de
microrregião isso traz uma série de implicações... né? DID RJ 39
Prefixo reRe- é um prefixo bastante utilizado na construção de palavras do português,
às quais atribui o significado geral de “repetição”: reeducação denota “educar outra vez”, reproduzir implica “produzir outra vez”:
(76)
(77)
...a menina faz fonoaudiologia porque ela está com três anos e pouco...e
ainda não fala...fala muito pouco...então ela faz...reeduca/...reeducação
não mas seria...exercícios...com a fonoaudióloga para ver se::.. se começa
a falar mais rapidamen­te... (D2 SP 360)
...a minha avó era assim... ela qualque(r) prato... podia se(r) o mais complexo... de gosto mais estranho ou exótico possível... ela detec­tava tempero
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
41
por tempero e depois reproduzia fazia eu sei que... ah... quando chego...
praticamente os primeiros vidros de Ketchup que chegaram dos Estados
Unidos era material importado... meu tio trouxe pra casa a prova daquilo... (D2 POA 291)
Grande parte dos nomes construídos com re- é originária de verbos e formada por sufixos denotadores de ação, como -ção (reeducação (D2-SP-360), reorganização (EF-POA-278)), ou constitui formas deverbais como reajuste. Constatase, assim, que a maior parte das construções nominais constituídas com re- têm
origem em uma forma verbal.
Os dados que analisamos confirmam a afirmação de Cavalcanti (1980: 40),
que conclui que, à exceção dos verbos denotativos de processos concluídos ou de
estados, re- prefixa-se a todo tipo de base verbal.
Além do significado básico de “repetição”, re- também denota intensidade
em algumas formações, a exemplo do verbo ressentir, que implica “sentir muito”:
(78)
... então quase que se poderia dizer que a diferença que a relação... que há
uma relação entre interpretação e análise... e que a diferença entre análise
e interpretação é uma diferença de grau... é uma análise com características mais científicas... mais sistemáticas... mas aquilo de que tu te ressentiste para poder fazer uma extrapolação... já... (EF POA 278)
O caráter repetitivo que re- imprime à base é por vezes reiterado textualmente, em contextos em que as unidades lexicais neológicas construídas com o prefixo
se inserem. Assim, a repetição pode ser percebida em complementos adverbiais
indicativos de temporalidade (quantas vezes) ou pelo emprego de adjetivos (novo):
(79)
(80)
...quantas vezes preciso lhe dizer para reorganizar esse arquivo?
...o Claudio tá dizendo que o governo anunciou um novo reajuste...
Prefixos denotativos de negação, oposição e
favorecimento
Prefixos denotativos de negação e oposição
Os afixos prefixais que revelam negação e oposição nos inquéritos estudados
são des- / dis-, in-, não-, anti-, contra- e a(n)-.
42
• A construção morfológica da palavrA
Prefixos des-, disDes- é, dentre os prefixos denotativos de negação e oposição, o mais empregado no corpus mínimo analisado. Prefixa-se a todas as classes variáveis, formando nomes e especialmente verbos.
Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr. (1975: 231), des- resulta da combinação, desenvolvida no romanço lusitânico, das preposições de e ex, que originaram
um prefixo de significado negativo. O autor menciona certa confusão com dis-,
prefixo comum no latim para indicar separação. Diferentemente de Câmara Jr.,
Mário Barreto (1944) argumenta que des- tanto pode resultar de dis- como da
junção das preposições de e ex:
Se des é a forma vulgar do prefixo dis (e em italiano não há des, mas sim e sempre dis: disunire, disapprovare, disamore), e se dis é o mesmo prefixo latino dis,
de igual origem de bis, ou seja o mesmo que originou o numeral duo, dois, se
assim é, DIS com as formas DIS (dispor), DES (desigual), DI (divertir) significa
originalmente duplicidade como dissecar (cortar em dois), disjungir (separar
duas coisas juntas), depois separação ou diversidade de partes como dispor, divertir e finalmente oposição, como desleal, desamável, desaplicado. (1944: 48)
Said Ali (1964: 250) prefere considerar des- a romanização de dis-, forma que permanece em unidades lexicais emprestadas do latim e que se transformou em des- nas
criações do português. Acrescenta que, ao lado da diferenciação fonética, acentuou-se
uma diferenciação semântica, com o desenvolvimento do significado negativo que já
se observava no latim dispar, dissimilis, entre outros exemplos, e com a extinção do
significado de separação ou divisão que caracterizava o prefixo latino. Cunha (1982:
268) também considera que dis- evoluiu normalmente para o português des-.
As construções com dis- no português são bastante reduzidas, se comparadas
com as constituídas com des-.
No corpus mínimo analisado, dis- prefixa-se a nomes (substantivo discomplementariedade e adjetivos disforme, dissemelhante). A essas formações, dis- atribui o
significado de “sem”, “desprovido de”, observado em discomplementariedade (sem
complementaridade), disforme (sem forma), dissemelhante (sem semelhança):
(81)
(82)
...outras perguntas se torna mais fácil para mim também... e respondendo
às perguntas que eu... fiz pra vocês... uma foi as discomplementariedades
acabamos de... verificar se existe ou não... (EF REC 337)
...a evolução do homem e tudo mais mas por gosto dele ele se interessava
muito por aquela figura assim... ah::disforme ... do homem pré-histórico
dos animais pré-históricos e tudo mais então ele sempre gostou agora que
ele aprendeu... (D2 SP 360)
DERIVAÇÃO PREFIXAL •
(83)
43
...quando eu digo que o homem a natureza humana é muito rica... e quero
tirar com isso um pouco não é? da depressão de alguns em relação até ao
próprio ao próprio curso... é porque eu realmente realmente acredito...
que há muita riqueza quando vocês olham... homens semelhan:tes e dissemelhantes... ou sejam homens... bem diferen­tes... e homens iguais entre si
se alguns... conseguindo viver juntos... (EF REC 337)
Diferentemente de dis-, o prefixo des- é atestado em várias construções, verbais e nominais.
Junto a bases verbais, des- deriva verbos como desaparecer (D2 REC 05), descarregar (D2 SSA 98), desconhecer (D2 REC 05), desmontar (D2 SP 360):
(84)
você não diga que Olinda desapareceu...não ... pelo contrá­rio você não desconhece uma pesquisa ...agora ... da ONU determinou o seguinte... que Olinda é
o maior conjunto barroco existente no mundo atualmente... (D2 REC 05)
O afixo une-se, não raro, a formas participiais em função adjetival, a exemplo
de descansado (DID POA 45), descaracterizado (D2 REC 05), desconhecido (EF RJ
379), desesperado (D2 SP 360), desiludido (D2 SP 360), desimpedido (D2 SSA 98),
despreocupado (D2 POA 291):
(85)Inf. – é... aí não sei que(m) foi uma tia minha lá urna irmã do meu pai foi
que matou a cobra... e outra vez o meu avô... era desses brasileiros muito descanSAdos... foi buscar umas galinhas... e::trouxe tudo dentro dum
saco... (DID POA 45)
(86) L2 – em igrejas bonitas... as igrejas de Olinda... são BEM melhores... tavam todas quase todas...uma grande quantidade de igrejas de Olinda tavam descaracterizadas...agora o patrimônio histórico tá uma comissão
trabalhando permanentemente em Olinda e o patrimônio histórico tá
restaurando... (D2 REC 05)
(87) L2 – eu queria então uma família grande tínhamos pensa::do...numa família maior mas depois do segundo...já deve estar todo mundo tão desesperado que nós ((risos)) estamos pensando... (D2 SP 360)
e ainda a bases substantivas, que exemplificamos com desjejum (DID RJ 328),
desproporção (D2 SP 360), desvantagem (D2 REC 05):
(88)
...eles não fornecem merenda escolar...se bem que esse ano nós conseguimos lá pra escola uma merenda...é...mas é uma merenda assim...não
é::nao é bem merenda...eles chamam de desjejum...depois uma::um instituto de nutrição...ofereceu à escola...éh uma merenda... (DID RJ 328)
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